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1 Negociações das Nações Unidas sobre Financiamento para o Desenvolvimento: Que resultados deverão ser alcançados em Adis Abeba, em 2015? Este documento é uma iniciativa do African Forum and Network on Debt and Development (AFRODAD) www.afrodad.org European Network on Debt and Development (EURODAD) www.eurodad.org Jubilee South - Asia Pacific Movement on Debt and Development 1 (JSAPMDD) www.apmdd.org Latin American Network on Debt, Development and Rights (LATINDADD) www.latindadd.org Third World Network (TWN) www.twn.my Este documento foi escrito pelas redes da sociedade civil listadas acima, com a colaboração e comentários de muitas outras organizações da sociedade civil. Foi endossado por 142 organizações da sociedade civil (lista no final do documento). Endossos posteriores poderão ser enviados para Hernán Cortés ([email protected] ). A tradução para português é da responsabilidade da Plataforma Portuguesa das ONGD. 1 A JSAPMDD endossou a maior parte das recomendações deste relatório.

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Negociações das Nações Unidas sobre

Financiamento para o Desenvolvimento:

Que resultados deverão ser alcançados em Adis Abeba, em 2015?

Este documento é uma iniciativa do

African Forum and Network on Debt and Development (AFRODAD)

www.afrodad.org

European Network on Debt and Development (EURODAD)

www.eurodad.org

Jubilee South - Asia Pacific Movement on Debt and Development1 (JSAPMDD)

www.apmdd.org

Latin American Network on Debt, Development and Rights (LATINDADD)

www.latindadd.org

Third World Network (TWN)

www.twn.my

Este documento foi escrito pelas redes da sociedade civil listadas acima, com a colaboração e

comentários de muitas outras organizações da sociedade civil. Foi endossado por 142

organizações da sociedade civil (lista no final do documento). Endossos posteriores poderão

ser enviados para Hernán Cortés ([email protected]).

A tradução para português é da responsabilidade da Plataforma Portuguesa das ONGD.

1 A JSAPMDD endossou a maior parte das recomendações deste relatório.

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CONTEÚDOS

Acrónimos ………………………………………………………………………………………………………….………………….. 3

Sumário Executivo …………………………………………………………………………………………………..……..………. 4

Introdução ………………………………………………………………………………………………………………..……………. 9

1. Mobilização de recursos financeiros internos …………………………………………………….….…….…… 10

2. Investimento directo estrangeiro e outros fluxos privados internacionais …………………...…… 14

3. Comércio Internacional …………………………………………………………………………..….…………….…….… 19

4. Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD) e outros apoios públicos internacionais ao

desenvolvimento …………………………………………………………………………………..………………….……….…. 23

5. Dívida externa ……………………………………………………………………………………………….…………………. 27

6. Questões sistémicas: governação global eficaz e inclusiva e reforma do sistema monetário.30

7. Outros assuntos importantes ……………………………………………………………………………………………. 34

Organizações subscritoras ……………………………………………………………………………………………………. 37

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ACRÓNIMOS

ADPIRC – Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio

AGNU – Assembleia Geral das Nações Unidas

ALC - Acordos de Livre Comércio

APD – Ajuda Pública ao Desenvolvimento

CAD – Comité de Apoio ao Desenvolvimento

COP – Conferência das Partes

COP UNFCCC – Conference of the Parties (COP) on United Nations Framework Convention on

Climate Change [Conferência das Partes (COP) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre

as Alterações Climáticas]

DSE – Direitos de Saque Especiais

ECOSOC – Conselho Económico e Social das Nações Unidas

FCD – Fundo de Cooperação para o Desenvolvimento

FfD – Financing for Development [Financiamento para o Desenvolvimento]

FMI – Fundo Monetário Internacional

FSB – Financial Stability Board

GAI – Grupo de Avaliação Independente do Banco Mundial

IDE – Investimento Directo Estrangeiro

IFD – Instituições Financeiras de Desenvolvimento

IFI – Instituições Financeiras Internacionais

ISDS – Investor-State Dispute Settlement [Resolução de Conflitos entre Investidor e Estado]

MPME – Micro, Pequenas e Médias Empresas

OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico

ODS - Objectivos de Desenvolvimento Sustentável

OSC – Organizações da Sociedade Civil

PNUA – Programa das Nações Unidas para o Ambiente

PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

PPP – Parcerias Público-Privadas

RNB – Rendimento Nacional Bruto

UNCTAD – United Nations Conference on Trade and Development [Conferência das Nações

Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento]

UNDESA – United Nations Department of Economic and Social Affairs [Departamento de

Assuntos Económicos e Sociais das Nações Unidas]

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SUMÁRIO EXECUTIVO

O ano de 2015 será marcante para a luta global contra a pobreza e para um desenvolvimento

mais equitativo e sustentável, com três cimeiras cruciais a acontecer num período de apenas 6

meses. Uma questão transversal a estas três cimeiras tem a ver com propostas concretas para

a reforma dos sistemas financeiro e comercial internacionais de modo a que estes contribuam

para os objectivos globais de desenvolvimento sustentável. Estas reformas devem basear-se

no direito ao desenvolvimento para todos os países, assegurando os direitos económicos e

sociais a todas as pessoas. Há fundos disponíveis que são suficientes para alcançar os direitos

humanos para todos, eliminar a pobreza e alcançar os objectivos globais de desenvolvimento

sustentável, mas para que isto seja possível é necessário tomar decisões políticas que alterem

estruturas e sistemas. A Terceira Conferência das Nações Unidas sobre Financiamento para o

Desenvolvimento (FfD, na sigla em inglês), que irá ter lugar em Adis Abeba em Julho de 2015,

terá um papel crucial no que diz respeito a estas questões.

Este documento sintetiza a nossas recomendações para que ocorram mudanças concretas na

Cimeira de Adis Abeba, ao abrigo das seis rubricas do Consenso de Monterrey, com um sétimo

capítulo sobre outras questões importantes:

1. Mobilização de recursos financeiros internos

Uma cooperação verdadeiramente global é fundamental para resolver o problema dos fluxos

financeiros ilícitos e para combater eficazmente a evasão e a fraude fiscais. A inexistência de

uma agenda comum para a cooperação internacional em matéria fiscal está a custar aos

governos grandes quantidades de recursos, que poderiam ser alocados ao desenvolvimento

sustentável. As normas fiscais actuais a nível global estão a ser discutidas à porta fechada na

Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), impedindo que 80%

dos países tenham acesso aos processos de tomada de decisão a este respeito. As nossas

recomendações-chave são:

Estabelecer um novo órgão intergovernamental sobre a cooperação internacional em

matéria fiscal e fornecer os recursos necessários que permitam que este órgão opere

eficazmente;

Assegurar um mandato abrangente para o novo órgão fiscal intergovernamental,

incluindo a erosão de base tributável e transferência de resultados, tratados fiscais e

de investimento, incentivos fiscais, tributação das indústrias extractivas, transparência

quanto aos beneficiários efectivos, sistemas de informação país por país e partilha

automática de informações para fins fiscais.

2. Investimento directo estrangeiro e outros fluxos privados internacionais

É necessária uma abordagem muito mais equilibrada do financiamento privado internacional,

reconhecendo os riscos e a necessidade de os países em desenvolvimento gerirem os fluxos

cuidadosamente. Há dois níveis de preocupação diferentes. Por um lado, existem riscos

macroeconómicos associados a estes fluxos, tais como a volatilidade dos fluxos financeiros de

curto-prazo. Por outro, há preocupações a respeito do conteúdo e dos termos do investimento

a longo-prazo, particularmente o Investimento Directo Estrangeiro (IDE). As nossas

recomendações são as seguintes:

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5

Reconhecer a regulamentação da conta de capitais como ferramenta política

fundamental para todos os países e remover quaisquer obstáculos a estas políticas

importantes de todos os acordos de comércio e investimento;

Apontar claramente quais são os problemas mais significativos relacionados com o uso

das instituições públicas e dos recursos na alavancagem do financiamento privado

internacional.

3. Comércio Internacional

A política comercial deve permitir que os países em desenvolvimento tenham espaço político,

incluindo a capacidade de centrarem a sua atenção nos impactos do desemprego, nas pessoas

mais vulneráveis, na igualdade de género e no desenvolvimento sustentável. Não deve

promover a liberalização como um fim em si mesmo. O comércio internacional desempenha

um papel de relevo no desenvolvimento e as políticas comerciais são uma ferramenta

importante que os países em desenvolvimento podem utilizar no apoio ao crescimento de

indústrias nacionais com um maior valor acrescentado e não apenas como produtores de

produtos de base. Contudo, o regime de comércio actual tem levado os países em

desenvolvimento a abrirem os seus mercados, não só através da Organização Mundial de

Comércio (OMC) como de tratados comerciais e de investimento regionais e bilaterais,

reduzindo assim o espaço político que têm para dar resposta às suas necessidades de

desenvolvimento e contribuindo pouco para inverter as políticas de distorção comercial

levadas a cabo pelos países ricos. Recomendamos:

Uma revisão abrangente de todos os acordos comerciais e dos tratados de

investimento, de modo a identificar todas as áreas que possam limitar a capacidade

de os países em desenvolvimento prevenirem e gerirem crises, regular os fluxos de

capitais, proteger o direito ao sustento e a um emprego decente, reforçar a

tributação justa, prestar serviços públicos essenciais e assegurar o desenvolvimento

sustentável;

Uma revisão de todos os regimes de direitos de propriedade intelectual que foram

introduzidos nos países em desenvolvimento através dos Acordos de Livre Comércio

(ALC), identificando os impactos adversos na saúde pública, no ambiente e no

desenvolvimento de tecnologia, entre outras áreas.

4. Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD) e outros apoios públicos internacionais ao

desenvolvimento

São necessários compromissos reforçados para melhorar a qualidade e a quantidade da APD,

com mecanismos de acompanhamento mais firmes, e também novas e adicionais fontes de

financiamento público. A APD continua a ser um recurso fundamental, nomeadamente para os

países mais pobres, mas o seu valor tem vindo a ser severamente prejudicado pelo

incumprimento, por parte dos países ricos, da meta das Nações Unidas que previa que 0.7% do

Rendimento Nacional Bruto (RNB) destes países fosse direccionado para a APD e pela falta de

progresso ao nível dos compromissos assumidos em Paris/Acra/Busan sobre a eficácia da

ajuda ao desenvolvimento, no sentido de pôr fim às más práticas que prejudicam gravemente

a qualidade da APD. Meios de financiamento público inovadores podem vir a fornecer recursos

adicionais muito necessários. As nossas recomendações-chave são:

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6

Estabelecer calendários vinculativos para alcançar o compromisso dos 0.7% do RNB

enquanto APD;

Assegurar que a APD representa uma transferência genuína de ajuda ao

desenvolvimento, pondo fim à ajuda ligada, removendo os custos reportados nos

países financiadores e associados ao alívio da dívida, proporcionando a maioria na

forma de subsídios e reformando os empréstimos concessionais ao reflectir os custos

reais dos empréstimos aos países parceiros;

Implementar uma taxa sobre as transacções financeiras efectuadas por empresas

financeiras e utilizar as receitas daí derivadas para financiar o desenvolvimento

sustentável.

5. Dívida externa

A recente Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU)2 que mandata o

“estabelecimento de um enquadramento legal multilateral para a reestruturação dos

processos de dívida soberana” é uma oportunidade de extrema importância – e que não deve

ser desperdiçada – para pôr em prática mecanismos internacionais eficazes de modo a

prevenir e a resolver crises futuras. As crises da dívida ameaçam anular os progressos globais

que foram alcançados a nível do desenvolvimento ao longo de décadas. Mesmo em países que

não sofreram nenhuma crise da dívida grave, o serviço da dívida compete com os gastos em

desenvolvimento por recursos públicos limitados. Apesar das promessas feitas em Monterrey,

em 2002, a arquitectura da prevenção e gestão das crises da dívida não foi desenvolvida. A

resposta às crises da dívida continua a ser feita tardiamente e de forma muito lenta. As nossas

recomendações-chave são:

Reafirmar o compromisso de se chegar a um acordo quanto a um enquadramento

legal multilateral para os processos de reestruturação da dívida soberana num fórum

neutro e assegurar que este é abrangente e baseado numa abordagem das

necessidades humanas, fazendo com que credores e devedores prestem contas em

caso de comportamentos irresponsáveis e oferecendo a todas as partes interessadas o

direito a serem ouvidas;

De modo a escrutinar a existência de dívida de acordo com padrões de financiamento

responsáveis, incluindo a avaliação da legitimidade da dívida, devem ser realizadas

auditorias da dívida, com compromissos de cancelamento da dívida no caso de esta ser

considera ilegítima.

6. Questões sistémicas: governação global eficaz e inclusiva e reforma do sistema monetário

O sistema de governação global da economia precisa urgentemente de uma revisão que

permita facultar aos países em desenvolvimento um lugar justo e equitativo na mesa da

tomada de decisões em todas as organizações internacionais e instituições financeiras,

reforçar a transparência e a prestação de contas e dar resposta a problemas-chave

internacionais, respeitando simultaneamente o espaço político dos países em

desenvolvimento. Se a mudança do G8 para o G20, enquanto cerne das discussões económicas

globais, representou uma alteração na dinâmica do poder, o G20 está a demonstrar-se

desadequado e ineficaz ao nível da coordenação global, ao passo que os órgãos legítimos das

2 Resolução da AGNU A/RES/68/304 (2014).

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Nações Unidas não estão mandatados nem têm recursos para assumir uma coordenação eficaz

nesta área. O sistema monetário internacional está construído com base num papel

insustentável do dólar americano, que precisa de ser gradualmente substituído enquanto

moeda de reserva mundial mas que, simultaneamente, confere estabilidade adicional ao

sistema ao aumentar os activos de reserva disponíveis para os países em desenvolvimento.

Recomendamos:

A preparação de um processo que estabeleça um Conselho de Coordenação

Económica Global ao nível das Nações Unidas (Global Economic Coordination

Council), que deverá assumir a liderança no que respeita às questões económicas;

A emissão anual de 250 mil milhões de dólares em novos Direitos de Saque

Especiais (DSE), a maioria deles direccionados para os países em desenvolvimento.

7. Outros assuntos importantes

Destacamos quatro questões que nos parecem merecer particular atenção:

As Nações Unidas devem considerar seriamente a necessidade de abordagens mais

adequadas para medir os progressos que vão para além dos indicadores económicos

de curto-prazo, tais como o Rendimento Nacional Bruto (RNB), incluindo medidas de

bem-estar social e ambiental e enfatizando quão significantes as desigualdades,

nomeadamente as de género, podem ser;

Ao desenvolverem uma iniciativa sobre padrões de financiamento responsáveis, as

Nações Unidas podem reunir e reforçar as várias iniciativas e propostas já existentes e

ajudar a assegurar que os padrões são devidamente implementados;

Dado o crescente reconhecimento de que todas as formas de financiamento para o

desenvolvimento apresentam ameaças e oportunidades específicas para os direitos

das mulheres, esta agenda vital deve ser integrada no FfD;

As Nações Unidas devem avançar com a agenda para a reforma da regulamentação

financeira e do sector financeiro, iniciada na conferência da AGNU de 2009.

O texto acima é um resumo das principais recomendações que são elencadas em detalhe de

seguida, com dados que demonstram por que razão estas e outras questões devem estar no

centro da conferência sobre FfD que decorrerá em Adis Abeba, em Julho de 2015.

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INTRODUÇÃO

O ano de 2015 será marcante na luta global contra a pobreza e para o desenvolvimento

equitativo e sustentável, com três cimeiras cruciais a decorrer no espaço de apenas seis meses.

A Terceira Conferência das Nações Unidas sobre FfD, que decorrerá em Adis Abeba, em Julho,

será seguida pela Cimeira das Nações Unidas para a adopção da Agenda de Desenvolvimento

Pós-2015 em Nova Iorque, em Setembro, e pela Conferência das Partes (COP) da Convenção-

Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas, em Dezembro, em Paris. Uma

questão transversal a estas três cimeiras é a apresentação de propostas concretas para a

reforma dos sistemas internacionais de comércio e financeiro de modo a que contribuam para

alcançar os objectivos globais de desenvolvimento sustentável. Estas reformas devem basear-

se no direito ao desenvolvimento para todos os países e assegurar os direitos económicos e

sociais para todos. A Conferência sobre FfD em Adis Abeba vai ter um papel fundamental no

que diz respeito a estas questões.

A Conferência de Julho de 2015 é o seguimento da primeira Conferência sobre FfD3 que teve

lugar em Monterrey, no México, em 2002. O resultado – o Consenso de Monterrey –

introduziu seis capítulos ou “acções destinadas” ao FfD que estiveram no centro da Agenda

para o Desenvolvimento Sustentável e que formam a estrutura deste documento. A Segunda

Conferência sobre FfD teve lugar em Doha4, em 2008, e acrescentou um capítulo sobre novos

desafios e questões emergentes, abordando os impactos da crise financeira e das alterações

climáticas, entre outros. Em 2009, a AGNU realizou, em Nova Iorque, uma Conferência sobre a

Crise Económica e Financeira Mundial e os seus Impactos no Desenvolvimento, tendo sido a

única conferência global a dar resposta aos impactos da crise financeira global nos países em

desenvolvimento, estabelecendo um importante plano para combater as falhas sistémicas que

fizeram vergar o sistema financeiro global.

O processo rumo à terceira Conferência sobre FfD foi precedido por relatórios do Grupo de

Trabalho Aberto sobre os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (Open Working Group

on Sustainable Development Goals)5, do Comité Intergovernamental de Especialistas em

Desenvolvimento Financeiro Sustentável (Intergovernmental Committee of Experts on

Sustainable Development Finance – ICESDF)6, e o Relatório Síntese do Secretário Geral das

Nações Unidas, os quais forneceram informações relevantes de base e sobre o contexto.

As questões abordadas em Monterrey, Doha e Nova Iorque continuam a revestir-se de uma

enorme importância e o desafio para Adis Abeba é definir um plano de acção concreto que dê

resposta a questões sistémicas e estruturais e que assegure a disponibilidade de recursos para

financiar o desenvolvimento sustentável. Este documento apresenta as nossas propostas para

compromissos concretos que consideramos que os governos devem assumir em Adis Abeba.

O documento contém recomendações e questões fundamentais, incluindo os compromissos

consagrados nos seis “capítulos de Monterrey” e um capítulo sete final sobre novos assuntos:

1. Mobilização de recursos financeiros internos;

2. Investimento directo estrangeiro e outros fluxos privados internacionais;

3 ONU. (2003). Consenso de Monterrey sobre Financiamento para o Desenvolvimento. 4 ONU. (2009). Declaração de Doha sobre Financiamento para o Desenvolvimento

5 ONU. (2014). Relatório do Grupo de Trabalho Aberto sobre os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável

instituído em conformidade e com a Resolução da Assembleia Geral 66/288. 6 ONU. (2014). Relatório do Comité Intergovernamental de Especialistas em Desenvolvimento Financeiro

Sustentável.

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3. Comércio Internacional;

4. Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD) e outros apoios públicos internacionais ao

desenvolvimento;

5. Dívida externa;

6. Questões sistémicas: governação global eficaz e inclusiva e reforma do sistema

monetário;

7. Outros assuntos importantes: questões que devem ser introduzidas e os processos de

acompanhamento que devem ser acordados, incluindo a medição do desenvolvimento

sustentável para além do RNB; padrões de financiamento responsável, reforma do

sector financeiro e integração dos direitos das mulheres.

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1. MOBILIZAÇÃO DE RECURSOS FINANCEIROS INTERNOS

Recomendações

Uma cooperação verdadeiramente global é fundamental para resolver o problema dos fluxos

financeiros ilícitos e para combater eficazmente a evasão e a fraude fiscais. As nossas

recomendações-chave são:

Estabelecer um novo órgão intergovernamental no seio das Nações Unidas sobre a

cooperação internacional em matéria fiscal e fornecer os recursos necessários que

permitam que este órgão opere eficazmente. Uma tarefa central deste órgão será

desenvolver um novo instrumento multilateral que reforce a cooperação internacional

em matéria fiscal. O comité de peritos que actualmente existe pode ser mantido

enquanto órgão subsidiário que fornece assessoria técnica às negociações

intergovernamentais;

O mandato para o novo órgão fiscal intergovernamental deve incluir trabalho sobre a

erosão de base tributável e a transferência de resultados, tratados fiscais e de

investimento, incentivos fiscais, tributação das indústrias extractivas, transparência

quanto aos beneficiários, sistemas de informação país por país, partilha automática de

informações para fins fiscais, alternativas à abordagem da “independência das

sociedades” e minimização dos efeitos de contaminação das políticas fiscais.

Questões fundamentais

Um dos principais obstáculos à mobilização de recursos internos nos países em

desenvolvimento corresponde à quantidade de financiamentos que saem desses países sem

serem taxados, não contribuindo, dessa forma, para os orçamentos dos governos

direccionados ao financiamento de serviços públicos essenciais, tais como cuidados de saúde

ou educação. A globalização e as regras fiscais globais desactualizadas tornaram possível que

as empresas transnacionais evitassem e fugissem à tributação fiscal em grande escala. Os

dados demonstram que os países em desenvolvimento estão a perder mais recursos devido à

fraude fiscal das empresas do que aqueles que recebem por via da Ajuda Pública ao

Desenvolvimento7.

A falta de uma agenda comum para a cooperação internacional em matéria fiscal está a custar,

a todos os governos, avultados recursos que poderiam ter sido alocados ao desenvolvimento

sustentável. No entanto, num estudo recente8 sobre as repercussões na tributação do

rendimento das empresas, o Fundo Monetário Internacional (FMI) sublinhou que: “O efeito de

contaminação de base (spillover base effect) é maior nos países em desenvolvimento.

Comparados com os países da OCDE, o efeito de contaminação de base de outras taxas de juro

é duas a três vezes maior e estatisticamente mais significativo. A aparente perda de receitas

decorrente do efeito de contaminação, relativa a uma referência semelhante à tributação na

fonte, é também maior para os países em desenvolvimento”.

Uma parte substancial do trabalho internacional sobre questões tributárias está actualmente a

decorrer no âmbito do G20 e da OCDE. Isto inclui o processo sobre troca automática de

7 Christian Aid. (2008). Death and taxes.

8 FMI. (2014). Spillovers in International Corporate Taxation.

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informação tributária, que ambiciona assegurar a cooperação das autoridades tributárias no

sentido de evitar a evasão fiscal, e o processo sobre a erosão de base tributável e a

transferência de resultados, que se prevê combater a fraude e a evasão fiscais por parte de

empresas transnacionais. Ambos os processos incluíram “consultas” aos países em

desenvolvimento que não fazem parte do G20, mas as actuais negociações

intergovernamentais e a tomada de decisão estão a decorrer à porta fechada e sem a

realização de um processo de consulta aos países em desenvolvimento. Por isso, e uma vez

mais, 80% dos países do mundo não estão a ser incluídos nos processos de tomada de decisão.

A própria OCDE já admitiu que o seu trabalho relativamente à questão da erosão de base

tributável e à transferência de resultados não dá resposta a algumas das maiores

preocupações dos países em desenvolvimento9. A promessa feita em Monterrey de “reforçar a

cooperação fiscal internacional… dando particular atenção às necessidades dos países em

desenvolvimento e dos países com economias em transacção” não tem sido cumprida.

A Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD, na sigla em

inglês) também referiu que: “uma vez que estas iniciativas são maioritariamente lideradas

pelas economias desenvolvidas – algumas das quais com jurisdições opacas e empresas

transnacionais poderosas – corre-se o risco de o debate não tomar em consideração todas as

necessidades e os pontos de vista da maioria das economias em desenvolvimento e em

transição. Será importante, por isso, atribuir um papel mais importante a instituições como o

Comité de Peritos das Nações Unidas sobre Cooperação Internacional em Matéria Fiscal e

considerar a adopção de uma convenção internacional contra a evasão e a fraude fiscais. É

essencial adoptar-se uma abordagem multilateral porque, caso apenas algumas jurisdições

aceitem prevenir fluxos ilícitos de capitais e perdas fiscais, estas práticas vão simplesmente

transferir-se para outros locais não-cooperativos”10.

O trabalho das Nações Unidas sobre questões relacionadas com impostos tem sido sobretudo

realizado ao nível do Comité de Peritos das Nações Unidas sobre Cooperação Internacional em

Matéria Fiscal. Não obstante o Comité fornecer aconselhamento e recomendações de valor,

ele é, por natureza, um comité de peritos – e não um comité intergovernamental – pelo que

não tem capacidade para liderar negociações intergovernamentais. O acordo de Doha sobre o

FfD solicitou ao Conselho Económico e Social das Nações Unidas (ECOSOC) que “examinasse o

reforço dos acordos institucionais, incluindo o Comité de Peritos das Nações Unidas sobre

Cooperação Internacional em Matéria Fiscal”. Contudo, o trabalho do Comité continua a sofrer

constrangimentos severos devido à falta de recursos.

No seu relatório de 201411, a Relatora Especial das Nações Unidas para a Pobreza Extrema e os

Direitos Humanos recomendou que os Estados façam uma actualização do Comité para um

“estatuto intergovernamental”. O reconhecimento da necessidade de envolver os países em

desenvolvimento na criação de normas fiscais globais remonta há já bastante tempo. Por

exemplo, o “Painel Zedillo”12 recomendou, em 2001, que fosse estabelecida uma “Organização

Internacional de Impostos”. O G77 também tem vindo a propor repetidamente13 que o Comité

de Peritos das Nações Unidas se transforme num órgão internacional, mais recentemente no

9 OCDE. (2014). Parte 1 do Report to G20 Development Working Group on the Impact of BEPS in low income. Julho de 2014. 10

UNCTAD. (2014). UNCTAD Trade and Development Report 2014. 11 http://www.ohchr.org/EN/HRBodies/HRC/RegularSessions/Session26/Documents/A_HRC_26_28_ENG.doc 12

http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/55/1000 13 http://www.un.org/esa/ffd/tax/2014ITCM/StatementG77China.pdf

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evento especial do ECOSOC14 sobre questões fiscais, em Junho de 2014. Num comunicado de

imprensa de Outubro de 2014, os ministros das finanças da República Democrática (RD) do

Congo e dos Camarões afirmaram que “as consultas por parte do FMI e da OCDE podem não

ser suficientes: [os países de baixo rendimento] precisam de ter assento igual na mesa das

negociações, o qual seria disponibilizado de uma melhor forma através de uma reunião de alto

nível sob os auspícios das Nações Unidas, como parte da conferência sobre FfD, em Julho de

2015”.

Para além de assegurar que os interesses dos países em desenvolvimento estão incluídos no

desenvolvimento das novas normas fiscais globais, é também necessário um órgão

intergovernamental das Nações Unidas que trate das questões tributárias, coordenando a

revisão das normas já existentes a nível global e nacional. Como os ministros das finanças da

RD Congo e dos Camarões referiram:

O sistema tributário global tem favorecido o pagamento de impostos nos países

que acolhem as sedes das grandes empresas transnacionais, mais do que nos

países onde as matérias-primas são produzidas. Os tratados fiscais e de

investimento internacionais têm de ser revistos de modo a dar preferência ao

pagamento dos impostos nos “países-fonte”. [Os países de baixo rendimento]

precisam de ajuda para rever os seus códigos fiscais de modo a eliminarem

isenções, renegociarem acordos bilaterais a nível fiscal e de investimento,

resistirem à “’corrida para o fundo’ (race to the bottom) através de uma

concorrência nefasta para reduzir impostos directos.

Por isso, e com mais de uma década de atraso, é tempo de os governos estabelecerem um

órgão para uma verdadeira cooperação em matéria fiscal, sob os auspícios das Nações Unidas.

A comunidade internacional deve também reconhecer que, a nível nacional, os sistemas fiscais

equitativos e progressivos são fundamentais para alcançar recursos internos adequados a

financiar a prestação de serviços públicos. Apesar de haver cada vez mais dados que

comprovam que políticas fiscais justas são um factor-chave no combate à pobreza e às

desigualdades15, agências internacionais como o FMI e o Banco Mundial só agora começaram a

reconhecer que políticas fiscais justas e equitativas se revestem de uma importância crítica no

combate à pobreza16, tendo sido criticadas por não actuar devidamente em termos de um

aconselhamento concreto na formulação das políticas17. Será importante que o FMI e o Banco

Mundial levem a cabo uma avaliação independente do aconselhamento político que prestam,

especialmente à luz do relatório recentemente publicado por uma equipa do FMI sobre os

efeitos de contaminação da tributação das empresas internacionais18.

Como parte do esforço internacional de combate à evasão e à fraude fiscais, os governos

devem também aumentar a transparência empresarial. Isto deve incluir a implementação

efectiva de um sistema de informação país por país obrigando as empresas multinacionais a

revelarem publicamente, e como parte dos seus relatórios anuais para cada país em que

operam, dados-chave sobre os lucros obtidos, os impostos pagos, os subsídios recebidos, o

volume de negócios e o número de empregados. Apenas através da disponibilização pública

14

http://www.un.org/esa/ffd/tax/2014ITCM/index.htm 15

CESR; Christian Aid. (2014). A Post-2015 Fiscal Revolution. 16 http://www.imf.org/external/pubs/ft/survey/so/2014/POL031314A.htm 17

ActionAid; Eurodad. (2011). Approaches and Impacts. IFI Tax policy in developing countries. 18 FMI. (2014). Spillovers in International Corporate Taxation.

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desta informação será possível avaliar se as empresas transnacionais estão efectivamente a

pagar a sua justa parte dos impostos e se esses estão a ser pagos nos países onde as

actividades económicas têm lugar e onde é criado valor acrescentado.

Por fim, os governos devem estabelecer um verdadeiro sistema global para uma troca

automática de informação sobre questões fiscais. Um sistema deste género deve ser

elaborado de forma a permitir uma participação significativa dos países em desenvolvimento,

aos quais deveria ser permitido o acesso automático a informação mesmo que não tenham

ainda a capacidade de enviar o mesmo tipo de informação de volta.

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14

2. INVESTIMENTO DIRECTO ESTRANGEIRO E OUTROS FLUXOS PRIVADOS INTERNACIONAIS

Recomendações

A Conferência em Adis Abeba pode apoiar a adopção de uma abordagem equilibrada para o

financiamento privado internacional, reconhecendo a necessidade que os países em

desenvolvimento têm de gerir cuidadosamente os fluxos. As nossas recomendações-chave são:

Reconhecer a regulamentação da conta de capital como uma ferramenta política

fundamental para todos os países, em particular para os países em desenvolvimento,

que são os que mais sofrem com os efeitos de contaminação globais, incluindo fluxos

de capital de curto-prazo voláteis, com o compromisso de remover de todos os

acordos de comércio e investimento, incluindo na OMC, quaisquer constrangimentos a

estas importantes políticas;

Apontar claramente quais são os problemas mais significativos associados ao uso das

instituições e dos recursos públicos na alavancagem do financiamento privado

internacional, incluindo a falta de clareza sobre a complementaridade, a finalidade e o

impacto no desenvolvimento, a influência limitada das partes interessadas dos países

em desenvolvimento e as diminuídas transparência e prestação de contas.

Questões fundamentais

Os fluxos de capitais privados internacionais, nomeadamente o Investimento Directo

Estrangeiro (IDE), podem ajudar a fomentar o crescimento económico sustentável, mas podem

também trazer vários riscos associados que têm de ser geridos cuidadosamente. Estes fluxos

têm o potencial de criar empregos decentes, facilitar a transferência de tecnologia e gerar

recursos internos através do pagamento da justa parte dos impostos por parte de empresas e

indivíduos. No entanto, uma má gestão destes fluxos privados pode propiciar um aumento das

desigualdades e ter um impacto adverso na vida das pessoas mais pobres e vulneráveis e no

meio ambiente, podendo aumentar os riscos para os países em desenvolvimento. Há duas

categorias diferentes de preocupações: por um lado, existem riscos macroeconómicos

associados a estes fluxos, tais como a volatilidade dos fluxos financeiros de curto-prazo; por

outro, há preocupações quanto ao conteúdo e aos termos do investimento de longo-prazo,

especialmente do IDE. Monterrey sublinhou as necessidades de as empresas “tomarem em

consideração não apenas as implicações económicas e financeiras das suas actividades, como

também aquelas ao nível do desenvolvimento, do género e do ambiente”.

Os fluxos financeiros transfronteiriços privados de curto-prazo, nomeadamente a carteira de

investimentos, podem ser extremamente voláteis com oscilações abruptas ao nível do

investimento e às saídas massivas de capital que ocorrem durante as crises. Estas são também

conhecidas como saídas de “dinheiro quente” (hot money outflows), podendo despoletar

crises severas nos mercados cambiais e no sector financeiro e vir a ter impactos prejudiciais e

geralmente de longo-prazo na economia real. Este tipo de saída de emergência (panic exit) de

capitais desencadeou a crise financeira asiática de 1997-1998, dando início a uma repentina

desvalorização da moeda que desestabilizou economias nacionais por completo, tendo sido

um importante mecanismo para a transmissão para os países em desenvolvimento da crise

financeira global. Sem uma regulamentação financeira mais forte por parte dos governos, é

provável que fluxos financeiros privados, voláteis e de curto-prazo, “voltem” a provocar uma

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próxima crise. Monterrey ressalvou o seguinte: “Medidas que mitiguem o impacto de uma

volatilidade excessiva dos fluxos de capital de curto-prazo são importantes e devem ser

consideradas”.

Os recentes sinais de que o FMI19 está limitadamente disponível para diminuir a sua oposição à

regulamentação de contas de capital são bem-vindos e o acompanhamento da posição firme

adoptada em Doha quanto ao facto de “não ser negado aos países em desenvolvimento o

direito a (…) impor restrições de capital temporárias e procurar negociar acordos sobre

congelamentos temporários da dívida entre credores e devedores”. Contudo, dada a escala

dos riscos, é necessário adoptar urgentemente uma agenda mais pró-activa. Vai ser

determinante reconhecer que a regulamentação de contas de capital é uma ferramenta

política fundamental que deve fazer parte do conjunto de ferramentas para todos os países

que procuram prevenir crises causadas pelas entradas e saídas de “dinheiro quente”,

nomeadamente para os países em desenvolvimento mais afectados.

Relativamente ao IDE e a outros financiamentos de longo-prazo, um recente estudo do

Parlamento Europeu20 identificou as seguintes limitações:

O IDE dificilmente chega a países de baixo rendimento, com excepção dos maiores

exportadores de recursos naturais. Isto pode ser altamente problemático, visto que o

sector extractivo de recursos tem um potencial reduzido de criação de empregos

decentes, pode ter grandes impactos sociais, ambientais e ao nível dos direitos

humanos e pode aumentar os problemas de gestão macroeconómicos;

Tem vindo a ser difícil direccionar o IDE para micro, pequenas e médias empresas

(MPME), as quais são responsáveis pela criação do maior número de postos de

trabalho e do RNB nos países em desenvolvimento;

A propensão natural para a obtenção de lucros que caracteriza o IDE significa que ele

não pode dar resposta a várias questões-chave, incluindo uma maior provisão de

serviços públicos, vital para o crescimento do sector privado;

O IDE é frequentemente associado a significativas saídas de recursos, através do

repatriamento dos lucros, estimado em 90% do valor das entradas de IDE em 201121.

Além disso, tal como vimos no Capítulo 1, os fluxos financeiros ilícitos associados a

uma avaliação incorrecta das operações comerciais (trade mispricing) e a outros tipos

de tácticas de evasão fiscal contribuem para um esgotamento massivo dos recursos

internos nos países em desenvolvimento.

Ademais, os investidores externos colocam frequentemente pressão sobre os governos

nacionais para introduzirem condições favoráveis, tais como isenções fiscais ou uma

regulamentação laboral, social e ambiental menos restritiva, que podem ter impactos

negativos tanto directamente como através da criação de um campo de acção injusto face ao

sector privado nacional. Por fim, os números sobreavaliam claramente a quantidade líquida

dos fluxos financeiros privados que entram nos países em desenvolvimento. Por exemplo, de

19

http://www.imf.org/external/pp/longres.aspx?id=4720 20 Griffiths, J., Martin, M., Pereira, J., Strawson, T. (2014). Financing for Development Post-2015: improving the contribution of private finance. União Europeia. 21 Development Initiatives. (2013). Investments to end poverty.

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acordo com a UNCTAD22, as transacções ou posições que envolvem as Entidades com um Fim

Específico (Special Purpose Entities) são consideráveis, embora não representem normalmente

fluxos de investimento genuínos, podendo conduzir a uma interpretação incorrecta dos dados

relativos ao IDE.

Por isso, a questão fundamental tem a ver com a qualidade e a contribuição para o

desenvolvimento dos fluxos privados, as quais acabam por ser mais valorizadas do que a sua

quantidade. Doha referiu que “o impacto do investimento directo estrangeiro no

desenvolvimento deve ser maximizado” e sublinhou a necessidade de estabelecer a ligação

entre IDE e melhorias concretas nas economias nacionais, nomeadamente “através da

promoção da transferência de tecnologia e da criação de oportunidades de formação para a

força de trabalho local, incluindo mulheres e jovens”. Uma abordagem importante terá a ver

com o desenvolvimento de um conjunto de princípios para o investimento responsável em

prol do desenvolvimento sustentável, tal como enunciado no Capítulo 7.

Infelizmente, em vez de se centrar na forma de gestão dos custos e dos benefícios associados

ao investimento directo estrangeiro e a outros fluxos financeiros privados a nível nacional23, a

maioria dos debates desde Doha tem-se focado na questão de como usar os financiamentos e

as garantias públicas no processo de alavancagem do financiamento privado. Isto inclui uma

mistura com a APD, tal como discutido no Capítulo 4. Ao fazerem isso, os bancos de

desenvolvimento multilaterais e as instituições financeiras de desenvolvimento (IFD)

tornaram-se alguns dos principais actores no panorama actual do desenvolvimento. Relatórios

recentes24 sublinharam os problemas sérios associados a esta agenda comandada pelas IFD:

Problemas em produzir resultados mensuráveis a nível do desenvolvimento, com

dificuldades em delinear programas que funcionem com MPME em países de

rendimento baixo;

Êxito limitado na geração de investimento “adicional”, com avaliações externas a

demonstrarem que muitos dos investimentos que beneficiam de apoio dos Estados

substituem ou suplantam verdadeiros investimentos do sector privado;

A maioria das IFD recorre a centros financeiros offshore para canalizar os seus fundos,

o que dá luz verde para a sua utilização, ajudando assim a legitimar o uso

potencialmente nefasto de jurisdições deste tipo25;

Fraca apropriação por parte dos países em desenvolvimento – governos, parlamentos

e partes interessadas locais – no que concerne às instituições e aos programas das

22

UNCTAD World Investment Report 2014, que sublinha a dificuldade no acesso a dados para avaliar o IDE por via das entidades com um fim específico. O relatório salienta que é necessária uma maior recolha de dados. Disponível em http://unctad.org/en/PublicationsLibrary/wir2014_en.pdf. 23 Veja-se, por exemplo, o “conjunto de princípios comuns para investir em entidades com um fim específico” da UNCTAD, presente no seu mais recente World Investment Report. Disponível em http://unctad.org/en/pages/PublicationWebflyer.aspx?publicationid=937. 24

Ver Griffiths, J., Martin, M., Pereira, J., Strawson, T. (2014). Financing for Development Post-2015: improving the contribution of private finance. União Europeia | Romero, M.J., Van de Poel, J. (2014). Private finance for development unravelled. Assessing how Development Finance Institutions work. Eurodad. Bruxelas | Kwakkenbos, J. (2012). Private profit for public good? Eurodad. Bruxelas. 25

Vervynkt, M. (2014). Going Offshore. How development finance institutions support companies using the world’s most secretive financial centres. Eurodad. Bruxelas.

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IFD. Isto é evidente quando analisamos a estrutura de governação das IFD existentes26

ou os mecanismos de blending da UE27;

Problemas significativos ao nível da transparência e da prestação de contas,

especialmente quando se canaliza dinheiro através de intermediários financeiros, tais

como bancos e fundos privados de investimento;

As normas e salvaguardas existentes são insuficientes para proteger os grupos mais

vulneráveis e o ambiente, e a implementação das normas actuais tem sido irregular.

As parcerias público-privadas (PPP) são, em muitos casos, os mecanismos seleccionados para

implementar projectos de infraestruturas, mas existem graves problemas associados a esta

abordagem. O enfoque crescente nas enormes necessidades dos países em desenvolvimento

no que diz respeito a infraestruturas, actualmente estimado em um bilião (one trillion) de

dólares americanos por ano de financiamento adicional, levou a que os doadores multilaterais

e bilaterais e os fóruns discutissem propostas para aproveitar o financiamento privado para

perfazer o défice estimado, incluindo através da Global Insfrastructure Initiative do G20, da

Global Infrastructure Facility (GIF) do Banco Mundial e o Programme for Infrastructure

Development in Africa (PIDA). Contudo, há indícios crescentes, incluindo de um relatório

recente do Grupo de Avaliação Independente do Banco Mundial (GAI/BM)28, que demonstram

que as PPP têm grandes problemas:

São um método de financiamento muito caro e têm vindo a aumentar

significativamente os custos para o erário público. Isto deve-se, em parte, ao facto de

financiadores de capital e outros credores exigirem ter entre 20 e 25% de lucros

anuais, mesmo nos projectos mais susceptíveis de obterem financiamentos bancários,

e aos custos até um máximo de 10% para obtenção do financiamento29;

Com frequência, estes custos não são transparentes nem passíveis de prestação de

contas perante auditores, parlamentares ou grupos da sociedade civil. De acordo com

o relatório do GAI/BM, as dívidas escondidas por parte de PPP “raramente são

quantificáveis na sua totalidade” a nível do projecto e “raramente é dado um

aconselhamento sobre como gerir as implicações fiscais das PPP”. As avaliações da

sustentabilidade das dívidas não costumam ter em consideração este custo na medida

em que são tratadas como transacções extra-orçamentais, encorajando assim de

forma perversa os países a recorrerem a PPP de modo a contornarem os limites de

dívida acordados;

Tendem também a assumir a forma de financiamentos de alto risco. As evidências dos

países em desenvolvimento demonstram que entre 25% e 35% dos projectos deste

género falham em executar os projectos tal como planeado, devido a derrapagens nos

custos, atrasos na implementação ou especificações de trabalho limitadas e à

bancarrota ou falhas no reembolso dos financiamentos30. Nos países em

26 Romero, M.J., Van de Poel, J. (2014). Private finance for development unravelled. Assessing how Development Finance Institutions work. Eurodad. Bruxelas. 27

http://www.eurodad.org/Entries/view/1546054/2013/11/07/A-dangerous-blend-The-EU-s-agenda-toblend-public-development-finance-with-private-finance 28 http://ieg.worldbankgroup.org/evaluations/world-bank-group-support-ppp 29

Ver nota de rodapé 20. 30 Ver nota de rodapé 20.

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desenvolvimento com uma fraca capacidade de negociação/gestão, as taxas de

incumprimento têm sido ainda maiores;

Se falharem, as PPP podem acabar por “privatizar os benefícios e, simultaneamente,

socializar as perdas” nos casos em que o sector público acaba por ter de socorrer ou

salvar o projecto.

As PPP devem, por isso, ser abordadas com cuidado e devem apenas ser consideradas se

outras opções de financiamento, menos arriscadas e caras, não estiverem disponíveis. Na

altura em que se elaboram os projectos, as necessidades de desenvolvimento devem ser

explicitamente avaliadas e as preocupações ao nível da equidade devem ser tidas em

consideração em termos de acesso equitativo e fácil a serviços e infraestruturas. Aquando da

implementação dos projectos em PPP, devem ser incluídos os seguintes elementos-chave:

análise exaustiva do custo-benefício; transparência total ao longo de todo o processo;

elaboração e implementação cuidadosas; envolvimento das partes interessadas locais;

supervisão e regulamentação reforçadas, incluindo a prestação de contas transparente; e

fortes mecanismos de monitorização e avaliação. Tendo em conta que os acordos de comércio

e investimento podem comprometer a capacidade dos governos de aplicar as

regulamentações, é importante assegurar que existem políticas eficazes de regulamentação e

salvaguarda para as PPP, garantindo o respeito pelos direitos humanos, incluindo os direitos

das mulheres, e também a protecção e a sustentabilidade ambientais.

Por fim, os sistemas de governação e de prestação de contas das parcerias multi-stakeholder

nas Nações Unidas devem ser estabelecidos antes de qualquer parceria ser sancionada ou

levada a cabo. É necessário haver critérios claros, aplicados ex ante, para determinar se um

actor privado está capacitado para uma parceria que vá ao encontro dos objectivos pós-2015.

Os Estados-membros das Nações Unidas devem estar, por isso, na vanguarda da formulação

de um enquadramento de prestação de contas e de governação baseado em critérios que

incluam parcerias de supervisão, regulamentação, avaliação independente por terceiros e

monitorização e relato com o sector privado.

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3. COMÉRCIO INTERNACIONAL

Recomendações

A política comercial deve permitir que os países em desenvolvimento tenham espaço político –

incluindo a capacidade para se concentrarem nos impactos do desemprego, nas pessoas mais

vulneráveis, na igualdade de género e no desenvolvimento sustentável – em vez de promover

a liberalização como um fim em si mesmo. Recomendamos:

Uma revisão abrangente de todos os acordos comerciais e dos tratados de

investimento, de modo a identificar as áreas que possam limitar a capacidade de os

países em desenvolvimento prevenirem e gerirem crises, regularem os fluxos de

capitais, protegerem o direito ao sustento e a um emprego decente, reforçarem a

tributação justa, prestarem serviços públicos essenciais e assegurarem o

desenvolvimento sustentável;

Uma revisão de todos os regimes de direitos de propriedade intelectual que foram

introduzidos nos países em desenvolvimento através dos Acordos de Livre Comércio

(ALC), identificando os impactos adversos na saúde pública, no ambiente e no

desenvolvimento de tecnologia, entre outras áreas.

Questões fundamentais

O comércio internacional desempenha um papel importante no desenvolvimento e as políticas

comerciais são uma ferramenta importante que pode ser utilizada pelos países em

desenvolvimento para apoiarem o crescimento das indústrias nacionais com maior valor

acrescentado e não apenas enquanto produtores de base. Contudo, o actual regime comercial

levou os países em desenvolvimento a abrirem os seus mercados, tanto através da

Organização Mundial do Comércio como por via de tratados de comércio e de investimento

bilaterais e regionais, reduzindo o seu espaço político para dar resposta às suas necessidades

de desenvolvimento, ao mesmo tempo que pouco ou nada faz para corrigir as políticas

praticadas pelos países ricos e que têm distorcido o comércio.

O ponto fundamental para todos quantos se preocupam com o desenvolvimento sustentável

prende-se com o facto de ter de se dar espaço político suficiente aos países em

desenvolvimento para que estes determinem se, como e quando querem liberalizar sectores e

mercados. A liberalização do comércio não deve agravar o desemprego, prejudicar as pessoas

mais vulneráveis, pôr em causa a igualdade de género ou ameaçar o desenvolvimento

sustentável ou o ambiente.

Apesar de nos centrarmos no investimento enquanto questão fundamental para o FfD, há

muitas outras importantes questões relacionadas com as políticas comerciais que não devem

ser esquecidas. Monterrey identificou as questões de desenvolvimento que os países em

desenvolvimento queriam ver respondidas e elencou algumas:

(…) barreiras comerciais, subsídios e outras políticas que distorcem o comércio,

nomeadamente nos sectores de particular interesse para as exportações dos

países em desenvolvimento, incluindo a agricultura; o abuso de medidas anti-

dumping; barreiras técnicas e medidas sanitárias e fitossanitárias; liberalização do

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comércio em mão de obra intensiva; comércio de serviços; picos tarifários, tarifas

elevadas e escaladas dos direitos aduaneiros, bem como barreiras não pautais; o

movimento de pessoas singulares; a falta de reconhecimento dos direitos de

propriedade intelectual para a protecção do conhecimento tradicional e da cultura

popular; a transferência de conhecimento e de tecnologia; a implementação e

interpretação do Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual

Relacionados com o Comércio de uma maneira que apoie a saúde pública; a

necessidade de disposições especiais e um tratamento diferenciado para os países

em desenvolvimento nos acordos comerciais, para que estes sejam mais precisos,

eficazes e operacionais.

Contudo, muitas destas questões têm sido marginalizadas, facto que explica por que as

negociações da “Ronda de Desenvolvimento” de Doha ainda não estão finalizadas e muitas

questões-chave ainda continuam pendentes. Por exemplo, como os Chefes de Estado

referiram em Doha, os países desenvolvidos devem ambicionar “o objectivo de conferir um

pleno acesso aos mercados, isento do pagamento de direitos, a todos os países em

desenvolvimento”. No entanto, isto ainda não é uma realidade. Flexibilizações políticas para

proteger a agricultura nos países em desenvolvimento devem ser proporcionais às

flexibilizações actuais já disponíveis para os países desenvolvidos. Em particular, os países em

desenvolvimento devem poder proteger a sua agricultura utilizando, flexível e eficazmente, o

Mecanismo de Salvaguarda Especial. Os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual

Relacionados com o Comércio (ADPIRC), acrescidos de disposições, como a exclusividade dos

dados e a prorrogação do período da patente, têm vindo a empurrar os produtores mais

pequenos, a maioria localizada nos países em desenvolvimento, para fora da produção,

conduzindo a um aumento dos custos de medicamentos essenciais e cuidados de saúde,

agroquímicos (e, consequentemente, dos alimentos), o que prejudica o desenvolvimento e

causa danos às pessoas pobres. Mesmo o uso das flexibilidades ADPIRC permitidas pela OMC,

no sentido de proteger a saúde pública ou o ambiente, está a ser desafiado e o acesso a

tecnologia claramente dificultado pelos direitos de propriedade intelectual exigidos pelo

Acordo sobre os ADPIRC. É tempo de se proceder a uma revisão urgente de todos os regimes

de propriedade intelectual que foram introduzidos nos países em desenvolvimento através dos

Acordos de Livre Comércio, de modo a identificar quaisquer impactos adversos na saúde

pública, no ambiente e no desenvolvimento de tecnologia, entre outras áreas.

No que concerne às políticas de investimento, o FfD tem conseguido dar passos significativos.

Em 2012, existiam a nível global 3.196 tratados de investimento31, muitos deles prejudiciais

aos países em desenvolvimento. Há também importantes capítulos consagrados ao

investimento a nível dos acordos de livre comércio. Apesar de ser suposto estes tratados e

acordos protegerem os investidores estrangeiros e beneficiarem os países receptores, o Banco

Mundial e outras [instituições] concluíram que existe uma pequena correlação entre ter um

tratado de investimento e um aumento no investimento32. Existe também um número

crescente de diferendos relativos a investimentos e “preocupações persistentes a respeito das

deficiências sistémicas do regime [de arbitragens de investimento]”33. Em 2012, registou-se o

31 UNCTAD. (2013). World Investment Report 2013: Global Value Chains: Investment and Trade for Development. UNCTAD. Genebra. 32 Ver Banco Mundial. (2003). Do Bilateral Investment Treaties Attract FDI? e Savant and Sachs. (2009). The Effect of

Treaties on Foreign Direct Investment. 33 Ibid.

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número mais elevado de reclamações internacionais apresentadas contra Estados por parte de

empresas estrangeiras, 66% das quais contra países em desenvolvimento34.

Frequentemente, os tratados padecem de vários problemas que tornam praticamente

impossível para os governos dos países em desenvolvimento prever os impactos das

negociações, incluindo definições vagas de termos-chave como “investimento” e “tratamento

justo e equitativo”35. Na prática, estes tratados e acordos podem dificultar a maximização dos

benefícios do IDE por parte dos países em desenvolvimento, ao restringirem, por exemplo, a

sua habilidade para requerer uma transferência de tecnologia ou a empregabilidade de mão-

de-obra local. Podem ainda limitar a capacidade que os governos têm para evitar que o fluxo

de “dinheiro quente” venha a desestabilizar as suas economias.

É necessário proceder-se a uma revisão abrangente dos tratados existentes de modo a

identificar todos os elementos que restrinjam o espaço político de grande valor para os países

em desenvolvimento ou que possam ter resultados negativos ao nível do desenvolvimento.

Essa revisão deve prever a participação de todas as partes interessadas relevantes, incluindo

grupos da sociedade civil. Deve incluir o exame das cláusulas de resolução de conflitos entre

Investidor e Estado (ISDS na sigla em inglês) e também a definição de investimento. A cláusula

sobre o mecanismo de ISDS nos tratados internacionais de investimento e nos ALC permite às

empresas transnacionais processarem os governos em tribunais arbitrais internacionais à

porta fechada, reclamando indemnizações exorbitantes. Esta tendência está a paralisar a

regulamentação das políticas que apoiem o interesse público a nível mundial. A maioria dos

governos dos países em desenvolvimento perde estes casos devido à inexistência de recursos

financeiros adequados para defenderem os seus interesses. Mais de metade destes casos está

relacionada com recursos naturais36, ameaçando o acesso à terra, a água potável e a ar limpo e

impedindo a sustentabilidade e a conservação ambientais. Também acabam por punir

desproporcionalmente as mulheres e as crianças, os povos indígenas e as comunidades locais,

bem como os mais idosos e os portadores de deficiências.

Além disso, os governos deveriam realizar obrigatoriamente avaliações de impacto humano

dos acordos de investimento e dos tratados de comércio multilaterais, plurilaterais e bilaterais,

especialmente dos acordos entre países no norte global e no sul global, centrando-se

particularmente nos direitos ao desenvolvimento e nos direitos específicos à alimentação, à

saúde e a um sustento, tomando em consideração o impacto sobre os grupos marginalizados.

A OMC (bem como os acordos de comércio bilaterais e plurilaterais e os acordos de

investimento) está a afectar negativamente os direitos das pessoas, incluindo o direito destas

ao desenvolvimento, ao forçar cortes pautais em sectores-chave como a agricultura, as

indústrias nascentes e serviços essenciais; ao permitir regimes injustos de ajuda à agricultura;

ao forçar o investimento em recursos naturais e em bens e serviços delicados. Muitos destes

acordos também previnem a adição de valor acrescentado aos produtos locais ao banir os

encargos à exportação (através dos ALC). Por exemplo, a recusa em conceder um tratamento

especial e diferenciado aos países em desenvolvimento e aos países menos desenvolvidos está

a ameaçar o seu direito ao desenvolvimento. Neste momento, por exemplo, o facto de a OMC

não permitir a concessão de subsídios a pequenos produtores, essenciais ao apoio do

34 Ibid, p. 110. 35

Khor, M. (2013). The emerging crisis of investment treaties. South Centre. Genebra. 36 http://www.thirdworldnetwork.net/finance/articlef.php?ac=st&aid=25

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programa público de distribuição alimentar, está a pôr em causa o direito à alimentação das

pessoas na Índia.

Como sublinha o South Centre e outros, o resultado da Conferência Ministerial da OMC, que

decorreu em Dezembro de 2013, em Bali, foi desequilibrado, com os países desenvolvidos a

conseguirem garantir um acordo vinculativo e executório sobre facilitação comercial – a

chamada “questão de Singapura” – e os países menos desenvolvidos a alcançarem apenas

resultados não-vinculativos. Desde então, os países desenvolvidos têm continuado a

pressionar para a inclusão de outras questões de Singapura, nomeadamente a liberalização do

investimento, apesar da oposição dos países em desenvolvimento, que continuam a apelar

para que a ronda de Doha seja genuinamente centrada no desenvolvimento.

Finalmente, a ajuda ao comércio não deveria ser concebida como substituta de um sistema

comercial reformado que recentre os seus objectivos no alcance do pleno emprego e do

desenvolvimento sustentável. A ajuda ao comércio pode apenas vir a ter sucesso se for

incondicional, não geradora de dívida, adicional aos compromissos já existentes e orientada

para a construção de capacidades produtivas nos países receptores, em vez de corresponder

meramente à implementação de regras de comércio.

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4. AJUDA PÚBLICA AO DESENVOLVIMENTO (APD) E OUTROS APOIOS PÚBLICOS

INTERNACIONAIS AO DESENVOLVIMENTO

Recomendações

A Conferência de Adis Abeba sobre FfD apresenta-se como uma oportunidade para reforçar os

compromissos em matéria de quantidade e qualidade da APD, para pôr em prática

mecanismos de acompanhamento mais firmes e específicos e para impulsionar fontes de

financiamento público novas e adicionais. As nossas recomendações são:

Os países desenvolvidos devem estabelecer calendários vinculativos através de

legislação nacional que lhes permitam alcançar o compromisso por eles assumido de

canalizar 0.7% do RNB para a APD, bem como os compromissos para com os países

menos avançados, e dentro de cinco anos garantir que estes fluxos confluem para a

apropriação democrática, a transparência, a prestação de contas e a inclusão e

maximização dos impactos da erradicação da pobreza. O Fundo de Cooperação para o

Desenvolvimento (FCD) das Nações Unidas deve ser incumbido das tarefas de revisão,

monitorização e reporte destes impactos;

Todos os doadores devem assegurar que a APD representa uma transferência genuína

de ajuda ao desenvolvimento para os países em desenvolvimento, pondo fim à ajuda

ligada, tanto formal como informal, assegurando a complementaridade, removendo

da contabilização da APD os custos com estudantes, refugiados e com o alívio da

dívida reportados nos países financiadores, garantindo que a maioria da sua ajuda

pública ao desenvolvimento assume a forma de subsídios, e reformando os

empréstimos concessionais de modo a reflectirem os custos reais dos empréstimos

aos países parceiros, incluindo através da dedução dos pagamentos dos juros;

A cobrança de uma taxa sobre as transacções financeiras efectuadas por empresas

financeiras, mais do que por indivíduos, deve ser implementada sobre activos como

acções, obrigações, divisas e seus derivados, e as suas receitas devem ser utilizadas

para financiar o desenvolvimento sustentável.

Questões fundamentais

A APD continua a ser um recurso fundamental, particularmente para os países mais pobres do

mundo. Contudo, o seu valor tem vindo a ser severamente enfraquecido devido ao fracasso

dos países ricos em cumprirem a meta das Nações Unidas que previa que 0.7% do seu RNB

fosse alocado à APD e à ausência de progressos no que concerne aos compromissos assumidos

em Paris/Acra/Busan37 sobre a qualidade da ajuda ao desenvolvimento, no sentido de pôr fim

a práticas nefastas que abalam significativamente a ajuda pública ao desenvolvimento.

Apesar de a APD ter registado um aumento em 2013, após dois anos de declínio, permanece

nos 0.3% do RNB dos países-membros do Comité de Apoio ao Desenvolvimento (CAD) da

OCDE38. Este valor é menos de metade da meta dos 0.7% que a maioria dos doadores se

comprometeu a alcançar inicialmente até 1985 e novamente até 2015. Enquanto alguns

doadores continuam a levar muito a sério esta meta, com 5 países a terem já alcançado os

0.7%, é pouco provável que os doadores aumentem os seus compromissos antes do fim da

37

O acordo internacional mais recente é: OCDE. (2011). Busan Partnership for Effective Development Cooperation. 38 Consulte a lista dos membros aqui: http://www.oecd.org/dac/dacmembers.htm

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meta temporal de 2015. Os países doadores que se comprometeram mas ainda não

alcançaram a meta dos 0.7% devem implementar um calendário claro e exequível, caso

contrário arriscam-se a pôr em causa a sua credibilidade enquanto prestadores de ajuda ao

desenvolvimento. Isto é necessário para recuperar o fracasso em dar seguimento à proposta

da conferência de Doha sobre o FfD de “trabalhar em calendários nacionais, até ao final de

2010, para aumentar os níveis da ajuda ao desenvolvimento (…) para que as metas da APD

estabelecidas possam ser alcançadas” e para “estabelecer, logo que possível, calendários

indicativos provisórios que demonstrem como é que pretendem alcançar os seus objectivos”.

O FCD pode desempenhar um papel fundamental se for mandatado para reportar, de forma

abrangente e numa base anual, as tendências da APD, inclusivamente as transferências

líquidas dos doadores face às metas acordadas. Iremos examinar com maior detalhe o

financiamento da luta contra as alterações climáticas no capítulo 7, mas é extremamente

importante que outras transferências prometidas para os países em desenvolvimento, tais

como esta referente ao financiamento da luta contra as alterações climáticas, sejam adicionais

aos compromissos dos 0.7%.

A qualidade da APD é igualmente importante mas é prejudicada de forma consistente pelo não

cumprimento, por parte da comunidade doadora, dos compromissos em matéria de eficácia

da ajuda ao desenvolvimento assumidos numa série de acordos que começaram em Roma, em

2003, e reafirmados em Busan, em 2011. A própria Declaração de Monterrey apela aos

doadores para que “tornem a APD mais eficaz” e a conferência de Doha sobre FfD encorajou

“todos os doadores a melhorarem a qualidade da ajuda, a incrementarem as abordagens

baseadas em programas, a fazerem uso dos sistemas nacionais dos países parceiros para

actividades geridas pelo sector público, a reduzirem os custos de transacção e a melhorarem a

prestação de contas mútua e a transparência e (…) a desligarem ao máximo a ajuda ao

desenvolvimento”.

Infelizmente, as promessas de tornar a ajuda ao desenvolvimento mais eficaz, através de um

aumento da apropriação pelos países em desenvolvimento, contrastam de forma gritante com

a realidade: a APD continua a ser controlada pelos doadores, os quais conservam o poder de

tomada de decisão quanto à alocação [da ajuda ao desenvolvimento] por país e

frequentemente da alocação sectorial e por projecto. Consequentemente, a apropriação

democrática é fraca, o alinhamento com os planos de desenvolvimento nacionais é posto em

causa e a previsibilidade permanece reduzida uma vez que os doadores podem sempre alterar

as suas prioridades. A alocação por país é distorcida pelas prioridades geoestratégicas, pelos

interesses económicos, pelos laços pós-coloniais e por outras prioridades de política externa

dos financiadores. Frequentemente, a ajuda ao desenvolvimento não é baseada em regras,

direitos ou necessidades. Apenas parte da APD acaba por ser direccionada para ou

permanecer nos países em desenvolvimento, como mencionamos abaixo, e os sistemas

nacionais não estão a ser amplamente usados: o relatório do Global Partnership Meeting, que

decorreu no México em2014, demonstrou que apenas metade da ajuda ao desenvolvimento

analisada (aid surveyed) utilizou os sistemas nacionais dos países parceiros39. Os financiadores

continuam a estabelecer burocracias paralelas para administrar a APD, facto que pode

prejudicar as instituições dos receptores. É necessário pôr em prática sistemas muito melhores

para quantificar e monitorizar a ajuda ao desenvolvimento que está a ser efectivamente

39

http://www.eurodad.org/Entries/view/1546202/2014/05/08/The-Global-Partnership-for-EffectiveDevelopment-Cooperation-struggles-to-find-relevance

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25

colocada ao dispor dos países em desenvolvimento, de modo a permitir-lhes programar de

acordo com as suas prioridades, baseadas em medidas desenvolvidas pelos países parceiros.

Cada vez mais, os financiadores têm também vindo a distribuir a APD sob a forma de

empréstimos40, apesar das normas obsoletas que permitem que empréstimos geradores de

lucros sejam contabilizados como APD. Não obstante o aumento dos valores da ajuda ao

desenvolvimento em 2013, a maior subida (33%) correspondeu ao uso de instrumentos

distintos de subvenções, tais como os empréstimos. Esta tendência está a ocorrer à custa dos

países mais pobres, na medida em que os empréstimos são sobretudo dirigidos aos países de

rendimento médio, sendo testemunhada por um declínio de 4% na APD destinada aos países

da África subsaariana em 2013. O recurso a empréstimos em vez de subvenções irá conduzir a

reembolsos no futuro, aumentando o fardo da dívida dos países parceiros. Como demonstra o

Capítulo 5, há um consenso crescente quanto à probabilidade de vir a ocorrer uma nova crise

da dívida no futuro próximo, associada a um aumento dos níveis da dívida combinado com um

crescimento lento. Os doadores devem disponibilizar a sua ajuda financeira primeiramente

como subvenções de modo a garantir que não estão a aumentar o fardo da dívida e as

vulnerabilidades da dívida dos países em desenvolvimento.

Há outras lacunas nas regras de classificação da APD que permitem que os financiadores

contabilizem custos realizados em território nacional com estudantes e com refugiados como

APD – inflacionando a APD em cerca de 2.7 mil milhões de euros só na UE, em 201241. Muitos

doadores continuam a ligar a sua APD à aquisição de bens e serviços de empresas dos países

doadores – em vez de os adquirem a empresas locais – aumentando significativamente os

custos e excluindo o “dividendo duplo” (efeito duplamente benéfico) da estimulação da

economia dos países parceiros, através da compra local. Um estudo do Eurodad42 mostra que a

maioria da APD é gasta por via de contratos públicos, comprando bens e serviços a empresas,

e que grande parte destes contratos estão informalmente ligados e são ganhos por empresas

dos países doadores. Devem ser aumentados os esforços no sentido de travar as práticas da

APD informalmente ligadas que de facto excluem os empresários nos países parceiros de

ganharem contratos financiados pela APD. A reforma da ligação entre a APD e os contratos

públicos, incluindo através do encorajamento proactivo das empresas locais para participarem

nos concursos, do estabelecimento de metas sociais e ambientais e de preferências nacionais,

deve fazer parte de um compromisso mais abrangente para integrar contratos públicos

sustentáveis. Monterrey também sublinhou a necessidade de “os países doadores tomarem

medidas para assegurar que os recursos disponibilizados para o alívio da dívida não diminuem

os recursos em matéria de APD à disposição dos países em desenvolvimento”: uma promessa

que ainda não foi cumprida.

Finalmente, há uma tendência crescente para “combinar” a APD com fontes privadas de

financiamento, o que suscita preocupações significativas que nunca foram devidamente

reconhecidas nem tidas em consideração pelas agências doadoras que estão a conduzir esta

40

Colin, S. (2014). A matter of high interest. Assessing how loans are reported as development aid. Eurodad. Bruxelas. 41 CONCORD. (2013). Aidwatch Report 2013. http://www.concordeurope.org/publications/item/275-2013- aidwatch-report 42 Ellmers, B. (2011). How to spend it. Smart procurement for more effective aid. Eurodad. Bruxelas.

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agenda, incluindo a Comissão Europeia. O relatório do Secretário-Geral da ONU ao FCD43

resumiu bem esta questão:

(…) falta de clareza na complementaridade e no propósito; influência limitada dos

doadores e receptores no design e implementação do investimento; transparência

e prestação de contas diminuídas; risco de desalinhamento do sector privado com

as prioridades sectoriais; perigo de um aumento do fardo da dívida; falta de

atenção às pequenas e médias empresas; os custos de oportunidade decorrentes

do uso de dinheiro público na mobilização de recursos privados, custos esses que

não têm o mesmo (ou maior) impacto sobre o desenvolvimento que teriam se

tivessem sido directamente dedicados a um propósito de desenvolvimento; e os

riscos de apropriação indevida.

Tendo em conta estes problemas sérios, e a ausência grave de uma apropriação, por parte do

país em desenvolvimento, dos mecanismos de combinação, acreditamos que não se deve

prosseguir com esta agenda até que esteja em curso uma revisão liderada por um país em

desenvolvimento, que inclua um exame sobre a possibilidade de outras modalidades da APD,

tais como apoio ao investimento público em saúde ou educação e infraestruturas, poderem vir

a revelar-se maneiras mais eficazes de apoiar o sector privado nos países em desenvolvimento.

A Declaração de Doha encorajou “(…) o reforço e a implementação, quando apropriado, de

fontes inovadoras de financiamento” e referiu que “estes fundos devem constituir um

suplemento e não um substituto das fontes tradicionais de financiamento”. Contudo, tendo

em consideração que o termo “inovadoras” tem sido utilizado num leque variado de

mecanismos, e não apenas nos referentes às fontes públicas tal como inicialmente previsto,

centramo-nos no seu significado original, tal como utilizado em Doha: a necessidade de novas

e adicionais fontes públicas de financiamento do desenvolvimento. Tais fontes geraram em

excesso sete mil milhões de dólares americanos desde 2006, através de medidas como taxas

sobre bilhetes de avião. Estas novas fontes de financiamento público podem fornecer os muito

necessários recursos adicionais para o desenvolvimento, que devem ser superiores e

ultrapassar o compromisso dos 0.7% do RNB alocados à APD. Em particular, recomendamos

que se faça uso dos lucros decorrentes da implementação de um imposto sobre as transacções

levadas a cabo por empresas financeiras, mais do que indivíduos, sobre activos como acções,

obrigações, divisas e seus derivados. A adopção de uma medida deste género irá contribuir

para reforçar a estabilidade do sistema financeiro mundial e, ao incentivar o investimento a

longo-prazo em detrimento do comércio a curto-prazo, beneficiará tanto os países

desenvolvidos com aqueles em desenvolvimento.

43

Relatório do Secretário-Geral das Nações Unidas. (2014). Trends and Progress in International Development Cooperation. ONU.

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27

5. DÍVIDA EXTERNA

Recomendações

A recente Resolução da AGNU44 que mandata o “estabelecimento de um enquadramento legal

multilateral para a reestruturação dos processos de dívida soberana” é uma oportunidade

extremamente importante para pôr em prática mecanismos internacionais eficazes de

prevenção e resolução de crises futuras: não deve ser desperdiçada. Adis Abeba pode apoiar

este processo. Fazemos as seguintes recomendações:

Reafirmar o compromisso de se chegar a um acordo quanto a um enquadramento

legal multilateral para os processos de reestruturação da dívida soberana durante a

69.ª Sessão da AGNU, com uma proposta concreta apresentada antes de Julho. Este

enquadramento deve integrar-se num fórum neutro, independente de devedores e

credores, incluindo de grandes credores como o FMI; abranger todos os credores,

nomeadamente o sector privado, instituições multilaterais e governos; proporcionar

uma abordagem baseada nos Direitos Humanos para a sustentabilidade da dívida,

responsabilizando financiadores e devedores pelos seus comportamentos

irresponsáveis; dar a todas as partes interessadas, nomeadamente a sociedade civil, o

direito a serem ouvidas e a apresentarem evidências;

De modo a escrutinar a existência de dívida de acordo com padrões de financiamento

responsável, incluindo a avaliação da legitimidade da dívida, devem ser realizadas

auditorias independentes da dívida, com compromissos de cancelamento da dívida no

caso de esta ser considerada ilegítima.

Questões fundamentais

As vulnerabilidades da dívida estão a aumentar:

Os países menos desenvolvidos assumem perfis de dívida mais arriscados à medida

que aumentam os empréstimos e começam a adicionar os financiamentos privados

gerados nos mercados financeiros aos empréstimos concessionais que receberam dos

credores bilaterais e multilaterais. Apenas no grupo dos países de baixo rendimento,

16 deles encontram-se em situação ou em risco elevado de sobre-endividamento;

Muitos mercados emergentes sofrem da volatilidade e dos riscos da crise, causados

pelas inversões nos fluxos de capitais internacionais ou pelo rebentamento da bolha

especulativa;

Mesmo nos países desenvolvidos, incluindo na maioria da Europa, as dívidas

soberanas alcançaram os maiores níveis de sempre em período de paz.

As crises da dívida podem destruir os progressos feitos ao nível do desenvolvimento global

alcançados nas últimas décadas. Em países onde uma grande fatia da população vive próximo

ou abaixo da linha de pobreza, a desarticulação económica causada pelas crises da dívida

arrebatará vidas humanas. Enquanto os países de médio e alto rendimento são normalmente

mais resilientes, uma nova crise da dívida em uma das maiores economias emergentes, ou

numa economia avançada, teria repercussões globais devido à elevada interconectividade dos

mercados financeiros.

44 Ver nota de rodapé 2.

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Mesmo em países que não sofrem de nenhuma crise da dívida severa, o serviço da dívida

compete com as despesas consagradas ao desenvolvimento por recursos públicos limitados.

Em Doha, voltou a reforçar-se a necessidade de “reconhecer que a promoção do

desenvolvimento e a restauração da sustentabilidade da dívida são os principais objectivos da

resolução da dívida”. É necessário reconsiderar a maneira como a comunidade internacional

pretende vir a financiar o desenvolvimento de forma sustentável, nomeadamente através do

desenvolvimento de um enquadramento para a sustentabilidade da dívida que tenha em

consideração as necessidades de financiamento dos objectivos de desenvolvimento

sustentável e que assuma padrões responsáveis de financiamento, enquadramento esse que

poderá orientar os processos de alívio e reestruturação da dívida. Isto será essencial se se

pretende alcançar os objectivos de desenvolvimento sustentável (ODS) em todos os países.

Este novo enquadramento deverá incluir os riscos comportados pelos níveis de financiamento

privado que estão a surgir e por novos instrumentos como as parcerias público-privadas.

A fim de escrutinar o legado da dívida existente ao longo de padrões de financiamento

responsável, incluindo a avaliação da legitimidade da dívida, os credores e os devedores

deverão encomendar auditorias independentes da dívida e comprometer-se com a anulação

da dívida considerada ilegítima. Sublinhamos a necessidade de haver uma liderança da ONU no

que concerne a padrões de financiamento responsável no Capítulo 7.

Ao passo que o quadro da dívida evoluiu, o mesmo não aconteceu com a arquitectura para a

prevenção e gestão de crises. A resposta às crises da dívida continua a ser demasiado tardia e

lenta. As instituições que conduzem as reestruturações da dívida – os credores ocidentais do

Clube de Paris e o FMI – são dominadas pelos credores e, por isso, incapazes de fazerem

julgamentos e avaliações independentes. Além disso, também não conseguem lidar de forma

abrangente com as crises da dívida, visto que apenas estão encarregues de certas categorias

da dívida. A participação dos credores privados nas reestruturações da dívida não é

juridicamente vinculativa e nem executória, facto que explica por que de os “fundos

oportunistas” (vulture funds) têm o direito de processar juridicamente os países com crise da

dívida para pagamento integral. Por fim, as necessidades de desenvolvimento e os direitos

humanos não estão a ser tidos em consideração pelas instituições existentes, pelo que os

danos que as crises infligem nas economias e nas populações dos países afectados não estão a

ser suficientemente mitigados.

Para dar resposta a estas questões, a comunidade internacional tem já muito trabalho

conceptual feito desde Monterrey sobre prevenção e gestão de crises da dívida, mas são

necessários instrumentos juridicamente vinculativos. A UNCTAD desenvolveu os Princípios

para a Promoção da Soberania de Financiamento e de Emissões45. Em Adis Abeba, os governos

deverão afirmar o seu compromisso para a implementação integral destes Princípios da

UNCTAD e deverão reportar periodicamente os progressos alcançados. Deverão também

reafirmar que os devedores e credores devem partilhar a responsabilidade pela prevenção de

resolução de situações insustentáveis de dívida.

Estão a ser desenvolvidos, ao nível da UNCTAD46 e do Departamento de Assuntos Económicos

e Sociais da ONU (UNDESA)47 e também por iniciativas da academia48, conceitos para um novo

45

http://www.unctad.info/en/Debt-Portal/Project-Promoting-Responsible-Sovereign-Lending-andBorrowing/About-the-Project/Principles-on-Responsible-Sovereign-Lending-and-Borrowing/ 46 http://www.unctad.info/en/Debt-Portal/Project-Promoting-Responsible-Sovereign-Lending-andBorrowing/About-the-Project/Debt-Workout-Mechanism/ 47 http://www.un.org/esa/ffd/msc/2012EgmSdr2/index.htm

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mecanismo de resolução da dívida. O FMI49 propôs cláusulas mais fortes para a acção colectiva

em alternativa a um verdadeiro regime estatutário de reestruturação da dívida. Eventos

recentes, em particular o resgate massivo dos credores privados na Grécia e a acção judicial

dos últimos credores (“fundos oportunistas”) contra a Argentina, em Nova Iorque,

demonstram claramente que a actual desadequação do regime necessita urgentemente de

reforma.

Em Setembro de 2014, a AGNU aprovou uma resolução que ambiciona a criação de um

enquadramento legal multilateral para as reestruturações das dívidas soberanas. Este é um

dos elementos mais importantes para um sistema financeiro internacional estável e orientado

para o desenvolvimento que há muito está em falta. Esta resolução histórica foi seguida de

uma segunda Resolução pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas que colocou

firmemente as reestruturações da dívida como fundamentais para a realização dos direitos

humanos. Em Monterrey, os governos afirmaram que “seria bem-vindo que todas as partes

interessadas relevantes tivessem em consideração um mecanismo internacional de resolução

da dívida, nos fóruns apropriados, que envolvesse doadores e credores na reestruturação de

dívidas insustentáveis de maneira atempada e eficaz”. É tempo de cumprir esta promessa de

Monterrey e estabelecer um mecanismo de resolução da dívida que promova uma partilha

justa do fardo da dívida entre devedores e credores e que minimize os riscos morais. Catorze

anos mais tarde, a Conferência sobre o FfD de Adis Abeba é uma oportunidade-chave e já

muito protelada para promover e trabalhar rumo à implementação desta reforma vital.

Para ser eficaz, é importante que o enquadramento satisfaça os seguintes requisitos mínimos.

Primeiro, para garantir a credibilidade e a imparcialidade, deverá ser integrado num fórum

neutro e independente de credores e devedores, incluindo de grandes credores como o FMI.

Segundo, não irá funcionar a não ser que abranja todos os credores, incluindo o sector

privado, as instituições multilaterais e os governos. Terceiro, a única maneira de assegurar que

este enquadramento possa evitar os elevados custos humanos associados às crises da dívida e

de ser consistente com os padrões internacionalmente acordados é proporcionar à

sustentabilidade da dívida uma abordagem baseada nos direitos humanos. Quarto, será

necessário garantir que os credores e devedores são responsabilizados em caso de

comportamento irresponsável. Finalmente, para melhorar a eficácia e reforçar a legitimidade e

o apoio público, deverá conferir a todas as partes interessadas, incluindo à sociedade civil, o

direito de serem ouvidas e apresentarem evidências.

Por último, importa referir que os credores oficiais, particularmente o FMI e o Banco Mundial,

aplicam frequentemente condições de política económica aos seus empréstimos. Isto acaba

por prejudicar a democracia ao fazer com que os governos tenham de responder a instituições

financeiras internacionais mais do que às suas próprias populações, e também implica com

frequência alterações políticas controversas, com impactos negativos significativos ao nível da

pobreza e dos direitos humanos. Pesquisas recentes demonstram que o FMI tem, de facto,

aumentado o seu uso de condicionalidade da política económica nos últimos anos50. É tempo

de pôr fim à ligação entre a imposição de condições de política económica e a concessão de

empréstimos.

48 http://www.brookings.edu/research/reports/2013/10/sovereign-debt 49

http://www.imf.org/external/np/sec/pr/2014/pr14294.htm 50 Griffiths, J., Konstantinos, T. (2014). Conditionally Yours. Eurodad. Bruxelas.

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6. QUESTÕES SISTÉMICAS: GOVERNAÇÃO GLOBAL EFICAZ E INCLUSIVA E REFORMA DO

SISTEMA MONETÁRIO

Recomendações

O sistema de governação global da economia está a precisar urgentemente de uma revisão

que permita dar aos países em desenvolvimento um lugar justo e equitativo na mesa da

tomada de decisões em todas as organizações internacionais e instituições financeiras,

reforçar a transparência e a prestação de contas e dar resposta a problemas-chave

internacionais, respeitando simultaneamente o espaço político dos países em

desenvolvimento. Recomendamos:

A preparação de um processo que estabeleça um Conselho de Coordenação

Económica Global nas Nações Unidas para avaliar os desenvolvimentos e assumir a

liderança nas questões económicas, tendo simultaneamente em consideração

factores sociais, de direitos humanos e ecológicos;

A emissão anual de 250 mil milhões de dólares americanos em novos Direitos de

Saque Especiais (DSE), cuja alocação deverá basear-se na necessidade económica e

cuja maioria deverá ser direccionada para os países em desenvolvimento, e a

rectificação dos Artigos do Acordo do FMI para que permitam isto.

Questões fundamentais

A maioria dos países em desenvolvimento está excluída da tomada de decisão em muitas

instituições financeiras internacionais (IFI) com poder, tais como o Financial Stability Board

(FSB), e a reforma nas instituições de Bretton Woods faz-se a um ritmo tão lento e

insignificante que continuam a fugir das realidades económicas globais e dos padrões

democráticos básicos.

No despertar da crise económica, foi atribuído ao FSB um papel determinante na definição de

novos padrões e no acordo quanto a novas propostas regulatórias para o sector financeiro.

Contudo, o seu quadro de membros é extremamente problemático. Embora inclua os Estados-

membros do G20, muitos dos quais são grandes mercados emergentes, exclui a vasta maioria

dos Estados-membros da ONU e inclui várias jurisdições mais pequenas que estão no cerne

dos problemas relacionados com a opacidade financeira e a evasão fiscal, incluindo a Suíça, a

Holanda e Singapura51. Este é apenas um exemplo: vários órgãos globalmente importantes de

estabelecimento de padrões financeiros internacionais excluem a maioria ou mesmo todos os

países em desenvolvimento, incluindo o Basel Committee on Banking Supervision e o Bank for

International Settlements. Os restantes são entidades privadas, como o International

Accounting Standards Board, sem qualquer participação ou supervisão pública eficaz. Os países

em desenvolvimento não estão apenas a ser excluídos da elaboração de leis e da definição de

padrões que irão afectá-los, e, tal como vimos no caso da política fiscal e da OCDE, os acordos

celebrados não irão beneficiar de um maior escrutínio e do apoio que a verdadeira

participação confere.

Em Doha, os Chefes de Estado acordaram que “a reforma da arquitectura financeira

internacional deveria centrar-se na promoção de uma maior transparência e no reforço da voz

51 http://www.financialstabilityboard.org/members/links.htm

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e da participação dos países em desenvolvimento e dos países com economias em transição na

tomada de decisão e no estabelecimento de normas internacionais”. Contudo, os actuais

esforços reformistas têm sido fracos. Por exemplo, o FSB está actualmente a rever a estrutura

da sua representação, mas não há detalhes públicos disponíveis sobre como é que os grupos

da sociedade civil e outras partes interessadas, incluindo os países que não estão

representados no FSB, podem ser integrados. O FSB, os Basel Committees e outros órgãos que

definem as “regras do jogo” do sector financeiro devem dar passos imediatamente no sentido

de abrir a possibilidade de novas adesões, e de alcançar uma participação equilibrada,

institucionalizada e plena por parte dos países em desenvolvimento.

Os Chefes de Estado acordaram, em Doha, em 2008, que “as instituições de Bretton Woods

têm de sofrer uma reforma abrangente”52, não obstante ser ao nível das instituições de

Bretton Woods que é mais problemático o défice de governação, visto que estas continuam a

deter um poder e uma influência consideráveis nos países em desenvolvimento,

particularmente em tempos de crise. Em 2010, o FMI concordou com pequenas reformas na

sua estrutura de votação que, de acordo com análises independentes, teriam reduzido o

direito de voto das “economias avançadas” em menos de 3%, para 55% do total53. Mesmo esta

pequena mudança – que continua a deixar que sejam os mais ricos a controlar a instituição –

ainda não foi ratificada pelos EUA, que têm direito a votos suficientes para vetar alterações

deste género, facto que tem impedido esta proposta de 2010 de ser implementada. A

extensão do uso da votação por dupla maioria no FMI – passando a exigir maiorias relevantes

de votos e países para todas as decisões – poderia ser uma maneira simples mas eficaz de dar

aos países em desenvolvimento uma voz justa. O Banco Mundial anuncia frequentemente que

os países em desenvolvimento têm metade dos votos e dos assentos no conselho, mas isto

não é simplesmente verdade: esta afirmação baseia-se na contabilização de 16 países ricos,

entre os quais a Arábia Saudita, como “países em desenvolvimento”. De facto, análises

independentes demonstram que os países de rendimento alto detêm mais de 60% dos votos

no Banco54. O Banco Mundial deveria implementar a igualdade no direito de voto entre países

mutuários e não-mutuários como primeiro passo para uma reforma mais significativa.

Além disso, os padrões de transparência e de prestação de contas estão terrivelmente

desadequados na maior parte das instituições internacionais que lidam com questões

económicas e financeiras, o que significa que as vozes e as preocupações das populações são

frequentemente relegadas para segundo plano pelos interesses corporativos das poderosas

multinacionais.

Após décadas de campanhas organizadas por grupos da sociedade civil, em 2010, o braço do

Banco Mundial para o sector público acordou em proceder à actualização das suas políticas de

transparência seguindo o princípio que prevê a publicação de todos os documentos, com um

número limitado de excepções. Contudo, mesmo este princípio básico não é aplicado por

outras instituições financeiras internacionais nem pelo braço do Banco Mundial para o sector

privado. O direito ao acesso à informação proveniente de órgãos públicos é um direito

humano fundamental, consagrado no Artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos

das Nações Unidas – um direito que é consistentemente negado por órgãos globais poderosos

que definem as regras financeiras. Todas as instituições financeiras internacionais deveriam

52 Ver nota de rodapé 4. 53

http://www.brettonwoodsproject.org/2010/11/art-567219/ 54 http://www.brettonwoodsproject.org/wp-content/uploads/2014/04/WBgovreforms2010.pdf

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obedecer a padrões de transparência básicos, tal como definido na Transparency Charter for

International Finance Institutions55.

Em linha com Monterrey e com as numerosas discussões e resoluções das Nações Unidas dos

últimos anos, a ONU tem um papel fundamental na promoção da cooperação internacional

para o desenvolvimento e para um sistema económico global que funcione para todos. A

AGNU e o ECOSOC desempenham ambos um papel pivô ao nível da representação e da

demonstração de resultados substantivos produzidos pelo sistema da ONU. Contudo, estes

órgãos importantes não foram suficientemente mandatados nem têm acesso a fundos,

registando-se um enorme vácuo no centro da tomada de decisão ao nível da economia global,

não havendo meios eficazes de coordenação ou de consulta que incluam todos os países.

Enquanto a mudança do G8 para o G20, no que respeita ao foco da discussão sobre a

economia global, representou uma transformação nas dinâmicas do poder, o G20 está a

revelar-se desadequado e ineficaz ao nível da coordenação global. Parte do problema decorre

da maneira como foi concebido: é um órgão ad hoc, o que significa que a implementação é

feita através de outras instituições, nomeadamente as IFI, a OCDE e o FSB. A outra grande

questão prende-se com o facto de o G20 excluir a maioria dos Estados-membros das Nações

Unidas. Uma abordagem muito melhor, lançada pela Comissão de Peritos das Nações Unidas

para a Reforma dos Sistemas Monetário e Financeiro Internacionais (UN Commission of Experts

on Reforms of the International Monetary and Financial System), seria estabelecer um

Conselho de Coordenação Económica Global ao nível das Nações Unidas, com mandato para

“avaliar os desenvolvimentos e assumir liderança nas questões económicas, tendo em

consideração factores sociais e ambientais”56.

Claro que as soluções não se encontram apenas a nível global: as alternativas regionais, tais

como as unidades monetárias regionais e os fundos de reserva, são uma abordagem mais

sensível, particularmente na ausência de alternativas globais eficazes ou inclusivas.

Finalmente, as tentativas para uma melhor regulação e coordenação a nível regional e global

não devem ser feitas à custa do espaço político dos países em desenvolvimento para trilharem

o seu próprio caminho para o desenvolvimento.

Estas lacunas de governação são particularmente preocupantes tendo em conta a necessidade

de fazer face a questões fundamentais, como a substituição gradual do dólar enquanto divisa

de reserva internacional. O papel do dólar confere aos EUA não apenas o “privilégio

exorbitante” de poder emitir a moeda de reserva mundial, como também foi um grande factor

por detrás da crise financeira global. Permitiu que se desenvolvessem grandes desequilíbrios

globais, em que os EUA puderam financiar défices ao contraírem empréstimos baratos do

resto do mundo, em particular de mercados emergentes. Todos os analistas concordam que,

mais cedo ou mais tarde, o dólar irá perder esta posição, à medida que a quota de produção

económica dos EUA for continuando a decrescer, mas, caso a transição para uma alternativa

seja feita de forma repentina, pode gerar-se uma crise ainda maior. A principal alternativa é

expandir gradualmente o uso de DSE através de alocações regulares adicionais de DSE – ou

seja, da criação de novos activos de reserva. Em 2009, um acordo do G20 levou à emissão de

250 mil milhões de dólares americanos em DSE adicionais, revelando que isto é possível. Se

esses activos fossem direccionados para os países em desenvolvimento, o que exigiria uma

alteração nos Artigos do Acordo do FMI, poderiam também dar um impulso significativo às

55 http://www.ifitransparency.org/doc/charter_en.pdf 56

ONU. (2009). Relatório da Comissão de Peritos do Presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre Reformas do Sistema Monetário e Financeiro Internacional. ONU. Nova Iorque.

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suas reservas, reduzindo a necessidade de deter largas quantias de reservas de divisas fortes,

as quais requerem recursos que poderiam ser mais bem aplicados em investimento produtivo.

Com base na média histórica dos spreads entre a taxa de empréstimo e a de retorno obtido

através das reservas, os custos anuais de carregamento das reservas para os países em

desenvolvimento pode ser estimado em 130 mil milhões de dólares americanos57. Isto

constitui uma transferência líquida de recursos para países emissores de reserva,

nomeadamente os EUA. Este valor pode ainda ser mais elevado se os custos de utilização

nacionais referentes ao passado forem contabilizados. A UNDESA propôs que se aloquem

anualmente 250 mil milhões de dólares americanos em novos DSE, assegurando que entre 100

e 167 mil milhões de dólares americanos vão para os países em desenvolvimento.

57 http://www.twnside.org.sg/title2/resurgence/2010/234/cover04.htm

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34

7. OUTRAS QUESTÕES IMPORTANTES

Apesar de nas anteriores conferências sobre FfD se ter debatido um vasto leque de questões

importantes, gostaríamos de sublinhar cinco que consideramos requerer uma maior atenção.

1. As Nações Unidas têm de encarar seriamente a necessidade de adoptar abordagens à

avaliação dos progressos que vão para além dos indicadores económicos de curto-prazo tais

como o RNB, passando a incluir uma avaliação do bem-estar em termos sociais e ambientais e

enfatizando o quão significantes podem ser as desigualdades, incluindo as de género. Esta

questão já foi levantada por inúmeras instituições internacionais e líderes de opinião, incluindo

o PNUD, a Comissão Europeia, a Better Life Initiative da OCDE, o Painel de Alto Nível sobre

Sustentabilidade Global do Secretário-Geral das Nações Unidas e a Comissão Stiglitz-Sen-

Fitoussi de 2009, que concluíram que, a par do RNB, deveria ser utilizado um leque mais

abrangente de indicadores de bem-estar. Está também a crescer o número de iniciativas

nacionais que visam ir “para além do RNB”, incluindo no Butão e no Reino Unido. Iniciativas

como o Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas constituem um útil ponto de

partida.

A Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável que decorreu no Rio

de Janeiro em 2012 apelou “a que Comissão Estatística das Nações Unidas, consultando as

entidades relevantes do sistema da ONU ou outras organizações relevantes, lançasse um

programa de trabalho nesta área, com base nas iniciativas existentes”. Em Adis Abeba, os

governos podem também dar um novo ímpeto a este importante trabalho, ao

comprometerem-se a basear as futuras avaliações das Nações Unidas nesta avaliação de

progresso mais abrangente.

2. Ao desenvolverem uma iniciativa sobre padrões responsáveis de financiamento, as Nações

Unidas podem reunir e reforçar as várias iniciativas e propostas já existentes e ajudar a

assegurar que os padrões são devidamente implementados. As principais iniciativas e

enquadramentos propostos incluem os Princípios para o Investimento Responsável do PNUA

(Programa das Nações Unidas para o Ambiente), os Princípios para a Promoção da Soberania

de Financiamento e de Emissões da UNCTAD, o Guia para as Empresas Multinacionais da OCDE

e os Princípios do Equador para o Financiamento Empresarial Internacional dirigido aos

bancos. Em comum têm o facto de serem de adesão voluntária, centrados numa abordagem

de “não prejudicar” (do no harm), de terem ferramentas deficientes para controlo do seu

cumprimento e de existirem largas franjas financeiras que não são afectadas por eles. As

organizações da sociedade civil (OSC) propuseram alternativas concretas, tais como a Carta

para o Financiamento Responsável (Responsible Finance Charter) do Eurodad58, procurando

assegurar que as finanças internacionais têm um impacto positivo no desenvolvimento

sustentável. A Conferência sobre FfD dá às Nações Unidas a oportunidade de exercer uma

liderança global, ao desenvolverem e adoptarem um enquadramento que reúne os padrões

existentes, identifica e preenche as lacunas, reforça os mecanismos e incentiva ao

cumprimento. Isto incluiria a implementação da resolução aprovada no Conselho de Direitos

Humanos, em Genebra, em Julho de 2014, que visa estabelecer um grupo de trabalho para

preparar um instrumento que imponha às empresas transnacionais obrigações legais em

matéria de direitos humanos59, pelo que os Estados-membros das Nações Unidas devem

58

Molina, Nuria. (2011). Responsible Finance Charter. Eurodad. Bruxelas. 59 http://ap.ohchr.org/documents/dpage_e.aspx?si=A/HRC/26/L.22/Rev.1

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35

terminar o estabelecimento e a implementação eficaz de um código de conduta multilateral e

legalmente vinculativo para as empresas transnacionais, de modo a que assegurem a

responsabilidade social e a prestação de contas, prevenindo práticas empresariais restritivas.

3. Tendo em conta o reconhecimento de que todas as formas de financiamento do

desenvolvimento incluem ameaças e oportunidades específicas para os direitos das mulheres,

esta agenda vital deve ser integrada por completo nas negociações e resultados do FfD.

Monterrey sublinhou “que é essencial que o desenvolvimento seja centrado nas pessoas e

sensível ao género, em todas as partes do globo” e emitiu um apelo para que “se integre a

perspectiva de género nas políticas de desenvolvimento a todos os níveis e em todos os

sectores”. Não temos espaço suficiente para abordar esta questão a fundo aqui, mas damos

dois exemplos de como isto é muito importante. Os recursos que se perdem por via da evasão

fiscal põem em causa a capacidade dos governos de financiarem objectivos políticos de

compensação de discriminação de longa data, forçando-os a adoptar outras medidas fiscais

tais como o aumento dos impostos indirectos, os quais têm frequentemente impactos

negativos sérios sobre a capacidade de as mulheres acederem a bens e serviços essenciais. Tal

como consta do relatório elaborado por perito independente das Nações Unidas60, devido aos

papéis socialmente atribuídos às mulheres, com base no género, estas são afectadas de forma

desproporcional pelas crises da dívida e pelas reformas económicas subsequentes, tendo

quase sempre como resultado o empobrecimento e a marginalização das mulheres, tornando

os serviços sociais básicos ainda mais inacessíveis para elas, agravando assim as desigualdades

de género e contribuindo para a feminização da pobreza.

4. A Conferência da AGNU de 2009 colocou acertadamente a reforma da regulamentação

financeira e do sector financeiro na agenda e o relatório dos peritos que a alimentou forneceu

detalhes úteis sobre a miríade de problemas que contribuíram para o maior colapso financeiro

de há muitas décadas. A Conferência sobre FfD deveria levar avante esta agenda e apoiar o

desenvolvimento de propostas específicas em áreas-chave que irão fazer parte da agenda de

um Conselho de Coordenação Económica das Nações Unidas (ver Capítulo 6). Estas incluiriam a

prevenção do problema de haver bancos “grandes demais para ruir”, o realinhamento das

regulamentações bancárias para promover o investimento a longo-prazo e práticas contra-

cíclicas, a remoção de todos os produtos que possam ser perigosos ou desestabilizadores, e a

regulamentação dos mercados de produtos de base, para evitar actividades excessivamente

voláteis e especulativas, entre outras medidas. Em vez disso, um sistema financeiro

diversificado deveria servir as necessidades das populações e o desenvolvimento sustentável e

não ser propenso a crises financeiras nocivas. Estas políticas seriam um complemento

necessário para as medidas que lidam com os fluxos financeiros ilícitos e a evasão fiscal

enunciados no Capítulo 1 e para as medidas de controlo dos fluxos de capital e de

melhoramento do investimento internacional elencadas no Capítulo 2.

Por último, é evidente que o financiamento, para fazer frente às questões globais ambientais,

tem que aumentar drasticamente. Deve ser um financiamento inovador e complementar aos

compromissos em matéria de APD já existentes e deve ser desembolsado de acordo com os

planos conduzidos pelos países em desenvolvimento. O Painel de Alto Nível das Nações Unidas

encarregue de avaliar as necessidades financeiras estimou que, até 2020, estas rondarão as

várias centenas de milhares de milhões de dólares americanos61. De acordo com as estimativas

mais baixas, supõe-se que as necessidades de financiamento para luta contra as alterações

60

Ver nota de rodapé 12. 61 http://www.cbd.int/doc/meetings/fin/hlpgar-sp-01/official/hlpgar-sp-01-01-report-en.pdf

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climáticas dos países em desenvolvimento estejam entre os 27 e os 66 mil milhões de dólares

americanos por ano até 2030 para as questões de adaptação e nos 177 mil milhões de dólares

americanos por ano para as de mitigação62. É necessário que o financiamento público da

biodiversidade assegure que as intervenções pouco atractivas para o sector privado,

nomeadamente em países de rendimento baixo e em comunidades marginalizadas, recebem o

apoio necessário. O financiamento público e a regulamentação apropriada podem também

ajudar a garantir que os investimentos de financiamento privado não são prejudiciais mas

antes que beneficiam os mais pobres e vulneráveis. É fundamental reconhecer que as

avaliações mais abrangentes coincidem ao dizer que os custos da inacção são muitas vezes

superiores a estes valores.

Os governos devem responder a este desafio na próxima COP UNFCCC, que decorrerá em

Paris, onde os compromissos em matéria de financiamento climático devem ser incluídos

como “Intended Nationally Determined Contributions”, na sequência de um novo acordo

legalmente vinculativo. Será importante assegurar que estes compromissos financeiros de

Paris, na luta contra as alterações climáticas, não vão ser duplamente contabilizados como

APD, devendo ser, em vez disso, adequados, inovadores e complementares. Ademais, o

financiamento da luta contra as alterações climáticas não deve constituir-se na forma de

mecanismos geradores de dívida ou instrumentos especulativos. Deve basear-se nas lições

retiradas dos esforços feitos para melhorar a eficácia da ajuda ao desenvolvimento, o que

inclui a priorização da apropriação pelos países em desenvolvimento, o rastreamento das

verdadeiras transferências de recursos, evitando práticas pouco clarividentes dos

financiadores que tentem fazer uma ligação entre as transferências e interesses mesquinhos

das suas empresas.

62

UNTT Working Group on Sustainable Development Financing. (2013). Financing for sustainable development: review of global investment requirement estimates.

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37

ORGANIZAÇÕES SUBSCRITORAS

Organizações/redes

globais e regionais:

ActionAid International

Action for Global Health

ADIN - Africa

Development Interchange

Network

AFRODAD - African Forum

and Network on Debt and

Development

ANND - Arab NGO

Network for Development

AWEPON - Africa Women

Economic Policy Network

AWID - Association for

Women’s Right in

Development

CAN - Climate Action

Network Europe

Christian Aid

DAWN - Development

Alternatives with Women

for a New Era

EURODAD - European

Network on Debt and

Development

GATJ - Global Alliance for

Tax Justice

GCAP LAC - Global de

Acción ante la Pobreza,

Latinoamérica y el Caribe

Global Policy Forum

Health Poverty Action

IBON International

IDDC - International

Disability and

Development Consortium

International Disability

Alliance

IPPF - International

Planned Parenthood

Federation

ITUC - International Trade

Union Confederation

JSAPMDD - Jubilee South

Asia Pacific Movement for

Debt and Development

Kairos Europe

KULU - Women and

Development

LATINDADD - Red

Latinoamericana sobre

Deuda, Desarrollo y

Derechos

NGO Committee on FFD

Oxfam

REPEM LAC - Red de

Educación Popular entre

Mujeres América Latina

RESURJ - Realizing Sexual

and Reproductive Justice

RIPESS - Intercontinental

Network for the

Promotion of Social

Solidarity Economy

SAWW - South Asia

Women’s Watch

SEATINI - Sothern and

Eastern African Trade,

Information and

Negotiations Institute

SID - Society for

International

Development

Social Watch

Tax Justice Network

Tax Justice Network Africa

Third World Network

World Future Council

Organizações nacionais:

11.11.11 – Koepel van de

Vlaamse Noord Zuid

beweging

Aksi! For Gender, Social

and Ecological Justice

Alianza Por el Buen Vivir,

la Paz y la Sustentabilidad

All Nepal Peasants

Federation

All Nepal Women

Association

Alliance Sud - Swiss

Alliance of Development

Organizations

ANEEJ - Africa Network

for Environment and

Economic Justice

Asociación Ambiente y

Sociedad

Asociación Nueva Vida

Pro-Niñez y Juventud

Bangladesh Krishok

Federation

Berne Declaration

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38

Beyond Beijing

Committee

Beyond Copenhagen

Collective

Both Ends

Brot für die Welt

CAFOD

CCFD - Terre Solidaire

CCN - Civic Concern Nepal

CDES - Centro de

Derechos Económicos y

Sociales

CECOEDECON - Centre for

Community Economics

and Development

Consultants Society

CEDECAM - Centro de

Derechos del Campesino

Centre National de

Coopération au

Développement -11.11.11

CEPO - Community

Empowerment for

Progress Organization

CERDN - Center for Socio-

Economic Research and

Development Nepal

CESR - Center for

Economic and Social

Rights

Church of Sweden

CIPA - Centro de

Iniciativas en Políticas

Ambientales

CNE - Comisión Nacional

de Enlace

Congregation of Our Lady

of Charity of the Good

Shepherd

CREAS - Centro regional

ecuménico de Asesoría y

Servicio

DDCI - Debt and

Development Coalition

Ireland

DebtWATCH Indonesia

Decidamos, Campaña por

la expresión ciudadana

DemNet Hungary -

Foundation for

Development of

Democratic Rights

Development Research

Center

Diakonia

Diverse Voices and Action

for Equality Fiji

Dominican Leadership

Conference

Earth in brackets

Ekvilib Institute

Erlassjahr

Forum Syd

Free Trade Union

Development Center

Freedom from Debt

Coalition Philippines

Fundación Jubileo Bolivia

Fundación Red

Nicaraguense de

Comercio Comunitario

Fundación SES

Gestos

Glopolis

GOYULBI NGO

IBIS

IGC - Institute for Global

Communications

IGO - Institute of Global

Responsibility

Indian Social Action

Forum

Inspiraction

Institute of Law and

Economics

International Presentation

Association of the Sisters

of the Presentation of the

Blessed Virgin Mary

IPS - Institute for Policy

Studies, Global Economic

Project

Jagaran Nepal

Jubilee Debt Campaign UK

Jubilee Scotland

Jubilee USA Network

KAU - Koalisi Anti Utang

KEPA

KFUK - KFUM Global

KRUHA Indonesia

Labour, Health and

Human Rights

Development Centre

Lacaso

Methodist Tax Justice

Network

Mines Minerals and

Peoples India

National Youth NGO

Forum Nepal

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39

New Rules for Global

Finance

Observatorio Economico

Latinoamericano - UNAM

OMI - Missionary Oblates

of Mary Immaculate

OWS Special Projects

Affinity Group

Pakistan Fisherfolk Forum

Pakistan Kissan Rabita

Committee

PLARSUR - Plataforma de

organizaciones sociales de

Argentina para la

integración regional y la

incidencia en el G20

Plataforma Portuguesa

das ONGD

Red de Organizaciones de

la Sociedad Civil de

Managua

Red Encuentro de

Organizaciones Sociales

de Argentina

RMALC - Red Mexicana de

Acción frente al Libre

Comercio

Sanlakas Philippines

Secours Catholique -

Caritas France

SERR - Servicios

Ecuménicos para

Reconciliación y

Reconstrucción

Siglo XXIII

Sisters of Notre Dame de

Namur

Slovak NGDO Platform

SLUG - Debt Justice

Network Norway

Social Justice in Global

Development

Solidaritas Perempuan

Indonesia

SOMO - Centre for

research on multinational

corporations

SUPRO Bangladesh

Tax Justice Netherlands

Tax Reconciliations

Temple for Understanding

Trocaire

VOICE Banglades

Water, Sanitation and

Hygiene Network

WEED - World Economy,

Ecology & Development

Womenhealth Philippines

Women’s Resource and

Advocacy Centre

WWS - Women Welfare

Society

Youth Partnership for

Peace and Development