14
Os Sem-Abrigo de hoje não são os mesmos de há duas décadas. Àqueles que se entendia como sendo os marginalizados clássicos – os mendigos e os vagabundos – veio juntar-se uma nova gera- ção de excluídos, resultante de crises económi- cas, da crise de valores, do desemprego, do con- sumo de substâncias e das influências das polí- ticas sociais (Pimenta, 1992). Apesar dos Sem- Abrigo continuarem a ser maioritariamente do sexo masculino (FEANTSA, citada por Avra- mov, 1995), assiste-se actualmente ao apareci- mento de «novos» Sem-Abrigo nomeadamente de mulheres (Grella, 1994; Rossi, 1990), de fa- mílias (Rossi, 1990; Shinn, Knickman, Ward, Petrovic, & Muth, 1990), de jovens (Johnson, Aschkenasy, Herbers, & Gillenwater, 1996), e de idosos (Abdul-Hamid, 1997; Elias & Inui, 1993; Kutza & Keigher, 1991). No contexto da União Europeia, estimava-se que em 1995 próximo de 18 milhões de pessoas se encontrassem numa situação de Sem-Abrigo ou extremamente mal alojadas (Avramov, 1995). Este número incluiria 1.8 milhões de pessoas dependentes de serviços para indivíduos Sem- Abrigo, 0.9 milhões de pessoas a viver em quar- tos alugados, e 15 milhões de pessoas a viver em condições habitacionais extremamente instáveis. 299 Análise Psicológica (2001), 2 (XIX): 299-312 E se perguntássemos aos Sem-Abrigo?!! Satisfação e necessidades percepcionadas face aos serviços, num abrigo de Lisboa (*) FERNANDO M. V. de SOUSA (**) SANDRA M. de ALMEIDA (***) To live on the street is to be an “eye-sore”, to be ostracized, to have nothing, to be nothing, to be invisible, the object of anger, the object of guilt, painfully ignored or pitied. Rae Bridgman, 1998 (*) Este artigo é uma síntese da dissertação do Curso de Estudos Superiores Especializados em Saúde Mental Comunitária (Instituto Superior de Psicologia Aplicada) realizada pelo primeiro autor sob orientação da segunda autora. (**) Fundação António Silva Leal, Apartado 824, 8000-080 Faro, [email protected] (***) Gabinete de Gestão EQUAL, Avenida da Re- pública, 62, 7.º, 1050-197 Lisboa, [email protected]

NECESSIDADES PERCEPCIONADAS FACE AOS SERVIÇOS EM RELAÇÃO AOS SEM-ABRIGO – ARTIGO CIENTÍFICO - 2001

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Em 1993, estimava-se que o número de pessoas sem-abrigo em Lisboa seria próximo de 4500 pessoas. Mas foram feitos estudos com diferentes métodos de recolha de dados. Os factores que levam estas pessoas em encontrarem-se na situação de sem-abrigo vão desde a influência sócio-económica, à desinstitucionalização, às problemáticas mentais até ao papel desempenhado pelos serviços sociais. Todavia, tem se realizado algumas tentativas para resolver ou atenuar os problemas das pessoas Sem-Abrigo, sobretudo através da institucionalização e à criação de albergues e refeitórios, sendo ainda necessário arranjar mais estratégias com vista a proporcionar a autonomia destes.

Citation preview

Page 1: NECESSIDADES PERCEPCIONADAS FACE AOS SERVIÇOS EM RELAÇÃO AOS SEM-ABRIGO – ARTIGO CIENTÍFICO - 2001

Os Sem-Abrigo de hoje não são os mesmos dehá duas décadas. Àqueles que se entendia comosendo os marginalizados clássicos – os mendigose os vagabundos – veio juntar-se uma nova gera-ção de excluídos, resultante de crises económi-cas, da crise de valores, do desemprego, do con-sumo de substâncias e das influências das polí-

ticas sociais (Pimenta, 1992). Apesar dos Sem-Abrigo continuarem a ser maioritariamente dosexo masculino (FEANTSA, citada por Avra-mov, 1995), assiste-se actualmente ao apareci-mento de «novos» Sem-Abrigo nomeadamentede mulheres (Grella, 1994; Rossi, 1990), de fa-mílias (Rossi, 1990; Shinn, Knickman, Ward,Petrovic, & Muth, 1990), de jovens (Johnson,Aschkenasy, Herbers, & Gillenwater, 1996), e deidosos (Abdul-Hamid, 1997; Elias & Inui, 1993;Kutza & Keigher, 1991).

No contexto da União Europeia, estimava-seque em 1995 próximo de 18 milhões de pessoasse encontrassem numa situação de Sem-Abrigoou extremamente mal alojadas (Avramov, 1995).Este número incluiria 1.8 milhões de pessoasdependentes de serviços para indivíduos Sem-Abrigo, 0.9 milhões de pessoas a viver em quar-tos alugados, e 15 milhões de pessoas a viver emcondições habitacionais extremamente instáveis.

299

Análise Psicológica (2001), 2 (XIX): 299-312

E se perguntássemos aos Sem-Abrigo?!!Satisfação e necessidades percepcionadas face aos serviços,

num abrigo de Lisboa (*)

FERNANDO M. V. de SOUSA (**)SANDRA M. de ALMEIDA (***)

To live on the street is to be an “eye-sore”, to be ostracized, to havenothing, to be nothing, to be invisible, the object of anger, the object ofguilt, painfully ignored or pitied.

Rae Bridgman, 1998

(*) Este artigo é uma síntese da dissertação doCurso de Estudos Superiores Especializados em SaúdeMental Comunitária (Instituto Superior de PsicologiaAplicada) realizada pelo primeiro autor sob orientaçãoda segunda autora.

(**) Fundação António Silva Leal, Apartado 824,8000-080 Faro, [email protected]

(***) Gabinete de Gestão EQUAL, Avenida da Re-pública, 62, 7.º, 1050-197 Lisboa, [email protected]

Page 2: NECESSIDADES PERCEPCIONADAS FACE AOS SERVIÇOS EM RELAÇÃO AOS SEM-ABRIGO – ARTIGO CIENTÍFICO - 2001

Também em Portugal se têm feito algumasestimativas sobre o número de pessoas em situa-ção de Sem-Abrigo. Fernandes (1993) estimavaque existissem em Lisboa próximo de 4500 pes-soas nessa situação. Baseando-se em númerosfornecidos por instituições que dispõem de abri-gos temporários, Nascimento (citado por Avra-mov, 1995) estimava que durante o ano de 1993cerca de 2870 pessoas teriam passado por essetipo de instalações. Por seu lado Bento, Barreto,e Pires (1996) situaram a população Sem-Abrigoentre os 2000 e os 3500 indivíduos. Mais recen-temente Pereira e Silva (1998), apontavam paraque o número de pessoas Sem-Abrigo a pernoi-tar nas ruas de Lisboa se situava entre um míni-mo de 654 indivíduos e um máximo de 8591.

Para compreendermos um pouco melhor estesnúmeros teremos que ter em consideração quenestes estudos foram utilizados diferentes méto-dos de recolha de dados. O facto de não existiruma definição consensual sobre o que se entendecomo sendo um indivíduo em situação de Sem-Abrigo tem contribuído também para a existên-cia de certas discrepâncias. Assim, têm-se cons-tatado que consoante a definição e as metodolo-gias utilizadas se registam variações, nalguns ca-sos significativas, quanto ao número de Sem--Abrigo existentes.

1. FACTORES CONDUCENTES A SITUAÇÕESDE SEM-ABRIGO E SUAS CONSEQUÊNCIAS

São vários os factores apontados como condu-centes a situações de Sem-Abrigo, desde influ-ências socio-económicas, à desinstitucionaliza-ção, às problemáticas mentais até ao papel de-sempenhado pelos serviços sociais (Mc Carty,Argeriou, Huebner, & Lubran, 1991; Solarz &Bogat, 1990; Toro, 1998). Dentro das influênciassocio-económicas incluem-se os elevados preçosdo mercado habitacional (Daly, 1992; Harvey,

1994 August), a existência de dificuldades eco-nómicas (Koegel, Melamid, & Burnam, 1995), oabuso de substâncias (Johnson, Freels, Parsons,& Vangeest, 1997) e a influência precursora deconflitos familiares (Koegel et al., 1995).

A desinstitucionalização tem sido tambémfrequentemente considerada como uma das prin-cipais causas de situações de Sem-Abrigo. Toro(1998) analisando diversos estudos, homogéneosdo ponto de vista da metodologia e dos concei-tos, constatou que a maioria dos indivíduos emsituação de Sem-Abrigo não apresentava proble-máticas psiquiátricas, e muitos dos que as apre-sentavam nunca haviam sido hospitalizados.Efectivamente, registou-se que a proporção dosindivíduos Sem-Abrigo com estas problemáticas,não representaria mais do que 1/3 da populaçãototal.

Plumb, McManus, e Carson (1996) alertam--nos para o facto de muitos serviços sociais sebasearem no pressuposto de que todos as pessoastêm uma morada, um meio de transporte, umtelefone, que sabem ler, e seguir determinadasinstruções. As atitudes paternalistas (Morris,1997), os comportamentos preconceituosos(Osher & Dixon, 1996), a pouca, ou inexistente,troca de informações inter-institucionais (Plumbet al., 1996), são outros exemplos do tipo de si-tuações com que os Sem-Abrigo se deparam jun-to dos serviços.

2. MEDIDAS ADOPTADAS NO COMBATE ÀSSITUAÇÕES DE SEM-ABRIGO

Ao longo dos tempos têm sido feitas algumastentativas para resolver ou minorar os problemasdos Sem-Abrigo, nomeadamente através do re-curso a institucionalizações e à criação de alber-gues e refeitórios. No entanto, estas medidas têmtido essencialmente um carácter de «manuten-ção», na medida em que não visavam uma au-tonomia dos seus utentes, mantendo a sua depen-dência face aos serviços. Por outro lado, o enfo-que dos serviços em abordagens individuais,restringindo-se à sua área de intervenção directa,o facto de alguns Sem-Abrigo não recorreremaos serviços (Dennis, Buckner, Lipton, & Levi-ne, 1991), bem como o de frequentemente nãopossuírem documentos de identificação, elemen-tos através dos quais os serviços se organizam

300

1 Note-se contudo que no universo estudado não seincluíram três situações – o Casal Ventoso, AlberguesNocturnos e indivíduos a residir em camaratas epensões com apoio de instituições de solidariedadesocial.

Page 3: NECESSIDADES PERCEPCIONADAS FACE AOS SERVIÇOS EM RELAÇÃO AOS SEM-ABRIGO – ARTIGO CIENTÍFICO - 2001

(Barreto, 1998), tem contribuído para a manuten-ção de muitas situações de Sem-Abrigo.

Autores como Shinn et al. (1990) defendemque a solução definitiva para as situações deSem-Abrigo não reside no fornecimento de abri-go temporário. No entanto, os problemas conjun-turais (desemprego, os elevados preços no mer-cado habitacional, a ausência de programas inter-institucionais) fazem com que a resolução das si-tuações de Sem-Abrigo seja morosa. Tal cenárioconduz-nos, a que no imediato, centremos asnossas atenções sobre a qualidade dos abrigosexistentes e dos serviços que neles, e fora deles,se prestam.

É neste contexto que se desenvolve o presenteestudo, que consiste num levantamento das ne-cessidades, preferências e níveis de satisfaçãocom os serviços prestados num abrigo e com ou-tros serviços da comunidade. Trata-se de um es-tudo descritivo, com uma componente explora-tória, que recorreu a uma amostra de indivíduosdo sexo masculino em situação de Sem-Abrigo,num abrigo da cidade de Lisboa. Procurou-seevidenciar até que ponto é que uma variedade deserviços disponíveis na comunidade foramefectivamente utilizados, quais os mais deseja-dos, e quais as dificuldades sentidas na sua ob-tenção. Pretendeu-se ainda recolher as percep-ções que os utentes têm dos serviços, bem como,as suas sugestões para a melhoria dos mesmos.

3. METODOLOGIA

3.1. Universo de estudo e processo de amos-tragem

A recolha de dados efectuou-se entre Maio eAgosto de 1999 num abrigo da cidade de Lisboa,para indivíduos do sexo masculino. Face aos ob-jectivos deste estudo operacionalizou-se o termoSem-Abrigo tendo por base uma definição utili-zada por Sosin e Grossman (1991). Assim, en-tendeu-se como Sem-Abrigo toda a situação emque uma pessoa durante o período mínimo deuma semana se encontre a dormir num local pú-blico, tal como na rua, num abrigo, ou em qual-quer outro local que possa ser considerado de al-gum modo como um espaço temporário. Inclu-em-se ainda nesta definição todas aquelas vezes

que um indivíduo possa ter ficado a viver comamigos, com familiares, ou em quartos pagos poralguma instituição, ou serviço social.

O abrigo tem uma capacidade de 27 camas2

distribuídas por seis quartos. O acesso efectua-sepor intermédio de vários serviços sociais daÁrea Metropolitana de Lisboa, sendo feito porencaminhamento, e não por procura directa.Destinando-se essencialmente àqueles indiví-duos que iniciaram recentemente uma actividadelaboral, pretende ser um local de transição ondeestes possam permanecer até conseguirem obteruma habitação mais estável. No entanto, o aces-so também é facilitado aos indivíduos que se en-contrem em vias de obter um emprego. A perma-nência no abrigo está condicionada a um períodode 2 meses (sujeito a prorrogação, medianteavaliação do caso) e a uma comparticipação novalor de 600$00/dia, que proporciona acesso auma lavandaria, a um balneário e a duas refei-ções (pequeno almoço e jantar). Mediante mar-cação prévia, é ainda possível aceder a consultasmédicas e a apoio jurídico.

Devido ao carácter transitório da estadia dosutentes no abrigo recorremos a um processo deamostragem por conveniência. Contudo, definiu-se como critério de elegibilidade, que todos os(potenciais) participantes estivessem há pelomenos 15 dias no abrigo e tivessem sido alvo decontacto prévio. Contactámos, assim, 20 residen-tes, tendo 16 concluído o questionário. Dos 4não respondentes, os motivos variaram entre asdificuldades de expressão e compreensão doportuguês (2), desistência (1) e manifesto desin-teresse (1). Dos 16 questionários concluídos, re-velou-se necessário que dois deles fossem apre-sentados oralmente em francês.

3.2. Características dos participantes

A idade dos participantes compreendeu-seentre os 21 e os 57 anos (média= 36.43 anos;SD= 12.51), sendo estes predominantementecaucasianos (81.3%), solteiros (75.0%), sem

301

2 Durante o período de tempo em que decorreu anossa observação participante, por motivo de obras alotação do abrigo encontrava-se limitada a 20 camas.

Page 4: NECESSIDADES PERCEPCIONADAS FACE AOS SERVIÇOS EM RELAÇÃO AOS SEM-ABRIGO – ARTIGO CIENTÍFICO - 2001

filhos (56.3%), e naturais de Lisboa (43.8%).Apenas 12.5% (n= 2) dos participantes não eramde nacionalidade portuguesa, encontrando-se emPortugal (e a residir em Lisboa) há menos de umano. A maioria dos participantes residia em Lis-boa há dez ou mais anos (62.5%). O nível de es-colaridade evidenciado pelos participantesrevelou-se heterogéneo. Contudo, o grupo maisrepresentado situava-se ao nível do 1.º ciclo doensino básico (31.3%). Na sua maioria encontra-vam-se empregados (75.0%) trabalhando predo-minantemente em empresas de cargas e descar-gas/mudanças (25.0%), em trabalhos de jardina-gem (18.8%) e no sector da construção civil(12.5%). A maior parte dos participantes encon-travam-se pela primeira vez numa situação deSem-Abrigo (62.5%), tendo passado no últimoano entre 6 a 9 meses (30.0%) nessa situação.Para 18.8% dos participantes era a primeira vezque recorriam a um abrigo.

3.3. Instrumento

Utilizámos um questionário semi-estruturadodum estudo efectuado por Susser, Valencia, Co-nover, Felix, Tsai, e Wyatt (1997), referente a umprograma de transição, e posterior acompanha-mento, de 102 indivíduos Sem-Abrigo do sexomasculino com problemáticas mentais, dum abri-go para vários tipos de habitação em contextocomunitário. Traduziu-se e adaptou-se o questio-nário, tendo em consideração os objectivos destetrabalho, as características da população e docontexto onde foi aplicado.

4. PROCEDIMENTOS

Procedeu-se à recolha de dados através de trêsmétodos diferentes, nomeadamente, observaçãoparticipante, aplicação de um questionário econsulta de registos internos do abrigo.

4.1. A observação participante

Apresentámo-nos aos residentes desde o iní-cio, como estando interessados em compreendermelhor o quotidiano das pessoas em situação deSem-Abrigo. Passámos no abrigo um total de118 horas, predominantemente na sala de estar//refeições onde de forma informal íamos contac-

tando com os residentes. O registo dessas inter-acções decorria em momento imediatamenteposterior, embora já fora do abrigo.

4.2. O pré-teste

No sentido de verificarmos a adequação con-textual e linguística do questionário contactámos4 residentes, tendo-se entregado a cada um delesuma cópia do questionário. Depois, individual-mente, pediu-se-lhes que à medida que o fossemlendo, e na nossa presença, nos referissem assuas dúvidas bem como as suas críticas e suges-tões. Pela mesma altura entregou-se tambémuma cópia do questionário à equipa técnica doabrigo tendo-se adoptado o mesmo procedimen-to. Em resultado destas medidas efectuámos al-gumas alterações de forma a tornar a compreen-são das perguntas mais fácil. Foram ainda retira-dos alguns itens que constavam do instrumentooriginal por não se aplicarem ao contexto doabrigo, bem como às características da popula-ção residente. Nenhum dos 4 residentes con-tactados nesta fase foi depois incluído na amos-tra.

4.3. A aplicação do questionário

O questionário foi apresentado oralmente nu-ma base «um-a-um», começando-se sempre porfazer uma breve apresentação dos objectivos doestudo, salientando a importância da participaçãodo entrevistado no sentido de se obter uma visãomais abrangente das diferentes situações deSem-Abrigo. Explicava-se-lhe ainda que a suaparticipação tinha uma importância acrescidapelo facto desta ser uma área pouco estudada emPortugal (referindo-se aqui as poucas publica-ções sobre esta matéria a que tivemos acesso).Apresentou-se-lhes oralmente garantias de ano-nimato, explicitando-se ainda o seu direito a nãoresponder a uma ou mais questões. Referiu-seque, se assim o desejasse poderia, a qualquermomento dar por terminada a entrevista. O localonde as entrevistas decorreram ficou ao critériodos participantes desde que esse oferecesse pri-vacidade. O tempo necessário de aplicação doquestionário compreendeu-se entre um períodomínimo de 35 minutos e um período máximo deduas horas.

302

Page 5: NECESSIDADES PERCEPCIONADAS FACE AOS SERVIÇOS EM RELAÇÃO AOS SEM-ABRIGO – ARTIGO CIENTÍFICO - 2001

5. QUESTÕES DE INVESTIGAÇÃO

De acordo com os objectivos deste estudo, fo-ram formuladas 3 questões exploratórias:

1.ª Questão – Qual o grau de satisfação deuma amostra de pessoas Sem-Abrigo face aosserviços sociais existentes?

2.ª Questão – Que necessidades são apontadaspela amostra, relativamente às características etipo de serviços disponíveis?

3.ª Questão – Que aspectos são apontados co-mo susceptíveis de melhor responder às necessi-dades das pessoas em situação de Sem-Abrigo?

6. RESULTADOS

6.1. A necessidade de serviços no último ano

Apresentou-se aos participantes um conjuntode serviços tendo-se-lhes depois perguntado seno último ano tinham necessitado desse serviço,se o tinham recebido e caso o tivessem recebido,se tinham encontrado dificuldades, ou problemasna sua recepção. Os resultados encontram-se ex-postos na Tabela 1.

Constatou-se que as necessidades de serviçosmais referidas foram: de apoio na obtenção decomida, de roupa, e de abrigo (87.5%); de apoiona identificação/avaliação das suas necessidades(68.8%); de assistência médica para problemasde saúde física (50.0%); de apoio na área da in-formação e protecção de direitos (43.8%); deapoio na área do emprego (37.5%); e na obten-ção de cuidados dentários (37.5%). Entre osserviços que os participantes necessitaram, eaqueles que eles efectivamente receberam, a di-ferença mais acentuada verificou-se junto dosque necessitaram de apoio na informação e pro-tecção de direitos. Outros serviços onde se regis-tou uma disparidade na relação entre a necessi-dade de serviço/serviço recebido foi junto dosserviços de apoio para situações de crise, dosserviços de cuidados dentários, dos serviços deapoio na área do emprego, e de medicação paraproblemas emocionais, nervosos, ou psiquiátri-cos. Junto dos participantes que receberam osserviços pretendidos, constatou-se que a maiorproporção serviço recebido/dificuldades em re-

cebê-lo, se evidenciou junto dos que necessita-ram de aconselhamento/terapia familiar em am-bulatório, de medicação para problemas emocio-nais, nervosos, ou psiquiátricos, e de apoio emsituações de crise. De facto, todos os participan-tes que os conseguiram obter depararam-se comdificuldades. Por outro lado, houve serviços emrelação aos quais não foram apontadas dificulda-des na sua recepção, nomeadamente, de interna-mento em hospital psiquiátrico, e de apoio na in-formação e protecção de direitos.

6.2. Percepções sobre os serviços

Apresentou-se aos participantes um conjuntode afirmações sobre os serviços sociais tendo co-mo objectivo averiguar quais as suas opiniões(de definitivamente falso a definitivamente ver-dade) sobre os mesmos. Podemos constatar naTabela 2 que se registou uma maior unanimidadeperante as afirmações de que «os serviços nãofornecem a ajuda que eu preciso» e «eu não gos-to das coisas que se tem que fazer para solicitarajuda» em que 50.0% dos participantes respon-deu que seria provavelmente verdade.

6.3. Percepções sobre o abrigo

Pediu-se aos participantes que reflectissemsobre as condições habitacionais do abrigo, e quenos dessem a sua opinião (de nada satisfeitos amuito satisfeitos) sobre as mesmas. Verificou-seque a opinião mais consensual junto da maiorparte dos participantes foi a de que estes se en-contravam satisfeitos (Tabela 3). Os dois itensem que esta situação se registou de forma maisintensa foi nos itens «estado geral de manuten-ção e limpeza» e «liberdade pessoal» amboscom 62.5% das escolhas. Seguiram-se os itens«disponibilidade de água quente» e «segurançapessoal» com 50.0% das escolhas, e por fim ositens «quantidade de espaço pessoal», «acessoaos chuveiros e às instalações sanitárias», «pri-vacidade», todos eles com 43.8% das escolhas.

Tentou-se também apurar quais as suasopiniões sobre eventuais benefícios decorrentesda sua estadia no abrigo. Nesse sentido, apresen-tou-se-lhes um conjunto de itens, solicitandoque expressassem (de muito boa a muito má) apossibilidade de deles usufruir. Os resultados en-contram-se expostos na Tabela 4.

303

Page 6: NECESSIDADES PERCEPCIONADAS FACE AOS SERVIÇOS EM RELAÇÃO AOS SEM-ABRIGO – ARTIGO CIENTÍFICO - 2001

304

TABELA 1As necessidades de serviços dos participantes durante o último ano, o acesso aos mesmos,

e a experiência desse acesso (N= 16)

O contacto com os serviços

Necessitou serviço Recebeu serviço Dificuldades emreceber serviço

Necessidades n % n % n %

Identificação/Avaliação das suas necessidades 11a 68.8 8 50.0 2 12.5

Ajuda na obtenção de comida, roupa, abrigo 14 87.5 12 75.0 1 6.3

Assistência médica (para problemas de saúde física) 8 50.0 7 43.8 2 12.5

Cuidados dentários 6 37.5 2 12.5 1 6.3

Internamento Hospital Psiquiátrico 1 6.3 1 6.3 0 0.0

Aconselhamento/Terapia grupo em ambulatório 0 0.0 – – – –

Aconselhamento/Terapia individual em ambulatório 3b 18.8 0 0.0 – –

Aconselhamento/Terapia familiar em ambulatório 2c 12.5 1 6.3 1 6.3

Hospitalização parcial ou Hospital de Dia 2 12.5 2 12.5 1 6.3

Medicação (problemas emocionais, nervosos ou psiquiátricos) 3 18.8 1 6.3 1 6.3

Apoio situação crise 4 25.0 1 6.3 1 6.3

Apoio na área do emprego (e.g. formação profissional, ...) 6d 37.5 2 12.5 1 6.3

Apoio na informação e protecção de direitos 7e 43.8 1 6.3 0 0.0

Programa de tratamento ambulatório da dependência de álcool 1f 6.3 0 0.0 – –

Comunidade terapêutica tratamento dependência de álcool 0g 0.0 – – – –

Programa de tratamento ambulatório da dependência de drogas 1h 6.3 0 0.0 – –

Comunidade terapêutica tratamento dependência de drogas 0i 0.0 – – – –

a 6.3% (n= 1) dos participantes respondeu que não sabia, e 25.0% (n= 4) responderam que não necessitaram.b 6.3% (n= 1) dos participantes respondeu que não sabia, e 75.0% (n= 12) responderam que não necessitaram.c 6.3% (n= 1) dos participantes respondeu que não sabia, e 81.3% (n= 13) responderam que não necessitaram.d 6.3% (n= 1) dos participantes não responderam, e 56.3% (n= 9) responderam que não necessitaram.e 6.3% (n= 1) dos participantes não responderam, e 50.0% (n= 8) responderam que não necessitaram.f 6.3% (n= 1) dos participantes não responderam, e 87.5% (n= 14) responderam que não necessitaram.g 6.3% (n= 1) dos participantes não responderam, e 93.8% (n= 15) responderam que não necessitaram.h 6.3% (n= 1) dos participantes não responderam, e 87.5% (n= 14) responderam que não necessitaram.i 6.3% (n= 1) dos participantes não responderam, e 93.8% (n= 15) responderam que não necessitaram.

Page 7: NECESSIDADES PERCEPCIONADAS FACE AOS SERVIÇOS EM RELAÇÃO AOS SEM-ABRIGO – ARTIGO CIENTÍFICO - 2001

305

TABELA 2Percepção dos participantes sobre as suas experiências com os serviços sociais, percentagens

Opiniões (N= 16)

Afirmações definitivamente provavelmente provavelmente definitivamentefalso falso verdade verdade

A maioria dos trabalhadores dos serviços sociais não 25.0 18.8 37.5 18.8ajudam realmente as pessoas

Geralmente não vale a pena o tempo e o esforço gasto em 12.5 25.0 18.8 43.8deslocar-me à maioria dos serviços

Falar com os trabalhadores/técnicos dos serviços sociais é 12.5 31.3 25.0 31.3embaraçoso

Não preciso de nenhuma da ajuda que os serviços podem 25.0 31.3 31.3 12.5fornecer

É muito difícil deslocar-me/ir a muitos serviçosa 12.5 37.5 25.0 18.8

Eu não preciso de ajuda psiquiátrica 37.5 6.3 18.8 37.5

Os serviços não fornecem a ajuda que eu preciso 18.8 6.3 50.0 25.0

Os técnicos não se esforçam o suficiente para ajudar as 12.5 18.8 25.0 37.5pessoasb

Os técnicos aborrecem-me demasiado com perguntas 25.0 37.5 31.3 6.3

É muito difícil pedir ajuda 43.8 – 12.5 43.8

Eu não gosto das coisas que se tem que fazer para solicitar 18.8 18.8 50.0 12.5ajuda

Quando preciso de ajuda, prefiro ir ter com os meus amigos 12.5 18.8 43.8 18.8ou familiares do que ir aos serviçosc

Não gosto de falar sobre os meus problemas com outras 18.8 12.5 25.0 43.8pessoas

a 6.3% (n= 1) dos participantes respondeu que não sabia.b Ibidem.c Ibidem.

Page 8: NECESSIDADES PERCEPCIONADAS FACE AOS SERVIÇOS EM RELAÇÃO AOS SEM-ABRIGO – ARTIGO CIENTÍFICO - 2001

A opinião mais consensual foi a oportunidadede acesso a uma lavandaria, que a maioria consi-derou como sendo boa (75.0%). A maioria dosparticipantes considerou que no abrigo tinhamboas oportunidades para fazer amigos (62.5%) eque tinham também boas oportunidades de ter osuficiente para comer (50.0%). Por outro lado,quando colocados perante quais as possibilida-des de no abrigo terem relações sexuais a maiorparte considerou que eram muito más (50.0%).A possibilidade de obter auxilio médico, a opor-tunidade para planear o próprio dia e a possibili-dade de se estar sozinho quando se quisesse, fo-ram aspectos que uma parte significativa dos

participantes (43.8%) consideraram que tinhamboas possibilidades de ter ou de vir a ter. Relati-vamente à possibilidade de obter drogas no abri-go, a maioria dos participantes (75.0%) não quisresponder a este item.

No que concerne à opinião dos participantessobre as regras do abrigo a maioria (75.0%) con-siderou que as existentes eram as adequadas pa-ra o funcionamento do mesmo. Contudo, caso ti-vessem oportunidade, 50.0% dos participantescriaria outras regras, designadamente, mais dis-ciplina, mais segurança, mais respeito, e a apli-cação de sanções mais vigorosas em caso de in-cumprimento das regras estipuladas. Paralela-

306

TABELA 3Níveis de satisfação manifestados com as condições habitacionais no abrigo, pergentagens

Níveis de satisfação (N= 16)

Condições habitacionais nada insatisfeito razoavelmente satisfeito muitosatisfeito satisfeito satisfeito

Quantidade de espaço pessoal – 12.5 31.3 43.8 12.5Acesso aos chuveiros e instalações sanitárias 6.3 6.3 31.3 43.8 12.5Disponibilidade de água quente – 6.3 12.5 50.0 31.3Estado geral de manutenção e limpeza – – 18.8 62.5 18.8Segurança pessoal 12.5 6.3 18.8 50.0 12.5Liberdade pessoal 12.5 6.3 6.3 62.5 12.5Privacidade 18.8 18.8 6.3 43.8 12.5

TABELA 4Percepção sobre as facilidades que a permanência no abrigo pode possibilitar, percentagens

Opinião formada (N= 16)

Possiblidade de: muito boa boa má muito má n.r.a

Obter auxílio médico 12.5 43.8 12.5 – 31.3Ter acesso a uma lavandaria 12.5 75.0 12.5 – –Oportunidade de planear o próprio dia 25.0 43.8 12.5 12.5 6.3Estar sozinho quando quiser – 43.8 25.0 6.3 25.0Divertir-se 31.3 31.3 12.5 6.3 18.8Fazer amigos – 62.5 12.5 12.5 12.5Ter o suficiente para comer 18.8 50.0 18.8 – 12.5Receber convidados à noite – 6.3 18.8 37.5 37.5Ter relações sexuais – – 12.5 50.0 37.5Obter ajuda na resolução de outros problemas 12.5 37.5 18.8 12.5 18.8Obter drogas – – 6.3 18.8 75.0

a Participantes que não responderam a este item.

Page 9: NECESSIDADES PERCEPCIONADAS FACE AOS SERVIÇOS EM RELAÇÃO AOS SEM-ABRIGO – ARTIGO CIENTÍFICO - 2001

mente foi expressado, por alguns, o desejo decritérios mais rigorosos de admissão ao abrigo,nomeadamente, não admissão de pessoas comperturbações mentais ou com problemáticas dealcoolismo, aspecto que se inscreve num contex-to de receio quanto à sua segurança pessoal.Com efeito, é de notar, que 25.0% dos partici-pantes referiram terem sido vítimas de crimes noúltimo ano, nomeadamente de assaltos e agres-sões físicas.

No que concerne ao horário de funcionamentodo abrigo, mais de metade (56.3%) considerou-omuito curto, tendo referido que caso tivessemoportunidade, estabeleceriam outro horário, de-signadamente, a abertura do abrigo por um pe-ríodo mais longo e o alargamento do horário dasrefeições, numa óptica de maior compatibiliza-ção com os diferentes horários de trabalho. Ain-da relativamente ao abrigo, note-se que todos osparticipantes (n= 16) consideraram que aquandoda sua chegada os funcionários tinham sidoprestáveis e atenciosos.

6.4. Preferências habitacionais

Solicitou-se aos participantes para que de ummodo geral comparassem o abrigo com a últimahabitação (de carácter permanente) em que vive-ram antes de se encontrem numa situação deSem-Abrigo. A opinião mais consensual foi a deque o abrigo era muito pior (31.3%), tendo-se re-gistado uma equivalência entre os que considera-

ram que o abrigo era um pouco pior (18.8%), eos que consideraram que era muito melhor(18.8%). Quando colocados perante a oportuni-dade de uma eventual mudança para uma habita-ção de carácter permanente, todos os participan-tes (n= 16) responderam preferir mudar. Note-seainda, que nenhum deles soube indicar um as-pecto que lhes pudesse agradar pelo facto de nãoterem uma casa sua para viver. Nesta sequênciana Tabela 5 encontram-se os aspectos que estesconsideraram como sendo os mais difíceis numaexperiência de Sem-Abrigo.

Os aspectos mais referidos foram a ausênciade laços com outras pessoas (50.0%), a ausênciade privacidade (31.3%), não ter dinheiro (31.3%)e não ter um lugar onde ficar (25.0%).

6.5. Historial de experiências institucionais

Alguns dos participantes contactaram desdecedo com o universo institucional, mesmo desdea sua infância. Dentro do subgrupo de partici-pantes que tiveram algumas destas experiências,os mais representados foram os que tiveram emcolégios internos de instituições de assistênciasocial (18.8%) e os que viveram em institutos dereeducação juvenil (18.8%). Constatou-se tam-bém que houve participantes que estiveram emestabelecimentos prisionais (37.5%), em serviçosde tratamento de alcoolismo (12.5%), em comu-nidades terapêuticas (6.3%), hospitalizados devi-do a problemas emocionais, nervosos, ou psi-

307

TABELA 5Os dois aspectos primeiramente referidos como sendo os mais difíceis numa experiência de

Sem-Abrigo (N= 16)

1.ª referência 2.ª referência(n= 16) (n= 10) Total

Aspectos n % n % n %

Não ter dinheiro 4 25.0 1 6.3 5 31.3Não ter um lugar onde ficar 4 25.0 – – 4 25.0Não ter comida – – 1 6.3 1 6.3Falta de sentimento de segurança 1 6.3 1 6.3 2 12.5Ausência de laços com outras pessoas 3 18.8 5 31.3 8 50.0Ausência de privacidade 4 25.0 1 6.3 5 31.3Outros – – 1 6.3 1 6.3

Page 10: NECESSIDADES PERCEPCIONADAS FACE AOS SERVIÇOS EM RELAÇÃO AOS SEM-ABRIGO – ARTIGO CIENTÍFICO - 2001

quiátricos (12.5%), e também em residências su-pervisionadas «halfway houses» para pessoascom estas problemáticas (6.3%).

6.6. Utilização de substâncias

A maioria dos participantes (62.5%) referiuter consumido álcool nos últimos 30 dias (mé-dia= 24.9 dias; SD= 9.07). Destes, 43.8% consu-miram álcool todos os dias e 12.5% fizeram-nocom o intuito de se embriagarem (média= 2.5dias; SD= 2.12). Para além do álcool, a únicaoutra substância referida foi a heroína, apenaspor um participante (6.3%).

7. DISCUSSÃO

Relativamente à primeira questão de investi-gação – Qual o grau de satisfação de uma amos-tra de pessoas Sem-Abrigo face aos serviços so-ciais existentes? – a maior parte dos participan-tes considerou que a maioria dos serviços soci-ais: (a) não tinha capacidade para os ajudar deuma forma efectiva; (b) não ia ao encontro dassuas necessidades; (c) dava respostas insatisfa-tórias e desfasadas das suas necessidades; (d) da-va uma ajuda precedida de um tempo de esperageralmente longo; (e) e tinha técnicos e funcio-nários insuficientemente empenhados.

No que concerne à segunda questão de inves-tigação – Que necessidades são apontadas pelaamostra relativamente às características e tipode serviços disponíveis? – constatámos que asnecessidades mais referidas foram: (a) apoio naobtenção de alimentação, vestuário, e abrigo; (b)apoio na identificação e avaliação das suas ne-cessidades; (c) assistência médica (para proble-mas de saúde física); (d) apoio na informação eprotecção de direitos; (e) apoio na área do em-prego; (f) e de cuidados dentários.

Quanto à terceira questão de investigação –Que aspectos são apontados como susceptíveisde melhor responder às necessidades das pesso-as em situação de Sem-Abrigo? – esses aspectospassarão por: (a) alargamento do horário de fun-cionamento dos serviços sociais; (b) desenvolvi-mento de respostas individualizadas; (c) acom-panhamento in loco (na comunidade) dos váriosaspectos do processo de (re)inserção social; (d)desenvolvimento de esforços de advocacy na

protecção de direitos; (e) diminuição dos aspec-tos burocráticos de acesso aos serviços e a pro-gramas de apoio; (f) maior celeridade nas res-postas; (g) e maior flexibilidade das regras e nor-mas de funcionamento dos serviços.

7.1. Sobre as necessidades e os serviços

Constatámos que as necessidades referidaspelos participantes foram consonantes com asapontadas noutros estudos (Acosta & Toro, noprelo; Bento et al., 1996; Moxley & Freddolino,1991; Rosenheck & Lam, 1997). Assim, verifi-cámos que, apesar da ajuda na obtenção de co-mida, roupa e abrigo, ter sido uma das mais re-feridas esta não foi uma das mais difíceis de su-prir. De facto, tal como Bento et al. (1996)constatámos que relativamente à alimentação, eà roupa existem em Lisboa várias instituições so-ciais que disponibilizam este tipo de serviço.

Pela importância que a literatura existente naárea dos Sem-Abrigo dá ao abuso de substânciase ao tratamento de perturbações mentais juntodesta população, poder-se-ia pensar que os servi-ços mais pretendidos estariam relacionados como tratamento destas problemáticas. Contudo, asprioridades dos participantes neste estudo encon-tram-se organizadas de forma inversa. Estamosem crer que esta situação se poderá ter ficado adever ao facto destes considerarem esse tipo deserviços como sendo incapazes de contribuirpara a satisfação das suas necessidades maisimediatas. Isto, apesar de muitos deles se encon-trarem com frequência sob efeito do álcool, e deinclusive, alguns terem reconhecido a necessida-de de um tratamento. No entanto, não parecia ha-ver motivação da parte destes para o iniciar.

Associado às críticas aos tempos de espera,encontravam-se com alguma frequência, críticasao tipo de respostas disponibilizadas. Neste sen-tido, um participante revelou que «(…) fui a umserviço para que me ajudassem a procurar casa,deram-me um saco de arroz (…) eu não precisode ajuda para comida». Assim sendo, há queconsiderar que idas sucessivas aos serviços, ten-do como resultado a não satisfação das necessi-dades, poderá ter conduzido a que a maioria dosparticipantes considerassem que aqueles nãoforneciam a ajuda que eles precisavam «(…) seeu preciso de ajuda uma, duas vezes, e não a en-contro desisto, eu só posso contar comigo».

308

Page 11: NECESSIDADES PERCEPCIONADAS FACE AOS SERVIÇOS EM RELAÇÃO AOS SEM-ABRIGO – ARTIGO CIENTÍFICO - 2001

Através do convívio quotidiano com os uten-tes do abrigo, apercebemo-nos que muitos delesmanifestavam uma certa resignação com o tipode apoios prestados. Esta traduzia-se em expres-sões do tipo: «as instituições também não podemfazer mais»; «(…) a gente tem que se limitar aoque há, não podemos fazer grandes exigências»;«Regras?!! Imponho-as no meu domínio»; «peloque se paga aqui não se pode pedir muito». Su-merlin (1996) faz referência a este tipo de situa-ções, que segundo ele, também podem traduzir--se em sentimentos de revolta.

Numa base quase quotidiana vários partici-pantes referiram-nos a existência de situações deaproveitamento indevido dos serviços sociais,quer por parte de alguns utentes do abrigo, comopelos próprios técnicos desses serviços. Às acu-sações feitas, e às desconfianças levantadas en-contrava-se geralmente associado o desejo deuma maior fiscalização no sentido de proteger osdireitos «daqueles que precisam». O facto de50.0% dos participantes terem referido que casotivessem oportunidade criariam outras regras noabrigo, nomeadamente mais disciplina, mais se-gurança, mais respeito e a aplicação de sançõesmais vigorosas em caso de incumprimento dasregras estipuladas, poderá ter sido um reflexodesse mesmo ambiente.

7.2. Sobre o Abrigo

De um modo geral a maior parte dos partici-pantes mostrou-se satisfeita com as condições doabrigo e as facilidades aí disponibilizadas (Ta-bela 3 e 4). Houve contudo um aspecto que des-pertou a nossa atenção, nomeadamente, o factode 43.8% dos participantes se terem consideradosatisfeitos quanto à privacidade que aí dispunham(lembramos que os quartos no abrigo são do tipocamarata). Julgamos que este resultado poderáser melhor compreendido se tivermos em consi-deração os resultados obtidos por Burn (1992),pois segundo este, a percepção da ausência decontrolo sob o ambiente de um abrigo e a faltade privacidade estão correlacionados com umaumento de sentimentos de impotência e confor-mismo. Por outro lado, o facto dos utentes doabrigo poderem aí permanecer um máximo de 2meses e o facto da ausência de privacidade ter si-do considerada pelos participantes como um dosaspectos mais difíceis numa experiência de Sem-

Abrigo (Tabela 5), vai também de encontro aosresultados de Burn. Note-se ainda, que quandose pediu aos participantes, para que de um modogeral, comparassem o abrigo com a sua últimahabitação (de carácter permanente) a opiniãomais consensual foi de que este era muito pior.

Apesar da maior parte dos participantes ter-semostrado satisfeita com as condições do abrigo,muitos fizeram-lhe várias críticas. Uma das maisfrequentes recaiu sobre o horário de funciona-mento, tendo sido considerado por 56.3% comosendo muito curto. Subjacente a esta crítica, es-tavam as dificuldades que segundo eles, o horá-rio do abrigo lhes colocava ao nível da sua vidaprofissional, das saídas nocturnas, e a um maiordescanso durante o fim-de-semana. A qualidadedas instalações sanitárias, as condições de segu-rança (nomeadamente em caso de incêndio), e aqualidade das refeições foram outras das críticasmais frequentes.

8. LIMITES DA INVESTIGAÇÃO

Temos consciência que os resultados aquiapresentados se cingem a um número limitadode participantes, num único espaço geográfico,pelo que estes poderão não ser generalizáveis pa-ra outros grupos de indivíduos em situação deSem-Abrigo. Contudo, admitimos que tal cir-cunstância seja algo mitigada pela própria natu-reza exploratória da investigação. Teremos aindaque considerar o efeito do fenómeno da «deseja-bilidade social» aquando da aplicação do ques-tionário, pois alguns participantes quando colo-cados perante determinadas questões (essencial-mente sobre a sua satisfação com as condiçõeshabitacionais do abrigo) entraram em contradi-ções. A este propósito um dos participantes con-fessou-nos certa vez: «Vêm cá perguntar o que éque eu acho disto, eu digo logo que sim, que ébom, (…) às vezes dizemos que está tudo bem,pois se estamos cá, é porque precisamos». Poroutro lado, o facto de nem todas as entrevistasterem decorrido nos mesmos locais, e de duasdelas terem sido efectuadas em francês, poderátambém ter produzido alguns enviesamentos.Será ainda de referir que a opção de não tirarmosqualquer tipo de notas na presença dos residentespoderá também ter levado a que alguns dados setenham «perdido». Acreditamos contudo, que as

309

Page 12: NECESSIDADES PERCEPCIONADAS FACE AOS SERVIÇOS EM RELAÇÃO AOS SEM-ABRIGO – ARTIGO CIENTÍFICO - 2001

interacções desenvolvidas e as dinâmicas daí re-sultantes dificilmente poderiam ter sido alcança-das de outra forma.

9. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Contrariamente ao mito de que muitos dosSem-Abrigo estariam nessa situação por escolhaprópria, por apreciarem a «liberdade» que advêmda ausência de quaisquer responsabilidades, oucompromissos sociais, nenhum participante refe-riu preferir as ruas a uma habitação condigna.Note-se ainda que, quando colocados perante aoportunidade de uma eventual mudança parauma habitação de carácter permanente, por com-paração com a continuação no abrigo, todos osparticipantes referiram preferir mudar.

Um aspecto frequentemente referido na litera-tura sobre fenómenos de exclusão social, confir-mado durante esta investigação é a influência deuma crise de vida (desemprego, divórcio, toxico-dependência, morte de um familiar, problemasde saúde, conflitos familiares, etc.) no despoletarde perturbações de diversa ordem, designada-mente de situações de Sem-Abrigo. Constatámosainda que alguns dos participantes iniciaram ocontacto com instituições desde muito cedo, no-meadamente desde a sua infância, passando pelaadolescência, até à idade adulta. Contudo, nemtodos os participantes cresceram em ambientescaracterizados por institucionalizações precoces,em ambientes de pobreza, ou em famílias disfun-cionais. Tal como Koegel et al. (1995), acredita-mos que o aparecimento de situações de Sem--Abrigo está intrinsecamente ligado, quer directacomo indirectamente, às políticas que afectam obem-estar das famílias – particularmente dasmais pobres. Isto inclui as políticas relacionadascom a distribuição de rendimentos, com a habi-tação, com o emprego, com a educação, com oabuso de substâncias, e com a saúde mental. As-sim, a prevenção de situações de Sem-Abrigo te-rá que passar necessariamente por mudançasnestas políticas.

9.1. Propostas de intervenção

Acreditamos que qualquer estratégia inter-ventiva terá que passar pela implementação deum sistema que permita que os vários serviços, e

instituições sociais, que trabalham com esta po-pulação ajam de forma concertada. Teremos quedistinguir, contudo, esta forma de agir, do tradi-cional encaminhamento de casos de umas insti-tuições para outras (e que não raramente dá ori-gem à criação de «circuitos institucionais»), istoé, os indivíduos são encaminhados de um serviçopara outro sem que haja uma entidade que coor-dene esse processo.

Consideramos que uma intervenção de quali-dade e eficaz só será possível a partir do momen-to em que um indivíduo esteja alojado, não numabrigo, mas numa habitação de carácter perma-nente. Autores como Shinn e Tsemberis (1998),referem a este propósito que é frequentementepossível colocar indivíduos Sem-Abrigo comproblemáticas mentais e problemas concomi-tantes de abuso de substâncias, directamentedas ruas para as suas próprias casas e a partir daífornecer-lhes os serviços da sua escolha, (e.g.formação profissional, serviços de saúde, servi-ços de advocacy, educação, etc.), e à medida dassuas necessidades. Mesmo que, uma vez alojado,um indivíduo com essas características tenhauma recaída e venha a passar algum tempo narua, é necessário que ele tenha uma casa para on-de regressar. Estamos em crer que só assim po-deremos quebrar o ciclo de reincidências em si-tuações de Sem-Abrigo.

Qualquer que seja a forma como abordemosestas questões, será sempre necessário, que osprofissionais e os membros de uma comunidadese comprometam a mudar as políticas queperpetuam as situações de Sem-Abrigo. Uma dasformas de convencer a classe política poderápassar pelo desenvolvimento de estudos que in-cidam sobre a satisfação dos utentes com os ser-viços criados com base nas suas necessidades(envolvendo-os activamente na expressão dasmesmas) e que a relação custo/efectividade pos-sa ser demonstrada através da obtenção de me-lhores resultados a curto, médio, e longo prazo.Poder-se-á, assim, fazer um apelo mais funda-mentado para o desenvolvimento desses servi-ços.

Entretanto ter-se-á que tomar medidas maisimediatas de forma a melhorar a qualidade dosserviços prestados nos abrigos existentes. Algu-mas dessas medidas poderão passar pelo desen-volvimento de estratégias de outreach, de formaa poder acompanhar os indivíduos que saem

310

Page 13: NECESSIDADES PERCEPCIONADAS FACE AOS SERVIÇOS EM RELAÇÃO AOS SEM-ABRIGO – ARTIGO CIENTÍFICO - 2001

dos abrigos para um outro tipo de habitação e aíapoiá-los no sentido de evitar a reincidência, pormedidas que permitam aumentar a privacidadedentro dos abrigos, pelo acompanhamento dosutentes na obtenção e manutenção de um empre-go (podendo-se recorrer a estratégias de empregoapoiado), por um fomento de estratégias que per-mitam uma participação activa dos utentes, de-signadamente na definição do ambiente e do fun-cionamento do abrigo, pelo desenvolvimento deestratégias de advocacy na protecção e defesa dedireitos dos utentes, pela articulação dos abrigoscom serviços de tratamento de abuso de substân-cias e outros serviços de saúde mental.

Estas são algumas das medidas que se poderáadoptar, contudo convêm que a todas elas lhesesteja associado a necessária flexibilidade e cria-tividade de modo a assegurar a adesão dos uten-tes. Quanto a nós esta poderá ser uma chave parapotenciar o sucesso de qualquer serviço, ou pelomenos para aproximar as suas características àsnecessidades reais dos utentes.

REFERÊNCIAS

Abdul-Hamid, W. (1997). The elderly homeless men inBloomsbury hostels: Their needs for services.International Journal of Geriatric Psychiatry, 12,724-727.

Acosta, O., & Toro, P. A. (no prelo). Let’s ask the ho-meless people themselves: A needs assessmentbased on a probability sample of adults. AmericanJournal of Community Psychology.

Avramov, D. (1995). Homelessness in the EuropeanUnion: Social and legal context of housing exclu-sion in the 1990s. Brussels: Federation EuropeenneD’Associations Nationales Travaillant avec lesSans-Abri.

Barreto, E. (1998). Os sem-abrigo e a exclusão social.Actas do IV encontro nacional dos psicólogos «Apsicologia na viragem do século» (pp. 153-160).Lisboa: Climepsi.

Bento, A., Barreto, E., & Pires, T. (1996). Os SemAbrigo nas ruas de Lisboa. Lisboa: Santa Casa daMisericórdia de Lisboa.

Burn, S. M. (1992). Loss of control, attributions, andhelplessness in the homeless. Journal of AppliedSocial Psychology, 22 (15), 1161-1174.

Daly, M. (1992). European homelessness – the risingtide. Brussels: Federation Europeenne D’Associa-tions Nationales Travaillant avec les Sans-Abri.

Dennis, D. L., Buckner, J. C., Lipton, F. R., & Levine,I. S. (1991). A decade of research and services forhomeless mentally ill persons: Where do we stand?American Psychologist, 46, 1129-1138.

Elias, C. J., & Inui, T. S. (1993). When a house is not ahome: Exploring the meaning of shelter amongchronically homeless older men. Gerontologist,33, 396-402.

Fernandes, R. G. P. V. (1993). Os sem abrigo da cida-de de Lisboa: Avaliação do estado de saúde dossem abrigo utentes do refeitório dos Anjos daSanta Casa da Misericórdia de Lisboa (Disponívelna Direcção Geral de Saúde, Alameda D. AfonsoHenriques, 45, 3.º, 1056 Lisboa CODEX).

Grella, C. (1994). Contrasting a shelter and day centerfor homeless mentally ill women: Four patterns ofservice use. Community Mental Health Journal, 30,3-16.

Harvey, B. (1994, August). Homelessness in Europe.Paper presented at the meeting of the EuropeanNetwork for Housing Research, Glasgow, Scot-land.

Johnson, T. P., Aschkenasy, J. R., Herbers, M. R., &Gillenwater, S. A. (1996). Self-reported risk factorsfor AIDS among homeless youth. AIDS Educationand Prevention, 8, 308-322.

Johnson, T. P., Freels, S. A., Parsons, J. A., & Van-geest, J. B. (1997). Substance abuse and homeles-sness: Social selection or social adaptation? Ad-diction, 92, 437-445.

Koegel, P., Melamid, E., & Burnam, M. A. (1995).Childhood risk factors for homelessness amonghomeless adults. American Journal of PublicHealth, 85 (12), 1642-1649.

Kutza, E. A., & Keigher, S. M. (1991). The elderly«new homeless»: An emerging population at risk.Social Work, 36 (4), 288-293.

Mc Carty, D., Argeriou, M., Huebner, R. B., & Lubran,B. (1991). Alcoholism, drug abuse, and the home-less. American Psychologist, 46, 1139-1148.

Morris, J. M. (1997). Chronic homelessness amongworking-age adults: Personal problems and publicassistance. Journal of Social Distress and the Ho-meless, 6 (1), 57-69.

Moxley, D. P., & Freddolino, P. P. (1991). Needs ofhomeless people coping with psychiatric problems:Findings from an innovative advocacy project.Health and Social Work, 16, 19-26.

Osher, F. C., & Dixon, L. B. (1996). Housing for per-sons with co-occurring mental and addictive disor-ders. New Directions for Mental Health Services,70, 53-64.

Pereira, A. P., & Silva, D. S. (1998). Os Sem Abrigo dacidade de Lisboa: Riscos de viver n(a) cidade. (Re-latório N.º 247/98). Lisboa: Laboratório Nacionalde Engenharia Civil (Grupo de Ecologia Social).

Pimenta, M. (1992). Os sem-abrigo da cidade de Lis-boa. Lisboa: Cáritas.

311

Page 14: NECESSIDADES PERCEPCIONADAS FACE AOS SERVIÇOS EM RELAÇÃO AOS SEM-ABRIGO – ARTIGO CIENTÍFICO - 2001

Plumb, J. D, McMannus, P., & Carson, L. (1996). Acollaborative community approach to homelesscare. Primary Care, 23, 17-30.

Rosenheck, R., & Lam, J. A. (1997). Homeless men-tally ill clients’ and providers’ perceptions of servi-ce needs and clients’ use of services. PsychiatricServices, 48, 381-386.

Rossi, P. H. (1990). The old homeless and the new ho-melessness in historical perspective. AmericanPsychologist, 45, 954-959.

Shinn, M., Knickman, J. R., Ward, D., Petrovic, N. L.,& Muth, B. J. (1990). Alternative models for shel-tering homeless families. Journal of Social Issues,46, 175-190.

Shinn, M., & Tsemberis, S. (1998). Is housing the curefor homelessness? In X. B. Arriaga, & S. Oskamp(Eds.), Addressing community problems: Psycholo-gical research an interventions (pp. 52-77). Thou-sand Oaks: Sage.

Solarz, A., & Bogat, G. A. (1990). When social supportfails: The homeless. Journal of Community Psy-chology, 18, 79-95.

Sosin, M. R., & Grossman, S. (1991). The mentalhealth system and the etiology of homelessness: Acomparison study. Journal of Community Psycho-logy, 19, 337-350.

Sumerlin, J. R. (1996). What have you learned fromyour homeless experience? A phenomenologicalapproach for counseling unsheltered homelessmen. Psychological Reports, 79, 883-890.

Susser, E., Valencia, E., Conover, S., Felix, A., Tsai,W., & Wyatt, R. J. (1997). Preventing recurrent ho-melessness among mentally ill men: A «critical ti-me» intervention after discharge from a shelter.American Journal of Public Health, 87, 256-262.

Toro, P. A. (1998). Research on homelessness: Recentfindings and new frontiers. In A. S. Bellack & M.Hersen (Eds.), Comprehensive clinical psychology(Vol. 9, pp. 119-135). New York: Pergamon.

RESUMO

Efectuou-se um levantamento das necessidades,preferências, e níveis de satisfação de uma amostra deindivíduos Sem-Abrigo face a vários serviços sociais.

De uma forma prospectiva, analisou-se ainda a influ-ência de vários factores na utilização desses serviços.A recolha de dados realizou-se num abrigo da cidadede Lisboa junto de 16 indivíduos do sexo masculinoatravés de uma observação participante, da utilizaçãode um questionário, e da consulta de registos internosda instituição. Os serviços indicados como sendo osmais necessários no último ano foram os relacionadoscom a obtenção de alimentação, vestuário, e abrigo,identificação e avaliação de necessidades, assistênciamédica (para problemas de saúde física), informação eprotecção de direitos, emprego e cuidados dentários. Amaior parte dos participantes considerou que a maioriados serviços não iam ao encontro das suas necessida-des. Consideraram ainda que os técnicos não se empe-nhavam o suficiente. Os resultados obtidos, apontampara a necessidade de desenvolver sistemas de apoioque se adaptem às necessidades, às especificidades eaos «ritmos» da população Sem-Abrigo.

Palavras-chave: Sem-Abrigo, necessidades, utiliza-ção dos serviços, satisfação com serviços.

ABSTRACT

This article consists on a needs, preferences, and le-vels of satisfaction assessment of a sample of home-less persons with several services in the community. Ina prospective form the influence of several factors inthe use of those services has also been studied. Thedata collection took place in a Lisbon shelter by scre-ening 16 homeless men. Data were collected during aparticipant observation, through a questionnaire and bythe consultation of internal documents. The serviceswho’s need was more frequently pointed out by theparticipants, concerning the previous year, was helpgetting food, clothing, and shelter, assessment of theirneeds for services, medical care (for physical healthproblems), information and protection of own rights,employment, and dental care. Most participants did notrecognize service’s ability to help them. They considerprofessional’s commitment as being insufficient. Theresults gathered, point out to the need of developingsupport systems that are adaptable to the needs, speci-ficity’s and «timings» of the homeless population.

Key words: homeless, needs, service use, servicesatisfaction.

312