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i ADRIANA COSER GUTIÉRREZ NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO-ESCOLA MANGUINHOS Análise sob a perspectiva do apoio matricial CAMPINAS 2014

NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

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ADRIANA COSER GUTIÉRREZ

NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO

TERRITÓRIO-ESCOLA MANGUINHOS

Análise sob a perspectiva do apoio matricial

CAMPINAS

2014

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Universidade Estadual de Campinas

Faculdade de Ciências Médicas

ADRIANA COSER GUTIÉRREZ

NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO-ESCOLA MANGUINHOS

Análise sob a perspectiva do apoio matricial

Orientador: PROF. DR. GASTÃO WAGNER DE SOUZA CAMPOS

Tese de Doutorado a ser apresentada à Banca de Exame de Defesa do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, para obtenção do título de Doutora em Saúde Coletiva. Área de concentração: Política, Planejamento e Gestão em Saúde.

Este exemplar corresponde à versão final da tese defendida pela aluna ADRIANA COSER GUTIÉRREZ e orientada pelo PROF. DR. GASTÃO WAGNER DE SOUZA CAMPOS

_______________________________________

Assinatura do Orientador

CAMPINAS 2014

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Ficha catalográfica Universidade Estadual de Campinas

Biblioteca da Faculdade de Ciências Médicas Maristella Soares dos Santos - CRB 8/8402

G985n Gutiérrez, Adriana Coser, 1976- GutNúcleo de apoio à saúde da família do Território Escola Manguinhos : análise sob a perspectiva do apoio matricial / Adriana Coser Gutiérrez. – Campinas, SP : [s.n.], 2014.

GutOrientador: Gastão Wagner de Souza Campos. GutTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Ciências Médicas.

Gut1. Atenção primária à saúde. 2. Brasil - Ministério da Saúde - Núcleo de Apoio à Saúde da Família. 3. Saúde da família. 4. Território Escola Manguinhos. I. Campos, Gastão Wagner de Sousa, 1952-. II. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Ciências Médicas. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Family health care support unit at Manguinhos School Territory : an analysis on a matrix support perspective Palavras-chave em inglês:

Primary health care Brazil, Ministry of Health, Family Health Care Support Unit Family health Maguinhos School Territory Área de concentração: Política, Planejamento e Gestão em Saúde Titulação: Doutora em Saúde Coletiva Banca examinadora:

Gastão Wagner de Souza Campos [Orientador] Charles Dalcanale Tesser Daniele Sacardo Nigro Gustavo Tenório Cunha Liane Beatriz Righ Data de defesa: 29-08-2014 Programa de Pós-Graduação: Saúde Coletiva

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Dedico esta tese ao meu esposo Anderson: pela sua presença.

E ao nosso precioso filho Benjamin: por seu sorriso.

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AGRADECIMENTOS

São tantos...

Agradecimento eterno ao meu mestre orientador Gastão Wagner, pelo privilégio de ser

mais uma vez sua aluna. Valeu por tudo Gastão!!

À Rosana Onocko, pelos ensinamentos e carinho.

À banca examinadora, pela disponibilidade, atenção, carinho e contribuição.

Ao Ministério da Saúde, em especial a gestão dos amigos Alexandre Padilha e Márcia

Amaral e todos os demais colegas em que juntos estivemos nos anos de 2011 a 2013.

À minha instituição Fiocruz, que me cedeu para que eu pudesse cursar mais esta

trajetória, em particular a três pessoas amigas que me afetam muito cotidianamente e

que trazem consigo a radicalidade de inovar sempre: Nísia Trindade Lima, Antônio Ivo

de Carvalho e Elyne Engstrom.

À equipe do TEIAS Escola Manguinhos-Fiocruz pela disponibilidade.

À equipe da VPEIC-Fiocruz pelo apoio e amizade.

Aos inúmeros amigos queridos pelo apoio: Jeanete, Robertinha, Mirela, Gustavo

Tenório, Adail e Terê, Vivi, Totonho, Fabi, Ju Carneiro, Sandrinha, Leon Garcia, Tyka e

muitos outros.

À Aracelle, que carinhosamente cuidou de mim e do meu pequeno nas minhas

ausências.

E por fim, à minha família que sempre esteve na torcida, em particular ao meu saudoso

pai José Coser, e minha doce mãe Marión Irma que sempre me incentivaram nas

minhas descobertas.

E como não poderia deixar de agradecer, ao meu amado esposo Anderson que me

apoiou incondicionalmente com seu carinho.

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RESUMO

Esta pesquisa analisa o processo de trabalho do Núcleo de Apoio à Saúde da Família

(NASF), valendo-se do conceito de apoio matricial proposto por Campos. Apresenta-se

como estudo qualitativo de caráter exploratório, com base em estudo de caso da

experiência de implantação, no ano de 2010, do NASF no Território-Escola

Manguinhos, vinculado à Fundação Oswaldo Cruz e fruto da parceria com a Secretaria

Municipal de Saúde do Rio de Janeiro. Seu objetivo central é analisar o processo de

trabalho do NASF do Território-Escola Manguinhos, a partir da contribuição do apoio

matricial proposto por Campos (1998) sob a perspectiva de quem apoia, é apoiado e do

gestor da atenção básica. Busca conhecer, em contexto, a realidade dos trabalhadores

em saúde, de forma a observar o modo de organização proposto pela equipe do NASF,

com vistas a contribuir para aprimoramento do conhecimento no que se refere à

atenção primária e ao trabalho de equipes de saúde da família. Construiu-se o desenho

desta pesquisa após identificação dos aportes teóricos que sustentam a análise do

objeto desta investigação, assim como dos elementos que se pretende explorar e da

estratégia de análise desses materiais. Compreende-se que a metodologia de estudo

de caso proposta é estratégica para a área da gestão em saúde, por descrever em

profundidade e em detalhe o objeto em seu contexto. Logo, as estratégias para a

elaboração do material empírico são a análise histórico-estrutural do campo e do

processo de implementação do NASF, a análise documental e entrevistas

semiestruturadas aplicadas aos gestores e aos profissionais do NASF e do ESF. Para a

análise e a interpretação do material elaborado no campo, partiu-se do compromisso

com a fidedignidade à compreensão dos dados empíricos, referindo-se às relações

sociais e dinâmicas e vivas, segundo o proposto por Minayo (2002). Optou-se pela

análise hermenêutico-dialética proposta pela autora, por possibilitar o exame e

interpretação do discurso dos sujeitos entrevistados com base nas práxis. Conclui com

proposições a partir das semelhanças e contradições dos discursos dos diferentes

participantes implicados na organização do NASF Manguinhos.

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Palavras-chave: Atenção Primária. Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF). Apoio

Matricial. Território-Escola Manguinhos.

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ABSTRACT

This research analyses the work process performed by the Family Health Care Support

Unit (NASF) based upon the concept of matrix support suggested by Campos. This is

presented as a qualitative study of explanatory character, based on NASF’s establishing

experience at the Manguinhos school territory case study, associated with Oswaldo

Cruz Foundation, and as a product of a partnership with Rio de Janeiro’s City Health

Secretariat. The study’s main objective is to analyze the contribution of a matriarchal

support suggested by Campos (1998) applied in NASF’s work process in the

Manguinhos school territory, by the supporter’s, supported’s and basic health care

manager’s perspective. It explores into the health care workers’ reality in context

observing the organization methods proposed by NASF, focusing on the improvement of

knowledge on primary health care and family health care team work. The research’s

design occurred with the identification of theoretical contributions that give foundation to

the investigation’s object analysis, the elements about to be explored and the materials

analysis strategy. It is understood that the case study method suggested is strategic to

the health care management field for its depth on object’s description and detail, in

context. Therefore empiric material consists of NASF’s establishing process and the

field’s structural-historical analysis, documents’ and semi-structured interviews done to

management and NASF’s and ESF’s crew analysis. The analysis and interpretation of

field generated material was committed to reliability on empirical data’s comprehension,

concerning social and dynamic and alive relations, according to Minayo (2002). An

hermeneutic-dialectic analysis was chosen as suggested by the author, for the reason

that it makes possible to consider and interpret the interviewed subjects’ speech, praxis

based. The conclusion comprises the participants’ different speeches in resemblance

and contradictions within Manguinhos NASF.

Keywords: Primary Health Care Services. Family Health Care Support Unit (NASF).

Matrix Support. Manguinhos School-Territory.

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SUMÁRIO

MOTIVAÇÕES E JUSTIFICATIVA ................................................................................................................. 1

APRESENTAÇÃO E INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 3

1. REFERENCIAIS TÉORICOS PARA O NASF ............................................................................................ 9

1.1 Atenção básica pela Estratégia de Saúde da Família no município do Rio de Janeiro ....................... 9

1.2 O Apoio Matricial como perspectiva de análise para o NASF: um caminho para a organização do

processo de trabalho.......................................................................................................................... 13

1.3 O Núcleo de Apoio à Saúde da Família .......................................................................................... 19

2. ABORDAGEM METODOLÓGICA .......................................................................................................... 27

2.1 Definição dos objetivos ................................................................................................................ 27

2.1.1 Objetivo geral ........................................................................................................................ 27

2.1.2 Objetivos específicos ............................................................................................................. 27

2.2 Desenho da pesquisa .................................................................................................................... 27

2.3 Formalização do estudo e considerações éticas ............................................................................ 29

2.4 Definição dos participantes .......................................................................................................... 30

2.5 O objeto da pesquisa como campo: NASF Manguinhos ................................................................. 30

2.6 Material de campo ....................................................................................................................... 33

2.7 Análise e interpretação do campo pela hermenêutica-dialética .................................................... 35

3. RESULTADOS ...................................................................................................................................... 37

3.1 Contexto: TEIAS-Escola Manguinhos e suas características ........................................................... 37

3.1.1 Perfil sociodemográfico ......................................................................................................... 38

3.1.2 Estrutura e situação de saúde ................................................................................................ 45

3.2 O contexto do NASF Manguinhos sob o olhar da pesquisadora ..................................................... 50

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3.3 Análise das entrevistas: o discurso dos sujeitos implicados com o NASF ....................................... 52

3.4 Identificação geral dos entrevistados............................................................................................ 54

3.5 Primeiro Núcleo Temático de Análise: Implantação do NASF Manguinhos e a gestão do trabalho. 56

3.5.1 Categoria de análise: NASF Manguinhos: a que se destina? ................................................... 56

3.5.2 Categoria de análise: Apoio da gestão para organização do NASF .......................................... 58

3.6 Segundo Núcleo Temático de Análise: O processo de trabalho do NASF e sua relação com as

equipes. Concepções teóricas, práticas dominantes da gestão, NASF e ESF sobre apoio matricial....... 61

3.6.1 Categoria de análise: Referenciais organizativos para o apoio matricial: como ocorre na

prática? .......................................................................................................................................... 61

3.6.2 Categoria de Análise: Percepção da avaliação do NASF para si, para a ESF apoiada e para a

rede local de saúde. ....................................................................................................................... 78

3.7 Síntese dos resultados com base nos núcleos temáticos e categorias de análise ........................... 82

4. DISCUSSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 89

5. REFERÊNCIAS ..................................................................................................................................... 99

ANEXOS ............................................................................................................................................... 103

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACS Agente Comunitário de Saúde

APS Atenção Primária em Saúde

CAP Coordenação de Área Programática

CEP Comitê de Ética e Pesquisa

CLT

CSEGSF

Consolidação das Leis Trabalhistas

Centro de Saúde Escola Germano Sinval Faria

ENSP Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca

ESF Estratégia de Saúde da Família

FIOCRUZ Fundação Oswaldo Cruz

FIOTEC Fundação para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico em Saúde

IPP Instituto Pereira Passos

MS Ministério da Saúde

NASF Núcleo de Apoio à Saúde da Família

OSS Organização Social de Saúde

PAC Programa de Aceleração do Crescimento

PNAB Política Nacional de Atenção Básica

PTS Projeto Terapêutico Singular

RJ Rio de Janeiro

SIAB Sistema de Informação da Atenção Básica

SIC Advérbio latino que indica a reprodução exata do que foi dito

SISREG Sistema Nacional de Regulação

SMS Secretaria Municipal de Saúde

SUS Sistema Único de Saúde

TCLE Termo de Consentimento e Livre Esclarecimento

TEIAS Território-escola Manguinhos

UNICAMP Universidade Estadual de Campinas

UPA

UPP

Unidade de Pronto-Atendimento

Unidade de Polícia Pacificadora

VD Visita Domiciliar

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LISTA DE FIGURAS

Pág.

Figura 1: Mapa de Manguinhos 39

Figura 2: Estação de Manguinhos e canal do cunha 41

Figura 3: Moradias irregulares 42

Figura 4: Estação Manguinhos-PAC 42

Figura 5: Clínica da Família Victor Valla 44

Figura 6: CSEGSF 44

Figura 7: Mapa de adscrição geográfica das UBS Manguinhos 45

Figura 8: Ação de Implantação da UPP Manguinhos 49

Figura 9: Base móvel da UPP Manguinhos 50

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LISTA DE QUADROS

Pág.

Quadro 1: Comparativo entre NAISF e NASF 23

Quadro 2: Perfil profissional e carga horária do NASF Manguinhos 32

Quadro 3: Perfil profissional dos entrevistados 55

Quadro 4: Síntese dos resultados com base nos Núcleos Temáticos e

Categorias de Análise 82

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MOTIVAÇÕES E JUSTIFICATIVA

Minha motivação para investigar o tema Núcleo de Apoio à Saúde da Família

(NASF) e repensar formas de organizar o processo de trabalho em saúde, em especial

junto aos trabalhadores da atenção básica, revelou-se nos estudos iniciados na

dissertação do mestrado (COSER GUTIÉRREZ, 2008). Na ocasião, pesquisei a

aplicação teórico-prática do Método Paideia (CAMPOS, 2000) como filtro de análise

para estudar nova política na atenção básica no Estado do Rio de Janeiro. Priorizei

investigar a coprodução dos sujeitos implicados nesse processo de construção de uma

nova política.

Após 17 anos de atuação no Sistema Único de Saúde (SUS), em diversos

campos de práticas – na gestão municipal, estadual e federal, assim como em

experiências docentes – identifico o privilégio de realizar este doutorado sob a

orientação do Professor Gastão Wagner, autor de referenciais teóricos importantes que,

nesta tese, inspiraram-me a realiza-la. Utilizarei em especial sua contribuição sobre o

apoio matricial como metodologia para trabalho no NASF.

Reconheço que há também um sentido especial em poder realizar esta

pesquisa no município do Rio de Janeiro, estado em que fui gestora em um período de

retomada pela consolidação do SUS e, sobretudo, da atenção básica. Devo destacar

também o sedutor desafio de pesquisar no contexto do território de Manguinhos, que

acolhe a instituição Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), da qual sou servidora.

Há evidências de que, na atual formação dos trabalhadores, seja da gestão

ou da atenção básica, ainda são poucas as ofertas institucionais para uma clínica

ampliada e compartilhada. Dificilmente, por si mesmo, esses profissionais conseguem

desenvolver mecanismos de coprodução em suas práticas cotidianas.

Nos últimos anos, nota-se um esforço para ampliação da atenção básica,

observado principalmente por quatro recentes iniciativas do Ministério da Saúde: a

revisão da Política Nacional de Atenção Básica (BRASIL, 2011a); o Programa de

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2

Valorização do Profissional da Atenção Básica (BRASIL, 2011b); o Mais Médicos

(BRASIL, 2013); e o Requalifica UBS (BRASIL, 2011c). Agrega-se ainda a essas

iniciativas a divulgação, em 2008, pela Organização Mundial da Saúde, do relatório

denominado “Atenção Primária em Saúde: Agora Mais do que Nunca”, que reforça a

necessidade de renovação substancial da atenção primária no centro dos sistemas de

saúde, após amplo debate sobre a sistematização da APS na atualiadade. Trata-se de

uma preocupação dos gestores e pesquisadores do tema no que tange à necessidade

de qualificação dos mecanismos de organização do processo de trabalho. Em razão

disso, se faz emergente o propósito desta pesquisa: investigar novos mecanismos de

qualificação e fortalecimento no campo da atenção básica em saúde.

No caso desta tese, o foco específico é buscar a compreensão dos

referenciais que estruturam a organização do Núcleo de Apoio à Saúde da Família

(NASF), serviço vinculado diretamente à atenção básica.

Segue-se ainda o expressivo número de pesquisas e artigos relacionados ao

tema NASF, apesar de ser recente a incorporação desse serviço como estratégia

nacional. Neste estudo de caso, estudei a implementação da atenção básica e do

NASF, a partir de 2010, na área circunscrita do Território-Escola Manguinhos, local de

cogestão entre a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (SMS-RJ) e a

Fiocruz.

Apesar dos desafios organizativos, o TEIAS-Escola Manguinhos configura-

se, atualmente, como importante campo de experimentações que alia ensino, pesquisa

e serviço, destacando-se as parcerias com o Ministério da Saúde (MS) para

qualificação do NASF em todo o território nacional. Decorre daí a justificativa de

acompanhamento deste processo de forma a contribuir para maior aprofundamento

teórico-prático, visando atender gestores, trabalhadores e pesquisadores implicados no

campo e em outros serviços análogos.

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3

APRESENTAÇÃO E INTRODUÇÃO

É nótoria a necessidade de consolidação do SUS face aos inúmeros desafios

a serem superados. Podemos destacar, dentre alguns, a necessária articulação entre

os serviços dos distintos níveis de atenção que, todavia, seguem organizados e

financiados de modo que não facilitam a dinâmica sistêmica.

Sabe-se que a atenção primária (APS) é base constitutiva nos países que

adotam sistemas de saúde de caráter universal, compondo assim a centralidade das

agendas políticas de saúde. Giovanella (2006, p.961), ao examinar as funções do

primeiro nível de atenção à saúde nos países da União Europeia e analisar as reformas

organizacionais da atenção ambulatorial que objetivaram melhor coordenação dos

cuidados, observa que, nesses países, a APS foi posta como coordernadora da

atenção à saúde. A autora ainda descreve a “progressiva interdependência entre níveis

de atenção e serviços, decorrente da crescente relevância das doenças crônicas,

apontando deste modo a necessidade de um trabalho em rede”.

No contexto atual do Brasil, podemos afirmar que a atenção básica, na tentativa

de apresentar-se como reorientadora do modelo de atenção (BRASIL, 2011a), busca,

no entanto, configurar-se como um dos centros do debate sobre os desafios para o

fortalecimento do SUS.

Para Starfield (2002), a atenção básica desempenha papel diferenciado dos

demais níveis de atenção à saúde em função das características clínicas dos pacientes

e de seus problemas. Essas características incluem a variedade de diagnósticos dos

problemas observados, um componente identificável dedicado à prevenção das

doenças, e a alta proporção de pacientes já conhecidos na unidade de saúde.

A Atenção Básica questiona as práticas tradicionais em saúde ao perceber e

lidar com problemas comuns, mas nem sempre estruturados, em função de fatores que,

por vezes, extrapolam o conceito restrito de saúde – como é o caso da desnutrição

infantil, da gravidez na adolescência, da tuberculose e da violência, dentre outros, todos

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permeados por dimensões subjetivas que nos afetam dado o contexto social dos

sujeitos.

Starfield (2002) concebe a atenção básica como prática que lida com os

problemas mais comuns e menos definidos, geralmente em unidades comunitárias, tais

como consultórios, centros de saúde, escolas e lares. Desse modo, os pacientes têm

acesso direto a uma fonte de atenção para diversos problemas, a qual deverá ser

continuada ao longo do tempo e incluir a necessidade de serviços preventivos. A autora

ainda nos traz outras diretrizes, como o fato de a atenção básica ser o acesso principal

do usuário ao sistema, ser coordenadora do cuidado em saúde e constituir a garantia

longitudinal do cuidado integral.

Foi somente no ano de 2006 que o Ministério da Saúde (MS), por meio da

Portaria nº 648, revisada em 2011 (Portaria nº 2.488), definiu uma Política Nacional de

Atenção Básica de Saúde. Foi proposto um conjunto de recomendações para a

organização da atenção básica com base na definição das competências dos entes

federados e tendo a Estratégia de Saúde da Família (ESF) como reorientadora do

modelo assistencial segundo princípios como: a família como unidade privilegiada na

abordagem, definição e compreensão do território, adscrição da clientela, trabalho em

equipe, corresponsabilização, integralidade, resolutividade, intersetorialidade e

participação comunitária.

Partindo desta iniciativa federal de tentar organizar a prática da atenção

básica e contrapondo ao que estudarmos na dissertação do mestrado, pudemos

observar que, mesmo após variadas tentativas de regulamentação e de normatização

da atenção básica, esse processo raramente ocorre de maneira automática; isto é, sem

o apoio sistemático do Ministério da Saúde ou das Secretarias estaduais ou de outras

instâncias gestoras. Isso porque existe uma debilidade organizacional e de capacidade

gestora em expressiva parte do sistema público brasileiro, o que dificulta a implantação

das políticas de saúde, inclusive da ESF (COSER GUTIÉRREZ, 2008).

Com base na recomendação de que a atenção básica deve prioritariamente

ampliar o olhar para o processo saúde-doença para além dos determinantes biológicos

Page 27: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

5

(CAMPOS, 1999; VASCONCELOS, 2005), observa-se um infindável cenário de

questões como as condições sociais, a importante iniquidade que incide nas dinâmicas

familiares, atravessadas pela dimensão da subjetividade, o que dificulta, muitas vezes,

as práticas destas equipes da atenção básica. Raro notar a incorporação dos

determinantes sociais nas práticas cotidianas (CARVALHO & BUSS, 2008) e seu

manejo segundo competências da atuação em territórios degradados em possíveis

redes de solidariedade.

Campos (1996; 1997) também nos faz pensar sobre a possibilidade de novos

referenciais para se produzir uma Clínica do Sujeito, de forma a criar responsabilidade

para além, exclusivamente, do componente biológico, mas também reconhecer as

dimensões subjetivas e sociais das pessoas (Campos, 1996; 1997). O autor nos traz o

conceito de produzir a Clínica de outra maneira, um modo que supere a forma

degradada, ampliando-a enquanto oferta real de cuidado em saúde. Para o autor,

Clínica Ampliada:

[…] é reconhecer que todos os profissionais de saúde que atendem às pessoas fazem clínica e que esta deve ser redefinida a partir do objeto, objetivo e dos meios de trabalho da assistência individual, familiar ou a grupos […]. Ampliação do objetivo: a finalidade da assistência individual é a produção de saúde por meio da cura ou da reabilitação, ou até mesmo de alívio do sofrimento. No entanto, a ampliação inclui também o esforço simultâneo para aumentar o coeficiente de autonomia dos pacientes, famílias e comunidades. Uma linha de combate à medicalização, à institucionalização e à dependência excessiva das pessoas dos profissionais ou serviços de saúde (CAMPOS, 2001).

Nesse esforço, a produção do cuidado em saúde, dirigida para as

necessidades de saúde vividas pelos indivíduos coletivos, é um fenômeno complexo,

pois envolve o alívio da dor e do sofrimento, ganhos no Coeficiente de Autonomia

(CAMPOS, 1997) e na qualidade e Defesa da Vida (CARVALHO, 2001). Para isto, são

relevantes os mecanismos ativos de escuta que possam reconstruir possíveis

fragmentos existenciais em integralidade. No entanto, é válido ressaltar, mais uma vez,

a contribuição de Campos (2001) no que se refere à ideia de que as instituições

Page 28: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

6

deveriam estar atentas ao organizar seus modelos de atenção, considerando sua

tríplice finalidade, que inclui também o trabalhador como centro de necessidades.

Os mecanismos tradicionais de referência e contrarreferência entre unidades

hierarquizadas são legítimos, mas limitados. Devem somar-se a eles mecanismos que

aproximem os diversos níveis de atenção, que estabeleçam Espaços Matriciais de

consulta e Colegiados, Espaços Coletivos (Campos, 2000) de definição conjunta de

projetos terapêuticos e protocolos das necessidades e representações interculturais de

saúde e articuladoras e reguladoras do acesso à rede de média e alta complexidade.

O Ministério da Saúde ao propor o Núcleo de Apoio à Saúde da Família –

NASF, o apresenta como serviço de apoio a consolidação da Atenção Básica no Brasil

com vistas a ampliar as ofertas de saúde na rede de serviços, assim como a

resolutividade através do apoio matricial as equipes. Em 2011, o MS ao estabelecer a

revisão das diretrizes e normas da Política Nacional de Atenção Básica definida através

da Portaria 2.488, instituiu que o NASF deve ter em sua composição equipes

multiprofissionais, atuando de modo articulado às equipes de saúde da família da

atenção básica para populações específicas (consultórios na rua, equipes ribeirinhas e

fluviais) e ao Programa Academia da Saúde. Essa atuação integrada deve permitir

realizar discussões de casos clínicos, em que haja a possibilidade do atendimento

compartilhado entre profissionais, tanto na unidade de saúde como nas visitas

domiciliares, favorecendo a construção conjunta de projetos terapêuticos de forma a

ampliar e qualificar as intervenções no território e na saúde de grupos populacionais.

Essas ações de saúde também podem ser intersetoriais com foco prioritário na

prevenção e promoção da saúde.

Deste modo, podemos destacar que o NASF traz como diferencial quando

comparado com iniciativas anteriores por ter como sua ação central o apoio matricial as

equipes de atenção básica. Como já citado anteriormente, podemos tomar o arranjo do

apoio matricial como estratégico na tentativa de superar a relação tradicional e

esgotada de generalistas e especialistas através de mecanismos como referência e

contra referência.

Page 29: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

7

Logo, é a partir deste contexto de questões complexas acerca da

organização da atenção básica que optamos por considerar, como objeto de estudo, o

Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) por ser um serviço razoavelmente novo e

principalmente pela intencionalidade inovadora que traz quando propõe o apoio

matricial como principal arranjo organizativo.

Para tanto elegemos como objeto da presente pesquisa o NASF do

Território-Escola Manguinhos-TEIAS, serviço integrante da parceria entre a Fundação

Oswaldo Cruz e a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro. Segundo Coser

Gutiérrez, Engstrom e Campos (2011) a iniciativa do Território-Escola Manguinhos visa

o desenvolvimento de território integrado de atenção à saúde como espaço de inovação

das práticas de atenção, do ensino e da pesquisa para melhoria da condição de saúde

e de vida da população de Manguinhos, tendo como foco coordenador a atenção básica

em saúde a partir da estratégia de saúde da família.

O documento sobre o TEIAS (ENGSTROM, FONSECA & LEIMANN, 2012),

que trata da experiência do Território-Escola Manguinhos na atenção primária,

descreve o NASF como responsável por apoiar matricialmente as equipes de saúde da

família, partindo do entendimento de que a equipe do NASF pode ampliar a

resolutividade e a potência da atenção básica na solução dos problemas locais de

saúde.

A iniciativa do TEIAS -Manguinhos atualmente abrange, 100% de cobertura

de saúde da família, fato atribuído a parceria estabelecida entre a Secretaria Municipal

de Saúde do Rio de Janeiro e a Fiocruz que se apresenta como Organização Social de

Saúde (OSs) através de sua Fundação de desenvolvimento científico e tecnológico-

FIOTEC. Pode-se afirmar que a Fiocruz é uma das maiores e mais importantes

instituições de saúde pública do mundo, em que possui dentre seus objetivos não

somente a prestação de serviço de assistência à saúde, mas, ao mesmo tempo,

garante a possibilidade de experimentação de novas tecnologias, a difusão e a

Page 30: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

8

transferência de saberes teóricos e práticos o que explica sua constante busca por

excelência.

Nesse sentido, é possível acreditar que problematizar os referenciais de

organização do processo de trabalho do NASF, a partir do Apoio Matricial (CAMPOS,

2000), configura dispositivo crítico para repensar a reorganização das práticas em

saúde da atenção básica tendo em vista sobretudo que o NASF Manguinhos é um

importante campo de prestação e difusão de conhecimento prático

Desse modo, apresentamos esta tese, que traz como primeiro capítulo os

referenciais teóricos que sustentam a discussão do tema NASF, incluindo o contexto do

cenário do objeto da pesquisa. No segundo capítulo, trazemos a abordagem

metodológica, em que descrevemos o percurso da investigação, incluindo os

procedimentos metodológicos da pesquisa e o tratamento proposto para o material

empírico elaborado no campo.

No terceiro capítulo, são apresentados os resultados encontrados,

sistematizados segundo a análise proposta. O quarto e quinto capítulos abordam a

discussão e as considerações finais do estudo.

Page 31: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

9

1. REFERENCIAIS TÉORICOS PARA O NASF

Entendemos como referencial teórico o diálogo entre a teoria e o problema a

ser investigado (DESLANDES, 1994). Como Tobar e Yalour (2002) sugerem, o

denominado “marco teórico-conceitual” também tem a função de contextualizar o tema,

inclusive do ponto de vista histórico. Com isso, apresentamos a seguir quatro eixos

teórico-conceituais, aqui considerados fundamentais para a composição de uma linha

de base para compreensão do NASF e do caso em questão, a saber:

1.1. Atenção Básica pela Estratégia de Saúde da Família;

1.2. O Apoio Matricial como perspectiva de análise para o NASF: um

caminho para a organização do processo de trabalho.

1.3. O Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF);

1.1 Atenção básica pela Estratégia de Saúde da Família no município do Rio de Janeiro

Como estudamos no mestrado, é tradição, em outros países, utilizar a

expressão “atenção primária” em lugar de “atenção básica”, como a denominamos no

Brasil em decorrência da tradução realizada na época em que passou a ser

empregada. Talvez seja essa uma das justificativas de o Brasil ser o único país que não

utiliza comumente o conceito de “atenção primária”, termo consagrado

internacionalmente após o pacto mundial realizado em 1978, na Conferência

Internacional de Cuidados Primários de Saúde, com a meta de “saúde para todos no

ano 2000”, na Declaração de Alma-Ata.

Importa, contudo, mais do que definir a terminologia, comentar as inúmeras

denotações quanto ao sentido de ambos os termos utilizados, básico ou primário,

Page 32: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

10

entendidos, às vezes, como elementares, mínimos ou, como Testa (1989) aponta,

simples, primitivos.

Identificamos que, comumente, a atenção básica, no imaginário de algumas

pessoas, persiste em remeter à noção de menor complexidade, uma vez que se

imagina lidar com problemas simples, os quais requereriam tecnologias menos

sofisticadas e qualificação técnica simplificada (COSER GUTIÉRREZ, 2008).

Entretanto, ao longo dos últimos anos, podemos afirmar que essas concepções de

atenção básica estão se modificando. Transcendem abordagens centradas em

programas e focalizadas em grupos específicos, como o materno-infantil, para um foco

mais integral, deixando a atenção básica no centro das recomendações para melhor

organização do sistema de saúde, por sua capacidade de promoção da saúde e

eficiência de custos. Podemos, inclusive, citar os recentes programas governamentais

de valorização e qualificação do profissional da atenção básica (PROVAB, PAC UBS) e

o programa de provimento e fixação de médicos (Mais Médicos). Entendemos que

todas essas iniciativas se apresentam com componentes de valorização da atenção

básica brasileira e reforçam o processo de transição que ela vivencia.

Podemos observar que, somente após mais de uma década de implantação

do Programa de Saúde da Família, o Ministério da Saúde publicou, pela primeira vez, a

Política Nacional de Atenção Básica (PNAB). Isto ocorreu somente no ano de 2006, por

meio da Portaria nº 648. Com isso, a atenção básica foi apresentada como um conjunto

de ações de caráter individual ou coletivo, situadas no primeiro nível de atenção do

sistema de saúde, voltadas para a promoção da saúde, prevenção de agravos,

tratamento e reabilitação.

Em 2008, a OMS, ao propor o relatório “La Salud en el mundo”, reiterou a

meta da atenção básica como estratégia de coordenação e fortalecimento da atenção e

da gestão dos sistemas de saúde e valorizou a experiência brasileira da ESF como

exitosa por sua capacidade de contribuir para a melhora dos indicadores assistenciais.

No ano de 2011, a PNAB foi republicada com a orientação de que a atenção básica

exerça a função de ordenação das Redes de Atenção à Saúde, de modo a se articular

Page 33: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

11

às demais iniciativas, tais como Programa Saúde na Escola (saúde do escolar) e

Melhor em casa (atenção domiciliar), dentre outros.

Importante destacar que, no Brasil, a diretriz governamental sugere que a

atenção básica seja organizada tendo como base a Estratégia de Saúde da Família

(ESF), orientada pelos princípios de: 1) adscrição de clientela; 2) territorialização; 3)

diagnóstico da situação de saúde da população; e 4) planejamento baseado na

realidade local (BRASIL, 2011a).

O princípio de adscrição da clientela refere-se ao conceito de

responsabilidade sanitária e vínculo a serem estabelecidos entre os grupos sociais

locais, equipes e as unidades de saúde. O princípio da territorialização aponta para a

relação que se estabelece mediante a definição do território e da população, o que

implica o mapeamento e a segmentação da população por território.

O diagnóstico da situação de saúde da população como princípio

organizativo permite analisar a situação de saúde do território com base no

cadastramento das famílias e dos indivíduos e na geração de dados. E, por fim, o

princípio do planejamento baseado na realidade local viabiliza a programação de

atividades orientadas segundo critérios de risco à saúde, priorizando a solução dos

problemas, em permanente articulação com indivíduos, famílias e comunidades.

O trabalho em equipe apresenta-se como meio de organização da ESF,

segundo as recomendações anteriormente citadas. A equipe é composta por um

médico generalista, um enfermeiro, um técnico de enfermagem e quatro a oito agentes

comunitários de saúde. Se a equipe for ampliada, poderá ter em sua composição um

dentista, um auxiliar de saúde bucal e um técnico em saúde bucal. A ESF mínima ou

ampliada deve ser responsável, em média, por três a quatro mil habitantes.

Em 2006, Macinko, consultor contratado pelo Ministério da Saúde para

diversos estudos de impacto da ESF, sugeriu a criação de uma lista brasileira sobre

causas sensíveis de internação a partir da atenção básica. O autor, ao analisar o

estudo avaliativo de impacto da ESF sobre a mortalidade infantil no Brasil, pôde

Page 34: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

12

constatar que o aumento da cobertura da ESF diminui sensivelmente o coeficiente de

mortalidade infantil. Fala-se de uma redução de quase 6%.

Em que pesem as recomendações governamentais, avaliamos que cada

município e estado tem desenvolvido distintas formas de organizar a atenção básica.

Algumas localidades estão mais avançadas e comprometidas que outras. Nesse

contexto, em 2009, o município do Rio de Janeiro, com seus quase sete milhões de

habitantes, por meio do Programa Saúde Presente, priorizou a Estratégia de Saúde da

Família como modelo prioritário de organização da atenção básica, extinguindo assim o

denominado “modelo híbrido”, que era a composição da ESF segundo o modelo

tradicional de atenção básica.

Após aprovação da Lei Municipal nº 5.026-2009, priorizaram-se as

Organizações Sociais de Saúde (OSS) como instrumento de gestão da ESF, resultando

na ampliação da cobertura de 6,9% para 41,68% (Brasil, 2014).

Outro aspecto importante é que o município do Rio de Janeiro vinha

priorizando, historicamente, o modelo hospitalar como acesso prioritário, sustentando,

dentre vários argumentos, que a ESF, em sua dinâmica funcional, não atenderia à

necessidade de um grande município como o Rio de Janeiro. Nos anos de 2007 e

2008, o pronto-atendimento, por meio das UPAS se fez presente; em algumas

situações, até mesmo substituiu a atenção básica, principalmente naqueles territórios

de vazios sanitários. Com isso, a priorização da Estratégia de Saúde da Família

ampliada, com cobertura das equipes completas nas diferentes regiões da cidade e

com Clínicas da Família estruturadas segundo padrões de ambiência humanizadas,

gerou, pela primeira vez, um cenário favorável a experimentações de novos modos de

se organizar o processo de trabalho na atenção básica. Após adoção desta política,

houve, em 2010, mudança na forma de se construir o SUS no RJ, com início da

atenção básica e, consequentemente, princípio da identificação da qualificação dessa

cobertura crescente.

A valorização desta iniciativa municipal na ampliação da atenção básica não

elimina a crítica aos aspectos polêmicos dos mecanismos de monitoramento dos

Page 35: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

13

contratos de gestão estabelecidos com as OSS. Até porque, certamente, este fato

influencia, em alguma medida, o processo de trabalho das ESFs. No entanto, ainda que

nos instiguem inúmeras questões, optamos por não aprofundar nesta tese o tema das

OSS no município do Rio de Janeiro.

Harzeim (2010), ao realizar pesquisa avaliativa sobre o processo e

resultados da implantação da ESF no município do Rio de Janeiro, concluiu, dentre

outros aspectos, que ainda é preciso avançar em alguns atributos da APS, tais como

acesso, coordenação e longitudinalidade.

Dado esse contexto, podemos observar que a atenção básica, quando

organizada pela ESF, possui capacidade de transformação na realidade assistencial; no

entanto, exclusivamente o aumento de cobertura demonstra não ser suficiente para

qualificar as equipes para seus devidos atributos. Logo, se faz emergente a ampliação

concomitante da capacidade de análise e intervenção dos sujeitos implicados

(CAMPOS, 2000) para além das normativas governamentais, tendo em vista o exemplo

do recente estudo citado acima no município do Rio de Janeiro.

1.2 O Apoio Matricial como perspectiva de análise para o NASF: um caminho para a organização do processo de trabalho

Este texto tem por finalidade abordar o conceito de apoio matricial, e alguns

conceitos adjuntos, a partir do referencial proposto por Campos (1999). Em que pese a

recomendação ministerial, optamos por problematizar o NASF sob a perspectiva do

apoio matricial, por acreditarmos que este novo serviço pode valer-se deste conceito de

modo significativo para sua melhor organização.

Como já observado o termo apoio matricial é proposto pelo mesmo autor no

ano de 1999, observa-se que foi anterior ao NASF e surge como arranjo organizacional.

O apoio matricial apresenta-se como metodologia com vistas a superar a relação

burocrática e hierarquizada entre profissionais especialistas e generalistas, a exemplo

do sistema de referência e contra referência, expresso na relação entre quem

Page 36: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

14

encaminha e quem recebe o caso do paciente, gerando muitas vezes

desresponsabilização da equipe que encaminhou. Dado a esse contexto de

necessidade de horizontalização e personificação, Campos propôs também o conceito

de equipe de referência.

Equipe de referência foi definida como aquela equipe mãe, ou seja, é a

equipe de perfil mais generalista que realiza a atenção à saúde com longitunalidade,

por responsabilizar-se por pessoas adscritas e não por procedimentos (Campos, 1999),

um exemplo é a equipe de saúde da família. Aliado a isso, no ano 2000, o mesmo autor

agrega o importante conceito de núcleo e campo, definido como o reconhecimento das

diferenças e complementariedades dos saberes envolvidos entre generalistas e

especialistas. O termo campo remete a tudo aquilo que é comum a todos os

profissionais, já núcleo é o que a própria nomenclatura diz, o conjunto de saberes

nucleares, específicos a uma determinada profissão. A exemplo disso, podemos

identificar como núcleo do médico o ato de prescrição de medicamentos, ou seja, algo

exclusivo e de competência do seu núcleo e atribuição de formação básica, já o campo

seria esse mesmo médico realizar caminhada com grupos de pacientes diabéticos e

hipertensos, atividade comum a quaisquer outros profissionais.

Face a isso, reconhecemos que a nós nos interessa, observar que o campo

se fortalece através do apoio matricial do núcleo de saberes e vice versa com o suporte

especializado de profissionais do NASF que compõe a atenção básica, mas não a

equipe de saúde da família que possui todo o conjunto de responsabilidades cotidianas.

Isso se faz importante observar, porque o NASF diferente das equipes de saúde da

família que estão horizontalmente contratadas, há profissionais especialistas

principalmente os da categoria médica que possuem cargas horárias mais reduzidas,

daí a maior necessidade de se ajustar como esse apoio será realizado a fim de que se

garanta as premissas do apoio matricial.

No ano de 2003, baseado na experiência de consultor de serviços de saúde

mental e de aids, mas principalmente como gestor da Secretaria Municipal de Saúde de

Campinas-SP, Campos descreveu a partir dessas experiências o seu método Paidéia

Page 37: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

15

de cogestão aplicado a saúde, em que propôs o conceito de Apoio Paidéia como

reformulação aos tradicionais mecanismos de gestão em que podemos tomar o termo

apoio como aquele que indica:

Uma pressão de fora, implica trazer algo externo ao grupo que opera os processos de trabalho ou que recebem bens ou serviços. Quem apoia sustenta e empurra ao outro. Sendo em decorrência, também sustentado e empurrado pela equipe “objeto” da intervenção. Tudo misturado e ao mesmo tempo.

Destaca-se que esta proposta da função apoio ganhou amplitude nacional,

quando o mesmo autor integrou a gestão do Ministério da Saúde em 2003, em que se

propôs a função apoiador em larga escala a partir das iniciativas do Apoio Integrado

com vistas a descentralização dos municípios, como também a partir da Política

Nacional de Humanização, sendo que esta tratou de incorporar os variados arranjos

que citamos como dispositivos para reflexão e mudança dos modelos de atenção e

gestão da saúde. Observa-se ainda a proposição do Humanizasus de mais dois outros

conceitos de Campos, fundamentais a esta discussão de apoio matricial, que é a clínica

ampliada e o projeto terapêutico singular.

Por clinica ampliada e compartilhada (Campos, 2006 e Cunha, 2005)

identifica-se como a clínica que se contrapõe a clínica degradada que reduz

exclusivamente o paciente a doença, propõe então um novo paradigma de co-produção

singular do processo-saúde doença atravessados pelas dimensões sociais, subjetivas e

orgânicas. Já Projeto Terapêutico Singular é um modo mais avançado de organizar o

chamado plano terapêutico, mas sob a perspectiva da clínica ampliada e compartilhada

com outros saberes interdisciplinares a partir da valorização de espaços coletivos,

assim como através do fomento do denominado coeficiente de autonomia do paciente

pelo seu próprio corpo e caminhar na vida, através da co- responsabilização entre

equipe e ou profissional e paciente e ou família.

Ainda na revisão da literatura existente, identificamos uma pesquisa que

corrobora com essa temática do apoio matricial, produzida pelos autores Gérvas e

Fernández (2005), ao analisarem a prática do médico generalista, em que identificaram

que este profissional assume, no sistema de saúde, a função de filtrar o acesso dos

Page 38: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

16

usuários com base em suas necessidades de serviços especializados em saúde. Essa

postura evita encaminhamentos desnecessários, contribui para melhor regulação do

sistema de saúde, assim como para a não medicalização de pacientes em situações

normais e anormalidades normais. Os autores reconhecem que há uma importante

tendência a ser valorizada na prática do generalista de, em casos de urgência, filtrar de

modo eficaz e rápido os pacientes entendidos como mais saudáveis e, caso erros

ocorram nesse filtro, o componente do seguimento longitudinal o favorecerá em nova

repescagem, de forma a não perder de vista os usuários.

Ainda segundo esses autores, o especialista sempre tenderá a buscar os

pacientes com algum tipo de anormalidade, podendo ser situações de adoecimento

normal ou esperado ou, ainda, aqueles pacientes saudáveis, tendendo assim a um

número maior de pessoas encaminhadas para atendimento especializado. Para

valorizar a importância desta função de filtro, o sistema de saúde necessita estar

organizado de modo a reconhecer que as atuações do médico generalista e do

especialista devem ser sempre complementares.

Além disso, para que esta função de filtro ocorra de fato, Gérvas y

Fernández alertam para a necessidade de que o profissional generalista se

responsabilize por ela e que esteja suficientemente apto para resolver os diversos

problemas de saúde mais prevalentes de sua população adscrita. Defendem que o

conceito de filtro possui fundamento científico, teórico e prático, ao reconhecerem que

os recursos tecnológicos devem ser utilizados em prol de quem mais necessita,

evitando seu uso desnecessário, com prestação de serviços apropriados em mínima

quantidade e em máxima qualidade, com destaque para o papel estratégico da clínica

com vistas a ampliar a capacidade resolutiva da APS.

A função de filtro, em inglês denominada gatekeeping, é valorizada em vários

países como Espanha, Reino Unido, França, Alemanha, Dinamarca, Irlanda, Itália e

Portugal, sendo os médicos generalistas responsáveis pelas primeiras consultas na

atenção especializada de saúde.

Page 39: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

17

Campos (2005), com base na discussão apresentada pelos autores acima,

publicou um artigo em que valoriza as evidências apresentadas. No entanto, chama a

atenção para o fato de que são inúmeros os padrões de médicos de famílias para o

exercício da função de filtro, o que depende muito da formação deste profissional, da

educação permanente ofertada, das condições de trabalho e de apoio e diagnóstico, da

aderência à cultura sanitária local dos pacientes, assim como de toda a arquitetura do

sistema de saúde disponível para reconhecer e valorizar a função de filtro desses

médicos.

O autor, no mesmo artigo, propõe uma reflexão com base no contexto

brasileiro, ponderando sobre a atribuição da função de filtro ao médico de família;

segundo ele, este profissional não obterá êxito se não valorizar os seguintes aspectos:

acolhimento à demanda espontânea, mas com busca ativa de vulnerabilidades e riscos

individuais e coletivos no território; clínica ampliada e saúde coletiva atenta à prevenção

e promoção da saúde.

Outro referencial importante que se junta ao tema do apoio matricial, é o

conceito da interconsulta, que é muito recorrente no discurso dos profissionais da

saúde mental, mas que no Rio de Janeiro a atenção básica também o utiliza muito

como termo similar ao apoio matricial no NASF. Podemos observar a gênese desta

influência através também do nome de consulta de enlace ou de ligação, na tentativa

de integração entre as unidades do hospital-geral através das práticas médicas e o

campo da saúde mental.

Segundo o guia prático de matricialmente em saúde mental, proposto pelo

MS em 2011, a prática da interconsulta inicia-se no Brasil a partir de duas referências:

do psicanalista argentino Isaac Luchina e a psiquiatria de consultoria e ligação

americana. Há de se tomar que a psiquiatria de consultoria propõe que a partir da

avaliação do psiquiatra este defina e encaminhe os pacientes para outros especialistas.

E a nomenclatura de ligação refere-se ao conjunto de práticas conjuntas com a equipe

médica tais como as reuniões clínicas. Destacamos que a proposta de psiquiatria de

Page 40: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

18

interconsulta remete a situações emergenciais, quando há o reconhecimento que este

profissional necessita de outros saberes.

No caso do NASF, podemos afirmar que quando organiza-se exclusivamente

pela prática da interconsulta, corre-se o risco de ter a participação do especialista

estritamente de forma pontual, algo próximo a um parecer técnico, uma segunda

opinião formativa. Sem dúvida, que em muitos casos isso é importante que ocorra, mas

no entanto, quando contrapomos com a proposta do apoio matricial, observamos que

este traz como diferencial a possibilidade do especialista corresponsabilizar-se sobre o

caso discutido junto com a equipe de referência, expressa pela equipe de saúde da

família para a elaboração e acompanhamento do projeto terapêutico.

Campos e Domitti (2007) definiram que a relação entre as equipes de

referência e de apoio matricial, se constitui entre si como um novo arranjo do sistema

de saúde:

Apoio matricial e equipe de referência são, ao mesmo tempo, arranjos organizacionais e uma metodologia para gestão do trabalho em saúde, objetivando ampliar as possibilidades de realizar-se clínica ampliada e integração dialógica entres distintas especialidade e profissões.

Campos et. al. (2013) sugerem através da recente publicação sobre a práxis

e formação Paidéia, que o apoio matricial no NASF deve ter:

Uma dimensão do suporte técnico- pedagógico, ou seja, pressupõe apoio educativo para a equipe de referência e ações realizadas conjuntamente com ela. A partir de discussões clinicas conjuntas ou mesmo intervenções concretas junto com as equipes (consultas, visitas domiciliares, grupos) os apoiadores matriciais podem contribuir para o aumento da capacidade resolutiva das equipes, qualificando as para a atenção ampliada que contemple a complexidade da vida dos sujeitos. Mas existe também uma dimensão de suporte assistencial, o que demanda do apoiador a realização de ações clinicas diretamente com os usuários. Contudo o trabalho na lógica matricial permite distinguir os casos e situações que podem ser acompanhadas pela Equipe de Referência, daquelas demandas que necessitam de uma atenção especializada, a ser oferecida pelos próprios apoiadores matriciais ou, de acordo com o risco, a vulnerabilidade e a gravidade, pelos serviços especializados ou por outras instâncias como assistência social, educação , etc.

Page 41: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

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A partir do que apresentamos, podemos compreender que o apoio matricial

no NASF deve partilhar com a equipe de saúde da família apoiada, as práticas já

conhecidas da atenção básica, tais como: visita domiciliar, discussão de caso,

participação das reuniões de equipes, educação permanente, discussão de protocolos

clínicos, interconsulta, construção de projeto terapêutico singular dentre outras. Vale

ressaltar que se faz importante reconhecer que o apoiador do NASF pode e deve

realizar consultas conjuntas, como também realizar consultas individuais desde que

ambas pactuadas com a equipe. Dizemos isso a partir da nossa observação, de que a

preocupação inicial quando se implantou o NASF, era que havia excesso de

atendimentos individuais, ou seja, sem a participação da ESF, fato que se

assemelhava-se mais ao modelo dos ambulatórios tradicionais de especialidades, no

entanto, no contexto atual supomos que estejamos vivenciando uma realidade quase

que inversa, tendo as consultas conjuntas consideradas o principal motriz para a

conformação do apoio matricial no NASF e a quase proibição do atendimento exclusivo

do NASF. Por essa ótica, isso também pode gerar algumas aproximações complicadas,

caso seja entendida como havíamos dito como a similaridade da interconsulta ao apoio

matricial, e não como entendemos que é ser parte integrante.

Fica então a nossa reafirmação de que apoio matricial deve ser reconhecido

pelo princípio de ser uma prática horizontal por ser compartilhada, daí a possibilidade

de poder combinar consultas conjuntas e individuais. Registramos que esta e outras

questões serão abordadas na sequencia no referencial sob o tema NASF.

1.3 O Núcleo de Apoio à Saúde da Família

O Ministério da Saúde, em seu caderno de diretrizes do NASF (BRASIL,

2009), define que o NASF deve ser constituído por uma equipe, na qual profissionais de

diferentes áreas de conhecimento atuam em conjunto com os profissionais das equipes

de Saúde da Família, compartilhando e apoiando as práticas em saúde nos territórios

Page 42: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

20

sob responsabilidade das equipes de SF, com vistas a contribuir para a ampliação do

suporte clínico e resolutivo da atenção básica.

Em síntese, para o MS (BRASIL, 2009), o NASF:

Visa apoiar a inserção da Estratégia de Saúde da Família na rede de serviços e

ampliar a abrangência e o escopo das ações da atenção básica, bem como sua

resolutividade, além dos processos de territorialização e regionalização.

É composto por equipe multiprofissional e de saberes, distinta da composição da

ESF. A prática deve ser colaborativa e integrada à ESF adscrita, ou seja,

responsabiliza-se por apoiar um conjunto de ESF.

A prática deve também ser organizada com base no referencial do apoio

matricial (CAMPOS, 1999), que é uma ferramenta para superar a tradição do

modelo de referência e contrarreferência.

Por não configurar um serviço independente no sistema e estar diretamente

vinculado à ESF, acaba por não acolher demandas diretas do usuário; ou seja,

não se constitui como serviço porta aberta e tampouco como os ambulatórios de

especialidades.

Deve realizar atendimento compartilhado, discussão de casos, educação

permanente, apoio aos grupos da ESF ou comunitários, articulações e visitas

intersetoriais, apoio a ações do PSE.

Para muitos trabalhadores da saúde, que não médicos e enfermeiros,

dissertar sobre o NASF, invariavelmente, é reconhecê-lo como a possibilidade de

inserção de novos profissionais até então ausentes na ESF e, de certo modo, no SUS.

Já para alguns gestores, poderíamos arriscar dizer que o NASF representa a

possibilidade de apoio financeiro para custear profissionais que até então, de modo

isolado, não poderiam sustentar em seus orçamentos ainda que os reconhecessem

como importantes para o sistema local de saúde.

Page 43: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

21

Ao tentarmos compreender a linha histórica do NASF, podemos identificar

que alguns poucos municípios, antes da proposição ministerial, vivenciaram de modo

pioneiro experiências semelhantes ao NASF: Betim-MG, Campinas-SP, Sobral- CE e

Niterói-RJ, por meio de iniciativas locais. Sem apoio técnico ou financeiro de estados e

Ministério da Saúde, propuseram equipes ampliadas de atenção básica a partir do

apoio matricial (CAMPOS, 1998) ou de supervisão conjunta, com vistas a ampliar a

resolutividade da atenção básica.

Supõe-se que, impulsionado por essas experiências e atendendo às

reivindicações de gestores e entidades de profissionais de saúde até então não

incorporados na ESF, o Ministério da Saúde publicou, em 2005, uma portaria propondo

o que reconhecemos como a primeira iniciativa de NASF. No entanto, a proposta veio

denominada de NAISF, abreviatura de Núcleo de Atenção Integral de Saúde da

Família. Importante destacar que foram poucos os municípios que implantaram o

NAISF; o destaque maior ficou por conta de Sobral-CE, que o implantou em maior

escala a partir da ampliação da função de sua equipe de preceptoria do curso de

residência em saúde da família para a qualificação da organização do NAISF.

No ano de 2008, o Ministério da Saúde, por meio da Portaria nº 154, propôs

a criação do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF). Inicialmente, essa portaria

normatizava duas tipologias, sendo uma denominada NASF 1, cuja composição mínima

era de cinco profissionais que deveriam apoiar de oito a 20 equipes de saúde da

família. A outra tipologia era o NASF 2, com, no mínimo, três profissionais para apoio a

três a sete equipes de saúde da família. Em 2011, após a republicação da PNAB,

houve nova regulamentação do NASF, segundo a Portaria nº 2.488, que reduziu a

proporção de equipes apoiadas pelo NASF 1 para oito a 15 e estabeleceu também a

possibilidade de variações de carga horária de 20 a 40 horas semanais, para o NASF 1

e 2.

Já no ano de 2012, novos parâmetros de vinculação do NASF foram

propostos pela Portaria nº 3.124, a qual determinou mais uma vez redução do número

Page 44: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

22

de equipes apoiadas pelo NASF 1, passando para o mínimo de cinco e o máximo de

nove. Essa mesma portaria também reduziu para quatro o limite de equipes a serem

apoiadas pelo NASF 2 e criou uma nova tipologia, o NASF 3, para apoio de uma a duas

equipes de saúde da família.

Fato curioso é que o incentivo financeiro do NASF 2, desde sua primeira

portaria de implantação, em 2008, cresceu 100%; no entanto, o do NASF 1

permaneceu o mesmo valor proposto inicialmente até 2013. Chama a atenção o fato de

que essas revisões das tipologias, financiamentos e parâmetros de apoio do NASF

indicam, de certo modo, maior equalização da dimensão do trabalho exigido para apoio

matricial, assim como ampliam a possibilidade de universalização do NASF, sobretudo

quando o Ministério da Saúde propôs o NASF 3. Há de se imaginar que o NASF 3

tenha surgido, talvez, impulsionado pela necessidade de apoio ao consultório na rua e a

academia da saúde, iniciativas recentes e também propostas pelo MS. Política de

iniciativa do MS, com início nos mesmos anos de 2011 e 2012, mas, também, como

reconhecimento de que o Brasil é composto por pequenos municípios e,

consequentemente, com o teto possível para números menores de equipes de saúde

da família.

Atualmente, o NASF pode ter em sua composição os seguintes perfis

profissionais: assistente social, farmacêutico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo,

nutricionista, profissional/professor de educação física, psicólogo, terapeuta

ocupacional, médico ginecologista/obstetra, médico acupunturista, médico homeopata,

médico pediatra, médico psiquiatra, médico geriatra, médico internista (clínica médica),

médico do trabalho, médico veterinário, profissional com formação em arte e educação

(arte educador) e profissional de saúde sanitarista. Observa-se que as últimas seis

categorias profissionais aqui citadas foram agregadas após a Portaria nº 154/2008, que

trata da implantação.

De fato, então, o NASF apresenta-se como possibilidade importante de

ampliação e inserção de novos profissionais ao SUS, sobretudo não médicos e

Page 45: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

23

enfermeiros. É possível constatar, em consulta ao Cadastro Nacional de

Estabelecimentos de Saúde (apud BRASIL, 2013), que as oito ocupações que se fazem

mais frequentes na composição dos NASF são de áreas não médicas.

Outro aspecto relevante é que o crescimento de população coberta com o

NASF se deu notavelmente a partir de 2010 (Portal DAB-MS, 2014). Acreditamos que

parte desse crescimento se justifica pelo maior apoio institucional do MS, assim como

pelo aprimoramento dos critérios universais de implantação e financiamento.

Para efeitos comparativos das duas iniciativas do Ministério da Saúde,

construímos um quadro-síntese comparativo das portarias do NAISF e NASF.

Elegemos alguns aspectos que consideramos relevantes na identificação das duas

iniciativas, no que tange a áreas de atuação, mecanismos organizativos, diretriz

norteadora e critérios para implantação.

Quadro 1: Comparativo entre NAISF e NASF

NAISF NASF

ÁREAS DE ATUAÇÃO

Alimentação e nutrição, atividade física e práticas corporais, saúde

mental, serviço social e reabilitação;

Atividade física: práticas corporais; práticas integrativas e

complementares; reabilitação; alimentação e nutrição; saúde

mental; serviço social; saúde da criança/adolescente/adulto jovem;

saúde da mulher e assistência farmacêutica.

MECANISMOS ORGANIZATIVOS

Não valoriza a função Apoio e não define, de modo claro, os

mecanismos organizativos, dando margem a ser porta de entrada do usuário ou ainda seguir o modelo

tradicional de ambulatório.

Valoriza substancialmente a função Apoio, definindo claramente os

mecanismos organizativos, tais como a recomendação de não ser porta de entrada ou ambulatório tradicional.

DIRETRIZ NORTEADORA

Integralidade. Apoio Matricial.

CRITÉRIOS PARA IMPLANTAÇÃO

O gestor possui autonomia para composição do perfil dos

profissionais do NAISF; no entanto, é restrita essa escolha na medida em que a oferta se limita a quatro

grandes áreas de atuação.

O gestor possui autonomia para composição do perfil dos

profissionais do NASF; no entanto, a oferta da escolha é mais ampla, uma

vez que são disponibilizadas nove grandes áreas de atuação.

Page 46: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

24

Não possibilita a adesão de pequenos municípios

Possibilita a adesão de pequenos municípios por lidar com a proporção de 1 a 3 equipes de saúde da família

para uma equipe de NASF.

Fonte: Elaborado pela autora, com base nas Portarias/MS do NAISF e NASF.

Com base no quadro acima, é possível afirmar que a proposta do NASF é

mais aprimorada, pois valoriza a função Apoio (CAMPOS, 1999), com destaque para o

apoio matricial. Os arranjos organizacionais de equipe de referência, campo e núcleo

propostos por Campos (1999) merecem destaque por se apresentarem como método

possível de organização do trabalho das equipes do NASF.

Saraiva e Zepeda (2012), ao organizarem o Tratado de Medicina de Família

e Comunidade, sugerem um importante conjunto de orientações compreendidas como

as principais atividades de apoio matricial para todas as áreas (temas e tarefas iniciais

dos encontros entre os profissionais), a saber:

Definição de responsabilidades, papéis e limites de cada profissional (inclusive

gestores locais);

Definição conjunta da agenda de reuniões e atividades colaborativas;

Definição conjunta de formas de acesso da ESF ao apoiador em situações

imprevistas ou urgentes;

Discussão sobre o manejo das listas de espera e priorização de casos;

Definição de fluxo para encaminhamentos de outros serviços e setores;

Discussão de casos e formulação de projetos terapêuticos.

Atendimentos conjuntos:

Planejamento e execução de outras atividades conjuntas (visitas, grupos);

Identificação de necessidades de educação permanente;

Construção de protocolos e roteiros para situações comuns;

Construção de critérios para priorização de casos para apoio;

Resolução de problemas entre os profissionais.

Page 47: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

25

Há de se considerar essas orientações importantes, por abordarem questões

do “varejo” do NASF, no entanto, observamos que resta todavia a inclusão da

possibilidade de consulta realizada diretamente pelo profissional do NASF ao usuário

ou familiar, de modo pactuado com a equipe de saúde da família. Sem dúvida alguma,

que sugerir aspectos do varejo cotidiano do NASF há de se valorizar que cada lugar

pode e deve construir sua particularidade de atuação. Mas o que nos parece relevante,

é essa possibilidade de pactuação coletiva do escopo de atribuições que cada

profissional do NASF deve permitir-se construir com a ESF apoiada e vice-versa. Isso é

de extrema importância, pois, na maioria das vezes, a dinâmica do processo de

trabalho de cada profissional do NASF distingue-se radicalmente da prática de um

ambulatório tradicional. Desse modo, leva esse profissional a exercitar sua capacidade

de escuta, compartilhamento com a ESF e adequações, quando necessário, de sua

clínica, sabendo que não poderá contar com retaguarda aprimorada de equipamentos

de um ambulatório de especialidades.

Não estamos aqui afirmando que a clínica do NASF é reduzida; muito pelo

contrário. Estamos reconhecendo que o NASF, por ser novo como oferta pública, é

novo também para muitos profissionais especializados, com pequeno ou nenhum

contato com o SUS, sobretudo com o universo da atenção básica.

Page 48: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

26

Page 49: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

27

2. ABORDAGEM METODOLÓGICA

Neste capítulo serão apresentados os objetivos, desenho da pesquisa,

formalização do estudo e considerações éticas, definição dos participantes, objeto da

pesquisa, entrevistas e, por fim, a análise e interpretação do material empírico.

2.1 Definição dos objetivos

2.1.1 Objetivo geral

Analisar o processo de trabalho do NASF do Território-Escola Manguinhos, a

partir do referencial do apoio matricial proposto por Campos (1998), sob a

perspectiva de quem apoia, é apoiado e do gestor da atenção básica.

2.1.2 Objetivos específicos

Analisar o papel da gestão na implantação e funcionamento do NASF;

Analisar as relações entre a equipe do NASF e a Equipe de Saúde da Família;

Analisar o arranjo do apoio matricial como contribuição na organização do

processo de trabalho e gestão do NASF;

Contribuir para a elaboração de referencial teórico-prático acerca do processo de

organização e gestão do NASF.

2.2 Desenho da pesquisa

Este estudo busca apreender as várias dimensões de uma determinada

situação, de acordo com informações de origens diversificadas existentes na realidade

Page 50: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

28

concreta, de forma a identificar a relação entre os pressupostos teóricos e a tradução

da prática no serviço (YIN, 1984).

O desenho desta pesquisa está construído com base na identificação dos

aportes teóricos que sustentam a análise do objeto NASF Manguinhos, assim como nos

elementos que pretendemos explorar e na estratégia de análise desses materiais.

A pesquisa apresenta-se como estudo qualitativo de caráter exploratório,

tendo como referencial Minayo (1994). Essa autora refere que pesquisas qualitativas

são aquelas capazes de incorporar a questão do significado e da intencionalidade

como inerentes aos atos, às relações e às estruturas sociais, sendo estas últimas

tomadas tanto no seu advento quanto na sua transformação como construções

humanas significativas.

Optamos por realizar esta investigação apoiadas em estudo de caso da

experiência de implantação do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), no ano de

2010, no Território-Escola Manguinhos, sempre sob a perspectiva de alinhamento do

objetivo desta investigação aos objetivos institucionais da Fiocruz, que são a inovação

tecnológica de produção de conhecimento, e do interesse em sua divulgação em escala

nacional, uma vez que o tema “NASF” ainda é pouco estudado.

Compreendemos que a metodologia de estudo de caso tem sido bastante

empregada na área da gestão em saúde, uma vez que trata de descrever o objeto em

profundidade e em detalhe, assim como em contexto e holisticamente. O tipo de estudo

proposto assemelha-se ao que Yin (1984) sugere, o qual se fundamenta na busca da

revelação da multiplicidade das diferentes dimensões presentes em determinada

situação, por meio de informações de origens diversas, em que se possibilita a

identificação, na realidade concreta, dos elos entre os pressupostos concebidos de

funcionamento e sua expressão nas práticas dos serviços.

A seleção e os aspectos mais relevantes, bem como a determinação do

recorte, foram fundamentais para atingirmos os propósitos do estudo e uma

compreensão da situação investigada (ANDRÉ, 2005). Logo, para a elaboração do

Page 51: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

29

material empírico, foram propostas estratégias como: análise histórico-estrutural do

campo, análise documental e entrevistas semiestruturadas individuais.

Para a análise documental do TEIAS elegemos os relatórios internos de

gestão e as publicações como livros e artigos.

Esta pesquisa investiga um único campo de prática de gestão e de atenção,

NASF do Território-Escola Manguinhos, em que se priorizam os seguintes participantes

da pesquisa:

A coordenação-geral do Território-Escola Manguinhos, assim

como, eventualmente, algum outro gestor implicado diretamente

com a estruturação e qualificação do NASF;

Todos os trabalhadores do NASF;

Os trabalhadores das ESFs adscritas ao NASF não em sua

totalidade, dentre médicos de família e enfermeiros.

2.3 Formalização do estudo e considerações éticas

Como primeira etapa para desenvolvimento da pesquisa, seu projeto foi

apresentado e aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa da Faculdade de

Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, sob o número 371.095

(anexo 3), e da instituição coparticipante, Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio

Arouca, vinculada à Fundação Oswaldo Cruz, sob o número 384.475 (anexo 4).

Após a aprovação pelo CEP, houve apresentação da proposta da pesquisa

para a equipe interna de ensino-pesquisa do CSEGSF, conforme solicitação da direção

do TEIAS, não havendo nenhuma objeção.

Por fim, foram contatados os participantes do estudo por intermédio da

gerência do NASF, assim como da gerência das ESFs, para apresentação e análise da

proposta (objetivos e metodologia). Todos os contatados aceitaram participar e

assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (anexo 5).

Page 52: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

30

2.4 Definição dos participantes

Seguindo um dos propósitos desta tese - investigar o apoiador, o apoiado e a

gestão - e tendo o NASF como objeto central do estudo, optamos pela inclusão de

todos os membros do NASF, assim como de seu gerente. Foram selecionados

aleatoriamente quatro médicos e três enfermeiros dentre as 13 equipes de saúde da

família do CSEGSF e da Clínica Victor Valla. Foram incluídas também a coordenadora

geral do TEIAS e a ex-gerente do NASF, responsável pela fase de implantação.

Os critérios de seleção dos participantes acima descritos não foram

estabelecidos segundo um componente numérico, e sim pelo critério de

representatividade, dada a relevância do tema investigado e de sua inserção prática. A

escolha por priorizar exclusivamente parte dos profissionais médicos e enfermeiros das

ESFs apoiadas justifica-se pelo fato de serem os que mais demandam apoio da equipe

do NASF. Portanto, os demais integrantes das equipes foram excluídos da pesquisa.

Já a priorização da equipe da gestão foi definida pelo grau de

responsabilidade no apoio à organização do processo de trabalho do NASF. Foram

identificados, segundo esse critério, o gerente do NASF, a coordenadora geral do

TEIAS, que acumula também a função de coordenadora do CSEGSF, e a ex-gerente

do NASF, por ter vivenciado a fase de implantação e o curso de formação em apoio

matricial para o NASF em parceria com a UNICAMP.

Por fim, compondo os critérios dos sujeitos investigados, optamos por

entrevistar todos os membros do NASF pelo fato de ser este nosso objeto central. No

total, foram realizadas 19 entrevistas.

2.5 O objeto da pesquisa como campo: NASF Manguinhos

Ao pesquisar, há de se definir o objeto, uma vez que é o nosso delimitador

capaz, segundo Minayo (2000), de conter relações fundamentais para expressar a

especificidade de determinada área de interesse. Para tanto, como já apresentado,

temos o NASF Manguinhos como objeto a ser investigado nesta tese.

Page 53: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

31

O NASF Manguinhos foi implantado em 2010 com o objetivo de promover o

apoio matricial às Equipes de Saúde da Família, a fim de contribuir para a adoção de

práticas que propiciem um cuidado integral aos usuários, atuando em consonância com

as recomendações do Ministério da Saúde (ENGSTROM, FONSECA & LEIMANN,

2012).

Entendemos que estar "em consonância com as recomendações do

Ministério da Saúde" centralmente é organizar-se a partir do apoio matricial, dado que,

na mesma referência citada acima, há a recomendação de que:

[...] o apoio matricial é uma metodologia de trabalho dentro de um arranjo organizacional que objetiva tanto proporcionar a retaguarda especializada da assistência como ofertar um suporte técnico-pedagógico às equipes de saúde da família.

O texto desses autores descreve em detalhes a experiência da iniciativa de

gestão do território pela atenção básica e nos remete à observação de que o NASF é

definido como o espaço em que: “[...] os especialistas, matriciadores, ampliam a

potência de resolutividade das equipes de atenção primária a partir do

compartilhamento e condutas em saúde”.

Descreve o apoio matricial proposto pelo NASF como aquele que:

[...] é realizado por meio de interconsultas, atendimentos conjuntos, discussões de caso, elaboração de projetos terapêuticos singulares junto com as equipes de saúde da família, visitas domiciliares conjuntas e, até mesmo, por consultas individuais dos especialistas.

No que se refere ao processo de trabalho, valoriza os ambientes coletivos

como espaços de prática da educação permanente por possibilitarem o fazer junto, o

trabalho em equipe, visando à ampliação da clínica por meio de novas reflexões sobre

o processo saúde-doença.

Page 54: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

32

Quanto ao processo de implantação, há menção de ter sido gradual,

seguindo critérios epidemiológicos e das equipes de saúde. Atualmente, o NASF possui

o seguinte quadro de profissionais, sendo que todos incluso as ESFs foram

selecionadas por edital público e contratados em regime CLT, por intermédio da Fiotec.

Observa-se no quadro abaixo a distribuição dos profissionais por perfil,

quantitativo e carga horária.

Quadro 2: Perfil profissional e carga horária do NASF Manguinhos

PROFISSIONAIS QUANTITATIVO CARGA HORÁRIA

Fisioterapeuta 01 40h, sendo 20h em

cada serviço

Psicólogo 01 40h, sendo 20h em

cada serviço

Médico Geriatra 01 16h exclusivo no

CSEGSF

Médico Psiquiatra 02 16h por profissional

em cada serviço

Médico Pediatra 01 16h, sendo 8h em

cada serviço

Médico Ginecologista 01 8h, sendo 4h em

cada serviço

Educador Físico 02 40h por profissional

na academia da

saúde, sendo que

12h de uma das

profissionais são no

CSEGSF.

Enfermeiro

Sanitarista

01 40h sem rotina

definida.

Farmacêutico 01 40h na CVValla.

TOTAL 11 240h

Fonte: elaborado pela própria autora

Page 55: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

33

Nota-se a partir deste quadro, que os profissionais não médicos possuem em

sua maioria, contratos horizontais e com dedicação equânime para os dois serviços aos

quais estão adscritos. Importante observar que os contratos mais verticais são

exclusivamente dos profissionais médicos, assim como o profissional geriatra apoia

somente o CSEGSF.

2.6 Material de campo

Com base nos objetivos propostos, foram priorizados os seguintes

instrumentos para composição do material empírico: análise documental (relatórios

gerenciais, normas e diretrizes) e entrevistas semiestruturadas individuais.

Para Minayo (1994), a entrevista é a técnica mais usada no trabalho de

campo em pesquisas avaliativas pela capacidade de aliar dados subjetivos à

construção de informações ao objeto da pesquisa. A autora a considera instrumento

privilegiado, por apresentar-se não simplesmente como uma coleta de dados, mas

sempre na condição de interação, afetada pela natureza da inter-relação com o

entrevistador, uma vez que a fala tem a possibilidade de ser reveladora de condições

estruturais, de sistemas de valores, normas e símbolos (sendo ela mesma um deles);

ao mesmo tempo, reveste-se da magia de transmitir, por um porta-voz, as

representações de determinados grupos, em condições históricas, socioeconômicas e

culturais específicas (MINAYO,1994).

Triviños (1987, p.146), ao sugerir a entrevista semiestruturada, reconhece

que ela deve se fundamentar em questionamentos básicos, apoiados em teorias e

hipóteses que interessam à pesquisa e, em seguida, pode oferecer amplo campo de

interrogativas, fruto de novas hipóteses que vão surgindo à medida que as respostas do

informante são obtidas.

Diante do exposto, elaboramos um roteiro orientador com o intuito de

promover uma conversa comprometida, de modo a facilitar a abertura e aprofundar a

comunicação (MINAYO, 1994). Logo, para a produção do material de campo, foram

Page 56: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

34

realizadas 19 entrevistas semiestruturadas com todos os membros do NASF,

representantes das equipes de saúde da família e da gestão. As entrevistas foram

feitas com o objetivo de contribuir para contextualizar a descrição do modo de

organização do processo de trabalho da equipe do NASF, seguindo um roteiro (Anexo

6) de perguntas abertas e fechadas, as quais, apesar de previamente elaboradas,

tinham a premissa de possibilitar a construção conjunta de pensamento e discurso mais

livres.

Todas as entrevistas foram realizadas individualmente e conduzidas pela

própria pesquisadora, sendo gravadas e transcritas.

O roteiro proposto para os três grupos (Gestão, NASF e ESF) abordou, de

modo geral, questões acerca do processo de trabalho do NASF Manguinhos com base

nos seguintes aspectos:

Finalidade do NASF - a que se destina.

Experiência pregressa com apoio matricial quando do processo

seletivo.

Apoio da gestão para qualificação do apoio matricial.

O modo de fazer do apoio matricial (referenciais teórico-práticos, tais

como discussão de protocolos, casos, visitas domiciliares conjuntas,

estratégias de educação permanente etc.), aliado à percepção sobre

conceitos próximos ao de apoio matricial (interconsulta, consulta

conjunta), critérios de seleção, encaminhamento e seguimento

conjunto dos casos clínicos, assim como os mecanismos de

contratualização de quem apoia e é apoiado. Identificação do tempo

dispensado exclusivamente ao apoio matricial.

Percepção de avaliação do que o NASF causa, para o entrevistado,

para o apoiado e para a rede local.

Page 57: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

35

2.7 Análise e interpretação do campo pela hermenêutica-dialética

A análise e a interpretação dos dados obtidos pressupõem um compromisso

com a fidedignidade na compreensão do material, referente às relações sociais e

dinâmicas e vivas (MINAYO, 2006). Assim, optamos pela análise hermenêutico-dialética

proposta pela mesma autora, por possibilitar a análise e interpretação do discurso dos

participantes entrevistados com base nas práxis.

Compreendemos que a hermenêutica busca o sentido do texto, enquanto a

dialética dá ênfase às contradições, à ruptura de sentido, porque acredita na

possibilidade da crítica social do tempo presente (MINAYO, 2004; STEIN, 1987). Assim,

quando propõe a hermenêutico-dialética como técnica, Minayo (2004) argumenta que

esta visa transcender os aspectos apenas procedimentais ligados às técnicas usuais

em pesquisa qualitativa, e a propõe como um caminho do pensamento, para além de

um "mecanicismo" metodológico não reflexivo. Logo, com esse método de análise,

buscamos valorizar os sentidos das falas dos participantes, em seus consensos e

dissensos, face ao contexto histórico onde e pelo qual foi produzida, sob a perspectiva

do referencial teórico proposto de apoio matricial (CAMPOS,1998).

Page 58: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

36

Page 59: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

37

3. RESULTADOS

Como parte dos resultados, optamos por analisar três aspectos: a

caracterização do contexto do TEIAS- Escola Manguinhos por meio das observações,

documentos oficiais e entrevistas dos gestores, em particular de uma ex-gestora do

NASF; o contexto do NASF Manguinhos a partir do olhar da pesquisadora e, por fim o

terceiro aspecto que será apresentado são as entrevistas com os gestores, equipe

NASF e membros da ESF.

3.1 Contexto: TEIAS-Escola Manguinhos e suas características

A nomenclatura “TEIAS” foi proposta pelo Ministério da Saúde em 2007 para

designar o conceito de Território Integrado de Atenção à Saúde. Na época, o conceito

de TEIAS surgiu como motriz para reflexão sobre o modelo de organização dos

serviços de saúde em rede, ou seja, serviços que se complementam e são organizados

com base no território, tendo a atenção básica como porta de entrada preferencial.

No ano de 2009, o município do Rio de Janeiro, influenciado por esse

conceito de TEIAS dentre outros fatores, aprovou a lei municipal 5.026 que dispôs a

qualificação de entidades como Organizações Sociais em Saúde (OSS) como

possibilidade preferencial para gestão da saúde. Com isso, a Escola Nacional de Saúde

Pública Sergio Arouca (Ensp) da Fiocruz concorreu e ganhou a seleção pública, por

meio de sua Fundação para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico em Saúde

(Fiotec). Foi, então, caracterizada como OSS para estabelecimento de convênio com a

SMS-RJ, por meio do qual se firmou o compromisso da gestão da Estratégia de Saúde

da Família no território de Manguinhos.

Desse modo, surgiu a iniciativa TEIAS-Escola Manguinhos, com o objetivo de

reorientar o modelo até então prestado, por décadas, pelo Centro de Saúde Escola

Germano Sinval Faria (CSEGSF). Ampliou-se a 100% a cobertura da Estratégia de

Saúde da Família em Manguinhos, o que proporcionou um campo de inovação de

Page 60: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

38

tecnologias de assistência, ensino e pesquisa. A iniciativa foi considerada prioritária por

representar algo além da prestação exclusiva de serviço à população e também por

possibilitar melhor alinhamento da missão institucional da Fiocruz - ser propositiva na

produção de conhecimento aplicável a outras realidades, incorporando referenciais

claros e transparentes sobre o território, ampliando os processos de participação

comunitária e de intersetorialidade.

Segundo o relatório sobre o TEIAS/Manguinhos, elaborado em 2012 pela

então equipe gestora, esses referenciais estariam voltados para a transformação das

condições de vida e saúde, conformando assim um compromisso com a sociedade.

Buscava-se mostrar que essa diretriz de atenção é o caminho para a transformação de

práticas do setor saúde e de produção de políticas públicas.

Nesse contexto de grande expectativa, mas também de algumas incertezas,

foi necessário promover debates internos, tanto na comunidade acadêmica quanto

entre os moradores, com o intuito de ampliar a discussão sobre o que se caracterizava

como uma nova iniciativa de produção tecnológica no campo da atenção, ensino e

pesquisa, sobretudo sob a "sombra" da polêmica emergente na época de organização

social x privatização no âmbito de uma instituição historicamente defensora da ação

pública.

Agregado a esse contexto, havia também um conjunto de intervenções

urbanas no território de Manguinhos sob o comando do Programa de Aceleração do

Crescimento (PAC) assim como a instalação de uma Unidade Pacificadora de Policia-

UPP, o que, em certa medida, impulsionava a Fiocruz a um possível cenário de

renovação.

3.1.1 Perfil sociodemográfico

O bairro de Manguinhos está localizado na zona norte do município do Rio

de Janeiro e abrange 13 comunidades e dentro dessa região está o complexo de

Manguinhos que é composto pelos bairros de Bonsucesso, Olaria e Ramos, como

segue na foto abaixo.

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39

Figura 1: Mapa de Manguinhos

Fonte: Google Maps

Segundo o Instituto Pereira Passos, vivem 36.110 pessoas (censo de 2010)

no bairro de Manguinhos, numa área de 535 mil metros quadrados composto por 12

comunidades: Samora Mochel, Mandela, Mandela 1, Mandela de Pedra, Parque João

Goulart, Vila União e Ex-Combatentes, Vila Turismo, Nova Vila Turismo, Parque

Oswaldo Cruz, Parque Carlos Chagas, Centro de Habitação Provisório 2 (CHP2) e

DESUP.

Ainda segundo o Instituto Pereira Passos, em 1900, foi criado o Instituto

Soroterápico Federal que em 1972 passou a se chamar Fundação Oswaldo Cruz. A

Refinaria de Petróleos de Manguinhos S.A, inaugurada em 1954, produzia1,1 milhão de

litros de gasolina por dia, porém trouxe poluição do ar e de águas para a região. Em

1991 houve uma explosão na refinaria, que foi então desapropriada pelo Governo do

Estado, com a promessa de descontaminá-lo para a construção de casas populares,

fato que ainda até os dias atuais a população aguarda o compromisso.

Page 62: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

40

O bairro de Manguinhos possui um dos cinco Índices de Desenvolvimento

Humano (IDH) mais baixos do município do Rio de Janeiro e apresenta, em grande

parte da favela, coleta de lixo irregular, problemas de esgotamento sanitário,

analfabetismo, violência e moradias irregulares. Chama a atenção para quem circula no

bairro, o forte odor, o lixo despejado, ausência de asfaltos e calçadas, moradias

precárias, circulação livre de animais como cavalos, porcos e carros com policiais com

grandes armamentos expostos pela janela. Abaixo seguem três imagens que retratam a

partir do olhar do campus da Fiocruz, a estação de Manguinhos construída pelo PAC, a

poluição do canal do cunha e as moradias irregulares que ainda permanecem.

Page 63: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

41

Figura 2: Estação de Manguinhos e canal do cunha

Fonte: fotografia da própria autora

Page 64: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

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Figura 3: Moradias Irregulares

Fonte: PAC

Figura 4 :Estação Manguinhos PAC

Fonte: PAC

Com base nessas características, Manguinhos foi considerado, em 2008,

local prioritário para o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) assim como os

complexos do Alemão e da Rocinha, de iniciativa federal em parceria com os governos

Page 65: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

43

estadual e municipal, com o destaque do protagonismo da autora desta pesquisa que

na época estava como gestora estadual, o que permitou contribuir dentre outros,para

que os investimentos nestes locais priorizassem também estruturas físicas de atenção

básica, Caps e ambulatórios de especialidades, e não somente UPAS ou hospitais

como era a proposta inicial. O PAC, no caso do município do Rio de Janeiro, visou

reurbanizar as favelas, integrando-as à cidade formal por meio de prestação de serviços

públicos de qualidade, ou seja, pavimentar, com novas ofertas de acessibilidade, as

moradias populares e os serviços sociais como biblioteca, escola e saúde (PAC-RJ,

2008).

Destaca-se que, no campo da saúde, as ofertas foram amplamente

discutidas com a Fiocruz, uma vez que a instituição também se integrava ao território de

intervenção. Assim, a Fiocruz protagonizou importante papel no Fórum Manguinhos

para conformação dos investimentos, como a construção da nova oferta de serviço de

saúde no bairro: Clínica de Família Victor Valla, anexa à nova Unidade de Pronto-

Atendimento (UPA).

Com a construção da Clinica de Familia Victor Valla e agregada ao já

existente Centro de Saúde Escola Germano Sinval Faria- CSEGSF no Campus da

Fiocruz, Manguinhos pode então ampliar a oferta de cobertura da estratégia de saúde

da família no bairro. Abaixo, são apresentadas imagens das duas referidas unidades

básicas de saúde existentes em Manguinhos, sendo a primeira foto da Clinica Victor

Valla e a segunda foto do CSEGSF. E na sequência, apresentamos a imagem do mapa

do território de Manguinhos, segundo áreas geográficas adscritas por estas duas

unidades básicas de saúde.

Page 66: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

44

Figura 5: Clínica da Família Victor Valla

Fonte: OTICS

Figura 6: CSEGSF

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45

Fonte: Agência Fiocruz de Notícias

Figura 7: mapa de adscrição geográfica da UBS Mangunhos

Fonte: TEIAS Manguinhos

3.1.2 Estrutura e situação de saúde

O TEIAS Manguinhos está localizado no território de abrangência da

Coordenação da Área Programática 3.1- CAP da SMS-RJ. Esta instância de gestão

denominada CAP, possui a função próxima de um distrito sanitário de saúde, e

atualmente é composta por uma equipe de assessores temáticos que, acompanham a

Page 68: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

46

execução dos contratos de gestão com a entidades parceiras, como é o caso da Fiotec.

Isto significa que esta é a primeira instância direta de co-gestão da SMS com o TEIAS.

Válido ressaltar que no período anterior a parceria do município com as OSS,

a CAP possuia uma função mais ampla, não somente porque a prestação da saúde era

de responsabilidade da administração direta, mas sobretudo pela possibilidade de

proporem alguns mecanismos cotidianos co-gestores de acompanhamento das gestões

locais das unidades adscritas, tais como a constituição de equipes de servidores

multidisciplinares, que denominavam-ne Grupos de apoio Técnico-GAT. Estas equipes

do GAT propunham um método hibrido entre supervisão e apoio técnico e se faziam

muito presentes na vinculação da rotina de co-gestão local e com muita autonomia para

a proposição de novos arranjos. O fato é que hoje essas equipes não existem mais e a

proposta é que a CAP acompanhe quase que exclusivamente a execução das metas

estabelecidas a partir dos contratos de gestão com as entidades parceiras, como é o

caso da Fiotec, de modo a se apresentarem mais supervisoras e menos apoiadoras aos

serviços.

Atualmente, o TEIAS-Escola Manguinhos comporta, em sua estrutura, os

seguintes serviços:

- Centro de Saúde Escola Germano Sinval Faria (CSEGSF) com 07 equipes de

Saúde da Família;

- Clínica da Família Victor Valla com 06 equipes de saúde da família;

- 01 NASF com 11 profissionais;

- 01 equipe de Consultório na Rua;

- 01 Academia da Saúde com 02 educadoras físicas pertencentes a equipe do

NASF;

- 01 equipe de Atenção Domiciliar.

O CSEGSF foi criado em 1966, como iniciativa própria da Fiocruz, com a

finalidade de executar ações de medicina preventiva e comunitária para os moradores

Page 69: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

47

de Manguinhos. Segundo relatos dos trabalhadores, desde sua criação, o projeto se

destacou enquanto parte integrante de movimentos de vanguarda na saúde pública

brasileira.

Como uma de suas missões, vale destacar ações de ensino e pesquisa com

o intuito de gerar e difundir pesquisas de conhecimento científico e tecnológico,

aplicáveis à atenção básica à saúde, em consonância com os princípios do SUS

(CSEGSF, 2013).

No ano 2000, o CSEGSF iniciou importante parceria ao estabelecer um

convênio com a SMS-RJ para implantar equipes de saúde da família, no entanto, o que

seria para ser a oportunidade de novos arranjos mais territorializados, pouco foi

alterado já que o modelo existente de áreas programáticas prevaleceu, e de modo

parelelo foram se constituindo as equipes de saúde da família recém conveniadas.Ou

seja, o modelo do CSEGSF tornou-se um modelo hibrido, mas com pouca

comunicabilidade entre as equipes antigas e novas, ficando a cargo das iniciativas

individuais de cada profissional. Segundo a atual gestão do serviço, o CSEGSF

atualmente, possui cerca de 170 servidores estatutários da Fiocruz de diversas

especialidades (clínica geral, dermatologia, estomaterapia, fonoaudiologia, geriatria,

ginecologia/obstetrícia, homeopatia, nutrição, odontologia, pediatria, psicologia,

psiquiatria, serviço social), agregados a sete equipes da Estratégia de Saúde da

Família, contratados pela CLT através de seleção pública pela OS Fiotec, fundação

gestora do TEIAS, responsável pelos bairros Parque Oswaldo Cruz, Amorim/Monsenhor

Brito, Parque Carlos Chagas, Parque João Goulart, Vila Turismo, Nova Vila Turismo e

Comunidade Agrícola/Vila São Pedro.

No CSEGSF, são realizadas consultas individuais, atividades em grupos,

apoio diagnóstico terapêutico e ações na comunidade. Até 2009, compunha a única

oferta de serviço de atenção básica no bairro. A gestão da unidade está sob

responsabilidade de uma médica, eleita pelos servidores do CSEGSF, a qual acumula a

função de coordenação-geral do TEIAS Escola Manguinhos.

Page 70: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

48

Na Clínica Victor Valla que é a unidade básica de saúde instituída a partir da

intervenção do PAC encontram-se seis equipes, responsáveis pela população

moradora dos bairros de Mandela de Pedra, Samora Machel, Nelson Mandela, Vila

União, CONAB, Centro de Habitação Provisório 2 (CHP2) e DESUP. Ainda nessa

unidade encontram-se as equipes do consultório na rua, academia da saúde, uma

equipe de atenção domiciliar e o NASF adscrito a essa unidade e ao CSEGSF.

Por fim, compondo ainda esse conjunto de serviços, há uma UPA anexa à

Clínica da Família Victor Valla, cuja finalidade é prestar assistência de urgência e

emergência, para alguns trabalhadores o fato da clinica estar anexa a UPA é um

facilitador e para outros um dificultador, a partir da suposição de que alguns usuários

exigem pronto atendimento semelhante a UPA. Destacamos que o CSEGSF localiza-se

no próprio campus da Fiocruz; já a Clínica Victor Valla está no espaço da comunidade e

que ambos pouco se comunicam com a UPA e vice-versa.

Uma das estratégias do TEIAS Escola Manguinhos para monitorar e informar

a população local, consiste em utilizar um painel denominado “Placar da Saúde”, aos

moldes da experiência das OSS do município de SP. São informações com base nos

dados do SIAB atualizadas periodicamente e que permanecem expostas na sala de

espera do serviço, no entanto, as informações são restritas e cumprem a função

exclusiva de ser um boletim informativo. Segundo dados do referido placar, no mês de

novembro de 2013 a população adscrita à Clínica Victor Valla era de 17.509 pessoas,

com 100% de cadastro.

A população do território de Manguinhos vem apresentando elevadas taxas

de desemprego, analfabetismo, violência e alto índice de gestação em adolescentes.

Segundo os trabalhadores dos serviços de saúde, a população se queixa de ausência

de coleta de lixo regular, de ser uma das principais cenas de uso e abuso de crack e

outras drogas, e sobretudo, da segurança pública. Embora a Unidade de Polícia

Pacificadora (UPP) tenha sido lá instalada em 2013, Manguinhos ainda que em menor

proporção, segue todavia vulnerável a situações adversas, mas o que mais chama

atenção é ainda a permanência de policiamento com armamento ostensivo e visível a

Page 71: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

49

luz do dia mesclado a convivência diária da comunidade.Sem dizer, que a avenida que

margeia um dos acessos a Fiocruz, é popularmente ainda conhecida como Faixa de

Gaza, em alusão aos conflitos do Oriente Médio.Abaixo seguem duas imagens

extraídas da imprensa local que retratam um dos momentos da pacificação e outro a

base móvel da UPP em Manguinhos.

Figura 8: Ação para implantação da UPP

Fonte: Jornal O Dia

Page 72: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

50

Figura 9: Base móvel da UPP Manguinhos

Fonte: Jornal O Dia

Segundo dados da coordenação-geral do TEIAS (CSEGSF, 2013),

Manguinhos hoje possui maior concentração de população na faixa etária de 18-59

anos, com 57,14%%, seguida pela de 1-17 anos, com 36,48%. Idosos (60 a 80 anos)

são minoria e soma 6,38%. A taxa de natalidade está em 14/1.000 e a de fecundidade,

1,9 filhos por mulher. Taxa de mortalidade infantil é de 25,8 por mil nascidos vivos.

3.2 O contexto do NASF Manguinhos sob o olhar da pesquisadora

O NASF foi criado em 2010 após 100% de seu território estar coberto pela

ESF. Segundo uma ex-gestora que acompanhou sua implantação, a demanda inicial,

no que se refere à contratação de profissionais, era por um perfil de especialidades

exclusivamente médico (pediatra, psiquiatra e ginecologista). Nesse período, a

organização do processo de trabalho se deu mais por iniciativa das próprias equipes do

que pela gestão, o que acabou gerando as mais variadas interpretações da função do

Page 73: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

51

NASF, uma vez que já havia no CSEGSF estas e outras especialidades profissionais.

Somente em 2011, a gestão passou a apoiar de modo mais sistemático a organização

do NASF, ampliando a oferta para outras especialidades inclusive não médicas, como

psicólogo, assistente social, educador físico – sendo este útimo impulsionado pela

proposta da academia carioca (academia da saúde), diretriz obrigatória do município.

Há de observar que o relato do período do início da implantação do NASF, os

profissionais tendiam a realizar mais consultas individuais do que atualmente.

A percepção evidente é que os profissionais especialistas do CSEGSF nunca

agregaram-se a finalidade iniciativa do TEIAS, que propunha a reflexão da prática

existente com a possibilidade de novas invenções no campo da atenção a saúde. O

CSEGSF talvez pelos mais difusos fatores, optou pela pouca adesão e disponibilidade

na revisão do então processo de trabalho instituído ao longo dos últimos anos,

deixando de lado a oportunidade de vivenciar novos arranjos tais como, o apoio

matricial.

Supõe- se que isto se deu a partir da existência da condução de duas

gestões paralelas no mesmo território, uma do TEIAS exercida por uma servidora aliada

a antiga gestora do Centro de Saúde e que deveria conquistar o máximo de

governabilidade para reorientar a gestão da rede local, e a outra que era a gestão

também exercida por uma servidora, que havia recentemente ganho as eleições do

Centro de Saúde, derrotando e encerrando o ciclo da antiga coordenação.

Isto seria um processo natural como em qualquer outra unidade da Fiocruz

que lida com processos democráticos eleitorais internos, desde que ambas as gestões

pudessem ter construídos caminhos especificos porem complementares, fato que não

ocorreu.Com isso, inevitavelmente o NASF foi constituído com novos profissionais

contratados pela OSS e não com os servidores especialistas do CSEGSF, gerando

deste modo, uma equipe NASF para realizar apoio matricial para ambas as unidades

tendo em vista que o Centro de Saúde optou mais uma vez semelhante ao processo

do primeiro convênio com o município do RJ para implantação das equipes de saúde da

famiia,em seguir com a mesma dinâmica programática assistencial por

Page 74: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

52

especialidades.Invariavelmente que estas questões refletiram no processo de

implantação do NASF.

No ano de 2013 impulsionado pelo processo eleitoral da Ensp em que o

candidato da oposição saiu vitorioso, a então coordenadora geral do Teias foi

substituída pela coordenação do Centro de Saúde possibilitando a princípio, a

expectativa de melhorar a interação entre as duas estruturas até então postas. A

questão é: expectativa de quem e como dessa melhor interação?

O fato é que ao realizar esta pesquisa, ficou evidente que o discurso sobre o

NASF da atual gestão do Teias é que isso possa acontecer naturalmente, mas a prática

descrita a partir das entrevistas que serão apresentadas a seguir, evidencia que este

processo talvez seja mais complexo do que natural, sobretudo numa dinâmica local e

municipal que pouco acumula sobre apoio matricial, e sim mais a tradicional referência

e contra-referência, daí o desafio dado do propósito desta tese.

3.3 Análise das entrevistas: o discurso dos sujeitos implicados com o NASF

Reconhecendo que as entrevistas são inevitavelmente consubstanciadas

pela interação entre entrevistado e entrevistador, observamos a necessidade, para

além da identificação dos consensos, dissensos e contradições do material verbal, de

que fossem também registradas observações da pesquisadora para cada entrevista, no

sentido de complementar o registro de percepções ocultas – ou seja, aquelas não

verbalizadas, mas por ela captadas no contexto da instituição.

Assim, após leitura exaustiva das entrevistas com a finalidade de apreensão

global de seus conteúdos, optamos inicialmente pela identificação mais genérica dos

participantes, com vistas a caracterizar o aspecto quantitativo, perfil e tempo de

inserção no TEIAS- Escola Manguinhos, assim como a experiência pregressa com o

apoio matricial. Optamos também pela análise por meio da construção de núcleos e

Page 75: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

53

categorias, o que, em certa medida, nos permitiu compreendê-los de modo semelhante

ao que Minayo (2004) denomina de categorias empíricas de forma a sintetizar a

apreensão de determinações e especificidades expressas na realidade empírica.

Construímos, portanto, dois Núcleos Temáticos de Análise e quatro Categorias.

Denominamos o primeiro Núcleo Temático de Análise como Implantação do

NASF Manguinhos e a gestão do trabalho, o qual compreendeu duas categorias: Nasf,

a que se destina? e Apoio da gestão para a organização do NASF. Destacamos que

este primeiro Núcleo Temático analisou o aspecto finalístico do NASF e a implicação da

instância gestão para a organização do trabalho.

O segundo Núcleo Temático de Análise abordou o processo de trabalho do

NASF e sua relação com as equipes, tendo sido denominado Concepções teóricas,

práticas dominantes da Gestão, NASF e ESF sobre apoio matricial. Como primeira

categoria deste núcleo, identificamos: Referenciais organizativos para o apoio matricial:

como ocorre na prática? Como segunda categoria:Percepção de avaliação do NASF

para si, para a ESF apoiada e para a rede local.

Esta categoria buscou identificar os mecanismos facilitadores para

ocorrência do apoio matricial, tais como o conceito próximo de interconsulta, os critérios

de seleções, encaminhamentos e seguimentos dos casos clínicos, assim como os

mecanismos de contratualização de quem apoia e é apoiado, identificação do tempo

dispensado exclusivamente ao apoio matricial, percepção da expectativa do NASF para

o entrevistado, para a ESF apoiada e para a rede local. Com esta categoria, abordamos

o aspecto da dimensão de avaliação que o NASF consegue, na prática, causar em si

(entrevistado), para a equipe de saúde da família apoiada e para a rede local de saúde.

De forma a imprimir unicidade para a análise do material empírico,

destacamos que os dois núcleos temáticos, com suas respectivas categorias, foram

utilizados para análise de todas as entrevistas com os três perfis de participantes

pesquisados: a gestão, o NASF e as ESF.

Page 76: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

54

Considerando os núcleos temáticos e as categorias, foi possível analisar e

interpretar o material de campo, de modo a considerá-lo segundo os referenciais

teóricos e pressupostos apresentados no início deste estudo.

O material empírico foi analisado como um todo e não por unidade – ou seja,

não analisamos separadamente as equipes do CSEGSF e da Clínica de Família Victor

Valla ou, ainda, cada gestor ou membro do NASF. Foi fundamental o enfoque da

percepção enquanto função macro de inserção no TEIAS, seja na gestão, no NASF ou

na ESF.

Alguns fragmentos das entrevistas foram selecionados por serem mais

reveladores de nossa proposta de abordagem. Esses trechos apresentaram

similaridades, convergências, tornando visível o que se mostrava essencial aos

participantes entrevistados. Destacamos que seus nomes não foram citados, a fim de

assegurar seu anonimato e o máximo de confidencialidade.

3.4 Identificação geral dos entrevistados

Foram realizadas 19 entrevistas, conduzidas pela própria pesquisadora, com

duração média de 33 minutos cada. Todas foram gravadas em áudio e transcritas.

Como dito anteriormente, foram priorizados três gestores: a profissional que

realiza a coordenação-geral do TEIAS-Escola Manguinhos, com mais de 20 anos de

inserção no CSEGSF, alternando-se em funções de gestão e assistência; o atual

gerente do NASF, o qual, anteriormente a essa função, atuou por mais de oito anos

como enfermeiro da ESF do CSEGSF; e a gerente responsável pela implantação do

NASF, que se desligou do TEIAS ao longo desta pesquisa em virtude da mudança de

gestão.

Na condição de representantes da ESF, foram entrevistados quatro médicos

e três enfermeiros de família, oriundos tanto do CSEGSF como da Clínica Victor Valla.

O tempo aproximado de experiência na ESF é de três anos.

Page 77: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

55

No caso do NASF, todos os onze integrantes foram contatados, não tendo

sido possível, no entanto, entrevistar dois deles, pois estavam em período de férias e

licenças no momento desta etapa da pesquisa. Tendo em vista que o NASF

Manguinhos foi implantado em 2010, o tempo médio de inserção dos profissionais do

NASF é de dois anos.

Abaixo segue quadro com o perfil profissional dos entrevistados. Vale

observar que o NASF Manguinhos apresenta uma peculiaridade em sua composição.

Quadro 3: Perfil profissional dos entrevistados

PROFISSIONAIS INSERÇÃO QUANTITATIVO

Médico Gestão 01

Enfermeiro Gestão 01

Psicólogo Gestão 01

Fisioterapeuta NASF 01

Psicólogo NASF 01

Médico Psiquiatra NASF 02

Médico Pediatra NASF 01

Farmacêutico NASF 01

Educador Físico NASF 01

Enfermeiro Sanitarista NASF 01

Ginecologista NASF 01

Médico de família ESF 04

Enfermeiro ESF 03

TOTAL 19

De um modo geral, as entrevistas ocorreram com muita disponibilidade e

interesse dos participantes no sentido de reconhecer que o NASF ainda é algo novo,

portanto, necessita ser aprimorado.

Como já mencionado, apresentaremos a análise dessas entrevistas segundo

as categorias construídas que nos orientaram substancialmente nesta etapa de análise

dos resultados.

Page 78: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

56

3.5 Primeiro Núcleo Temático de Análise: Implantação do NASF Manguinhos e a gestão do trabalho

3.5.1 Categoria de análise: NASF Manguinhos: a que se destina?

Para os gestores:

O NASF possibilita apoio do especialista às ESFs, com vistas ao aumento da

capacidade resolutiva da atenção básica, sob a ótica do cuidado integral. Chama a

atenção o fato de apenas um gestor ter definido o tipo de apoio como matricial e outro

como uma espécie de apoio institucional, quando relatou a possibilidade de o

profissional do NASF poder auxiliar a equipe a superar problemas não solucionados há

muito tempo. “[...] identifica o problema que está emperrando e a equipe não está

andando, eu acho que vale a pena chegar lá e começar a discutir com eles, que é um

pouco do apoio institucional que cada membro do NASF pode fazer”.

Houve ainda o relato de uma gestora há mais tempo na instituição, a qual

recordou que o CSEGSF, desde o ano 2000, ou seja, anteriormente à existência do

NASF, já realizava o que poderia ser uma retaguarda de especialistas para as ESF, fato

expresso pelo indicador criado na época, que era o “número de batidas na porta que o

especialista recebia do generalista para realizar a retaguarda à demanda espontânea”.

Como resposta ao crescimento desse indicador, foram então definidos formalmente

alguns horários para atendimento do especialista para essas demandas tidas como

espontâneas, nas quais se realizava a interconsulta para auxiliar a elaboração da

“proposta terapêutica singular, gerando, a partir daí, a corresponsabilidade dos dois

profissionais”. Esta gestora considerou esse processo muito semelhante ao que o

NASF pode propor ao TEIAS Escola Manguinhos, ou seja, retaguarda de especialistas

por meio da interconsulta junto as ESF.

Os profissionais do NASF:

A finalidade do NASF foi definida, de modo geral, como possibilidade de

apoiar as ESF na ampliação de conhecimentos em outras áreas. Foram citadas

expressões como “interagir”, “suprir deficiências”, “troca de conhecimento”,

Page 79: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

57

“potencializador”, “qualificar”, “dividir responsabilidade”, “pensar junto”, “apoio matricial”

e “interconsulta”.

As entrevistas com a equipe de saúde mental revelaram que os profissionais

reconhecem que, anteriormente à proposta do NASF, já havia a tradição do

matriciamento. Chamou a atenção da pesquisadora um relato, oposto ao de outros dois

apoiadores da saúde mental, de que o NASF teria um perfil menos amplo, com recorte

exclusivo na saúde mental: “[...] para mim, o papel do NASF é aperfeiçoar e melhorar o

atendimento aos portadores de doenças mentais, seja ela, leve, moderada ou grave,

só”.

Houve também o relato de uma entrevistada descrevendo o período de início

da implantação do NASF, em 2010, como bastante crítico em virtude das muitas

indefinições sobre o que ele viria, de fato, vir a ser e como a equipe deveria se

organizar. Atualmente, ela avalia que essa situação foi superada de modo que os

pacientes e as equipes de saúde da família podem ser apoiados:

[...] o NASF era uma sopa de letrinhas, ninguém sabia o que iria dizer, ninguém sabia como ia ser, e quando a gente entrava pra consulta compartilhada, interconsulta, que aqui a gente chama interconsulta que é na verdade a consulta compartilhada , era diferente; a pessoa que estava junto não sabia se ela tomava a frente. A gente começou uma construção, eu acho que foi uma construção legal, e hoje em dia, até mesmo com os pacientes, eles já vêm e falam com a gente independente do médico da família, do enfermeiro de família, do técnico. A gente tem uma relação muito legal, a gente pode apoiá-los não só juntos aos usuários.

Os profissionais da ESF:

Para a ESF, o NASF cumpre, em geral, uma função de apoiá-los, por meio

da interconsulta, naquilo que não conseguem resolver, gerando assim aumento da

capacidade resolutiva da atenção básica. Poucas falas definiram o apoio como

Page 80: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

58

matricial, mas com o entendimento de encaminhamento facilitado ao especialista,

conforme evidencia o relato abaixo:

[...]O NASF é o apoio matricial, por exemplo no caso do ginecologista, um paciente chega e traz uma certa demanda e a gente tem aquela dúvida, então a gente agenda uma consulta com o ginecologista do NASF, ou seja, o NASF vem e traz esse conhecimento, esse esclarecimento da nossa dúvida.

Apenas um relato mencionou que os casos compartilhados com o NASF

deveriam ser de corresponsabilidade de ambos.

[...] O apoio matricial do NASF eu vejo que é para os profissionais estarem disponíveis para as ESFs, com isso, quando a gente vê uma demanda de um paciente que tem necessidade de acompanhamento específico de um médico, uma especialidade, aí a gente agenda a consulta ou a interconsulta, que é realizada entre o médico ou enfermeiro e um dos profissionais do NASF e esse paciente é seguido pela equipe e pelo profissional do NASF.

Do mesmo modo, uma única fala referiu-se à função do NASF como apoio

para questões de outras áreas de especialidades nas quais a ESF pouco maneja,

permitindo assim uma abordagem mais integral sobre os pacientes atendidos.

[...] eu penso que o NASF existe pra dar conta disso mesmo, dessa questão desse matriciamento dessa demanda que, por exemplo, eu como médica tem coisas de psicologia, nutrição que eu não entendo absolutamente nada , não é do meu “metier”, então a gente conta com o apoio desses colegas para que o trabalho seja efetivamente bem feito , e que a gente possa abordar com um olhar amplo e integral esse paciente.

3.5.2 Categoria de análise: Apoio da gestão para organização do NASF

Os gestores:

Os gestores foram unânimes em afirmar que houve dois critérios norteadores

para a contratação dos profissionais do NASF, sendo um específico para os médicos,

Page 81: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

59

que deveriam ter experiência em atenção básica, mas não necessariamente em NASF,

pelo fato de ainda ser um serviço novo, logo, haveria mais dificuldade em contratar

profissionais médicos. O segundo critério utilizado no processo de seleção foi aplicado

especificamente para os demais profissionais não médicos, tendo sido exigido

conhecimento teórico sobre o que é o NASF e valorizados aqueles que já possuíam

experiência prática em NASF ou apoio matricial.

Para dois gestores, houve, em 2002, um importante apoio da gestão com

vistas à qualificação do NASF por meio da oferta de um curso em "cogestão

compartilhada do conhecimento da clínica ampliada". No mesmo ano, impulsionada

pelo curso, a gestão criou um espaço coletivo periódico para os profissionais do NASF

com o intuito de ampliar a capacidade de superação dos desafios cotidianos e fomentar

a grupalidade, em especial dos médicos que tinham cargam horária mais

reduzida.Segundo relato de um dos gestores, “[...] O espaço era para discutir os

desafios da equipe porque, até então, eles estavam muito separados, principalmente os

médicos, por terem o horário pequeno”.

Uma entrevistada, que na época não compunha a gestão, supôs que para o

momento de definição dos critérios de composição do NASF tenha havido alguma

consulta às ESF da Clínica Victor Valla e pouca participação da equipe do CSGSF.

Destaca-se também o discurso de um gestor, presente desde o início do TEAIS, o qual

afirmou que: “[...] o NASF não era novidade para ninguém que estava ali, é um território que já

tinha mais de 40 anos assistido pelo CSGSF como única referência em atenção primária”. Ou

seja, chama a atenção, nas entrevistas com os gestores, não ter havido momento

compartilhado, no âmbito das ESFs, para definição de qual seria o perfil de apoio mais

adequado e necessário ao NASF e a essas equipes. Ressalta-se também o fato de

vários entrevistados terem considerado que a forma tradicional de relação entre

especialistas e ESF seria uma maneira de realizar apoio matricial. Um deles relatou que

o fato do NASF estar no âmbito da ENSP favoreceria a qualificação dos profissionais

para atuarem, dada a oferta de cursos de saúde pública e promoção à saúde. Segundo

Page 82: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

60

ele, isto poderia estar cumprindo parte da função de oferta da gestão na qualificação do

NASF.

Para o NASF:

Observamos que os profissionais do NASF, quase em sua maioria, foram

informados, no ato da seleção, de que deveriam realizar apoio matricial nas ESF.

Identificamos também que mais da metade desses profissionais relatou já possuir

experiência prévia com apoio matricial em outros serviços e não ter obtido ofertas

formativas por parte da gestão que os apoiassem na temática, exceto dois profissionais,

que reconheceram como relevante o mesmo curso referido pelos gestores como

“cogestão compartilhada do conhecimento da clínica ampliada” para o NASF, ofertado

em 2012.

Para um único profissional recém-contratado, o apoio é o próprio gerente do

NASF. De um modo geral, os entrevistados não conseguiram identificar com clareza o

que é como se dá a oferta da gestão para qualificação da organização de suas práticas.

Por meio das entrevistas dos profissionais do NASF, é possível observar

que, quando questionados sobre o tema “apoio matricial”, para a maior parte dos

entrevistados, a prática do NASF está organizada na interconsulta, com destaque para

os profissionais da saúde mental que reconheceram o matriciamento como principal

arranjo organizativo.

Para a ESF:

À semelhança dos relatos dos membros da equipe do NASF, a maior parte

das ESFs não identificou auxílio da gestão para receber o apoio do NASF, ainda que

eles reconheçam sua fundamental importância para as práticas, conforme relatado

acima. Chamaram a nossa atenção algumas falas contraditórias em relação ao que

denominamos “apoio da gestão” para que as ESFs se organizem de modo a receberem

o apoio matricial do NASF. Vejamos alguns trechos:

Page 83: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

61

[...] na verdade tudo aqui foi bem construído junto, tanto a inserção, a implantação da estratégia de saúde da família, quanto a nossa capacitação, quanto o NASF, tudo foi construído junto. Tivemos inclusive o curso de ambientação que trabalhou todas as questões do território e as questões dos apoios matriciais também.

Apenas uma pessoa reconheceu ter havido um movimento da gestão no ano

da implantação do NASF, em 2010, sob forma de consulta às ESFs sobre as

especialidades que seriam importantes para apoiá-los. No entanto, o próprio

entrevistado identificou ausência de uma definição mais sistematizada sobre a função

de cada especialista.

3.6 Segundo Núcleo Temático de Análise: O processo de trabalho do NASF e sua relação com as equipes. Concepções teóricas, práticas dominantes da gestão, NASF e ESF sobre apoio matricial.

3.6.1 Categoria de análise: Referenciais organizativos para o apoio

matricial: como ocorre na prática?

Para a gestão:

Uma ex-gestora, quando questionada sobre os referenciais relevantes, foi

enfática ao afirmar: “usamos toda a referência do Gastão de matriciamento, clínica

ampliada, aquela da Domitti, apoio matricial de referência. E depois a legislação do

NASF, o Caderno 27”. Reafirmou o relato dos atuais gestores ao dizer que todos os

membros do NASF devem têm atribuição de participar das reuniões das ESF, quando

se apresentam e selecionam casos para discussão. Mencionou ainda haver uma

agenda de interconsulta, entendida como uma primeira discussão do caso.

Para outra gestora, a grande influência do NASF consiste na proposta do

matriciamento da saúde mental por estarem anos luz à frente; propôs que o profissional

Page 84: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

62

do NASF trabalhe em equipe, realize discussões de casos e discuta planos terapêuticos

singulares. Vejamos sua fala:

[...] para ocorrer o apoio matricial, o profissional deve ser um camarada que consiga trabalhar em equipe, que domine muita coisa de discussão de caso, mas sem dirigir logo o diagnóstico, entender a rede, estar bem firmado na discussão de plano terapêutico singular.

Os gestores, de um modo geral, não identificaram diferença entre apoio

matricial e interconsulta. Uma gestora afirmou “não ter capacidade de discutir

conceitualmente o tema apoio matricial”. A ex- gestora definiu o apoio matricial como

suporte do especialista aos generalistas; segundo ela, realizar isso acaba por gerar

corresponsabilidade entre ambos os profissionais, embora considere ser difícil o

reconhecimento, por parte da ESF, de que o caso é sempre do generalista. Segundo

esta profissional, interconsulta é atendimento conjunto com o usuário presente; quando

não há presença do usuário, trata-se de discussão de caso, reforçada pela ideia de que

apoio matricial visa à ampliação do olhar sobre o caso de foma a obter maior

resolutividade.

A ex-gestora enumerou ainda alguns atributos para o NASF, como construir

processos conjuntos com as equipes de saúde da família e articular a rede de

referência, como o CAPS, uma vez que a disponibilidade de carga horária do

profissional do NASF é mais favorável que o da ESF, cuja agenda está sempre

completa.

O atual gestor do NASF mencionou outro atributo, ainda a ser desenvolvido -

o apoio aos grupos de educação em saúde. Segundo ele:

[...] interconsulta é como o plano de cuidado que engloba só um técnico, já o matriciamento é algo mais abrangente como o plano terapêutico singular que chama o agente comunitário, chama mais não sei quem e compõe ali com o próprio paciente... Mas se eu fosse matriciador, eu faria a mesma coisa o tempo inteiro, tentaria agregar o máximo de conhecimento, o máximo de troca, de partilha, e chamaria tudo de um nome só. Matriciamento não dá números, metas, o que dá número é interconsulta.

Page 85: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

63

O mesmo gestor verbalizou a ocorrência frequente de situações nas quais o

profissional matriciador acaba por conduzir o caso de forma isolada por não ter

paciência com o tempo pedagógico da ESF: “[...] meio que perde a paciência, porque

não tem o tempo pedagógico da equipe e acaba fazendo sozinho; esta é uma situação

que é muito recorrente”.

Para o NASF:

Como principal resultado, identificamos que o NASF não se constituiu como

equipe, ou seja, com pactos coletivos mais estabelecidos quanto ao seu modo de

apoiar as ESFs. Assim, podemos afirmar, de um modo geral, que os entrevistados do

NASF não identificam um referencial único, norteador da organização de suas práticas.

Seus relatos mencionam diversas perspectivas, mas a compreensão coletiva é de que

todos os profissionais devem estar disponíveis para o apoio à ESF, o que não significa,

no entanto, que todos realizem apoio matricial. Serão descritos abaixo os resultados

com base nos aspectos priorizados pelo NASF que sustentam a prática. Identificamos

que os principais referenciais organizativos do NASF são:

O Caderno nº 27 do Departamento de Atenção Básica do Ministério

da Saúde, que trata das diretrizes de organização do NASF;

Os referenciais propostos por Gastão Wagner sobre apoio matricial e

clínica ampliada;

O conceito de interconsulta - não conseguimos identificar nas

entrevistas um autor em especial de referência a este conceito.

Importante mencionar que os referenciais apresentados acima não

obedecem a nenhum critério de prioridade, como pode ser observado nos relatos:

Page 86: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

64

[...] eu acho que o referencial são todos os Cadernos de Saúde da Família do MS, assim como os Cadernos da Saúde Mental é uma ferramenta importante, a clínica ampliada do Gastão...

[...] Todo o meu apoio em tese é só com interconsulta, a princípio é com interconsulta.

No entanto, os relatos de dois profissionais descrevem sua prática no NASF

como estritamente técnica no âmbito de suas especialidades. Uma dessas falas

evidencia, inclusive, a concepção de que o apoio matricial seria atribuição de outras

áreas de conhecimento, no caso da medicina de família e da saúde pública. Ambas as

falas sugerem que esses profissionais desconheçam o que seja apoio matricial.

[...] O que você chama de apoio matricial especificamente? O meu apoio, na verdade, é como especialista. Eu não sei se é isso, assim como eu te falei eu não tenho formação em saúde pública, em medicina da família, meu apoio é técnico ginecológico.... Para mim, como todos os meus atendimentos são iguais, eu não vejo diferença, como eu te falei, não é a minha área de atuação. Eu atuo especificamente com apoio ginecológico ou seja, todos acontecem da mesma forma.

[...] Eu penso que esse apoio matricial seria você dar um suporte, fazendo as visitas, também verificando, seria isso tudo. Eu ainda não tive esse tempo, porque estou muito preso ainda na farmácia.

Em relação às semelhanças e diferenças entre apoio matricial, interconsulta

e consulta conjunta, os entrevistados, de modo geral, entendem que sejam a mesma

coisa, ainda que alguns reconheçam que o apoio matricial possa ser mais amplo que a

interconsulta ou, ainda, que ela faça parte do apoio matricial. No entanto, podemos

dizer que a maioria dos entrevistados não conseguiu descrever em detalhes a que, de

fato, se referem quando abordam essas diferenças, semelhanças ou

complementaridades. Apenas duas falas definiram a interconsulta como algo que

ocorre sem a presença do usuário e a consulta conjunta como aquela que se

estabelece na sua presença. Já o apoio matricial, para eles, ocorreria no espaço da

Page 87: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

65

reunião de equipe, por meio da troca de saberes entre o campo de conhecimento do

especialista e do generalista. Alguns recortes das entrevistas possibilitam essa

compreensão:

[...] interconsulta e apoio matricial são as mesmas coisas. Diria que o apoio matricial é maior do que a consulta conjunta porque ela é uma das partes do apoio matricial. Avalio que, às vezes, também é necessário realizar uma consulta separada só para aprofundar mesmo o caso e também faz parte do apoio matricial.

[...] Eu vejo a interconsulta como uma das ferramentas para o apoio matricial que, na verdade, transcende a interconsulta. A interconsulta não é aquilo que está no contrato de gestão. Interconsulta é aquilo que acontece sem o usuário, já a consulta conjunta é o que acontece junto com o usuário. Apoio matricial é uma coisa de nomenclatura, já que é aquela consulta que você faz junto com o usuário, em que estão o profissional do NASF e o profissional da equipe.

[...] Um exemplo da interconsulta é quando, por exemplo, sou um profissional enfermeiro de uma equipe de saúde da familia e estou ali com o usuário realizando puericultura e tenho uma dúvida e não estou agendado com aquele profissional pediatra para que entre junto comigo, mas o pediatra vai a casa, eu saio do meu consultório e vou até ele, confabulo, tiro a dúvida e apresento a questão; com isso, ele me dá um posicionamento de como conduzir, eu volto pro meu consultório e finalizo a consulta.

[...] Acho que apoio matricial é aquilo que acontece exatamente quando você tem a possibilidade de um profissional do NASF interagir com o membro ou membros da equipe para essa produção de um novo conhecimento, você vem com esse conhecimento mais especializado, a equipe e os profissionais vêm com o conhecimento do âmbito da saúde da família e ali você tece uma possibilidade de resolução e uma produção de um novo conhecimento, para que esse desfecho e essas resoluções elas se concretizem. Algo que se dá mais no espaço da reunião de equipe.

Houve um relato de que a interconsulta “não demanda muita conversa” para

a construção do PTS: “Com a interconsulta, a gente não precisa conversar muito, já que

eu entro junto com o enfermeiro ou médico pra gente pode traçar um plano terapêutico”.

Para uma profissional no âmbito do TEIAS, o termo “interconsulta” é o

mesmo de consulta conjunta com o médico; já no âmbito da gestão municipal, esse

termo corresponde à consulta conjunta com o médico ou não.

Page 88: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

66

Você fala interconsulta no Rio de Janeiro é uma confusão danada. No sistema de registro daqui do TEIAS usamos o termo interconsulta, que significa a consulta junto com o médico, mas no município a gente não usa a palavra interconsulta, a gente usa consulta conjunta.

No campo da saúde mental, observamos que os entrevistados foram os que

apresentaram maior disponibilidade em detalhar a sua prática. Um profissional da área

descreveu que para realizar apoio matricial considera como relevantes os seguintes

aspectos: inicialmente, nunca atender ao paciente sozinho, ainda que seja por

solicitação da equipe, o que também não impede de, em um segundo momento,

realizar uma consulta sem a presença da equipe; há de se ter o entendimento

constante de que o paciente é sempre da equipe de saúde da família; o primeiro

atendimento deve ser conjunto, por meio de visita domiciliar ou consulta conjunta; e a

discussão de caso deve ser realizada, se possível, com toda a equipe de saúde da

família. Vejamos sua fala:

[...] Inicialmente, nunca se deve atender um paciente sozinho, mesmo que seja por solicitação da equipe. Esse paciente é da equipe, então a primeira relação com paciente deve ser de uma consulta conjunta ou visita domiciliar. Depois é possível discutir o caso; por exemplo, às vezes, eu até peço para a equipe que eu atenda o paciente sozinho para me aprofundar no caso. Isso não significa que eu estou afastando o paciente da equipe, significa que eu vou sim, devolver o caso com o que eu fiz, o que eu pensei para caso, ou seja, vou trocar e, como eu te falei antes, a discussão do caso é a parte mais importante do apoio matricial, é discutir o caso, é discutir com a equipe, não é com o médico, é com enfermeiro, com o agente de saúde, como é que a gente vai lidar com aquele caso.

Outro aspecto interessante que emergiu das falas refere-se ao fato de que

todas as práticas do NASF, do ponto de vista da produção, são monitoradas pelo

sistema de registro eletrônico como interconsulta e não como apoio matricial; inclusive,

parte desses agendamentos para a interconsulta ocorre por esse sistema.

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67

[...] Na verdade, eu acho que cada um chama de um nome, mas que no fundo é a mesma coisa. A gente mesmo faz isso, a gente entra no nosso sistema de registro eletrônico, você vai só entrar como interconsulta.

Os discursos dos profissionais do NASF revelaram, de um modo geral, que

todos possuem plena disponibilidade para apoiar as ESFs. No entanto, o critério de

seleção dos casos se dá sempre por parte da ESF. Não ficou claro até que ponto o

NASF consegue construir um conjunto de sugestões desses critérios, exceto algumas

iniciativas muito individuais de alguns poucos profissionais. Quanto ao seguimento do

caso, as falas caminharam no sentido de que as equipes conseguem fazê-lo. Valorizam

também um sistema eletrônico proposto pela SMS-RJ para marcação de interconsulta;

segundo sua avaliação, esse sistema contribui para a organização da agenda.

[...] Como é que seria uma equipe me chamando para fazer uma visita, por uma necessidade dela? Teria o meu olhar também, eu fiquei até pensando que eu poderia até propor assim de fazer uma visita com os agentes.

Uma fala referiu-se, no entanto, a um fato inicialmente bastante comum: as

equipes se desresponsabilizarem pelos casos discutidos com o NASF.

[...] aí tem esse monte de coisas, mas o problema é que muitos jogam o paciente e presente pra gente, dão assim, não querem nem saber, passa e fala “então tá bom, agora ele é seu”. Isso aconteceu muito no começo, agora mudou muito e isso tem ajudado bastante e está muito melhor, mas no começo era assim.

Interessante observar o relato de uma profissional afirmando não haver uma

pactuação coletiva de um possível rol de critérios de encaminhamento dos casos a ela.

Ele permite observar que isso se dá caso a caso. Vejamos:

[...] na maioria das vezes, o primeiro contanto é sem o paciente para a equipe poder relatar e eu entender por que eles precisam de mim. Ou seja, o que é o caso e o que eu posso fazer, na maioria das vezes, tem uma conversa com os membros da equipe para traçarmos qual vai ser o plano, e alguma vezes já é com o paciente.

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Outro profissional considerou a possibilidade de, às vezes, poder dar um

novo direcionamento, “mudar o rumo da prosa”, como o aspecto mais importante de

apoiar matricialmente, ou seja, poder contribuir para ampliar o modo como o caso tem

sido conduzido pela equipe de saúde da familia. Citou algumas situações de

aproximação maior do campo da saúde mental com o da saúde da família, assim como

a discussão da desmedicalização em alguns casos.

[...] o mais importante desse apoio matricial que é se unir com a equipe pra discutir casos e saber qual o destino que vai se dar a esse caso e, às vezes, mudar o rumo da prosa, como o caso estava sendo levado. Eu tenho vários casos aqui, que a gente desfez o preconceito da equipe em relação à saúde mental do paciente. Casos que a equipe queria medicar, e que eu mostrei depois que esse paciente não tinha que ter medicação porque ele estava funcionalmente de um jeito correto.

Observamos que, pelo fato de a relação estabelecida entre os profissionais

do NASF e as equipes de saúde da família apoiadas ser muito variada, não fica bem

definido o rol de atribuições de cada membro. Ou seja, para aqueles profissionais que

pactuam com as equipes, não está claro como podem e devem apoiá-las. Entre

aqueles que possuem maior disponibilidade em realizar apoio matricial, o entendimento

de suas atribuições é maior se comparados àqueles que possuem menor vínculo com

as equipes de saúde da família, os quais acabam por expressar maior ansiedade e falta

de clareza dos limites de seu apoio.

Nesse sentido, a fala de uma profissional expressa que, apesar de seu

empenho em definir sua atribuição nas equipes, ainda é comum demandarem muitas

atividades a ela.

[...] Eu acho que, na verdade, a gente apoia em todas essas coisas, porque eles não têm domínio sobre aquela, essa profissão que é a minha que é a que eu faço, não tem domínio sobre isso, então eles me chamam para pedir uma ajuda, tipo: o que posso fazer com esse paciente? O que você acha? Você pode orientar alguma atividade que eles possam fazer em casa? Você pode ir até a casa deles para orientar o cuidador? Você pode fazer um grupo?

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Outra profissional verbalizou que, apesar de reconhecer que a equipe tenha

clareza sobre os limites de sua atribuição como médica do NASF, as equipes, em

função da excessiva demanda, deixam de executar algumas atividades importantes. No

entanto, apesar de se preocupar com isso, entende que não consegue assumir essa

responsabilidade para si, de modo isolado, por ausência de tempo, e questiona se deve

mesmo executar essas tarefas, dada a proposta do modelo de organização da saúde

da família.

[...] Eles têm clareza da minha atribuição, agora eu acho que tem muito mais coisa a ser feita... talvez porque as equipes estão sobrecarregadas. Eu acho que cada vez mais tem muita coisa para fazer, toda hora tem alguém batendo na minha porta pedindo receita, exames ou passando a demanda.

Vou falar da minha parte da pediatria, falta acompanhar mais o desenvolvimento infantil, que seria uma coisa que seria legal pra gente fazer com todas as equipes, as primeiras consultas do recém-nascido até 15 dias, pra cumprir todas as metas que são cobradas e porque são importantes. Mas falta tempo, porque eu também não posso dizer que vou atender, primeiro que esse não é a ideia da saúde da família eu atender todas as crianças que nasceram, outra que eu estou aqui uma vez na semana com três equipes e uma vez na semana lá. Não sei!

Como já mencionado, o NASF Maguinhos possui, em seu perfil de

composição, um profissional sanitarista com a atribuição especifica de apoiar as

equipes nas atividades de educação permanente. Para esse profissional, esta atividade

remete centralmente ao apoio à organização do processo de trabalho. No entanto,

avalia com dúvidas seu matriciamento, quando, por exemplo, tem que realizar uma

visita domiciliar conjunta, talvez por reconhecer não ser esta sua atribuição por se tratar

de uma ação diretamente assistencial e não de organização do processo de trabalho da

equipe. No entanto, é possível observar que esta atribuição de educador permanente

no NASF segue ainda em construção, conforme revelam as falas abaixo:

[...] eu fico problematizando muito como é que seria eu educadora permanente desenvolver todas essas atividades junto a essas equipes? Como é que seria eu apoiar, matriciar um enfermeiro junto com um agente fazendo uma visita

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domiciliar? Seria para ver o processo de trabalho do agente? Penso que seja diferente de um pediatra ir, o foco de atuação dele é diferente do meu, eu fico muito mais com a questão do processo de trabalho da equipe do que a resolução direta com o usuário.

Essa minha atuação no NASF ainda é muito confusa, ainda bem que você me entrevistou agora que eu comecei a tentar entender...

Em relação aos instrumentos utilizados pelo NASF quando da realização de

apoio às ESF, chamou a atenção o fato de nenhuma das falas ter conseguido

descrever, em detalhes, como as ferramentas são de fato utilizadas na prática, ainda

que a maioria mencione, como recursos utilizados, projeto terapêutico singular, visita

domiciliar, educação permanente e a própria interconsulta.

[... Há o apoio à elaboração do plano terapêutico singular junto com a equipe, assim como a visita domiciliar.

Para um entrevistado, a atividade de visita domiciliar não é considerada uma

prática, ainda que incorporada por alguns membros do NASF. Vejamos:

[...] Como é que seria uma equipe me chamando para fazer uma para uma necessidade dela? Teria o meu olhar também, eu até fiquei pensando que eu poderia propor sim de fazer uma visita com os agentes.

A fala abaixo reforça que a centralidade da prática, em termos de carga

horária de 20 horas, para uma profissional médica, é a interconsuta. Promover

discussões de casos, visitas domiciliares e processos de educação permanente seriam

portanto, atividades extras.

[...] Dedico-me no mínimo 10 horas, porque como são duas unidades, eu estou um dia em uma unidade e o outro dia em outra. É um turno pra cada uma e eu deixo o resto do tempo para capacitação, visita domiciliar ou o que mais for necessário, como discussão de caso com as equipes.

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71

Houve ainda uma única fala que avaliou o apoio matricial como atividade

semelhante à tutoria, relacionando-o a algo menor do que o apoio da técnica oferecido

pelo especialista quando demandado pela equipe de saúde da família. Houve, também,

um relato que considerou o apoio matricial semelhante aos recursos utilizados para o

apoio às ESF, como treinamento em serviço:

[...] Não faço tutoria em aula, porque não é meu foco, não tenho formação pra isso, eu não sou academicista.Eu ofereço um serviço técnico.

[...] Utilizo no meu apoio, discussões de caso e capacitações. Não sei se eu poderia chamar o que faço como treinamento em serviço.

Para a ESF:

De um modo geral, os entrevistados das equipes de saúde da família

consideraram a interconsulta como o principal referencial de apoio do NASF, ainda que

parte dos profissionais entenda que, quando ocorre o apoio matricial, este é mais

complexo por possibilitar a construção conjunta de projetos terapêuticos singulares.

Parece claro não haver uma pactuação coletiva sobre quais são os critérios de seleção

dos casos, assim como sobre a forma monitorá-los e quais as ferramentas facilitadoras

deste apoio.

Houve relato unânime a respeito da dificuldade das próprias equipes de

saúde da família em dar seguimento aos casos quando não instigadas pela equipe do

NASF a reavaliar os projetos terapêuticos propostos. Observamos também um relato

mais geral, no sentido de ser bastante variável, de acordo com o profissional envolvido,

o modo como ocorrem o apoio matricial, a consulta conjunta ou a interconsulta.

Uma entrevistada descreveu como relevante a atuação de um profissional da

saúde mental quanto ao seu modo de apoiá-la por meio de discussões de casos,

interconsulta e educação permanente. Sugeriu, inclusive, que a gestão apoie iniciativas

formativas semelhantes. Vejamos:

[...] há um profissional em especial que está sempre discutindo casos comigo, participando das interconsultas, capacitando-me sobre o uso dos psicotrópicos,

Page 94: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

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dos efeitos colaterais, principalmente agora que eu estou fazendo uma especialização em geriatria, polifarmácia que os idosos usam muito, ele discute isso muito comigo. Agora mesmo a gente esta conversando pra que ele possa efetivamente, ou até a própria gestão nos capacitar do ponto de vista de melhorar a atuação do NASF.

Em relação aos principais referenciais organizativos da prática do NASF,

uma profissional considerou importante propor processos de capacitação sobre a

dinâmica de funcionamento do NASF, tanto para os médicos de família quanto para os

matriciadores do NASF. Ela observou a ausência desta proposta, ressaltando que o

apoio é sempre pontual.

[...] Eu acho que é preciso capacitar tanto os profissionais, que somos nós médicos e os matriciadores. Acho que todo mundo vem aqui com os seus conhecimentos e fica tentando ajudar pontualmente. Eu desconheço os recursos que eles usam.

Em relação às semelhanças e diferenças entre apoio matricial, interconsulta

e consulta conjunta, algumas falas consideraram que, na teoria, esses conceitos são

distintos. Outras, no entanto, afirmaram desconhecer o que, de fato, seja apoio

matricial, embora tenham reconhecido que, de modo geral, realizam mais interconsulta

do que apoio matricial.

[...] Eu acho que a gente tem muito interconsulta. Eu acabei inclusive de experimentar só na semana passada o apoio matricial de um médico psiquiatra.

[...] Olha só eu sei que na teoria é diferente, mas eu não saberia definir pra você, mas certamente eu sei que é diferente, não vejo como a mesma coisa não .

[...] Assim eu até imagino o que seja apoio matricial, mas eu não sei a palavra correta para falar.

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73

Alguns entrevistados ainda consideraram muito variável a prática;

dependendo de cada profissional do NASF, podem ser assumidas posturas mais

coletivas ou individuais dentro de suas especialidades. O fragmento abaixo evidencia

essa percepção:

[...] depende do profissional porque um se posiciona mais como especialista para dar um apoio técnico e outros mais como uma questão mais coletiva, vamos dizer, não sei.

Para uma entrevistada, a interconsulta é a escuta de um caso por dois

profissionais, sendo que gera, em algumas situações, segundo seu entendimento, um

apoio técnico ótimo, que a “deixa feliz”; em outras, no entanto, não obtém o mesmo

resultado, por ter a expectativa de mais intervenções do profissional do NASF.

[...] A interconsulta na prática é como se tivesse dois profissionais escutando a mesma história e todo mundo esperando o que vai acontecer, acho que tem um pouco de falta de iniciativa. Não sei como explicar direito essa falta: assim, a gente tem alguns matriciadores, por exemplo, que para mim o apoio técnico é ótimo, eu sou feliz. Mas também tem outros que eu gostaria de muito mais coisas, muito mais abordagem e não me dão.

Para uma profissional, a interconsulta no NASF funciona como um parecer

de um especialista, algo que se encerra nisso. Abaixo sua fala:

[...] A interconsulta do NASF é como se eu precisasse de um parecer do outro profissional especialista. Ele vê o caso e ajuda-me na conduta, mas daí não vai além.

Outra entrevistada descreveu a interconsulta como aquela que ocorre no

espaço da consulta conjunta e o apoio matricial como aquele que se dá fora do espaço

da consulta, sem a presença do paciente.

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[...] O apoio matricial é quando eu tenho determinado caso e levo esse caso pra discutir com o profissional do NASF, não sendo durante as consultas, ou seja, sem o paciente.

Em relação aos critérios de encaminhamento, duas médicas deixaram claro

que este aspecto, todavia, não está plenamente pactuado com sua equipe, uma vez

que têm dúvidas sobre quando devem ou não encaminhar um caso à equipe do NASF.

Vejamos:

[...] Pessoalmente, os casos que eu direciono são casos de dúvida. Quando a enfermeira me passa os casos eu não sei se encaminho para o NASF ou se dentro da minha equipe a gente resolve.

[...] Nunca foi assim pactuado um critério com o NASF. Olha eu vou fazer isso, isso e isso, e você faz isso, isso e aquilo. Nunca ficou pactuado isso, que eu me lembre não.

Para outra profissional médica, o critério para encaminhar ao NASF é

quando os médicos não conseguem resolver o caso.

[...] Encaminhar é quando nós, médicos, não conseguimos dar conta do caso, daí a gente pede um help do NASF.

Uma enfermeira relatou que, em sua equipe, o critério de seleção de caso

para o NASF é decidido durante as consultas, de acordo com a queixa do paciente, o

que reforça a impressão de não haver um pacto coletivo de critérios de

encaminhamentos.

[...] O critério de encaminhamento para o NASF ocorre durante as consultas de acordo com a queixa do com a paciente, de acordo queixa a gente encaminha.

Page 97: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

75

Outra entrevistada relatou que sua única experiência a respeito de critérios

de seleção dos casos a serem apoiados pelo NASF ocorreu com a pediatra do NASF, a

qual orientou que todas as crianças com asma fossem encaminhadas a ela.

A ausência de reavaliação dos casos, apesar de a equipe conseguir dar

seguimento àqueles discutidos com a NASF, sobretudo dos não crônicos e

influenciados pelo contexto local de muita vulnerabilidade social, como a violência, foi

aspecto destacado por um entrevistado. Vejamos:

[...] Eu acho que a minha equipe consegue dar o seguimento, mas eu acho que, por exemplo, teria que ser pautada uma reavaliação para ver se está tudo ok, porque há casos que são mais ou menos crônicos, e não fica só numa avaliação e a gente dá o seguimento, mas eles ficam anos e anos. É uma doença mesmo coletiva de avaliação das famílias eu acho que assim, por causa da grande demanda desse meio de violência que eles sofrem, eu acho que fica muito difícil de darmos conta disso como médico somente.

Já outra profissional afirmou ser capaz de dar seguimento aos casos demodo

conjunto, em virtude do apoio aos projetos terapêuticos singulares que a equipe

consegue desenvolver com o NASF. Em sua avaliação, trata-se de um apoio muito

importante:

[...] Sim, sem dúvida, damos seguimentos aos casos discutidos com o NASF, tem vários casos na equipe que têm melhorado bastante e a gente tem feito até planos terapêuticos singulares e acompanhado os casos e eles têm melhorado, e, certamente, o NASF tem influenciado positivamente.

Para uma entrevistada, sua equipe possui muita dificuldade em dar

seguimento aos casos discutidos com a equipe do NASF, por não ele, NASF, não estar

presente nas reuniões para auxiliá-los com as avaliações.

Uma médica mencionou não ter observado ainda a utilização de um método

capaz de organizar o trabalho do NASF no que se refere ao apoio matricial; ela entende

Page 98: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

76

que os profissionais ofertam apoios pontuais em suas especialidades, mas não

identifica esse apoio como matriciamento.

[...] Eu acho que não há uma organização, um método de apoio matricial. O que eu estou falando é que parece que são profissionais com uma especialidade x e que estão aqui para questões pontuais. É isso aí eu não vejo o matriciador aqui dentro.

No entanto, outra médica relatou experiência positiva com um colega

psiquiatra do NASF, o qual propôs a elaboração de um projeto terapêutico conjunto

com a equipe dela. Essa corresponsabilização do médico a surpreendeu positivamente.

[...] O interessante do psiquiatra do NASF é que ele acabou puxando a discussão de um caso de uma família que a gente acompanha e ele se envolveu conosco e resolveu que não bastava interconsulta e quis entrar de outras formas também e foi interessante. Ou seja, ele que nos chamou e ajudou a pensar o projeto terapêutico singular e hoje está acompanhando conosco, se responsabilizou por muitas coisas. É uma surpresa positiva!

Uma enfermeira conseguiu descrever como ocorre o apoio matricial em sua

equipe: inicialmente relatam o caso ao profissional demandado do NASF e, na

sequência, é agendada a interconsulta, a fim de traçarem conjuntamente o plano

terapêutico.

[...] quando precisamos de um apoio matricial do NASF, levamos antes a ele o caso do paciente, depois marcamos a interconsulta de modo que quando o profissional chegue à consulta não precisamos ficar passando tudo na frente do nosso paciente. Então, o profissional do NASF quando entra na consulta já entra sabendo do caso, com isso é possível que durante a interconsulta já traçarmos um plano terapêutico em conjunto.

Uma profissional mais recententemente integrada à equipe relatou que,

apesar de ter recebido pouca orientação sobre a função do NASF, sabe que, na prática,

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77

quando identifica um paciente que requer o olhar de um especialista, deve agendar

para a interconsulta, para que passe a ser acompanhado pelo NASF.

[...] eu não tive muita orientação sobe o NASF quando eu entrei aqui, mas eu sei quando vemos a necessidade do paciente para um especialista, agendamos uma interconsulta com o profissional e daí esse profissional acompanha. Não tenho muita informação para falar sobre isso.

Aspecto ressaltado foi que o NASF deveria fazer-se mais presente entre as

equipes de saúde da família, a fim de acompanhar as questões cotidianas dos

processos de trabalho. A fala abaixo traz esta ponderação:

[...] Eu avalio como importante o NASF estar sempre junto com a equipe, para que saibam de todo o processo de trabalho da equipe.

Um entrevistado avaliou negativamente o fato de os profissionais do NASF

terem somente 20 horas semanais em cada unidade, o que, em sua opinião, dificulta o

atendimento a todas as demandas de sua equipe. Mencionou também que algumas

especialidades deveriam estar presentes na composição do NASF e, como exemplo,

citou a cardiologia.

[...] eu só queria que melhorasse um pouco a disponibilidade de carga horária dos profissionais do NASF, porque eles ficam muito pouco tempo aqui com a gente na atenção primária, são 20 horas, e tem algumas especialidades que eu acho que poderiam ser adicionadas ao NASF, por exemplo, no momento a gente está sem cardiologia, e cardio é uma demanda grandiosa e, às vezes, a gente tem umas dúvidas.

Ao contrário da maioria das pessoas entrevistadas, uma única profissional

referiu que o NASF sempre participa das reuniões de equipes, discutindo casos, com

vistas domiciliares a fim de reduzir o encaminhamento dos pacientes de Manguinhos

para outras instâncias.

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78

[...] Eu observo que o NASF está cada vez melhorando mais o seu processo de trabalho. Eles estão sempre se reunindo com as equipes, eles estão participando dos casos, participando das discussões, estão planejando outras atividades para melhorar o desenvolvimento da comunidade, porque a intenção é cada vez mais diminuir o número de encaminhamentos para outros lugares.

O registro das atividades do NASF, como já mencionado, é a interconsulta, e

realizado pelo sistema de registro eletrônico ALERT. Para parte dos profissionais, o

NASF não consegue monitorar os casos discutidos com a equipe de saúde da família.

[...] Nós não vemos muito o NASF acompanhando ou monitorando os casos discutidos conosco.

3.6.2 Categoria de Análise: Percepção da avaliação do NASF para si,

para a ESF apoiada e para a rede local de saúde.

Para a gestão:

De um modo geral, as falas dos gestores mencionam a existência do NASF

como algo muito positivo, aspecto reforçado pela redução do número de

encaminhamentos para especialistas da rede de ambulatórios tradicionais, dada à

observação no Sistema Nacional de Regulação-SISREG e também pela menor

rotatividade da equipe do NASF comparada à ESF. Chama a atenção o destaque dado

pelo grupo de gestores à atuação de um cardiologista do NASF, o qual obteve boa

inserção nas ESFs ao apoiar e reorientar as demandas cardiológicas para casos mais

complexos. Esse cardiologista, no entanto, não faz parte da equipe do NASF.

Ainda como ponto favorável, uma gestora enfatizou a importância de um

espaço coletivo da Coordenação de Área Programática- CAP 3.1 de gestão sobre o

NASF carioca como facilitador para refletir a organização do NASF para além das

diretrizes nacionais.

Como aspectos nos quais ainda é preciso avançar, ressaltou-se que as

iniciativas da academia da saúde e PSE deveriam estar mais integradas ao NASF e a

existência de ESF sem matriciamento, em decorrência da falta de acessibilidade de

Page 101: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

79

ambas as equipes. Houve ainda a avaliação de que, na Clínica Victor Valla, supõe-se

ser mais fácil a inserção dos profissionais do NASF, dado que o serviço já se originou

organizado pela ESF, diferentemente do CSEGSF, que se organiza, há muitos anos,

segundo um modelo híbrido de atenção básica.

Emergiu ainda a questão do monitoramento das atividades da equipe do

NASF, tais como o registro e a criação de alguns indicadores específicos, além do já

proposto pela SMS-RJ, o qual se refere ao número de interconsultas realizadas, pelo

fato de não serem a única atividade desenvolvida. E, por fim, foi ressaltada a

necessidade de inserção de outros profissionais no NASF Manguinhos, como

fisioterapeutas que realizassem acupuntura, maior número de psicólogos, com carga

horária de 40 horas, e assistentes sociais.

Para o NASF:

De maneira geral, todos se mostraram entusiasmados ao afirmar que o

NASF foi um ganho para a rede local de saúde por possibilitar maior oferta de

profissionais especialistas. Já quando questionados sobre como avaliam o apoio que

realizam para as ESF, alguns transmitiram positividade em relação ao modo como se

organizam, acreditando estarem “no caminho certo” e reconhecendo a superação de

alguns desafios no processo de implantação. Outros, no entanto, consideraram

necessárias importantes readequações no sentido de otimizar a avaliação da ESF em

relação ao apoio do NASF, por exemplo, presença de uma equipe que não demande

apoio, mesmo após mais de três anos de implantação do NASF; ressaltaram também

que o sucesso do trabalho do NASF está concentrado na necessidade de o próprio

profissional do NASF doar-se mais; ou, ainda, que o melhor indicador de êxito é a

mudança de marcações de baixa complexidade de consultas com especialistas

observadas no SISREG. Algumas falas evidenciam esses aspectos:

[...] Tenho dúvidas. Até porque tem pessoas que não procuram a gente, então não sei, têm equipes que nunca me chamaram pra nada e eu acho estranho porque têm outras que me dão uma demanda mega.

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[...] Comigo ainda não, eu tenho que me doar mais para o NASF, em relação a todo o trabalho em si.

[...] Eu acho que a equipe do NASF, fica muito longe de atender todas as expectativas dos profissionais da ESF, mas em alguma coisa ela tem se aproximado, até porque expectativas é uma coisa muito individual. Agora voltando à rede, eu vejo que, em alguns pontos, a gente consegue colaborar, por exemplo, dentro das especialidades, quando você tem um cardiologista que qualifica melhor os encaminhamentos pra rede de especialidade de cardiologia, a gente vê que aquela entrada pelo SISREG é muito mais aproveitada, e tem menos devolução e menos recusa de vagas com a mesma coisa a pediatria e a gineco, saúde mental.

[...] Eu acho que já avançamos muito, mas a verdade é que as equipes estão sobrecarregadas, eu acho que cada vez mais tem muita coisa para fazer, mas assim toda hora tem algum batendo na porta pedindo receita, exames, passando, tem a demanda, tem tudo, cada vez eles têm um número de atribuições maiores, seja o agente de saúde, seja o técnico, seja o enfermeiro, seja o médico de família, tem muita demanda.

[...] Não, eu acho que tem a desejar, eu acho que não saúde mental eles estão mais ou menos, mas nas outras especialidades não é dessa mesma forma, até porque o modo de pensar é diferente também, eu discuti muito com eles a questão do encaminhamento, quando eles me encaminhavam pacientes eu perguntava: vocês me encaminham pro pediatra os meninos que vocês atendem, vocês encaminham os cardiopatas pros cardiologistas que vocês atendem. Não porque a relação é mais medicona nesse sentido. Aí eu acho que falta um traquejo de entender que a saúde da família não é uma especialidade só medica, ela tem a medicina também, eu acho que a própria a equipe do NASF tem uma deficiência desse entendimento.

[...] Eu não saberia te falar, eu tenho que escutar os outros profissionais pra saber isso.

Somente uma pessoa recordou de um instrumento desenvolvido pela gestão

para avaliar a interação do NASF com as ESFs. No entanto, como esse instrumento

ainda estava sendo aplicado, não tivemos acesso a ele.

Houve também relato interessante de um profissional que reconheceu a

maior facilidade do NASF para atuar junto à Clínica Victor Valla, quando comparada ao

CSEGSF, por ser mais nova e com um perfil de médicos de família ainda residentes,

conforme o relato abaixo:

Page 103: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

81

[...] A Victor Valla é composta por equipes de estudantes de saúde da família, então eles estão mais afeitos às interferências externas, estão mais afeitos ao NASF, mais receptivos. O Sinval tem a questão de equipes que se contrapõe, por exemplo, eu quando fui psiquiatra de lá, recebi encaminhamentos e era o psiquiatra do NASF. É o psiquiatra do posto começou a me encaminhar pacientes, eu o chamei pra uma reunião e falei: cara, se alguém tem que encaminhar pacientes sou eu pra você, que sou é o psiquiatra e não você pra mim. Ele disse não esses pacientes são da saúde da família e não do posto. Ou seja, não há uma integração das unidades, então essa questão pra mim é, enquanto a saúde da família tiver essa dupla direção ela só complica.

Para a ESF:

As entrevistas com membros das ESFs revelaram, em sua maioria, suas

percepções a respeito do NASF como algo muito positivo enquanto retaguarda

clínica.

[...] Eu gosto de ter o NASF aqui, eu tenho a sensação de ter uma retaguarda clínica, de compartilhar dúvidas com outro profissional... é alguém que te tira do consultório, senão você fica no atendimento individual. Mas eu acho que pode avançar, mas eu gosto muito.

[...] Eu digo pra você que hoje a gente não consegue enxergar mais a clínica Victor Valla sem a equipe do NASF.

[...] pelo que eu ouço de outros colegas que foram trabalhar em outros lugares que nem têm NASF, certamente o trabalho deles é bem mais atravancado, digo assim, é um pouco “tucanado” mesmo o processo de trabalho nesses lugares sem o NASF, então aqui eu me sinto, digamos algo meio sortuda por estar num lugar de excelência e com excelentes profissionais ao redor, e com quem eu tenho chance de trocar experiências, vivências o tempo inteiro e sempre aprendendo.

Em se tratando da necessidade de avanços, ainda que a pesquisadora tenha

insistido, poucas pessoas conseguiram especificar o que, de fato, precisa ser

melhorado, com destaque para a importância de melhor organização da ESF para

receber o apoio do NASF. Outro relato identificou que a carga horária do NASF deveria

ser mais horizontal, ou seja, de 40 horas por semana. Houve ponderações no sentido

de que o NASF Manguinhos possa ser ampliado, com a inserção de profissionais do

Page 104: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

82

serviço social, cardiologia e nutrição. Um profissional médico detalhou o modo de

organização do NASF, como segue abaixo:

[...] muitas vezes, a gente não sabe onde eles estão, mas é porque são muitas salas, oito equipes e eles se diluem dentro dessas salas. E eu falo para o ACS: vê se tu acha onde está o fulano hoje e segura ele lá porque quando ele sair eu quero falar com ele. Acho que apesar de existir a agenda precisamos organizar esse fluxo de atendimento em algumas situações. Digo isso porque, às vezes, aparecem algumas situações que a gente precisa discutir, independente de interconsulta, poderíamos organizar um dia para fazer uma VD juntos, eu acho que eles poderiam discutir protocolos mais vezes, e sair assim da parte de assistência pura e passar a discutir dificuldades para, depois, nós da ESF caminharmos mais sozinhos.

3.7 Síntese dos resultados com base nos núcleos temáticos e categorias de análise

Para efeito didático, elaboramos, com base na análise dos resultados, um

quadro síntese com a finalidade de descrever, comparar as semelhanças, diferenças e

complementariedades entre os resultados obtidos por meio das entrevistas com

profissionais envolvidos na gestão, no NASF e na ESF.

Quadro 4: Síntese dos resultados com base nos núcleos temáticos e categorias

de análise.

PRIMEIRO NÚCLEO TEMÁTICO DE ANÁLISE: Implantação do NASF Manguinhos e

a gestão do trabalho

CATEGORIA DE ANÁLISE: Nasf, a que se destina?

(Gestão):

O NASF traz a possibilidade de apoio do especialista às ESF, com vistas ao aumento

da capacidade resolutiva da atenção básica, sob a ótica do cuidado integral.

É a retaguarda de especialistas por meio da interconsulta junto às ESF.

(NASF):

Possibilidade de apoiar as ESF na ampliação de conhecimentos em outras áreas.

Foram citadas palavras como “interagir”, “suprir deficiências”, “troca de conhecimento”,

Page 105: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

83

“potencializador”, “qualificar”, “dividir responsabilidade”, “pensar junto”, “apoio matricial”

e “interconsulta”.

(ESF):

Possui a função de apoiar a ESF por meio da interconsulta naquilo que não conseguem

resolver, gerando assim aumento da capacidade resolutiva da atenção básica.

É o encaminhamento facilitado ao especialista.

CATEGORIA DE ANÁLISE: Apoio da gestão para organização do NASF.

(Gestão):

Não ter experiência em NASF e apoio matricial não compôs um aspecto eliminatório no

processo seletivo para o NASF, mas conhecer a proposta de NASF, apoio matricial e

ter experiência em atenção básica foram aspectos eliminatórios.

O curso realizado em 2012 em “cogestão compartilhada do conhecimento da clínica

ampliada" foi a principal oferta para qualificação do NASF, gerando, na sequência, um

espaço coletivo da equipe.

Pelo fato de o NASF estar sob gestão da ENSP-Fiocruz, subentende-se que já está

dada boa parte da oferta formativa.

Houve maior consulta à equipe da clínica Victor Valla na época de escolha do perfil

profissional para composição do NASF.

Implantar o NASF para a coordenação-geral do TEIAS não gerou grande novidade para

o CSEGSF, uma vez que já havia proposta de interconsulta de especialistas para a

ESF. Além disso, o CSEGSF atua há mais de 40 anos na prestação de serviço de

atenção básica.

(NASF):

Foi exigido, na seleção de contratação, que realizassem apoio matricial para a ESF,

ainda que alguns selecionados não tivessem experiência no tema.

Quase todos afirmam não ter obtido oportunidades formativas, por parte da gestão e,

portanto, não conseguiam identificar com clareza o que é e como se dá atualmente a

oferta da gestão para a qualificação da organização de suas práticas, exceto um

entrevistado, que considerou a atual coordenação do NASF como o seu principal apoio.

Apenas 20%, ou seja, dois profissionais do NASF, reconheceram como relevante para

sua qualificação o mesmo curso referido pelos gestores em 2012, denominado

Page 106: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

84

“cogestão compartilhada do conhecimento da clínica ampliada” para o NASF.

A prática do NASF, para a maioria, está organizada na interconsulta, com destaque

para os profissionais da saúde mental que reconheceram o matriciamento como

principal arranjo organizativo.

(ESF):

À semelhança do relato da equipe do NASF, a maior parte das ESFs não identificou

auxílio da gestão para receber o apoio do NASF.

Apenas uma pessoa reconheceu que as ESF foram consultadas pela gestão para

sugerirem o perfil profissional de composição do NASF, mas, ainda assim, avaliou que

este movimento não foi suficientemente sistematizado para esclarecer a função de

cada especialista no NASF.

Também avaliaram, como os demais entrevistados, que o NASF se organiza

basicamente por meio da interconsulta.

SEGUNDO NÚCLEO TEMÁTICO DE ANÁLISE: O processo de trabalho do NASF e

sua relação com as equipes. Concepções teóricas, práticas dominantes da gestão,

NASF e ESF sobre apoio matricial.

CATEGORIA DE ANÁLISE: Referenciais organizativos para o apoio matricial: como

ocorre na prática?

(Gestão):

Os principais referenciais organizativos são o apoio matricial, proposto por Gastão

Wagner e Domitti, o caderno 27 sobre o NASF, proposto pelo MS, e o matriciamento da

saúde mental.

É atribuição do NASF a participação nas reuniões das ESF para discussões de casos,

elaboração de projetos terapêuticos singulares, apoio aos grupos de educação em

saúde e articulação da rede de referência, sendo esta última mais favorável à agenda

do NASF do que da ESF, que possui “agenda mais cheia”.

Há proposta de uma agenda do NASF de interconsulta com as ESF como primeira

estratégia de discussão de caso.

Na sua maioria, não identificam diferença entre apoio matricial e interconsulta.

Page 107: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

85

Apoio matricial é o suporte do especialista ao generalista, com corresponsabilidade

entre ambos. É o olhar ampliado com resolutividade, a proposta de plano terapêutico

singular e envolve a equipe.

Interconsulta é o atendimento conjunto com o usuário presente; é o plano de cuidado

que envolve apenas um profissional.

Discussão de caso é quando o usuário não está presente.

Toda prática do NASF é considerada pelo sistema de registro eletrônico como

interconsulta, o que, segundo a avaliação da gestão, é mais mensurável na prestação

de contas à SMS-RJ.

(NASF):

O NASF não se constitui como equipe, por seus membros não pactuarem coletivamente

o seu modo de atuar junto às ESF apoiadas.

Não identificam um único referencial, e sim três, a saber: o caderno 27, que trata sobre

a organização do MS, apoio matricial, proposto por Gastão Wagner, e a interconsulta.

Dois profissionais descreveram sua prática no NASF como estritamente técnica dentro

de suas especialidades. Em um discurso, é possível observar que realizar apoio

matricial seria atribuição de outras áreas de conhecimento, no caso da medicina de

família e da saúde pública. Aparentam desconhecer o que seja apoio matricial.

A maioria dos entrevistados não conseguiu descrever em detalhes a que, de fato, se

referem quanto à diferença, semelhança ou complementaridade de apoio matricial ou

interconsulta.

Da mesma forma como os demais entrevistados definem a interconsulta como aquela

que ocorre sem a presença do usuário e que não demanda “tanta conversa” como o

apoio matricial, entendem que ela faça parte do apoio matricial; para uma entrevistada,

seria uma consulta conjunta com o médico.

A consulta conjunta seria aquela que ocorre com o usuário.

Apoio matricial se daria muito no espaço da reunião de equipe, pela troca de saberes

entre o campo de conhecimento do especialista e o do generalista. É algo como dar um

novo direcionamento, “mudar o rumo da prosa”. Para um entrevistado, isso não seria

atribuição do NASF, por se tratar de tutoria acadêmica.

Os profissionais da saúde mental são os que melhor conseguiram detalhar sua prática

Page 108: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

86

entendida como matriciamento, considerando, como relevantes, a corresponsabilidade

da ESF com o caso discutido junto ao NASF e a realização de atendimento individual

em conjunto com a ESF ou somente após discussão do caso com ela.

É consenso que todos possuem plena disponibilidade para apoiar as ESF.

O critério de seleção dos casos se dá sempre por parte da ESF, no entanto, não ficou

claro até que ponto o NASF consegue construir um conjunto de sugestões desses

critérios, com exceção de algumas iniciativas muito individuais e de poucos

profissionais.

É consenso que as ESF conseguem dar seguimento aos casos discutidos com o NASF.

No entanto, uma única entrevista disse que, muitas vezes, a ESF não se responsabiliza

pelo caso.

Poucos profissionais percebem que suas atribuições estão suficientemente claras para

as ESF.

Identificam, mas pouco conseguem descrever os mecanismos usados no apoio às ESF,

tais como: projeto terapêutico singular, visita domiciliar, educação permanente, a

própria interconsulta e a visita domiciliar conjunta, ainda não totalmente incorporada ao

cotidiano.

Toda prática do NASF é considerada pelo sistema de registro eletrônico como

interconsulta.

(ESF):

Consideram a interconsulta o principal referencial de apoio do NASF.

Para parte dos profissionais, quando ocorre o apoio matricial, este é mais complexo por

possibilitar a construção conjunta de projetos terapêuticos singulares.

Ficou claro que não há uma pactuação coletiva de quais são os critérios de seleção dos

casos, assim como a forma de monitorá-los e quais as ferramentas facilitadoras deste

apoio. Algumas vezes, o critério de seleção de caso para o NASF é realizado durante

as consultas, de acordo com a queixa do paciente.

Ao contrário dos relatos do NASF, foi unânime a afirmação de existir muita dificuldade

das próprias equipes de saúde da família em dar seguimento aos casos quando não

são instigadas pela equipe do NASF a reavaliar os projetos terapêuticos propostos.

Uma fala reforçou ser muito variável o modo de apoiar as ESF, em função do perfil do

Page 109: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

87

profissional do NASF; destacou que alguns possuem posturas mais coletivas e outros

mais individuais.

Identificam que faltam mais iniciativas de educação permanente.

Reconhecem que, na teoria, os conceitos de interconsulta e apoio matricial são

distintos, mas não conseguem detalhar essa diferença na prática.

Afirmam desconhecer o que seja, de fato, apoio matricial.

Reconhecem que, de modo geral, realizam mais interconsulta do que apoio matricial.

A interconsulta seria aquela escuta de um caso realizada por dois profissionais. É

considerada apenas o parecer de um especialista, algo que se encerra nisso e ocorre

no espaço da consulta conjunta.

O apoio matricial ocorre fora do espaço da consulta, sem a presença do paciente.

Toda prática do NASF é considerada pelo sistema de registro eletrônico como

Interconsulta.

CATEGORIA DE ANÁLISE: Percepção de avaliação do NASF para o entrevistado,

para a ESF apoiada e para a rede local.

(Gestão):

A existência do NASF é muito positiva, reforçada pela diminuição de encaminhamentos

para especialistas da rede de ambulatórios tradicionais, dada à observação no

SISREG.

Há menor rotatividade da equipe do NASF comparada à ESF.

Avaliam que as iniciativas da academia da saúde e PSE deveriam ser mais integradas

ao NASF.

Avaliam que há ainda ESF sem matriciamento.

Consideram que na Clínica Victor Valla é mais fácil a inserção dos profissionais do

NASF, uma vez que o serviço já se originou organizado pela ESF, diferentemente do

CSEGSF, que se organiza há muitos anos segundo um modelo hibrido de atenção

básica.

Há críticas sobre o fato de a interconsulta ser a única forma de monitoramento da

produção do NASF.

Avaliam que o NASF poderia ter mais profissionais, como fisioterapeutas que

Page 110: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

88

realizassem acupuntura, psicólogos com carga horária de 40 horas, e outras

categorias, como assistente social.

(NASF):

Avaliam que o NASF foi um ganho para a rede local de saúde por possibilitar maior

oferta de profissionais especialistas.

Avaliam seu apoio à ESF como positivo, principalmente neste momento, por terem

conseguido superar os desafios iniciais de implantação.

Reconhecem como desafio a persistência de uma equipe que não demanda apoio,

mesmo decorridos mais de três anos de implantação do NASF; que o sucesso do

trabalho do NASF está concentrado na necessidade de o próprio profissional do NASF

doar-se mais.

Identificam que o melhor indicador de êxito é a mudança de marcações de baixa

complexidade de consultas com especialistas observadas no SISREG.

Avaliam, da mesma forma que no âmbito da gestão, que o apoio é melhor na Clínica

Victor Valla em relação ao CSEGSF.

(ESF):

É bastante positiva a percepção do NASF enquanto retaguarda clínica de especialistas.

Avaliam que ainda há carência de melhor organização da ESF para receber o apoio do

NASF.

Identificam que a carga horária do NASF deveria ser mais horizontal, ou seja, de 40

horas por semana.

Avaliam que o NASF poderia agregar em sua composição profissionais da cardiologia,

nutrição e assistência social.

Fonte: Quadro elaborado pela própria autora, com base na análise das entrevistas.

Page 111: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

89

4. DISCUSSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS

Acreditamos que esta pesquisa, realizada no âmbito de um estudo de

caso, possibilitou importantes reflexões acerca do modo de organização do NASF

com base em sua principal diretriz norteadora - o apoio matricial. Essas

considerações dizem respeito ao contexto do NASF Manguinhos e estão

fundamentadas em análise documental e entrevistas dos participantes.

Ao analisar o contexto do Teias-Escola Manguinhos onde está inserido

o NASF, tem-se, como primeira impressão, que o cenário é muito favorável à

prestação da atenção em saúde com boa qualidade, em virtude, principalmente,

das condições da instituição, que conta com recursos financeiros, mecanismos

legais instituídos de contratação e disponibilidade de pessoal, infraestrutura nova

e ou reformada, insumos e equipamentos. Acrescem-se a reconhecida

legitimidade histórica da Fiocruz inserida no território de Manguinhos, a boa

relação com a SMS do RJ, SES e MS e, também, um aspecto fundamental: o

intuito institucional de fazer do NASF e de todo o TEIAS um campo de

experimentações e difusão de práticas exitosas. Enfim, são variados os fatores

favoráveis quando comparados ao contexto de outros serviços presentes no

município do Rio de Janeiro.

No entanto, um dos principais argumentos da equipe, contrapondo-se a

este contexto favorável, relaciona-se justamente às características sociais do

território, as quais, conforme já mencionado, são complexas e muito evidentes. No

entanto, é perceptível que a presença de vasta oferta de pessoal, tanto para a

gestão quanto para a assistência, e a legitimidade política da instituição permitem

amenizar e enfrentar parte desses fatores; exemplo é o protagonismo da Fiocruz

frente à mobilização do Fórum de Manguinhos, de caráter intersetorial e com

vistas a melhorias do território. Decorre deste protagonismo a boa intervenção do

PAC e de toda a articulação governamental, que possibilitaram, na época,

estruturar um novo cenário de serviços públicos, inclusive na saúde, por meio da

constituição do NASF com base na disponibilidade, tanto física quanto financeira.

Page 112: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

90

Há de se observar que a relação com a SMS do RJ é relativamente

boa, considerando todos os limites que envolvem o cumprimento do contrato de

gestão estabelecido, de caráter gerencial, normativo e altamente programático.

Exemplo é o monitoramento da produção das metas do NASF por meio da

nomenclatura interconsulta e não apoio matricial, o que nos leva a compreender,

com base no que foi discutido nesta tese, as diferenças e complementariedades

desses dois conceitos; podemos também afirmar que a lógica gerencial instituída

estimula, por meio da obrigatoriedade do registro da produção da atividade de

interconsulta, que as equipes prestem este atendimento exatamente desta forma,

e não como apoio matricial. Observa-se, portanto, que o atual modelo de gestão

de metas para NASF restringe a compreensão e ação das equipes, o que

desperta algumas dúvidas: Será porque a atividade de apoio matricial pode, em

alguma medida, apresentar-se menos estruturada no sentido de ser menos

mensurável? Para nós, o apoio matricial é uma metodologia de trabalho que opera

por meio de várias ferramentas, incluindo a interconsulta, no entanto não somente

a ela restrito. Assim, acreditamos haver um importante equívoco na compreensão

da atual gestão, seja da SMS como do TEIAS, em contratualizar o cumprimento

de uma meta que impacta diretamente na interpretação distorcida e restrita do que

seria apoio matricial, fato evidenciado sobretudo nas entrevistas.

Em que pese o fato desta tese não ter se proposto a uma análise mais

profunda da gestão como um todo da iniciativa TEIAS, identificamos que ao

contrapor a vivência do campo, quando comparada ao objetivo do TEIAS, de ser o

motriz da integração do sistema local de saúde com base na ordenação sistêmica

e tendo a atenção básica como entrada preferencial do usuário, vimos que isto

não se faz presente no discurso dos trabalhadores e gestores. Logo, é possível

supor que o caminho para que ocorra também na prática exige maior empenho

técnico e político no tocante à capacidade de construção de governabilidade local,

para articular serviços que se instituíram historicamente de modo isolado e

independente, tais como a UPA e o próprio CSEGSF no que diz respeito aos

profissionais especialistas.

Page 113: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

91

Como já mencionado na apresentação dos resultados, as entrevistas

complementaram a produção do material empírico e tornaram instigante a análise

do discurso dos participantes, com base no referencial de apoio matricial sob a

perspectiva de quem apoia, é apoiado e do gestor. Foi possível também identificar

alguns marcadores de análise da função da gestão na implantação e

funcionamento do NASF e o modo como as relações se estabelecem no cotidiano

entre o NASF e a equipe de saúde da família. Assim, conseguimos estabelecer

uma análise dialógica com os objetivos desta pesquisa, identificando aspectos

comuns, mas também contraditórios, na singularidade de cada discurso, o que nos

levou a preservar a apresentação dos três grupos de participantes

separadamente.

Apreendemos que, de um modo geral, para os profissionais do NASF, a

Clínica Victor Valla é mais aberta a ser por eles apoiada quando comparada ao

CSEGSF. Cremos que isso decorre do modelo de gestão do TEIAS, que todavia

não conseguiu enfrentar os processos historicamente mais instituídos do

CSEGSF, conforme mencionamos nos resultados. Aspecto que nos chamou a

atenção foi que, ainda que o padrão de ambiência das duas unidades básicas seja

bom, não há espaço para os profissionais do NASF, o que gera desconforto aos

mesmos.

Quando questionados sobre a finalidade do NASF Manguinhos,

elegemos a questão central - a que se destina? na expectativa de que o apoio

matricial pudesse emergir nos discursos com base na perspectiva de

compartilhamento e ampliação da clínica; no entanto, somente os profissionais do

NASF afirmaram que um dos seus objetivos seria realizar o apoio matricial. Todos

os entrevistados foram unânimes em responder que a interconsulta é a finalidade

principal do NASF, destacando compreenderem se tratar também da retaguarda a

profissionais especialistas para supressão de deficiências ou ainda

encaminhamento facilitado. Para nós, esta fala evidencia a não apropriação da

finalidade do NASF, como proposto nos documentos do MS em que se prioriza o

apoio matricial como diretriz norteadora para melhor organização do processo de

trabalho. Observa-se, também, como a lógica gerencial, que exige o cumprimento

Page 114: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

92

da meta de interconsulta e não apoio matricial por meio do SISREG, imprime uma

espécie de efeitos em cadeia de modo que todos priorizam atividades de

interconsulta, restringindo assim sua finalidade - ter o apoio matricial como modo

de criar corresponsabilização para outras dimensões da atenção à saúde para

além de uma consulta ou prescrição do especialista sobre um determinado caso.

O modo como a gestão interfere na implantação e organização do

NASF foi outro aspecto respondido pelos entrevistados de forma mais semelhante.

Pelo fato da ampliação da atenção básica no município do Rio de Janeiro ser algo

ainda recente, é plenamente justificável que as contratações dos profissionais

para o NASF não tenham exigido experiências prévias com NASF. Ainda assim,

foi também muito louvável que no ato da contratação a gestão contratualizasse a

necessidade do profissional do NASF estar disponível para realizar apoio matricial.

Chama a atenção o fato de que as equipes de saúde da família não

foram suficientemente consultadas sobre o melhor perfil de composição do NASF,

tendo como princípio que essa definição deveria ocorrer após estudo específico

sobre as necessidades do território. No entanto, para nós, fica a questão de quem

melhor estaria ciente dessas necessidades se não as próprias equipes que se

organizam por base territorial? Outro aspecto foi que uma minoria dos

entrevistados recordou-se de um processo formativo, com duração de quase um

ano e direcionado para qualificação do NASF. Também questionamos se pelo fato

do NASF estar inserido na ENSP as ofertas formativas estão naturalmente

colocadas para a equipe. Sem dúvida, não se trata de um processo tão automático

como apresentado pela gestão, uma vez que o acesso aos cursos se dá por

processos seletivos públicos e há um conjunto de regras internas estabelecidas

para liberação dos trabalhadores para tal, de forma a não desassistir a população,

como ocorre em qualquer outro serviço. Nessa questão, o que avaliamos ser

positivo é a oportunidade de trabalhar num serviço vinculado a uma escola de

saúde pública, o que, em certa medida, impulsiona os trabalhadores a buscarem

maior qualificação.

Fica claro, portanto, que promover processos de educação permanente

isolados do apoio cotidiano da gestão não impacta suficientemente na qualificação

Page 115: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

93

do trabalho, sobretudo para um serviço novo como o NASF. Ou seja, acreditamos

que a educação permanente é uma ferramenta importante da gestão, mas que

não pode, em momento algum, substituir a função gestora, em virtude da

possibilidade de não potencializar a qualificação do processo de trabalho.

Quando abordamos os entrevistados sobre as semelhanças ou

diferenças entre os conceitos de inteconsulta e apoio matricial, hipotetizávamos

que o discurso corrente no município do Rio de Janeiro seria no sentido de

similarizar a interconsulta com apoio matricial, valorizando-a como prática

prioritária; daí nosso interesse em investigar do que, de fato, consistia tal

similaridade.

As respostas, apresentadas nos resultados, foram as mais diversas nos

três grupos de participantes; evidenciaram que, para a maioria, o discurso corrente

da prática é a interconsulta. Para os que identificaram diferença, a interconsulta foi

apresentada como consulta conjunta com a presença do usuário, caracterizada

como pontual e sem corresponsabilidade do especialista para com a equipe e

usuário, algo como uma segunda opinião formativa. Já para aqueles que

conseguiram descrever o que é o apoio matricial, identificaram-no como mais

dialogado com toda equipe, gerando corresponsabilidade por possibilitar a

construção de projetos terapêuticos conjuntos ou, como definiu um entrevistado,

“mudar o rumo da prosa”. Podemos então afirmar que, para nós, a equipe do

NASF Manguinhos ainda não tem muito claros o conceito e a prática instituída no

cotidiano de apoio matricial.

No entanto, identificamos, nos discursos dos gestores e do NASF, em

particular dos profissionais da saúde mental, que a compreensão sobre apoio

matricial é plenamente coerente, por considerar apoio como prática que utiliza

diversas ferramentas como: a própria interconsulta, educação permanente,

consulta e visita domiciliar conjuntas, projeto terapêutico singular, participação em

reunião de equipe, dentre outras. Em contraponto, os profissionais das equipes de

saúde da família evidenciaram menor apropriação na descrição de como ocorre a

prática do apoio matricial para além da interconsulta por não terem vivenciado, no

NASF, diferentes experiências de interconsultas. Este fato nos faz acreditar que

Page 116: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

94

talvez o NASF, apoiado pela gestão, devesse apresentar iniciativas mais

cogestoras, na construção conjunta com as equipes apoiadas, sobre a melhor

dinâmica do processo de trabalho, algo como fomentar maior presença nos

espaços de reuniões, visitas domiciliares, estratégias de educação permanente

por meio de discussões de casos que gerem implicações de ambos os lados.

Válido observar que as áreas de ginecologia, farmácia e educação

física foram as que mais evidenciaram desconhecimento para a qualificação do

NASF por meio do apoio matricial. Supomos que isto decorra, no caso da

ginecologia, de pertencer a uma área que se identifica, em grande medida, com o

apoio técnico exclusivo segundo a relação tradicional de especialistas e

generalistas. No caso dos educadores físicos, ficou evidente que são fortemente

influenciados pela dinâmica de outro programa, denominado Academia Carioca

(academia da saúde); o mesmo ocorre com os farmacêuticos, que permanecem

na dinâmica tradicional e rotineira de responsabilidade técnica pela farmácia. Em

todas essas situações, caracteriza-se a necessidade da gestão aproximá-los do

cotidiano do NASF.

Ao analisarmos o componente de avaliação que o NASF causa para os

profissionais entrevistados, para a equipe de saúde da família apoiada e para rede

local, constatamos que a avaliação dos participantes, assim como a nossa, é

muito positiva, em particular por ter contribuído para mudança do número de

marcações de baixa complexidade para consultas especializadas, perceptíveis

pelo SISREG. Também foi positiva a avaliação sobre a tendência do NASF se

constituir como equipe mais permanente, ou seja, com menor rotatividade de

profissionais quando comparado às equipes de saúde da família. Ponto favorável

observado foi a crítica apresentada pela equipe de gestão, a qual reconheceu que

identificar a prática realizada no NASF como interconsulta é algo bastante restrito,

semelhante ao que havíamos pontuado em outros momentos.

Como considerações finais, esta investigação permite concluir que o

NASF Manguinhos, inserido no contexto Teias-Escola, é uma importante iniciativa

governamental, com potencial para multiplicação de novas tecnologias no campo

Page 117: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

95

da atenção básica; no entanto, é necessário observar mais atentamente alguns

aspectos:

- O olhar sobre o processo de trabalho do NASF difere muito entre

quem faz a gestão, apoia e é apoiado;

- O contrato do varejo da organização do processo de trabalho do

NASF a partir do apoio matricial é quase inexistente;

- As equipes de saúde da família foram insuficientemente consultadas

na época da implantação do NASF sobre o melhor perfil profissional;

- As áreas de ginecologia, farmácia e educação física são as que

menos se integram à dinâmica do NASF;

- Os principais referenciais teóricos identificados são: interconsuta,

publicação do caderno 27 do MS, e apoio matricial, segundo Gastão Wagner;

- Os profissionais do NASF em sua maior parte tendem a ser

especialistas em suas áreas, mas não necessariamente especialistas em atenção

básica em saúde;

- Não há pactuação coletiva do conjunto de competências necessárias

de cada especialista para o NASF Manguinhos;

- Há uma distorção do conceito de apoio matricial, quando as diretrizes

do MS para o NASF, sugerem que a atenção em saúde deve ser compartilhada

com a ESF, o que se interpreta neste estudo de caso é o termo compartilhado não

permite que se realize consulta isolada pelo profissional do NASF e somente

conjunta com ao menos um membro da ESF;

- Os profissionais de saúde mental são os que descrevem com maior

propriedade a sua prática, mas também reinvidicam a interpretação diferenciada

entre apoio matricial e matriciamento;

- A interconsulta é a principal prática do NASF, citada pelos três grupos

de entrevistados;

- Interconsulta foi definida como aquela que realiza consulta conjunta

com o profissional de referência na presença do usuário, gerando pequena

corresponsabilização para elaboração e gestão dos PTS;

Page 118: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

96

- O apoio matricial, quando descrito, reconhece um conjunto de

ferramentas como visita domiciliar, educação permanente, projeto terapêutico

singular, discussão de caso e protocolos, dentre outros;

- O atual modelo vigente da SMS de monitorar a produção do NASF por

meio da realização de interconsulta gera aumento do número de interconsultas,

distorcendo a proposta do apoio matricial;

- Processos formativos de educação permanente não são suficientes

quando não acompanhados cotidianamente pela gestão;

- A Clínica Victor Valla é mais aberta ao apoio do NASF;

- O discurso dos entrevistados leva a supormos que o NASF tende a

ocupar o lugar de grande solucionador dos problemas, principalmente quando se

atribui a função de ter que aumentar a capacidade resolutiva da atenção básica;

- O NASF Manguinhos pouco se reconhece na função de regulador a

outros serviços da rede de atenção à saúde dentro de sua especialidade;

- O NASF possibilita menor rotatividade de profissionais que as equipes

de saúde da família;

- Os contratos de trabalho do NASF são em maior parte horizontais, ou

seja, 40h semanais, com exceção dos profissionais médicos que possuem

contratos mais verticais de 8 a 20 horas semanais, o que muitas vezes pouco

permite que estes participem das reuniões de equipes.

- Em relação ao espaço físico, as unidades estão ainda pouco

preparadas para acolher os profissionais do NASF;

- A gestão ainda não consegue estabelecer, de modo mais

indentificável ao NASF e à ESF, como se dá o seu apoio para a qualificação do

NASF;

- Se faz importante que haja um mecanismo de gestão estabelecido

para acompanhamento permanente do processo de implantação e implementação

do NASF;

- Numa avaliação de todos os participantes, o NASF Manguinhos é

considerado exitoso para a rede local por contribuir, por exemplo, para redução

das demandas de baixa complexidade da atenção especializada.

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Com base nos resultados e discussões apresentados sobre a

experiência do NASF Manguinhos, concluímos que organizar o NASF a partir do

apoio matricial é complexo, uma vez que remete a inúmeras práticas cogestoras,

que acentuam a sedimentação de novos conceitos e a reflexão permanente do

processo de trabalho instituído ao longo do processo de implantação e

implementação de um novo serviço. Deve-se, sobretudo, considerar os diferentes

olhares e perspectivas dos sujeitos implicados, neste caso: a gestão, o NASF e as

equipes de saúde da família.

Page 120: NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …

98

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5. REFERÊNCIAS

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Brasil. Ministério da Saúde. Diretrizes do NASF: Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Brasília: Ministério da Saúde, 2009. (Cadernos de Atenção Básica, n. 27).36. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria MS/GM nº 2.488 de 21 de Outubro de 2011: aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia de Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Brasília, 2011a. Brasil. Ministério da Saúde. GM Portaria interministerial nº 2.087, de 1º de setembro de 2011: institui o Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica. Brasília, 2011b. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 154, de 24 de janeiro de 2008, republicada em 04 de março de 2008: cria os Núcleos de Apoio à Saúde da Família. Brasília, 2008. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 4.279, de 30 de dezembro de 2010: estabelece diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União, 31 dez 2010. Acesso em 06 jun 2014. Disponível em: <http: //portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/portaria4279_docredes.pdf> Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 12.871 de 22 de outubro de 2013: institui o Programa Mais Médicos, altera as Leis nº 8.745, de 9 de dezembro de 1993, e nº 6.932, de 7 de julho de 1981, e dá outras providências. Brasília, 2013. Brasil. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria nº 2.814, de 29 de novembro de 2011: habilita municípios a receberem recursos referentes ao Programa de Requalificação de Unidades Básicas de Saúde (UBS) componente Reforma de Unidades Básicas de Saúde. Brasília, 2011c. Campos GWS. El filo de la navaja de la función filtro: reflexiones sobre lafunción clínica em el Sistema único de Salud em Brasil. Rev. Brasileira de Epidemiologia, v.8, n.4, p.477-483, 2005.

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Campos GWS. Equipes de referência e apoio especializado matricial: um ensaio sobre a reorganização do trabalho em saúde. Ciência & Saúde Coletiva, v.4, n.2, p.393-403, 1999. Campos GWS. O anti-Taylor: sobre a invenção de um método para co-governar instituições de saúde produzindo liberdade e compromisso. Cad. Saúde Pública, v.14, n.4, p.863-870, 1998. Campos GWS. Projeto Paideia de Saúde da Família SUS. Campinas,SP: Secretaria Municipal de Saúde de Campinas, 2001. Campos GWS. Saúde Paidéia. São Paulo: Hucitec; 2003. Campos GWS. Saúde Pública e Saúde Coletiva: campo e núcleo de saberes e práticas. Ciência & Saúde Coletiva, v.5, n.2, p.219-230, 2000. Campos GWS. Subjetividade e administração de pessoal: considerações sobre modos de gerenciar o trabalho em saúde. In: Merhy EE, Onocko R (Orgs). Agir em saúde: um desafio para o público. São Paulo: Hucitec, 1997. p. 197-228. Campos GWS. Um método para análise e co-gestão de coletivos. São Paulo: Hucitec; 2000. Campos GWS et. al. Práxis e Formação Paidéia-apoio e cogestão em saúde. São Paulo: Hucitec; 2013. Carvalho AI, Buss PM. Determinantes sociais na saúde, na doença e na intervenção. In: Giovanella L. Políticas e Sistema de Saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2008. Carvalho SR. Saúde Coletiva e Promoção à Saúde: uma reflexão sobre os temas do Sujeito e da mudança. 2002. Tese (Doutorado em Ciências Médicas) - Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas-SP, 2002. Coser Gutiérrez A. A co-produção da Política Estadual de Atenção Básica do Rio de Janeiro. 2008. Dissertação (Mestrado em Ciências Médicas) - Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas-SP, 2008. Coser Gutiérrez AC, Engstrom E, Campos GWS. Território Integrado de Atenção à Saúde: a experiência do TEIAS Escola Manguinhos como um novo modelo de atenção e gestão na garantia do direito a saúde. [S.l.]: Fiocruz; Ministério da Saúde, 2011. Deslandes SF. A construção do projeto de pesquisa. In: Minayo MCS (Org). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis,RJ: Vozes, 1994.

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Engstrom E, Fonseca Z, Leimann B (Orgs.). A experiência do Território Escola Manguinhos na Atenção Primária de Saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2012. Gérvas J, Fernandez MP. El fundamento científico de la función de filtro del médico general. Rev. Brasileira de Epidemiologia, v.8, n.2, p.205-218, 2005. Giovanella L. A atenção primária à saúde nos países da União Europeia: configurações e reformas organizacionais na década de 1990. Cad. Saúde Pública, v.22, n.5, p.951-961, 2006. Harzeim E et al. Manual do Instrumento de Avaliação da Atenção Primária à Saúde Primary Care Assessment Tool: PCATool-Brasil. Brasília: Ministério da Saúde; Secretaria de Atenção em Saúde; Departamento de Atenção Básica (MS/SAS/DAB), 2010. Minayo MCS (Org). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis,RJ: Vozes, 1994. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 8.ed. São Paulo: Hucitec, 2004. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 9.ed. revista e aprimorada. São Paulo: Hucitec, 2006. Passos E, Benevides B. Clínica e Biopolítica no contemporâneo. Rev Psicologia Clínica, v.16, n.1, p.71-79, 2001. Saraiva S, Zepeda J. Princípios do apoio matricial. In: Gusso G, Lopes JM (Orgs). Tratado de Medicina de Família e Comunidade. Porto Alegre: Artmed, 2012. Starfiel DB. Atenção Primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília: Ministério da Saúde, 2002. Stein E. Dialética e Hermenêutica, uma controvérsia sobre método em filosofia. In: Habermas J (Org). Dialética e Hermenêutica. Porto Alegre: L&PM; 1987. p. 98-134. Testa M. Pensar em salud. Buenos Aires: OPS/OMS, 1989. Tobar F, Yalour MR. Como fazer teses em Saúde Pública. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2002. Triviños ANS. Introdução a pesquisa em Ciências Sociais. São Paulo: Atlas, 1987.

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Vasconcelos CM. Paradoxos da mudança no SUS. 2005. Tese (Doutorado em Ciências Médicas) - Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas-SP, 2005. Yin RK. Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman, 1984.

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ANEXOS

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TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO-TCLE para entrevista

de análise do processo de trabalho dos profissionais de saúde

(Conforme a Resolução n º196, do Conselho Nacional de Saúde, de 10/10/1996)

Você está sendo convidado para participar da pesquisa “Núcleo de Apoio à Saúde da Família do Território-Escola Manguinhos: sob o filtro do dispositivo Apoio Matricial”, para obtenção do título de doutor, sob a orientação do Prof. Dr. Gastão Wagner de Souza Campos do Programa de Pós Graduação em Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas/SP. A sua participação não é obrigatória, mas, voluntária. A qualquer momento você pode desistir de participar e retirar seu consentimento. Sua recusa não trará nenhum prejuízo em sua relação com o pesquisador, com a coordenação de sua instituição; contudo, sua participação na pesquisa contribuirá para a produção de conhecimento sobre o trabalho em equipe nos serviços públicos de saúde e a qualidade do cuidado prestado.

O objetivo principal deste estudo é analisar a contribuição do dispositivo apoio matricial proposto por Campos (1998) aplicado ao processo organizativo do Núcleo de Apoio à Saúde da Família-NASF do Território-Escola Manguinhos sob a perspectiva de quem apoia, de quem é apoiado e de quem realiza a gestão da atenção básica.

Sua participação nesta pesquisa consistirá em responder a uma entrevista semiestruturada, com informações sobre o seu processo de trabalho junto a seu serviço de saúde. As entrevistas serão conduzidas pela pesquisadora e será utilizado um gravador de áudio a fim de que todas as informações fornecidas por você durante a entrevista possam ser recuperadas e analisadas posteriormente.

Não existem riscos relacionados à sua participação.

Os benefícios obtidos com os participantes desta pesquisa estão exclusivamente relacionados às possíveis contribuições de ensino-aprendizagem do campo das práticas de atenção e gestão em saúde coletiva com ênfase no processo de organização do NASF.

Não havendo, desse modo, custos aos participantes ou quaisquer recebimento em valores em dinheiro como compensação pela participação voluntária.

Para o processo de análise de dados será respeitado o critério de confidencialidade em que todas as informações obtidas nesta pesquisa serão confidenciais e asseguradas o sigilo sobre a sua participação a partir da dissociação dos nomes das respostas e durante o processo de decodificação e registro (Creswell, 2010), logo, os dados deste modo, não serão divulgados de

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forma a possibilitar a identificação dos participantes. Os resultados somente serão divulgados em apresentações ou publicações com fins científicos ou educativos. Os dados, após serem analisados, serão armazenados pela pesquisadora no prazo máximo de cinco anos, sendo, na sequência, inutilizados a fim de não correr o risco de serem disponibilizados a eventuais pesquisadores que possam utilizá-los inadequadamente.

Você receberá uma cópia deste termo onde consta o telefone e o endereço dos pesquisadores responsáveis, podendo esclarecer suas dúvidas sobre o projeto e sua participação, agora ou a qualquer momento.

Pesquisadora responsável: Adriana Coser Gutiérrez

Departamento de Saúde Coletiva-Faculdade de Ciências Médicas/Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP

Rua Tessália Vieira de Camargo, nº 126 Cidade Universitária "Zeferino Vaz" CEP: 13083-887, Campinas, SP

Contatos: (19) 3521-8036 (xxxxxxxx) xxxxxx@xxxxx

Orientador da pesquisa: Professor Dr. Gastão Wagner de Souza Campos

Departamento de Saúde Coletiva-Faculdade de Ciências Médicas/Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP

Rua Tessália Vieira de Camargo, nº 126 Cidade Universitária "Zeferino Vaz" CEP: 13083-887, Campinas, SP.

Contatos: (19) 3521-8036 xxxxxx@xxxxxx

Abaixo o contato do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp para caso seja necessário realizar alguma denúncia e ou reclamação referente aos aspectos éticos desta pesquisa.

Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp: Rua: Tessália Vieira de Camargo, 126 –Caixa Postal 6111 – CEP: 13083-887 – Campinas/ SP – Fone: (19) 3521 8936 [email protected]

Declaro que entendi os objetivos, condições, riscos e benefícios de minha participação na pesquisa e estou de acordo em participar.

Rio de Janeiro, ___de __________de 2013.

Nome do Sujeito da Pesquisa: _________________________________

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Assinatura: _______________________________________________

ROTEIROS DE ENTREVISTAS SEMIESTRUTURADAS DAS EQUIPES

DE GESTÃO, NASF e ESF

A) Gestão:

Nome:

Profissão:

Data de ingresso na gestão do TEIAS:

1) Para você, qual o papel do NASF?

2) Qual foi o critério de implantação do NASF?

3) Quais os referenciais que você considera relevantes para a organização

do processo de trabalho do NASF?

4) Como você acredita que deva ocorrer o apoio matricial?

5) Há diferenças entre apoio matricial e interconsulta?

6) Quais as ofertas da gestão para estruturação do NASF e de que modo

ocorrem?

7) Como você avalia o impacto do NASF no TEIAS?

B) Equipe NASF

Nome:

Profissão:

Data de ingresso no NASF:

1) Para você, qual o papel do NASF?

2) Quais os referenciais que você considera relevantes para a organização

do processo de trabalho do NASF?

3) Como você acredita que deva ocorrer o apoio matricial?

4) Há diferenças entre apoio matricial e interconsulta?

5) Como são selecionados os casos para o NASF?

6) Na sua avaliação, a ESF consegue dar seguimento aos casos?

7) Você acredita que o NASF corresponde às expectativas das ESFs?

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8) Como você avalia o impacto do NASF no TEIAS?

C) EQUIPE ESF

Nome:

Profissão:

Data de ingresso na ESF:

1) Para você, qual o papel do NASF?

2) Quais os referenciais que você considera relevantes para a organização

do processo de trabalho do NASF?

3) Como você acredita que deva ocorrer o apoio matricial?

4) Há diferenças entre apoio matricial e interconsulta?

5) Como são selecionados os casos para o NASF?

6) Na sua avaliação, o NASF consegue dar seguimento aos casos?

7) Você acredita que a ESF corresponde às expectativas do NASF?

8) Como você avalia o impacto do NASF no TEIAS?