69
CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE – UNI-BH Relações Internacionais NATHÁLIA ROCHA FERREIRA FORMAS DE DOMINAÇÃO DA MASSA E GOVERNOS TOTALITÁRIOS: (HITLER E MAO TSE -TUNG) Belo Horizonte – MG 2008

Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE – UNI-BH

Relações Internacionais

NATHÁLIA ROCHA FERREIRA

FORMAS DE DOMINAÇÃO DA MASSA E GOVERNOS

TOTALITÁRIOS:

(HITLER E MAO TSE -TUNG)

Belo Horizonte – MG

2008

Page 2: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

NATHÁLIA ROCHA FERREIRA

FORMAS DE DOMINAÇÃO DA MASSA E GOVERNOS

TOTALITÁRIOS:

(HITLER E MAO TSE -TUNG)

Trabalho apresentado à disciplina Monografia II do 8º período do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário de Belo Horizonte - Uni-BH, como requisito para aprovação.

Orientadora: Alexandra Nascimento

Belo Horizonte - MG

2008

Page 3: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

NATHÁLIA ROCHA FERREIRA

FORMAS DE DOMINAÇÃO DA MASSA E GOVERNOS TOTALITÁRIOS:

HITLER E MAO TSE-TUNG

Monografia apresentada ao Curso de Relações Internacionais do Centro Universitário de Belo Horizonte –UNI-BH. Orientador: Alexandra do Nascimento Passos

Monografia defendida e aprovada em: 15 de dezembro de 2008 Banca examinadora: __________________________________________________ Prof. Dawison Elvécio Belém Lopes DCJPG/UNI-BH __________________________________________________ Prof. Túlio Sérgio Henriques Ferreira DCJPG/UNI-BH

Page 4: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

Sinceros agradecimentos aos meus professores que ao longo da

graduação contribuíram para o meu crescimento acadêmico e

pessoal. E agradeço em especial, minha orientadora Alexandra do

Nascimento Passos, pela confiança e incentivo.

Page 5: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

“Se vivêssemos com os direitos que recebemos da natureza e segundo

os preceitos que ela ensina, seríamos naturalmente submissos a nossos

pais, súditos da razão, mas escravos de ninguém” (ETIENNE DE LA

BOÉTIE)

Page 6: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

RESUMO

O projeto apresentado tem como objetivo estudar as formas de dominação de regimes

totalitários sobre as massas populares. Através da dominação, consentida em diversas áreas da

sociedade. Nesse contexto, a análise do projeto abordará diferentes conceitos para este líder,

que através de três principais óticas será abordado primeiramente por Hannah Arendt, como

líder totalitário; por Weber, como líder carismático, e, por fim, por La Boétie, como tirano.

Mediante análise histórica dos casos estudados, poderá ser observada uma linha de

ação característica dos governos totalitários. Mesmo sendo estes governos, com ideologias

políticas antagônicas, podemos observar essa postura convergente entre os líderes dos casos

estudados.

Nota-se, nesse projeto, que não se pode explicar a servidão da massa somente através

do poder coercitivo, mas sim através da imagem de um líder carismático mistificado e

cultuado. De qualquer forma este líder não alcançaria a Revolução sem antes existir uma

abertura em um Estado falido.

PALAVRAS CHAVE: Dominação – Totalitarismo – Líder carismático – Servidão voluntária

Page 7: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Vendas inglesas de ópio para a China........................................... 35

Page 8: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

SUMÁRIO

CAPÍTULO I – Fundamentação Teórica...................................................................05

1.1 O totalitarismo...........................................................................................................06

1.1.2 Totalitarismo e propaganda....................................................................................09

1.2 Os tipos de dominação...............................................................................................11

1.2.1 Racional Legal......................................................................................................11

1.2.2 Racional Legal Patriarcal......................................................................................12

1.2.3 Carismática............................................................................................................13

1.3 Servidão Voluntária..................................................................................................15

CAPÍTULO II – Histórico........................................................................................19

2.1 Alemanha..................................................................................................................20

2.2 China..........................................................................................................................34

CAPÍTULO III – Análise.........................................................................................47

ANEXO...................................................................................................... 61

BIBLIOGRAFIA.......................................................................................64.

Page 9: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

5

INTRODUÇÃO

O trabalho apresentado tem por objetivo estudar regimes totalitários – sua origem e

formação – visando entender como estes governos se erguem e conquistam a servidão

voluntária da massa. O projeto apresentado propõe o estudo dos meios de dominação

utilizados pelos líderes totalitários. Tomando como referência a história vivida pela Alemanha

no período entre guerras até a queda de Hitler e a história da China pré-revolucionária até a

morte de Mao Tse-tung, os regimes totalitários serão analisados a partir do pensamento de três

principais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie.

O primeiro capítulo utilizará os autores acima citados como forma de sustentação teórica

às idéias defendidas ao longo do trabalho. O primeiro conceito se dedicará a entender o que

são os regimes totalitários, o segundo especificará o que é o líder carismático e sua relação

com a massa, e por fim, o terceiro discorrerá sobre a servidão voluntária que buscará explicar

porque os homens se sujeitam à tirania.

O segundo capítulo será dedicado a descrever historicamente os antecedentes de uma

revolução política que terá como princípio uma anterior desordem nacional, e a ascensão

destes dois partidos: nazista e comunista, objetos de estudo do projeto.

O terceiro capítulo terá o objetivo de analisar as informações recolhidas ao longo do

projeto para, por fim, estudar com maior profundidade e especificidade os governos acima

citados, utilizando a teoria para explicar os fatos ocorridos e analisando os discursos feitos

pelos dois governantes. Neste capítulo cada característica dos governos totalitários, líder

carismático e servidão voluntária será demonstrada através dos acontecimentos históricos.

Será também analisada a tendência que Estados falidos, descritos por Jackson (1990), tentem

para a revolução.

Page 10: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

6

CAPÍTULO 1

1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.1 O Totalitarismo

A fundamentação teórica do trabalho será dividida em três principais conceitos, sendo uma

delas o totalitarismo presente nos governos de Hitler e Mao Tse-Tung1. Assim como para a

autora Hannah Arendt(1989), Bobbio(2000) caracteriza o totalitarismo como uma política uni

partidária de massa, onde o líder possui domínio total sobre a sociedade em todas as áreas:

política, comportamento social, economia, cultura, acesso as informações, cultura, arte e tudo

aquilo que afeta a sociedade dentro de um Estado. Esse domínio existe para que segundo La

Boétie (1986) a sociedade permaneça em estado de servidão voluntária, mantendo o controle

social dentro do domínio do governante tirano. A conquista e domínio da massa tornam-se,

então, imprescindíveis para a formação de um governo totalitário. Arendt descreve essa

importância.

Os movimentos totalitários são organizações maciças de indivíduos atomizados e isolados. Distinguem-se dos outros partidos e movimentos pela exigência de lealdade total, irrestrita, incondicional e inalterável de cada membro individual. (ARENDT, 1989 : 373)

Para que os movimentos totalitários se tornem um dia um partido único no governo, é

preciso primeiramente recrutar seus membros entre a massa que teoricamente não possui

acesso aos acontecimentos políticos do país, ou aparentemente são indiferentes. O primeiro

1 No período em que a autora Hanna Arendt escreve, a China ainda está iniciando seu processo de mudança governamental, por isso é somente citada em seu livro a possibilidade de Mao Tse-Tung ser um futuro governante totalitário, mas ela não aprofunda seus comentários já que neste período Hanna Arendt ainda não possui informações suficientes para caracterizá-lo com tal.

Page 11: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

7

caso pode ser enquadrado pelos camponeses da China, recrutados por Mao Tse-Tung, e o

segundo se encaixa, segundo a autora, na perspectiva alemã que passava por uma forte crise

econômica, tornando a massa por conseqüência aparentemente ausente das decisões políticas

do país. Esta massa alemã é, segundo Arendt (1989), excluída e esquecida pelos outros

partidos de direta.

A ascensão de governos totalitários na Europa fez cair por terra duas ilusões que os países

democráticos europeus tinham: a primeira de que a porcentagem da população que não se

envolvia na política era minoria; e a segunda é que essas massas neutras realmente não se

importavam com a política de seus países. Hitler conseguiu primeiramente força neste grupo,

que se revelou uma grande massa engajada no partido nazista, fortalecendo-o cada vez mais.

Após recrutar a massa, o movimento totalitário tenta acabar com as classes dentro do país

para que haja uma unificação entre proletários e burgueses. Estas extintas classes deverão ter

um objetivo comum contra um inimigo externo. No caso da China, existe ainda a influência

marxista2 :

Os nossos interesses e as nossas tarefas consistem em tornar a revolução permanente, até que seja eliminada a dominação das classes mais ou menos possuidoras, até que o proletariado conquiste o poder do Estado, etc. Para nós não se trata de reformar a propriedade privada, mas de aboli-la; não se trata de atenuar os antagonismos de classe, mas de abolir as classes: não se trata de melhorar a sociedade existente, mas de estabelecer uma nova (MARXM/ENGELS,1989:42)

Essa teoria marxista visará à extinção das classes com o objetivo de acabar com a exploração

burguesa sobre o proletariado, e em nível internacional, ela se torna uma luta contra o

imperialismo estrangeiro. Em sua obra, Mao Tse- tung (1982) adapta o que seria a teoria

marxista-lenista para a realidade Chinesa:

2 Segundo CHAUÍ, Marilena (1999) as idéias de La Boetie em Servidão Voluntária, tiveram influência na teoria marxista. Apesar de Rothbard ter afirmado no artigo sobre Servidão Voluntária que La Boetie não aprofunda na discussão sobre anarquia, outro autor existente no texto: (Bonnefon, op. cit., "Introduction," p. xliii. In s hort, even Bonnefon, reacting gingerly to the radical nature and implications of La Boetie's work, classified it as anarchist.) afirma existir sim um viés anarquista em LaBoetie.

Page 12: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

8

Numa sociedade sem classes, cada indivíduo, como membro da sociedade, colabora com os demais, estabelece com eles determinadas relações de produção e realiza uma atividade de produção, a fim de resolver os problemas da vida material dos homens.” (MAO TSE-TUNG 1982: 79)

Na Alemanha, a extinção das classes significou um colapso no sistema partidário que já

não tinha mais razão de existir. Com a ausência das classes, os partidos não tinham que

defender o conflito de interesses entre os diversos grupos, isso facilitou a consolidação do

partido único alemão liderado por Hitler.

Visto que para um governo que se intitula totalitário é necessário “acabar com a existência

autônoma de qualquer atividade” (ARENDT,1989: 372). A proibição de qualquer atividade

autônoma no governo totalitário inclui, entre outras, expressão política, ideológica, cultural ou

religiosa que se opõem às idéias do novo líder. Construindo um pensamento e comportamento

padronizado, fica mais fácil o domínio da massa.

Para a padronização do comportamento, é necessária a utilização de uma disseminação

homogenia das idéias revolucionárias. E esta será feita através da propaganda política.

Page 13: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

9

1.1.2 Totalitarismo e propaganda:

Após a utilização da propaganda pelos governos totalitários com o objetivo de persuadir a

massa, a palavra “propaganda” ganhou significado pejorativo de enganação e ilusão, caindo

em descrédito:

A propaganda pode ser definida como difusão deliberada e sistemática de mensagens destinadas a um determinado auditório e visando a criar uma imagem positiva ou negativa de determinados fenômenos (pessoas, movimentos, acontecimentos, instituições, etc.) e a estimular determinados comportamentos. A propaganda é, pois, um esforço consciente e sistemático destinado a influenciar as opiniões e ações de um certo público ou de uma sociedade total. (BOBBIO,2000:1018)

No período anterior a consolidação do Estado totalitário, a propaganda possui um objetivo

bem específico: é preciso dialogar com a massa de forma plausível, já que neste momento

ainda existem influências externas dentro do país que podem fazer oposição ao governo. Neste

período o acesso à informação é gerado por vários meios além do Estado. Já no período em

que o Estado já se consolidou como um governo totalitário, a propaganda terá o papel de

manter a massa apoiando o governo através de propagandas muitas vezes ilusórias. Neste

período, o governo já possui total domínio também sobre a imprensa nacional.

A propaganda poderá também ser utilizada como meio de tirar a atenção dos problemas

internos e engrandecer as façanhas e o poder do governante em regiões distantes das áreas

urbanas3 e onde a massa não terá condições de descobrir a real situação do país. O fato de a

população possuir tanta crença nestes governantes gera uma credibilidade cega em relação às

propagandas. Neste contexto, Bobbio (2000) afirma que a idéia de manipulação de grandes

massas através da propaganda surgiu no século XX com os governos totalitários.

Quando Arendt (1989) escreve: “todo programa político definido que trate de assuntos

específicos em vez de referir-se a questões ideológicas que serão importantes durante séculos

3 Os judeus e primeiramente os comunistas foram levados para campos de concentração longe de Berlim, o centro urbano da Alemanha.

Page 14: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

10

é um entrave para o totalitarismo” (ARENDT, 1989: 373), ela demonstra como os governos

totalitários estão voltados para uma ideologia grandiosa, que pretendem trazer resultados a

longo prazo. Neste contexto, a luta pela ideologia nazista ou comunista existe por um objetivo

maior, que será reconhecido no futuro. E é neste argumento de “uma vida melhor no futuro”

que Mao Tse-Tung e Hitler se apóiam para conseguir o apoio da massa. Seguem abaixo os

discursos de Hitler e Mao Tse-Tung justificando a invasão da Áustria e Tibet.

Versión de Hitler, 1938 “Nuestra tarea ahora se llevará a través del trabajo, a través de la industria, a través del esfuerzo común y de encontrarnos unidos para resolver los grandes problemas sociales, culturales y econômicos y sobre todo, para desarrollar más y más a Áustria y ponerla como uma avanzada de sentimiento y de La fuerza de voluntad Nacional Socialista.” Hitler,hablando,marzo 15, 1938 em Viena (WALKER,1966:33) Version de Pekín, 1959 “El Comitê Preparatório para la Región Autônoma de Tibet, debe, de acuerdo com la Constituición, com las aspiraciones de las masas del pueblo y com las característias sociales, económicas y culturales del Tibet, llevar a cabo, paso por paso, reformas democráticas y librar al pueblo del Tibet del sufrimiento, para poder poner las bases em la construcción de um próspero Tibet socialista.” “Resolución” Congresso Nacional del Pueblo, abril 28, 1959 (WALKER,1966:33)

Se verificarmos os 25 pontos (em anexo) do programa do partido nazista pode-se perceber

quão ambiciosos são os objetivos apresentados à massa. No caso da China, o Plano

Qüinqüenal4 apresentou objetivos mais específicos que acabaram por comprometer o governo

e a ideologia comunista de Mao Tse-Tung, que ao longo dos anos perdeu força no novo

contexto mundial. As décadas de 70 e 80 marcaram o começo da crise para os Estados

comunistas, que já não conseguiam mais alcançar as altas taxas de crescimento vistas

anteriormente e nem conseguiam acompanhar os avanços científicos tecnológicos vistos nos

4 O Plano Qüinqüenal de Mao Tse-Tung foi auxiliado pela URSS, e possuía objetivos puramente econômicos com o desenvolvimento industrial do país. Já o Plano Quadrienal de Hitler visava uma economia de guerra para a Alemanha.

Page 15: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

11

países capitalistas. Segundo Weber (2004), este tipo de crise estatal pode significar o início da

crise também do líder carismático.

1.1 OS TRÊS TIPOS PUROS DE DOMINAÇÃO (WEBER)

Em seu livro, Max Weber (2004) legitima três tipos puros de dominação: a Burocrática, a

Tradicional e a Carismática. Esta ultima será utilizada como base teórica para alguns

conceitos estudados ao longo da pesquisa. Para Weber, o conceito de dominação consiste na

“...probabilidade de encontrar obediência para ordens específicas (ou todas) dentro de

determinado grupo de pessoas.” (WEBER, 2004: 139)

1.2.1 Dominação Legal ou Burocrática

Em virtude da existência de um estatuto, seu tipo mais puro é a dominação burocrática e

sua idéia básica é que qualquer direito pode ser modificado através de um estatuto

corretamente sancionado. Neste tipo de dominação, a obediência existe em virtude de uma

regra estatuída que estabeleça quem deve ser obedecido e em qual medida. E nesta

dominação quem ordena fica também sujeito ao regulamento por ele estabelecido.

O tipo de dominação legal está situado na estrutura moderna do Estado e municípios,

assim como dentro de uma empresa capitalista privada. Mas o tipo mais puro – a burocracia –

não é sempre exclusivo na dominação legal. Existem ainda associações políticas como os

“monarcas” ou os “presidentes” que foram eleitos pelo povo e não são considerados

funcionários contratados. A burocracia eletiva é uma característica dos Estados modernos e,

principalmente, dos Estados democráticos.

Page 16: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

12

1.2.2 Dominação Tradicional ou Patriarcal

O tipo mais puro da dominação tradicional é a patriarcal que baseia sua fidelidade em

virtude da dignidade própria do “senhor”, santificada pela tradição. Segundo Weber (1991),

caso o “senhor” não puna qualquer tipo de violação, a sua legitimidade do próprio domínio

seria colocada em risco. As normas e direito deste tipo de dominação vêm através do

reconhecimento e de um estatuto que sempre existiu legitimamente.

Existem, porém, duas modalidades deste tipo de dominação: a estrutura puramente

patriarcal que possui dependência pessoal do “senhor”, sendo estes: (filhos, escravos, servos,

eunucos e plebeus); e a outra estrutura é a estamental, os servidores não são pessoalmente do

senhor, e sim pessoas independentes cuja administração é feita por conta própria.

A forma de dominação do primeiro exemplo (do pai de família, o chefe daquela

sociedade) possui o tipo mais puro da dominação tradicional, já o segundo exemplo está muito

mais ligado à dominação legal do poder administrativo.

1.2.3 Dominação Carismática

A dominação carismática de Weber (1991) se caracteriza em virtude da devoção afetiva

ao líder que possui qualidades excepcionais como: poderes mágicos (o profeta), revelações ou

heroísmo (o herói guerreiro), e poder intelectual ou de oratória (o demagogo). Qualidades tais

que ao se juntarem - o herói guerreiro e o demagogo – na figura de um só homem, servirá de

ponto de apoio para o surgimento do totalitarismo do século XX através de Hitler e Mao Tse-

Tung, que foram guerreiros e demagogos.

A autoridade carismática baseia-se na “crença” no profeta ou no “reconhecimento” que encontram pessoalmente o herói guerreiro, o herói da rua e o demagogo, e com eles cai. E, todavia, sua autoridade não deriva de

Page 17: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

13

forma alguma desse reconhecimento por parte dos submetidos, mas ao contrário: a fé e o reconhecimento são considerados um dever, cujo cumprimento aquele que se apóia na legitimidade carismática exige para si, e cuja negligência castiga. Sem dúvida, a autoridade carismática é uma das grandes forças revolucionárias da História5, porém em sua forma totalmente pura tem caráter eminentemente autoritário e dominador (WEBBER, 1991:136).

Tomando como referência a história vivida na Alemanha pré II Guerra Mundial e na

China pré Revolução comunista no século XX, será analisada a ascensão de líderes

carismáticos ao poder. Segundo Weber (2004), o líder carismático é caracterizado pelos seus

poderes quase sobrenaturais, que lhes é dado através da percepção dos dominados.

Denominamos “carisma” uma qualidade pessoal considerada extracotidiana (na origem, magicamente condicionada, no caso tanto dos profetas quanto dos sábios curandeiros ou jurídicos, chefes de caçadores e heróis de guerra) e em virtude da qual se atribuem a uma pessoa poderes ou qualidades sobrenaturais, sobre-humanos ou, pelo menos, extracotidianos específicos ou então se toma como enviada por Deus, como exemplar e, portanto, como “líder” . O modo objetivamente “correto” como essa qualidade teria de ser avaliada, a partir de algum ponto de vista ético, estético ou outro qualquer, não tem importância alguma para nosso conceito: o que importa é como de fato ela é avaliada pelos carismaticamente dominados – os “adeptos”. (WEBER, 2004 :159)

O tipo ideal6 Weberiano – a autoridade carismática – encontra sua “expressão formal” em

Adolf Hitler e Mao Tse Tung, líderes que, apoiados em distintas ideologias, dominaram as

massas, fazendo com que a maior parcela destas apoiasse7 seus atos, entendidos por eles como

necessários para atingir os objetivos da grande nação.

5 Grifo nosso. 6 Cabe ressaltar que “o tipo ideal só existe como utopia e não é, nem pretende ser, um reflexo ou uma repetição da realidade, muito menos um modelo do que deveria ser o real, o que nunca corresponde exatamente ao que se vê no conceito típico-ideal, mas pode ser explicado por ele em seus traços considerados essenciais” (QUINTANEIRO, 1995: 133). 7 Ver Arendt (1989): “É muito perturbador o fato de o regime totalitário, malgrado o seu caráter evidentemente criminoso, contar com o apoio das massas. Embora muitos especialistas neguem-se a aceitar essa situação, preferindo ver nela o resultado da força da máquina de propaganda e de lavagem cerebral, a publicação, em 1965, dos relatórios, originalmente sigilosos, das pesquisas de opinião pública alemã dos anos 1939-44, realizadas então pelos serviços secretos da SS (Meldungen aus dem Reich Auswahl aus den Geheimen Lageberichten des Sicherheitsdienstes der S.S. 1939-1945 [ Relatórios do Reich. Seleção dos relatórios sigilosos colhidos pelo Serviço de Segurança da S.S], Neuwied & Berlin,1965), demonstra que a população alemã estava

Page 18: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

14

O líder carismático tem que provar o merecimento do carisma todo o tempo, caso

contrário, sua autoridade perde força e valor perante os dominados. No caso da China, Walker

(1966) explica o perigo do esquecimento da sociedade através do merecimento carismático. O

fato de o governo conseguir êxitos significativos em suas políticas durante um longo período,

justifica o uso da violência contra o próprio povo chinês e aumenta a confiança da massa no

governo totalitário e em suas ideologias impostas.

Se por muito tempo não há provas do carisma, se o agraciado carismático parece abandonado por seu Deus ou sua força mágica ou heróica, se lhe falha o sucesso de modo permanente e, sobretudo, se sua liderança não traz nenhum bem–estar aos dominados, então há a possibilidade de desvanecer sua autoridade carismática.” (WEBER, 2004: 159)

Apesar de o líder carismático ter sempre que evitar qualquer tipo de calamidade mantendo

sempre o bem-estar do povo, o hábito é descrito por Weber (1991), assim como por La Boétie

(1986) como um ponto fundamental para a existência do domínio. Para o primeiro, a crença na

legitimidade é a junção do hábito tradicional com o prestígio carismático – que vem através

das façanhas heróicas - já para o segundo, o hábito fará com que a massa se esqueça de sua

natureza libertária, e seja dominada facilmente.

Outro ponto de convergência entre os autores citados acima é a legitimação do domínio,

ou seja, o líder somente será legitimado enquanto a massa o obedecer e o enxergar como um

líder. Por isso é fundamental a existência de meios de controle social utilizados na Alemanha

e na China, para a manutenção da obediência da massa.

Durkheim (BOUDON, 2000), que apresenta o conceito de “educação moral” como sendo:

“o conjunto dos recursos materiais e simbólicos de que uma sociedade dispõe para assegurar a

conformidade do comportamento de seus membros a um conjunto de regras e princípios

prescritos e sancionados” (BOUDON, 2000:101), pode ter sua idéia complementada por La

notavelmente bem informada sobre o que acontecia com os judeus ou sobre a preparação do ataque contra a Rússia, sem que com isso se reduzisse o apoio dado ao regime.

Page 19: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

15

Boétie (1986), que descreve a liberdade como sendo um bem natural do ser humano. Dessa

forma, a relação de obediência voluntária pode assim ser entendida como uma coerção física

ou social para manter a relação entre dominantes e dominados.

1.3 O Discurso da Servidão Voluntária (ETIENNE DE LA BOÉTIE)

A execução de domínio de um governante sobre a sociedade somente é possível

quando a própria sociedade o permite e deposita sua confiança neste líder. Desta maneira,

Etienne de La Boétie, (1975) discute porque o povo obedece a um governante tirano; a

natureza libertária dos seres humanos, de forma que esta obediência seja contrária à natureza

humana; e a corrupção tirânica para manutenção desta tirania.

La Boétie (1986) questiona a obediência cega de milhares de pessoas em relação a um

único homem que através da tirania controla, manipula, corrompe e escraviza seus próprios

súditos. Essa obediência, segundo ele, não pode ser por pura e simples covardia. A princípio, a

servidão é mantida contra a vontade do povo e através da força.8 Passado o período de

resistência, o povo se acostuma a servir, e os filhos destes servos já nascerão servos, tendo

nunca conhecido a liberdade. Sendo assim, a servidão passa a ser voluntária de forma

irracional e habitual. “Entretanto, o hábito, que em todas as coisas exerce um império tão

grande sobre todas as nossas ações, tem principalmente o poder de ensinar-nos a servir”

(CLASTRES et al , 1986:84)

Este senhor, porém, só tem dois olhos, duas mãos, um corpo e nada além do que tem o último habitante do número infinito que tem nossas cidades. O que

8 Neste ponto faz-se diferença entre governos totalitários e ditaduras. Segundo Arendt (1989), as ditaduras na Europa não chegam ao estágio de governos totalitários, pela falta de material humano, que obriga as ditaduras a moderar o uso da força. “Por isto, também o nazismo, antes do início da guerra, ficou tão aquém do seu similar russo em matéria de coerência e crueldade, uma vez que nem sequer o povo alemão era suficientemente numeroso para permitir o completo desenvolvimento dessa nova forma de governo.”

Page 20: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

16

tem a mais que vós são os meios que lhe ofereceis para destruir-vos (CLASTRES et al, 1986:78)

O tirano, que em princípio é um ser humano comum para La Boetie (1986), apenas possui,

de diferente, os meios de destruição do povo, que o próprio povo lhe fornece. Um tirano sem o

apoio do povo é somente mais um homem, mas quando lhe é dado uma “qualidade pessoal

extracotidiana” (Weber, 1999), este homem se torna um Deus, que utiliza seus súditos para

serem seus ouvidos, suas mãos e seus pés9 perante outros súditos. Nesta relação, o tirano

consegue realizar a manutenção de seu poder, através da ajuda do próprio povo.

La Boetie (1986) acredita na natureza libertária do ser humano, por isso afirma que,

quando ocorre a servidão voluntária ao tirano, é pela força ou por promessas ilusórias feitas ao

povo. A obediência voluntária é um fato contrário à esta natureza libertária do ser humano, e o

hábito que a dominação traz com o tempo acaba nos ensinando a servir. “Se vivêssemos com os

direitos que recebemos da natureza e segundo os preceitos que ela ensina, seríamos naturalmente

submissos a nossos pais, súditos da razão, mas escravos de ninguém”10

La Boetie (1986) faz diferença entre três tipos de maus príncipes tiranos: o primeiro

príncipe é aquele que conquista outro reino pela força através da guerra; o segundo tipo são os

príncipes que possuem seu reino pela sucessão da raça, estes “consideram os povos a eles

submetidos como seus servos hereditários” (CLASTRES et al ,1986:82) e, finalmente, o

terceiro tipo é aquele príncipe eleito pelo povo. Viciado pelo sentimento de grandeza, deseja

não mais sair desta posição, pelo contrário, deseja reverter seu governo em “despotismo

hereditário” (ROTHBARD, 1975). Este tipo de tirano afasta as idéias libertárias que poderiam

surgir em meio ao povo e poderia até mesmo, segundo La Boetie (1986), superar os outros em

barbárie, já que não conseguem encontrar outra maneira de impor sua tirania, que não seja

9 As mãos que são utilizadas para golpear e os pés que destroem e varrem as cidades, vem do próprio povo contra eles mesmos, a maior arma de um tirano, são seus súditos. 10LA BOÉTIE, Etienne de; CLASTRES, Pierre; LEFORT, Claude; CHAUÍ, Marilena de Souza. Discurso da servidão voluntaria. 3a ed. São Paulo: Brasiliense, 1986. 239p. (Elogio da filosofia )

Page 21: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

17

pela força. É importante ressaltar que o movimento de governos totalitários, que mescla força

e carisma, surge a partir do século XX com governos como o de Hitler, Stalin e Mao Tse-

Tung.

Um risco que deve ser combatido pelos tiranos são os livros e as doutrinas, que oferecem a

liberdade da razão e discernimento, trazendo idéias libertárias que podem despertar nos

homens o sentimento de dignidade e revolta contra o tirano. Ao ler os estudos de La Boetie

(1986), podemos perceber a idéia de que estes sentimentos de liberdade advêm da natureza

humana, e foram esquecidos pela covardia e pelo “hábito de servir”, para ele, todas as coisas a

que o homem se acostuma, e se adapta torna-se natural, até mesmo a servidão. Através da

doutrinação passada entre as gerações, Hitler e Mao Tse-Tung foram totais em sua dominação,

direcionando o pensamento da massa e restringindo a liberdade de expressão.

As propagandas e os discursos feitos por estes líderes carismáticos influenciam na

“escolha” ideológica do povo. Nestes dois casos, na Alemanha e na China, a ideologia nazista

e a comunista foram expostas de maneira a convencer o povo que aquela era a ideologia que

traria a salvação do país, por isso, o povo deveria lutar por está ideologia, e contra qualquer

outra que a negue.

El Premier Chou En-lai en su mensage al Congreso Nacional del Pueblo: El imperialismo de los Estados Unidos há hecho todo el mal que há podido. Es el agresor más grande que há conocido la historia, el enemigo más feroz de la paz mundial y el principal puntal de las fuerzas reaccionarias del mundo. Los pueblos y naciones de todo el orbe que quieran hacer revolución y liberarse, todos los países y pueblos que quieran alcanzar su independência y salvaguardar su soberania y todos los países y pueblos que quieran defender la paz mundial, deben dirigir lo más enconado de su lucha contra el imperialismo de los Estados Unidos. Peking Review, enero 1, 1965 (WALKER,1966:47)

Sobre a corrupção tirânica, La Boetie (1986) afirma que uma força vital para os tiranos

não são as armas, mas sim um grupo de quatro ou cinco homens que o apóiam e que para ele

Page 22: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

18

sujeitam todo o país as suas ordens. Estes homens, segundo ele, acabam dominando o próprio

chefe, influenciando em suas ações cruéis e realizando prazeres pessoais através do poder

adquirido. A pirâmide do poder que inicia com o tirano se abre para mais quatro ou cinco

homens de confiança – que se beneficiam com o poder - e dominam mais cem cada um, e

assim sucessivamente; dessa forma a influência de poder do soberano se espalha por todas as

camadas da sociedade. “E, no entanto, quando penso nessa gente que adula o tirano com

baixeza para explorar ao mesmo tempo sua tirania e a servidão do povo, surpreendo-me quase

tanto com sua estupidez quanto com sua maldade.” (CLASTRES et al ,1986:101)

Mesmo estes “homens de confiança” não podem permanecer tranqüilos em relação à

opressão tirânica. Segundo La Boetie (1986), estes mesmos homens ensinaram ao tirano que

ele tudo pode, e não existe lei ou direito – dentro de seu território – que o impeça de realizar

suas vontades, o tirano é visto como o senhor de todos.

Page 23: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

19

CAPÍTULO II

Histórico

Ao longo deste capitulo, serão observadas as diferenças históricas e políticas dos partidos

nazista e comunista chinês. Dentre diversas características, o texto discorrerá sobre as

condições políticas e econômicas de cada país, o tipo de luta travada antes da chegada ao

poder, os oponentes encontrados ao longo de suas histórias, a disposição da massa para a luta

e a durabilidade de suas revoluções.

Algumas características convergentes entre os dois objetos de estudo, tais como a

existência de um Estado falido pré-revolução, o controle político e social existente nos

governos totalitários e, principalmente, a utilização da propaganda como base para o governo

conseguir dominar a massa poderão ser observadas ao longo deste capítulo.

Os alemães, a princípio, possuem como principal inimigo os grupos comunistas dos

bairros proletários, que disputavam o apoio ideológico da massa urbana. Após a ascensão e

fortalecimento do partido, seu maior oponente foram os países que fizeram parte da Aliança e

que conseguiram fazer ruir o Terceiro Reich. Veremos na história da China e do partido

comunista, que a luta através da guerrilha campesina foi travada ao longo dos anos fora da

área urbana e ocorreu de forma gradual, mas duradoura.

É importante observar neste capítulo que, apesar de todo o controle social e a utilização da

força como meio de coerção, nenhum dos regimes estudados emprega somente a política do

terror – observada nas ditaduras autoritárias. A propaganda e o discurso demagogo são a

principal arma para a “Servidão Voluntária”.

Page 24: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

20

1.2 Alemanha

A crise pós Primeira Guerra Mundial

Este capítulo tem como objetivo apresentar o contexto histórico da Alemanha pós-

Primeira Guerra Mundial. Será estudada a ascensão de um líder carismático e totalitário, que

disseminou suas idéias com grande êxito no país. A história alemã será permeada pela história

vivida por Hitler de 1919 até a queda do terceiro Reich.

O recorte histórico tem início com a derrota alemã na Primeira Guerra Mundial quando

Hitler, assim como outros muitos compatriotas que não se conformam com a fraqueza de seus

governantes e, decidem se envolver efetivamente com a política alemã. No futuro, ele se

tornará um dos chefes militares mais influentes da história, e modificará as relações de força

dentro da Europa.

A vida de Hitler inicia na Áustria, onde nasceu e viveu uma vida de operário e artista

ambulante, dormindo em parques e sobrevivendo de sopas que eram distribuídas

gratuitamente. Ao mudar-se para Munique, Hitler esperava uma vida melhor, e, em 1914 ele

se alista no exército como voluntário para lutar na Primeira Guerra Mundial até o seu fim.

Ao fim da primeira guerra, a crescente insatisfação do povo com o governo acabou

levando a derrubada da antiga ordem política imperial, surgindo assim a República de

Weimar11. “A 9 de novembro de 1918, sob a pressão das greves e das manifestações de rua, o

regime imperial desabara numa tarde” (RICHARD,1993.16). As manifestações, greves,

passeatas que surgiram após a Primeira Guerra, foram sufocadas por Friedrich Ebert –

chanceler que assumiu a direção de governo após a queda de Guilherme II12. Desta república

11 A nova república foi declarada na cidade de Weimar, por isso a intitulação de República de Weimar. 12 Através de Guilherme II, imperador do 2° Reich, a Alemanha apóia o Império Austro-Húngaro contra a Rússia, o que acaba por empurrar o país à I Guerra Mundial.

Page 25: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

21

surgiram dois poderes concorrentes: a república “social” este representada pelos democratas, e

a república “socialista” que surgiu em nome da esquerda, extrema esquerda e das massas. Em

regra, as instituições democráticas se fundamentam em eleições de sufrágio universal, mas

neste caso a república se fundou em uma aliança de influência que as camadas sociais mais

altas tinham sob Guilherme II. Segundo Lionel Richard (1993), o último imperador

representante do 2° Reich alemão entregou a futura república nas mãos de partidos

antidemocratas de direita.

Com a queda do Império, a Alemanha inicia sua nova fase sem instituições legais ou

constituição própria. Quando após as eleições para representantes da Assembléia de

Constituintes, Ebert decide enviar estes representantes eleitos a um local seguro longe do caos

que se instaurou em Berlim, a cidade escolhida foi Weimar. Em 31 de Julho de 1919, surge a

nova República de Weimar com instituições e a constituição nacional definidas. Durante seu

livro, Hitler descreve a situação do país em seus primeiros anos de República:

Em março de 1919, voltamos de novo para Munique. A situação era insustentável. A continuação da revolução se tornara fatal. A morte de Eisner13 tinha tido apenas o efeito de apressar os acontecimentos, provocando a ditadura dos conselhos, ou, melhor, um domínio temporário dos judeus, objetivo que tinham em vista aquêles que provocaram a revolução (HITLER 1983:137)14

Apesar das tentativas de aumento de influência e poder nos bairros operários de Berlim, o

partido comunista ainda não possui o grande apoio da massa. No ano de 1920 partidários

comunistas tentam derrubar a República de Weimar sem sucesso.

“É em Berlim que um grupo de conspiradores, que rodeia os militares Kapp e Ludendorff, no sábado 13 de março de1920, se apodera dos prédios governamentais. Todavia, é também em Berlim que o grupo é rapidamente isolado pela intervenção não das autoridades no poder, mas da população. Antes mesmo que o governo reagisse, os sindicatos proclamam a greve geral:

13 Kurt Eisner, era descendente de judeus e pertenceu a presidência dos social-democratas independentes no início da República de Weimar. 14 KAMPF, Mein. Adolf Hitler: Minha luta. São Paulo: Moraes, 1983.

Page 26: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

22

nada de gás, eletricidade ou água. Por ordem de Kapp, cartazes são espalhados pela cidade, anunciando que todo grevista está sujeito a pena de morte. Nada acontece. A 17 de março, Kapp é obrigado a desistir e foge para a Suécia” (RICHARD, 1993.:21).

A falta de apoio da população logo sufoca o golpe, demonstrando a credibilidade do

partido de direita e a ascensão da força operária não comunista no país.

Desde o início de sua vida política no partido Nacional Socialista, Hitler dirigiu suas

forças para conquistar a massa, principalmente dos bairros operários. A importância dada a

este grupo de pessoas é justificada em seu livro “Mein Kampf”:

Se, portanto, a solução favorável do futuro alemão está em ligação íntima com a conquista nacional da grande massa do nosso povo, deve ser esta a mais alta e importante tarefa de um movimento, cuja eficiência não se deve esgotar na satisfação de um movimento, mas deve submeter toda a sua ação a um exame sobre as conseqüências futuras prováveis (Hitler 1983.:216)

Neste mesmo período da década de 20, após o fracasso do golpe e a rígida punição que

sofrem os partidos comunistas, fica evidenciada a tendência alemã – governo e sociedade –

para o apoio aos partidos de direita. Em 1925, após tentativa de golpe de Estado pelo partido

nacional socialista, Hitler é preso, condenado a sete anos de prisão, e somente cumpre nove

meses até a sua libertação. Em contrapartida, membros de partidos de esquerda e extrema

esquerda são severamente punidos por acusações que são consideradas de menor risco à

manutenção da nova República. Desde este período, o medo de um governo comunista na

Alemanha abriu espaço para o crescimento e o fortalecimento de partidos como o nacional

socialista de Hitler.15

Junto com a instabilidade política, a crise financeira que se arrasta desde o fim da Primeira

Grande Guerra produz crescente aumento no número de desempregados, em Berlim e no

subúrbio. A hiperinflação que se estendeu por anos devido à emissão de moeda para

pagamento da dívida de guerra também agravou a crise econômica e social do país. Este 15 Em seu livro “Mein Kampf”Hitler, considera que para a grandeza de um partido (ou de qualquer outra organização) é importante cultivar a intolerância a todas as outras organizações, desta forma a massa será convencida de que somente eles estão com a razão.

Page 27: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

23

cenário foi marcado pela disparidade entre dois grupos; de um lado os estrangeiros

(principalmente russos) que trocavam sua moeda com um grande lucro dentro da Alemanha, e,

do outro lado a fome e a miséria vivida pelos alemães que moravam na cidade mais cara do

mundo.

Com base nestas insatisfações, em 1920 são criados por Gottfried Feder, “economista

amador e político maluco” (ARENDT, 1989: 374), os vinte e cinco pontos do programa do

partido nazista, que objetivava o fortalecimento do nacionalismo alemão. Dentre estes, os

pontos 7, 8 e 18 (ver anexo I) atacam diretamente os estrangeiros, enfatizando aqueles que

chegaram à Alemanha com o objetivo de tirar proveito da situação de crise no país, com o

capital especulativo. Em 1924, o país conseguiu se restabelecer vivendo em uma relativa paz e

prosperidade, mas em 1929 a crise mundial atingiu novamente a Alemanha, fazendo com que

grupos industriais e grandes bancos falissem, gerando novamente instabilidade e centenas de

desempregados no país. Neste contexto, a proposta do partido nazista recebe a atenção da

opinião pública. Ao longo do tempo, milhões de desempregados que surgiram com a crise

foram se juntando ao Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, liderado por

Adolf Hitler, na esperança de eliminar os problemas sociais e políticos alemães. Para atrair a

atenção deste novo público, Hitler serviu-se de propagandas que mesclavam nacionalismo e

exaltação do líder.

Pela primeira vez após a crise de 29, treze nazistas entram para o conselho municipal,

dentre eles, Joseph Goebbels, ministro da propaganda de Hitler, que possui grande destaque

dentro do partido. Com o auxílio da propaganda de Goebbels, os vinte e cinco pontos

seduziram a massa com promessas de emprego, crescimento econômico e levante da grande

nação alemã.

Segundo Richard (1993), autor do livro “Berlim, 1919-1933: a encarnação extrema da

modernidade”, os principais emigrantes que tiveram condição de se tornar a burguesia na

Page 28: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

24

Alemanha e explorar o proletariado foram os russos que carregaram com eles algum dinheiro

e alguns objetos. No caso dos judeus, os que conseguiram imigrar para a Alemanha, somente

possuíam pouco mais que a roupa do corpo, fazendo assim, parte do proletariado e aumentado

o número de miseráveis na cidade.

O sétimo ponto do programa do Partido Nacional-Socialista refere-se à expulsão destes

estrangeiros que são considerados um peso para o Estado. Com uma política de bem-estar

social, Hitler acredita que o governo tem por obrigação prover os bens necessários para o

bem-estar da sociedade. Caso o governo não consiga executar plenamente seu dever, devem-

se expulsar os estrangeiros. Com o agravamento da crise e o aumento dos desempregados na

Alemanha, os vinte e cinco pontos do partido nazista ganham notoriedade entre as classes

operárias.

Com a crise alemã, cada vez mais o clima de instabilidade política progredia na medida

em que a escalada da violência entre os partidos opositores aumentava. Houve, porém, um

conflito direto principalmente entre dois partidos: os comunistas e os nazistas, que ganhavam

notoriedade na política alemã. Desde o século XIX, quem dominava os bairros de operários

eram os partidos comunistas, que tinham grande influência também nos sindicatos. A classe

operária era a razão do choque entre os dois partidos, já que representava para ambos, a força

de base do movimento revolucionário. Neste clima de disputa partidária criaram-se forças

paramilitares com o objetivo de desacreditar o partido opositor e tentar impor a própria

ideologia. Além da propaganda política, que tinha um forte apelo entre a massa operária, a

violência generalizada também foi utiliza por comunistas e nazistas. A respeito deste clima de

batalha entre forças paramilitares, o promotor da República de Weimar declarou:

Entre os partidários do partido comunista e os do partido nacional-socialista, no bairro chamado “Fischerkietz” (Toca dos Pescadores), trava-se uma guerrilha sangrenta, na qual os dois adversários se insultam, se ameaçam e se atacam, sem que seja possível dizer quem deve ser considerado o agressor. (RICHARD, 1993: 23).

Page 29: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

25

Muito do que se viu na política de Hitler foi antecipado em seu livro “Mein Kampf”,

escrito alguns anos antes durante o período em que esteve preso por tentativa de golpe. As

técnicas do conflito e da violência faziam parte do plano nazista para conquistar a massa. De

acordo com Hitler, ao aumentar a diferença e a intolerância entre organizações diferentes fica

mais fácil persuadir a massa de que apenas um lado está certo. Em certa ocasião, Goebbels

declarou: “o sangue sempre fora o melhor cimento, e os uniria nas lutas futuras” (RICHARD,

1993: 151).

A defesa dos bairros operários se tornou um tema de grande relevância para o partido

comunista, já que nunca outro partido ameaçara de tal forma a hegemonia vermelha nestas

regiões. Para combater o partido nazista nos bairros de influência comunista, os militantes

saiam às ruas em busca de qualquer sinal de filiação ao partido nazista – uniformes e insígnias

– para confiscar e repreender quem desse apoio ao partido rival.

No ano de 1932, a imprensa comunista, que após a queda do Segundo Reich deteve grande

parte dos jornais do país, conseguiu atingir grande parte da população chegando a publicar

uma lista dos “antros nazistas do crime” (RICHARD, 1993:153), com os dizeres: “a

autodefesa é um direito legítimo em caso de agressão” (RICHARD; 1993: 153). À medida que

o partido nazista crescia nos bairros operários, a tensão aumentava. Ao propor aos habitantes

locais um boicote e manifestações contra as “tabernas nazistas”16, o partido comunista acabou

alastrando uma onda de violência generalizada.

Além da utilização da força paramilitar, o partido nazista utilizava estrategicamente a

violência comunista como propaganda contra o próprio partido. De forma induzida, os

habitantes destes bairros e a população de Berlim enxergavam nestas ações violentas um

possível governo comunista violento. Dessa forma, assim que o partido nazista toma o poder e

extingue qualquer manifestação comunista, a sensação de “limpeza” e segurança é

16 Essas tabernas eram bases da SA que foram implantados dentro de regiões comunistas.

Page 30: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

26

rapidamente sentida em Berlim. Durante a primeira fase do governo nazista uma alemã

descreve Berlim: “Não havia mais privações, não havia mais sofrimento; tínhamos tanta

segurança nas ruas que não fechávamos mais as portas a chave; não havia mais crimes como

antes.” (RICHARD; 1993: 158).

Com o avanço do partido nazista dentro dos bairros de operários, cada vez mais os

discursos de Hitler são ouvidos e aclamados. Tais discursos trazem como ponto máximo as

sugestões de “morte aos judeus”, “morte aos estrangeiros” e “abaixo o governo”. À medida

que Hitler utiliza do grande poder de oratória que tinha, a exposição do anti-semitismo crescia

em igual proporção com o partido nazista. No ano de 1932, o partido nazista consegue através

das urnas, o controle do Reichstag (Parlamento alemão): os nazistas subiram de treze cadeiras

para cento e sete e, mais tarde, para duzentas e trinta. Um ano depois, no dia 29 de Janeiro,

através de pressões feitas por industriais e militares, o presidente Hindenburg nomeia Hitler

para o cargo de chanceler da Alemanha, que logo é eleito primeiro-ministro.

O Triunfo da vontade17

Após a conquista do partido nazista, houve várias comemorações, exibições públicas e

discursos em que Hitler enaltecia a grandeza dos alemães e adquiria uma divindade

surpreendente descrita por alguns jornalistas estrangeiros da época:

É um surto religioso. Eles pensam que Hitler é Deus. Acredite ou não, uma mulher alemã assistiu ao meu lado ao espetáculo da Paixão; quando colocaram o Cristo na cruz, ela disse: ‘Ali está ele. É o nosso Fuher, o nosso Hitler!’ E, quando Judas recebeu as 30 moedas de prata, ela afirmou: ‘Aquele é Rohm18, que traiu o líder’. (TOLAND, 1978 :431)

Assim como este relato descrito por um visitante norte-americano e informado na revista

“Harper’s Bazaar”, outros também foram mencionados na mesma época em que ocorreu o

17 “Triunfo da vontade” é o título do filme nazista feito em 1934 que remete ao triunfo da vontade do povo no plebiscito, que coloca Hitler definitivamente no poder. 18 Rohm: antigo chefe do SA foi morto no início da era Hitler em 1934, acusado de tentativa de golpe de Estado. Assim como Rohm, outros antigos membros do partido nazista foram mortos, neste mesmo período.

Page 31: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

27

espetáculo “Paixão de Cristo” na versão alemã em que se culpam os judeus pela morte de

Jesus.

À reatualização da memória heróica dos mártires, o discurso hitlerista encadeia a ansiedade dos vivos, para formar a comunidade mística do Reich. Nesse transe não há mais lugar para a razão: “Fostes vós os primeiros que acreditaram em mim... não foi a inteligência que tudo analisa, que tirou a Alemanha do abismo em que se encontrava, mas vossa fé...”. Discurso de Nuremberg 1935. (LENHARO, 1986 :45)

Durante esta primeira fase do governo, Hitler se preocupou em grande parte com sua

política externa, agindo de duas formas: tentando convencer os outros Estados que a

Alemanha não tinha a intenção de invadir qualquer país, utilizando de tratados e, internamente

através de programas bélicos secretos que poderiam aumentar seu poder perante os Estados

vizinhos.

Guiado pela empolgação do povo nas paradas militares, Hitler elevava cada vez mais

rápido o contingente do exército. Rumores alarmantes de uma possível infração ao Tratado de

Versalhes preocupavam principalmente a França, que possui fronteira com a Alemanha e

territórios em disputa como a região do Reno. Tais territórios pertenciam à Alemanha e foram

tomados como forma de pagamento das indenizações de guerra e entregues a diversos países,

entre eles a Lituânia. Ao mesmo tempo em que acelerava seu programa bélico, Hitler

apresentava inquestionável postura diplomática; recebia e discutia tratado com todos os países

(com exceção da Lituânia)19 para que a Alemanha conseguisse ganhar tempo para restabelecer

a sua força militar.

Até este momento, e durante longo tempo, a Inglaterra havia tomado uma postura de

imparcialidade em relação ao que estava acontecendo na Alemanha. As lideranças do governo

19 “Em nenhuma circunstância, celebraremos um acordo com um país que oprime a minoria germânica em Memel!” afirmou Hitler em uma conferência. Trecho retirado do livro: TOLAND, John. Adolf Hitler . Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1978

Page 32: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

28

não pretendiam travar nenhuma batalha fora de seu território, já que até então Hitler não

expressava nenhuma vontade de conquista em terras da Coroa inglesa.

Todo o tempo Hitler mantinha o mesmo discurso de que o aumento de suas forças

militares era apenas para fins defensivos, e que seu grande inimigo se encontrava do lado

Leste europeu. Dentre as inúmeras explicações sobre a falta de recriminação dos Estados

vitoriosos sobre o avanço militar alemão, existe a justificativa da barreira que a Alemanha

poderia formar, impedindo o avanço comunista da URSS. Com este mesmo discurso, Hitler

declarou que tornaria o serviço militar universal e que aumentaria o seu exército em

momentos de paz para 300.00 homens. Esta decisão deixava claro que o Tratado de Versalhes

não seria mais respeitado com o argumento de que não foi o atual governo que assinou tal

tratado.

Ao longo dos acontecimentos, Hitler exigiu paridade militar com a Inglaterra e a

França. Neste período, a Alemanha já estava suficientemente forte para fazer tal exigência

sem que houvesse qualquer repreensão realmente capaz de barrar as intenções militares de

Hitler. Através de uma política de fait accompli20, Hitler conseguiu mais do que teria

conseguido o Ministério do Exterior alemão. Com um misto de diplomacia e a técnica da

“grande mentira” utilizada tanto para objetivos internos quanto externos, a Alemanha ganhou

tempo para se fortalecer na área econômica – a economia crescia com grande sacrifício e

ainda era muito dependente do grupo judeu – política e militar.

A França tentou uma reação através da Conferência em Stresa quando, apoiada por

Inglaterra e Itália, aprovou um comunicado conjunto de condenação ao rearmamento alemão e

a reafirmação dos princípios de Locarno, tratado celebrado dez anos antes, e que obrigava os

signatários a respeitar as fronteiras entre França, Bélgica e Alemanha, incluindo a zona

desmilitarizada do Reno.

20 fait accompli. Expressão francesa que significa um fato realizado, ou seja, uma ação que se realiza antes que outras partes envolvidas possam intervir.

Page 33: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

29

Preocupado com um possível isolamento, Hitler se esforçou para garantir à Inglaterra que

não era necessário temer a Alemanha, e que a paz era desejada e necessária para seu país. Para

isso, estava disposto a celebrar tratados de paz com os países vizinhos e respeitar o Tratado de

Locarno em troca da possibilidade de uma frota naval com 35% da tonelagem da britânica.

Mais uma vez, a comunidade internacional acredita nas palavras de Hitler, que conseguiu

afastar o risco de um provável isolamento alemão e conquistou a simpatia de muitos. O jornal

da época, London Times, classificou o discurso feito por “sensato, direto e abrangedor”

(TOLAND, 1978: 445).

Enquanto, a Alemanha ganhava força em sua política externa, os ataques a judeus dentro

do país aumentavam. Muitos judeus burgueses já estavam enraizados na sociedade alemã,

mas, por não possuírem “sangue alemão”21, eram considerados estrangeiros. As leis de

proteção ao sangue alemão eram criadas continuamente.

Assim que a lei que proíbe casamentos e relações sexuais fora do matrimônio entre judeus

e cidadãos de sangue alemão fora colocada em prática, já havia outra lei sendo ordenada:

estava determinado que a cidadania alemã somente era reservada aos de sangue alemão ou aos

de sangue aparentado. Durante uma sessão extraordinária no Reichstag, Hitler declarou que

esta lei serviria para favorecer os judeus de forma a ajudar na criação de bases para uma

relação de tolerância entre os dois grupos. Em um tom de ameaça declarou também: “Se essa

esperança não for alcançada, e se prosseguir a agitação, no interior e no exterior da Alemanha,

seremos então forçados a reexaminar o assunto.” (TOLAND, 1978: 454).

Neste mesmo momento, a atenção mundial se voltou para as ações militares de Mussolini,

deixando de lado o problema judeu na Alemanha. Ao invadir a Etiópia, a Itália sofre a

21 Países como a Alemanha, considerados países antigos e fornecedores de imigrantes (até o século passado) adotam a lei de nacionalidade ius sanguinis (o nacional terá seus diretos garantidos através do sangue/descendência, independente de onde tenha nascido). Isso ocorre, para garantia de nacionalidade, por causa das frequentes emigrações ocorridas na Europa nos séculos passados. No período nazista, os judeus perderam a nacionalidade alemã, tornando-se apátridas, sendo assim, sem passaporte e sem proteção diplomática de qualquer país.

Page 34: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

30

repreensão da comunidade internacional gerando sanções econômicas ao país. Em uma

postura pragmática, Hitler oferece ajuda militar secretamente ao Imperador Hailé Selassié,

apesar de negar qualquer ajuda publicamente. Em contrapartida, fornece à Itália matérias-

primas que lhe são negadas pelas sanções econômicas. Esta postura serviu também para que

Hitler testasse a reação britânica ao apoio que foi oferecido a Itália, e que desafiava a Liga das

Nações. Hitler percebe que a Inglaterra nada faria contra a Alemanha, podendo se tornar um

futuro aliado, ou pelo menos possuir uma posição neutra em futuro conflito.

Ao iniciar mais tarde a Segunda Guerra Mundial, Hitler contava com a imparcialidade

britânica, que poderia ter de fato permanecido caso não houvesse a troca do primeiro ministro

inglês no início da guerra. A imparcialidade e o apoio britânico durante todo este período já

descrito preocupavam Churchill desde o princípio, que via na equidade militar germânica e

britânica um futuro risco à paz regional.

Enquanto Hitler se preocupava com a política externa da Alemanha, já no ano de 1935

ocorriam alguns movimentos divergentes dentro do partido. Um grupo extremado exigia uma

postura mais firme – já prevista nos vinte e cinco pontos do partido nazista – em relação aos

judeus, e outro pequeno grupo, composto de pessoas influentes como os ministros de finanças,

do interior, da justiça, o dono do Banco do Reich entre outros, acreditavam que qualquer

repressão mais forte seria prejudicial à economia alemã. Para Toland (1978), autor do livro

“Adolf Hitler”, esta condescendência era apenas uma necessidade que o governo tinha de

utilizar a riqueza dos judeus, para alavancar a economia e desenvolver o seu projeto bélico.

No exterior, grupos judeus já boicotavam os produtos alemães. Tomando por base que

estes grupos possuíam grandes riquezas no mundo todo, era de se esperar que qualquer

repreensão por parte destes grupos judeus poderia afetar a frágil economia alemã. Ao longo

dos anos, a riqueza judia ajudou a financiar também o crescimento militar alemão.

Page 35: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

31

No ano de 1938, em meio às pressões de ambos os lados, um jovem judeu, Herschel

Grynszpan, mata um Conselheiro alemão na tentativa de matar o Embaixador alemão em

Paris. Após ter os pais deportados para a Polônia, Grynszpan invade a embaixada alemã

chorando e dizendo: “Ser judeu não constitui um crime”, eu não sou cachorro. Tenho o direito

de viver, e o povo judeu tem o direito de existir na terra... de todos os lugares em que estive

fui expulso como um animal” (TOLAND, 1978: 605). Esta foi a justificativa motivacional que

alguns partidários procuravam para iniciar a “limpeza” anti-semita na Alemanha. Ao ser

noticiado sobre o incidente , Hitler se reuniu com Goebbels para discutir o assunto.

Após a conversa reservada, Goebbels anuncia que este fato isolado gerou desordens anti-

semitas pela Alemanha, e que não deveria ser desencorajado pela polícia alemã, caso se

propagasse. De acordo com Toland (1978) tudo deveria ser feito de forma que as

manifestações fossem espontaneamente vindas do povo. Este período da história foi

questionado por Himmler – chefe da Gestapo, após morte de Rohm – que afirmou não saber

se as ordens foram realmente dadas pelo Fuhrer ou se foi a vontade de Goebbels sendo feita.

Enquanto Himmler se contrapunha a desordem nacional, seu auxiliar direto enviava

ordens para dentro dos quartéis pedindo que se alastraram por toda a Alemanha. O autor do

livro “Adolf Hitler” (TOLAND 1978) descreve:

Heydrich enviou por telex mensagens urgentes a todos os quartéis e postos do SD (Serviço de Segurança) e da polícia, concitando-os a cooperar com os líderes do Partido e do SS, ‘em organizar manifestações’. Mandou também dizer que deveriam ser presos tantos judeus e, em especial, judeus ricos, quantos ‘fosse possível alojar nas cadeias existentes. Por enquanto, só devem ser aprisionados homens saudáveis, que não fossem demasiado idosos. Logo que fossem presos, cumpriria que se entrasse em contato com os campos de concentração apropriados, imediatamente, para que se transferissem, com toda a possível urgência, os prisioneiros aos cuidados de tais campos’ (TOLAND 1978: 605)

Page 36: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

32

Após a ordem de Goebbels, a Noite de Cristal22 ficou marcada como o fim do anti-

semitismo velado. Lojas, sinagogas e residências foram saqueadas e incendiadas pelos

alemães e a polícia nada fazia para impedir. Durante a onda de violência, judeus foram presos

com o argumento de proteção a eles e os alemães classificados como um povo bárbaro pela

comunidade internacional.

Pouco tempo após a “Noite de Cristal”, a Alemanha entrou na Segunda Guerra

Mundial. O país que vinha sendo preparado desde a entrada de Hitler no poder estava tão forte

quanto qualquer outra potência internacional. A nova educação produziu, em grande escala,

um novo alemão com grande disposição e treinamento para o combate. Essa educação era

voltada para a “Juventude Hitlerista” que se baseava no desenvolvimento físico em detrimento

do intelectual, onde os jovens deveriam rejeitar os velhos líderes fracassados e seus princípios

enganosos.

No ano de 1922, a “Juventude Hitlerista” começa a ser desenvolvida pelo partido

nazista com o objetivo de moldar os futuros personagens do nazismo alemão. Por meio de

princípios, o programa conseguiu incutir nestes jovens pensamentos sobre a superioridade

alemã, o ódio aos judeus, a necessidade de expansão de seu território e recuperação destes,

perdidos após a Primeira Guerra Mundial. Havia também o convencimento para enaltecimento

e devoção ao líder.

Ao longo dos anos de governo, Hitler promoveu o desenvolvimento esportivo de toda a

Alemanha. No documentário “A vida secreta de Hitler”23, podemos perceber através de alguns

depoimentos que Hitler estava desde o princípio preparando secretamente o povo alemão para

a guerra. Em um destes depoimentos, é dito que a Alemanha tinha mais clubes de caça do que

animais para caçar. Havia também clubes de saltos, que foram responsáveis pela preparação

de muitos pára-quedistas alemães utilizados nas batalhas.

22 Deu-se este nome de Noite de Cristal por causa das inúmeras vidraças partidas, na noite em que iniciou a “caça aos judeus” na Alemanha 23 Ver bibliografia

Page 37: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

33

Podemos também tomar como indício dessa preparação, a economia de guerra – plano

quadrienal, que estava sendo planejado por Hermann Goring, ministro da economia, ao longo

dos anos. Este plano consistia em um grande esforço econômico da massa para alimentar a

máquina de guerra que estava sendo preparada pelo Estado. Este plano não chegou a ser

concluído por causa da antecipação de algumas ações militares, que acabaram por iniciar a

guerra antes do período previsto.

A partir deste momento, Hitler dispôs toda a nação germânica para a luta contra um

inimigo maior: o estrangeiro. Neste momento da história, o povo alemão, manipulado por

propagandas de guerra nacionalistas, possuía disposição e preparação para esta nova guerra,

que viria para provar a supremacia alemã.

Page 38: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

34

1.3 China

A segunda fase deste capítulo histórico dissertará sobre a crise imperial na China, e a

ascensão do Partido Comunista, que permanece no poder até os dias atuais. A história vivida

na China será contada juntamente com a ascensão do partido comunista de Mao Tse-tung, o

outro objeto de estudo proposto no projeto.

O corte histórico de interesse ao projeto de pesquisa terá início no século XIX - período

em que a China passa por uma longa fase de influência estrangeira - até a Revolução Cultural,

realizada no governo de Mao Tse-tung.

Após anos de monopólio inglês no oriente através da Companhia das Índias Orientais e do

próprio governo, a Inglaterra percebe que vem perdendo influência naquela região. As duras

restrições comerciais da dinastia Qianlong, e a crescente influência regional de outros países,

se tornaram uma ameaça ao comércio inglês.

Países como Portugal e Espanha já tinham territórios sob domínio naquela região, e países

como os EUA buscavam comerciar diretamente com o Oriente.

Percebendo que precisavam de uma base no extremo oriente, o governo inglês envia um

grupo diplomático para solicitar o direito de estabelecer uma residência diplomática em

Pequim. Em resposta, Qianlong enviou um édito ao rei britânico Jorge III, explicando que não

tencionava aumentar o seu comércio exterior, visto que não tinha interesse nos produtos

estrangeiros. Em carta Qianlong escreve:

Nunca demos valor a artigos engenhosos, nem temos a menos necessidade das manufaturas de seu país. Portanto, ó rei, no tocante à tua solicitação de enviar alguém para permanecer na capital, ao mesmo tempo que não está em harmonia com os regulamentos do Império Celestial, sentimos também muito que isso não trará nenhuma vantagem para o teu país.(SPENCE, 1996.:134)

Page 39: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

35

Os anos que se seguiram no século XIX somente fez aumentar as restrições e as

dificuldades comerciais. A crescente demanda por produtos chineses – chás, porcelanas, sedas

e artigos decorativos- não foram compensados pela demanda chinesa por produtos

estrangeiros. O resultado foi uma crise na balança comercial de importação/exportação

ocidental, que já encontrava problemas em pagar pela mercadoria chinesa, em prata.

Para solucionar esse problema, os ingleses, que já haviam descoberto a existência do ópio

- droga que possui fins medicinais, tais como produção de morfina – disseminaram e

popularizaram este produto na China como fumo, causando vício e dependência da população

chinesa. Com este produto, os ingleses conseguiram diminuir o desequilíbrio na balança

comercial, e as vendas inglesas de ópio na China cresceram rapidamente, mesmo com a

proibição do novo governo da dinastia Qing no fim século XIX (vide tabela 1)24.

Na tentativa de evitar a entrada do ópio na China, cada vez mais o governo impõe

restrições a entrada da droga. Esse embate de interesses entre o governo chinês e o inglês

acaba gerando a Guerra do Ópio que perdurou por três anos, de 1839 à 1842. O resultado da

guerra foi a assinatura do Tratado de Nanquim, em 29 de agosto de 1842, que ocasionou no

24 SPENCE, Jonathan D.. Em busca da China moderna: quatro séculos de história. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. 817 p.

Page 40: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

36

controle total inglês sobre o porto de Canton e a ilha de Hong Kong, entre outros portos

estratégicos. Outra importante conquista foi a nomeação para o cargo de diretor geral das

Alfândegas, um estrangeiro inglês.

Insatisfeitos com a dominação estrangeira e a fragilidade do governo perante os invasores,

o povo chinês tenta uma reação, que logo é sufocada e punida por forças anglo-francesas. Para

evitar outros levantes, no fim do século XIX, a interferência estrangeira aumenta dentro do

país. Antes mesmo de terminar este século, surge na Ásia uma nova potência regional

imperialista: o Japão. Devido a sua posição geográfica, o Japão acreditava possuir direitos

sobre a China.

No ano de 1894, a China sofre um ataque vitorioso japonês que anexou ao seu domínio: as

ilhas Formosa, dos Pescadores, a Península de Liang-Tiong e Port Arthur. Neste período, a

Coréia também é separada da China e declarada independente, sob o controle e apoio japonês.

Neste contexto, a dinastia Qing, sob grande pressão, opta pela abdicação do governo em

1912. Após a renúncia da dinastia Qing, a China passa por um período de incertezas políticas.

Spence (1996) descreve a situação chinesa:

Restou um vazio crucial no centro do Estado chinês, sem que houvesse quaisquer líderes de talento especial para preenchê-lo, mas apenas diversos agrupamentos com pretensões ideológicas rivais. O legado do colapso dinástico não foi uma república nova cheia de confiança, mas um período de guerra civil e desordem intelectual... (Spence, 1996.: 153)

E assim, a China entra na era moderna passando por diversas contradições políticas, a

partir até mesmo de seus intelectuais que possuem opiniões opostas a respeito da abertura do

país.

A dominação estrangeira produzia efeitos contraditórios na intelectualidade chinesa. Uma corrente tradicionalista encarava a cultura e as técnicas ocidentais como verdadeiras maldiçoes, responsáveis pela miséria

Page 41: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

37

nacional25. Seu nacionalismo consistia da tentativa de preservação dos velhos valores e instituições. Uma corrente modernizante estimava que os males do país - inclusive sua debilidade ante os estrangeiros – advinham da resistência cultural chinesa26 à incorporação das técnicas e cultura liberal do Ocidente. (MAO TSE-TUNG, 1982:9)

A primeira corrente citada acima se refere ao grupo tradicionalista de intelectuais

confucianos. De acordo com Spence (1996), as obras de Confúcio serviam de base para a

“sabedoria ética” (SPENCE, 1996.:115) da sociedade chinesa. Além dos valores de lealdade e

devoção nas relações entre pais/filhos e funcionários/soberanos, o confucionismo servia para

unificar a massa rural, em obediência ao Estado. Contrapondo esta corrente tradicionalista,

existiu também a corrente modernizante. Composta por muitos chineses que tiveram contato

com a cultura estrangeira, este grupo de intelectuais acreditavam que a China deveria ser

modernizada, incorporando aspectos da cultura ocidental.

Neste período de conturbações políticas, em 1893, nasce Mao Tse-tung na província de

Hunan, no sul da China. Aos treze anos foi obrigado pelo pai a abandonar os estudos para

trabalhar na terra. Três anos mais tarde, contra a vontade do pai, Mao Tse-tung sai de casa e

volta a estudar. Ao sair de casa para completar os estudos, ele teve contato com movimentos e

discussões ideológicas, que o iniciaram na vida política.

Mao entrou para a vida militar em 1911 quando estourou a Revolução Xin Hai em apoio a

constituição de uma República. Com pretensões reformistas, a Revolução Xin Hai ocorreu nas

províncias do sul do país, através de homens da corrente modernizante. Esta revolução acabou

por forçar a queda da dinastia Quing, com o objetivo de estabelecer um novo tipo de governo:

a República.

Ao voltar para Hunan, Mao tem contato com a recém formada revista “Nova Juventude”.

Esta revista, que possuía idéias modernizantes e característica nacionalista revolucionaria, é

descrita por Mao Tse-tung: “a revista pregava a modernização do país como condição para

25 Grifo Nosso. 26 Grifo Nosso.

Page 42: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

38

superar o atraso e a dominação estrangeira” (MAO TSE-TUNG, 1982:9). A “Nova

Juventude” atraiu alguns futuros membros do Partido Comunista Chinês.

O período que se estendeu até o movimento de Quatro de Maio, de 1919, foi marcado por

diversos conflitos entre governos rurais. A instabilidade política dentro do país abriu espaços

para a formação de lideranças regionais, mais fortes que o governo central. “Os ‘senhores de

guerra’ eram uma fração dos proprietários rurais que conseguiam organizar seus próprios

exércitos e impunham requisições militares e impostos à população, assegurando a ordem

interna”(MAO TSE-TUNG, 1982:13).

A situação de instabilidade política atingiu o seu auge quando, em 1919, na Conferência

de Versalhes, os direitos de Shandong (antigo domínio alemão) são transferidos ao Japão, sem

nem mesmo consulta à população local. O governo chinês que ajudou os Estados vencedores

com um exército de 100 mil homens, estava em Versalhes consentido acordo. No dia quatro

de maio, movimentos nacionalistas estudantis se levantam contra o governo que é obrigado a

voltar atrás e recusar o acordo. O movimento de Quatro de Maio assume também uma luta

pela democracia, na qual desdobramentos desse movimento levaram a uma radicalização do

movimento estudantil, e de um encontro entre estudantes de treze colégios e universidades,

que desenvolveram cinco resoluções:

“uma protestava contra o acordo sobre Shandong da conferência de Versalhes; a segunda buscava despertar ‘as massas de todo o país’ para um consciência da situação da China27; a terceira propunha a realização de um encontro de massa da população de Pequim; a quarta pedia a criação de uma união dos estudantes de Pequim; e a quinta convocava uma manifestação para a tarde do mesmo dia, em protesto contra os termos do Tratado de Versalhes” (SPENCE, 1996:306)

O Movimento de Quatro de Maio atraiu a atenção da IC (Internacional Comunista) que, a

partir do ano de 1920, passou a apoiar as revoluções antiimperialistas nos países atrasados,

27 Grifo Nosso

Page 43: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

39

como forma de integrar estes movimentos à revolução socialista mundial. Em julho de 1921,

treze delegados fundam o Partido Comunista Chinês com um total de 57 membros. Mao Tse-

tung se tornou um dos delegados representando o grupo de Hunan.

Apesar do PCC não ter chegado a mil militantes (concentrados nas grandes cidades) até o

ano de 1925, outro partido vinha ganhando força dentro da China. O partido nacionalista de

Kuomintang foi responsável pela greve de 200 mil trabalhadores em Hong Kong (cidade

dominada pelos ingleses). A greve que durou dezesseis meses e objetivava um boicote contra

produtos ingleses foi também apoiada por Cantão, Shangai e outras cidades.

Fundado por Sun Yat-sen, o partido Kuomintang, que já controlava Cantão, através da

constituição de uma força paramilitar, sintetizava seus objetivos através de “Três Princípios do

Povo” nacionalismo, democracia e bem-estar popular. Através deste programa nacionalista,

Sun Yat-sem pretendia realizar a revolução democrática entre a burguesia da China. Em 1924,

estes pontos foram reinterpretados e entendidos como uma luta nacionalista antiimperialista,

através do apoio ao movimento operário e camponês.

O PCC, que até então era constituído em sua maioria de proletariado das grandes cidades -

de acordo com Mao Tse-tung (1982) até o anos de 1926 apenas 5% dos membros do partido

comunista pertenciam ao campo - decidiu junto com a IC se alinhar ao partido Kuomintang,

partido apoiado pelas baixas e médias classes28 burguesas.

Apesar dessa contradição, a decisão de unificar os dois partidos foi tomada pelo partido

comunista soviético que via nessa união uma forma de fomentar a revolução mundial e

garantir a segurança de suas próprias fronteiras, ameaçadas pelo Japão; uma força

28 Neste trecho faz-se diferença entre a burguesia nacional antiimperialista: composta pela média burguesia (classe que representa a relação capitalista de produção) e a baixa burguesia ( composta por camponeses, artesão e outros pequenos proprietários). A burguesia compradora que é descrita por Mao Tse-tung: “designa os grandes comerciantes, vinculados aos grandes negócios estrangeiros, que importam mercadorias para a venda interna no país.” (MAO TSE-TUNG, 1982 .:13)

Page 44: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

40

anticomunista que crescia na região da Manchúria. Dessa forma, segundo Spence (1996), era

interesse da URSS o fortalecimento do Estado chinês para contenção da força japonesa

Na noite de 22 de março de 1927, um levante iniciado na cidade de Shangai (a maior

concentração industrial base imperialista do país), contou com a participação de mais de 800

mil trabalhadores que ocuparam a cidade. As tropas de Kuomintang – agora lideradas por

Chiang Kai-shek - em princípio se deslocou para a cidade em apoio ao levante; mas logo

iniciou conversações com membros da burguesia compradora, representantes estrangeiros e

grupos anticomunistas. Ao entrarem em acordo, estes dois grupos se juntaram para declarar

total repressão aos grupos comunistas. Instaurou-se na China um sangrento confronto entre o

partido Kuomintang, agora apoiado pelos grupos imperialistas, e o partido Comunista.

Após várias batalhas perdidas, Mao retira-se para as montanhas de sua cidade natal e incita

o Comitê Central a também movimentar o partido das cidades para o campo. Deste momento

em diante, o PCC abandona a luta nas cidades e percebe que a força pode vir do campo, a

grande massa chinesa. Inicia-se então uma corrente maoísta dentro do partido, que busca

através da luta guerrilheira e o apoio do campo, bases para enfrentar o poder estatal. “É no

decorrer dessas campanhas que Mao vai desenvolver suas técnicas de luta guerrilheira. Como

enfrentava inimigos bem superiores em número e armamento, evitava os combates frontais.”

(MAO TSE-TUNG, 1982:16). Ao levar a luta para o campo, Mao faz uma adaptação da teoria

marxista soviética, levando a luta de grupos proletários urbanos, para a realidade campesina

chinesa.

Ao se refugiar no interior da China Mao, que foi nomeado comissário do Quarto Exército,

inicia a organização de um “Exército Vermelho” que rapidamente atrai centenas de seguidores

do campo. Com uma estratégia de perseguição a um inimigo em situações especificamente

desvantajosas, a guerrilha de Mao Tse-tung resistiu a quatro sucessivas campanha de cerco,

Page 45: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

41

organizadas por Chiang Kai-shek. A cada vitória, o grupo comunista conseguia aumentar a

sua área de influência, aumentando também o número de partidários comunistas.

As regiões conquistadas pelo Exército Vermelho tinham estabelecidos novos governos

locais, e o confisco de terra dos antigos chefes políticos opressores dos camponeses. A região

das conquistas comunistas ficou conhecida como região do Soviete de Jiangxi, segundo

Spence (1996). E foi naquela região que, no outono de 1934, Chiang Kai-shek reuniu uma

força de um milhão de homens para cercar a força comunista. Sem forças para enfrentar

diretamente o exército regular do governo, o Exército Vermelho perdeu a região de domínio

comunista.

Ao final de um ano, o Exército Vermelho bateu em retirada em direção ao oeste na

província de Siikiang. Este período ficou conhecido com a Longa Marcha. Em meio a estes

acontecimentos, em janeiro de 1935, durante uma Conferência da PCC; Mao é nomeado líder

do partido.

Enquanto o governo se preocupava com o avanço comunista, o Japão expandia sua área de

influência na região norte do território chinês, a partir da Manchúria. Em princípio, Chiang

Kai-shek que contava com o apoio nazista na luta contra a expansão do comunismo, viu seu

aliado apoiar preferencialmente o Japão em uma ofensiva ao território Chinês em 1937.

Chiang Kai-shek então pede ajuda ao governo norte americano, que quer impedir um avanço

nipônico. Neste período a eminência da Segunda Guerra Mundial já estava latente entre os

países.

De forma contraditória, quem auxilia o governo na luta contra o Japão é novamente o

governo soviético de Stalin; que segundo Mao Tse-tung (1982), na visão do aliado soviético, a

única possibilidade de uma China independente era através das forças do Kuomintang. Dessa

forma, o partido comunista soviético formula uma política de submissão do PCC ao

Kuomintang, na medida em que este assumisse a guerra contra o Japão. Apesar dos constantes

Page 46: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

42

artigos e proclamações feitas por Mao a despeito da incompetência de Chiang Kai-shek na

luta contra o imperialismo, o partido comunista aceita, por um tempo, se juntar às forças do

governo. “que cessem os ataques ao Exército Vermelho e se voltem todas as forças contra o

Japão, que se dêem liberdades para as massas populares, que se arme o povo” (MAO TSE-

TUNG, 1982:19).

O povo é armado e treinado pelos soviéticos. Mao, que permaneceu nas províncias rurais

do norte conduzindo a guerrilha armada, estocou durante esse período um grande número de

armas e material bélico oferecidos pela URSS e seus aliados. Ao fim da Segunda Guerra

Mundial, os conflitos entre nacionalistas do Kuomintang e comunistas são retomados. Para

Lanning (1999), estudioso de grandes líderes militares, Mao aproveitou o período de luta

armada contra um inimigo comum para consolidar sua imagem de protetor dos camponeses e

estocar armas para uma futura continuação da luta interna pelo controle da China.

À medida que a guerra foi chegando ao fim, uma coalizão entre EUA, URSS e Grã-

Betanha tentava criar em vão um governo único na China com o apoio dos dois grandes

partidos. Após a retirada japonesa, era preciso reocupar as terras abandonadas. Com o apoio

norte-americano, Chiang Kai-shek envia tropas para a região das províncias no norte-nordeste,

enquanto Lin Piao (ministro da Defesa da China de 1959 a 1971) aproveitou para se apropriar

do equipamento militar deixado pelos japoneses na Manchúria.

Após uma série de conflitos entre comunistas e nacionalistas, em 1949 o Exército

Vermelho, utilizando táticas guerrilheiras e concentrações de força, sai vitorioso em três

províncias chinesas. O exército de Chiang Kai-shek que já estava há muito tempo sendo

empurrado pelo exército comunista, é derrotado definitivamente por Mao Tse-tung.

Muitas dessas batalhas, apesar de estarem envolvidos milhares de soldados de cada lado, tiveram bem poucos mortos em razão de um antigo hábito de combate chinês que podemos chamar de "negociação e conversão". Em diversas ocasiões, exércitos inteiros de nacionalistas se entregaram sem disparar um tiro porque seus comandantes, sentindo-se inferiorizados em

Page 47: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

43

forças e em ânimo, sem condições portanto de levar o combate às suas últimas conseqüências, decidiam-se por negociar a sua conversão, passando-se em massa com suas armas e bagagens para o lado dos maoístas.29

Em 20 de setembro de 1949, são reunidos todos os partidos políticos democráticos em

uma conferência que resultou na promulgação da constituição chamada de Programa Comum.

Mao Tse-tung, que já presidia o governo central, foi intitulado presidente da nova República

Popular da China, e após eleições, torna-se presidente. Já em 1950, são feitas três reformas: a

agrária, que dividiu a terra de grandes proprietários entre os camponeses; a reforma dos

casamentos, que proibia os contratos feitos pelos pais sem a vontade dos noivos; e a reforma

sindical urbana, que regulamentou a participação dos trabalhadores na gestão das empresas e o

seguro-desemprego.

Com a ajuda da URSS, é elaborado o primeiro plano qüinqüenal para 1953 à 1957. Mao

fará uma declaração sobre a ajuda soviética:

Não podíamos realizar a planificação, a construção e a instalação de fábricas para a indústria pesada. Não tínhamos experiência. A China não tinha especialistas [...] Estávamos obrigados a copiar do estrangeiro sem poder distinguir o bom do mau. [...] Só podíamos seguir cegamente a URSS...(MAO TSE-TUNG, 1982: 21)

De acordo com Spence (1966), o PCC utilizou de maciça propaganda para alcançar o

apoio da massa urbana. Foram criadas, nas grandes cidades, debates públicos que tratavam de

política, problemas militares, artes e educação. Através de pequenos grupos de estudos, a

massa foi inserida nos estudos políticos comunistas. Foram criados também comitês de rua

que eram responsáveis em organizar a população nas tarefas de limpeza de ruas, suprimento

de água, programas de saúde e segurança pública. O vício do ópio e a prostituição foram

controlados através de campanhas e com o apoio destes comitês regionalizados.

29 Retirado do site: http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/china_10.htm 29/11/2008 às 23:02

Page 48: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

44

Apesar disso, no ano de 1956, surgiram protestos, greves operárias, reclamações

camponesas e criticas de intelectuais. Procurando prevenir eventuais críticas ideológicas, Mao

decide liberar críticas e descontentamentos, como forma de discutir e corrigir qualquer idéia

errada que o partido possa ter. Esta liberalização ficou conhecida como o Movimento das Cem

Flores. “Deixai desabrochar cem flores”, disse Mao Tse-tung (1982: 22).

A campanha das Cem Flores revelou constantes insatisfações da intelectualidade

direcionadas aos órgãos burocráticos estatais, e até mesmo a hegemonia do PCC. Este que

logo freou o movimento, prendeu os críticos e fez denúncias a respeito do perigo direitista.

Intelectuais que apresentavam idéias direitistas ou reacionárias eram enviados ao interior rural

para que pudessem, segundo Spence (1996), se reformarem através do trabalho. Em discurso

feito anos antes em 1949, Mao Tse-tung declarou:

Precisamente por termos conquistado a vitória, não devemos relaxar em momento algum a nossa vigilância contra as maquinações frenéticas dos imperialistas e seus lacaios que procuram vingar-se. Todo aquele que relaxa a vigilância desarma-se a si próprio politicamente, e acaba por ser reduzido a uma posição passiva. (MAO TSE-TUNG, 1972 .:75)

Em 1958 é aprovado o Grande Salto para Frente, que consistia em obter um grande

crescimento econômico e aumentar a participação popular nas decisões. Cria-se nos campos

meios de produção coletivizados autônomos. Nas grandes cidades busca-se aumentar o poder

das bases produtoras. Creditava-se a este movimento uma grande mobilização social, capaz de

compensar o atraso tecnológico chinês.

Este plano, que tinha como objetivo acelerar a economia industrial em um país com bases

camponesas, trouxe, através das comunas, uma nova forma de trabalho. Os camponeses

tiveram que se agrupar a grandes comunas agrícolas com objetivos industriais. Estas possuíam

pequenos fornos siderúrgicos instalados ao longo do território. Existiu neste período uma

euforia em relação à elevação dos números de produção agrícola; que foram mais tarde

Page 49: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

45

desmistificados. Na realidade milhões de chineses morriam de fome por causa da

desorganização econômica gerada pelas comunas.

Essa política ocasionou na substituição do governo de Mao Tse-tung por Liu Shaoqi. Após

fracasso do plano das comunas, o partido decidiu voltar ao plano de crescimento gradual

econômico, já estabelecido. De acordo com Spence (1996), à medida que os investimentos

industriais cresciam na China, a exportação de grão para a URSS também aumentava. Era

preciso pagar cada vez mais por maquinarias pesadas para investir na industrialização chinesa;

enquanto isso, a fome matou mais de 20 milhões de chineses no campo entre 1959 a 1962.

Após a substituição do governo, Mao permanece em segundo plano até o início da

Revolução Cultural. Neste momento, o antigo líder do Exército Vermelho, ainda possui

grande força perante dentro do partido, por isso ele deixa as decisões internas para o partido,

mas continua liderando as relações externas chinesas.

Após anos de aliança, China e URSS entram em divergência após alguns acontecimentos

como: os ataques a Stalin feitos por Khruschev, no vigésimo congresso do partido comunista

feito alguns anos antes; a recusa em ajudar o governo a expulsar as últimas tropas resistentes

de Chiang Kai-shek da ilha de Quemoi; a ajuda soviética à Índia durante o conflito na

fronteira com a China e, por fim, a recusa em transferir tecnologia atômica para a China

causou um racha na longa união entre os dois países. Em 1960 acusações de ambos os lados

foram feitas em reuniões comunistas internacionais.

A partir dessa separação, a China tenta manter-se no cenário internacional como uma

liderança comunista dos países pobres. Nesta nova posição política, a Albânia recebe

significativa ajuda chinesa, assim como outros diversos países pobres interessados na

ideologia comunista. Esta ajuda vai desde apoio político, até financiamentos e assistência

industrial.

Page 50: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

46

Outro movimento que marcou a história Chinesa foi a Revolução Cultural. Após a

denúncia feita por Mao de que havia um racha dentro do partido, este estimulou uma crítica

geral às velhas idéias. Os estudantes que há muito tempo eram reprimidos e controlados

severamente dentro das escolas, logo utilizaram esta abertura para criticar o autoritarismo de

qualquer autoridade educacional. Linshan, autor de “Anos Vermelhos”, conta sua experiência

escolar: “A obediência, a submissão aos professores e à direção da escola, esses eram os

critérios pelos quais se julgava se tal aluno era ou não ‘revolucionário’. Bania-se toda

espontaneidade.” (LINSHAN, 1988:44)

Na verdade, quando os acusávamos nossos professores se entrincheiravam atrás das autoridades, dizendo que elas eram responsáveis por tudo o que eles nos tinham feito sofrer, como por exemplo fazer dossiês da gente, aplicar severamente os regulamentos... Enquanto não atacássemos as autoridades da escola, nossas contas não estariam acertadas. (LINSHAN, 1988:44)

Dessa forma, Mao conseguiu levantar uma grande massa de estudantes que o seguiam

devotados ao Livro Vermelho escrito por ele. A quebra de velhas idéias culminou na união

estudantil contra todos que eram percebidos como reacionários. Em nível governamental, a

Revolução Cultural passa a questionar altos dirigentes do partido. Para Mao (1982), existiam

movimentos antagônicos entre as motivações da base (massa) e as regras escritas encontradas

em diferentes grupos que lutavam em nome da Revolução Cultural. Mao (1982) segue

afirmando que esse vazio entre essa diferença, pode ser preenchida pelo culto a personalidade

do chefe.

Page 51: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

47

CAPÍTULO III

Análise

3.1 Características de governos totalitários

O presente capítulo tem como objetivo analisar os regimes totalitários da Alemanha e

China no século XX, encontrando neles semelhanças e distinções no que tange às suas formas

de agir. É pertinente ao trabalho que se faça, então, a distinção entre os tipos de ditaduras.

Bobbio (2000) aborda três tipos distintos: “ditadura autoritária”, “ditadura cesarista” e

“ditaduras totalitárias”.

A “ditadura autoritária” ou “simples” é baseada nos princípios tradicionais de poder

coercitivos tais como: exército, polícia, burocracia e magistratura; esta possui pouca

penetração na sociedade, e suas massas são apolíticas. Neste tipo de ditadura, o governo

consegue reprimir, somente pela força, quem se opõe abertamente.

As “ditaduras cesaristas” são exercidas por um chefe que busca apoio para conquistar e

exercer poder sobre a massa. O que diferencia esta das demais é a presença de um líder

carismático, que falta no ditador “Autoritário”, e a ausência de um partido único de massas,

instrumentos de controle e penetração ideológica na sociedade, presentes nas ditaduras

totalitárias.

Por fim, Bobbio (2000) aborda as “ditaduras totalitárias”, que além dos meios coercitivos

normalmente empregados, possuem um partido único de massa que os permite alcançar a

sociedade – através das propagandas – em um nível que as outras ditaduras não conseguem.

Page 52: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

48

Estes governos possuem total controle sobre a política, educação, cultura, meios de

comunicação e instituições econômicas, além do total apoio da massa.

Algumas características fundamentais de governos totalitários são também descritas por

Walker (1966), que discute também o risco de um governo totalitário na China, fazendo um

paralelo com a história vivida na Alemanha. Walker (1966) que é professor de Relações

Internacionais e diretor do Instituto de Estudos Internacionais da Universidade da Carolina do

Sul; pretende neste estudo, alertar ao governo norte-americano o risco que existe na falta de

memória, ao confrontar a história vivida na Alemanha e o que possivelmente aconteceria na

China.

A ausência de freio legal em um governo autocrático é descrito por ele como o

menosprezo pelo direito escrito e pelos direitos individuais. Desde o período em que Mao Tse-

Tung tomou o poder, em 1949, não foi produzido na China um código de leis escritas, e

quando alguma lei foi produzida, nem sempre foi seguida pelo próprio partido. A lei nacional

que garantia a discussão do orçamento e economia do Estado, no Congresso Nacional do

Povo, por exemplo, não foi cumprida na China. De acordo com Arendt (1989), a Alemanha de

Hitler dissolveu o parlamento logo no início de seu governo implantando as novas leis de

acordo com os vinte e cinco pontos do partido nazista. Dessa maneira, podemos observar que

a lei é o líder.

Outra política comum de governos totalitários é levar o povo a um nacionalismo

exacerbado que possui relação direta com um projeto expansionista. Este discurso

demagógico pretende levar “o bem e a verdade” aos demais Estados. Os símbolos e o orgulho

de ser nacional são cultuados de tal forma que clamam pelo sacrifício máximo para a

concretização do ideal do Estado. Hitler descreve em seu livro “Mein Kampf” que as mortes

em vão ocorridas na Primeira Guerra Mundial, são sacrifícios oferecidos à Pátria em

Page 53: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

49

obediência do dever. A análise de Walker (1966) sobre o nacionalismo chinês justifica sua

preocupação com o novo regime:

El nacionalismo chino ha sido llevado a tales extremos, bajo el reino de Mao Tse-Tung, que ya en 1960 fue un punto de gran preocupación entre los dirigentes soviéticos, cuyos recuerdos de los extremos del nacionalismo alemán siguen latentes. Los jefes chinos están ‘cegados por uma arrogância nacionalista’ dijo el líder soviético Suslov. (WALKER, 1966:58)

A doutrina única e universal é caracterizada por pontos simples de fácil entendimento para

a massa. Segundo Walker (1996), a versão marxista-leninista desenvolvida por Mao Tse-tung

possui interpretações próprias e simplistas do mundo. Assim como para Hitler ou Stalin, quem

não os apóia em suas doutrinas está contra eles e deve ser combatido (ou se está do “lado

bom” do mundo, ou se está do “lado mau” e fadado a sucumbir na história). Esta doutrina

simplista serve também para que o governante possa moldá-la e interpretá-la de acordo com

suas conveniências. Um país como a URSS pode, assim, passar de um grande aliado chinês,

para um inimigo imperialista conforme os interesses do governo. Hitler declarava que todos

devem trabalhar pelo bem comum – da raça ariana – e declarava guerra àqueles que se

opunham à sua doutrina. Em conformidade com Hitler, Mao Tse-tung também buscava uma

sociedade sem classes, na qual cada indivíduo fosse uma peça importante nessa engrenagem.

Uma sociedade unida, coesa, levaria ao crescimento de sua força: seja militar (objetivo

buscado por Hitler), seja a evolução do conhecimento humano (buscado na teoria marxista

como forma de acabar com as classes).

A restrição do conhecimento humano, segundo a teoria marxista, leva à manutenção e a

diferença entre as classes. Segundo Mao Tse-tung (1982), “Na sociedade de classes, cada

indivíduo existe como membro de determinada classe. E todo pensamento traz, sem exceção,

o selo de classe” (Mao Tse-tung, 1982:80). Ao minimizar o frágil conhecimento unilateral e

Page 54: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

50

superficial das classes operárias; seria possível também diminuir as diferenças entre burgueses

e proletários.

La Boetie (1975) também aborda o tema ao descrever o tipo de homem que não esquece o

seu privilégio natural; a liberdade. Os homens que treinaram seus estudos através da

aprendizagem não possuem nenhuma satisfação com a servidão, mesmo que esta esteja bem

disfarçada. Dessa forma, estes homens se tornarão reacionários diante de um tirano.

Partindo deste conceito, pode-se dizer que a ideologia marxista seria a busca de uma

sociedade livre através do conhecimento humano. Em um trecho descrito por Mao Tse-tung

percebe-se claramente sua influência:

Durante um período muito longo na História, o homem esteve limitado a uma compreensão meramente unilateral da história da sociedade, porque, de um lado, a compreensão tendenciosa das classes exploradoras a distorcia constantemente, e, de outro, a produção em pequena escala limitava o horizonte humano (Mao Tse-tung, 1972: 80)

Esta busca pela liberdade da sociedade não foi, no entanto, característica dos governos de

Mao Tse-tung e Stalin, uma vez que estes, utilizando-se da interpretação da teoria marxista, se

converteram em ditadores que, em nenhum momento, permitiram a efetiva participação

popular. A educação formal foi incentivada por Mao Tse-tung, desde que disseminassem suas

idéias. Este fenômeno é claramente observado na Revolução Cultural chinesa, que tinha como

objetivo eliminar qualquer pensamento reacionário.

Um homem que consegue enxergar a real situação de exploração e servidão através da

educação consegue se libertar dos laços de exploração entre dominantes e dominados. Por isso

os governos totalitários travam batalhas contra qualquer outro tipo de ideologia, mantendo

assim uma doutrina única.

Como apoio para o pensamento único, o partido monopolizador exige de seus membros

total lealdade e obediência cega. Este recurso do partido único é utilizado para que a ideologia

Page 55: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

51

penetre em toda a sociedade, de forma a reeducar o povo e disseminar as idéias do governante

sem que haja a possibilidade de idéias contrárias influenciarem a massa. Em seu “Discurso da

Servidão Voluntária”, La Boetie (1986) alega que o tirano não encontra melhor maneira de

consolidar seu poder e aumentar a servidão senão pelo afastamento das idéias divergentes e

libertárias já existentes no espírito dos súditos.

Segundo Walker (1966), um dos fatores que explica as atitudes arbitrárias e

“freqüentemente irracionais” dos regimes autoritários é a maneira como o ditador é adulado e

sua imagem glorificada. Para ele, este tipo de engrandecimento produz no governante um

sentimento de megalomania e loucura. La Boetie(1986) confirma este argumento quando diz

que o tirano, em um espírito de grandeza, passa a estar acima das leis, direito este que foi

entregue pelas mãos dos próprios súditos. O culto ao chefe é importante para manter a

obediência e aumentar o nacionalismo da massa. Segundo Weber (2004), esta massa que

enxerga neste líder, quase que um ser divino, exige também constantes provas de suas

qualidades extra cotidianas. Weber (2004) alerta para a importância da manutenção e

demonstração destas qualidades que nunca podem faltar; caso contrário ele correrá o risco de

perder o carisma e o apoio da massa.

Para que seja evidenciado como governo totalitário, o líder deve ser seguido a qualquer

preço, e por vezes sem questionamentos explícitos.

Ante este estandarte de sangre, que representa a nuestro Fuher, yo juro dedicar todas mis energias y mis fuerzas al salvador de mi país, Adolfo Hitler. Yo estoy dispuesto y listo a dar mi vida por él, ante Dios lo juro.” Juramento de los Jungvoll (juventudes) en la Alemania Nazista (WALKER, 1966: 67)

A guerra é um aspecto fundamental nos governos totalitários que utiliza da violência em

nome da paz. Para Mao Tse-Tung, que é um teórico da guerra e consegue disseminar suas

Page 56: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

52

idéias, “el poder político se impone a fuerza de pistola”30 e não existe revolução sem

violência. Para o Chefe Maior do Exército Nacional de Libertação chinês, a guerra no Vietnã é

descrita como um sacrifício e um mal necessário, que oferece resistência à agressão

imperialista, caso essa resistência não existisse, a população se converteria em dóceis

escravos31. Para ambos os lideres estudados, existe uma glorificação da guerra. Para Hitler

(1983), estar nela para defender a Pátria é uma grande honra para qualquer cidadão.

O espírito militar da massa é desenvolvido durante o período de governo de Hitler e Mao

Tse-tung e as constantes demonstrações de força através das paradas militares ajuda a

engrandecer a disposição para a luta dos indivíduos. O desvio de parte de bens humanos e

econômicos para fins bélicos, com o apoio da massa, é também uma característica dos

governos totalitários que estão em constante estado de guerra contra um potencial inimigo. Na

Alemanha, Hitler mobilizou toda a população: cada um tinha um papel importante na

sociedade (produzir, reproduzir, educar e lutar) no apoio à guerra. Na China, assim como na

Alemanha, eram realizadas constantes paradas militares que eram utilizadas para demonstrar

força no âmbito doméstico e internacional. No caso da Alemanha serviu para unir ainda mais

o povo, em torno das políticas militares nazistas; este era um momento de acreditar novamente

na potência alemã que Hitler prometera.

Era exigido do povo treinamento militar – de forma evidente ou através do culto ao corpo

existente na Alemanha – para que assim estivessem preparados contra o inimigo. Após a

passagem por uma crise nacional, o medo latente de uma nova subjugação às vontades

estrangeiras faz com que o apoio e a disposição para a luta, façam parte da realidade da massa.

Os governos totalitários lutam durante todo o tempo contra um inimigo maior, e

necessitam sempre realizar “grandes feitos” 32. Se lhe faltam movimentos vitoriosos, o líder

correrá o risco de perder o apoio da massa. Por isso, com o artifício do monopólio das

30 WALKER, Richard L.. El peligro Chino. Chicago: American Bar Association, [1966]. 155 p 31 Faz-se referência a servidão voluntária de La Boetie 32 A intenção da propaganda é fazer também com que a massa sempre acredite nesta afirmação.

Page 57: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

53

informações, os governos conseguem focar a atenção para um problema externo. O foco nos

problemas externos é também um meio utilizado para distrair a atenção da massa para a

importância das mudanças internas que impõem sacrifícios ao povo, mas que se justificam

com a busca por um bem maior.

Através da propaganda de massa, os líderes do século XX elevaram seu poder e seu

domínio através da manipulação da massa, que “dava seu aval às iniciativas do governo”

(LENHARO, 1986: 8). Para Lenharo (1986), o essencial da propaganda era compreender o

mudo e as vontades da massa, representando seu sentimento, de forma que essa massa seria

“tocada por uma vaga e sentimental nostalgia por algo forte que as complete” (LENHARO,

1986.: 48). Um meio utilizado pelas propagandas, segundo Arendt (1989), era a idealização e

manipulação em torno da imagem de um inimigo. “O judeu é abordado como um animal

perigoso – mãos aduncas, rosto encarniçado, olhar sádico e cúpido, vive sempre à custa dos

outros” (LENHARO, 1986.: 56). Para Arendt (1989), este artifício auxilia na unificação da

massa em torno do líder.

Por isso, Hitler, Stalin ou Mao Tse-Tung tomavam a mesma posição agressiva e hostil

quando qualquer nação estrangeira opinava sobre sua política. Apesar da massa não ter acesso

à imprensa estrangeira, as respostas a qualquer crítica eram revides com acusações hostis na

tentativa de desqualificar o oponente, dessa forma os tiranos tentam justificar os seus atos

perante a comunidade internacional e a sociedade doméstica. No livro “El Peligro Chino”

Walker (1966) ilustra este argumento com diversas respostas agressivas feitas pelo PCC:

El Premier Chou En-lai em su mensaje al Congresso Nacional del Pueblo: ‘El imperialismo de los Estados Unidos ha hecho todo el mal que ha podido. Es el agressor más grande que ha conocido la historia33, el enemigo más feroz de la paz mundial y el principal puntal de las fuerzas reaccionarias del mundo. Los pueblos y naciones de todo el orbe que quieran hacer revolución y liberarse, todos los países y pueblos que quieren alcanzar su independencia y salvaguardar su soberanía y todos los países y pueblos

33 Grifo nosso

Page 58: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

54

que quieran defender la paz mundial, deben dirigir lo más enconado de su lucha contra el imperialismo de los Estados Unidos.’ Peking Review, enero 1, 1965 (WALKER, 1966.; 47)

A essência humana descrita por La Boetie (1986) é naturalmente livre, então por que o

homem se sujeitaria a tirania? “Pois, para que os homens, enquanto neles resta vestígio de

homem, se deixem sujeitar, é preciso uma das duas coisas: que sejam forçados ou iludidos”

(CLASTRES et al,1986: 83). A “técnica da grande mentira”, que consiste no uso da propaganda

de maneira a manipular – negativamente ou positivamente – a verdade, se baseia em alguns

princípios: primeiramente, diga esta “verdade” a um número suficientemente grande, que

grande parte irá acreditar. Segundo La Boetie (1986), líderes tiranos possuem grande

habilidade de oratória e podem ser observadas em grandes discursos a céu aberto ou até

mesmo em pequenos grupos influentes. Através de seu poder de oratória e persuasão, Hitler

conseguiu ganhar tempo para colocar em prática sua política militarista; em segundo lugar,

repita esta “verdade” algumas vezes, para que convença algumas pessoas. Esta repetição

ocorre pelo monopólio dos meios de comunicação; em terceiro, diga esta “verdade” de

diferentes formas que convencerá aos outros; quarto ponto: acuse a outros.

O monopólio dos meios de comunicação será utilizado pelos governos totalitários para que

este se torne o único fornecedor de informações para a massa. As informações chegam à

massa de forma distorcida com o intuito de auxiliar no convencimento da ideologia imposta.

Jornais, revistas, rádio e filmes se tornam uma importante “arma” para a disseminação

ideológica e informação sobre os grandes feitos.

A propaganda possui vital importância para que o governo totalitário não se torne um

governo autoritário, descrito por Bobbio (2000), que faz diferença entre estes dois tipos,

através do apoio da massa. Segundo Arendt (1989), este apoio não seria conquistado apenas

pela força e sim pela disseminação e o convencimento ideológico, que utilizam principalmente

da propaganda como meio de difundir as idéias do regime.

Page 59: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

55

A propaganda ideológica é vista por Bobbio (2000), assim como para La Boétie (1975),

como uma forma de pequenos grupos, manipularem as massas. La Boétie (1975) afirma, ainda,

que um tirano nunca empreende uma política injusta, sem que esta seja justificada com um

grande discurso a respeito do bem-estar público e bens comuns; a crença neste discurso e feita

através da propaganda de manipulação

Neste ponto, observa-se a contradição entre a ideologia marxista utilizada por Mao Tse-

tung e a realidade existente na China comunista. Por um lado, os marxistas (Mao Tse-tung,

1972) culpam a burguesia pela alienação histórica do proletariado, que, através da distorção,

provocava um conhecimento unilateral e superficial da classe mais fraca. Por outro lado,

temos Mao Tse-tung utilizando deste mesmo artifício em sua doutrina única e universal para

controlar a massa e criar uma nova identidade chinesa.

Aliado à propaganda, existe também a utilização do terror como forma de domínio da

massa. O povo que é governado por um líder totalitário está sujeito a um eterno estado de

vigilância governamental. No governo chinês, todos os estrangeiros eram vigiados, até mesmo

os conselheiros soviéticos não estavam imunes a esta vigilância. Arendt (1989) utiliza a

expressão “culpa por associação” para evidenciar o clima de terror criado por estes governos:

‘A culpa por associação’ é uma invenção engenhosa e simples: logo que um homem é acusado, os seus antigos amigos se transformam, nos mais amargos inimigos: para salvar a própria pele, prestam informações e acorrem com denúncias que ‘corroboram’ provas inexistentes, a única maneira que encontram de demonstrarem sua própria fidelidade. Em seguida, tentam provar que sua amizade com o acusado nada mais era que um meio de espioná-lo e delatá-lo como sabotador,,... (Arendt, 1989.:373)

La Boétie (1986) também discorre sobre o terror tirânico ao mencionar o controle social

que seu regime impõe. Em seu argumento, a massa tem o poder de se levantar contra a

dominação, mas, por medo e hábito, esta permanece em eterno estado de “servidão

voluntária” (La Boétie, 1975). É importante ressaltar que tudo que foi feito por estes líderes, o

Page 60: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

56

foi, se não com a ajuda, pelo menos com a condescendência da massa. Lenharo (1986) afirma

que a explicação de “anestesiamento coletivo” (LENHARO,1986.:9) seria insuficiente para

explicar o voluntarismo durante o Holocausto, a “solução final” era aceita e esperada pelos

anti-semitas. La Boetie (1986) descreve essa relação entre dominantes e dominados:

De onde tira os inumeráveis argus34 que vos espiam, se não de vossas fileiras? Como tantas mãos para golpear-vos, se ele não as empresta de vós? Os pés com que espezinha vossas cidades também não são os vossos? Tem ele poder sobre vós se não por vós mesmos? Como ousaria atacar-vos se não estivesse conivente convosco?35 Que mal poderia fazer-vos se não fôsseis receptadores do ladrão que vos pilha, cúmplices do assassino que vos mata, e traidores de vós mesmos? (Clastres et al 1986:79)

Arendt (1989) também reconhece no discurso de Hitler a relação existente entre

dominantes e dominados descrita acima por La Boetie (1986): “Tudo o que vocês são, o são

através de mim; tudo que eu sou, sou somente através de vocês” (Arendt, 1989: 375).

A utilização da propaganda como meio de disseminar uma nova ideologia

revolucionária pode ser empregada até um determinado período do movimento totalitário.

Após a tomada do poder, a disseminação superficial da ideologia revolucionária através da

propaganda terá que ser substituída pela doutrinação. É através da doutrinação que a ideologia

se perpetuará por anos, alcançando assim o objetivo que segundo Arendt (1989), todos os

regimes totalitários buscam.

“Quando o totalitarismo detém o controle absoluto, substitui a propaganda pela doutrinação e emprega a violência não mais para assustar o povo (o que só é feito nos estágios iniciais, quando ainda existe a oposição política), mas para dar realidade às suas doutrinas ideológicas e às suas mentiras utilitárias” (Arendt, 1989: 390)

Na busca por esse objetivo, regimes totalitários impressionam em sua forma hábil de

organizar a massa. Divididos em pequenos grupos de estudo sobre a ideologia e qualquer

outra atividade social, estes grupos contribuem para a vigilância social. A estrutura piramidal, 34 Argus, homem fabuloso de cem olhos. 35 Grifo nosso.

Page 61: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

57

descrita por La Boétie (1986) como uma corrente interrupta que começa na massa e sobe até

o tirano, alcança desde um dirigente ligado ao líder até um simples camponês no interior do

país. La Boétie (1986) acredita também que neste tipo de organização social existe a busca

por interesses próprios de qualquer indivíduo que tenha uma pequena parcela de poder sobre o

grupo que lidera na estrutura. Sendo assim, ele afirma: “pelos ganhos e parcelas de ganhos que se

obtêm com os tiranos chega-se ao ponto em que, afinal, aqueles a quem a tirania é proveitosa são em

número quase tão grande quanto aqueles para quem a liberdade seria útil.” (CLASTRES et al, 1986

:100).

O poder e a importância conferidos a estas organizações sociais atendem aos seguintes

propósitos do regime totalitário: provar ao indivíduo sua impotência diante do poder

organizador do regime; levantar a confiança das lideranças do governo; servir como “arma” de

intimidação de visitantes e observadores estrangeiros; aumentar o interesse por parte das

lideranças e do povo em continuar apoiando o regime totalitário.

Para dominar toda a nação, não se pode afirmar que somente o terror e a propaganda

foram determinantes para a mudança de regime (apesar de que podemos considerar que estes

foram a base dos meios utilizados para alcançar a massa). Toda a sua força não teria o mesmo

efeito caso ambos os Estados – Alemanha e China – não tivessem passado por uma conjuntura

fundamental para a ascensão destas duas lideranças: a existência de um Estado falido, que,

segundo Jackson (1990), se caracteriza como um Estado que não pode salvaguardar

domesticamente algumas condições civis mínimas que um Estado deveria prover como a paz,

a ordem e a segurança.

A Alemanha pré-nazista, após a Primeira Guerra Mundial, passava por um momento de

desordem interna onde seus governantes não tinham mais controle sobre forças paramilitares e

a economia enfrentava um período de inflação exorbitante que aumentava o numero de

miseráveis no país. Para agravar a situação, o governo ainda tinha que pagar indenizações de

guerra aos países estrangeiros.

Page 62: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

58

Na China existia o descontentamento com o governo imperial que já não dominava mais

áreas estratégicas do território. Os seus portos estavam dominados pelos estrangeiros a ponto

de ter como diretor geral das alfândegas um estrangeiro inglês. As cidades eram disputadas

entre países estrangeiros que ignoravam as fronteiras do Império. Grupos guerrilheiros

tomavam a frente no combate à invasão estrangeira. A disseminação do ópio pelos

estrangeiros contra a vontade imperial, que não sabia como evitar a entrada, também pode

demonstrar a fraqueza do Estado.

Estes estados fracos abriram espaço para que as ideologias nacionalistas infiltrassem na

sociedade, de forma que, após a chegada ao poder, quem não era militante era no mínimo

condescendente com o que estava acontecendo. A ideologia proposta por estes governos não

são pensamentos que surgiram de um único indivíduo, estas se caracterizam: “por um

conjunto de idéias e princípios, concepções, esperanças e emoções, unidos por um movimento

político radical numa época de crise.” (Bobbio, 2000: 809), Os carrascos voluntários de Hitler

não surgiram com o nazismo, estes apenas foram estimulados por um mito ariano que

declarava a superioridade do povo alemão e a inferioridade dos judeus que estavam se

enriquecendo a custa da miséria do povo ariano. Como o anti-semitismo já era um fato

presente na Alemanha, de acordo com Lenharo (1986):

Numerosos voluntários se antecipavam à exigência dos carrascos nazistas para fuzilar centenas de pessoas indefesas, e o faziam porque eram anti-semitas convictos e aprovavam integralmente a ‘solução final’ levada a cabo pelos nazistas (LENHARO, 1986 :09)

Fez-se apenas necessária a utilização de propagandas e doutrinas ideológicas anti-semitas

para fazer o povo entender qual era a raiz do problema alemão. Lenharo (1986) inicia esta

discussão ao afirmar que o essencial da propaganda nazista era atingir o emocional da massa,

captando a real vontade dela.

Page 63: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

59

O governo totalitário teve sua origem nos governos comunistas soviéticos, que serviram de

base para as diretrizes nazistas. “A esse respeito, Hitler diria no Mein Kampf (Minha Luta) que

havia aprendido muito com os métodos dos comunistas e não com sua doutrina” (LENHARO,

1986.:17). A ascensão do partido nazista é marcada por confrontos diretos com o partido

comunista e Hitler explica por que:

Mais do que qualquer outro grupo, os marxistas, ludibriadores da nação, deveriam odiar um movimento cujo escopo declarado era conquistar as massas que até então tinham estado a serviço dos partidos marxistas dos judeus internacionais. Só o título ‘Partido dos Trabalhadores Alemães’ já era capaz de irritá-los. (HITLER, 1983: 227)

O ódio ao oponente e o fanatismo ideológico são sempre incentivados por Hitler (1983)

que acredita que a conquista do povo somente ocorre quando, ao mesmo tempo em que se luta

pelo alcance dos próprios fins políticos, luta-se também contra o adversário do partido. É

importante lembrar que tanto a ideologia nazista de Hitler, quanto a comunista de Mao Tse-

tung afirmam que quem não está com eles, está contra eles.

“A história mostra que as guerras dividem-se em duas categorias: justas e injustas. Todas as guerras progressistas são justas, e todos as guerras que impedem o progresso são injustas. Nós, os comunistas, opomo-nos a todas as guerras injustas que impedem o progresso, mas não nos opomos às guerras progressistas, às guerras justas. E não só não nos opomos às guerras justas, como ainda tomamos activamente parte nelas. Como exemplo de guerra injusta temos a Primeira Guerra Mundial, onde as duas partes lutaram por interesses imperialistas, razão porque os comunistas do mundo inteiro se opuseram firmemente a ela.” (Mao Tse-tung, 1972.: 64) “O futuro do movimento depende do fanatismo, mesmo da intolerância, com a qual seus adeptos o defenderem como a única causa justa e defenderem-na em oposição a quaisquer outros esquemas de caráter semelhante.” (Hitler, 1983.:223)

Page 64: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

60

Mediante análise histórica dos casos estudados, pode-se observar uma linha de ação

característica dos governos totalitários. Para que ocorresse a ascensão do regime totalitário, foi

necessária primeiramente a existência de um governo anterior, fraco e incapaz de controlar o

seu próprio território. Mesmo sendo estes novos regimes, com ideologias políticas

antagônicas, podemos observar que ambos utilizaram como principal arma de atração da

massa, a propaganda política, que é caracterizada por Arendt (1948) como fundamental para a

construção dos partidos de massa no século XX.

Nota-se, também que não se pode explicar a servidão da massa somente através do poder

coercitivo, mas sim através da imagem de um líder carismático mistificado e cultuado. É

necessário que após o período de conquista da massa é importante que inicie uma nova fase de

doutrinação ideológica: está pretende ser mudança social e ideológica permanente no país.

Page 65: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

61

ANEXO

Program of the National Socialist German Workers' Party36

The program of the German Workers' Party is an epochal program.

The leaders reject the idea of setting up new goals after those included in the program have been achieved merely in order to make possible the further existence of the Party by artificially inducing discontent among the masses.

1. We demand the union of all Germans in a Great Germany on the basis of the principle of self-determination of all peoples.

2. We demand that the German people have rights equal to those of other nations; and that the Peace Treaties of Versailles and St. Germain shall be abrogated.

3. We demand land and territory (colonies) for the maintenance of our people and the settlement of our surplus population.

4. Only those who are our fellow countrymen can become citizens. Only those who have German blood, regardless of creed, can be our countrymen Hence no Jew can be a countryman.

5. Those who are not citizens must live in Germany as foreigners and must be subject to the law of aliens.

6. The right to choose the government and determine the laws of the State shall belong only to citizens. We therefore demand that no public office, of whatever nature, whether in the central government, the province. or the municipality, shall be held by anyone who is not a citizen.

We wage war against the corrupt parliamentary administration whereby men are appointed to posts by favor of the party without regard to character and fitness.

7. We demand that the State shall above all undertake to ensure that every citizen shall have the possibility of living decently and earning a livelihood. If it should not be possible to feed the whole population, then aliens (non-citizens) must be expelled from the Reich.

8. Any further immigration of non-Germans must be prevented. We demand that all non-Germans who have entered Germany since August 2, 1914, shall be compelled to leave the Reich immediately.

36 Retirado do site: http://www.yale.edu/lawweb/avalon/imt/nsdappro.htm

Page 66: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

62

9. All citizens must possess equal rights and duties.

10. The first duty of every citizen must be to work mentally or physically. No individual shall do any work that offends against the interest of the community to the benefit of all.

Therefore we demand:

11. That all unearned income, and all income that does not arise from work, be abolished.

Breaking the Bondage of Interest

12. Since every war imposes on the people fearful sacrifices in blood and treasure, all personal profit arising from the war must be regarded as treason to the people We therefore demand the total confiscation of all war profits.

13. We demand the nationalization of all trusts.

14. We demand profit-sharing in large industries.

15. We demand a generous increase in old-age pensions.

16. We demand the creation and maintenance of a sound middle-class, the immediate communalization of large stores which will be rented cheaply to small tradespeople, and the strongest consideration must be given to ensure that small traders shall deliver the supplies needed by the State, the provinces and municipalities.

17. We demand an agrarian reform in accordance with our national requirements, and the enactment of a law to expropriate the owners without compensation of any land needed for the common purpose. The abolition of ground rents, and the prohibition of all speculation in land.

18. We demand that ruthless war be waged against those who work to the injury of the common welfare. Traitors, usurers, profiteers, etc., are to be punished with death, regardless of creed or race.

19. We demand that Roman law, which serves a materialist ordering of the world, be replaced by German common law.

20. In order to make it possible for every capable and industrious German to obtain higher education, and thus the opportunity to reach into positions of leadership, the State must assume the responsibility of organizing thoroughly the entire cultural system of the people The curricula of all educational establishments shall be adapted to practical life. The conception of the State Idea (science of citizenship) must be taught in the schools from the very beginning. We demand that specially talented children of poor parents, whatever their station or occupation, be educated at the expense of the State.

21. The State has the duty to help raise the standard of national health by providing maternity welfare centers, by prohibiting juvenile labor, by increasing physical fitness through the introduction of compulsory games and gymnastics, and by the greatest possible encouragement of associations concerned with the physical education of the young.

Page 67: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

63

22. We demand the abolition of the regular army and the creation of a national (folk) army.

23. We demand that there be a legal campaign against those who propagate deliberate political lies and disseminate them through the press. In order to make possible the creation of a German press, we demand:

(a) All editors and their assistants on newspapers published in the German language shall be German citizens.

(b) Non-German newspapers shall only be published with the express permission of the State. They must not be published in the German language.

(c) All financial interests in or in any way affecting German newspapers shall be forbidden to non-Germans by law, and we demand that the punishment for transgressing this law be the immediate suppression of the newspaper and the expulsion of the nonGermans from the Reich.

Newspapers transgressing against the common welfare shall be suppressed. We demand legal action against those tendencies in art and literature that have a disruptive influence upon the life of our folk, and that any organizations that offend against the foregoing demands shall be dissolved.

24. We demand freedom for all religious faiths in the state, insofar as they do not endanger its existence or offend the moral and ethical sense of the Germanic race.

The party as such represents the point of view of a positive Christianity without binding itself to any one particular confession. It fights against the Jewish materialist spirit within and without, and is convinced that a lasting recovery of our folk can only come about from within on the principle:

COMMON GOOD BEFORE INDIVIDUAL GOOD

25. In order to carry out this program we demand: the creation of a strong central authority in the State, the unconditional authority by the political central parliament of the whole State and all its organizations.

The formation of professional committees and of committees representing the several estates of the realm, to ensure that the laws promulgated by the central authority shall be carried out by the federal states.

The leaders of the party undertake to promote the execution of the foregoing points at all costs, if necessary at the sacrifice of their own lives.

Page 68: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

64

BIBLIOGRAFIA

ARENDT, Hannah. Origens de totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. 562 p BOBBIO , Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. 5. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 2000 BOUDON, Raymond,. Dicionario critico de sociologia. 2. ed. São Paulo : La Ley 2000. 653p CHAUÍ, Marilena de Sousa . Convite à filosofia. 11. ed. São Paulo: Ática, 1999. 440 p. HITLER , Adolf : Mein Kampf. (minha luta). São Paulo: Moraes, 1983. 426 p. LA BOÉTIE, Etienne de; CLASTRES, Pierre; LEFORT, Claude; CHAUÍ, Marilena de Souza. Discurso da servidão voluntaria. 3a ed. São Paulo: Brasiliense, 1986. 239p. (Elogio da filosofia ) LA BOÉTIE, Etienne THE POLITICS OF OBEDIENCE: The Discourse of Voluntary Servitude, 1975 by Murray N. Rothbard. “Étienne de La Boétie have become far more relevant, far more genuinely modern, than they have been for over a century.” LANNING , Michael Lee. Chefes, líderes e pensadores militares. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1999. 471 p LINSHAN , Hua. Os anos vermelhos: memórias sobre a revolução cultural chinesa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, c1988 LENHARO , Alcir . Nazismo: o triunfo da vontade. São Paulo: Ática, 1986. 93 p MAO , Tse-Tung O livro vermelho. São Paulo: Global, 1972. 338p. MAO , Tse-Tung. MaoTse-Tung: política. São Paulo: Ática, 1982. 208 p. OUTHWAITE, William,; BOTTOMORE, T. B ., (Editor). Dicionário do pensamento social do século XX . Rio de Janeiro: J. Zahar, 1996. 970 p REIS FILHO , Daniel A. et al. (orgs.). O século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. v.3. RIAZANOV, David. Marx-Engels e a história do movimento operário. São Paulo: Global, 1984. 191 p. RICHARD, Lionel (Org.) Berlim, 1919-1933: a encarnação extrema da modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993. SPENCE, Jonathan D.. Em busca da China moderna: quatro séculos de história. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. 817 p TOLAND , John.. Adolf Hitler. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1978.

Page 69: Nathália Ferreira - Formas de dominação da massa e ... · PDF fileprincipais autores: Hannah Arendt, Weber e Etienne de La Boetie. O primeiro capítulo utilizará os autores acima

65

UNTERMEYER, Louis. Os forjadores do mundo moderno: a vida de escritores, artistas, cientistas, estadistas, inventores, filósofos, compositores e outros criadores que transformaram a face do mundo. São Paulo: Fulgor, 1962. WALKER, Richard L.. El peligro Chino. Chicago: American Bar Association, [1966]. 155 p WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. 4. ed. Brasília: UnB, 2004 WEBER, Max. Sociologia: ed Ática 1991.

Sites:

http://www.yale.edu/lawweb/avalon/imt/nsdappro.htm

http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1681

ttp://www.brasilia.diplo.de/Vertretung/brasilia/pt/04/nacionalidade.html

http://www.cyberpreview.com.br/2Guerra/Textos/Gestapo.htm

http://www.epochtimes.com/9pingdownload/portuguese/9ping_portuguese_all.doc

http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/china_11.htm

Filmes:

A vida secreta de Hitler, David Lewis, Documentário 1958 Elenco: Eva Braun (archive footage) Adolf Hitler (archive footage) Westbrook Van Voorhis, Narrator Paula Wolf