Negociacao Interpessoal

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    Negociao InterpessoalComo os fatores interpessoais afetam o resultado

    dos processos de negociao humana.

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    INTRODUO

    A prpria individualidade das pessoas pressupe por princpio interesses diferentes em termos

    de conjunto. Ou seja, os interesses humanos so to amplos, diversificados e numerosos que o

    conjunto de interesses de uma pessoa, num determinado momento, tem probabilidade quase zero

    de ser igual ao de outra. So tantas as combinaes de interesses que quase impossvel uma

    pessoa ter uma mesma combinao de interesses que outra, principalmente se imaginarmos estas

    duas pessoas se encontrando. Uma mesma combinao de interesses entre duas pessoas , portan-

    to, terica. Pode at existir, s que as pessoas podero estar a quilmetros de distncia. Se, alm

    disso, imaginarmos uma coincidncia de momento (pessoas com mesma combinao de interesses

    se encontrando num mesmo momento), a probabilidade torna-se menor ainda. Um conjunto de

    interesses no algo esttico. Pelo contrrio, algo em constante mutao, principalmente se

    levarmos em conta os aspectos sutis e refinados dos interesses humanos.

    Na medida em que os interesses humanos diferem, as relaes das pessoas de uma Sociedade

    dependem sempre de alguma forma de transigncia, acordo, negociao para haver equilbrio de

    interesses. Tal equilbrio, definido como uma negociao de sucesso, ocorre quando as partes

    conseguem, de alguma forma, conciliar seus interesses de forma satisfatria a ambas.

    Esse tipo de negociao, que dessa forma representa uma posio de equilbrio, pressupe duas

    condies bsicas. A primeira a liberdade. Uma negociao s ocorre quando as pessoas sentem-

    se livres para relacionar-se com as outras. A segunda o envolvimento, a no-alienao. Uma

    pessoa alienada, no-envolvida, nem se d ao trabalho de negociar: meramente deixa acontecer.

    Em negociao, a liberdade tambm est relacionada questo do poder, na medida em que inte-

    resses diferentes podem ser forados a se acomodarem por uso de poder e o exerccio de auto-

    ridade externa.

    A questo da alienao, por outro lado, envolve inmeras outras: motivao, percepo de poder

    prprio, percepo de seus prprios direitos, negao de uma realidade (a da diferena de interes-

    ses) e negao da importncia da ao que conduza conciliao (mesmo que parcial ou tempor-

    ria) de interesses e muitos outros.

    Em nosso paper, faremos alguns comentrios sobre fatores relacionados questo maior da liber-

    dade e da alienao. Entretanto, em funo da amplitude e importncia desses temas que mere-

    ceriam trabalhos especficos, principalmente se relacionados problemtica das negociaes pol-

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    ticas evitaremos nos estender demasiadamente para termos condio de privilegiar outros tpi-

    cos mais diretamente relacionados ao tema deste trabalho.

    Neste sentido, desenvolvemos o trabalho imaginando uma sociedade livre e ativa, onde o processo

    de negociao se encontra presente em praticamente todos os tipos de relaes entre pessoas e

    nas mais diversas situaes:

    entre pais e filhos

    entre patres e empregados

    entre colegas, pares, amigos, companheiros

    entre partidos polticos

    entre governantes de diferentes pases

    entre setores de uma sociedade

    entre quem produz e quem consome

    entre quem tem e quem no tem (recursos, know-how etc.)

    etc.

    A conciliao de interesses pode ocorrer na forma de negociaes sobre aspectos materiais (nvel

    de remunerao, preo, recursos materiais, limites territoriais, etc.), bem como sobre aspectos

    mais abstratos e subjetivos (grau de liberdade para os filhos, condies de trabalho, acesso a infor-

    maes, grau de participao nas decises etc.).

    Neste quadro, o processo de negociao interpessoal representa um papel importante, de grande

    impacto potencial para a Sociedade. Na medida em que mais negociaes em nossa Sociedade

    vierem a ocorrer (sucesso das negociaes), ou seja, na medida em que os interesses das pessoas

    venham a ser efetivamente conciliados, com satisfao para as partes envolvidas, teremos mais

    harmonia e cooperao, com benefcios maiores para todos. nesse sentido que NEGOCIAO

    representa um tema que merece estudos mais profundos.

    O tema negociao interpessoal pressupe estudos de carter fortemente interdisciplinar. Neste

    trabalho, utilizamos conhecimentos e experincia da Amana no campo de administrao geral

    (management), especialmente aqueles relacionados a planejamento, estratgia, processo decisrio,

    cultura organizacional, liderana, poder, motivao e comunicao. O campo da psicologia social

    extremamente relevante para este paper, no s pela influncia deste nas prprias disciplinas do

    campo de management (forte influncia da psicologia no estudo da administrao), como princi-

    palmente pela relevncia do mesmo para uma melhor compreenso do processo e da dinmica da

    negociao humana.

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    Na primeira parte do trabalho, procuramos mostrar a dinmica de uma negociao desde a fase

    de planejamento at a negociao propriamente dita com o objetivo de dar uma viso geral dos

    fatores que podem afetar os resultados de uma negociao.

    Na segunda parte, elaboramos um pouco mais profundamente sobre reas que a nosso ver

    mais significativamente podem afetar a eficcia das negociaes: planejamento/estratgia/ processo

    decisrio.

    Na terceira parte, procuramos fazer uma concluso geral, resumindo em algumas poucas propos-

    tas bsicas o que deveramos estar fazendo para que mais acordos, conciliaes de interesses e

    cooperao venham a ocorrer entre as pessoas, entre instituies e entre segmentos de nossa

    Sociedade.

    O presente trabalho procura valorizar o que efetivamente ocorre na vida real, fonte das mais

    legtimas aprendizagens humanas. Alm disso, para dar um foco mais claro e objetivo s contribui-

    es potenciais do projeto, escolheu-se o processo de educao e formao de pessoas como

    tema de fundo da anlise. Durante todo o paper, as seguintes questes estaro em pauta:

    em que aspectos precisamos educar, formar, treinar melhor visando a ter mais pessoas conse-

    guindo negociar mais construtiva e eficazmente?

    por que as pessoas falham nesses aspectos especficos (objetos de anlise durante o trabalho)?

    Por que nosso processo educacional no cuida do desenvolvimento dessas habilidades e capa-

    cidades (detectadas como relevantes ao processo de negociao)?

    Dentro desse raciocnio, podemos tambm dizer que, ao longo do trabalho, uma dvida maior se

    contrape a cada comentrio, em cada anlise: No estariam os processos de educao e forma-

    o de pessoas, hoje em vigor, formando contranegociadores, ou seja, pessoas propensas a impasses,

    competio, represlias e isolamento, ao invs de prepar-las para acordos, negociaes nutrientes,

    cooperao, ajudas desinteressadas e convivncia com apoio e suporte mtuos?.

    PARTE 1: FATORES QUE AFETAM O PROCESSODE NEGOCIAO (O CASO LONG)

    Nesta primeira parte do trabalho, descreveremos uma negociao real, a partir do planejamento

    at a fase de negociao propriamente dita. Ela se baseia em um tipo de simulao j realizada

    muitas e muitas vezes com executivos de grandes organizaes. Tomaremos aqui o exemplo de

    uma delas. Os executivos foram divididos em dois grupos de oito pessoas: o primeiro grupo repre-

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    sentando os advogados de uma empresa os Laboratrios Long; o segundo grupo representando

    os advogados de uma pessoa fsica Paulo Setbal, que alega ter ficado semi-invlido em conseq-

    ncia de um acidente causado pelos efeitos colaterais de um remdio produzido pela Long. Cada

    grupo teve um tempo para se planejar isoladamente. Em seguida, os dois grupos encontraram-se

    em uma outra sala para a negociao propriamente dita. Tanto as reunies de planejamento como

    as da negociao propriamente dita foram gravadas em videoteipe. Grande parte de cada uma das

    reunies est aqui reproduzida, com pequenas mudanas, eliminaes de trechos repetitivos e

    suprfluos. Nomes fictcios foram usados visando a manter em sigilo a identidade das pessoas e da

    empresa.

    O relato sobre o caso Long est entremeado com comentrios e observaes (destacados em

    itlico) que julgamos pertinentes para estimular o leitor a refletir sobre questes subjacentes ao

    que acontece na realidade. O objetivo desta parte trazer tona aspectos relevantes da dinmica

    de uma negociao, dentro do contexto de uma situao prxima do real (na medida em que os

    participantes no atuaram com script definindo o comportamento a demonstrar na reunio e

    estiveram soltos para atuar naturalmente). Alguns desses aspectos relevantes apontados nessa

    parte sero expandidos na Parte 2 do trabalho. Outros merecem uma ateno um pouco maior da

    prpria Parte 1, nos intervalos dos relatos. Outros s so citados para registro, com o objetivo

    de apontar a presena do fator e sua influncia na dinmica e, possivelmente, nos resultados da

    negociao.

    1.1. PLANEJAMENTO DOS ADVOGADOS DA LONG

    Sala de reunies de um grande escritrio de advocacia. Oito pessoas presentes. Todos advogados

    com um mesmo nmero de anos na casa. So pares: no h um lder formal no grupo. Os scios

    principais do escritrio no esto presentes, mas recomendaram mxima ateno ao caso.

    Dentro de pouco tempo, ainda naquele dia, eles recebero a visita de um grupo de advogados que,

    em nome de um tal Paulo Setbal, vem tratar de um problema que envolve o maior cliente do

    escritrio: o Laboratrio Long, multinacional da indstria farmacutica, uma das maiores operando

    no pas.

    De acordo com a ligao telefnica recebida naquela manh de um dos principais diretores da

    Long, os advogados de Paulo Setbal querem conversar para tentar fazer um acordo com a empre-

    sa. Caso no cheguem a tal acordo, iro levar o caso Justia imediatamente.

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    Um memorando interno foi produzido a partir do telefonema. o material que os oito advogados

    esto lendo silenciosamente nestes primeiros momentos da reunio.

    Esta a integra do memorando:

    Paulo Setbal, 35 anos, fazia um tratamento longo com um antibitico para bronquite crnica o LONGICILINA dos Laboratrios LONG. H seis meses, a LONG descontinuou a produodo LONGICILINA e lanou em seu lugar um antibitico semelhante o LONGEX. O fato deque o LONGEX substitua o LONGICILINA foi amplamente divulgado nos 3 meses prvios aoseu lanamento.

    Paulo Setbal passou a tomar o novo antibitico depois de saber da substituio do remdioque tomava h 2 anos. Seu mdico havia aprovado a substituio.

    Um ms aps o incio do tratamento, Paulo comeou a sentir problemas ocasionais de viso(turvamento forte por fraes de segundo).

    Trs meses atrs, Paulo viajava noite quando sentiu tontura e perda de viso (um pouco maisprolongadas) e como conseqncia sofreu um srio acidente.

    O auto, Astra ano 2002 (sem seguro), ficou completamente destrudo e Paulo teve que ficar 40dias no hospital. A recuperao ser somente parcial: Paulo teve um problema srio na modireita (e ele destro) e no poder mais us-la to bem quanto antes. Ele ter que aprender ausar a esquerda. Isso vai afet-lo no trabalho (Paulo, arquiteto, desenhista de perspectivas, aut-nomo, retirava em mdia $25.000 por ms).

    H 30 dias, foi divulgado pela imprensa que o antibitico LONGEX causava tontura/cegueiratemporria e que o Laboratrio LONG havia retirado o remdio de circulao. O Ministrio daSade que tinha anteriormente aprovado o LONGEX est investigando o caso. Vrios pro-cessos contra a LONG esto em andamento. Dois acordos j foram feitos entre a LONG equeixosos. Um deles por $700.000 (a pessoa ficou completamente invlida) e o outro por $25.000(um jogador do Corinthians que vai ter que ficar 6 meses parado).

    O objetivo chegar a um acordo com os advogados do Sr. Paulo Setbal. Se esse acordo no forconseguido, o processo vai correr pelas vias legais (isso no convm LONG, tanto pelo riscode a indenizao ser muito grande e pela criao do precedente, como pela publicidade, queprejudicar ainda mais a imagem da LONG provocando novos processos e at afetando a vendade outros produtos).

    Na medida em que os advogados tomam contato com o problema, atravs do memorando,manifestam, de variadas formas, o que se passa em suas mentes:

    Jorge, um encorpado senhor de meia-idade, sorri com freqncia durante a leitura, como se

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    estivesse se divertindo com os pormenores da situao. Luiz Antonio, provavelmente o mais jovem do grupo, pouco mais de 30 anos, faz comentrios

    jocosos: O cara destro um infeliz mesmo!. Alguns dos advogados reagem aos comentrios de Luiz Antonio e riem juntos. Outros, aparen-

    temente absortos na leitura, permanecem silenciosos e impassveis, como se no estivessemouvindo os comentrios.

    Gilberto, um dos mais agitados do grupo (seus no-verbais durante a leitura so reveladoresnesse sentido) termina de ler rapidamente, olha para os companheiros e, no obstante o fatode a maioria ainda no ter terminado de ler, comenta em voz alta e com ar estranhamentetriunfal: Est claro!. E sorri, passando uma mensagem que um misto de est no papo! comvai ser divertido, pessoal. Vamos l!.

    Lcia, a nica mulher do grupo, termina a leitura quase ao mesmo momento que Gilberto econfirma o comentrio: Sem dvida E complementa: No temos o que discutir. pagar epronto!.

    Dois ou trs dos outros advogados reagem s observaes de Gilberto e Lcia: Mas, a questo

    quanto ao valor!; O xis do problema chegar aos nmeros.

    Paulo, aparentemente o mais idoso do grupo, comenta, com voz pausada e devagar, num tom de

    algum que pensa em voz alta: Por que no vamos Justia? A indenizao poderia vir a ser mais

    amena. Num acordo, talvez paguemos muito mais!.

    Poucos minutos se passaram. Mas j possvel identificarmos alguns fatores que podero estar afetando o

    processo de acordo, a negociao que ter lugar (ou no) entre os advogados da Long e os de Setbal.

    Jorge e Luiz Antonio com uma aparente postura de divertimento face situao e de ausncia de

    considerao positiva em relao pessoa do envolvido, podero afetar o tom da reunio e conduzir as

    discusses para uma trilha inadequada. Se vierem a ser ativos durante a negociao propriamente dita,

    podero, por comportamentos que mesmo sutilmente (consciente ou inconscientemente) reflitam essa

    postura de desconsiderao para com Setbal, despertar defensividade nos advogados que o representam.

    Uma vez despertada essa defensividade, normalmente as probabilidades para um acordo diminuem razo-

    avelmente.

    O que sempre impressiona nesses casos a crena de muitas pessoas de que conseguem esconder essa

    postura/atitude (de desconsiderao para com o outro) quando esto face a face com o outro lado. De fato,

    muitos realmente conseguem faz-lo com maestria. Atores quase perfeitos. Quase porque de alguma

    forma, certamente no-racional, no-objetiva, no-consciente, o outro lado capta a atitude por trs do

    comportamento. O interessante aparentemente que essa prpria captao no vem de imediato ao

    plano consciente. Ela simplesmente gera emoes fortes. De repente, a temperatura da negociao

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    comea a subir, provocando o surgimento de barreiras ao processo de negociao. Da mesma forma que

    essas pessoas acham impossvel que o outro saiba qual a sua postura interior, tambm no conseguem

    ver a causa da subida da temperatura. freqente a surpresa quanto reao do outro. O que

    freqentemente se ouve so verbalizaes do tipo no entendo sua forma agressiva de Nessa

    mesma linha, interessante notar a relutncia das pessoas como Jorge em aceitar sua prpria atitude.

    como se passassem a acreditar honestamente de que no estavam com tal postura. Aparentemente,

    uma demonstrao do tipo no dei a mnima demonstrao desta atitude, portanto, no estou tendo tal

    atitude.

    interessante refletir sobre o mecanismo da ironia, do sarcasmo, das agulhadas. Quanto h de conscin-

    cia do processo por parte do prprio autor das observaes irnicas e dos no-verbais que refletem tais

    sentimentos (ser que fazem deliberadamente? Ser que sentem que esto sendo irnicas?).

    Tambm impressiona a arte do misturar ironia e sarcasmo com humor que certas pessoas desenvolvem a

    nveis elevadssimos.

    No grupo de advogados da Long, Gilberto parece achar este tipo de arte algo importante a ser dominado

    na profisso. E este o outro ponto que merece ser analisado numa outra parte deste trabalho: as

    qualificaes percebidas como sendo importantes para a profisso e as eventuais distores causadas por

    isso. Gilberto parece ser um bom exemplo disso. Faz comentrios irnicos e at muito grosseiros com um

    amplo sorriso cobrindo toda sua expresso. Ser que isso impacta mais negativamente ainda no outro

    lado?

    Por outro lado, a postura de ausncia de considerao positiva alm de causar defensividade no outro

    provoca tambm barreiras ao prprio entendimento de que o outro lado diz e captao de sutilezas/

    pormenores da situao. Leva tambm atravs da subestimao do outro a avaliaes incorretas/inade-

    quadas que resultam em estratgias erradas.

    A rapidez com que Gilberto chega ao veredicto de tudo est to claro, aps uma rpida leitura do

    memorando, indica outra rea-problema que afeta consideravelmente a qualidade do processo de negoci-

    ao: a superficialidade do diagnstico da situao e a superficialidade do planejamento.

    Ao final desta primeira parte, mostraremos os elementos presentes no caso da Long com grande quantida-

    de de pormenores no s em termos de diagnstico da situao como em termos de planejamento

    para que se possa avaliar o nvel de superficialidade a que nos referimos.

    O importante, em termos de reflexo quanto a esse aspecto, tentar analisar o porqu desta tendncia

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    superficialidade.

    Seria uma caracterstica cultural do brasileiro? O clebre jeitinho no se fundamentaria na f de que

    na hora H a gente d um jeito? Da a questo, para que perder tempo planejando?

    Seria um problema de habilidade no-desenvolvida? Nossas escolas no ensinam a planejar. Nem

    mesmo as escolas de administrao do a devida ateno ao desenvolvimento da habilidade de

    planejar, mostrando o como, fazendo praticar, dando feedback refinado etc. No mximo passam

    conceitos que so encostados num canto da cabea, provavelmente sob a etiqueta de teorias no-

    aplicveis. o mesmo que explicar a uma pessoa como funciona um automvel e esperar que ela

    guie um sem nunca ter tido aulas prticas

    Seria um problema de hardware? De circuitos pouco elaborados que acabam simplificando tudo?

    Uma mquina fotogrfica em preto e branco que transforma as centenas de cores de uma paisagem

    em meras dezenas de tons cinza?

    Seria algo de cunho emocional? Uma excessiva ansiedade que o impele fazeo atravs da qual vai

    conseguir aliviar sua tenso?

    Seria a cultura especfica de certas organizaes que impele as pessoas ao rpida, a resultados de

    curto prazo, a corridas contra o relgio? Uma cultura na qual o fazer altamente valorizado e o

    planejar lucubrao perigosa; portanto, algo a ser olhado com desconfiana?

    Seria um tipo de resistncia psicolgica em lidar com o complexo, com o ambguo, com mudanas

    contingenciais, com o emaranhado de causaes, com decises inter-relacionadas, com as incertezas,

    com o risco inerente a tudo isso?

    Seria simplesmente uma postura de mnimo esforo/preguia crnica gerada por um processo educa-

    cional em que trabalhar penalidade; e ociosidade e o no precisar fazer nada prmio?

    Seria reflexo de processos educacionais excessivamente relaxados que no desenvolvem pessoas em-

    penhadas naquilo que fazem (e que se contentam com meros mais ou menos)?

    Outro aspecto interessante a registrar, ainda sobre estes primeiros minutos da reunio dos advogados da

    Long, que tanto Gilberto como Lcia chegam rapidamente a uma concluso. S que a concluses diferen-

    tes.

    Gilberto veste rapidamente o papel de fiel e ferrenho defensor dos interesses da Long. E chega conclu-

    so de que ser fcil ganhar do oponente. Sua postura de competio, quase uma guerra. Seu objetivo

    derrotar o outro. No interessa quem seja e qual a causa.

    Lcia analisa a situao e realisticamente a avalia luz de seus prprios valores, sua prpria tica, sob o

    seu prisma de justia/do certo/do errado. Primeiro, antes de qualquer coisa, deseja saber o que justo, o

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    que certo E sua avaliao to rpida quanto a de Gilberto. To superficial quanto a dele tambm?

    Cabe tambm registrar a diferena entre juzos de valor (como aquele feito por Lcia) e diagnsticos do

    tipo ser fcil derrotar o oponente.

    Lcia teria simplesmente sentido ser justo indenizar Setbal j a partir de uma primeira leitura do texto?

    Esse sentimento seria resultado de algo global/gestltico, no-racional? Em sendo esse o caso, seria vlido

    classificar o que ocorreu como algo superficial? Aparentemente, nesta questo, tanto no caso de Gilberto

    como no de Lcia, h margem para se discutir o assunto.

    Mesmo a questo da superficialidade do diagnstico e do planejamento deve ser cotejada em relao

    capacidade humana de intuir, de trabalhar informaes e conhecimentos de maneira no propriamente

    lgica (no sentido de processos racionalmente encadeados).

    Em termos de negociao, o feeling que impele a ao de certas pessoas decididamente tem um peso

    significativo nos resultados e merece uma ateno especial. A questo complexa aqui : Qual o tipo de

    ateno? O que possvel fazer?.

    A questo lado direito, lado esquerdo do crebro nos traz alguma luz a este aspecto, mas aparentemente

    no suficiente. Existe ainda um campo extenso a explorar, principalmente em termos de intuies com-

    pletamente desvinculadas de informaes/conhecimentos. Trata-se de um campo explorvel to-somente

    em conjunto com o estudo do esprito, da alma, do mistrio da prpria vida.

    Ainda neste trecho em anlise, interessante notar o que ocorre a partir do comentrio de Lcia ( pagar,

    e pronto!): alguns participantes da reunio aparentemente questionam Lcia, mas na realidade somente

    o fazem quanto a um detalhe menor. Aparentemente, de forma involuntria, comungam com Lcia quanto

    colocao maior, a de que no h dvidas quanto responsabilidade da Long e que ser necessrio

    indenizar. Parece involuntria porque um debate profundo/elaborado/consciente colocaria em xeque

    primeiramente, antes de qualquer coisa, a prpria afirmao maior.

    Sensibilidade para processos de deciso em grupo e individuais parece representar outro fator de grande

    significado em se tratando de negociao. Voltaremos vrias vezes a este assunto, no transcorrer deste

    trabalho, na tentativa de, a partir do observado na negociao Long/Setbal, elaborar sobre os vrios

    prismas atravs dos quais podemos radiografar este processo de grande relevncia ao resultado de

    negociaes interpessoais/intergrupais.

    Neste momento, o aspecto particular de processo decisrio a destacar o risco envolvido na tendncia de

    as pessoas iniciarem o debate para deciso no meio do caminho, sem questionar o que j foi percorrido

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    (sem questionamento da base: ou seja, assumindo como intocveis certas decises embutidas no proces-

    so).

    Vale tambm comentar que este aspecto aqui abordado est freqentemente presente em processos

    manipulativos de deciso. A tendncia a que nos referimos usada por pessoas que desejam conduzir o

    processo visando a chegar onde querem.

    Nesse sentido, o comentrio de Paulo (Ir Justia, ao invs do acordo, no seria melhor?) uma excelente

    forma de comear o debate do zero. Independentemente da possibilidade (de deixar ir Justia), o proces-

    so de questionamento da base normalmente traz superfcie inmeros dados e raciocnios de grande valor,

    tanto no processo de planejamento da negociao como na hora da negociao propriamente dita.

    O comear da base depende muito de disciplina e de mtodo. Pode ser aprendido/transformado em hbito

    com excelentes resultados. Entretanto, h dois tipos de obstculos a considerar.

    O primeiro ainda o nvel de abstrao/inteligncia/sofisticao do hardware e software da pessoa.

    Certos processos so muito complexos; no fcil chegar base e reconstituio dos caminhos lgicos.

    O processo torna-se ainda mais complexo quando h fatores subjetivos/afetivos/polticos envolvidos.

    preciso que a pessoa, alm de seu potencial intelectual, tenha refinada sensibilidade para lidar com fatores

    no-lgicos/racionais.

    O segundo tipo de obstculo ocorre quando, no obstante o desejo de comear pela base, outros fatores

    impedem a pessoa de faz-lo. No caso de Pedro, o fator impeditivo tomar a forma de ao do grupo, como

    poder ser visto logo a seguir.

    A reflexo em voz alta de Paulo Por que no vamos Justia? cortada por um No convm! de

    Virglio, que havia permanecido em silncio at ento. Isso no nos interessa. completa, sem ao

    menos levantar os olhos do papel no qual fazia algumas anotaes.

    Numa frao de segundo, Jos Luiz, que estivera lendo o memorando com bastante ateno, completa

    a seqncia de observaes de Virglio: Isso eles no sabem. Eles no sabem que no nos interessa ir

    Justia. No sabem que estamos com medo. E isso um trunfo nosso!.

    Virglio prossegue: Podem estar forando um acordo porque eles no querem ir Justia.

    Durante alguns minutos, vrios advogados falam ao mesmo tempo em conversas cruzadas/paralelas.

    Algum prope comear discutindo a estratgia da negociao e todos concordam prontamente com

    isso. Mas, logo a seguir, Gilberto coloca para o grupo: Ento, quanto a gente proporia? $350.000?

    A reunio j est aquecida. A participao intensa; todos muito envolvidos. Outros fatores que potencial-

    mente afetaro os resultados da negociao podem ser identificados claramente.

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    A tentativa de Paulo de questionar a base (Por que no deixar ir Justia?) frustrada bruscamente por

    uma avaliao instantnea (No convm! Isso no nos interessa!)

    A colocao de Paulo poderia ter originado um debate rico foi relevante ao processo de negociao e aos

    seus resultados. Entretanto, o comentrio de uma nica pessoa foi suficiente para barr-la.

    Se observarmos com cuidado o comentrio de Virglio, veremos que se trata de uma avaliao simples,

    pessoal, no fundamentada. Ele no chega a explicar por que no convm ir Justia.

    Por que Paulo no volta carga, buscando junto a Virglio maiores informaes?

    Seria efeito dos no-verbais de Vrgilio (tom de voz, baixa considerao, nem sequer levantar os olhos

    para fazer a observao) passando uma mensagem do tipo: Seu burro! Larga mo de falar bestei-

    ra!?

    Seria receio de virar o chato do grupo, atravs de insistncias que venham a segurar/retardar o

    grupo?

    Estaria ele esperando apoio de outras pessoas do grupo sua proposio (ausncia de apoio signifi-

    cando endosso ao corte?)

    Seria condicionamento autoridade (forma autoritria de Virglio intervir)?

    O comentrio de Jos Luiz, segundo o qual os advogados de Setbal no saberiam que Long no

    interessaria ir Justia representa, por outro lado, uma suposio sem qualquer fundamentao: nada d

    suporte mesma. Entretanto, ningum contesta.

    Suposies como essa de Jos Luiz e julgamentos sucintos, sem explicaes, como o de Paulo ocorrem com

    freqncia em processo de negociao. Seja em reunies de planejamento como esta, ou nas negociaes

    propriamente ditas. Parece extremamente importante que tais colocaes sejam questionadas: seja pelo

    prprio membro da equipe, seja pelo oponente. Ser que as pessoas deixam passar por convenincia?

    Para no truncar o processo? Para no virar o estraga prazeres/ o amargodo grupo? Ou a resistncia

    normal ao confronto? Ou ento simples alienao/no-interesse/falta de envolvimento (tanto faz).

    Nessa mesma linha de anlise, por que ningum se ope interrupo do processo decidido pelo grupo,

    feita por Gilberto (prope nmero, quando a deciso seria de discutir primeiro a estratgia)? Por que

    ningum insiste em fazer a reunio voltar ao caminho estabelecido? Ser por que existe algum tipo de

    ilegitimidade em atuar sobre o processo? Um tipo de receita que diz que somente o lder que pode/

    deve atuar sobre processos? Ou seria mera inrcia, falta de envolvimento, o evitar ser chato etc.?

    Virglio coloca com vigor: Espere a! Nossa estratgia de pagar o menos possvel!(Questo

    da clareza do objetivo da negociao)

  • www.amana-key.com.brNEGOCIAO INTERPESSOAL 13

    Paulo intervm: Vamos ter que operar numa faixa; mnimo para mximo. Mas uma negociao

    no depende s da situao. Vai depender de quem vai negociar, do outro lado, das partes

    envolvidas (Importncia da pessoa que vai negociar, suas caractersticas, sua personalidade; im-

    portncia de compreenso emptica do outro)

    Lcia interrompe: Ns nem conseguimos ver direito o problema e j estamos querendo ana-

    lisar as pessoas que estaro negociando. Vamos primeiro discutir quanto justo pagar. Depois,

    negociamos. Primeiro a integridade profissional (Questo da tica, do senso de justia, do que

    certo e errado independentemente dos interesses envolvidos)

    Lcia j fala forando espao, j que h mais trs ou quatro comeando a fazer outras coloca-

    es. H, no meio do rudo todo, comentrios de apoio a Lcia (No hora de analisar

    pessoas) (Questo de processo da reunio, dinmica de apoios, suportes versus contras sistem-

    ticos; agendas ocultas etc.)

    Virglio aponta o memorando e comea a ler dados ali mencionados: idade de 35 anos,

    arquiteto, autnomo, $25.000 por ms (Cara dura em prosseguir contra a mar, ignorando

    comentrios e pessoas; forando a barra para levar o grupo a discutir o que quer)

    A citao desses dados acende o grupo todo. H meno de inmeros outros itens:

    quanto vale um Astra? Isso devido a ele 40 dias de hospital 2 anos para treinar a mo

    esquerda (Forte tendncia das pessoas a ficarem com dados objetivos; ficam mais confortveis do

    que tratando de dados subjetivos; menos pessoas parecem estar confortveis com ambigidade)

    Lcia eleva a voz acima da dos outros e diz: Tenho uma proposta. O Setbal tem 35 anos.

    Supondo que ele teria vida til profissional at 65, so 30 anos. s multiplicar $25.000 pelo

    nmero de meses referente a 30 anos. Como h probabilidade de recuperao da mo esquer-

    da, vamos colocar uma perda de 40% at o final da vida (Percepo dos objetivos da negocia-

    o parece estar em torno da questo MANTER IMAGEM EMPRESA JUSTA)

    Jos Luiz retruca, cortando Lcia: 40% muito pesado. Tem que se pensar no tempo que ele

    levaria para treinar a mo esquerda (Questo do entendimento das colocaes; tendncia de as

    pessoas no checarem entendimento)

    Paulo apia: temos que pensar s no tempo de treinamento da mo esquerda. Nada de

    vida toda (Considerao no-positiva no tom e na forma de interveno. Especfico em relao

    Lcia)

    Gilberto completa: Ele no est totalmente invlido. Pode aprender a usar a mo esquerda.

    Pode mudar de profisso. Virar vendedor de (Racionalidade alta com foco nos prprios interes-

    ses. Lgica centrada s no lado de c, sem considerar o outro)

    O comentrio de Gilberto parece irritar Lcia: Pera a! Isso interferir na vida da pessoa!

    (tica, respeito ao limite do outro)

    Gilberto responde prontamente falando de capital para iniciar o negcio, que a deciso da

  • www.amana-key.com.brNEGOCIAO INTERPESSOAL 14

    pessoa etc. O argumento fraco, mas Lcia no volta ao ponto. (Questo do ceder a argumentos

    por convenincia, por cansao)

    Vrios outros advogados comeam novamente a colocar valor aos dados do problema: valor

    do Astra, valor da diria do hospital. Parecem ficar mais vontade. Muitos participaram. (Dados

    objetivos versus subjetivos. Disperso, falta de objetividade, no-conscincia dos objetivos maiores)

    Nesse perodo h muitas estimativas: acho que ele treina a mo esquerda em 24 meses.

    Isso multiplicado pelo salrio (Suposies, premissas, estimativas, legitimadas por nmeros, cl-

    culos etc.)

    Lcia volta a colocar sua proposta 30 anos de vida til, 40% bruscamente interrompi-

    da por Paulo: Voc advogada de quem, hein? Da Long ou do Setbal? (Questo do trabalhar

    conflitos e nvel de agressividade no grupo)

    Lcia balbucia algo como: Estamos tentando ver que condies interrompida de novo

    por Paulo: Voc est querendo dar indenizao por 30 anos, Lcia! O que isso? (Uso de

    autoridade, poder, intimidao)

    Virglio volta a trazer tona, cortando Paulo, a questo de uma indenizao suficiente para

    Setbal comear outro negcio. (Recorrncia dos dados. Tempo de recesso para pensar das pessoas:

    no insistem, mas continuam a trabalhar internamente durante algum tempo. Voltam questo mais

    tarde. Ponto a questionar: envolvimento no debate durante o recesso para trabalhar determinado

    ponto)

    Lcia retruca: Pessoal! Estamos interferindo na vida do cara! (Tom de lamentao e forma de

    colocao j no de participao e influncia, mas de simples queixa)

    Paulo volta forte: Cuidado com essa nossa deciso! A gente no sabe o que vem por a!

    Aparecem mais 10, 30 caras como o Setbal A gente vai fechar a Long?! Seu no-verbal

    forte: corpo virado, torcido em direo Lcia, volume de voz alterado, expresso forte no

    rosto. (Argumentos extremados, hipteses distantes para destruio de posio)

    Lcia evita o olhar de Paulo, olha para o grupo, no responde.

    Neste ponto, h inmeras evidncias quanto ao impacto das posturas de cada pessoa em relao s outras

    e das habilidades em ouvir, em expressar-se com clareza com a preocupao de se fazer entender pelos

    outros etc.

    O impacto das habilidades interpessoais na qualidade dos processos de negociao bastante grande. Na

    medida em que temos a oportunidade de presenciar processos como o que estamos descrevendo, nos

    quais surpreendentemente freqente o nmero de interrupes da fala do outro, vrias pessoas falando

    ao mesmo tempo, resistncia a ouvir o outro, tendncia a falar demais, ansiedade em colocar seu prprio

    ponto de vista, baixa ateno fala do outro, postura passiva no ouvir, falta de persistncia em ir at o fim

    ao no concordar, ao no entender -, comportamentos de no considerao pela pessoa do outro,

  • www.amana-key.com.brNEGOCIAO INTERPESSOAL 15

    comportamentos que despertam defensividade (ironia, sarcasmo, postura crtica, avaliativa, agressividade

    nas colocaes), nos questionamos do porqu disso e do porqu da aparente baixa ateno dada ao

    desenvolvimento de habilidades interpessoais em nossa sociedade. Seria uma questo de nvel de educa-

    o, de grau de civilidade alcanada? Seria um problema ligado ao trao cultural?

    Aparentemente, em nossa sociedade, as habilidades interpessoais no ocupam posio de destaque, no

    representam uma rea prioritria. Valoriza-se, por exemplo, mais o acmulo de conhecimentos do que o

    desenvolvimento de habilidades interpessoais. Os nossos programas formais de educao no contemplam

    espao/energia/ateno para o desenvolvimento dessas habilidades, embora sejam bsicas, inclusive como

    meio para otimizar a aprendizagem e desenvolvimento geral. Por que essa lacuna existe? Quais as causas

    disto? Ser por que parecem ser coisas to naturais como respirar e andar? Ser por que aparenta ser

    uma sofisticao suprflua (em comparao a outras coisas mais concretas, de uso mais importante)? Ser

    mera falta de sensibilidade para o assunto das pessoas que teriam condies de mudar esta condio?

    Ser que estamos armadilhados num crculo vicioso (maioria das pessoas achando que no algo neces-

    srio por se sentirem plenamente habilitadas)?

    Uma coisa bastante evidente: na medida em que mais pessoas tiverem habilidades interpessoais desen-

    volvidas a um nvel adequado, haver melhores condies para acordos e negociaes mais freqentes

    (menos impasses, menos desacordos e rupturas).

    Nossa observao de inmeras situaes de negociao nestes anos todos de vivncia/experincia concre-

    ta nos indica algumas reas que devem merecer ateno no processo de desenvolvimento de habilidades

    interpessoais: capacidade de expressar com clareza o que pensa; capacidade de expressar empaticamente

    o que deseja, isto , expressar-se usando o quadro de referncia visando a assegurar a melhor qualidade de

    compreenso possvel (pelo outro); capacidade de fazer perguntas de forma refinada (forma adequada

    situao); habilidade de dosar sua participao evitando falar demais; objetividade na expresso, evitando

    disperso/prolixidade;capacidade de assegurar correspondncia adequada entre inteno e efeito; preci-

    so das colocaes; didtica nas colocaes; capacidade de expressar/trabalhar emoes; habilidade de

    lidar com o prprio processo de relacionamento; habilidade de ouvir proativamente (no somente de forma

    passiva); habilidade de ouvir empaticamente (usando o referencial do outro, acompanhando o raciocnio

    do outro); habilidade de observar/captar pormenores da dinmica interpessoal; habilidades de captar no-

    verbais, emoes; postura que estabelea relaes de confiana, ausncia de defensividade/autenticidade/

    de considerao positiva/de respeito/construtiva.

    A reunio prossegue num clima de alto envolvimento, voz elevada, agressividade nas colocaes.

    A descrio do processo abaixo serve tambm para ilustrar os problemas freqentemente verificados no

  • www.amana-key.com.brNEGOCIAO INTERPESSOAL 16

    planejamento, na definio de estratgias e na tomada de deciso, outra rea que afeta sobremaneira os

    resultados das negociaes e que analisada de forma mais detalhada na Parte 2 deste trabalho.

    Lcia, quase sem ao em funo da forma agressiva de Paulo intervir, olha silenciosamente

    para o grupo, como a pedir ajuda. Ningum se manifesta. Em relao ao ritmo dos debates de

    at ento, o silncio absoluto mesmo de poucos segundos parece ser constrangedor para

    todos. (Postura em relao a agresses; questo do apoio do grupo, envolvimento, comprar a briga

    versus intromisso; constrangimento face ao silncio como elemento cultural)

    Jos Luiz quebra o silncio: Bem Vamos fazer os clculos, s para termos uma idia. 144 x

    25 $3.600.000 Viji! (Estratgia de aliviar clima de tenso e constrangimento trazendo baila

    assunto menos ameaador, mais simples, mais objetivo?)

    Lcia volta questo: Pagamos esse valor, a empresa reconhece o erro publicamente, capitaliza

    em cima para ficar com uma imagem de empresa justa e (Persistncia em voltar discusso

    mesmo aps agresso aps breve silncio sem trabalhar a agresso propriamente dita. Ignorar

    a agresso e prosseguir como estratgia?)

    Gilberto interrompe, elevando a voz: Mas no sabemos se o antibitico realmente causa pro-

    blemas! Pelo menos at que a anlise do Ministrio (Questo de debater sobre a letra da lei

    em contraposio ao esprito da mesma. Qual a opinio pessoal de Gilberto, independentemente de

    provas?)

    Lcia insiste: Ns estamos fugindo de novo do assunto! A gente precisa primeiro definir quan-

    to seria justo Isso tudo que vocs esto tentando colocar mero argumento No pode-

    mos acreditar nisso, de que o remdio no teve nada a ver com o acidente (Questo dos

    padres pessoais de Lcia quanto ao que vem a ser justo; postura dela sobre integridade pessoal;

    questo de integridade pessoal em contraposio aos valores da empresa: possveis conflitos de inte-

    resse)

    Paulo olha fixamente para Lcia, levanta a mo e diz: $3.600.000?! De jeito nenhum!

    (Parmetros prprios para definir o que seja aceitvel ou no aceitvel; a questo de julgar pelo

    nmero final sem sequer explorar o que est por trs do nmero)

    Lcia ainda tenta prosseguir: Gente Vamos assumir (Forma de intervir no processo do grupo:

    tom de lamentao em contraposio a aes mais construtivas, mesmo que mais duras, formais,

    srias)

    Jos Luiz dirige-se ao grupo: Ento, pessoal: qual seria o valor devido? (Tentativa de trazer uma

    maior objetividade discusso, mas ainda sobre nmeros e no sobre a base, as razes, os fundamen-

    tos)

    Paulo coloca sua posio rapidamente: Eu acho uns 6 meses de salrio, no mximo Uns

    $150.000, mais as despesas (Palpite, sem justificativas; simples opinio baseada em senso

  • www.amana-key.com.brNEGOCIAO INTERPESSOAL 17

    pessoal de o que parece justo ou quase um nmero qualquer trazido tona por uma certa preguia

    em entrar mais fundo nos debates?)

    Gilberto, interessado na forma como o nmero ser colocado aos advogados de Setbal,

    intervm: Pessoal Eu s tenho uma preocupao aqui. Vamos estabelecer um mximo para

    a negociao. E um mnimo para comear. Se a gente emplacar esse primeiro nmero, nem

    chegamos ao teto mximo (Prossegue ainda a preocupao com nmeros e, agora, sobre mano-

    bras para pagar o mnimo possvel, objetivo de alguns dos advogados do grupo)

    Lcia persistente; no concorda com Gilberto: Eu acho que a gente tem que ver o problema

    pelo lado do prejudicado Eu acho que o devido (Questo de persistir na mesma aborda-

    gem de argumentao com possibilidade de ficar maante. Valeria a pena mudar abordagem? Funci-

    onaria entrar mais neutramente sobre o que est atrs dos nmeros?)

    Gilberto interrompe, j com a voz alterada: Olha, voc advogada da empresa. Tem que esque-

    cer o problema do cara! (Estaria a irritao de Gilberto, em relao Lcia, ligada sua expecta-

    tiva quanto atitude e comportamento de um advogado exemplar?; questo de empatia com o

    oponente; questo de encarar negociao como GUERRA e no como possvel forma de conciliar

    interesses)

    Lcia no se conforma com a colocao de Gilberto: No posso esquecer, desconsiderar a

    pessoa. Afinal (Forma de intervir muito voltada para o lado pessoal ao invs de canalizada para o

    contexto da negociao? Alternativa mais impactante no seria a de destacar a necessidade de consi-

    derar a forma e os argumentos dos advogados de Setbal na negociao?)

    Paulo interrompe, voltando sua argumentao anterior: Se amanh aparecem mais dez pes-

    soas querendo ganhar $700.000 cada um! (Argumentaes baseadas em suposies extremadas

    levando a polmicas fortes, contra-argumentaes igualmente extremadas, elevao do nvel de emo-

    o)

    Jos Luiz retorna forte: No tem que pagar, no! Como advogados, somos obrigados a defen-

    der o criminoso! Mesmo que a gente saiba que o cara matou temos que dizer que o cara

    no matou! (Questo da percepo de papis; questo da supresso do julgamento prprio, do

    senso de crtica para incorporar sem questionamento um papel definido, conforme seu entendi-

    mento do mesmo)

    O comentrio de Jos Luiz impacta Lcia, que s consegue dizer: Que horror! Parece que

    Lcia no est acreditando no que est vendo e ouvindo. (Questo do efeito de exclamaes

    avaliativas no outro: a impresso que deixa de pessoa meio infantil?; isto, em contraposio a um

    posicionamento mais claro em relao s colocaes do outro)

    Gilberto apia Jos Luiz: verdade! isso a! Poxa, ou a gente assume o papel de advogado,

    ou (Ou de qu? de ser humano que pensa e julga, independentemente do que os papis sociais

    descrevem, ou melhor, a caricatura dos papis pressupe?)

  • www.amana-key.com.brNEGOCIAO INTERPESSOAL 18

    A reunio fica tumultuada, volta-se a falar de nmeros e dados objetivos (carro, seguro, diria de

    hospital etc.). Vrios minutos de discusso sobre nmeros, porm, sem entrar no mrito dos mes-

    mos.

    Tanto o nvel de participao (mais pessoas intervm) como o de envolvimento (voz alta, entusias-

    mo, mais vibrao) parecem se elevar quando o grupo passa a tratar de nmeros e dados objetivos.

    Jos Luiz, em determinado instante, volta questo como se tivesse descoberto algo novo:

    Acho que a gente tem que entrar na negociao com um objetivo claro: no pagar nada! Afinal,

    no existem provas! (Nvel de aspirao alto, desejo de chegar ao mximo. Resta saber quo

    realista o desejo; questo da diferena entre um desejar muito e a frrea determinao de

    chegar)

    Gilberto pondera: acho que eles tm muito a perder se a coisa for parar na Justia. Ser

    um processo lento, muito moroso. Eu acredito que eles vo querer negociar (Empatia

    conveniente, ainda centrada no que se deseja deste lado de c; e quanto quilo que a Long vai perder

    se o caso for para a Justia?)

    Paulo parece entusiasmado com a idia de nada pagar! isso a O remdio, afinal, foi apro-

    vado pelo Ministrio da Sade. A imprensa que est difamando o remdio No h provas

    de que o remdio cause tonteiras e tudo o mais (Objetivo da negociao est claro? Objetivo

    deste planejamento est claro? No deveria se especular sobre qual ser a reao dos advogados de

    Setbal quanto a essas questes e se preparar adequadamente? Por que as pessoas passam a fazer

    planos e estabelecer objetivos sem considerar o outro?)

    Novo tumulto. Novo pingue-pongue de nmero e dados objetivos (valor da fisioterapia, salrio

    multiplicado pelo numero de meses)

    Jos Luiz arrisca: Sabe eu acho que eles vo pedir uns $900.000 (Palpite com base em

    que fatores? Esses $900.000 sero fundamentados pelo outro em qu, especificamente?)

    Gilberto contesta: Acho que no Se eles souberem dos outros acordos, sero menos ambi-

    ciosos. Afinal, pagamos $700.000 para invalidez permanente. Acho que eles vo pedir uns

    $350.000, a metade (Suposies ainda muito convenientes para o seu prprio lado; questo do

    entrar no papel distorcendo a viso do outro)

    Lcia no concorda com Gilberto: Acho que eles vo querer muito mais do que os prprios

    700. Vai ser acima de 1 milho (Maior grau de empatia com o outro levando a suposies bem

    diferentes e, possivelmente, mais prximas da realidade)

    Paulo ignora os comentrios e interrompe, dirigindo-se a Gilberto: Com quanto voc preten-

    de comear? Com zero? (Questo da interrupo brusca de uma discusso: baixa considerao

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    pelo outro? Tcnica deliberada para mudar o curso dos debates? Questo da no-insistncia por quem

    interrompido no querer ser chato? No desejar confronto?)

    Lcia se exalta. Parece pessoalmente ofendida: Eu nunca comearia com zero! Acho absurdo!

    Ridculo! Uma verdadeira ofensa! (Ainda a empatia com o outro levando a sentir o que o outro

    sentiria ao ouvir a posio de zero? Questo da tcnica de comear por uma posio extrema para

    depois ir cedendo gradualmente: uma armadilha da qual possa ser difcil escapar sem perder a

    pose?)

    Gilberto retruca, em voz alta: uma negociao! Acho que a gente no tem nada a perder com

    isso! zero, mesmo! (Questo de extremismos na argumentao levando a afirmaes superficiais,

    no-fundamentadas; questo da credibilidade a ser afetada pelas posies extremadas)

    Paulo apia: Pagar qualquer coisa admitir culpa. E ainda vamos levar fama de pssimos advo-

    gados! Vamos ser difamados na praa (Questo dos conflitos de interesses: interesses dos

    advogados podendo interferir no processo de defesa dos interesses do cliente; questo da imagem

    pblica, status, aparncia, em contraposio integridade, ao verdadeiro, ao autntico)

    Gilberto abre uma concesso: O ideal zero. Mas topo pagar uns $115.000! (Ainda uma

    discusso superficial que no entra nos mritos dos nmeros colocados mesa)

    Lcia ainda insiste: Pois eu acho que menos de 350.000 ridculo! (Questo do entrar no jogo

    do outro de forma quase inconsciente, levando os debates a um pingue-pongue incuo de meros

    nmeros sem qualificaes)

    Paulo, visivelmente aborrecido, olha para Lcia e dispara: Temos que ir por votao! Poxa! Voc

    discorda de tudo!! (Questo da escolha de processo geral e amplamente aceito de resoluo de

    diferenas de opinio no grupo; questo de no-questionamento da prpria aplicabilidade e validade

    do processo no momento e na situao)

    A votao rpida. Logo aps o comentrio de Paulo. Gilberto diz 115. Os outros repetem

    115 um a um. Sem exceo. S Lcia nada diz. (Questo do no-questionamento da prpria

    forma de votao a qual foi decidida por uma s pessoa)

    Gilberto fecha a votao dirigindo-se para Lcia: Fechado! Voto vencido! Pronto! Agora, deixa

    de ser chata! O tom de pseudobrincadeira, mas a mensagem est dada. (Tcnica da

    brincadeira para passar mensagens sem ser ostensivamente agressivo)

    Lcia, retorna, no mesmo tom: Vocs ainda vo se arrepender Vo todos pra cadeia! (Mes-

    mo tom, mesma tcnica, para passar o recado sem romper os limites agressividade socialmente

    aceita)

    Risadas tensas. Alguns segundos de silncio, como se o grupo tivesse chegado ao final da reunio.

    Jos Luiz parece querer reunir o que foi conversado: Deixe-me entender o que vocs decidi-

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    ram, ento A gente comea com zero. Mas a meta 115 (Questo da necessidade de

    monitorar o processo da reunio em termos da forma e o processo decisrio em termos da legitimao

    e confirmao do que o grupo est decidindo)

    Carlos, que estivera praticamente calado at aqui interrompe: S um minutinho. Vamos tentar

    definir quem que fala (Ainda a preocupao com o processo, desta vez quanto negociao

    propriamente dita, quando do encontro com os advogados do outro lado)

    O grupo parece no ouvir Carlos. H vrios comentrios entrecortados, ainda sobre meta a definir

    etc. (Questo da forte tendncia das pessoas dedicarem toda sua energia e ateno a questes de conte-

    do; tendncia de considerar as questes de processo como itens no-importantes, secundrios)

    Carlos insiste: 2 minutinhos Eu recomendaria que quando eles falarem do carro, um de

    ns defenda. S um. Se o assunto for indenizao, fala um outro. E assim por diante. Vamos

    tentar fazer com que eles pensem que estamos superorganizados: um especialista para cada

    assunto (Questo do aparente mais importante que a prpria realidade: impresso de

    superespecializao e possvel impacto no outro mais relevante do que a prpria organizao do

    grupo na busca de uma eficcia verdadeiramente maior, e no somente aparente)

    Gilberto ignora o comentrio de Carlos e coloca: A gente no pode perder controle do

    assunto. Somos da parte patronal. Somos a empresa. Devemos estar seguros, atuar com calma.

    Eles vo entrar emocionalmente; vo apelar! (Mais uma vez a questo da percepo dos papis,

    os preconceitos. Mais uma vez, a importncia da aparncia. Mais uma vez, a suposio que subestima

    o outro e uma empatia muito superficial)

    Paulo complementa: isso a Vo fazer um jogo duro de palavras. Cuidado! Vo apelar para

    aspectos sociais! (Suposies calcadas em frmulas pr-concebidas: classe patronal constituda de

    pessoas maduras, seguras, razoveis, racionais; o outro lado constitudo de pessoas emocionais,

    apelativas, no-racionais, no-razoveis)

    Gilberto volta-se para Lcia e recomenda, em tom professoral: No que voc achar que o

    advogado de l tiver razo controle-se e fique calada! No seja uma espi deles em nossa

    prpria casa! (Uso de presso e poder do grupo em atitude de baixa considerao positiva; suposi-

    o de que uma posio imposta poder ser mantida ou defendida na hora da negociao em si)

    Paulo refora, dirigindo-se Lcia: No seja to condescendente como voc est sendo aqui

    Tem que ser durona! (Ainda os conselhos e recomendaes ao invs de procurar trabalhar positiva

    e construtivamente as opinies divergentes no grupo)

    Lcia, acuada, ironiza: Poxa agradeo esse tremendo apoio! (Questo de recuo, ao invs de

    persistir procurando trabalhar o que est na base das divergncias)

    Gilberto refora sua posio: Temos que partir para o exagero, para podermos atingir nossos

    objetivos. Vamos ameaar que essa negociao vai levar uns 10 anos. Nesses 10 anos, o cara fica

  • www.amana-key.com.brNEGOCIAO INTERPESSOAL 21

    sem dinheiro e (Ainda a questo de pedir 10 para conseguir 5; ainda a subestimao do outro;

    ainda a postura de guerra, presso, imposio, ameaa, ao invs de uma busca construtiva de conci-

    liao de interesses)

    Carlos retorna timidamente: Um momentinho. Se a gente sentir que est perdendo a gente

    pede tempo, se rene fora e (Ainda a preocupao com o processo da reunio de negociao

    que ter lugar; mais uma vez a rejeio pelo grupo)

    O grupo ignora Carlos. Ele interrompido por um dos membros do grupo, outros fazem comen-

    trios diversos

    A reunio j est terminada. Vrios participantes esto se levantando. Na sada da sala, Lcia ainda

    insiste: Quero deixar meu protesto Estou decepcionada com a desumanidade e falta de

    profissionalismo de vocs Vocs esto simplesmente defendendo o emprego de vocs

    Gilberto olha Lcia sorrindo e diz: No toa que voc ainda uma advogada jnior!

    (risadas).

    Carlos levanta os braos e ainda insiste: S um minutinho S para organizar Quando um

    estiver falando, o outro no entra no meio. Seno S um de ns deve falar

    O comentrio de Carlos cai, de novo, no vazio. O grupo j est se retirando

    1.2. PLANEJAMENTO DOS ADVOGADOS DE SETBAL

    Dentro de poucas horas, um grupo de advogados estar visitando os representantes dos Laborat-

    rios Long. Eles defendem Paulo Setbal, arquiteto de 35 anos que est semi-invlido em conseqn-

    cia de um acidente causado pelos efeitos colaterais de um remdio da Long.

    Reunidos, eles planejam como conduzir o processo de negociao com os advogados da Long.

    claramente, na Justia, a Long vai perder. A gente j parte do princpio que a Long firmou dois

    acordos. Ficamos numa situao favorvel desde j (Percepo, avaliao do poder inerente situ-

    ao. Questo dos riscos de uma superestimao. Questo das suposies e das inferncias)

    O clima de tranqilidade. Aparentemente, os advogados de Setbal esto conscientes da fora de

    barganha que possuem.

    Marco, que desde o incio assume a liderana da reunio, prossegue: a Long tem interesse

    em firmar acordo, tanto que ela firmou com duas pessoas. Quer dizer intuitivamente, a

    gente at v porque a Long est firmando acordos. Porque ela no vai querer ver o nome da

    companhia destrudo imagem escndalo Ningum vai querer comprar os produtos

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    dela. O fato que ela j firmou acordos criou precedentes (Tentativa de empatia com

    outro; inferncias ainda distorcidas pelos prprios interesses)

    Ivan interrompe: Ns temos que considerar o quanto ele ganhava por ms, e adicionar uma

    boa taxa de lucro. Vamos ver quanto tempo se vive com ela (indenizao). Porque o parmetro

    mximo $700.000 o que ficou invlido total (Questo do RACIOCNIO/reasonig nas

    anlises de dados, no processo de formao de opinies, argumentos, como fator de grande relevncia

    nas negociaes. Neste caso, excessivamente simplificado, conduz concluso errada)

    Marco no concorda: No. Mximo, no (Questo da clareza das expresses, da didtica das

    colocaes. Questo das interrupes da fala do outro como forte barreira ao processo de dilogo, de

    ouvir)

    Ivan ainda insiste: Mximo de acordo (Dificuldade de entender o outro na medida em que

    mantenha o mesmo processo de raciocnio, mesmo prisma de anlise)

    Marco: se ele era pedreiro, de repente (Ainda a questo de explicaes por borbotes e

    a questo das interrupes, que ir continuar)

    Ivan: No digo, o mximo de acordo que a empresa topou

    Marco: no h informao sobre a pessoa que ficou totalmente invlida

    Ivan: Mas temos a informao do limite mximo que a companhia pagou para um invlido

    Marco: Isso no quer dizer o mximo (para todos os casos). Pode no ser um arquiteto, um

    trabalhador de nvel inferior e muito menos

    Marta acha que est perdendo tempo: Acho importante primeiro decidir nossa meta

    (Questo de processo decisrio. Discute-se primeiro para depois definir a meta? Ou estabelece-se a

    meta para depois definir a estratgia? Est-se falando de meta nmero ou o objetivo maior?)

    Marco: A meta conseguir o mximo possvel! (Aparentemente, Marco interpreta mais para o

    lado do objetivo maior. Neste caso, a questo a da superficialidade de definio, que pode vir a

    comprometer fortemente a negociao que ter lugar)

    As questes do processo decisrio, do planejamento e mesmo da definio de objetivos sero

    objeto de ateno, de forma detalhada, na Parte 2 deste trabalho. Neste caso, o objetivo definido

    como sendo conseguir o mximo possvel trar problemas para a negociao.

    Pela nossa experincia, os aspectos implcitos na maioria dos casos so fatores-chave da negociao

    acabam afetando o planejamento e a prpria negociao, exatamente pela no-alocao de energia

    suficiente aos mesmos (muitas vezes, pelo simples fato de serem bvios demais, naturais demais). No

    caso dos advogados de Setbal, o fator-chave FAZER O ACORDO, bvio demais, no foi explicitado, nem

    debatido. Fazer o acordo pelo valor mximo possvel j seria um objetivo um pouco mais elaborado se a

    primeira parte da frase receber a nfase devida. A nfase apropriada leva a uma atitude de busca de

    entendimento, conciliao de interesses, de evitar o impasse (que levaria o caso aos Tribunais). Sem uma

  • www.amana-key.com.brNEGOCIAO INTERPESSOAL 23

    conscincia clara dessa primeira fase do objetivo, todo o esforo poder ser canalizado na procura do valor

    mximo de forma absoluta, podendo gerar impasse.

    Oswaldo, aparentemente, est preocupado em organizar o grupo: O negcio o seguinte: ns

    temos que organizar como que ns vamos trabalhar l, na hora da discusso, porque

    (quem vai falar?) seno, todo mundo vai falar, poxa (Preocupao pelo processo da negociao)

    Marta pergunta: Vai ter porta-voz?

    Ivan arrisca: Vai ter (no outro lado) um cara s falando. Talvez, direcionando em cima de

    algum (do nosso grupo) que seja (Suposio sobre a ao do outro; alto risco dessas suposi-

    es)

    Marco opina: Acho que tem que ter um porta-voz. O resto do pessoal fica como apoio.

    Marta: Eu acho que nossa estratgia deveria ser a de tentar evitar que os advogados do lado de

    l

    Neste ponto, h vrias pessoas falando ao mesmo tempo. Os comentrios giram em torno do

    possvel comportamento dos advogados da Long. (Questo do interesse em tentar prever o movimento

    do outro; da importncia de ter informaes sobre o outro (como so, como pensam etc.); da importncia

    de se conhecer melhor a natureza humana)

    Marta insiste: Temos que definir uma estratgia (Preocupao pelas coisas maiores, mais bsi-

    cas, antes de ir aos detalhes; senso de prioridade)

    Marco retoma o comando: isso que ns devemos abordar nesta reunio: o enfoque: por

    onde vamos trabalhar. Estamos imaginando que eles vo trabalhar a idia de que Setbal sabia

    que dava tontura e, apesar disso Qual vai ser o ponto de defesa que vamos usar? Temos que

    ter isso claro: de que o problema da empresa. Tinha um remdio totalmente inseguro, no

    suficientemente testado, e o colocou no mercado (Questo de empatia com o outro; procurar

    saber como o outro ir agir para poder a partir da planejar as estratgias defensivas)

    Peter, que estivera observando, calado, o desenrolar da reunio, entra no processo de simula-

    o: A, eles vo dizer que o Ministrio aprovou o remdio. E que o mdico idem

    A aprovao do Ministrio da Sade no significa que h iseno de responsabilidade! retruca

    Marta, j entrando no papel de defensora dos interesses de Setbal.

    Marco elabora um pouco mais sobre a questo levantada por Peter: O Ministrio da Sade

    certamente aprova, ou desaprova, um remdio em funo de uma percepo da idoneidade do

    laboratrio que apresenta determinados resultados. Se esses resultados estiverem falseados

    por alguma razo, as aprovaes estaro tambm, n? o caso dessa vitamina a que o Pel fez

    propaganda. Ela esteve aprovada com base nas informaes fornecidas pelo laboratrio. Algu-

    mas entidades da rea mdica fizeram outra anlise do remdio e comprovaram que a compo-

  • www.amana-key.com.brNEGOCIAO INTERPESSOAL 24

    sio do remdio no era a mesma que estava na frmula aprovada pelo Ministrio da Sade.

    Todos parecem concordar com a argumentao de Marco. Os no-verbais so de apoio s idias colocadas.

    Marta complementa os comentrios: O Setbal no sabia que era o remdio que causava tonteiras. H 3

    meses ele viajava noite. S h 3 dias que foi divulgado pela imprensa que o antibitico causava tonteira.

    Ento, na poca em que ele sofreu o acidente, ele no tinha a informao de que aquela tonteira era

    ocasionada pelo remdio que ele tinha substitudo. Ele no sabia

    Ivan, aparentemente impaciente quer, parece, partir logo para um debate sobre nmeros: O

    que a gente quer? Uma indenizao esttica, uma indenizao que reponha o salrio dele, o

    Astra 2002 que ele ficou sem

    Oswaldo completa: 40 dias, que ficou no hospital

    Ivan, porm, quer uma resposta especfica: Sim, mas o que a gente quer

    Oswaldo responde, achando bvio: Um carro novo, uma penso porque o Setbal no vai

    conseguir trabalhar com a mo esquerda

    Marco entra firme: No! Eu acho que o problema tem 3 pontos: 1o a gente se cobrir das

    eventuais acusaes que eles vo fazer (que o cara tava dirigindo com tonteira etc.), 2o a

    gente armar o ataque contra o laboratrio, 3o a indenizao

    Marta tenta resumir: Ento o que a gente quer (a indenizao do laboratrio) corresponde a

    uma soma de remuneraes, um Astra novo

    Ivan tenta emendar: Para conseguir isso, ns temos que nos defender e

    Marco complementa enfaticamente: E temos que saber como que vamos atacar o laborat-

    rio! No s defendendo que ns vamos conseguir

    Ivan continua: Ataca o laboratrio, depois a gente passa para

    Marco procura fechar: Primeiro voc tem que falar sobre a reputao do laboratrio. O labo-

    ratrio no vai se expor, entrar na Justia. Acho que esse o ponto bsico

    Marco volta a enfatizar: O objetivo nico forar acordo!

    Ivan parafraseia: Forar acordo

    Marta pondera, como se estivesse pensando alto: Acordo O que vai ser negociado no

    acordo?

    Marco procura explicar a Marta: Forar acordo envolve, do ponto de vista monetrio, 3 ques-

    tes: uma o carro, outra a despesa de hospital e a terceira o prejuzo na execuo do

    trabalho

    A reunio parece transcorrer tranqila e a forma produtiva. Levantam-se vrias hipteses quanto

    aos fatores que podero vir a ser levantados pelos advogados do outro lado. Quase em um forma-

    to de simulao, contra-argumentos so trabalhados pelo grupo.

  • www.amana-key.com.brNEGOCIAO INTERPESSOAL 25

    Um aspecto relevante a notar, neste ponto, a postura geral do grupo: a de forar acordo. Conscientes do

    poder de barganha que a situao parece conferir a Setbal, seus advogados pretendem usar esse poder

    com toda a carga possvel. Como poder ser visto mais adiante, essa postura (de forar acordo em

    contraposio a uma atitude mais construtiva de procurar acordo, uma conciliao de interesses) dos

    advogados ter efeito marcante na negociao propriamente dita, e nos seus resultados.

    Esta postura quase autocrtica dos representantes de Setbal, mais uma vez, ilustra a forte tendncia de

    as pessoas entrarem nas negociaes excessivamente centradas em suas prprias posies, em seus

    prprios pontos fortes, em suas prprias argumentaes, em seus prprios direitos. Poucos negociadores

    conseguem disciplinar-se no sentido de efetivamente procurar conhecer melhor os pontos fortes, direitos e

    vantagens do outro lado.

    Seria uma questo relacionada maior/menor sensibilidade em relao ao outro? Seria uma tendncia ao

    egocentrismo definido pela nossa sociedade e pelo nosso processo de educao e formao? Seria resulta-

    do de um conjunto de valores impregnados em nossa sociedade que conduz a uma supervalorizao de si

    e uma subestimao do outro (tanto em termos de poder, direitos etc. como em termos de adequao e

    legitimidade de intenes)? Seria simplesmente uma tendncia ao acomodamento, de fazer as coisas

    superficialmente, de ficar na anlise do mais imediato (o seu prprio lado), no chegando anlise do mais

    distante, do mais difcil (o outro)? Seria um certo tipo de receio de enxergar-se mais cruamente em

    comparao, inclusive, ao outro? Seria ainda uma crena de poder lidar com o que poder vir do outro (na

    hora da negociao) de forma criativa, engenhosa, com um jeitinho? Seria a crena de que sempre ser

    possvel conduzir a negociao dentro dos nossos termos (ou seja, ns no comando da situao) e que,

    portanto, haver campo de manobra (mesmo porque a sensao de as rdeas estarem com o outro

    nada confortvel numa negociao)? Seria a postura desenvolvida em nossa sociedade de extrema cautela

    para no sermos manipulados pelos outros (e virarmos trouxas) que faz com que os advogados procu-

    rem forar o acordo (evitando, assim, entrar no jogo do outro, nos termos do outro)?

    Marta est fazendo os clculos no papel: Realmente, ele tem 35 anos, vamos dizer que ele se

    aposenta com 60/65. Se aposentar com 65, ele tem 30 anos pela frente. Ento: 25 X 30 =

    $750.000, que mais ou menos

    Oswaldo corrige rapidamente: Vezes 12. Falta multiplicar por 12. Nove milhes. Voc est

    pedindo um absurdo, Marta (Mais uma vez, uma pequena armadilha de raciocnio que

    desarmada por um companheiro)

    Marco no acha o valor absurdo: S uma paradinha nas contas. Ns estamos com uma dvida

    no grupo. Acho muito importante a concepo de invalidez. para efeito de justia. No

    invalidez para o trabalho. em funo da profisso que voc exerce. Se o sujeito um pianista

    e perde uma mo, ele considerado invlido para aquele seu trabalho. A voc v que o valor

  • www.amana-key.com.brNEGOCIAO INTERPESSOAL 26

    da Marta no to fora da realidade . Acho, inclusive, que (O conceito vlido e interessante.

    Igualmente importante, porm, trabalhar a possvel relao do outro a esse conceito de invalidez.

    Aqui, mais uma vez, a importncia de considerar o outro)

    Ivan parece preocupado com um possvel impasse: S tem um detalhe: se a gente forar muito,

    no vai ter acordo (Neste momento, aparece a primeira preocupao com um possvel impasse.

    interessante aqui notar que poucas pessoas parecem estar conscientes de que um impasse significa

    no-negociao, um no acordo. A tendncia de grande preocupao em no ser explorado, no

    deixar que o outro tire vantagem ou mesmo, no inverso, em extrair tudo que puder do outro

    desfoca naturalmente a inadequao do impasse)

    Marco esteve fazendo contas: Vocs concordam com uma indenizao de 5 milhes?

    Vrios comentrios de apoio: Pelo menos repe o salrio do Setbal (Apoio frgil, uma vez

    que o nmero no foi fundamentado)

    Marco parece descobrir um ponto importante: Pera a. Quem paga os custos do julgamento

    quem perde Mas quem paga o advogado? Do valor que o advogado conseguir, 20% dele.

    Certo?

    Marta apia: isso a. Ento tem que incluir 20%. Seno, o Setbal no vai ter os 5 milhes para

    aplicar, para ter o rendimento de $25.000 por ms.

    Ivan pondera: $6.000.000 t bom, ento

    Vrios comentrios apiam um nmero um pouco maior: $6.600.000!

    Oswaldo parece preocupado com o outro lado: Qual a estimativa que vocs fizeram da meta

    da Long?

    Ivan tem uma outra questo: Pera a. Um dado que ns no temos aqui o tamanho do

    Laboratrio Long!

    Marta encerra a questo prontamente: multinacional! 6 milhes no nada para eles!

    Oswaldo insiste: Mas o que vocs acham sobre o que a Long vai estar a fim de pagar?

    Marta pondera pensativamente: Pelo jeito, eles no vo considerar o Setbal invlido. No vo

    ter esta considerao. Eles vo querer pagar em torno de 100 a 300 mil

    Ivan especula: Eu acho que eles vo at 500

    Marco, que parece achar essa questo suprflua, interrompe com outra questo: Com quanto

    ns vamos comear a discusso? Com 10 milhes?

    A meta definida pelos advogados do Setbal (6 a 6,6 milhes) parece alta, se considerarmos que eles

    prprios acham que a Long estar a fim de pagar algo por volta de 100, 300 ou 500 mil. Alm disso, os

    nmeros pretendidos pelos representantes do Setbal esto fundamentados numa questo polmica: per-

    der a mo direita significa, no caso de Setbal, invalidez parcial ou permanente?

  • www.amana-key.com.brNEGOCIAO INTERPESSOAL 27

    Como julgarmos se a meta de 6 milhes alta, excessivamente alta ou apropriada? Onde est a linha

    divisria entre desejo/sonho (uma vontade, relativamente frgil, ao nvel de um seria muito bom se),

    ambio excessiva, desmedida e uma aspirao alta (porm factvel, nas circunstncias)?

    Esta uma questo muito importante no processo de negociao. Meras vontades (seria bom) nada

    significam em negociao, no tm fora propulsiva. A forte determinao de se atingir uma meta repre-

    senta um fator de grande impacto nos resultados de uma negociao. A determinao do nvel da meta,

    porm, define a diferena entre o buscar um excelente negcio, o melhor e o buscar o mximo. Na

    primeira postura procura-se o melhor acordo. Na segunda, a conquista de tudo o que o oponente tiver.

    Na primeira, h alguma possibilidade de impasse, mas normalmente bastante alto o nmero de excelen-

    tes negcios. Na segunda, h uma probabilidade bem maior de impasses (no negcios), inclusive com o

    comprometimento de negcios futuros (pessoas evitando negociar com quem procura arrancar tudo do

    outro).

    As pessoas que tm alta necessidade de realizao, conforme as Teorias de McClelland, definem metas

    altas, porm factveis. Correm riscos (de impasse, inclusive), porm, de forma calculada.

    Por sinal, as Teorias de McClelland nos ajudam a ver o processo de negociao interpessoal luz da

    motivao. Decididamente, a proporo/predominncia das trs formas de necessidade (de realizao,

    afiliao e poder) definidas por McClelland nos ajudam a entender muitos dos comportamentos e atitudes

    das pessoas em situaes de negociao interpesssoal.

    A necessidade de realizao est intimamente ligada a resultados, desempenhos, metas elevadas e, por-

    tanto, ao fator nvel de aspirao, de grande relevncia no processo de negociao interpessoal. As carac-

    tersticas mais fortemente associadas s pessoas com forte necessidade de realizao seriam as seguintes:

    Necessidade de realizar, conseguir coisas/resultados

    Necessidade de excelncia no que faz

    Necessidade de superar padres de desempenho

    Quer sempre ser responsvel pelo que consegue

    Gosta de assumir riscos de forma calculada

    Quer sempre feedback imediato/rpido e de forma concreta (sobre como est se saindo)

    Tende a planejar melhor, inclusive a longo prazo

    Valoriza resultados/output

    Normalmente otimista

    Orientado a trabalhar duro

    Gosta de trabalhos desafiadores

  • www.amana-key.com.brNEGOCIAO INTERPESSOAL 28

    Paciente, sabe esperar para alcanar mais

    A necessidade de filiao que define a forma de se relacionar com os outros tem tambm significativa

    relevncia no processo de negociao. Na medida em que essa necessidade for muito baixa, haver ten-

    dncia maior a impasses causados por fatores outros que no os objetivos (preo, condies, prazo, por

    exemplo): o outro pode ficar negativamente predisposto a fazer negcio pelo fato de ser uma pessoa

    extremamente fria, pouco humana (principalmente se o outro tiver uma necessidade de afiliao alta).

    Na medida em que essa necessidade for alta, poder haver casos em que os resultados da negociao

    sejam comprometidos (necessidade de ter relao positiva, ser gostado, ser aceito, afetar busca do melhor,

    evitar barganha necessria etc). As caractersticas mais fortemente relacionadas a esta necessidade seri-

    am:

    Necessidade de ser gostado pelas pessoas

    Necessidade de ter relaes positivas/agradveis com outros

    Necessidade de ser aceito pelos outros

    Envolvimento pessoal com outros

    Procura minimizar confrontos e conflitos

    Evita ser franco demais

    Receia romper relacionamentos

    Preocupa-se pelas pessoas

    A necessidade de poder, mais relacionada influncia sobre os outros, tm relevncia nas negociaes, na

    medida em que ela est ligada questo de comando, iniciativa, liderana do processo (de negociao). Na

    medida em que esta necessidade seja muito baixa, poder haver uma tendncia a uma certa passividade

    na negociao (o outro tendendo a dominar as aes). Na medida em que seja muito alta, haver tendn-

    cia a um maior nmero de impasses (principalmente se o outro tambm tiver essa necessidade em nveis

    significativos): o outro no querendo fazer negcio (mesmo em condies razoveis) pelo fato de no

    aceitar presso, no gostar de ser dirigido. As caractersticas associadas necessidade de poder seriam:

    Necessidade de influenciar pessoas

    Necessidade de fazer-se notar

    Necessidade de impressionar outras pessoas

    Necessidade de conquistar reputao/posio

    Necessidade de ter controle das situaes

    Desperta emoes fortes nos outros; tanto positivas como negativas

    Muito se poderia dizer a respeito das teorias de motivao de McClelland em funo da sua relevncia ao

    processo de relacionamento interpessoal e tambm ao processo de negociao. Entretanto, considerando a

  • www.amana-key.com.brNEGOCIAO INTERPESSOAL 29

    abordagem deste trabalho, ficaremos restritos ao exposto mais para registrar sua relevncia ao texto

    escolhido e referncia ao processo de se definir metas e objetivos no processo de negociao (por sua

    vez relacionado ao nvel de aspirao das pessoas)

    Ivan parece achar muito alto: Acho que devemos comear com $6.600.000

    Marco incisivo: No. Essa a nossa meta. Precisamos dar uma folga, para poder ceder depois.

    Com quanto comeamos?

    Marta est cautelosa: Bem a gente tem que ter uma razo para pedir 10. Seno, a gente

    vai

    Marco parece mais tranqilo: aquela conta que voc fez

    Oswaldo arrisca: A gente comea com $9 milhes!

    Peter tem dvidas: mais o adicional do hospital?

    Marco conduz o raciocnio e os nmeros para onde quer: Mais o adicional do hospital

    chegamos aos 10 milhes (As despesas de hospital estariam bem abaixo de 1 milho, a diferena

    entre os 10 que Marco deseja colocar na mesa logo de incio e os 9 que Oswaldo tinha arriscado.

    Entretanto, ningum contesta. outro jogo, aparentemente. Todos sabem que Marco deseja comear

    com 10 milhes e est conduzindo tudo nesse sentido Mas, todos parecem no se importar)

    Marta insiste na questo do embasamento dos nmeros: Complementao: precisamos ter em

    conta que ns precisaremos usar (para pedir este valor alto) uma questo muito importante: a

    nossa conceituao de invalidez. Ns vamos argumentar que o sujeito ficou invlido para o

    trabalho para o qual ele foi preparado e que tem 35 anos de idade

    Marco concorda: Alm disso o mercado de trabalho muito difcil a partir dessa idade. At

    para os que so experientes. Para aqueles que vo comear uma nova carreira ento!

    Oswaldo, ainda preocupado com o processo da negociao: Quem vai falar? Como que vai

    ser a discusso?

    Marta parece decidida e fala pelo grupo: O Marco fala. Ser nosso porta-voz. (Processo decisrio.

    Uma pessoa decide. Os outros no se opem. A inrcia acaba decidindo. Vide processo decisrio, na

    Parte 2 deste paper)

    Marco assume o papel de porta-voz de bom grado e mostra firmeza: Meu ponto o seguinte:

    ns temos que explorar muito a questo de que no s vamos Justia, como tambm desen-

    cadear uma campanha publicitria contra o remdio que est em questo e, alm disso

    Marta ainda parece preocupada com a possibilidade de impasse: Eu acho que a gente deve ir

    conforme o desenrolar da coisa. No vamos entrar de sola

    Peter apia: Vamos ouvir o outro lado primeiro (Marco est com postura de quem vai

    guerra. Alguns advogados colegas parecem perceber isso. Alm disso, tambm esto preocupados com

    a meta alta e o prprio lance inicial, quase 70% acima da meta. No obstante a preocupao com

  • www.amana-key.com.brNEGOCIAO INTERPESSOAL 30

    um possvel impasse, no agem para mudar o que ser implantado. Fora, carisma de Marco?)

    Marco comea a dar mostras de uma certa preocupao com um possvel impasse: E a nossa

    meta? inflexvel? Esse um detalhe. Vamos fixar em $6.600.000? Abaixo disso no tem acor-

    do?

    Vrios advogados se manifestam: No. Acordo acordo!

    Marco insiste: Nossa meta essa. Mas, no se aceita nada abaixo dela?

    Marta pondera: Eu acho que devemos aceitar o Marco prossegue: Qual o mnimo dos

    mnimos?

    Ivan, mais uma vez arrisca um nmero: 5 milhes!

    No h mais tempo hbil para elaborar sobre o mnimo dos mnimos. J hora de todos se

    encaminharem para o escritrio dos advogados da Long. O grupo se levanta. Todos parecem con-

    fiantes e certos de um bom resultado para o cliente Setbal.

    1.3. A NEGOCIACO PROPRIAMENTE DITA(o encontro entre os advogados da Long e os de Setbal)

    Sala de conferncias do escritrio dos advogados da Long. O grupo de representantes da Long j

    est instalado em um dos lados da longa mesa de reunies, esperando os oponentes os advo-

    gados que representam os interesses de Paulo Setbal. Estes chegam pontualmente no horrio

    combinado. So introduzidos imediatamente sala de conferncias e so instalados ao longo da

    mesa, do lado oposto quele ocupado pelos advogados da Long. (Questo da disposio fsica, layout

    da sala, que pode predispor em maior ou menor grau as posies de antagonismo ou de colaborao/

    acordo)

    Os primeiros instantes so formais e frios. Vrios dos advogados presentes parecem estar um

    pouco desconfortveis e constrangidos. (Questo de quebra-gelo; preocupao em planejar formas

    de criar um clima mais caloroso e menos constrangedor no incio das negociaes; a importncia dos

    primeiros momentos, que podem definir o tom da negociao toda)

    Na condio de visitantes, os advogados de Setbal parecem sentir necessidade de comear a

    falar. Marco toma a iniciativa de entrar no assunto, embora de forma um pouco hesitante: (Questo

    do planejamento da colocao inicial; estratgia quanto a quem deve comear: ns ou os outros)

    Marco: Bem ns viemos, numa primeira reunio, para tratar do caso do nosso cliente, Paulo

    Setbal, vtima de um acidente causado por um remdio produzido por vocs. Sabemos que estamos

    falando de um processo de negociao, de acordo, que no nico de modo que vocs esto

  • www.amana-key.com.brNEGOCIAO INTERPESSOAL 31

    sabendo, com antecedncia, do que se trata conhecem bastante do assunto a respeito do qual

    viemos tratar (Quando no planejado, a colocao inicial reflete postura que predominou nas reunies

    de preparao. Colocao de abertura de Marco est em linha com sua atitude no planejamento.

    evidente, em suas palavras, o tom de cobrana, a certeza quanto culpa do laboratrio, inclusive em

    funo das outras indenizaes j pagas. Uma atitude defensiva se instala imediatamente junto aos advo-

    gados da Long. As probabilidades para um acordo comeam a diminuir j na primeira frase da negocia-

    o!)

    Marco interrompido por Gilberto, da Long, de forma autoritria e agressiva: De onde o Sr. tirou

    essa informao? (O troco dado de imediato. A sensibilidade dos advogados da Long j estava desper-

    tada, em funo da prpria situao. Com um tipo de abertura como a de Marco A prpria pergunta

    pura reao emocional, como poder ser visto pela prpria resposta de Marco)

    Marco responde, calmamente: Dos jornais A informao foi divulgada pela imprensa h 30 dias

    a respeito de outros problemas ocorridos com o consumo do remdio de vocs

    Jos Luiz, da Long, intervm falando de forma pausada e formal: Foi deciso de nossa empresa tirar

    o remdio de circulao. Por precauo, to somente. No foi em funo dos efeitos colaterais de

    nossa medicao (Defensividade instalada nos advogados da Long j faz efeito; advogado Jos Luiz

    justifica retirada do remdio da praa sem necessidade: o assunto no havia sido trazido baila; no seria

    o ponto melhor a trazer tona neste momento)

    Marco retruca: Mas bom lembrar que o Ministrio da Sade est investigando est em esfera

    federal (A carga contra a Long continua, uma aps outra. A temperatura deve estar subindo rapida-

    mente no lado da Long. Marco ou outros advogados de Setbal estariam percebendo isso? Estariam

    conseguindo avaliar o peso disso para o processo de negociao? Saberiam o que fazer para corrigir o

    rumo e as tendncias?)

    Jos Luiz insiste: Mas esse um procedimento normal O Ministrio da Sade tambm cumpre

    o seu papel ao reinvestigar o remdio. Afinal, este remdio foi aprovado previamente por eles

    mesmos (O argumento bom. Mas a Long continua na defesa, tendo que explicar muito e se colocan-

    do em posio vulnervel)

    Marco procura fazer com que o rumo das discusses flua para onde quer: Um momento, por favor.

    Estivemos em contato com a famlia de uma pessoa que ficou totalmente invlida, como conseq-

    ncia do remdio. Ela j recebeu uma indenizao da Long. Sabemos tambm de um jogador do

    Corinthians que tambm recebeu indenizao Temos o depoimento dele, por escrito, de que

  • www.amana-key.com.brNEGOCIAO INTERPESSOAL 32

    recebeu uma indenizao de vocs Temos, inclusive, cpia dessa declarao e do recibo do

    pagamento efetuado pela Long (A carga continua muito forte. Mencionar as cpias dos documentos

    soa at indelicado, uma vez que era desnecessrio no contexto, ainda mais nos primeiros momentos)

    Vrios advogados da Long tentam interromper Marco. O clima estabelecido j de forte competi-

    o e defensividade.

    Marco insiste, eleva o tom, o volume de voz e continua: E vai mais um esclarecimento adicional

    sobre a questo da investigao de o remdio ter sido aprovado pelo Ministrio da Sade. Vocs

    sabem melhor do que ns que o Ministrio da Sade aprova um remdio com base num laudo

    elaborado pela prpria empresa, em confiana idoneidade da empresa. No momento em que essa

    idoneidade colocada em xeque, em funo do fato de as anlises mostrarem que ou a frmula

    no correta ou ela no foi bem testada, a ento que se entra com o processo (do Ministrio da

    Sade). Esses exames no so feitos, para cada remdio, pelo Ministrio da Sade. O que obviamen-

    te no teria nem cabimento. O Ministrio da Sade normalmente aprova a partir de uma anlise

    feita pelo laboratrio. como aquele outro laboratrio que faz uma vitamina famosa: apresentou

    uma frmula e ela foi aprovada pelo Ministrio da Sade. Mas a algum mostrou que o produto

    estava com uma frmula diferente Evidentemente o remdio foi retirado do mercado No

    caso da Long, vocs fizeram 2 acordos com pessoas prejudicadas Acho que ns poderamos sair

    da base de que vocs esto representando uma empresa que tem um problema Ns temos uma

    vtima de um remdio fabricado pela empresa de vocs E que est invlido para o trabalho. Ns

    pretendemos sair desta base para (Questo ainda do estar excessivamente centrado em si mesmo,

    sem levar em conta o outro; os argumentos so bons, mas continuam a elevar a temperatura do outro

    lado; Marco aparentemente no chega a avaliar o efeito negativo desta subida de temperatura nos resul-

    tados da negociao para o prprio Setbal: Falta de sensibilidade? Deficincia da estratgia? Objetivos

    no muito claros?)

    Paulo interrompe em voz igualmente alta: O Sr. est insinuando alguma coisa Quero lhe dizer

    que o Ministrio da Sade realiza testes em lanamentos. No caso especfico, o Ministrio realizou

    este teste. E comprovou que a frmula est OK. Quero dizer que qualquer desconfiana que o Sr.

    queira levantar sobre a idoneidade dos nossos tcnicos, dos nossos qumicos Isso no est em

    jogo nesta discusso. Isso est sendo julgado pelo Ministrio da Sade!

    A temperatura est alta em funo da forma agressiva de os representantes de Setbal atuarem. Os

    advogados da Long entram no padro de discusso estabelecido pelos oponentes e passam a se

    defender. (Questo do conversar sobre o processo da reunio e sobre os sentimentos que esto sendo

    despertados pelo outro. A importncia da capacidade do negociador em abstrair-se momentaneamente da

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    discusso para trabalhar o clima, a dinmica do que est ocorrendo, as emoes, as reaes de um e de

    outro)

    Marco continua no mesmo tom: A aprovao do Ministrio da Sade no isenta a empresa de

    qualquer responsabilidade. Ns tomamos a liberdade de fazer pesquisas com mdicos que estavam

    aplicando o antibitico. Os efeitos colaterais foram efetivamente comprovados em pessoas que

    estavam

    Gilberto, muito srio, interrompe Marco: Mas o mdico do Sr. Setbal recomendou a ele tomar o

    remdio!

    Marco parece irritado com a forma de Gilberto colocar seu comentrio: Isso no isenta o labora-

    trio de responsabilidades!

    Gilberto retruca com firmeza: Como no isenta tambm a responsabilidade do mdico na reco-

    mendao de um remdio

    Marco tenta voltar questo: No isenta, mas

    Neste ponto, Ivan interrompe Marco para vir em seu socorro: Ora, vocs no colocaram na bula

    os efeitos colaterais, essas tonteiras Como o mdico poderia saber?

    Gilberto olha para Ivan, hesita um pouco, mas insiste: Mas o mdico precisa saber que certos

    componentes

    Marco aparentemente percebe a hesitao de Gilberto: O mdico nada tem a ver com o proble-

    ma. responsabilidade do laboratrio!

    (H um certo tumulto na sala. Vrias pessoas falando ao mesmo tempo)

    Marco prossegue: Ns tambm temos informaes de que o remdio que os Srs. lanaram no

    Brasil no est venda nos pases desenvolvidos Uma clara demonstrao de que os pases do 3o

    mundo esto sendo usados como cobaia para os remdios!

    Aparentemente, os advogados da Long esto surpresos com a agressividade dos representantes de

    Setbal. Paulo responde, falando devagar e baixo: Isso natural em todas as indstrias. Existem

    produtos fabricados em certos pases e no em outros Alm disso, temos comprovado, tambm,

    que centenas de pessoas tomaram esse remdio e no tiveram problemas com efeitos colaterais

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    Marco interrompe. Continua falando alto: Isso no muda a questo de que o nosso cliente quase

    morreu quase morreu por causa do remdio!

    Novamente, um princpio de tumulto na sala. Vozes alteradas, gestos agressivos, expresses carre-

    gadas, vrias pessoas falando ao mesmo tempo.

    Virglio, da Long, tenta implantar o que foi combinado na fas