Negócio Jurídico - Antônio Junqueira de Azevedo.rtf

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Antnio Junqueira de Azevedo

Antnio Junqueira de Azevedo

NE G CI O JURDICO

Existncia, Validade e Eficcia

4a edio, atualizada de acordo

com o novo Cdigo Civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002)

2002

Editora

Saraiva

ISBN 85-02-03802-8

Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Azevedo, Antnio Junqueira de, 1939-

Negcio jurdico : existncia, validade e eficcia / Antnio Junqueira de Azevedo. 4. ed. atual, de acordo com o novo Cdigo Civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002). So Paulo : Saraiva, 2002.

Bibliografia.

1. Atos jurdicos 2. Atos jurdicos - Jurisprudncia - Brasil 3. Atos jurdicos - Leis e legislao - Brasil I. Ttulo.

CDU-347.13

02-0684

ndice para catlogo sistemtico:1. Negcios jurdicos : Direito civil347.13

0262

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APRESENTAO DA 1a EDIO

O presente trabalho baseia-se na idia de que o exame do negcio jurdico deve ser feito em trs planos: existncia, validade e eficcia. Somente quando completa todo o ciclo de sua realizao que um negcio existe, vale e eficaz. H, porm, negcios que existem e no valem, ou que existem, valem e no so eficazes.

Essa idia do exame do negcio em trs planos no propriamente nova. Pontes de Miranda, por exemplo, em toda a sua imensa obra, continuamente fala nos "trs momentos" por que passa o negcio, e a doutrina, de modo geral, tanto brasileira quanto estrangeira, h muito tempo vem procurando distinguir, uns dos outros, os negcios inexistentes, os negcios invlidos (nulos ou anulveis) e os negcios ineficazes. O que, porm, nos pareceu conveniente tentar, porque at hoje no foi feito, pelo menos de forma sistemtica, estudar a questo do lado positivo: existncia, validade e eficcia, antes que inexistncia, invalidade e ineficcia.

A possibilidade de se examinar o negcio jurdico, separadamente e de forma positiva, em cada um desses trs planos no s esclarece a teoria das nulidades, que, ainda nos dias atuais, apesar de sua fundamental importncia, considerada obscura, como tambm abre perspectivas de soluo para dois temas controvertidssimos: o papel da vontade e o papel da causa no negcio jurdico.

O debate sobre a vontade (vontade interna), travado entre os partidrios da teoria da vontade (Willenstheorie) e os da teoria da declarao (Erklarungstheorie), os primeiros defendendo a predominncia da vontade sobre a declarao, e os segundos, a tese inversa, resolve-se da seguinte forma: a vontade no faz parte da existncia do negcio, mas influi sobre sua validade e eficcia (sendo somente uma questo de grau saber at que ponto essa influncia ocorre, ou deve ocorrer, num dado ordenamento jurdico).

V

Por seu turno, a discusso sobre a causa, com os juristas e as legislaes da famlia romano-germnica divididos em causalistas e anticausalistas, pode encontrar sua soluo se admitirmos que h, em todo negcio jurdico, examinado no plano da existncia, alm de elementos gerais (comuns a todo e qualquer negcio jurdico) e de elementos particulares (individualizadores de cada negcio efetivamente realizado), elementos categoriais, isto , elementos prprios de cada categoria de negcio. A causa no se confunde com o elemento categorial e, portanto, tal e qual a vontade, no faz parte da existncia do negcio. Todavia, atravs da referncia que, em certos negcios (ditos negcios causais), esse elemento categorial a ela faz, ou como fato pressuposto ou como fim a atingir, poder a falta de causa agir sobre a validade ou sobre a eficcia do negcio.

So esses os temas fundamentais desenvolvidos no presente trabalho./

Pelo exposto, v-se bem que este livro no uma obra completa sobre o negcio jurdico; diz respeito somente ao negcio de direito privado e nem mesmo como esboo desenvolve todo o assunto. Tem apenas trs captulos: um sobre a definio; outro, sobre os trs planos; e um terceiro, no qual tentamos fazer a anlise do negcio no plano da existncia. Um dia, se Deus quiser, o completaremos com mais quatro captulos: anlise do negcio no plano da validade; anlise do negcio no plano da eficcia; inexistncia, invalidade e ineficcia; e interpretao e classificao do negcio jurdico. No chegamos, pois, quanto ao nmero de captulos, sequer metade do caminho. Entretanto, como o que j foi escrito no pouco e toca de perto a prpria orientao a seguir, pareceu-nos melhor submeter a idia central, desde j, apreciao de todos, a fim de que, havendo nela, realmente, algum valor, os indispensveis aperfeioamentos imediatamente se faam.

Antes do trmino desta apresentao, queremos agradecer a todos que, direta ou indiretamente, nos ajudaram; na impossibilidade de enumerar cada um, fazemos somente uma referncia especial a dois grupos de pessoas: nossos alunos e nossos companheiros de escritrio, uns e outros, alegres incentivadores de nosso esforo.

So Paulo, 1974. Antnio Junqueira de Azevedo

VI

NDICE

Apresentao da Ia edio V

Captulo Primeiro DEFINIO DO NEGCIO JURDICO

Consideraes gerais e plano do captulo 1

1a Definies pela gnese, ou voluntaristas. Crtica 4

2 Definies pela funo ou objetivas. Crtica 10

32 Definio do negcio jurdico. Definio pela estrutura 15

Captulo Segundo EXISTNCIA, VALIDADE E EFICCIA

Consideraes gerais e plano do captulo 23

1a Elementos de existncia, requisitos de validade e fatores de eficcia 26

2 Plano da existncia. Os elementos do negcio jurdico 31 3a Plano da validade. Os requisitos do negcio jurdico .. 41

42 Plano da eficcia. Os fatores de eficcia do negcio

jurdico 49

5a Inexistncia, invalidade e ineficcia 62

Captulo Terceiro

ANLISE DO NEGCIO JURDICO NO PLANO DA EXISTNCIA

73 74

VII

Consideraes gerais e plano do captulo. 1a Vontade e declarao de vontade..

Captulo Primeiro DEFINIO DO NEGCIO JURDICO

Consideraes gerais e plano do captulo Boa parte das questes fundamentais sobre o negcio jurdico, como o papel da vontade na criao de efeitos jurdicos, as limitaes vontade, a influncia da causa na validade ou na eficcia do negcio, depende, para sua soluo, da idia que dele se faa. Por isso, neste captulo inicial, depois de corrermos os olhos, sem esprito polmico, pelos dois grandes campos em que, hoje, na concepo do negcio jurdico, se biparte a doutrina, procuraremos conceitu-lo.

Evidentemente, nem tudo poder ser dito no captulo introdutrio; reservamo-nos, pois, para expor melhor nosso pensamento durante o desenrolar dos captulos seguintes, especialmente quanto aos pontos que dizem respeito definio, durante o Captulo Terceiro, quando, ao procedermos anlise dos elementos do negcio jurdico no plano da existncia, examinaremos no s se a vontade e a causa so seus elementos constitutivos, como tambm em que consistem as circunstncias negociais, que, a nosso ver, e adiantando o que diremos depois, constituem o verdadeiro elemento definidor do negcio.

A doutrina atual, ao definir o negcio, adota geralmente uma posio que, ou se prende sua gnese, ou sua funo; assim, ora o define como ato de vontade que visa produzir efeitos, com o que atende principalmente formao do ato, vontade que lhe d origem (autonomia da vontade), ora o define como um preceito (dito at mesmo "norma jurdica concreta") que tira a sua validade da norma abstrata imediatamente superior, dentro de uma concepo escalonada de normas jurdicas supra e infra-ordenadas, com o que

1

atende, principalmente, ao carter juridicamente vinculante de seus efeitos (auto-regramento da vontade)1.

As prprias expresses autonomia da vontade e auto-regramento da vontade, apesar de aparentemente sinnimas, do o sentido de ambas as concepes: a primeira, ligada ao momento inicial, liberdade ("autonomia") para praticar o ato, e a segunda, ao momento final, aos efeitos ("regras") que do ato resultam.

Ainda que as duas posies se apresentem como pretendendo revelar a estrutura do negcio, parece-nos que, pela acentuada preponderncia, ou da gnese, ou da funo, ambas acabam deixando escapar justamente o que pretendiam revelar, ou seja, a estrutura.

Neste captulo, portanto, faremos um rpido apanhado das definies formuladas pela gnese, ou "voluntaristas" ( l2), e das definies pela funo, ou "objetivas" ( 22), acompanhadas das respectivas crticas, aps o que daremos nossa definio do negcio jurdico, que essencialmente estrutural ( 32)2.

1.Como diz Orlando Gomes (Introduo ao direito civil, 3. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1971, p. 249), as concepes sobre o negcio jurdico esto divididasem duas correntes principais: a "voluntarista" e a "objetiva". No mesmo sentido aopinio de Scognamiglio {Contributo alia teoria dei negozio giuridico, Napoli,Jovene, 1950), que trata das teorias voluntaristas no n. I e das teorias objetivas non. II do captulo "Crtica das principais concepes do negcio jurdico". Leiam-sesuas palavras (p. 34): "Altre due teorie si delineano, relativamente ai problema deirapporto tra il negozio e i suoi effetti, anche questo intimamente connesso con Iaquistione delia definizione delia figura: 1'una, di gran lunga dominante, che ravvisanel negozio soltanto una fattispecie giundica, 1'altra, sostenuta da pochi, ma valentiscrittori, che Io identifica addirittura con Ia norma o fonte dei diritto".

2.Nossa posio, portanto, de incio, diverge da de Scognamiglio (Contributo,cit., p. 27), porque, conscientemente, nos propomos a revelar a estrutura do negciojurdico. A nosso ver, o negcio jurdico tem gnese e funo, mas essencialmenteuma estrutura ( uma estrutura, que tem gnese e funo). Scognamiglio, porm,procurando salientar o aspecto dinmico (especialmente funcional) do negcio jurdico, tal e qual resulta das normas jurdicas, opta por uma viso mais "dinmica"(mas, no nosso entendimento, menos jurdica). So suas palavras, p. 27:

"Restano cosi fermi due punti: dalle norme considerate si potr ricavare, pi che una nozione strutturale dei negozio, come fattispecie, un concetto che esprima Ia sua specifica rilevanza; e, ancora, tale rilevanza si esplica sul piano dinmico, corrisponde alia forza operativa delia figura. Dunque, adoperando esattamente il materiale normativo a disposizione si otter una raffigurazione dei negozio, rispondente prprio alia realt giuridica, che tenga conto altresi delia sua peculiare

essenza dinmica. Pu affermarsi perci, fin da ora, che Ia soluzione delia questione proposta e ai contempo 1'esatta definizione dei negozio si realizzano solo attraverso un concetto inteso a rendere immediatamente Ia essenza dinmica delia figura. II che non toglie, beninteso, che il negozio, poich riceve dalle norme Ia sua rilevanza giuridica, costituisca sempre una fattispecie nel senso lato di fatto rilevante per il diritto contrapposta, come tale, alia norma che dei diritto fonte".

12

Definies pela gnese, ou voluntaristas. Crtica

da doutrina brasileira, examinarmos as definies dadas ao negcio jurdico (muitas vezes ainda chamado de ato jurdico) em alguns dos livros mais difundidos para o estudo do direito civil nas faculdades de direito do Pas. "O ato jurdico deve ser conforme a vontade do agente e as normas de direito; toda manifestao da vontade individual, a que a lei atribui o efeito de movimentar as relaes jurdicas"5. "Ato jurdico, portanto, a manifestao lcita de vontade, tendo por fim imediato produzir um efeito jurdico"6. "A caracterstica primordial do ato jurdico ser um ato de vontade"7. "O ato jurdico fundamentalmente um ato de vontade visando a um fim"* etc.9.

As definies do negcio jurdico, como ato de vontade, so as mais antigas na ordem histrica e talvez se possa dizer que, at hoje, mesmo na doutrina estrangeira, so elas ainda as mais comuns. Fala-se, ento, para conceituar o negcio jurdico, em manifestao de vontade destinada a produzir efeitos jurdicos, ou em ato de vontade dirigido a fins prticos tutelados pelo ordenamento jurdico, ou, ainda, em declarao de vontade (adotada, porm, esta ltima expresso em sentido pouco preciso, atravs do qual no se a distingue de manifestao de vontade).

As definies voluntaristas so indubitavelmente dominantes na doutrina brasileira, na qual, alis, com poucas excees, nem sequer se cogita da concepo oposta; correspondem elas, grosso modo, definio que o art. 81 no Cdigo Civil brasileiro d ao "ato jurdico"3. Deixando de lado as obras mais antigas, quando a concepo em pauta era a nica existente4, basta, para confirmar o estado atual

3.Cdigo Civil, art. 81: "Todo o ato lcito, que tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos, se denomina ato jurdico".

O novo Cdigo Civil adotou a categoria "negcio jurdico", distinguindo-a do que denominou "atos jurdicos lcitos"; assumiu, pois, posio dicotmica na classificao dos atos humanos. No definiu, porm, os dois tipos de atos.

4.Veja-se, por exemplo. Teixeira de Freitas, em comentrio ao art. 437 doEsboo (Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1952, p. 235): "Os atos jurdicos sodeclarao de vontade, tm por fim imediato criar, modificar, ou extinguir direitos,porque nesse sentido se exprime a vontade dos agentes".

Tambm Jos Augusto Csar (Ensaio sobre os atos jurdicos, Campinas, Tip, Casa Genoud, 1913, p. 29-31), com base em Savigny: "Atos ou negcios jurdicos

so, pois, as declaraes de vontade simples ou ligadas a outros fatos, as quais se destinam a constituir, modificar ou extinguir as relaes de direito.

Uma notificao promovida pela parte, uma oferta de pagamento so negcios jurdicos. No importa que todos os efeitos desses atos sejam estabelecidos pela lei, porquanto o que pe em movimento a disposio legal, o que determina a aplicao da norma um ato da vontade do interessado. Ao inverso, a aquisio da propriedade mediante usucapio no constitui um negcio jurdico, pois no deriva de uma declarao de vontade.

A teoria do ato jurdico criao moderna. Alguns autores recentes tm negado a utilidade e mesmo a possibilidade de uma condensao sistemtica de regras comuns a todas as espcies de negcios jurdicos, entre os quais h, dizem eles, diversidades fundamentais. Este modo de ver infundado. Se todos os negcios jurdicos so declaraes de vontade, no podem deixar de existir entre eles afinidades profundas. Estas se traduzem em princpios gerais sobre a capacidade de agir, a vontade e sua declarao, as nulidades etc. O Cd. Civ. alemo consagrou s declaraes de vontade as disposies do tt. 2, arts. 116-144 da Parte Geral. O Cd. chileno regula o assunto na parte relativa s obrigaes arts. 1445-1469".

5.Clvis Bevilqua, Cdigo Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado,4. ed., Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1931, v. 1, p. 318-20, art. 81.

6.Joo Franzen de Lima, Curso de direito civil brasileiro: introduo e partegeral, 4. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1960, p. 279.

7.Washington de Barros Monteiro, Curso de direito civil; parte geral, 5. ed.rev. e aum., So Paulo, Saraiva, 1966, v. 1, p. 183.

8.Silvio Rodrigues, Direito civil; parte geral, 5. ed. rev. e atual., So Paulo,Saraiva, 1974, v. 1, p. 145.

9.Orlando Gomes (Introduo, cit., p. 249) cita as duas concepes, e CaioMrio da Silva Pereira (Instituies de direito civil; introduo ao direito civil, teoria geral do direito civil, 3. ed. rev. e atual., Rio de Janeiro, Forense, 1971, v. 1. p.283), com base em Enneccerus, d definio que se atem mais, como queremos, estrutura do negcio que propriamente sua gnese: "(negcio jurdico) wcapres-

5.Considerando que o presente trabalho visa expor o negcio jurdico nos trs planos em que ele se projeta existncia, validade e eficcia , no nos estenderemos sobre a evoluo da concepo voluntarista, nem muito menos sobre os vrios matizes com que cada autor a apresenta10. No discutiremos, sequer, a debatida questo entre os seus partidrios, consistente em saber se a vontade visa obter efeitos jurdicos ou efeitos prticosu, por-

suposto de fato, querido ou posto em jogo pela vontade, e reconhecido como base do efeito jurdico perseguido". Observamos, porm, que Enneccerus (Derecho civil, parte general, rev. por Hans Carl Nipperdey, trad. de Ia 39a ed. por Blas Prez Gonzalez y Jos Alquer, in Ludwig Enneccerus, Theodor Kipp e Martin Wolff, Tratado de derecho civil, Barcelona, Bosch, 1950, v. 2, t. 1, p. 55, 136) no fala propriamente em "efeitos perseguidos" ou efeitos queridos, mas sim em efeitos qualificados como queridos (grifos do autor nota 2, p. 56), o que coincide, embora timidamente, com nossa idia de que mais importante do que o negcio ser um ato de vontade o fato de ele ser visto socialmente como um ato de vontade.

10.Veja-se, a respeito, para a doutrina alem e italiana, Scognamiglio,Contributo, cit., p. 35. Tambm Castro y Bravo (El negocio jurdico, Madrid, Instituto Nacional de Estdios Jurdicos, 1967, p. 56).

11.Diz, por exemplo, entre os primeiros, Windscheid (Diritto delle pandette,trad. Cario Fadda e Paolo Emilio Bensa, Torino, UTET, 1902, v. 1, parte 1, p. 264):"Negozio giuridico una dichiarazione privata de volont, che mira a produrre uneffetto giuridico. II negozio giuridico mira a produrre un EFFETTO giuridico. Loscopo ultimo dei negozio giuridico sempre Ia nascita 1'estinzione, Ia modificazionedi un diritto (o di un complesso di diritti). Ma non ocorre, che il negozio giuridicomiri immediatamente a creare ecc. un diritto. II negozio giuridico MIRA a produrreun effetto giuridico. Che l'effetto giuridico voluto sia dal negozio giuridico realmenteprodotto, e sia prodotto sbito, non appartiene ai concetto dei negozio giuridico".Vittorio Scialoja (Negozi giuridici, 5. reimpr., Roma, Foro Italiano, 1950, p. 29)define o negcio jurdico com as mesmas palavras de Windscheid. Cf. tambm Stolfi{Teoria dei negozio giuridico, Padova, CEDAM, 1947, p. 5). Veja-se, ainda, VonTuhr (Tratado de Ias obligaciones, trad. W. Roces, Madrid, Ed. Rus, 1934, t. 1, p.110): "... todos los negcios jurdicos han de encerrar necesariamente Ia volontaddecidida de producir efectos de derecho, tienen por fuerza que estar animados deuna intencin jurdica. Una manifestacin de volontad que no se erija sobre estabase no transciende ai mundo dei Derecho".

Entre os ltimos, diz Cariota Ferrara (// negozio giuridico nel diritto privato italiano, [Napoli], Morano, s. d., p. 54): "Tra gli atti giuridici hanno particolare natura e valore i negozi giuridici. Questi sono manifestazioni de volont dirette ad un fine pratico tutelo dall'ordinamento giuridico".

Para a exposio e crtica de ambas essas posies, veja-se Matteo Ferrante, Negozio giuridico: concetto, Milano, Giuffr, 1950, caps. I e II, parte 1.

que, na verdade, em qualquer dos dois casos, parte-se da vontade particular. Discutir esta questo significaria aceitar o pressuposto bsico da concepo voluntarista, ou seja, de que a vontade dos efeitos (jurdicos ou prticos) que caracteriza o negcio jurdico12.

Passaremos, pois, imediatamente crtica da concepo voluntarista; ora, a, do ponto de vista da lgica, em primeiro lugar, suas definies so imperfeitas, na medida em que ora abrangem mais que o definido e ora deixam de abranger todo o definido. Realmente, basta, quanto ao primeiro caso, pensar nas hipteses tericas de atos lcitos no negociais realizados por algum que deseja exatamente os efeitos que a lei prev; nesse caso, estaremos diante de um ato de vontade lcito que visa produzir efeitos, sem que estejamos diante de negcio jurdico. Nem h que se cogitar, a, se os efeitos visados so jurdicos ou prticos. Por exemplo: o caador, que, conhecendo o direito positivo, no momento mesmo de atingir a caa, pensa simultaneamente em fazer atuar o art. 595 do Cdigo Civil12A e em se tornar proprietrio do animal, atirando com essa dupla inteno, e nisso, portanto, deseja ao mesmo tempo, com toda clareza, os efeitos jurdicos e os efeitos prticos do ato a realizar, nem por isso realiza um negcio jurdico. Quanto ao segundo caso, de no abranger a definio todo o definido, lembramos a hiptese de converso substancial, na qual, por definio, o negcio, que dela resulta, no era o desejado pelas partes, ou seja, na converso substancial, se o negcio efetivamente realizado for ineficaz (no sentido amplo desta palavra), mas contiver os pressupostos para que seja eficaz como

12. Ferrante (Negozio giuridico, cit., p. 50): "La ragione per Ia quale nessuna delle due indagini sulla essenza dei negozio giuridico riuscita a darei un concetto scientifico dello stesso , indubbiamente, da ricercare nella considerazione che ambedue sono partite dallo studio dei particolare, cio dall'analisi dei processo psicolgico delia volont individuale, di cui Ia prima tesi ha messo in evidenza 1'impulso a procurarei effetti giuridici; Ia seconda, invece, 1'impulso a procurarei effetti economici".

12-A. O texto do art. 595 do Cdigo Civil prescreve: "Pertence ao caador o animal por ele apreendido. Se o caador for no encalo do animal e o tiver ferido, este lhe pertencer, embora outrem o tenha apreendido". No novo Cdigo Civil, no h dispositivo especfico sobre a aquisio de animais pela caa; h somente um dispositivo genrico que disciplina a ocupao, o art. 1.263, que determina: "Quem se assenhorear de coisa sem dono para logo lhe adquire a propriedade, no sendo essa ocupao defesa por lei".

outro negcio, no previsto, nem desejado, e se houver razes para se presumir que as partes, se por acaso soubessem da ineficcia do negcio realizado, desejariam este outro, converte-se nele o negcio realizado. Ora, o negcio resultante da converso no foi previsto nem querido (essa situao um pressuposto da converso) e, ainda assim, ele um negcio jurdico13. Mesmo que se argumente com o fato de os efeitos do negcio, resultante da converso, serem semelhantes aos do negcio ineficaz, a verdade que no so eles idnticos; do contrrio, como evidente, no teria havido converso, mas apenas mudana de nomen jris, por onde se v que tambm nessa hiptese, e pelo defeito inverso, peca a definio do negcio jurdico feita atravs da vontade de produo dos efeitos14.

Muito mais grave que esses defeitos lgicos , porm, a prpria perspectiva, atravs da qual a concepo tradicional examina o neg-

13.Leiam-se as seguintes palavras de Saleilles (De Ia dclaration de volont:contribution Vtude de Vacte juridique dans le code civil allemand, Paris, LGDJ,1929, p. 314), ao comentar o 140 do BGB (primeiro cdigo moderno a agasalhara converso):

"Dans ce cas il et t vraidedire que cet acte nouveau n'apas t Vobjet, ni de Ia volont, ni mme des prvisions, des parties (grifos nossos); et que le juge, en le substituant au premier, ne peut pas prtendre prsumer ce que les parties peuvent avoir voulu, mais ce qu'elles auraient, sans doute, voulu, si elles eussent prvu Ia nullit. II semble bien que cette substitution et dpass alors les pouvoirs d'interprtation du juge, en tant qu'on voudrait les limiter une recherche de volont relle. Or, c'est, prcisment, pour carter cette mthode troite d'interprtation, que le Code Civil a tenu formuler sur ce point une disposition qui, s'il n'y avait eu le risque de se heurter une opposition d'cole, et t parfaitement inutile, mais qui devient, prcisment cause de cela, d'une importance doctrinale considrable".

verdade que o pensamento de Saleilles prende-se mais divergncia entre teoria da vontade e teoria da declarao que, propriamente, a uma crtica geral das concepes voluntaristas. Ademais, salienta ele adiante (De Ia dclaration, cit., p. 315) que a possibilidade de converso demonstra que "il faut s'attacher en matire d'interprtation des actes prives, moins au but juridique, qui n'est qu'une forme et un moyen de technique spciale, qu'au but conomique poursuvi".

14.Alm das hipteses de converso, so inmeros os casos de negcio, semque haja, em diversos graus, vontade. Por exemplo, os atos sob hipnose, coaoabsoluta, erro obstativo, reserva mental etc. A alegao de que muitos deles sonegcios nulos no destri a objeo lgica quanto definio, j que um negciomesmo nulo ainda negcio jurdico. Veja-se tambm infra nota 195, sobre o silncio como declarao de vontade (Captulo Terceiro, 22, Ttulo II).

cio jurdico. Trata-se de perspectiva psicolgica, fundada no dogma de vontade, contra o qual se exerceu a incisiva crtica de Betti, em toda sua obra sobre o negcio jurdico e, ainda, no verbete "negozio giuridico" do Novssimo Digesto Italiano15. Todavia, por ora, no desenvolveremos esse ponto e limitar-nos-emos a essas breves consideraes, uma vez que, mais adiante16, ao examinarmos o exato papel da vontade no negcio jurdico, procuraremos demonstrar que a vontade no elemento necessrio para a existncia do negcio (plano da existncia), tendo relevncia somente para a sua validade e eficcia; segue-se da que, no fazendo ela parte da existncia do negcio, muito menos poder ser elemento definidor ou caracterizador do negcio.

15.Para uma exposio sucinta das teses de Betti {Teoria generale dei negoziogiuridico, 3. ed., in Filippo Vassalli (dir.), Trattato di diritto civile italiano, Torino,UTET, 1960, v. 15, t. 2), veja-se a tima resenha feita por Cariota Ferrara (// negoziogiuridico, cit., p. 76 e s. e 95 e s.). A crtica crtica de Betti, que, em seguida, esseautor faz no consegue, mesmo se socorrendo dos princpios da "responsabilit(autoresponsabilit) ed affidamento", restaurar a concepo voluntarista. Por outrolado, porm, isso no quer dizer que, na parte construtiva, devam ser aceitas as teses"objetivas", ou preceptivas; o que nos parece realmente irrespondvel , pois, a partedestrutiva (do dogma de vontade), na obra de Betti. Falando, por exemplo, do quechama de dupla exigncia no tratamento do negcio jurdico: necessidade de reconhecimento social e necessidade de "despsicologizao", diz Betti (Negozio giuridico,in Novssimo Digesto Italiano, [Torino], UTET, s. d., v. 11): "Per rendersi contodelia duplice, indefettibile esigenza, basta riflettere che, compiendo il negozio, 1'autorenon si limita a dichiarare che vuole alcunch, ma dichiara ed opera senz'altro Ia cosache vuole; e questa consiste in un assetto d'interessi propri in rapporto con altri, cheilprivato deve non tanto volere quanto disporre o sia attuare obiettivamente (grifosnossos). Non si nega, come fatto normale, che il privato dichiari o faccia qualcosa divoluto; si nega soltanto che Ia volont si trovi, nel negozio, in primo piano (grifosnossos). La ragione comune delia duplice esigenza sta in un fenmeno di tuttaevidenza, che purtroppo viene spesso dimenticato: ed che oggetto d'interpretazionee di valutazione nel mondo sociale non pu essere un mero fatto psicolgico interno, ma solo un dato oggettivo riconoscibile nell' ambiente e nella vita di relazione,attraverso forme di contegno. II che vale in special modo per le svariate configurazionideli'autonomia privata: negozio, contratto, testamento, atto di destinazione, statutidi societ, di cooperative di consorzi, di fundazioni, dichiarazioni alia generalit(condizioni generali di contratto, moduli di contratti tipo, in quanto propostecontrattuale promesse ai pubblico ecc). Rilevante socialmente e legalmente non ilmero fatto psicolgico interno, come stato d'animo che sia dimostrabile all'infuoridelia sua enunciazione o riconoscibilit".

16.Infra "Vontade e declarao da vontade" (Ttulo I do l2 do CaptuloTerceiro).

15.Concepo, porm, realmente oposta referida no ls a que Scognamiglio denomina "teoria preceptiva"; enumera o mesmo autor, entre os seguidores dessa teoria, Bullow, Henle e Larenz, na Alemanha, e, na Itlia, Betti19. Para os partidrios dessa teoria, o neg-

22 Definies pela funo ou objetivas. Crtica

Segundo Scognamiglio17, as primeiras concepes do negcio jurdico que se afastaram da viso voluntarista e que, portanto, o encararam de forma mais objetiva foram as de Brinz e Thon; ambos viram, no negcio, antes um meio concedido pelo ordenamento jurdico para produo de efeitos jurdicos que propriamente um ato de vontade. Posteriormente, o ataque s concepes tradicionais agravou-se com o debate entre a teoria da vontade (Willenstheorie) e a teoria da declarao (Erklarungstheorie); embora tal assunto, nesta obra, seja desenvolvido mais adiante, porque diz respeito diretamente a qual papel atribuir vontade no negcio jurdico, no podemos deixar de apontar, desde agora, que os partidrios da teoria da declarao, mesmo admitindo que, nas situaes normais, o negcio jurdico corresponde vontade, ao defenderem, por uma proteo ao comrcio jurdico, a predominncia da declarao objetiva sobre a vontade subjetiva, em caso de divergncia entre ambas, abriram larga brecha para que o negcio jurdico deixasse de ser visto como um ato de vontade18.

17.Scognamiglio, Contributo, cit., p. 66.

18.Castro y Bravo (El negocio jurdico, cit., p. 15) atribui "comercializao"do direito as concepes da segunda gerao de pandectistas, que sustentaram, porcausa da segurana do comrcio jurdico, a teoria da declarao. Segundo seu pontode vista, as concepes 'preceptivas', que vieram depois, teriam ido ainda maislonge na 'mercantilizao' do direito privado.

De fato, embora se possa ver a teoria da declarao como uma fase para se chegar s concepes objetivas, convm insistir, porm, em que os partidrios da teoria da declarao no se afastaram demasiado da concepo voluntarista tradicio-

nal, como a princpio poderia parecer. Basta pensar que a divergncia entre eles e a corrente adversria (teoria da vontade) se colocou como: "qual a vontade que deve prevalecer, a vontade interna ou a vontade declarada?", para se perceber que o ngulo ainda voluntarista. O debate entre as duas teorias muitas vezes foi mesmo posto como: "qual a vontade que deve prevalecer, a vontade de contedo ou a vontade de declarar!" (veja-se Scialoja, Negozi giuridici, cit., p. 29).

19. A nosso ver, a posio de Betti oferece matizes que podem afast-lo de uma concepo "preceptiva" pura; ademais, h algumas mudanas, pelo menos de terminologia, entre a Teoria generale dei negozio giuridico e o verbete "Negozio giuridico" que escreveu para o Novssimo Digesto Italiano. Assim, na primeira obra, diz Betti (Teoria, cit., p. 70), textualmente:

"Per tutte queste ragioni, che si conpendiano in una elementare esigenza di sincerit costruttiva, noi eviteremo accuratamente nella nostra trattazione Ia qualifica dei negozio come 'dichiarazione di volont' qualifica dottrinaria, che per fortuna non penetrata nella pratica n nel linguaggio legislativo e parleremo sempre di 'dichiarazione' senz'altra aggiunta, restando inteso che trattasi di dichiarazione precettiva, regolatrice di rapporti privati".

Ora, Scognamiglio censurou, aos seguidores da teoria preceptiva, a manuteno da expresso "declarao", com a substituio da referncia vontade por outra (declarao com contedo preceptivo); ou, segundo suas palavras (Contributo, cit., p. 74):

"Si osserva, a questo propsito, che tale nozione consente un distacco solo parziale dalla dichiarazione di volont, dando luogo, riguardo ai punti nei quali ad essa deve ricondursi, a ulteriori e pi gravi difficolt. Cosi, parlandosi di dichiarazione o comportamento, si fa pur sempre riferimento all'azione in senso psico-fisico, naturalistico, postulandosi, e Io si ammette dei resto ex adverso, come concettualmente necessria, Ia volont dell'atto. E, ancora, concepito il negozio come dichiarazione con contenuto precettivo, non si supera in effetti Ia c.d. Offenbarungstheorie, ma solo si sostituisce ai dualismo tradizionale tra dichiarazione e volont, quello pi oscuro, ma innegabile, tra dichiarazione e precetto. Ch, anzi, non pu negarsi una certa fondatezza ai rilievo corrente come si detto, nella dottrina tedesca secondo il quale il precetto constituisce prprio Ia forma pi intensa dei volere. In definitiva, Ia teoria criticata non fa secondo le osservazione fin qui mosse che porre in luogo delia formula chiara e sinttica di dichiarazione di volont, indicativa ad un tempo delia volontariet delFatto e dei suo peculiare contenuto, 1'altra di 'gewollte Sollenserklarung' o precetto voluto, che appare, gi a prima vista, involuta ed oscura, costituendo, sotto questo riguardo, un regresso delia scienza". J no citado verbete do Novssimo Digesto Italiano, Betti prefere referir-se "assetto d'interesse", atuado objetivamente, que propriamente "declarao com contedo preceptivo". De qualquer forma, inegvel a declarada oposio de Betti ao dogma da vontade.

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cio jurdico constitui um comando concreto ao qual o ordenamento jurdico reconhece eficcia vinculante. Kelsen20, discorrendo sobre o negcio jurdico, coloca como primeiro subttulo do tema "o negcio jurdico como fato criador de Direito", onde j se percebe a ateno voltada antes aos efeitos (funo), que vontade (gnese); em seguida, diz: "Na medida em que a ordem jurdica institui o negcio jurdico como fato produtor de Direito, confere aos indivduos, que lhe esto subordinados, o poder de regular as suas relaes mtuas, dentro dos quadros das normas gerais criadas por via legislativa ou consuetudinria, atravs de normas criadas pela via jurdico-negocial. Essas normas jurdico-negocialmente criadas, que no estatuem sanes, mas uma conduta cuja conduta oposta o pressuposto da sano que as normas jurdicas gerais estatuem, no so normas jurdicas autnomas. Elas apenas so normas jurdicas em combinao com as normas gerais que estatuem as sanes"21.

Ora, a perspectiva do negcio assim concebido muda inteiramente; todavia, nem por isso essa caracterizao nos parece melhor que a anterior. Parece-nos, pelo contrrio, que as concepes ditas objetivas do negcio pecam pelo mesmo unilateralismo das concepes subjetivas. A transformao do negcio em norma jurdica concreta artificial, na medida em que a expresso norma jurdica implica sempre um jubere que o negcio jurdico no possui. Esse o seu principal defeito22. O prprio Betti, dado como partidrio da teo-

20.Hans Kelsen, Teoria pura do direito, trad. Joo Baptista Machado, 2. ed.,Coimbra, Armnio Amado, 1962. v. 2, p. 123 e s.

21.Guggenheim (U invalidit des actes jurdiques: en droit suisse et compare,Paris, Pichon & Auzias, 1970, p. 66), por exemplo, adota concepo preceptiva paradefinir o negcio jurdico vlido: "Au terme de cette breve recherche, il est possiblede conclure qu'un acte juridique valable consiste en une dclaration de volont d'uneou de plusieurs personnes laquelle 1'ordre juridique impute 1'effet juridique designecomme voulu par Ia ou les parties 1'acte, si cet acte est conforme aux conditionsposes pour sa validit par Ia norme hirarchiquement suprieure. L'effet juridiqueimpute 1' acte aboutira soit une norme soit une modification directe d' un rapportde droit".

22.A idia de "norma jurdica concreta" pode ser aceita, mas acreditamos que,como tal, somente se pode entender a sentena judicial, ou outro ato equivalente, noqual o agente se coloca super partes, nunca o negcio jurdico, que inter partes.

ria preceptiva, reconhece as diferenas entre norma jurdica e negcio, ao dizer expressamente que o contedo do negcio "elevado a preceito jurdico" por um processo de recepo do ordenamento, mas que esse contedo, por si s, no preceito jurdico. Procedem, nesse passo, pois, as crticas que Cariota Ferrara faz a essa maneira de ver, in verbis23: "A ns parece que, do negcio, podem surgir somente relaes jurdicas, e no preceitos, e que, se surgem uns, no podem surgir outros, e vice-versa. Uma idia fundamental da qual ex adverso se iniciam as crticas deve ser meditada: a ordem jurdica reconhece a autonomia privada, no como fonte de normas jurdicas, mas como fonte criadora de relaes jurdicas. At aqui pode-se estar de acordo e se pode repetir que se pode admitir, sem mais, a ilao de que em tal sentido o negcio considerado como ato de autonomia com o qual o particular regula os prprios interesses nas relaes com outrem: de fato, o assim chamado regulamento teria lugar por meio de relaes jurdicas. Mas como se concilia isso com a natureza preceptiva do negcio? Como se pode passar da idia de que o regulamento de interesses tem lugar por meio de relaes jurdicas, ou, como tambm se diz, por meio de situaes aptas a criar vnculos entre os prprios interessados, com a idia de que o negcio tem essncia preceptiva? A resposta a tais questes no pode, certamente, obter-se do fenmeno da recepo antes referido, porque j se est no terreno da ordem jurdica quando se considera que dela que surgem as relaes jurdicas". E, mais adiante, continua o mesmo autor: "Um preceito, que tenha imediata eficcia constitutiva, isto , que produz diretamente os efeitos... no preceito, no norma; pelo contrrio, uma relao jurdica no pode ter valor normativo, porque j efeito de uma norma. 'Norma, preceito' e 'relao jurdica' so termos no equivalentes e no so conceitos que especifiquem um ao outro; a relao jurdica no nunca normativa"24.

Por outro lado, alm desse defeito fundamental, o unilateralismo das definies pela funo, ou preceptivas, acaba acarretando os

23.Cariota Ferrara, // negozio jurdico, cit., p. 104 (traduo nossa).

24.Veja-se tambm Scognamiglio, Contributo, cit., p. 71 e s. e 76. Castro yBravo {El negocio jurdico, cit., p. 31) outro autor recente a no admitir que onegcio jurdico seja fonte de direito objetivo.

23.

23.12

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mesmos defeitos lgicos das definies pela gnese, ou voluntaristas. Ficam, por exemplo, fora das definies preceptivas, que, assim, no abrangem todo o definido, os negcios nulos; de fato, em virtude de sua situao irregular, preciso cortar sua ligao com a norma superior, isto , no encadeamento de normas superiores e inferiores, deve ser feita, aqui, uma ruptura, para que o que seria o ltimo elo normativo no venha prender-se a toda a cadeia; segue-se da que, para se manter a coerncia, os negcios nulos (ou os anulveis, anulados) somente podem ser vistos como no-normas, ou no-neg-cios. Ora, nessa situao, o negcio nulo somente h de ser visto como simples fato; ele , se pudermos dizer assim, despido de suas vestes como negcio jurdico, para, desclassificado, jazer, no mundo jurdico, como fato jurdico de outra espcie. Isso, porm, contradiz todo o sistema atual, no qual o negcio nulo, ainda que sem os requisitos de validade (e tirando da sua nulidade), continua a ser visto e classificado como negcio, seja na doutrina, seja na jurisprudncia.

Terminando, pois, este 2a, podemos concluir que as duas concepes do negcio so insuficientes25; impe-se a adoo de uma terceira concepo, que, aproveitando o material j fornecido pelas outras duas, favorea uma viso completa do negcio jurdico. Esse ideal, a nosso ver, somente pode ser obtido se nos fixarmos na sua estrutura, entendida essa palavra em seu significado comum, de composio, isto , se nos fixarmos propriamente no que estrutura, ou compe, o negcio.

25. Alm das duas concepes fundamentais citadas no texto, h outras, cumprindo lembrar a de Carnelutti (Teoria generale dei diritto, 3. ed. ampl., Roma, Foro Italiano, 1951, p. 220), que define o negcio jurdico como "exerccio de um direito subjetivo", no que, porm, ao que parece, no foi seguido por ningum (veja-se Scognamiglio, Contributo, cit., p. 162). Sua concepo, de resto, procura colocar-se numa perspectiva conscientemente funcional do negcio. A definio que Scognamiglio d ao negcio : "atto d'autoregolamento dei privati interessi, come tale giuridicamente rilevante o, senz'altro, atto di autoregolamento dei privati interessi, intendendosi che si ha riguardo alia realt giuridica" (Contributo, cit., p. 138).

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Definio do negcio jurdico. Definio pela estrutura

Embora as definies genticas e funcionais muito revelem sobre o negcio jurdico, esclarecendo qual o seu sentido e sua significao como fenmeno que se produz no campo do direito, acreditamos que sua definio deva ser formulada de um ponto de vista estritamente estrutural26. No se procurar mais saber como o negcio surge, nem como ele atua, mas sim, simplesmente, o que ele . No mais exagerando as implicaes a vontade, a psique e a psi-

26. Stolfi {Teoria, cit., p. 1), considera "original" a definio de Betti ("atto di autonomia privata, cui il diritto ricollega Ia nascita, Ia modificazione o 1'estinzione di rapporti giuridici fra singolo"), mas acrescenta: "Non Ia direi per esatta in linea lgica: il richianno alia funzione dei negozio non serve a nulla quando si deve definido, perchi in tal caso Ia qualificazione che gli si dia dipende non dalla funzione ma dalla strutura di esso" (grifos nossos).

Santoro Passarelli (Dottrine generali dei diritto civile, 9. ed., Napoli, Jovene, 1966, p. 125), ao iniciar o pargrafo em que trata do negcio jurdico, tambm se prope a dar os caracteres estruturais, alm dos funcionais, do negcio jurdico. So suas palavras: "Una sommaria analisi di questa nozione ei consentir di stabilire fin d'ora i caratteri struturali efunzionali dei negozio giuridico. Sotto il primo aspetto va anzitutto rilevato che il negozio un atto e, come tale, appartiene alia categoria dei fatti giuridici. Ci vale a stabilire che anche qui, per Ia produzione di effetti giuridici, necessria un'attivit, un'azione materiale: non basta uno stato d'animo o psicolgico, in particolare il considetto interno volere. Questo deve tradursi in azione". Em seguida, porm, este autor, a pretexto de continuar a falar sobre a estrutura do negcio, cai, claramente, numa anlise gentica do negcio. Eis o que diz: "La volont pero determinante degli effetti: e qui st Ia caracterstica prpria dei negozio. Non solo 1'azione voluta come negli atti giuridici in senso stretto, ma 1'azione expressione di una volont diretta a uno scopo e come tale giuridicamente rilevante. II negozio consta, pertanto, di questi due elementi: Funo esterno, che Fatto, e Faltro interno, che Ia volont".

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cologia, nem o auto-regramento, a sociedade e a sociologia, mas sim a declarao de vontade, o fato jurdico e a cincia do direito.

O negcio jurdico, estruturalmente, pode ser definido ou como categoria, isto , como fato jurdico abstrato, ou como fato, isto , como fato jurdico concreto.

Como categoria, ele a hiptese de fato jurdico (s vezes dita "suporte ftico"), que consiste em uma manifestao de vontade cercada de certas circunstncias (as circunstncias negociais) que fazem com que socialmente essa manifestao seja vista como dirigida produo de efeitos jurdicos; negcio jurdico, como categoria, , pois, a hiptese normativa consistente em declarao de vontade (entendida esta expresso em sentido preciso, e no comum, isto , entendida como manifestao de vontade, que, pelas suas circunstncias, vista socialmente como destinada produo de efeitos jurdicos). Ser declarao de vontade a sua caracterstica especfica primria. Segue-se da que o direito, acompanhando a viso social, atribui, declarao, os efeitos que foram manifestados como queridos, isto , atribui a ela efeitos constitutivos de direito e esta a sua caracterstica especfica secundria.

In concreto, negcio jurdico todo fato jurdico consistente em declarao de vontade, a que o ordenamento jurdico atribui os efeitos designados como queridos, respeitados os pressupostos de existncia, validade e eficcia impostos pela norma jurdica que sobre ele incide.

Visto atravs do prprio ngulo do direito, esttica, ou formalmente, se quiserem, o negcio, in abstrato ou in concreto, coloca-se portanto, antes de mais nada, debaixo da rubrica mais ampla do fato jurdico.

Como categoria, por sua previso normativa tomar em considerao a existncia de um fato, que visto socialmente como ato de vontade (j que ele declarao de vontade), o negcio jurdico distingue-se claramente, em primeiro lugar, dos fatos jurdicos em sentido estrito. No se trata, aqui, de verificar quais os fatos que in concreto so, ou no, atos de vontade, mas sim verificar se, pela estrutura normativa, se toma, ou no, em considerao a existncia do que

socialmente se v como ato ou manifestao de vontade. Determinados fatos que, na realidade, so atos voluntrios podero entrar no inundo jurdico como fatos em sentido estrito, por a norma jurdica no levar em conta, na sua composio, nem o elemento "declarao de vontade", nem sequer a simples manifestao de vontade; por exemplo, a morte, para efeitos sucessrios, fato involuntrio (fato jurdico em sentido estrito), quer se esteja diante de morte natural, quer de morte provocada por terceiros, quer, finalmente, se trate de suicdio e, portanto, neste ltimo caso, ela tenha sido, na realidade, ato de vontade27.

Ainda como categoria, o negcio jurdico, em segundo lugar, no um simples fato, no qual a norma jurdica leva em considerao a existncia de vontade (um ato); ele mais do que isso; ele uma declarao de vontade, isto , uma manifestao de vontade cercada de certas circunstncias, as circunstncias negociais, que fazem com que ela seja vista socialmente como destinada a produzir efeitos jurdicos28. O negcio jurdico no , por outras palavras, uma simples manifestao de vontade, mas uma manifestao de vontade qualificada, ou a uma declarao de vontade. J dizia Saleilles29, na abertura de seus comentrios aos 116 a 144 do Cdigo Civil alemo: "No preciso apenas que (a vontade) seja revelada por um fato ou por uma atitude externa, preciso que ela tenha querido se produzir externamente como vontade constitutiva de direito. E a palavra 'declarao de vontade' implica este elemento novo, que consiste numa finalidade de manifestao jurdica, no somente de

27.No mesmo sentido, Santoro Passarelli {Dottrine generali, cit., p. 106).Tambm Betti (Teoria, cit., p. 8), que classifica os fatos jurdicos segundo dois critrios diversos: a) segundo sua natureza objetiva; e b) segundo o ordenamento jurdico considera e d valor ao que na realidade se passa, especialmente ao comportamento humano. A classificao dos fatos jurdicos, em fatos em sentido restrito eem atos jurdicos, se faz pelo segundo critrio. Em contrrio: Cariota Ferrara (//negozio giuridico, cit., p. 110).

28.Veja-se, infra, "Circunstncias negociais" (Ttulo I do 2e do CaptuloTerceiro).

29.Saleilles, De Ia dclaration, cit., p. 2.

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irrevogabilidade de manifestao jurdica, mas, se se pode dizer assim, de produo ou de eficcia jurdica"30.

Ao falarmos, portanto, em declarao de vontade, estamos utilizando esta expresso como uma espcie de manifestao de vontade que socialmente vista como destinada a produzir efeitos jurdicos31. A declarao , do ponto de vista social, o que o negcio , do ponto de vista jurdico, ou seja, a declarao tende a coincidir com o negcio na medida em que a viso jurdica corresponde viso social. O ordenamento jurdico procura tomar a declarao de vontade como hiptese normativa (hiptese legal) dessa espcie de fato jurdico, que o negcio jurdico. Por isso mesmo, num contrato, por exemplo, no h, como s vezes se diz, duas ou mais declaraes de vontade; h, nele, mais de uma vontade e mais de uma manifestao de vontade, mas essas manifestaes unificam-se a viso social de uma s declarao, que juridicamente ser um s fato jurdico32.

30.Ainda Saleilles (De Ia dclaration, cit, p. 263), tratando do 138 doBGB (interpretao e leso): "... et par l s'exprime une fois de plus le rapport tablir entre manifestation et dclaration de volont. L'une est Fexpression relle deIa volont, dans sa constatation objective: L'autre est son expression juridique".

31.A preciso feita no texto, sobre o significado da expresso "declarao devontade", limita o que muitos autores vem como declarao de vontade, isto ,muitos autores (Scialoja, Vittorio, p. 29, nota 2, op. cit. nota 11; Windscheid, p. 266,nota 1, 69, op. cit. nota 11) procuram caracterizar a declarao como aquela manifestao de vontade tornada clara a outrem, como, por exemplo, se a dona de casaordena empregada que lhe passe o vestido, que dever usar a noite: a a vontade foitornada clara a outrem e haveria declarao de vontade sem que houvesse negciojurdico. O sentido, porm, que demos expresso "declarao de vontade" maisrestrito, de forma que a hiptese formulada no se subsume no que procuramosdefinir como declarao de vontade.

32.O contrato consiste, pois, em uma declarao (comum) de vontades (diversas) e no em declaraes (diversas) de uma vontade (comum). Como diz Betti(Teoria, cit., p. 60), no h, no contrato, uma "vontade unitria, ou vontade contratual,resultante da fuso (mstica ou mitolgica) das vontades dos contratantes: essa vontade unitria inteiramente falsa. Trata-se de explicao resultante do dogma devontade, sem nenhuma aderncia realidade. Afastada, porm, essa concepo,podemos, sem falsear o que na realidade se passa, afirmar que, mesmo sendo diversas as vontades (internas) e suas manifestaes (externas), o contrato um fatojurdico nico, portanto, urrf s ato jurdico e uma s declarao de vontade. Pelointeresse que a crtica de Betti ao dogma de vontade pode ter, transcrevemos o trecho: "Inoltre, il dogma delia volont non in grado di spiegare se non con metafore

Por outro lado, sendo a declarao de vontade um ato que, em virtude das circunstncias em que se produz, visto socialmente como dirigido produo de efeitos jurdicos, o direito segue a viso social e encobre aquele ato com seu prprio manto, atribuindo-lhe normalmente (isto , respeitados os pressupostos de existncia, validade e eficcia) os efeitos que foram manifestados como queridos. Tais efeitos so imputados declarao em correspondncia com os manifestados como queridos. Essa correspondncia no um simples paralelismo, como a que pode existir no exemplo j dado do caador, ou em outros, to tericos quanto este, como o do criminoso que mata algum com o fim de ir para a priso, e nos quais no h negcio jurdico. O importante na caracterizao do negcio salientar que, se, em primeiro lugar, ele um ato cercado de circunstncias que fazem com que socialmente ele seja visto como destinado a produzir efeitos jurdicos, em segundo lugar, a correspondncia, entre os efeitos atribudos pelo direito (efeitos jurdicos) e os efeitos manifestados como queridos (efeitos manifestados), existe, porque a regra jurdica de atribuio procura seguir a viso social e liga efeitos ao negcio em virtude da existncia de manifestao de vontade sobre eles.

Exatamente porque o direito procura seguir a viso social, que v em certas manifestaes de vontade declaraes destinadas a produzir efeitos jurdicos, pode-se afirmar que, em geral, o negcio jurdico um ato lcito. Todavia, ousamos dizer que a caracterizao do negcio como ato lcito, unanimemente feita pela doutrina, e at pela

di carattere mitolgico e mstico certe configurazione di negozi che presentano un distacco netto fra Ia volont, come fatto psichico attuale, e il precetto dei negozio: tali, il negozio condizionale, il negozio mortis causa, il contratto. Nel contratto, secondo i seguaci dei dogma, dall'incontro delia volont dei due contraenti sorgerebbe una 'volont unitria': Ia volont contrattuale. Ora evidente che qui si confonde fra Ia volont come fatto psichico interno (quella che Vincontra') e Ia 'volont' come precetto delFautonomia privata (quella che sorge 'dall'incontro'). In realt ci che genera il precetto contrattuale non un 'incontro' occulto o una mstica 'fusione dei voleri', ma Io scambio delle rispettive dichiarazioni (oferta e accettazione) e Ia loro consapevole congruenza (che ci che ei dice accordo o consenso), o Ia intenzionale reciprocit e congruenza dei rispettivi comportamenti. L'accordo delle intenzioni ('comune intenzione dei contraenti') non ha valore giuridico se non in quanto sia reciprocamente riconoscibile, e quindi in funzione di tale scambio o reciprocit e di tale congruenza".

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legislao, no , em pleno rigor da lgica, correta. Ser lcito ou ilcito qualificao que se d a certos fatos jurdicos, conforme sejam aprovados ou reprovados pelo ordenamento jurdico; ora, a qualificao dada a um fato no pode, evidentemente, fazer parte da sua estrutura; a qualificao sempre extrnseca composio interna do fato. Um exame emprico de certas situaes revela o acerto dessas afirmaes; se houver um caso que seja de negcio ilcito, evidentemente, a licitude no poder fazer parte de sua definio; seria ilgico que o negcio fosse lcito, por definio, e que, ao mesmo tempo, pudesse haver um negcio ilcito. Pois bem, h casos de negcios ilcitos. Evidentemente, ao empregarmos essa expresso, no queremos dizer os casos de negcios nulos, por terem objeto ilcito, ou outro defeito semelhante, mas, sim, queremos mesmo dizer negcios ilcitos, isto , negcios que so tambm atos ilcitos, delitos, crimes33. Muitos negcios so, simultaneamente, casos de crime, por exemplo: compra e venda ou locao de escrito, desenho, pintura, estampa ou objetos obscenos (art. 234 do CP), o segundo casamento do bgamo (art. 235 do CP), o registro de nascimento inexistente (art. 241 do CP), a compra e venda ou o emprstimo de entorpecente, e inmeros outros. Tais atos, que so crimes, so tambm negcios jurdicos (e no naturalmente por serem negcios nulos que eles perdem o carter de negcio jurdico; pelo contrrio, o fato de serem nulos comprova que de negcio jurdico que se trata, pois aos atos no negociais no se aplica a idia de vlido ou nulo). Mas h at mesmo os casos de negcios jurdicos vlidos e, ainda assim (ou at por isso mesmo), ilcitos. Por exemplo, a venda de imvel prprio, mas que anteriormente fora prometido venda, mediante prestao, a terceiro (art. 171, 2a, II, do CP). Nesse caso, normalmente, o segundo negcio ser vlido, e, se a promessa, anterior venda, no estiver inscrita ou averbada, o segundo adquirente dever tornar-se proprietrio34. Tudo isso demonstra a desnecessidade, e at o erro, de se colocar a licitude como uma das caractersticas definidoras do negcio jurdico.

33.Betti {Teoria, cit., p. 114) chama aos primeiros "negcios ilegais", e reserva, aos segundos, a expresso "negcios ilcitos".

34.Os casos do inciso III do mesmo 22 do art. 171 do Cdigo Penal sotambm, a nosso ver, casos de negcios vlidos e, ao mesmo tempo, ilcitos. A nica

Finalizando o captulo, quer-nos parecer que uma concepo estrutural do negcio jurdico, sem repudiar inteiramente as concepes voluntaristas, dela se afasta, porque no se trata mais de entender por negcio um ato de vontade do agente, mas sim um ato que socialmente visto como ato de vontade destinado a produzir efeitos jurdicos. A perspectiva muda inteiramente, j que de psicolgica passa a social. O negcio no o que o agente quer, mas sim o que a sociedade v como a declarao de vontade do agente. Deixa-se, pois, de examinar o negcio atravs da tica estreita do seu autor e, alar-gando-se extraordinariamente o campo de viso, passa-se a fazer o exame pelo prisma social e mais propriamente jurdico.

Por outro lado, rejeitada como artificial a idia do negcio como "norma jurdica concreta", nem por isso a viso ora apresentada deixa de ser menos objetiva que a das concepes preceptivas. No ficam, atravs dela, de forma alguma esquecidos os efeitos que do negcio resultam; esses efeitos, porm, no esto presos, como normas, a outras normas, mas sim, mais simplesmente, so relaes jurdicas (em sentido lato) que o ordenamento jurdico, respeitados certos pressupostos (de existncia, validade, eficcia), atribui ao negcio, em correspondncia com os efeitos manifestados como queridos.

Como desenvolveremos no decorrer do trabalho, somente uma concepo estrutural do negcio jurdico (como fato jurdico, que,

diferena, porm, entre eles e o caso do texto est em que, por serem eles a non domino, no tero a eficcia para a qual surgiram. Alis, completando o que afirmamos acima, acrescentamos que, justamente por nos parecer que a licitude uma qualificao, e no um elemento estrutural dos atos jundicos, que consideramos que a grande diviso dos atos jurdicos em sentido lato no , como quase-unani-memente se diz, em atos lcitos e ilcitos, mas sim em negcios jurdicos e atos jurdicos no negociais (ditos atos jurdicos em sentido estrito). Tanto uns quanto outros podem ser lcitos ou ilcitos; todavia, a maior parte dos primeiros de atos lcitos e, dos ltimos, de atos ilcitos (a diferena entre negcios jurdicos e atos no negociais se faz pelas circunstncias negociais, somente existentes nos primeiros). Os crimes, em geral, so atos jurdicos no negociais; a ocupao, a gesto de negcios, a constituio de servido por destinao do pai de famlia, a constituio de domiclio so tambm atos jurdicos no negociais, mas lcitos (seja em uns, seja em outros, no h as circunstncias negociais). Veja-se Santoro Passarelli (Dottrine generali, cit., p. 106), que tambm, tal e qual o dissemos no texto, no subdivide os atos, do ponto de vista da "essncia", em lcitos e ilcitos, mas sim em atos jurdicos em sentido estrito e negcios jurdicos.

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por causa de suas circunstncias, visto socialmente como declarao de vontade), conjugada com o exame de sua projeo nos trs planos (existncia, validade e eficcia), resolve com clareza, entre outras, duas tormentosas questes, uma muito cara s concepes genticas, e outra, s concepes funcionais; so elas o papel da vontade e o papel da causa do negcio jurdico. Vontade e causa, como veremos, no fazem parte do negcio jurdico, isto , o negcio existe independentemente delas (plano da existncia); uma e outra so somente meios de correo do negcio, no sentido de que elas, agindo de fora do negcio, seja no plano da validade, seja no da eficcia, evitam, ora mais, ora menos, efeitos no queridos (isto , ou no queridos subjetivamente, pelo agente vontade, ou no queridos objetivamente, pela ordem jurdica causa)35.

Captulo Segundo EXISTNCIA, VALIDADE E EFICCIA

Consideraes gerais e plano do captulo Fato jurdico o nome que se d a todo fato do mundo real sobre o qual incide norma jurdica. Quando acontece, no mundo real, aquilo que estava previsto na norma, esta cai sobre o fato, qualificando-o como jurdico; tem ele, ento, existncia jurdica. A incidncia da norma determina, como diz Pontes de Miranda36, sua entrada no mundo jurdico. O fato jurdico entra no mundo jurdico para que a produza efeitos jurdicos. Tem ele, portanto, eficcia jurdica. Por isso mesmo, a maioria dos autores define o fato jurdico como o fato que produz efeitos no campo do direito. "Fatos jurdicos so os acontecimentos em virtude dos quais relaes de direito nascem e se extinguem"37. H at mesmo, quem veja nessa eficcia jurdica dos fatos jurdicos a sua essncia38. Em tese, porm, o exame de qualquer fato jurdico deve ser feito em dois planos: primeiramente, preciso verificar se se renem os elementos de fato para que ele exista (plano da existncia); depois, su-

35. Pode-se dizer que vontade e causa agem sobre o negcio da mesma forma que, no direito romano, o direito honorrio agiu sobre o "jus civile". Segue-se da que, assim como, por maior que tenha sido a importncia do direito honorrio, dele tem de se afirmar que supe necessariamente ojus civile, com a vontade e a causa, em relao ao negcio acontece o mesmo. A vontade e a causa podero ter importncia muito grande, mas delas se deve dizer que, do ponto de vista cientfico, funcionam como "meios de correo" (em sentido amplo), isto , agem sobre uma base da qual no participam (adjuvandi vel supplendi vel corrigendi). Alis, a semelhana entre a ao da vontade sobre o negcio e a ao ojus honorarium sobre ojus civile nos ocorre, porque, na ordem histrica, a vontade passou a influir sobre o negcio justamente atravs do direito honorrio. Veja-se Salvatore Riccobono, apud Vittorio Scialoja, Prefcio, in Negozi giuridici, cit., p. VII.

36.Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, 3.ed., Rio de Janeiro, Borsoi, 1970, v. 1 e 2.

37.Frderic Charles de Savigny, Droit romain, 104, apud Bevilqua, Cl-vis, Cdigo, cit., p. 310, 74.

38.Francesco Carnelutti, Teoria, cit., p. 200:

"Conviene poi aggiungere che Ia giuridicit dei fatto veramente consiste in ci che ai mutamento materiale si accompagna il mutamento giuridico, e perci il fatto giuridico prprio in virt di tale mutamento onde il fatto giuridico assai pi esattamente va definito come il mutamento di una situazione giuridica o, in altre parole, come un fatto materiale in quanto vi si accompagna il mutamento di una situazione giuridica".

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posta a existncia, verificar se ele passa a produzir efeitos (plano da eficcia).

Sendo o negcio jurdico uma espcie de fato jurdico, tambm o seu exame pode ser feito nesses dois planos. Entretanto, e essa a grande peculiaridade do negcio jurdico, sendo ele um caso especial de fato jurdico, j que seus efeitos esto na dependncia dos efeitos que foram manifestados como queridos, o direito, para realizar essa atribuio, exige que a declarao tenha uma srie de requisitos, ou seja, exige que a declarao seja vlida. Eis a, pois, um plano para exame, peculiar ao negcio jurdico o plano da valida-de, a se interpor entre o plano da existncia e o plano da eficcia.

Plano da existncia, plano da validade e plano da eficcia so os trs planos nos quais a mente humana deve sucessivamente examinar o negcio jurdico, a fim de verificar se ele obtm plena realizao.

Se tomarmos, a ttulo de exemplo, um testamento, temos que, enquanto determinada pessoa apenas cogita de quais as disposies que gostaria de fazer para terem eficcia depois de sua morte, o testamento no existe; enquanto somente manifesta essa vontade, sem a declarar, conversando com amigos, parentes ou advogados, ou, mesmo, escrevendo em rascunho, na presena de muitas testemunhas, o que pretende que venha a ser sua ltima vontade, o testamento no existe. No momento, porm, em que a declarao se faz, isto , no momento em que a manifestao, dotada de forma e contedo, se caracteriza como declarao de vontade (isto , encerra em si no s uma forma e um contedo, como em qualquer manifestao, mas tambm as circunstncias negociais, que fazem com que aquele ato seja visto socialmente como destinado a produzir efeitos jurdicos), o testamento entra no plano da existncia; ele existe. Isso, porm, no significa que ele seja vlido. Para que o negcio tenha essa qualidade, a lei exige requisitos: por exemplo, que o testador esteja no pleno gozo de suas faculdades mentais, que as disposies feitas sejam lcitas, que a forma utilizada seja a prescrita. Por fim, ainda que estejam preenchidos os requisitos e o testamento, portanto, seja vlido, ele ainda no eficaz. Ser preciso, para a aquisio de sua eficcia (eficcia prpria), que o testador mantenha sua declarao, sem revogao, at morrer; somente a morte dar eficcia ao testamento,

projetando, ento, o negcio jurdico, at a limitado aos dois primeiros planos, no terceiro e ltimo ciclo de sua realizao.

O que acontece com o testamento, ocorre, com clareza mais ou menos idntica, em todos os negcios jurdicos. Todos eles somente atingem sua plena realizao aps passarem, sucessivamente, pelo plano da existncia, pelo da validade, e atingirem o da eficcia.

A doutrina alem, em sua generalidade, e, na sua esteira, muitos juristas italianos e alguns brasileiros e de outras nacionalidades vm, h muito tempo, falando em negcios inexistentes, negcios invlidos e negcios ineficazes, procurando caracterizar como no sinnimas essas expresses; todavia, no se tem conseguido fixar, com preciso, em que cada situao se distingue da outra. Talvez por causa dessa dificuldade, a doutrina francesa, em sua quase-totalida-de, e a maior parte dos autores de outras nacionalidades somente se refiram a negcios inexistentes e a negcios invlidos, ignorando os ineficazes (isso quando no preferem limitar-se categoria dos negcios invlidos, subdivididos em absolutamente nulos e relativamente nulos). Essa divergncia, essa aparente impossibilidade de se chegar a uma clara definio dos termos, tem levado toda a doutrina da famlia romano-germnica a considerar das mais difceis e intrincadas a teoria das nulidades. Sobre ela, pode-se dizer, sem blague, que o nico ponto em que todos esto de acordo que no h acordo a seu respeito.

A nosso ver, o aparentemente insolvel problema das nulidades est colocado de pernas para o ar. preciso, em primeiro lugar, estabelecer, com clareza, quando um negcio existe, quando, uma vez existente, vale, e quando, uma vez existente e vlido, ele passa a produzir efeitos. Feito isto, a inexistncia, a invalidade e a ineficcia surgiro e se imporo mente com a mesma inexorabilidade das dedues matemticas.

No presente captulo, procuraremos, pois, fixar a terminologia para os caracteres necessrios existncia, validade e eficcia do negcio jurdico ( l2); depois, trataremos separadamente dos elementos de existncia ( 22), dos requisitos de validade ( 32) e dos fatores de eficcia ( 4a); finalmente, retomaremos a questo, em termos globais, mas, sob o ngulo negativo, e falaremos da inexistncia, da invalidade e da ineficcia ( 5a).

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Elementos de existncia, requisitos de validade e fatores de eficcia

Tradicionalmente, distinguem-se, no negcio jurdico, determinados elementos, que so classificados em trs espcies: essenciais, naturais e acidentais. Usam-se mesmo as expresses latinas essentialia negotii, naturalia negotii e accidentalia negotii para caracteriz-los. Denominando-os "elementos constitutivos", assim os define Washington de Barros Monteiro39: "Os primeiros so os elementos essenciais, a estrutura do ato; que lhe formam a substncia e sem os quais o ato no existe. Numa compra e venda, por exemplo, os elementos essenciais so a coisa, o preo e o consentimento (res, pretium et consensus). Faltando um deles, o ato no existe. Os segundos {naturalia negotii) so as conseqncias que decorrem do prprio ato, sem que haja necessidade de expressa meno. Na mesma compra e venda, por exemplo, so elementos naturais, resultantes do prprio negcio, a obrigao que tem o vendedor de responder pelos vcios redibitrios (art. 1.101)39A e pelos riscos da evico (art. 1.107)39"8; a obrigao que tem o comprador de dar a garantia a que se refere o art. 1.092, 2a alnea39 c, caso lhe sobrevenha diminuio patrimonial, capaz de comprometer a prestao a seu cargo. Os ter-

ceiros (accidentalia negotii) so estipulaes que facultativamente se adicionam ao ato para modificar-lhe uma ou algumas de suas conseqncias naturais, como a condio, o termo e o modo, ou encargo (arts. 114, 123 e 128)39D, o prazo para entregar a coisa ou pagar o preo".

Entretanto, basta ter-se em mente que a categoria do negcio jurdico era estranha aos romanos, os quais, como diz Biondo Biondi40, somente conheceram atos tpicos, tendo cada um sua prpria estrutura e regime jurdico, para se concluir que as fontes romanas ou os intrpretes mais antigos, quando falavam em elementos essenciais, naturais ou acidentais, no podiam estar referindo-se a elementos do negcio jurdico (visto que no conheciam essa categoria); referiam-se, na verdade, a elementos de determinadas categorias de negcio. Segue-se da que no possvel, pura e simplesmente, transplantar esse esquema de classificao para o estudo do negcio jurdico.

Por causa disso, procuram os diversos autores fazer as indispensveis adaptaes. A esse respeito, h, porm, grandes divergncias. Washington de Barros Monteiro41, por exemplo, subdivide os elementos essenciais em gerais e particulares: "os primeiros so comuns a todos os atos, enquanto os segundos so peculiares a determinadas espcies". Silvio Rodrigues42, por sua vez, distingue elementos constitutivos e pressupostos de validade, e o faz nos seguintes termos: "O Cdigo Civil, em seu art. 82, menciona quais os pressupostos de validade do ato jurdico, determinando serem: a) a capacidade do agente; b) o objeto lcito; e c) a forma prescrita em lei. A doutrina, entretanto, distingue os elementos estruturais do negcio jurdico, isto , os elementos que constituem seu contedo, dos pressupostos ou requisitos de validade, que so os mencionados no alu-

39. Washington de Barros Monteiro, Curso de direito civil; parte geral, cit.,

p. 184.

39-A. No novo Cdigo Civil, o artigo equivalente o 441. 39-B. No novo Cdigo Civil, o artigo equivalente o 447. 39-C. No novo Cdigo Civil, o artigo equivalente o 477.

39-D. No novo Cdigo Civil, os artigos equivalentes so o 121, 131 e 136, respectivamente.

40.Biondo Biondi, Istituzioni di diritto romano, 4. ed., Milano, Giuffr, 1965,p. 176, 42.

41.Washington de Barros Monteiro, Curso de direito civil; parte geral, cit.,p. 185.

42.Silvio Rodrigues, Direito civil; parte geral, cit., v. 1, p. 147.

40.

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dido art. 82"42A. Moreira Alves43, afirma: "nos negcios jurdicos, distinguimos trs espcies de elementos: a) elementos essenciais; b) elementos naturais; e c) elementos acidentais. Em rigor, elementos essenciais so aqueles sem os quais o negcio jurdico no existe. A expresso elemento essencial , no entanto, as mais das vezes usada, no para exprimir os elementos essenciais existncia do negcio jurdico, mas para designar os elementos essenciais validade dele. Temos, portanto, elementos essenciais existncia e elementos essenciais validade do negcio jurdico. Existente , por exemplo, o negcio jurdico em que h manifestao de vontade obtida por dolo, pois o elemento essencial sua existncia (manifestao de vontade) est presente. Mas esse negcio jurdico no vlido, porque o elemento essencial sua validade a manifestao de vontade isenta de vcios (e o dolo, ao lado do erro e da coao, um dos trs vcios da vontade)".

Outros autores falam em "requisitos" como termo mais amplo que elementos: "aceitamos, como critrio de classificao, no o conceito de elementos, mas, por sua maior compreenso, o de requisito" (Vicente Ro)44.

Carnelutti seja-nos permitida essa ltima citao , em seu livro Teoria generale dei diritto, no qual tentou uma elaborao comum do ato jurdico, abrangendo tanto os atos lcitos quanto os ilcitos, tanto os atos jurdicos negociais quanto os no negociais, aps salientar que o ato jurdico no uma realidade, mas apenas "uno schema delia realt, ossia un'astrazione"45, ou, como j havia dito em outro lugar46, "uma caricatura da realidade" (por conter o ato jurdico apenas aqueles traos fundamentais, que so os necessrios e suficientes para os efeitos jurdicos), diz: "Requisitos do ato no

so, pois, todos os seus caracteres, mas somente aqueles que so juridicamente relevantes, ou seja, aqueles dos quais dependem os efeitos jurdicos: que, por exemplo, a subtrao de uma coisa seja realizada por um homem, ou por uma mulher, certamente um carter do ato, mas no um requisito, porque esse modo de ser indiferente para o efeito jurdico; pode, pelo contrrio, ser um carter relevante e, por isso, um requisito, a idade, uma vez que, se o autor da subtrao maior ou menor de certa idade, o efeito penal produz-se ou no, ou, ento, produz-se com intensidade maior ou menor"47. E, mais adiante, classifica os requisitos com as seguintes palavras: "No ponto a que chegamos, a classificao notavelmente mais simples do que a proposta nas edies precedentes. Ela est agora colocada sobre um sistema ternrio, segundo o qual se distinguem os pressupostos, os elementos e as circunstncias. Com a ressalva de esclarecer melhor cada um desses conceitos, em cada um dos captulos que se seguem, saliento aqui que a categoria central (elementos) compreende os modos de ser do ato em si, isolado, assim, da relao jurdica, que nele se desenvolve e de outros fatos a ele externos; por sua vez, a primeira categoria (pressupostos) toma o ato em relao com a relao jurdica da qual constitui o desenvolvimento; e a ltima (circunstncias), por sua vez, diz respeito aos modos de ser do ato em relao com o resto do mundo externo"48.

Todas essas citaes mostram como grande a indeciso da doutrina sobre uma questo to importante e fundamental na teoria do negcio jurdico.

Se, porm, tivermos em mente que o negcio jurdico deve ser examinado em trs planos sucessivos de projeo (existncia, validade e eficcia), que elementos, em seu sentido prprio, so, como diz o mesmo Carnelutti49, principia omnia rerum, ex quibus reliqua omnia componuntur et in quibus resolvuntur, portanto, que elemento

42-A. No novo Cdigo Civil, o dispositivo equivalente ao art. 82 o art. 104.

43.Jos Carlos Moreira Alves, Direito romano, 3. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1971, v. 1, p. 172, 110.

44.Vicente Ro, Ato jurdico, 1. ed., So Paulo, Max Limonad, 1961, p. 99.

45.Francesco Carnelutti, Teoria, cit., p. 229.

46.Francesco Carnelutti, Sistema dei diritto processuale civile, Padova,CEDAM, 1938, v. 2, p. 129, n. 440.

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47.Francesco Carnelutti, Teoria, cit., p. 230, traduo nossa.

48.Francesco Carnelutti, Teoria, cit., p. 253, traduo nossa.

Entre parntesis, acrescente-se que no foi apenas de uma edio para outra que Carnelutti fez modificaes na classificao, mas tambm, de uma obra para outra.

49.Francesco Carnelutti, Teoria, cit., p. 111.

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tudo aquilo de que algo mais complexo se compe (pense-se nos elementos simples, ou puros, da qumica), que, por outro lado", requisitos (de requirere, requerer, exigir) so condies, exigncias, que se devem satisfazer para preencher certos fins, e, finalmente, que fatores tudo que concorre para determinado resultado, sem propriamente dele fazer parte, temos que o negcio jurdico, examinado no plano da existncia, precisa de elementos, para existir; no plano da validade, de requisitos, para ser vlido; e, no plano da eficcia, de fatores de eficcia, para ser eficaz.

Elementos, requisitos e fatores de eficcia so respectivamente os caracteres de que necessita o negcio jurdico para existir, valer e ser eficaz. Passaremos a ver separada e sucessivamente cada um deles.

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Plano da existncia. Os elementos do negcio jurdico

Elemento do negcio jurdico tudo aquilo que compe sua existncia no campo do direito. Antes de classificarmos esses elementos, preciso considerar, em primeiro lugar, que a expresso negcio jurdico exprime uma abstrao; in concreto, o que h so negcios jurdicos particulares (por exemplo, a compra e venda realizada entre A e B). Em segundo lugar, devemos ter em mente que os negcios individualizados, se subirmos gradualmente na escala de abstrao, enquadram-se em categorias intermedirias cada vez mais genricas, at se atingir a categoria do negcio jurdico (por exemplo: da compra e venda realizada entre A e B passa-se compra e venda; da, ao contrato em geral; e, do contrato, finalmente, ao negcio jurdico). Ou, como diz Biondo Biondi50: "a noo de negcio jurdico uma fase de abstrao em matria de atos jurdicos. Da venda realizada entre A e B, entre C e D (figuras concretas), se sobe noo de compra e venda (primeira abstrao); considerando, depois, a compra e venda, a locao e outras figuras similares, se atinge uma segunda abstrao, que determina a noo de contrato; considerando, ainda, os contratos e os outros atos jurdicos, como, por exem-

50. Biondo Biondi, Istiluzioni, cit., p. 176.

O mesmo autor completa seu pensamento dizendo: "Logicamente si pu pro-cedere verso astrazioni ancora pi alte (atto giuridico, fatto giuridico sia pubblico che privato ecc): si formano cosi categorie sempre pi vaste, le quali naturalmente perdono di concretezza, a misura che si procede verso 1'astrazione; allora si tratta di vedere fino a qual punto tali astrazioni possano essere vantaggiose per Ia scienza giuridica, se non vuole essere scienza puramente astratta".

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plo, o testamento, o casamento, a aceitao de herana, se atinge uma ulterior abstrao, constituda precisamente pelo negcio jurdico".

Logo, ao estabelecermos a classificao dos elementos do negcio jurdico, precisamos ter uma noo clara sobre a que negcio nos estamos referindo: se categoria abstrata final, se a alguma categoria intermediria, ou se ao negcio particular. Pois bem, se elemento do negcio jurdico tudo aquilo que compe sua existncia no campo do direito, e se, nesses diversos graus de abstrao (deixando de lado o que est acima do negcio, isto , o ato e o fato jurdico), considerarmos, no pice, a categoria do negcio jurdico, e descermos pelas categorias intermedirias at o negcio jurdico concreto, torna-se claro que a primeira classificao lgica dos elementos h de ser gradual, isto , pelos graus de abstrao com que se vai do negcio jurdico, passa-se pelos tipos abaixo dele, e se atinge o negcio jurdico particular.

Assim, a classificao que fazemos dos elementos do negcio jurdico : a) elementos gerais, isto , comuns a todos os negcios; b) elementos categoriais, isto , prprios de cada tipo de negcio; c) elementos particulares, isto , aqueles que existem em um negcio determinado, sem serem comuns a todos os negcios ou a certos tipos de negcio.

Os elementos gerais so aqueles indispensveis existncia de todo e qualquer negcio. Quais so eles exatamente? A rigor, tomada a palavra elemento, em seu significado j definido, somente aquilo que efetivamente constitui o negcio que poderia ser considerado elemento, ou seja: a forma, que a declarao toma, isto , o tipo de manifestao que veste a declarao (escrita, oral, mmica, atravs do silncio etc), o objeto, isto , o seu contedo (as diversas clusulas de um contrato, as disposies testamentrias, o fim que se manifesta na prpria declarao etc.) e, finalmente, as circunstncias negociais, ou seja, o que fica da declarao de vontade, despida da forma e do objeto, isto , aquele quid, irredutvel expresso e ao contedo, que faz com que uma manifestao de vontade seja vista socialmente como destinada produo de efeitos jurdicos.

Todavia, embora somente esses trs sejam os elementos gerais intrnsecos, ou constitutivos, de todo e qualquer negcio jurdico, a

verdade que pelo menos mais trs elementos existem, que, no fazendo parte integrante do negcio, so, porm, indispensveis sua existncia; trata-se dos elementos comuns s categorias colocadas acima do negcio jurdico e que este, por nelas estar enquadrado, tambm possui. Assim, se o negcio jurdico uma espcie de ato jurdico, torna-se bvio que no h negcio sem um agente (do verbo agere, cujo particpio passado actum); e se o ato jurdico, por sua vez, espcie de fato jurdico, considerando que no h fato que no ocorra em determinado ponto do espao e em determinado momento, todo negcio jurdico tem tambm, indispensavelmente, lugar e tempo. Os elementos gerais extrnsecos, portanto, so trs: tempo, lugar e agente, dos quais os dois primeiros so comuns a todo fato jurdico e o ltimo, ao ato jurdico em sentido amplo. Esses elementos so no apenas extrnsecos, mas tambm elementos pressupostos, no sentido preciso de que existem antes de o negcio ser feito51.

Se o fato jurdico um fato do mundo real sobre o qual a norma jurdica incide, torna-se de intuitiva evidncia que no h fato jurdico sem data e sem lugar. O que tem confundido esse assunto a circunstncia de que no muito comum o legislador estabelecer um requisito para os elementos tempo e lugar do negcio jurdico; segue-se da que, na hiptese normativa do fato jurdico (isto , no seu "suporte ftico"), os elementos tempo e lugar ficam, em geral, apenas implcitos. Por outras palavras, se todo fato jurdico tem data e lugar, isso significa que ambos so elementos de todo fato jurdico (inclusive do negcio jurdico), ainda que raramente a eles se impo-nham requisitos. Entretanto, a importncia de ambos esses elemen-

51. Cf. Carnelutti {Teoria, cit., p. 236). Todavia, Carnelutti emprega o termo "pressuposto" como uma espcie de requisito, e no de elemento, da que enumera, por exemplo, entre os pressupostos, no o agente, mas sim a capacidade e a legitimidade do agente. Alm disso, no coloca o tempo e o lugar do fato jurdico entre os pressupostos, mas sim entre o que chama de "circunstncias"; na realidade, o tempo em geral e o espao so circunstncias, mas, a nosso ver, o tempo e o lugar do fato jurdico j no so propriamente circunstncias seno elementos do fato jurdico; alis, p. 307 da Teoria generale dei diritto, o prprio Carnelutti aproxima o que chama de "circunstncias" dos "pressupostos". Observamos, por fim, que, mais adiante, p. 308, Carnelutti diz tambm, como fizemos no texto, que o tempo e o lugar so extrnsecos ao ato jurdico.

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tos , ainda assim, no pequena; mesmo quando no h qualquer requisito a seu respeito, eles servem inegavelmente para a exata identificao do negcio; isto evidente diante do costume jurdico notrio de se datar e colocar o lugar de feitura em todos os documentos.

Quanto ao agente, cumpre dizer que ele em ato o que a pessoa em potncia. No aqui o lugar apropriado para se desenvolver a teoria das pessoas, mas a personalidade, do ponto de vista jurdico, justamente a possibilidade de agir no campo do direito, que a ordem jurdica atribui a certos entes. Por possibilidade de agir entende-se ( tautolgico) a possibilidade de praticar atos jurdicos (negociais ou no negociais). verdade que, em geral, define-se a personalidade, no direito brasileiro, como a aptido para adquirir direitos (ou para ser sujeito de direitos, ou para ser sujeito de relao jurdica)52; entretanto, essa definio peca por ser excessivamente ampla, j que h sujeitos de direito que no so pessoas, como o nascituro, entre os entes assemelhados s pessoas fsicas, e o condomnio em edificaes, as sociedades de fato, e a prpria famlia, entre os entes assemelhados s pessoas jurdicas. Pessoa, portanto, o ente que pode praticar atos jurdicos, e no propriamente o sujeito de direito.

Os elementos gerais, sintetizando o que foi dito neste pargrafo at aqui, so, pois, aqueles sem os quais nenhum negcio existe. Podem ser: a) intrnsecos (ou constitutivos): forma, objeto e circunstncias negociais; e b) extrnsecos (ou pressupostos): agente, lugar e tempo do negcio.

Sem os citados elementos gerais, qualquer negcio torna-se impensvel. Basta a falta de um deles para inexistir o negcio jurdico. Alis, precisando ainda mais: se faltarem os elementos tempo ou lugar, no h sequer fato jurdico; sem agente, poder haver fato, mas no ato jurdico; e, finalmente, sem circunstncias negociais, forma ou objeto, poder haver fato ou ato jurdico, mas no negcio jurdico. A falta de qualquer um desses elementos acarreta, pois, a

inexistncia do negcio, seja como negcio, seja at mesmo como ato ou fato jurdico; nesse sentido, so eles elementos necessrios e, se nos ativermos ao negcio jurdico como categoria geral, so tambm suficientes.

Se, porm, descermos na escala de abstrao, como indispensvel, j que um negcio jurdico determinado nunca existe in abstrato, e passarmos s diversas categorias de negcio, esses elementos gerais, sempre necessrios, j no sero suficientes. A eles se devero acrescentar os elementos prprios de cada categoria, isto , os elementos categoriais. Quais so esses elementos? So os que caracterizam a natureza jurdica de cada tipo de negcio. Os elementos categoriais so revelados pela anlise doutrinria da estrutura normativa de cada categoria de negcio. So exemplos de categorias de negcio: compra e venda, doao, depsito, comodato, mtuo, locao e os contratos em geral; distratos; casamento; pactos antenupciais; emancipao; reconhecimento de filho ilegtimo; adoes; testamentos; codicilos; aceitao e absteno de herana.

Os elementos categoriais no resultam da vontade das partes, mas, sim, da ordem jurdica, isto , da lei e do que, em torno desta, a doutrina e a jurisprudncia constrem. Na esteira dos juristas romanos e com base na idia de natura de cada tipo de negcio, a anlise revela duas espcies de elementos categoriais: os que servem para definir cada categoria de negcio e que, portanto, caracterizam sua essncia so os elementos categoriais essenciais ou inderrogveis; e os que, embora defluindo da natureza do negcio, podem ser afastados pela vontade da parte, ou das partes, sem que, por isso, o negcio mude de tipo, so os elementos categoriais naturais ou derrogveis51'.

So exemplos dos primeiros, no nosso direito atual: o consenso sobre coisa e preo, na compra e venda; a manifestao do animus donandi e o acordo sobre a transmisso de bens ou vantagens, na doao; o consenso sobre a entrega e a guarda de objeto mvel, no

52. Vide Augusto Teixeira de Freitas, Esboo, cit., art. 16. Clvis Bevilqua, Cdigo, cit., v. 1, p. 165, com. do art. 22.

Vicente Ro, O direito e a vida dos direitos, So Paulo, Max Limonad, 1952/1958, v. 2, p. 154.

53. Art. 1.135 do Cdigo Civil francs: "Les conventions obligent non seulement ce qui est exprime, mais encore toutes les suites que 1'quit, 1'usage, ou Ia loi donnent 1'obligation d'aprs sa nature".

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depsito54; o acordo sobre a entrega e o uso gratuito de coisa infungvel, no comodato; a declarao de comunidade de vida entre um homem e uma mulher com celebrao pela autoridade, no casamento; a disposio de bens para depois da morte, no testamento etc.55.

Se subirmos na escala de abstrao, verificaremos que as categorias mais altas tm tambm seus elementos categoriais essenciais. Assim, o acordo sobre o sinalagma gentico nos contratos onerosos (prestao e contraprestao, uma como causa da outra, por ocasio da formao do contrato); o acordo sobre o sinalagma funcional, nos contratos bilaterais (prestao e contraprestao, uma como causa da outra, no s na formao, mas tambm na execuo do contrato). Ou, ainda, a forma negocial, nos negcios abstratos, e a referncia causa, nos negcios causais.

So exemplos de elementos categoriais naturais: a responsabilidade pela evico, na compra e venda e nos contratos onerosos de disposio de bens; a responsabilidade pelos vcios redibitrios, nos contratos comutativos; a gratuidade, no depsito, no mtuo e no mandato etc. Tambm as categorias mais altas podem ter elementos categoriais naturais. Assim, a resoluo, ou a reviso judicial, por excessiva onerosidade (dita clusula rebus sic stantibus), quando o ordenamento jurdico a admite, nos contratos onerosos a trato suces-

54.A entrega da coisa nos contratos reais e causa pressuposta deles, mas, comoveremos adiante, a causa, quando pressuposta, no elemento do negcio, seno requisito de validade. A nosso ver, a efetiva entrega da coisa no faz parte, portanto, daexistncia dos "contratos reais", mas sim somente influi sobre sua validade.

55.A obrigao de segurana nos contratos de transporte elemento categorialinderrogvel, que, no direito brasileiro, no resulta da lei. Veja-se a Smula 161 doSupremo Tribunal Federal: "Em contrato de transporte inoperante a clusula deno indenizar". Tambm: TRANSPORTE Clusula restritiva de responsabilidade do transportador. "Clusula restritiva de responsabilidade considera-se no escrita" (STF, Ia T., RE 43.659-SP, rei. Min. Pedro Chaves, j. 5-9-1963, no conheceram, v. u., DJU, 10 out. 1963, p. 3419, smula). Como se percebe, trata-se de elemento categorial inderrogvel que no resulta da "lei", mas da doutrina e da jurisprudncia. De qualquer forma elemento inderrogvel, porque resulta doordenamento jurdico, do direito objetivo (idias mais amplas que a de lei), e no davontade das partes. Para o direito francs, sobre a obrigao de segurana, veja-seAlfred Rieg, Le role de Ia volont dans F acte juridique en droit civil franais etallemand, Paris, LGDJ, 1961, p. 246.

sivo ou com execuo diferida (art. 1.467 do CC italiano, por exemplo)56;