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13 ÍNDICE Prefácio por Harvey Diamond 15 Introdução: Fugir da confusão 18 Capítulo 1: A dieta do homem da cavernas: estará a nossa saúde a ser bloqueada? 30 Capítulo 2: Leite: faz bem ao corpo? 48 Capítulo 3: Vaca sagrada: o que é a carne? 70 Capítulo 4: Brincar aos frangos: andamos a levar frangos na nossa saúde? 94 Capítulo 5: Peixe: há truques? 115 Capítulo 6: Porco: este porquinho foi ao mercado 144 Capítulo 7: Uma dieta à base de plantas: a saúde está no solo 160 Capítulo 8: A guerra às plantas: destruir o nosso recurso nutritivo mais precioso 184 Capítulo 9: A grande controvérsia das vitaminas: mil milhões de euros perdidos 201 Capítulo 10: Chega de peso: as dietas de emagrecimento 231 Capítulo 11: A polícia da comida e da nutrição: o que aconteceu à liberdade de escolha? 264 Capítulo 12: Somos todos milionários: invista sabiamente na saúde 278 Referências 293 Agradecimentos 318

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ÍNDICE

Prefácio por Harvey Diamond 15

Introdução: Fugir da confusão 18

Capítulo 1: A dieta do homem da cavernas: estará a nossa saúde a ser bloqueada? 30

Capítulo 2: Leite: faz bem ao corpo? 48

Capítulo 3: Vaca sagrada: o que é a carne? 70

Capítulo 4: Brincar aos frangos: andamos a levar frangos na nossa saúde? 94

Capítulo 5: Peixe: há truques? 115

Capítulo 6: Porco: este porquinho foi ao mercado 144

Capítulo 7: Uma dieta à base de plantas: a saúde está no solo 160

Capítulo 8: A guerra às plantas: destruir o nosso recurso nutritivo mais precioso 184

Capítulo 9: A grande controvérsia das vitaminas: mil milhões de euros perdidos 201

Capítulo 10: Chega de peso: as dietas de emagrecimento 231

Capítulo 11: A polícia da comida e da nutrição: o que aconteceu à liberdade de escolha? 264

Capítulo 12: Somos todos milionários: invista sabiamente na saúde 278

Referências 293

Agradecimentos 318

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PREFÁCIO

Imagine como se terão sentido as pessoas depois de Cristóvão Colombo ter provado que o mundo era redondo, e não plano. Provou que era

falso o que muita gente achava ser verdade. O Dr. David Friedman é um Cristóvão Colombo dos tempos modernos. Em Afinal... O Que Raio Devemos Comer?, analisa muitos dos factos considerados verdadeiros no âmbito da saúde e da nutrição e expõe as suas falácias. Vai um pouco mais longe e investe na educação do leitor, expondo alguns dos conflitos de interesses e rastos financeiros que estão muito frequentemente por detrás de inúmeras das atuais recomendações de saúde.

Quase três décadas depois de o meu livro Fit for Life ter sido publica‑do, a nossa indústria de comida industrializada continua a varrer infor‑mação importante, que pode salvar vidas, para debaixo do tapete. Ainda que seja o dinheiro dos consumidores — e os nossos impostos — que lhes permite manter os negócios, a Big Pharma, a Big Agra e a Big Dairy não têm em conta os nossos melhores interesses. Na década de 1980, a indústria alimentar promovia óleo vegetal parcialmente hidrogenado (mais conhecido como gorduras trans) como uma alternativa saudável às gorduras saturadas. Fui ridicularizado quando tentei alertar as pes‑soas para os perigos de ingerir este alimento aditivo e artificial. Hoje, a pesquisa científica mostra que ingerir apenas dois gramas por dia de gordura saturada, que podemos encontrar num donut, aumenta o risco de doenças cardíacas em 23%! Fui muito criticado quando me insurgi contra a indústria dos laticínios em Fit for Life e mostrei os efeitos preju‑diciais à saúde que beber leite pode causar, especialmente nas crianças! Três décadas depois, os perigos do leite, principalmente devido às hor‑monas e aos antibióticos que contém, são senso comum. Ainda assim, a indústria dos laticínios continua a divulgar campanhas de publicidade massivas para nos enganar e nos fazer acreditar que o leite contribui para termos ossos mais fortes, quando estudos científicos nos demonstram o contrário. Em Afinal... O Que Raio Devemos Comer?, o Dr. Friedman revela a parceria indústria/governo, pouco conhecida, mas bastante lu‑crativa, que começou há quase um século.

Não podemos negá‑lo: há doenças que resultam de más escolhas alimentares. Os defensores da saúde que gritam mais alto são aqueles que conseguem fazer a diferença na vida de milhões de consumidores inocentes. Em Afinal... O Que Raio Devemos Comer?, o Dr. Friedman usa

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AFINAL... O QUE RAIO DEVEMOS COMER?

o seu megafone e grita de cima de uma montanha. A sua mensagem é clara: «Aja e controle a sua saúde!» Aquilo de que mais gostei neste livro foi a forma como o Dr. Friedman veiculou informação imparcial e ob‑jetiva que irá ajudar as pessoas a tomar decisões. Não segue o caminho «É a minha via ou a via rápida» que tantos autores seguem. Salienta a forma como muitos estudos científicos não são, frequentemente, objeti‑vos — financiados pelas mesmas corporações que querem, simplesmen‑te, maximizar lucros. É triste, mas as opiniões, a informação científica e a legislação podem ser compradas pelo preço certo. O Dr. Friedman mostra‑lhe como seguir o rasto financeiro por trás da ciência e decidir por si o que é ou não é verdade.

Inicialmente, Fit for Life foi rejeitado por diversas editoras. Muitas disseram‑me que o livro não tinha informação que interessasse ao lei‑tor. Disseram‑me que as minhas «teorias peculiares» sobre como comer eram bizarras. Porém, a crença na minha mensagem e a minha perseve‑rança inquebrável foram recompensadas quando a Warner Books com‑preendeu o potencial do livro. Com 14 milhões de cópias comercializa‑das, Fit for Life continua a ser um dos livros sobre saúde mais vendidos de sempre! Esteve no primeiro lugar da lista de bestsellers do New York Times durante 14 semanas consecutivas, um número sem antecedentes. Ganhou uma posição cobiçada no Top dos 25 Livros Mais Vendidos na História Editorial, juntamente com E Tudo O Vento Levou e a Bíblia. Mudarmos aquilo que comemos irá (não se trata somente de uma pos‑sibilidade) curar ou prevenir doenças. Além de ensinar como fazer as melhores escolhas alimentares, Afinal... O Que Raio Devemos Comer? faz um trabalho magnífico ao expor as substâncias químicas perigosas usadas para processar, colorir, preservar e tornar mais tenros os alimen‑tos. Não encontrará muitos destes ingredientes listados num rótulo, nem no menu de um restaurante. Contudo, graças a Afinal... O Que Raio Devemos Comer?, poderá reconhecê‑los e proteger‑se deles.

Quando a primeira edição de Fit for Life foi publicada, em 1985, a obesidade não era a epidemia que é hoje. Atualmente, 70% da população tem peso a mais, e a obesidade tornou‑se o maior problema de saúde da História! Porque é que os EUA são o país desenvolvido com mais obesidade do mundo? Temos acesso a milhares de livros de dietas, pro‑gramas de perda de peso, comprimidos e batidos dietéticos; os nossos supermercados estão repletos de alimentos sem açúcar, sem gordura e pouco calóricos. O Dr. Friedman chega ao cerne da questão: indepen‑dentemente do tipo de dieta que sigamos, ainda que percamos peso ini‑cialmente, as hipóteses de reganharmos o peso que perdemos, nos 6 a 12

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PREFÁCIO

meses seguintes, são grandes, podendo até estar mais pesados e menos saudáveis do que antes. A chave para a perda de peso permanente é ado‑tar um estilo de vida saudável, e não um produto ou uma dieta que esteja na moda. Afinal... O Que Raio Devemos Comer? dá‑lhe a informação de que precisa para conseguir uma perda de peso permanente, aumentar a sua longevidade e ser saudável.

Fui um dos primeiros defensores da saúde a encorajar as pesso‑as a cortarem, pelo menos, as carnes vermelhas da sua alimentação. Perguntam‑me muito: «Se os seres humanos não foram programados para comer carne vermelha, porque é que os nossos antepassados da Idade da Pedra a comiam tanto?» O Dr. Friedman faz um trabalho ad‑mirável a revelar provas forenses de que os homens das cavernas tinham uma alimentação muito variada que raramente incluía carne vermelha.

À medida que seguimos o nosso caminho nesta coisa chamada vida, temos, por vezes, a bênção de nos cruzarmos com aqueles cuja inte‑gridade e desejo de fazerem o bem no mundo é excedida apenas pela sua preocupação com o bem‑estar dos outros. Que excelente pessoa é o Dr. Friedman, uma personificação suprema destes ideais. Antes de o Dr. Friedman ter começado a escrever este livro, pediu‑me, como ami‑go, que eu partilhasse o segredo de como criar um bestseller nacional. Disse‑lhe: «Sê tu mesmo, partilha a tua paixão e, mais importante, fala para os teus leitores. Se partilhares o teu conhecimento a um nível que toda a gente possa acompanhar, vão aceitar o que dizes.» Estou muito feliz por poder dizer que ele seguiu o meu conselho! Afinal... O Que Raio Devemos Comer? transmite informação importantíssima de uma forma fácil de seguir, com diversas histórias fantásticas adquiridas através da vasta experiência do autor com inúmeros pacientes. Honra‑me escrever o prefácio de um livro destinado a melhorar a vida de milhões de pes‑soas. Algumas partes do que lerá aqui poderão deixá‑lo zangado, outras poderão fazê‑lo rir, mas todos os capítulos irão deixá‑lo informado e inspirá‑lo. Irá entender que não podemos confiar no nosso sistema de saúde ou em medicamentos prescritos. Temos de assumir o comando, reganhar o controlo e reclamar a nossa saúde!

— Harvey Diamond, autor do bestseller #1 do New York Times, Fit for Life

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INTRODUÇÃO

FUGIR DA CONFUSÃO

«És aquilo que comes», disse‑me a minha mãe, a apontar‑me o dedo, enquanto me via trincar bolachas açucaradas. Corri para a casa

de banho e vi‑me ao espelho. Não me tinha tornado ainda uma bolacha, mas decidi pôr a afirmação à prova. Como era baixo para a minha idade, pedi à minha mãe que me comprasse vegetais da Green Giant, esperan‑do que me fizessem crescer. Infelizmente, nunca me tornei um gigante, mas aprendi, desde cedo, que as nossas escolhas alimentares determi‑nam aquilo em que nos tornamos. Acabaria por partilhar esta mensa‑gem com milhões de pessoas enquanto locutor de rádio e especialista na área da saúde, semanalmente, na Lifetime Television. Durante mais de 15 anos, tive o privilégio de entrevistar centenas de advogados, cientis‑tas, médicos e autores de bestsellers do New York Times mundialmente reconhecidos. O meu objetivo sempre foi partilhar informação e conse‑lhos inovadores que pudessem ajudar a minha audiência a ser saudável. Infelizmente, isto não aconteceu. Em vez disso, todos os convidados que entrevistei acabaram por deixar a minha audiência (e a mim) ainda mais confusa. Cada especialista partilhava opiniões, pesquisa e conselhos de saúde completamente diferentes dos do convidado anterior.

Numa entrevista a Robb Wolf, autor do The Paleo Solution, bestseller do New York Times, este afirmou que, se as pessoas quiserem uma vida longa e saudável, têm de comer carne como os nossos antepassados das ca‑vernas. «Vamos com calma», disse o Dr. Neal Barnard, autor de bestsellers e vegano, que defendia que, para sermos saudáveis, não devemos «comer nada que tenha uma cara» e temos de seguir uma dieta alimentar à base de plantas. Certo, isso é fácil de entender. Depois entrevistei o cardiolo‑gista Dr. William Davis (autor de Wheat Belly), que disse aos meus ou‑vintes que comer cereais não era boa ideia. Na verdade, disse que evitar os cereais era a melhor coisa a fazer para prevenir e fazer regredir doen‑ças como alergias, cataratas, diabetes, obesidade, doenças cardíacas, ar‑trite, etc. Durante décadas, acreditámos que os cereais integrais nos faziam bem. A informação convincente que o livro do Dr. Davis apresenta mostra que evitar os cereais é o melhor que podemos fazer para combater doenças e atingir a saúde ideal. Bem, mas já não é bem assim, de acordo com JJ

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INTRODUÇÃO

Virgin, autora do bestseller do New York Times, The Sugar Impact Diet, que acredita que o açúcar é a raiz de todos os males. Na realidade, parti‑lhou informação detalhada sobre como o açúcar provoca inflamação, o maior catalisador de doenças. Pois bem, recapitulemos: coma carne; não coma carne; evite o açúcar; tenha uma alimentação baseada em plantas, incluindo cereais. Pensando melhor, talvez deva esquecer os cereais. Mas espere! Há ainda outro item a adicionar à lista de «Coisas a Não Comer»: o sal!

Já todos ouvimos falar sobre os perigos de demasiado sal na alimen‑tação. Na realidade, se tivermos hipertensão arterial, a primeira coisa que o médico nos irá receitar será uma dieta hipossódica. Além disso, o sal está igualmente ligado à obesidade e a doenças cardiovasculares. De acordo com Morton Satin, vice‑presidente de ciência e investigação no Salt Institute, isto não é verdade. Chocou a minha audiência de rá‑dio quando afirmou que precisamos de mais sal na nossa alimentação para prevenir doenças cardíacas! Apoiou esta afirmação em estudos científicos credíveis. De acordo com estudos da Faculdade de Medicina Albert Einstein, os doentes cardíacos que tiveram uma dieta hipossódi‑ca tiveram uma maior incidência de doenças cardíacas. Noutro estudo, o Journal of the American Medical Association publicou resultados que mostraram que pessoas com baixo consumo de sal tiveram a maior taxa de mortalidade derivada de doenças cardíacas. Então: comer menos sal aumenta o risco de doenças cardiovasculares! Mas não é tudo. Também há estudos que mostram que a redução de sódio aumenta o risco de morte, o que vai contra tudo o que os médicos têm andado a dizer aos pacientes há décadas!

No que toca à alimentação, outra coisa que parece confundir‑nos é a manteiga. No final dos anos 1970, foi dito aos consumidores que pa‑rassem de usar manteiga e começassem a usar margarina, porque os es‑tudos científicos haviam demonstrado que esta era a melhor alternativa. Uma década mais tarde, os investigadores descobriram que a margarina continha óleos parcialmente hidrogenados (gorduras trans), muito mais prejudiciais do que a gordura saturada da manteiga. Por isso, voltámos a comer manteiga. Em 1990, a manteiga estava outra vez a ser vista como o tipo de gordura mais perigoso, já que aumentava os níveis de colesterol, mais do que os óleos vegetais. Voltámos a comer margarina, considerada uma opção mais saudável do que o azeite e o óleo de colza. Já em 2010, um novo estudo mostrou que a manteiga era saudável e que não havia provas que ligassem as gorduras saturadas nela encontradas às doenças cardíacas. Mas espere! Um ano mais tarde, os cientistas descobriram

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AFINAL... O QUE RAIO DEVEMOS COMER?

falhas neste estudo e avisaram‑nos de que, afinal, o consumo de mantei‑ga poderia estar ligado a doenças cardíacas. Em 2014, novas investiga‑ções revelaram que a manteiga é saudável. Tive, inclusivamente, no meu programa Dave Asprey, autor de Bulletproof Diet, bestseller do New York Times, que partilhou com os meus ouvintes que pôr manteiga no café todos os dias pode ajudar a ser saudável e a perder peso!1

Toda esta flutuação leva‑me de volta ao banco de trás do carro da minha avó. «Vira à esquerda no semáforo. Sim, tenho a certeza. Espera. Não, vira à direita. Sim, à direita. Agora tenho a certeza.» Se ouvíssemos os conselhos de todos estes especialistas, não teríamos nada que comer!

Apesar das diferenças de opinião, todos parecem concordar que aquilo que consumimos terá um impacto na nossa saúde. Infelizmente, até para os que se preocupam com a saúde, as melhores opções alimen‑tares não são fáceis de encontrar. Nos nossos alimentos, estão escondi‑dos aglutinantes, conservantes, pesticidas, hormonas, corantes artificiais e químicos. Então, se somos o que comemos, somos artificiais! Até o solo em que os nossos vegetais orgânicos crescem foi despojado dos seus minerais vitais. Não admira que a «terra das oportunidades» se tenha tornado a terra dos doentes, obesos e moribundos.

Durante os meus 12 anos de universidade e de educação contínua, aprendi com os melhores professores e apliquei esse conhecimento na minha prática profissional. Infelizmente, vim a descobrir mais tarde que muito daquilo que aprendi com os chamados especialistas estava errado. Na minha opinião, além de todas as opiniões contraditórias, há outros dois culpados pela falta de informação: os livros e a investigação tenden‑ciosa.

Livros

É estranho afirmar que os livros poderão ser parte do problema, conside‑rando que são a nossa principal fonte de conhecimento. Contudo, é impor‑tante notar que, no dia em que um livro didático universitário é publicado, 20% do material que inclui é já considerado obsoleto. Parece‑lhe pouco? Imagine que faltavam as últimas 70 páginas de Os Jogos da Fome.

Em 2003, John Hubisz, professor de Física, verificou o rigor da in‑formação apresentada em dezenas de manuais escolares de Ciências.2 Hubisz e a sua equipa descobriram uma quantidade alarmante de in‑formação inconsistente ou incorreta — até as soluções nas edições para professores estavam cheias de erros. O seu trabalho chamou a atenção

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INTRODUÇÃO

dos média porque mostrou que as nossas crianças estão a receber in‑formação incorreta. Pouco mudou desde aí. Os manuais universitários também estão repletos de imprecisões. Os ministérios de educação norte‑americanos não têm como receber reclamações sobre impreci‑sões, nem como conduzir revisões de reclamações públicas, nem exi‑gem que as editoras corrijam a informação incorreta dos milhões de livros em circulação. Muitas editoras já não têm capital americano, o que faz com que seja ainda mais difícil autorizar a informação que fa‑zem circular.

Tendemos a pôr médicos, cientistas, autores e professores num pe‑destal, ainda que muitos deles tenham sido ensinados através de livros que contêm informação ultrapassada. Gray’s Anatomy, um dos mais res‑peitados livros estudados pelos médicos, está na sua 41.ª edição. Isto sig‑nifica que os médicos que aprenderam a partir das primeiras 40 recebe‑ram informação antiquada para os padrões atuais. Num mundo sempre em mudança, muito daquilo que hoje consideramos como factos será a ficção de amanhã.

Investigação tendenciosa

Muitas descobertas chegam‑nos através de investigações que contradi‑zem, frequentemente, a informação aceite e padrão ensinada nos livros de estudo, o que a torna mediática. Mas será de confiança? Muita da investigação científica não é objetiva. Na realidade, muitos cientistas são apoiados — entenda‑se, financiados — por grupos de interesses, como a Big Pharma ou a Big Agra. Não é de surpreender, então, que o seu traba‑lho seja frequentemente tendencioso a favor da empresa que o paga. Por isso, se um estudo científico financiado por uma associação de laticínios provar que o leite é saudável, devemos confiar nele? Talvez não. Contu‑do, como os incentivos financeiros não são de conhecimento do público geral, como poderíamos suspeitar de que as conclusões dos estudos não são sólidas? Infelizmente, muitos dos investigadores universitários, mé‑dicos e outros cientistas mais importantes do mundo têm um conflito de interesses pouco conhecido… o dinheiro.

Os cientistas recebem muito dinheiro de organizações para lhes assegurarem resultados favoráveis. Estes grupos de interesse têm o po‑der daquilo a que gosto de chamar massapulação! Não é pernicioso que as universidades requeiram fundos para conduzirem as suas in‑vestigações. Afinal, ninguém trabalha de graça. É quem está por trás

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AFINAL... O QUE RAIO DEVEMOS COMER?

do dinheiro que pode ser um problema. Este financiamento vem, fre‑quentemente, de fontes como os Institutos Nacionais de Saúde, a Big Pharma, a Big Agra e diversos partidos políticos. Demasiadas vezes, os cientistas são contratados por estas organizações para criarem núme‑ros que aprovam o produto do financiador ou desaprovam o da con‑corrência.

A revista PLOS Medicine fez um estudo interessante sobre a correla‑ção entre a fonte de financiamento e a conclusão do investigador. Foram analisados 206 estudos científicos sobre nutrição e constatou‑se a rela‑ção entre as conclusões e o grupo que conduzia a investigação. O resul‑tado deste estudo foi surpreendente! Quando um grupo de investigação tinha um interesse oculto no resultado, os resultados eram entre quatro a oito vezes mais favoráveis do que quando o grupo era um terceiro in‑dependente.3 Como diz o ditado: «Quem paga ao tocador é que lhe diz a música a tocar.» Um dos meus objetivos ao escrever este livro é ajudar o leitor a decifrar toda a informação com que está a ser bombardeado, para que possa fazer escolhas informadas.

Com toda a confusão sobre o que devemos ou não comer, pode‑mos, pelo menos, virar‑nos para os suplementos dietéticos para preen‑cher o vazio. Na universidade, tive de aprender a dose diária recomen‑dada (DDR) de todas as vitaminas e minerais publicada pelo Instituto de Medicina. Vivi sob essas recomendações. De 1973 a 1980, a DDR de cálcio era de 1000 miligramas por dia para pessoas entre os 4 anos e a idade adulta, pelo que eu consumia essa quantidade exata. Depois, nos anos 1980, a DDR de cálcio passou para 1200 miligramas, e eu au‑mentei o meu consumo de cálcio. Em 1994, a investigação mostrou que 1200 miligramas não era suficiente para chegar ao ótimo da massa ós‑sea. O Instituto Nacional de Saúde aumentou essa recomendação para 1500 miligramas por dia,4 e eu aumentei, igualmente, a dose de cálcio no meu regime diário. Depois, em 2008, a revista Cancer Epidemiology Biomarkers & Prevention descobriu que os homens com altos níveis de cálcio no sangue têm uma maior probabilidade de morrer de cancro da próstata.5 Espere lá! Eu estava a ingerir níveis elevados de cálcio! Dois anos mais tarde, o British Medical Journal publicou um estudo exaustivo que demonstrava que os suplementos de cálcio aumentam o risco de ataques cardíacos em 30%.6 Isto não era o que eu aprendera nos livros que estudara na universidade! O suplemento que estava a tomar para fortalecer os ossos aumentava o risco de ter um ataque cardíaco e de morrer de cancro da próstata. Não, obrigado. Nunca mais tomei suple‑mentos de cálcio.

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INTRODUÇÃO

Andava, contudo, a fazer algo correto. Estava a tomar vitamina E. A investigação médica mostra que a suplementação diária de vitamina E, entre 400 e 800 unidades internacionais (UI), reduz o risco de doença cardiovascular, o que era uma excelente notícia, já que eu estava a tomar 800 UI por dia. (Talvez tenha sido isso o que me salvou de ter um ata‑que cardíaco por causa de todo cálcio que estava a tomar.) É, então, que se dá a viragem. Em 2005, uma investigação surpreendente feita pela Universidade Johns Hopkins, publicada nos Annals of Internal Medicine, provava que a suplementação de vitamina E aumenta o risco de morrer de todas as causas!7 Ãh?! Ensinaram‑me que a vitamina E iria manter o meu coração saudável e aumentar a minha longevidade, e agora ia ma‑tar‑me?! A investigação mostrou que os perigos da vitamina E começam com 400 UI, a dose de muitos dos suplementos vitamínicos do mercado.

A seguir: a vitamina D. A investigação mostrou que a falta desta vita‑mina pode levar a raquitismo, cancro, doenças cardíacas, depressão, au‑mento de peso e muitos outros problemas. O Conselho de Vitamina D, um grupo de cientistas que promove a consciencialização sobre a deficiência de vitamina D, sugere que esta é útil, ainda, no tratamento e na prevenção de autismo, doenças autoimunes, dor crónica, depressão, diabetes, hiper‑tensão arterial, gripe, doenças neuromusculares e osteoporose.8 O Instituto de Medicina recomenda que os adultos tomem 800 UI de vitamina D dia‑riamente. Portanto, foi o que fiz. Porém, houve, claro, um grande D‑ilema! Os investigadores começaram a dizer que demasiada vitamina D aumenta o risco de cancro. Em 2006, a investigação sobre o cancro publicou resul‑tados de estudos feitos por cientistas do Instituto Nacional do Cancro em Rockville, Maryland, que indicavam que a alta concentração de vitamina D no sangue está associada a um aumento de 300% do risco de cancro no pâncreas.9 Vejamos: por um lado, a vitamina D protege‑nos do cancro; por outro, causa‑o. No mesmo ano, o New England Journal of Medicine pu‑blicou resultados que indicavam que as mulheres na pós‑menopausa que tomavam suplementos com vitamina D e cálcio para melhorar a saúde dos ossos corriam maiores riscos de terem pedras no rins.10

Depois há a vitamina C, o suplemento nutricional número 1 em todo o mundo. Os nutricionistas, médicos e cientistas consideram‑na vital para um sistema imunitário saudável e forte. Ouvi esses especialistas, li as suas investigações e tomei 3000 miligramas de vitamina C todos os dias. Quem não quer um sistema imunitário forte e uma vida mais longa?

O maior defensor da suplementação de vitamina C é o Dr. Linus Pauling, um químico, bioquímico, ativista da paz, autor e professor, que recebeu vários prémios e distinções, e é a única pessoa do mundo a ter

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AFINAL... O QUE RAIO DEVEMOS COMER?

recebido dois prémios Nobel não partilhados, um da Química e outro da Paz. Pauling é considerado um dos mais influentes químicos da História e está entre os cientistas mais importantes do século xx. Alegadamente, tomou 1200 miligramas de vitamina C diariamente e publicou resulta‑dos de investigação e estudos documentados que mostravam que as me‑gadoses de vitamina C eram eficientes na prevenção e na cura do cancro. O Dr. Pauling viveu uma vida longa, mas morreu em 1994 de… cancro.

Dá‑se, então, a viragem de‑C‑etiva! A investigação da Escola de Medicina Mt. Sinai, de Nova Iorque, revelou que tomar apenas 500 mili‑gramas por dia de vitamina C poderia causar danos genéticos aos nossos genes e aos dos nossos filhos.11 Maravilha! Portanto, aqui estou eu, a to‑mar 3000 miligramas por dia de vitamina C para melhorar o meu siste‑ma imunitário, e isto está a destruir o meu ADN — a impressão digital genética de todas as células do meu corpo. Os médicos que seguiram a investigação de Pauling defenderam durante décadas que o segredo para curar uma constipação era duplicar a dose de vitamina C ao primeiro sinal. Uma sincronização perfeita! Danificarmos as células quando elas estão mais fracas e vulneráveis.

Está confuso? Frustrado? Bem‑vindo ao meu mundo.Afinal... O Que Raio Devemos Comer? irá, finalmente, dar‑lhe uma

perspetiva em que o senso comum se encontra com a ciência para que saiba como comer bem numa nação paleo, mediterrânica, vegana, cheia de organismos geneticamente modificados (OGM) e de glúten, viciada em açúcar e com medo do sal.

Factos, modas e falácias

Pouco depois de os telemóveis terem aparecido, a meio dos anos 1980, a Administração Federal de Aviação (FAA, do inglês, Federal Aviation Administration) impôs regras estritas para que os aparelhos estivessem desligados antes da descolagem e que assim permanecessem até que o avião aterrasse. Acreditei que a frequência de rádio do telemóvel podia interferir com as comunicações da cabine e danificar o equipamento de navegação do avião. Até os computadores, leitores de kindle e iPads fo‑ram proibidos até que o avião chegasse aos três mil quilómetros de altu‑ra. Durante anos, enquanto viajava, presenciei muitos problemas entre o staff do avião e os passageiros que não desligavam os seus equipamen‑tos eletrónicos. Num voo, uma vez, uma hospedeira disse a um meni‑no: «Tens de desligar o teu jogo agora ou não podemos levantar voo.»

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INTRODUÇÃO

O rapaz respondeu: «Porque é que o avião não pode voar enquanto eu jogo Super Mario Brothers?» Ela disse‑lhe: «Porque isso pode fazer com que o avião caia, e podemos morrer todos.» Anos mais tarde, sentei‑me ao lado de uma pessoa que foi expulsa do avião porque se recusou a des‑ligar o telemóvel depois de lho ter sido exigido duas vezes.

Em outubro de 2013, as regras mudaram e a FAA anunciou que os passageiros poderiam usar os seus smartphones e equipamentos eletró‑nicos, ler e‑books, jogar jogos e ver vídeos durante todas as fases do voo, com o aparelho em modo de avião. Muitas companhias aéreas interna‑cionais passaram a deixar os passageiros fazer chamadas, mandar men‑sagens e navegar na Internet.12 Espere lá! Durante três décadas, foi‑nos dito que usar o telemóvel poderia fazer com que o avião caísse, e agora é perfeitamente seguro?! As regras mudaram depois de a Delta Airlines ter analisado centenas de milhares de interações eletrónicas e concluído que a frequência emitida por dispositivos portáteis não tinha, afinal, efeitos prejudiciais.

No que diz respeito à alimentação, dieta e nutrição, acompanhei dé‑cadas de mitos e de falácias semelhantes. Coisas em que as pessoas acre‑ditam piamente hoje como sendo verdadeiras são, na realidade, inven‑ções ou teorias sem provas. Irei não apenas desvendar a desinformação, mas também ensiná‑lo a fazê‑lo.

Poucos assuntos provocam mais controvérsia e discussões acesas do que as políticas alimentares. O debate acerca da dieta omnívora‑ ‑herbívora‑carnívora é tão diverso quanto os Republicanos, os Democratas e os Libertários. Enquanto os vegetarianos acreditam que uma dieta sem carne é o segredo para uma vida saudável e longa, os pro‑ponentes da famosa dieta Paelo dizem que temos de comer carne como os nossos antepassados das cavernas.

No capítulo 1, irá ver como esta crença se baseia numa distorção séria da História da humanidade. Os homens das cavernas não eram os caçadores‑predadores que julgamos. Iremos explorar provas que mos‑tram que eram os caçados. A imagem do homem das cavernas super‑he‑rói, grande, forte e carnívoro, foi uma criação de marketing brilhante da indústria pecuária, delineada para vender mais carne vermelha. Este li‑vro vem responder a uma pergunta com três milhões de anos: «Afinal, o que comiam os nossos antepassados?»

Uma das maiores falácias alimentares, que atravessou mais de 50 anos, é a ideia da necessidade de leite de vaca para mantermos os ossos sau‑dáveis e termos o cálcio de que o nosso corpo precisa. Apesar de dé‑cadas de propaganda da indústria e do governo sobre os benefícios do

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AFINAL... O QUE RAIO DEVEMOS COMER?

leite e dos produtos lácteos para a saúde, a verdade é que o leite faz‑nos mal!

Ao contrário do que dizem os anúncios com bigodes de leite, o leite não ajuda a construir ossos fortes. Na verdade, a investigação imparcial mostra que o leite causa ossos frágeis (osteoporose).13,14,15 Somos bom‑bardeados desde crianças com a ideia de que, se queremos ser grandes e fortes, temos de beber leite. O facto é que as crianças que bebem leite têm mais otites crónicas, mais alergias, mais tendência para terem excesso de peso e correm um risco maior de serem diabéticas. Os seres humanos não têm enzimas que destruam altas quantidades de caseína, uma pro‑teína encontrada no leite. Enquanto a caseína constitui cerca de 20% da proteína encontrada no leite materno humano, o leite de vaca contém 80%, o que é muito mais do que aquilo que conseguimos digerir.16

Então, porque é que o governo inclui o leite no programa dos almo‑ços escolares? No capítulo 2, irei partilhar provas que explicam porque é que um produto cheio de pus (sim, pus!), antibióticos e hormonas não é bom para nós, e irei sugerir algumas alternativas saudáveis.

Parece‑me bastante interessante a forma como a carne vermelha e o leite de vaca se tornaram parte das recomendações dietéticas do gover‑no, enquanto o peixe continua a ser secundarizado. (Iremos explorar a razão deste favoritismo.) Foi‑nos dito que comer peixe — especialmente atum, cavala, espadim, peixe‑relógio, tubarão e peixe‑espada — pode le‑var a uma perigosíssima toxidade por mercúrio. Temos de pescar aqui o que parece estar errado! Estamos sempre a ouvir que as nossas águas estão poluídas e que comer peixe se tornou um jogo da roleta‑russa no que toca à nossa saúde. Em primeiro lugar, a Terra é composta por 70% de água, e os nossos oceanos têm 11 quilómetros de profundidade (326 milhões de biliões de litros)! Se considerarmos a química básica e a lei da diluição, concluímos que não há poluição suficiente no resto dos 30% da superfície da Terra para arruinar os oceanos. Além disso, os oceanos têm microrganismos autossustentáveis que trabalham como o Pac‑Man, comendo resíduos tóxicos e poluentes, razão pela qual é hoje seguro co‑mer peixe e camarões apanhados na maré negra de petróleo que ocorreu em 2010 no Golfo do México.17,18

Se a água poluída é a sua razão para não comer peixe, porque é que ingere alimentos que vêm de terra poluída? A poluição dá‑se na terra, onde os seres humanos habitam. As emissões industriais, a pulverização das culturas, a desinfestação das casas, os produtos de limpeza, os ma‑teriais de pintura, os inseticidas, os pesticidas, as fábricas, os camiões, os comboios, os carros e outros poluentes ambientais libertam no ar e

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INTRODUÇÃO

no solo químicos nocivos. Respiramos esta poluição na terra. Acaba no solo, nas plantas, nos frutos, nos vegetais, é ingerida pelas vacas, pelos porcos e pelos frangos que comemos. Então, porque é que o tópico do peixe vem sempre à baila quando se fala de comida poluída?

Relativamente à preocupação com o mercúrio, no que se refere ao peixe, os oceanos não são as latrinas carregadas de mercúrio em que nos fizeram acreditar. No capítulo 5, irei desmistificar isto, explorando culturas por todo o mundo em que se come peixe diariamente, por vezes três vezes por dia. Os seus testes sanguíneos não mostram toxidade por mercúrio, e são o protótipo de boa saúde. Foi dito às mulheres grávidas que evitassem certos tipos de peixe porque, supostamente, continham mercúrio que poderia «afetar o feto». Não há qualquer investigação credível que apoie isto. Na verdade, a investigação mostra o contrário. As culturas em que as mulheres grávidas têm uma dieta à base de peixe (principalmente atum) têm crianças mais saudáveis e com um QI mais elevado do que aquelas que evitam o peixe.19,20 Comer peixe fornece áci‑dos gordos ómega‑3 muito importantes, que combatem a inflamação, a causa subjacente de doenças crónicas, como a artrite, e doenças car‑díacas. O único tipo de peixe de que precisamos de nos afastar é o de cativeiro. Neste livro, irá aprender a comprar peixe saudável, selvagem e explorado de forma sustentável.

Entre a confusão e as opiniões antagónicas sobre o que deve‑mos ou não devemos comer, muitos especialistas na área da saúde dizem que todos devemos comer fruta e legumes como parte da dieta saudável. Contudo, as opiniões ainda divergem no que toca a inge‑rirmos ou não produtos isentos de OGM, orgânicos, refrigerados, à temperatura ambiente, crus, cozinhados, cozidos ou até em sumos. No capítulo 7, partilho as respostas sobre estas e outras questões. Fi‑nalmente, nenhum livro sobre alimentação estaria completo se não explorasse o emagrecimento. Há centenas de hipóteses disponíveis, desde a dieta da sopa de couve a comer bacon, na dieta Atkins, e a contar pontos, na dieta dos Weight Watchers. A palavra dieta vem do grego, diatia, que significa forma de vida. Infelizmente, a maioria das pessoas acredita que esta definição de dieta significa cortar calorias, ingerir batidos que substituem refeições e uma mão‑cheia de com‑primidos de perda de peso que passam na televisão — que fornecem apenas resultados temporários, pois não tratam do verdadeiro signi‑ficado da palavra dieta.

Dois terços da população norte‑americana tem excesso de peso. Hoje em dia, temos mais acesso a informação e a programas de emagrecimento

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AFINAL... O QUE RAIO DEVEMOS COMER?

do que nunca, mas estamos na mesma cada vez mais gordos. Irei mostrar alguns dos riscos de saúde de muitas das dietas que estão na moda e partilhar as minhas três dicas fáceis, seguras e eficientes para perder e manter peso!

Digerir a verdade

Entre todas as opiniões antagónicas, livros desatualizados e investigação tendenciosa, eu sabia que não podia ser a única pessoa confusa. Queria encontrar uma forma de decidir por mim o que era útil e o que pode‑ria ser prejudicial, o que era informação errada e o que era informação correta. Por isso, desenvolvi um sistema de três etapas para descobrir a verdade. Chamo‑lhe: Descoberta, Instinto e Origem.

Não tem de ter qualquer conhecimento prévio sobre o mundo da saúde para fazer com que este sistema funcione para si. Pense nisto como uma espécie de método socrático. Fazendo‑se perguntas baseadas em três simples categorias — ciência (descoberta), senso comum (instinto) e o plano da nossa criação (origem) —, irá aprender a analisar rótulos, lis‑tas de ingredientes, «resultados» relevantes, práticas de empacotamento, etc. Irá conseguir fazer escolhas pessoais sobre aquilo que come e bebe e a suplementar a sua dieta sem confiar nas ideias de outras pessoas — especialistas ou não.

Vamos começar pela primeira categoria: a descoberta. Descoberta é sinónimo de ciência, que alicerça aquilo que lemos e ouvimos dos es‑pecialistas. As suas conclusões e opiniões mudam frequentemente (por vezes, semanalmente), mas, se a ciência se basear numa investigação im‑parcial, dá‑nos uma base e pontos de vista objetivos. Contudo, não me baseio somente na precisão da investigação para chegar às minhas con‑clusões, a não ser que os resultados também façam sentido ao nível do senso comum. Isto leva‑nos à segunda categoria: o instinto. O instinto ajuda‑nos a conseguir entender o que a intuição nos diz, e a dar‑lhe cré‑dito, de forma a poder guiar‑nos. Por exemplo, se ler um estudo que lhe diz que as pessoas na Flórida compram mais raspadores de gelo do que no resto do mundo, o seu instinto irá deixá‑lo acreditar nisso?

Finalmente, a última categoria: a origem. No fundo, precisamos de garantir que os factos que interpretamos seguem o plano da nossa cria‑ção. Deus representa tudo aquilo em que quisermos acreditar — um po‑der superior, a Mãe Natureza, anjos, um espírito infinito, uma força vital universal, e por aí fora. Neste livro, irei usar a palavra origem para referir

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INTRODUÇÃO

a forma como o nosso corpo e a nossa mente são formados e a natureza, ou a entidade, que os formou. Independentemente das crenças, baseio a minha filosofia de cura no nosso corpo inato e brilhantemente con‑cebido, programado para prosperar e ser saudável. O corpo humano é uma máquina viva espetacular, com uma habilidade inata para se adap‑tar, reproduzir, crescer e curar. Todas as células do corpo dependem da absorção dos nutrientes dos alimentos que ingerimos, de forma a poder funcionar em pleno.

Para finalizar, o sistema destas três etapas ou categorias é uma fór‑mula que não pode ser compartimentada. Os três pontos devem traba‑lhar em conjunto, para se chegar a uma conclusão: faça as suas descober‑tas, junte‑lhes os seus instintos e veja se se correlacionam com a origem, com o design único e complexo do corpo que Deus criou. Não é possível escolhermos dois de três. É tudo ou nada.

Este método será aplicado em todos os capítulos deste livro (indica‑do com o seguinte símbolo: ) e, no final, o leitor terá um plano para determinar a validade do que aprendeu, que irá ajudá‑lo a entender os factos relativamente à alimentação, à doença e aos logros que o impedi‑ram de atingir o seu ideal de saúde, bem‑estar e longevidade.

Uma pessoa saudável é uma pessoa informada. O leitor está prestes a ser ambas. Consegue pôr este método em prática? Vamos, então, co‑meçar.

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CAPÍTULO 1

A DIETA DO HOMEM DAS CAVERNASESTARÁ A NOSSA SAÚDE A SER BLOQUEADA?

Acordei com uma forte dor de estômago, que me obrigou a manter‑me dobrado até conseguir chegar ao hospital. Tinha apenas 22 anos, e

estava a meio do meu terceiro ano da faculdade. Os testes confirmaram que tinha uma apendicite aguda. Depois de me explicarem que isto sig‑nificava que o meu apêndice estava inflamado, o médico perguntou‑me: «David, come muita carne vermelha?» Porque é que me estaria a per‑guntar aquilo? Não me perguntou se comia muitos vegetais, frango ou ovos, nem estava sequer minimamente curioso acerca da quantidade de piza que eu ingeria. Perguntou‑me especificamente se eu comia muita carne vermelha. Disse‑lhe que, na realidade, adorava carne vermelha, e que a comia pelo menos três vezes por semana. Quando lhe perguntei como é que ele sabia que eu comia muita carne vermelha, respondeu‑me: «A carne vermelha não contém fibra e comê‑la em grandes quantidades pode levar a dificuldades digestivas e à inflamação do intestino.»

Semanas mais tarde, já sentia que voltara ao meu velho eu e planeava re‑tomar a minha dieta regular. Contudo, não conseguia evitar perguntar‑me: se o corpo humano tem tanta dificuldade em digerir carne vermelha, por que razão a comemos? Esta pergunta, que fiz há três décadas, tornou‑se uma obsessão profissional e pessoal que me levou a querer entender o que é que o nosso corpo deveria ingerir, digerir e processar de forma a ser o mais saudável possível, aumentando a nossa esperança de vida. A minha pesquisa começou comigo mesmo, eliminando somente a carne ver‑melha da minha dieta. O resultado foi, no final do terceiro ano na uni‑versidade, ter perdido quase cinco quilos, ter mais energia e até uma pele mais bonita. Mais importante do que isso, nunca mais precisei de voltar às Urgências.

Os resultados que testemunhei por, simplesmente, eliminar um tipo de alimento da minha alimentação levou‑me a investigar: haverá outros

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A DIETA DO HOMEM DAS CAVERNAS: ESTARÁ A NOSSA SAÚDE A SER BLOQUEADA?

alimentos que não devemos comer? Mudei a minha área de estudos princi‑pal do jornalismo para a pré‑medicina, de forma a poder entender melhor as complexidades do corpo humano, a sua habilidade para se curar e a for‑ma como certos alimentos desempenham determinado papel nesta cura.

Tornei‑me quiroprático e médico naturopata, com um pós‑doutoramento em neurologia. O meu trabalho foca‑se em facilitar a aptidão natural do corpo para restaurar e manter a saúde ideal. Ajudando a criar um ambiente interno e externo capaz de curar, o meu papel enquanto terapeuta holístico é identificar — mergulhar no estilo de vida do paciente — e eliminar o que prejudica a saúde. A primeira coisa que fiz foi deixar de comer carne vermelha, obtendo daí benefícios. Foram esses resultados que impulsionaram o meu interesse em explorar a capacidade de o corpo se curar — a natureza da doença e o papel importantíssimo que a alimentação desempenha na saúde, na atitude, no peso, na longevidade.

Abri um consultório na Carolina do Norte e tratei muitos pacientes frustrados, confusos e doentes que tinham maleitas que os medicamentos convencionais não aliviavam, desde enxaquecas, a bursite ou ciática. Um dia, um paciente chamado Eric queixou‑se de dores lombares crónicas, um problema em relação ao qual eu tinha uma taxa de sucesso tremenda. Contudo, neste caso particular, estava a falhar. Tentei tração cervical, terapia física e exercício, mas a dor do Eric continuava a intensificar‑se. Era tão intensa que ele não conseguia calçar as próprias meias. Estava a ficar impaciente e quase a considerar ser operado. Num dia em que estava com fome, acabou por me dizer que, depois do tratamento, iria ao seu restaurante preferido almoçar um bife.

«Com que frequência come carne vermelha?», perguntei‑lhe, dando conta da ironia da minha pergunta. «Quase todos os dias», respondeu‑me.

Fosse na forma de um hambúrguer, de um bife ou de um taco, a carne vermelha era uma parte considerável da dieta do Eric. Poderia es‑tar o consumo de carne vermelha, que já causara a minha apendicite na universidade, a causar a inflamação dos músculos e das articulações do Eric? Isto tornou‑se uma hipótese, e testei a teoria.

«Vem cá há semanas e ainda não teve qualquer alívio nos seus sin‑tomas», disse ao Eric. «Em vez de desistirmos, deixe‑me propor‑lhe um desafio durante duas semanas. Se concordar com os termos e não se sentir melhor depois, marco‑lhe uma consulta com o melhor cirurgião ortopédico da região.»

O Eric estava a passar por uma dor agonizante, e penso que te‑ria concordado com qualquer coisa que pudesse trazer‑lhe melhorias.

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AFINAL... O QUE RAIO DEVEMOS COMER?

Pedi‑lhe que removesse totalmente a carne vermelha da sua dieta duran‑te duas semanas. Ele concordou. Para nosso espanto, após duas semanas de tratamentos no meu consultório, e sem ingerir carne vermelha, a dor lombar do Eric estava completamente resolvida. Não mudou nada, à ex‑ceção da dieta, durante essas semanas. Não demorou muito até eu perce‑ber a correlação direta entre os regimes alimentares dos meus pacientes e a sua capacidade de se curarem.

Tive também o caso do Stephen, um paciente que veio, um dia, com um aspeto incrível. Tinha perdido 12 quilos em menos de um mês! Contentíssimo, mostrou‑me que havia reduzido dois furos do cinto gra‑ças à dieta Atkins, que reduz o consumo de hidratos de carbono, dando lugar à proteína e à gordura. O Stephen estava a comer bifes e bacon diariamente, ambos com muita gordura saturada (a má). Ainda que pa‑recesse que a sua nova dieta, com a qual reduzia os hidratos enquanto comia carne vermelha, estava a melhorar a sua saúde, as aparências po‑diam iludir.

Alguns meses mais tarde, o Stephen veio fazer o seu tratamento, mas, dessa vez, não se sentia bem nem estava com bom ar. Mantinha o mesmo peso, mas sentia‑se fraco e só queria dormir. Não percebera que o efeito diurético de uma dieta pobre em hidratos de carbono e rica em proteínas pode resultar na perda de 4 quilos de água por semana.21 Sim, o Stephen estava a perder principalmente água. Além disso, quando o corpo não consegue metabolizar glucose (o açúcar do sangue) para ter energia, queima gordura, produzindo um químico chamado cetona. A dieta do Stephen, rica em carne vermelha e pobre em hidratos de carbono, dei‑xou o seu corpo num estado de cetose, em que tem de recorrer à queima de gordura para ter energia, em vez de usar a energia fácil e rápida dos hidratos de carbono. Como o fígado é responsável por metabolizar esta gordura para ter energia, a dieta do Stephen estava a obrigar este órgão a trabalhar em demasia!

Falei do Stephen a um especialista em medicina interna, que lhe fez análises ao sangue e à urina e uma TAC. Os exames dele revelaram que sofria de inflamação, que estava a afetar‑lhe o fígado. O seu nível de pro‑teína C‑reativa (PCR) era de 5,5 (acima de 3, já se considera alta). O ní‑vel de PCR aumenta quando há inflamação no corpo. A transaminase glutâmico‑oxalacética do Stephen (TGO) era de 90 U/L (o normal é en‑tre 8 e 48 U/L) e a sua alanina aminotransferase (ALT) era de 82 U/L (o normal é entre 7 e 55 U/L). Regra geral, os níveis elevados de enzimas hepáticas indicam inflamação ou danos das células do fígado. O fígado do Stephen estava a falhar, apesar de ele não consumir álcool.

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A DIETA DO HOMEM DAS CAVERNAS: ESTARÁ A NOSSA SAÚDE A SER BLOQUEADA?

O Stephen disse‑me qual fora a primeira pergunta que o médico lhe fizera após ver os resultados dos seus testes: «Come muita carne vermelha?» Aquela pergunta outra vez. O especialista em medicina interna explicou‑lhe de que forma a carne vermelha podia contribuir para a inflamação, mostrando‑lhe que o fígado é o centro de processamento do corpo. Designa a utilização de nutrientes, como as proteínas e as gorduras, e manda as toxinas que resultam da degradação proteica para os rins. Contudo, o excesso de carne vermelha pode fazer com que o fígado abrande. De acordo com o Journal of the National Cancer Institute, a carne vermelha está associada a um maior risco de doença crónica de fígado.22 Como o Stephen tinha uma dieta diária composta por carne vermelha, a sua função hepática nunca teve tempo de recuperar.23 Parou, então, de comer carne vermelha, e, dentro de três meses, os seus níveis sanguíneos voltaram ao normal.

Enquanto professor de neuroanatomia (o estudo do sistema nervoso), partilhei com milhares de alunos o plano complexo do modelo de conce‑ção humana. O cérebro e os nervos controlam tudo no nosso corpo, desde os órgãos aos músculos, das glândulas ao sistema reprodutor. Lembro‑me de um aluno me perguntar: «Dr. Friedman, se o cérebro e os nervos contro‑lam tudo no corpo, o que é que controla o cérebro e os nervos?» Era uma pergunta interessante, e que eu nunca havia feito a mim mesmo. Porém, a resposta era fácil. É o alimento que controla, fortalece ou enfraquece os nossos nervos. Aquilo que comemos, dependendo se fomos ou não progra‑mados para o ingerir, gera um funcionamento correto ou incorreto dentro do cérebro, da medula espinhal e do sistema nervoso.

A disputa alimentarMuitas dietas estiveram na moda e deixaram de estar, ao longo dos tempos. A mais popular, atualmente, a Paleo (entenda‑se, «a dieta dos homens das cavernas»), não parece, contudo, estar a perder o ritmo. Os defensores desta dieta dizem que devemos comer como os nossos antepassados comiam, quando a comida era pura, sem químicos ou aditivos artificiais. Concordo com isso. Também nos dizem que as dietas pobres em hidratos de carbono estão perto da dieta dos nossos antepassados, que viveram antes do surgimento da agricultura, o que faz com que os seres humanos sejam geneticamente adaptáveis a dietas pobres em hidratos de carbono e ricas em proteínas da carne, que incluem carne bovina, porco e aves. A famosa dieta Atkins, ainda que não se designe uma «dieta dos homens das cavernas», tem muitas semelhanças com a dieta Paleo, já que ambas defendem uma alimentação rica em proteínas animais e

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AFINAL... O QUE RAIO DEVEMOS COMER?

pobre em hidratos de carbono. A dieta Cetogénica está a começar a ganhar bastante popularidade. Na verdade, consiste numa versão da dieta Atkins. Assenta na premissa de que o consumo de gordura substitui quase inteiramente o consumo de hidratos de carbono, induzindo o corpo a um estado de fome que provoca cetose. Por ora, vou focar‑me nos efeitos nocivos de uma dieta rica em carne vermelha, já que, tanto na dieta Atkins como na Paleo, a carne vermelha é recomendada como fonte de proteína. Até o livro de receitas mais popular da dieta Paleo tem uma fotografia de um suculento hambúrguer na capa. Por sua vez, os hidratos de carbono podem ser bons ou maus, e, enquanto as dietas ricas em proteína tendem a permitir o consumo de alguns hidratos de carbono bons, de baixo índice glicémico, também tendem a promover o consumo de muita carne vermelha e de carnes processadas.

Os bons hidratos de carbono incluem cereais integrais, vegetais, fru‑ta e feijão. Por isso, não faria sentido supor que os nossos antepassados escolheram ingerir esses alimentos quando estes existiam em abundância no ambiente em que viviam? Em vez disso, é de crença comum que es‑ses parentes próximos do moderno Homo sapiens, como os Neandertais, tinham uma dieta quase exclusivamente carnívora.24 Acredita‑se que, quando tinha escolha, o «homem das cavernas» optava por comer carne de leão em vez de legumes e veado em vez de vegetais.

Com base na minha própria experiência com a inflamação e a carne vermelha, bem como nos resultados indiscutíveis de muitos dos meus pacientes, como o Stephen e o Eric, antes de optarmos por comer como o homem das cavernas, talvez devêssemos, primeiro, explorar aquilo que ele realmente comia. No resto deste capítulo, foco‑me em provas cien‑tíficas que contrariam tudo aquilo que imaginamos acerca dos nossos antepassados caçadores de mamutes e rasgadores de carne. Através da implementação deste conhecimento, podemos guiar a nossa dieta mo‑derna e encontrar uma forma de melhorarmos a nossa saúde.

Carnes versus legumes

Se quer realmente seguir a dieta dos nossos antepassados, deveria co‑mer apenas fruta. Entre há 24 e 5 milhões de anos, os hominídeos eram frugívoros (comiam fruta). Na realidade, a ciência mostra‑nos que os Australopitecos, precedentes do Homo erectus, tinham uma dieta que consistia quase exclusivamente em frutos pré‑históricos.25 Após a distin‑ção entre seres humanos e símios (que se deu entre há 7,5 e 4,5 milhões

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A DIETA DO HOMEM DAS CAVERNAS: ESTARÁ A NOSSA SAÚDE A SER BLOQUEADA?

de anos), o padrão alimentar dos nossos antepassados passou a incluir vegetação e uma pequena quantidade de animais.26 Estudos de isótopos de carbono de marcas de dentes mostram que a dieta destes seres huma‑nos se baseava em fruta, vegetais, arbustos e outras plantas. Entre há 2,5 e 1,9 milhões de anos, à medida que a chuva se tornou menos abundante, também a fruta, os vegetais e outras plantas passaram a escassear mais. Os cientistas formularam a hipótese de que terá sido nesta altura que, não tendo tanto acesso às verduras que estavam habituados a comer, os nossos antepassados começaram a comer animais.

Curiosamente, enquanto os proto‑humanos escolheram comer ani‑mais por a vegetação escassear, os antepassados dos chimpanzés e dos gorilas nunca o fizeram.27 Os nossos parentes vivos mais próximos são os chimpanzés. Na verdade, há uma diferença de apenas 1,6% entre o ADN dos chimpanzés e o nosso.28 Os chimpanzés são considerados frugívoros. A sua dieta baseia‑se 95% em plantas, e os restantes 5% são compostos por insetos, ovos e animais bebés.29 Podem comer carne, mas só se não tiverem alternativa.

As mãos e os pés dos chimpanzés têm cinco dedos, e unhas em vez de garras. Têm impressões digitais e polegares opositores. Os seus olhos dis‑tam alguns centímetros e estão no mesmo plano da cara, o que permite a perceção de profundidade e a capacidade de ver em três dimensões, tal como os seres humanos. O seu sistema reprodutor é semelhante ao nosso (o período de gestação é de aproximadamente nove meses), bem como o estômago e o tamanho do intestino. Os chimpanzés têm 32 dentes, tal como os seres humanos, e também são a única espécie, além da nossa, a conseguir usar ferramentas.30 Várias descobertas de fósseis em África sugerem uma ligação dos chimpanzés aos dias pré‑históricos dos homens das cavernas.31 O género dos chimpanzés designa‑se Pan, e é conside‑rado parte da subfamília Homininae, a que os seres humanos também pertencem. Biólogos da Escola de Medicina da Universidade Estadual de Wayne, em Detroit, Michigan, apresentaram novas provas de que a gené‑tica dos chimpanzés (nome científico: Pan troglodytes) e a dos humanos (Homo sapiens) são tão semelhantes que os chimpanzés deviam ser re‑classificados como Homo troglodytes. Isto torná‑los‑ia membros do nosso género Homo, tal como os Neandertais.32 Impõe‑se, assim, a questão: se os cientistas provaram, sem sombra de dúvida, que os seres humanos estão tão proximamente ligados aos chimpanzés, porque é que esses mesmos cientistas não nos dizem que nos alimentemos como eles?

Os Neandertais que existiram entre há 200 mil e 300 mil anos estão proximamente ligados aos seres humanos modernos, e a nossa

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AFINAL... O QUE RAIO DEVEMOS COMER?

alimentação deve ser próxima da deles, já que o nosso ADN difere em apenas 0,12%.33 Esta será a espécie que exploraremos quando respondermos à pergunta: o que comiam os nossos antepassados? Os Neandertais (comummente denominados «homens das cavernas») juntaram pedras pontiagudas a pedaços de madeira para criarem lanças de caça mortais. Contudo, estavam os nossos antepassados do Paleolítico biologicamente programados para comerem animais, ou a dieta deles baseava‑se simplesmente nas circunstâncias e na sobrevivência? Se tivessem escolha, iriam preferir animais ou plantas? Se os seres humanos modernos seguem um traço genético carnívoro, que animais devemos comer?

Consegue digerir isto?Se acreditamos mesmo que os homens das cavernas eram princi‑palmente caçadores carnívoros, e que devemos seguir a dieta deles, porque é que deveríamos comer carne bovina? As vacas são animais de pasto, dóceis. Já alguém ouviu falar de «caça às vacas no meio selvagem»? Se os homens das cavernas faziam caça selvagem para sobreviverem, comiam animais como raposas, leões, tigres e veados, não vacas. Contudo, nunca vi um livro de cozinha da dieta Paelo que incluísse receitas de animais selvagens. Nem sequer encontro um único resultado no Google quando escrevo: «como saltear um leão».

Figura 1: Como os homens das cavernas são representados (à esquerda) versus o seu tamanho real (à direita).

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A DIETA DO HOMEM DAS CAVERNAS: ESTARÁ A NOSSA SAÚDE A SER BLOQUEADA?

Homens das cavernas — os caçadores?

Os homens das cavernas são representados como caçadores grandes, fortes e selvagens, capazes de esfaquear e matar animais do tamanho de mamutes e de carregar os seus corpos mortos aos ombros. É assim que os filmes e os desenhos animados os representam. Porém, está longe da ver‑dade. Os homens das cavernas eram baixos e encorpados. Tinham pouco mais de 1,50 metros.34 Em 2010, análises de 26 espécimes mostraram que o peso médio dos homens das cavernas (masculinos) era de 77 quilos.35 O tamanho do seu corpo derivou de uma adaptação evolutiva para o tempo frio, já que esta gordura extra consolidava o calor. De acordo com os Institutos Nacionais de Saúde, um homem entre os 1,50 e os 1,65 me‑tros com 77 quilos é considerado clinicamente obeso.36 Uma pessoa com 1,80 metros e 77 quilos poderia ter um peso considerado ideal.37 Isto levanta a questão sobre se um homem baixo e encorpado teria a velo‑cidade e a resistência necessárias para correr depressa o suficiente para caçar e matar um mamute, um leão ou um urso.

Depois de os cientistas terem encontrados fósseis de armas de ma‑deira com pedras pontiagudas, concluíram que os nossos antepassados Neandertais caçavam animais pela sua carne. Esta hipótese foi posta à pro‑va quando arqueólogos encontraram fósseis de animais selvagens com si‑nais de terem sido esfaqueados por armas afiadas. Os homens das cavernas fizeram as armas com que estes animais foram mortos, e, por isso, acredi‑ta‑se que os terão comido. Caso encerrado. Ou será que não? Esta teoria baseia‑se em provas circunstanciais. Vi demasiadas cenas de Hollywood sobre tribunais para saber que, para se provar que alguém é culpado, não é suficiente pô‑lo na cena do crime. É preciso provar que há um motivo.

Não há como negar que os homens das cavernas faziam armas. Contudo, tencionavam matar animais? Ou teriam essas armas sido feitas principalmente para se defenderem de animais maiores e de outros ho‑mens das cavernas? Um homem baixo e encorpado não devia ter gran‑des hipóteses com um animal de dentes afiados com um tamanho cinco vezes superior ao seu. O mesmo pode ser dito sobre um homem de dois metros com armas de aço. Conseguiria dominar um animal selvagem? Antropólogos da Universidade de Washington em St. Louis analisaram o córtex de fósseis de Neandertais adultos e descobriram que o crânio e os ossos dos braços tinham, frequentemente, fraturas e traumatismos.38 Pôs‑se a hipótese de que estes danos pudessem ter acontecido durante a caça de animais, como mamutes, javalis e tigres. Mas e se as fraturas do braço e dos ossos frontais do crânio forem coerentes com alguém a

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AFINAL... O QUE RAIO DEVEMOS COMER?

erguer os braços numa posição defensiva enquanto é atacado por um animal ou uma pessoa maior? Face a um ataque, é da natureza humana erguer os braços à frente da cabeça para proteger a cara.

Será a natureza dos homens das cavernas para caçar e para ter uma dieta baseada em carne alicerçada em mais do que especulação? Sim. As análi‑ses forenses dos ossos dos homens das cavernas mostraram altos níveis de proteína, que os investigadores acreditam serem provenientes do consumo de carne. Informações da Academia Nacional das Ciências, em 2000, suge‑riram que a dieta dos Neandertais consistia em animais terrestres e consi‑deraram insignificante qualquer proteína que viesse de plantas.39 A crença de que os homens das cavernas consumiam muita carne vermelha também justifica, segundo alguns especialistas, a sua extinção, colocando a hipótese de a Idade do Gelo ter matado animais de grande porte, não deixando aos homens das cavernas nada para comerem.

Não temos acesso aos diários alimentares dos nossos antepassados para podermos saber exatamente o que comiam. Contudo, a ciência mostra‑nos o suficiente para podermos tomar algumas decisões infor‑madas.

Introdução à anatomia: vegetarianos ou carnívoros?

Antes de continuarmos a tentar perceber se os homens das cavernas ti‑nham ou não uma dieta maioritariamente carnívora, olhemos primeiro para os carnívoros a sério — leões, tigres e ursos. Não há dúvida de que estes animais foram programados para comerem carne. Por isso, para percebermos se fomos ou não programados para comer carne, temos de analisar a anatomia deles e compará‑la à nossa.

A boca e a mandíbula40

Os animais carnívoros, como o leão, o tigre e o urso têm uma boca grande, em relação ao tamanho da cabeça, o que lhes permite matar e desmembrar as presas. A mandí‑bula de um carnívoro assemelha‑se a um gínglimo e não se move para a frente nem para os lados, como a dos seres humanos. Os seres humanos podem mover as man‑díbulas livremente, o que lhes permite mastigar e triturar vegetais e fruta. Quando

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a mandíbula de um carnívoro fecha, os molares laminados fecham‑se uns so‑bre os outros, criando uma ligação tipo tesoura, perfeita para separar a carne dos ossos. Os músculos faciais de um carnívoro também são muito diferentes dos dos seres humanos. Para um animal poder vitimar outro animal, os seus músculos faciais têm de ser limitados, de forma que não impeçam que a boca se abra. Os seres humanos, por seu turno, têm músculos faciais complexos, o que não lhes permite abrir muito a boca, razão pela qual preferimos partir a comida aos bocados em vez de comer corpos inteiros.

Os dentes e a saliva41

Os dentes humanos assemelham‑se aos dos chimpanzés e dos símios, que se alimentam principalmente de fru‑tos e de plantas. Os carnívoros, por outro lado, têm incisivos curtos e pontiagudos, necessários para agarra‑rem e triturarem a carne. Os caninos são alongados e em forma de lâmina, ideais para perfurar a carne, despeda‑çando e matando a presa. Os molares são triangulares com bordas ásperas que funcionam como lâminas. Com‑pare‑os aos dentes frontais dos seres humanos, que são lisos e ideais para cortarem e mastigarem bagas, frutos e sementes. Os incisivos humanos são lisos, ideais para descascar, cortar e morder alimentos moles, como vegetais, feijões e legumes. Ao lado dos incisivos, temos cúspides, mui‑tas vezes referidos como «caninos». Há quem argumente que o facto de termos dentes caninos é a prova de que fomos programados para comer carne. Em primeiro lugar, os caninos humanos em nada se parecem com os caninos de um animal carnívoro. Além disso, os cavalos têm dentes caninos semelhantes aos nossos e não comem carne. Os nossos cani‑nos são triangulares, arredondados (não afiados) e são, principalmen‑te, usados para impedir que os dentes de trás façam demasiada força enquanto mastigam. Por fim, os molares humanos são lisos, perfeitos para esmagarem e triturarem alimentos como o arroz, a aveia, o trigo e a cevada. Os animais carnívoros não precisam de usar fio dentário por‑que os seus dentes estão espaçados de forma a não ficarem com restos de carne. Quando os seres humanos comem carne vermelha, os fios do tecido animal ficam presos entre os seus dentes, o que não acontece com o peixe e o frango.

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Nos seres humanos, os alimentos são partidos na boca, antes de se‑guirem para o esófago. Os carnívoros têm um esófago maior, para per‑mitir que pedaços maiores do animal sigam da boca diretamente até ao estômago. Uma vez que a boca humana não pode processar carne vermelha até que esteja totalmente mastigada, a carne pode ficar presa no esófago. A principal razão pela qual as pessoas usam a manobra de Heimlich quando se engasgam é não terem conseguido ingerir um pe‑daço de carne vermelha.42

Os carnívoros não mastigam os alimentos, e a saliva deles não con‑tém enzimas digestivas, ao contrário da saliva dos seres humanos. Em vez disso, um animal carnívoro come a sua presa muito depressa e de‑pois engole‑a. Os carnívoros não digerem a comida na boca, como os seres humanos, porque as enzimas proteolíticas na saliva causariam a digestão da sua própria cavidade oral. Assim, trincam grandes pedaços de carne e engolem‑nos inteiros. A saliva humana contém, ainda, enzi‑mas de digestão de hidratos de carbono, que decompõem facilmente as moléculas dos alimentos quando estes ainda estão na boca.

O estômago e o cólon43

O volume do estômago de um carnívoro representa 65% da capacidade total do seu sistema digestivo. No caso dos seres humanos, o valor é de 23%. Como, em média, os carnívoros matam e comem as presas apenas uma vez por semana, o seu estômago precisa de mais espa‑ço, para que possam engolir e digerir o alimento mais tarde. Os seres humanos têm um estômago menor, o que faz com que a comida possa sair rapidamente, dando espaço a outra refeição em ape‑nas algumas horas.

Os carnívoros têm um trato intestinal e um cólon pequenos, que permitem que a carne passe pelo sistema digestivo relativamente depressa, antes de ter tempo de se putrefazer e provocar alguma doença. Em termos comparativos, o trato intestinal dos seres humanos é muito maior do que o dos carnívoros. Um intestino maior permite que o corpo tenha mais tempo para partir a fibra e absorver os nutrientes de alimentos à base de plantas. As bactérias da carne vermelha têm tempo extra para se multiplicarem durante a longa viagem pelo sistema

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digestivo humano, aumentando o risco de intoxicação alimentar. Numa típica dieta ocidental, podem passar pelo cólon até 12 gramas de proteína de carne não digerida. Estas partículas não digeridas causam putrefação na parte inferior do cólon, podendo tornar‑se tóxica.44,45 Pode dever‑se a isto haver mais incidência de cancro colorretal nas zonas mais abaixo. Além do comprimento, o intestino humano tem cavidades e curvas. A carne vermelha pode ficar presa nessas curvas e causar inflamação e obstipação, aumentando o risco de cancro do cólon.46 A razão pela qual a carne não desce eficazmente pelo intestino humano, como as plantas, a fruta e os vegetais, é que, ao contrário destes, a carne não contém fibras. A fibra é importante porque age como uma vassoura no intestino, varrendo o que resta de comida. Graças ao seu intestino uniforme, os animais carnívoros não precisam de fibra como os seres humanos.

As mãos e as garrasOs carnívoros têm garras grandes e afiadas, que lhes permitem caçar, perse‑guir e prender as presas. Para um tigre, é comum furar a veia jugular de outro animal apenas com um gesto rápido das garras. Os seres humanos, por seu tur‑no, têm cinco dedos e unhas pequenas. A carne e a pele de animais não podem ser rasgadas pela mão humana porque esta foi feita para apanhar plantas, vegetais e fruta.

O fígadoOs carnívoros têm um fígado maior do que os seres humanos porque este órgão serve para desagregar gorduras, abun‑dantes nas carnes vermelhas. Se os car‑nívoros tivessem um fígado humano, não conseguiriam desagregar gorduras suficientes, o que os deixaria com peso a mais, prejudicando a sua rapidez e a ca‑pacidade de caçar. Para desagregar a gor‑dura da carne, o fígado de um carnívoro produz grandes quantidades de enzimas, suficientemente poderosas. Além disso, para desagregar carne animal, é preciso ácido úrico. O fígado de um carnívoro consegue produzir dez

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vezes mais ácido úrico do que o fígado de um ser humano ou de qual‑quer herbívoro. Se os seres humanos tivessem sido programados para comerem tanta carne quanto um carnívoro, o seu fígado seria maior e produziria mais enzimas e ácido úrico para a metabolizarem. Isto pode explicar a razão pela qual o fígado do meu paciente Stephen, que tinha uma alimentação diária baseada em carne vermelha, funcionava mal.

Alcalino versus ácido

Analisemos agora o pH. Em química, o pH é uma medida da acidez ou da basicidade de uma solução aquosa. Soluções com um pH inferior a 7 são consideradas ácidas; se o pH for superior, são consideradas bási‑cas ou alcalinas. Quando comparamos o pH gástrico, os seres huma‑nos estão no 5 (ácido), número ideal para a digestão de verduras. O pH gástrico de um animal carnívoro anda pelo 1 (muito ácido). Este pH ácido é necessário para facilitar a desagregação de proteínas e para ma‑tar as bactérias perigosas que, frequentemente, se encontram na carne em decomposição. Agentes patogénicos como a salmonela, a E. coli, a Campylobacter e outros parasitas não se desenvolvem no estômago de um tigre, por exemplo, devido à alta acidez. Contudo, se os seres huma‑nos ingerissem carne crua, esses agentes poderiam sobreviver, causando doença ou mesmo a morte. Os Centros para Controlo e Prevenção de Doença dizem que, em média, mais de um milhão de norte‑americanos têm intoxicações alimentares por semana devido a algo que comem, e es‑sas intoxicações matam cerca de cinco mil pessoas por ano.47 De acordo com o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA, do inglês, United States Department of Agriculture), a carne contaminada com bactérias perigosas é a causa de cerca de 70% de doenças alimentares nos EUA, custando entre 2,9 e 6,7 mil milhões de dólares aos serviços de saúde norte‑americanos.48

O argumento da geografia

Isto não quer dizer que os nossos antepassados do Paleolítico eram ve‑getarianos. Algumas civilizações comiam animais. Aqueles que viviam mais perto do equador ingeriam, provavelmente, mais plantas e pou‑cos animais. Aqueles que viviam em latitudes mais elevadas, com menos acesso a plantas, consumiam, provavelmente, mais animais. Através da

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análise de fósseis, os cientistas concluíram que os nossos antepassados da Idade da Pedra recebiam 80% das suas proteínas da carne, e as dietas incluíam apenas uma pequena quantidade de vegetais. Também defen‑deram que estas sociedades em que havia muita caça ingeriam o animal todo, como fonte de proteína, incluindo os órgãos, a gordura e a medula óssea.49 Contudo, estas teorias foram refutadas por um estudo publicado em novembro de 2012, pelo American Journal of Physical Anthropology, que revelou que a ingestão de proteína animal dos nossos antepassados não era tão alta quanto julgávamos. Tamsin O’Connell, investigador da Universidade de Cambridge e autor do referido estudo, explica que, se os seres humanos modernos consumissem a mesma quantidade de carne que se cria que os seus antepassados consumiam, seriam intoxicados por excesso de proteína.50 Como a proteína é o único macronutriente que contém nitrogénio, os arqueólogos mediram o rácio entre os isótopos de nitrogénio mais leves e mais pesados, em ossos fossilizados, de forma a tentarem perceber o que comiam os homens das cavernas. Uma vez que o corpo guarda naturalmente uma maior quantidade de isótopos de nitrogénio mais pesados, os cientistas tiveram de ter isso em conta, cal‑culando um desvio que considerasse essa tendência, ao determinarem o que uma pessoa realmente consumia. Aplicando este desvio, a pesquisa atual mostra que a alimentação dos nossos antepassados continha ape‑nas 45% de proteínas.51 A questão mantém‑se: estas proteínas derivariam da carne?

No livro O Terceiro Chimpanzé, Jared Diamond descreve uma caça‑da, para a qual fora convidado por uma tribo da Nova Guiné, em que se usava a tecnologia e os hábitos da Idade da Pedra. Naquele dia, caçaram apenas dois pássaros bebés, alguns sapos minúsculos e muitos cogume‑los. Ainda que os homens da tribo se gabassem frequentemente de caçar grandes animais, quando eram pressionados para contarem alguns deta‑lhes, acabavam por admitir que matar animais de grande porte era uma raridade. As ferramentas de caça desta tribo eram bem mais avançadas do que as ferramentas de pedra encontradas em lugares pré‑históricos,52 sendo pouco provável que os caçadores pré‑históricos tivessem tido mais sucesso nas suas caçadas do que estas tribos. Ou seja, é provável que os Neandertais tenham tido uma dieta principalmente à base de vegetação, com algumas presas pequenas, como pássaros e peixes.

Em 1991, o Ötzi foi encontrado num glaciar nos Alpes, per‑to de Hauslabjoch, na fronteira entre a Áustria e a Itália. Foi mumifi‑cado e bem preservado. Com 5300 anos, Ötzi não é considerado um Neandertal. Contudo, as análises de ADN mostram que tem um genoma

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5,5% neandertal, o que lhe confere uma ligação genética mais próxima dos Neandertais do que dos seres humanos modernos. Ötzi foi encon‑trado com um arco e uma flecha e usava roupas feitas de pele de animal, levando muitos a assumirem que morreu enquanto caçava, por volta do ano 3300 a.C. Alguns pelos do seu corpo estavam ainda intactos, o que é surpreendente. A análise capilar é uma forma objetiva de averiguar a composição nutritiva e perceber que tipo de dieta alguém segue. Estas fibras foram analisadas pelo Dr. Stephen Macko, do Departamento de Ciências Ambientais da Universidade de Virgínia. A composição quími‑ca dos pelos de Ötzi revela que ele era principalmente vegetariano e que comia pouca, se é que alguma, carne.53 Stanley Ambrose, um arqueólogo da Universidade de Illinois, em Urbana‑Champaign, afirma que os re‑sultados da análise capilar demonstram que a dieta de Ötzi consistia em, aproximadamente, 10% de carne, apoiando a ideia de Macko de que era principalmente vegetariano. A pequena percentagem de carne encon‑trada no sistema de Ötzi era de cabra.54 Os seus dentes estavam bastante deteriorados no interior, o que poderá ter‑se devido à sua dieta baseada em cereais e hidratos de carbono.55 Muito longe, assim, do que defendem as dietas à base de proteínas.

No livro The Man in the Ice, Konrad Spindler revelou que Ötzi teve um episódio traumático alguns dias antes da sua morte. Encontraram uma flecha dentro da sua omoplata, o que levou os especialistas a con‑cluírem que Ötzi fora vítima de um ataque na sua aldeia.56 Os cientistas sempre assumiram que as armas que os nossos antepassados usavam serviam para caçar animais de grande porte. Parece que, afinal, as utili‑zavam para se protegerem de indivíduos perigosos.

Psicologicamente falando

Terminemos a nossa comparação entre carnívoros e seres humanos com a exploração das suas diferenças psicológicas. Os carnívoros são predadores e têm uma necessidade inata de caçar e matar outros animais. Quando um tigre vê um animal peludo, o seu instinto avisa o cérebro que diga ao corpo para atacar. Em vez de atacar, matar e comer, quando um ser humano vê um animal, vai, mais provavelmente, pegar numa câmara de vídeo e filmá‑lo. Ver um animal ferido e sentir o cheiro do sangue estimula os carnívoros. No caso dos seres humanos, passa‑se o contrário: enoja‑nos ver sangue e carne crua. Ao ouvir os gritos de um animal que é dilacerado em bocados, muitos seres humanos estremecem, enquanto os

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carnívoros se sentem motivados e estimulados. Sim, as pessoas comem carne vermelha, mas se o talhante não a vendesse já sem sangue, cortada, arranjada e bem embalada, a imagem e o cheiro seria repulsivo para a maior parte dos seres humanos. Por sua vez, uma hiena que encontra um animal morto no chão vai aproveitar a oportunidade de o devorar. Se o leitor visse um animal morto na rua, pensaria «Que maravilha! Acho que vou parar o carro e comer aquele cadáver»? Outro fator psicológico a considerar é que, quando um animal carnívoro está com fome, encontra‑se no seu máximo. O mecanismo da fome ativa a força, a velocidade e a precisão. Com os seres humanos, passa‑se exatamente o contrário. Com fome, ser‑nos‑ia difícil caçar um animal. Esfomeados, temos menos força, velocidade e concentração. A fome estimula um carnívoro a ir caçar, e inibe, fisicamente, um ser humano de o fazer.

Quando os seres humanos vestem o seu equipamento de camufla‑gem e vão à caça de ursos, veados ou alces, o que fazem depois de os matar? Não devoram o animal como um carnívoro o faria. Em vez disso, carregam o cadáver para a carrinha, levam‑no para casa, limpam‑no, tiram‑lhe o pelo, a pele e o sangue, e depois cozinham‑no. Se um caça‑dor comesse a carne na floresta, crua, como um animal carnívoro, ficaria doente e poderia até morrer. Passa‑se o contrário com os carnívoros. Se comessem carne cozinhada, iriam ficar doentes e morrer. Até os leões domesticados de circo têm de comer carne crua para não morrerem à fome.

O Dr. Francis M. Pottenger fez um dos maiores estudos sobre carne crua versus carne cozinhada nos animais, usando 900 gatos. O estudo, feito ao longo de dez anos, teve resultados drásticos sobre as vantagens da carne crua para o felino carnívoro. Nesta experiência, os gatos que se alimentavam de carne crua tiveram filhos ano após ano, sem qualquer doença ou morte prematura. Os gatos que se alimentavam do mesmo tipo de carne, mas cozinhada, tiveram problemas cardíacos, cancro, pneumonia, problemas de rins e de tiroide, perda de dentes, artrite, pro‑blemas a dar à luz, diarreia, problemas de fígado e osteoporose. Eis a iro‑nia. A carne vermelha crua é perigosa para os seres humanos, e a carne cozinhada é perigosa para animais carnívoros.57 Se um veado se queima num incêndio na floresta, um carnívoro não comerá a sua carne. Os ani‑mais carnívoros não comem carne cozinhada.

O Dr. William C. Roberts, editor do American Journal of Cardiology, resume isto muito bem: «Há milhares de anos, quando éramos caçadores‑coletores, talvez tivéssemos necessidade de um pouco de carne na nossa alimentação em épocas de escassez, mas não precisamos

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dela agora. Ainda que achemos que o somos, e ajamos dessa fora, não somos carnívoros naturais. Quando matamos animais para os comer, eles acabam por nos matar, porque a carne, que tem colesterol e gordura saturada, não é adequada para os seres humanos, que, na verdade, são herbívoros naturais.»58

Consegue digerir isto?As provas arqueológicas e científicas mostram‑nos que o homem pré‑histórico era principalmente vegetariano. Talvez tenha resolvido comer carne quando já não havia plantas, fruta, vegetais e legumes.

A verdadeira dieta dos homens das cavernas

Graças aos avanços na tecnologia moderna, sabe‑se, atualmente, mais sobre a alimentação dos nossos antepassados. Informações apresentadas a 12 de novembro de 2010, na Proceedings of the National Academy of Sciences, re‑velaram que tinham sido encontrados grãos fossilizados de plantas e mate‑riais vegetais nos dentes de homens das cavernas e que alguns deles estavam cozinhados. As partículas microscópicas presas nos dentes não continham carne, mas sim resíduos de plantas, cevada, raízes, tubérculos e tâmaras.59 É um resultado interessante, considerando que os defensores da dieta Pa‑leo (dos «homens das cavernas») nos dizem que não deveríamos ingerir alimentos que os nossos antepassados não ingeriam, que, dizem, incluíam cereais e feijões. Considerando que estes fósseis provam que os homens das cavernas comiam feijões, que fornecem muita proteína, a assunção de que só obtinham proteína através da carne vermelha deixa de ser correta.60 A ci‑ência mostra‑nos que os nossos antepassados Neandertais comiam, ocasio‑nalmente, carne vermelha, peixe, aves e até ovos, mas a sua dieta baseava‑se essencialmente em plantas.

O Dr. Dolores Piperno, do Museu Nacional de História Natural, do Instituto Smithsoniano, em Washington, disse: «Os Neandertais consumiam várias das plantas disponíveis nos seus ambientes locais e transformavam‑nas em alimentos mais facilmente digeríveis, por exemplo, cozinhando‑os, o que sugere uma certa sofisticação nos seus regimes alimentares.»61

Portanto, se o baixo e encorpado Fred Flintstone vivesse nos dias de hoje, passaria pela churrascaria e iria direto ao buffet de saladas.

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O que começou por ser uma investigação universitária acabou por me fazer entender que não fomos programados para comer o mesmo que os carnívoros. O mais importante é que os nossos antepassados achavam o mesmo. Devido a supermercados, empacotamentos, refrigeração, tec‑nologia e inovações na agricultura, os seres humanos modernos segui‑ram uma dieta rica em carne bovina, porco, frango, produtos lácteos e ovos. Há algum benefício nutricional em comer este tipo de alimentos? Que mais podemos descobrir sobre a alimentação e a nutrição, e de que forma as nossas escolhas se relacionam com a prevenção de doenças? Dedico todos os restantes capítulos deste livro a estas questões.

Descoberta: De acordo com a ciência forense que ana‑lisa dentes, ossos e partículas capilares mumificadas, os nossos antepassados tinham um regime alimentar es‑sencialmente à base de plantas.

Instinto: A imagem de um animal ferido e o cheiro do seu sangue estimulam os carnívoros. O som dos gritos de um animal a ser dila‑cerado em pedaços anima os carnívoros. Se fosse suposto que os seres humanos tivessem uma alimentação principalmente carnívora, por que razão iria isto repugnar‑nos?

Origem: Quando analisamos a anatomia humana, descobrimos que não fomos programados para termos uma alimentação rica em car‑ne. Os dentes humanos, a saliva, o pH do estômago, o cólon e o ta‑manho do fígado não são ideais para ingerir e digerir grandes quan‑tidades de carne. Os seres humanos têm dentes, mãos e um sistema digestivo semelhante ao do chimpanzé, o nosso parente vivo mais próximo. Os chimpanzés comem ursos, leões, veados e vacas? Não, não comem.