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UNESP UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara - SP LÍVIA MARIA TERRA NEGRO SUSPEITO, NEGRO BANDIDO: UM ESTUDO SOBRE O DISCURSO POLICIAL ARARAQUARA S.P. 2010

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UNESP UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”

Faculdade de Ciências e Letras

Campus de Araraquara - SP

LÍVIA MARIA TERRA

NEGRO SUSPEITO, NEGRO BANDIDO:

UM ESTUDO SOBRE O DISCURSO POLICIAL

ARARAQUARA – S.P.

2010

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LÍVIA MARIA TERRA

NNNEEEGGGRRROOO SSSUUUSSSPPPEEEIIITTTOOO,,, NNNEEEGGGRRROOO BBBAAANNNDDDIIIDDDOOO:::

UUUMMM EEESSSTTTUUUDDDOOO SSSOOOBBBRRREEE OOO DDDIIISSSCCCUUURRRSSSOOO

PPPOOOLLLIIICCCIIIAAALLL

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós Graduação em Sociologia da Faculdade de Ciências e Letras – Unesp/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Mestre em Sociologia. Exemplar apresentado para exame de defesa de dissertação.

Linha de pesquisa: Gênero, etnia e saúde

Orientador: Dagoberto José Fonseca

Bolsa: CAPES

ARARAQUARA – S.P.

2010

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TERRA, Lívia Maria

Negro Suspeito, negro bandido: um estudo sobre o discurso policial./ Lívia Maria Terra - 2010 f ; 30 cm

Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Letras, Campus de Araraquara

Orientador: Dagoberto José Fonseca

1 Suspeito. 2. Negro. 3 . Nina Rodrigues 4. Polícia Militar I.

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LÍVIA MARIA TERRA

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EEESSSTTTUUUDDDOOO SSSOOOBBBRRREEE OOO DDDIIISSSCCCUUURRRSSSOOO PPPOOOLLLIIICCCIIIAAALLL

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós em Sociologia da Faculdade de Ciências e Letras – UNESP/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Mestre em Sociologia. Exemplar apresentado para exame de defesa de dissertação.

Linha de pesquisa: Gênero, etnia e saúde

Orientador: Prof. Dr. Dagoberto José Fonseca

Bolsa: CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior)

Data da qualificação: 25/02/2010

MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA:

Presidente e Orientador: Prof. Dr. Dagoberto José Fonseca – UNESP - Araraquara

Membro Titular: Profa. Dra. Renata Medeiros Paoliello – UNESP - Araraquara

Membro Titular: Prof. Dr. Luís Antônio de Souza – UNESP - Marília

_____________________________________________________________________________________

Local: Universidade Estadual Paulista

Faculdade de Ciências e Letras

UNESP – Campus de Araraquara

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Ao Eric,

Pelo amor dedicado, pelas noites

compartilhadas e por ter me mostrado que eu

posso tudo que desejo.

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AGRADECIMENTOS

A minha mãe que dedicou muito mais do que poderia para que esse mestrado e essa dissertação se consolidassem na minha vida pessoal e profissional. Ao meu pai, que me ensinou a lição que nenhuma academia poderia: a humildade diante daqueles que também sonham, vivem e sofrem as mazelas e injustiças dessa sociedade. A minha avó, Ernestina Gasoni, em memória, que me balançava em seu avental e analfabeta, me ensinou a importância do conhecimento na vida. A meu avô, João Moda, em memória, que me chamava de “minha magrinha” e durante muitas dificuldades repartia o único ovo em seu prato. Sem a dedicação de vocês, hoje eu não estaria aqui. Obrigada mãe-vovó e pai-vovô. A minha avó paterna Cecília França Terra, pelas histórias humoradas da minha infância, histórias minhas, histórias daqueles que constituíam minha família, também parte de mim mesma. Ao meu avô Francisco Terra, que me ensinou que persistir em um objetivo significa lutar pelo que se anseia. Obrigada vó e vô, vocês sempre estarão comigo, no sangue e na memória do meu tempo. Ao Eric, meu amor, minha vida! Sem seu apoio, compreensão, dedicação, carinho, comentários, idéias, correções e amor nada disso seria possível e concreto em minha vida. Obrigada “Aurel”, pela vida que compartilhamos tão feliz e cheia de paixão. As amigas Flávia, Simone e Beatriz, pela amizade, parceria e acolhida. Aos amigos “Berto”, Renato, Thiago, pelas confidências, parcerias, conselhos especiais, e, sobretudo, por acreditarem que esse mestrado era possível só por que “é você Lívia”. Ao Prof. Dr. Dagoberto José Fonseca pelo exemplo, pelas conversas de orientação e pelo incentivo na minha vida profissional e acadêmica. Meu querido, sem você esse trabalho não se realizaria também. A Prof. Dr. Renata Medeiros Paoliello por acreditar na qualidade do meu trabalho desde a graduação quando minha orientadora. Obrigada pelos conselhos, pelas conversas amigas, pelo incentivo e pela relação de carinho que construímos. Ao Prof. Dr. Augusto Caccia Bava Junior pelos conselhos fundamentais que mudaram até meu jeito de escrever. Obrigada professor, sempre me lembrarei de suas palavras. Ao Prof. Dr. Ângelo Del Vecchio, pelas conversas, conselhos, incentivos e novas bibliografias. Ao Tenente Coronel Luís Carlos, do CAES, que abriu as portas para este estudo. À Tenente Rosemeire, que acompanhou o trajeto das entrevistas, e todos os Policiais Militares que contribuíram de alguma forma para a consolidação de todo esse material. A todos os amigos que aqui não são citados, mas que de alguma forma integram minha vida como pessoas especiais, pelas quais tenho muito amor.

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Eu já presenciei, sim, preconceito racial. Um dia eu fui com minha mãe e

mais um colega sacar um benefício do governo em uma agência bancária.

Nós estávamos no banco e todos os funcionários ficaram olhando pra gente,

parecia que a gente tinha feito algo errado. Eu acho que era porque eu e

meu colega éramos negros. O gerente do banco tinha pensado que meu

colega e eu iríamos roubar a agência.

Era dia 5, dia de pagamento, e o banco estava lotado de gente. Por

pensarem que iríamos roubar o banco, eles chamaram a polícia. Nos

tiraram de dentro da agência, nos revistaram na frente de todo mundo que

estava na rua.

Eles só não nos levaram presos porque a minha mãe estava lá perto. Antes

da minha mãe chegar, fomos humilhados e bateram na gente. Disseram que

preto não prestava e que era gente maldita, que todos os pretos tinham que

morrer...

M.P.S. // São Paulo – SP

Escolaridade: 1º Grau

Fundação Casa

(Racismo: São Paulo fala. Cartas selecionadas da campanha cultural 120

Anos de Abolição-Racismo: se você não fala, quem vai falar, 2008, p. 62).

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Resumo

Essa dissertação de mestrado: Negro Suspeito, Negro Bandido: um estudo sobre o discurso

policial pretende uma interpretação e uma analise do discurso policial militar no século XXI,

sobre a figura do “suspeito” e a conseqüente associação deste à figura do negro e mestiço - e

seus respectivos desdobramentos sociais, políticos e históricos - em relação a grupos étnico-

raciais marginalizados pela consolidação de pressupostos teóricos que surgiram em fins do

século XIX no Brasil, como o Darwinismo Social, o Evolucionismo e a Criminologia, em

especial nas contribuições de Raimundo Nina Rodrigues.

Valendo-nos de referências teórico-metodológicas da Sociologia e da História brasileiras,

daremos vozes aos discursos pessoais e consequentemente aos discursos institucionais, da

Polícia Militar, através da corporação da cidade de Araraquara, buscando evidenciar um

processo político, social, econômico, e por vezes cultural, que buscou até meados do século

XX, construir e justificar as supostas desigualdades humanas e a composição do Brasil.

Palavras - chave: Suspeito, Negro, Nina Rodrigues, Polícia Militar.

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Abstract

That dissertation, Suspect Black, Criminal Black: a study about police speech, intends an

interpretation of military police speech at the XXI century about the suspect’s figure - and its

respective social, politicians, historical unfolding – regarding to marginal ethnic-racial groups

through the theoretical estimate’s consolidation that had appeared at the end of the XIX

century in Brazil, in special at the Raimundo Nina Rodrigues contributions. We will

consequently give voices to the personal and to the instituted speeches being valid from

theoretical-method references of Brazilian History and Sociology, evidencing politician

process that searched since the XX century’s middle to construct and to justify the supposed

human inequalities.

Key-words: Suspect, Black, Raimundo Nina Rodrigues, Military Policy.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Ilustração 1 Revistas de Frenologia p. 27

Ilustração 2 Mensuração Antropométrica p. 44

Ilustração 3 Cesare Lombroso p. 53

Ilustração 4 Tipos Criminais Lombrosianos p. 54

Ilustração 5 Raimundo Nina Rodrigues p. 62

Ilustração 6 Silvio Romero e Tobias Barreto p. 67

Ilustração 7 O Mestiço, de Cândido Portinari p. 79

Ilustração 8 Brigadeiro Raphael Tobias de Aguiar p. 93

Ilustração 9 Corpo de Permanentes na Guerra do Paraguai p. 94

Ilustração 10 Brasão da Atual Polícia Militar de São Paulo p.102

Ilustração 11 Organograma da Corporação da Polícia Militar SP p.106

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 Percentual de Policiais do 13ºBPM/I Definidos pela Cor p. 121

Gráfico 2 Percentual de Renda Mensal Individual por Cor Auto-Atribuída p.135

Gráfico 3 Percentual de Escolaridade por Cor Auto-Atribuída p.135

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Tipos Raciais Classificados por R. Nina Rodrigues p. 74

Tabela 2 Mestiços Brasileiros por R. Nina Rodrigues e Subdivisões Específicas p. 74

Tabela 3 Distribuição Regional das Raças Por R. Nina Rodrigues em 1884 p. 75

Tabela 4 Distribuição das Funções Policias Conforme Atividade Econômica – Séculos XVI e XVII p. 91

Tabela 5 Aparelhos Policiais no Estado de São Paulo - 1831 a 1969 p . 95

Tabela 6 Relações de Leis e Decretos-Lei que tratam de assuntos competentes a Polícia Militar no Estado de São Paulo p. 99

Tabela 7 Designações de Hierarquia da Polícia Militar do Estado de São Paulo p.105

Tabela 8 Número de Policias Quanto a Cor Declarada em 2009 p.108

Tabela 9 Relação de Policiais Entrevistados p.111

Tabela 10 Cursos Oferecidos Pela Secretaria de Estado dos Negócios da Segurança Pública Através da Polícia Militar do Estado de São Paulo p.113

Tabela 11 Relação de Policiais Entrevistados e Curso de Formação Profissional em 2009 p.114

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LISTA DE ANEXOS

Anexo 1 Carta Ofício p.146

Anexo 2 Roteiro de Entrevista p. 147

Anexo 3 Personalidades Importantes na História e Constituição da Polícia Militar p.150

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Sumário

Introdução...........................................................................................................................p.15

Dando Vozes ao Discurso...................................................................................................p. 19

A Entrevista, o Método Qualitativo e a Análise do Discurso: a Estrutura da Interpretação..........................................................................................................................p. 20

1. O Pensamento social no Brasil: Uma Perspectiva Histórica........................................p.24

1.1 A “Periculosidade” Social: o Surgimento do Indivíduo Suspeito...................................p. 25

1.2. A importância da Geração de 1870 e os Homens de “Sciência”...................................p. 33

1.3. A Criminologia e outras miscelâneas intelectuais no Brasil do século XIX..................p.45

1.3.1. Miscelâneas intelectuais: século XVIII versus XIX...................................................p. 45

1.3.2. A Raça.........................................................................................................................p. 48

1.3.3.O Positivismo...............................................................................................................p. 51

O Positivismo no Brasil........................................................................................................p. 52

1.3.4. A Criminologia..........................................................................................................p. 53

1.3.4 A Criminologia no Brasil............................................................................................p. 56

II. A “Escola Nina Rodrigues”: Contribuições Teóricas e Metodológicas para a

Institucionalização do Racismo no Brasil........................................................................p. 63

1. A Importância de Nina Rodrigues....................................................................................p. 64

2. As Raças Humanas e a Responsabilidade Penal no Brasil...............................................p. 69

3. A Escola Nina Rodrigues e a Medicina Legal no Brasil...................................................p. 90

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III. A Força Pública em São Paulo: seus Primórdios.......................................................p.95

1. Origens do Aparelho Policial no Brasil............................................................................p. 96

2. O Corpo policial Permanente e o Serviço Policial Militar...............................................p.106

3. A Polícia Militar no Século XXI – Estruturas do Comando............................................p.114

IV. O 13º Batalhão da Polícia Militar do Estado de São Paulo: o Grupo Pesquisado.p.119

1. Composição do Grupo Pesquisado..................................................................................p.120

2. Do Processo às Entrevistas..............................................................................................p.122

3. Do Racismo Existente ao Racismo Negado.....................................................................p.132

4. Nina Rodrigues e o Discurso Policial: do Perigo do Negro ao Perigo do Pobre.............p.139

Considerações Finais..........................................................................................................p.159

Bibliografia.........................................................................................................................p.177

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INTRODUÇÃO

O interesse pelo tema dessa pesquisa consolidou-se, ainda, em nossos últimos anos de

graduação, especificamente, 2004 e 2005, quando realizamos um estudo sobre a produção da

desigualdade no discurso jurídico, a partir da incorporação das teorias raciais, nos fins do

século XIX, pelo sistema de direito brasileiro.

Naquele momento, percebemos como os grupos étnicos ganharam uma definição

marginalizadora, a qual remetia a uma imagem de irresponsabilidade criminal e de natureza

criminosa. As definições resultantes do aparato jurídico sobre as potencialidades criminosas

em determinadas raças e classes sociais possibilitaram, por exemplo, a especialização do

aparelho policial, a ampliação das detenções dos considerados suspeitos e, potencialmente,

perigosos, bem como dos institutos prisionais existentes no fim do século XIX e início do

século XX.

Assim, questionamo-nos sobre a difusão dessa perspectiva no meio jurídico-intelectual

e sobre o papel do aparelho policial no cumprimento do seu dever, ou seja, na manutenção da

ordem e da seguridade pública. Se considerarmos que a força policial cumpre, irrestritamente,

os desígnios provenientes do Estado Maior e do aparelho jurídico, podemos compreender

como a idéia de natureza criminosa inseriu-se ao meio policial.

É claro que, para tal constatação, precisamos considerar outros fatores de influência

como a emergência do positivismo dentre os oficiais do exército, a incorporação das teorias

raciais e eugênicas na literatura e, principalmente, as propagandas do governo republicano

sobre a necessidade de higienização da população, que resultaram nas campanhas de

vacinação e limpeza social dos centros urbanos (CHALHOUB, 1996; SEVCENKO, 1984).

Levando essas constatações em consideração, podemos afirmar que este estudo, ao ter

como questão fundamental a relação do aparelho policial, em especial a polícia militar, com o

grupo étnico negro, marginalizado por diversas teorias de fins do século XIX, preocupa-se

com o preconceito e a discriminação étnico-racial vigentes.

Dentre as correntes teóricas que estudam o negro na sociedade brasileira, há três que

se destacam, segundo Nogueira (2006). A primeira corresponde à corrente afro-brasileira

impulsionada pelos estudos de Nina Rodrigues (1976) e, posteriormente, de Artur Ramos

(1979). A segunda pode ser identificada a partir dos estudos que mostram a inserção do negro

na sociedade de classes, como os de Florestan Fernandes (1978). A terceira, e última, procura

desvendar as condições atuais das relações entre brancos e negros no Brasil. Assim, o trabalho

que aqui desenvolvemos filia-se a está última corrente, apresentada Nogueira (2006).

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Nos estudos comparativos entre Brasil e Estados Unidos, apresentados também por

Oracy Nogueira (2006), na revista de Sociologia da USP, Tempo Social, verifica-se a

existência de dois tipos de situações raciais. Se por um lado, no Brasil e nos Estados Unidos,

o preconceito contra o negro é evidentemente sentido de modo diverso, por outro, esse

preconceito também difere na sua forma de manifestação.

As manifestações do racismo foram divididas pelo autor em dois tipos particulares:

enquanto nos Estados Unidos há o chamado preconceito de origem, no Brasil vigora o que

denominou como preconceito de marca. Sendo assim, para Nogueira (2006, p. 292), o

preconceito racial constitui:

[...] uma disposição (ou atitude) desfavorável, culturalmente condicionada, em relação aos membros de uma população, os quais se têm como estigmatizados, seja devido à aparência, seja devido à toda ou parte da ascendência étnica que se lhes atribui ou reconhece.

E ainda acresce:

[...] quando o preconceito de raça se exerce em relação à aparência, isto é, quando toma por pretexto para as suas manifestações os traços físicos do indivíduo, a fisionomia, o sotaque, diz-se que é de marca; quando basta a suposição de que o indivíduo descende de certo grupo étnico para que sofra as conseqüências do preconceito, diz-se que é de origem.

Dessa forma, o estudo que aqui propomos nasce com objetivos bem traçados e

definidos. A hipótese apresentada por nós é que, mesmo abandonadas pela maioria da elite

intelectual, no decorrer do século XX, as teorias racialistas se enraizaram profundamente no

imaginário da população, de modo a permanecerem nos discursos correntes, do início do

século XXI, contribuindo, assim, para associações discriminatórias e preconceituosas que

focam a figura do negro brasileiro.

Além da referida hipótese, trabalhamos também com a possibilidade de que com as

transformações históricas ocorridas no século XX e que influíram na vida cotidiana, como a

promulgação da Constituição Cidadã em 1988 e a preocupação do Estado-Nacional em

reduzir a violência produzida por seus mecanismos de controle social, vigilância e combate à

criminalidade, surgiram, ainda, novos discursos no que tange a realidade do negro.

Assim, a intenção deste trabalho é inferir, a partir da análise do discurso, a

perpetuação e a utilização de determinados parâmetros de identificações policiais resultantes

do racismo científico no Brasil, em fins do século XIX.

Posto isto, as seguintes indagações se colocam frente ao pesquisador: em que medida

os policiais adotam sistemas de identificação marginalizadores e racistas no momento da

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abordagem policial? Estaria a polícia militar envolvida numa tradição excludente, originada,

ainda, em meados do século XIX e desenvolvida também por Nina Rodrigues? Ou, ainda,

quem são esses suspeitos para a polícia militar? Existe um sujeito suspeito? Qual é o discurso

policial quando se trata da identificação do suspeito na sociedade contemporânea?

Escolher este tema de pesquisa não apresentou um percurso tranquilo, principalmente

diante das respeitáveis publicações existentes no mundo acadêmico sobre o assunto, como as

de Boris Fausto (1983), de Silvia Ramos e Leonarda Musumeci (2005), de Paulo Sérgio

Pinheiro (1982), de Geová da Silva Barros (2008), etc. Mesmo diante de tais desafios, nos

dispusemos a mostrar a incorporação do racismo científico no pensamento social brasileiro, o

qual se apresenta na primeira parte deste trabalho, em especial, no primeiro capítulo.

Voltamo-nos, portanto, para a produção intelectual existente nos grandes centros de

irradiação de teorias e metodologias, a saber, Itália, França, Alemanha e os EUA dos séculos

XVIII e XIX, bem como para a utilização dos mesmos pressupostos no Brasil, a partir de

então, e que veio demonstrar a articulação de tais paradigmas em relação a luta pela

consolidação da nação brasileira, por intermédio de processos históricos como a abolição da

escravidão e a constituição republicana.

Em seguida, constituindo ainda a primeira parte deste trabalho, buscamos apresentar

as contribuições de Raimundo Nina Rodrigues, médico-legal e etnólogo, e que se apresenta

como um autor de especial destaque no processo de instrumentalização social do racismo e do

preconceito de cor no país.

Desse pensador da realidade nacional, procuramos visualizar, embasando-nos em suas

afirmações, a construção de uma tradição marginalizadora que se refere ao negro e ao mestiço

como sujeitos naturalmente criminosos e intrinsecamente suspeitos, sujeitos que carregariam

o gene e a moralidade do criminoso, constituindo, portanto, uma identidade bandida1

associada à cor da pele.

A importância de Nina Rodrigues, para nesse estudo, se mostra a partir da luta do

autor para a consolidação de seu pensamento não apenas no meio acadêmico, principalmente

dentro da Faculdade de Medicina da Bahia, mas em outros setores que atingiam diretamente

os grupos étnicos, como o direito, o código penal de 1890 e o próprio aparelho policial da

época.

1 TERRA, Lívia M. A Criminologia e a Ação Policial Militar no Brasil: ou como o "criminoso" se tornou um "criminoso". In: VII SEMANA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA, s.n., 2008, Araraquara. Anais eletrônicos. Araraquara, 2008, CD ROM. O conceito de “identidade bandida” será explicado em momento posterior, no capítulo II deste estudo.

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Nessa linha de raciocínio, apresentamos um terceiro capítulo sobre a constituição do

aparelho policial no país, em especial, do Estado de São Paulo. Apontamos, também, a sua

composição ideológica como ferramenta de manutenção do status quo, representando o poder

da classe dominante e intelectual até meados do século XX, quando o país assume uma forma

de governo militarizado.

Traçamos, assim, algumas transformações sofridas na estrutura militar do Estado de

São Paulo, na tentativa de demonstrar, brevemente, a ampliação da instituição bem como sua

hierarquia, estrutura e leis fundadoras. Nessa parte do trabalho, muito mais teórica do que

empírica, nos pautamos em autores como Alonso (2002), Alvarez (1996; 2002; 2005), Fausto

(1983), Foucault (1978; 2000a; 2000b), Rodrigues Fernandes (1972), Pinheiro (1992),

Monjardet (2003) e outros fundamentais para a discussão de um projeto nacional construído

sob bases excludentes e antidemocráticas e o papel das polícias nos seus desdobramentos

históricos e sociais.

Como o aparelho policial do Estado - em todas as suas vertentes (jurídica, política,

ideológica, e policial) - e os intelectuais foram utilizados como ferramentas de manutenção

para a consolidação dos interesses das classes dominantes (RODRIGUES FERNADES,

1972), verificou-se a necessidade de uma sistematização dos dados históricos, a qual

permitisse explorar algumas transformações sofridas pela força pública ao longo do tempo, de

modo a compreender sua atual desenvoltura.

O quarto capítulo aparece como o campo de pesquisa, no qual buscamos evidenciar a

constituição do grupo pesquisado, o discurso apresentado pelos policiais como indivíduos que

antecedem uma instituição e, também, como membros de uma corporação e

profissionalizados pela mesma.

Essa parte especial, não se deu apenas a partir de resgates bibliográficos, mas sim, por

intermédio de uma sólida parceria com os sujeitos da pesquisa e com a instituição policial

militar do Estado de São Paulo, principalmente por meio do 13º Batalhão da Polícia Militar

em Araraquara, que em muito contribuíram para clarificar o discurso policial sobre a

identificação do criminoso no século XXI.

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Dando Vozes ao Discurso: os procedimentos de pesquisa

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A Entrevista, o Método Qualitativo e a Análise do Discurso: a Estrutura da

Interpretação

O primeiro passo adotado para a realização desta pesquisa foi a construção de um

aporte teórico que nos permitisse tecer uma reflexão sistemática sobre a produção da

desigualdade étnico-racial, refletida em desigualdade social e em desigualdade jurídica-

política. Assim, evitamos um afastamento cronológico a fim de manter este estudo o mais

didático possível.

Dessa forma, reunimos autores consagrados e que já trataram, de algum modo, da

questão, para assim compreender o dinamismo do pensamento social no Brasil, ancorado,

sobretudo, nas transformações históricas que marcaram o fim do século XIX e início do

século XX. Para isso, foi necessário, portanto, uma retomada a partir da perspectiva histórica

das principais correntes teóricas que envolveram a consolidação do pensamento social e a

relação intrínseca estabelecida entre intelectuais e interesses político-econômicos.

A partir dessa lógica, que se estabelece entre a intelectualidade, a classe dominante e o

controle social, encontramos o papel do aparelho policial desde a sua formação, nos primeiros

séculos de colonização portuguesa, passando pelos séculos XIX e XX, com a transformação

da Força Pública, em Polícia Militar a serviço do poder militarizado, até os dias atuais, pós

Constituição Cidadã, em 1988.

No entanto, o desafio maior encontrado para essa pesquisa se fazia na interpretação do

discurso policial conforme a aplicabilidade das entrevistas ao grupo. Assim, devido à restrição

de determinadas graduações como Tenente Coronel e Major, do 13º Batalhão da Polícia

Militar do Interior (13ºBPM/I), impostas pelas funções administrativas e de comandos

realizadas pelos mesmos, e que, portanto, impossibilitaram o agendamento das entrevistas,

selecionamos o grupo de pesquisa a partir dos Capitães PM.

De acordo com a ordem hierárquica da Corporação Policial Militar, a graduação de

Capitão é a terceira maior após Tenente Coronel e Major, justificando, assim, nossa opção

pela graduação de Capitão. Além disso, a disponibilidade dos capitães para agendamento de

entrevistas é maior do que a dos portadores de graduações superiores.

Nosso objetivo pautou-se na dinâmica constituída por entrevistas realizadas com

policiais que apresentassem um significativo tempo de carreira e trabalho nas ruas. Era o

policial, então, que lida, diariamente, com situações de contato direto com a população e,

portanto, com todos os tipos de ocorrências, pessoas, graus de escolaridade, condições sociais

ou origem étnico-racial.

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Esse recorte, estabelecido a partir do tempo de carreira, nos possibilitou a

compreensão de dados importantes que apareceram ao longo deste estudo. Um deles

possibilitou a compreensão do comportamento policial através da chamada “cultura policial”,

originada somente a partir de determinado tempo de experiência profissional dos membros da

corporação nas ruas.

Para a interpretação das referidas entrevistas, consideramos as seguintes categorias:

cargo/função e idade/tempo de carreira, todos com mais de vinte e sete anos de idade,

desprezando a origem étnico-racial do entrevistado. A partir desse ponto, pretendíamos levar

em consideração uma expectativa de, no mínimo, sete anos de exercício da profissão nas ruas,

em detrimento de serviços realizados no interior administrativo da corporação.

É importante mencionarmos que, em geral, os policiais mais jovens não detêm muita

experiência profissional nas ruas e no contato direto com a população, sendo, em muitos

casos, designados para serviços técnicos e administrativos na corporação. Além disso, em

todas as visitas realizadas ao 13º BPM/I foram pouquíssimos os jovens policiais disponíveis

encontrados por nós.

A escolha dos entrevistados, portanto, se deu a partir da posição que ocupavam no

grupo pesquisado, de acordo com o objetivo da pesquisa e, principalmente, do significado de

sua experiência (HOLZMANN, 2002). A experiência de vida associada com a experiência

profissional do grupo selecionado nos forneceu a noção necessária de que o relato oral

proferido, por meio da entrevista, é resultado de um sujeito que, além de único, é também

moldado pela coletividade que integra. Nas palavras de Pereira Queiroz (1987, p. 283):

[...] o que existe de individual e único em uma pessoa excedido, em todos os seus aspectos, por uma infinidade de influências que nela se cruzam e às quais não pode por nenhum meio escapar, de ações que sobre ela se exercem e que lhe são inteiramente exteriores. Tudo isso constituiu o meio em que vive e pelo qual é moldado; finalmente sua personalidade, aparentemente peculiar, é o resultado da interação de suas especificidades, todo o seu ambiente, todas suas coletividades em que se insere.

Assim, utilizamos as entrevistas como um sistema de aquisição de informações

relevantes ao estudo proposto, uma vez que a entrevista “consiste num interrogatório direto do

informante ou pesquisado pelo pesquisador, durante uma conversa face a face” (NOGUEIRA,

1964, p. 111). Do mesmo modo, podemos atentar para o fato de que:

A situação em que se desenvolve a entrevista é, em si mesma, uma situação social em que o entrevistador e o entrevistado interagem, isto é, se

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influenciam um ao outro, não apenas através das palavras que pronunciam, mas também pela inflexão da voz, gestos, expressão fisionômica, modo de olhar, aparência e demais traços pessoais e manifestação de comportamentos (NOGUEIRA, 1964, p. 111).

Dito de outra maneira, o olhar na face do entrevistado permite, ao pesquisador,

perceber aquilo que não é dito e expresso em palavras, mas, sim, em gestos, posturas ou

constrangimentos não percebidos durante a exposição oral, mas sentidos através do

desconforto proporcionado pelo interrogatório.

Esse instrumento de pesquisa permitiu estabelecer um diálogo com os entrevistados à

medida que efetivávamos as visitas ao 13ºBPM/I e conquistávamos voluntários para a

entrevista.

Pode-se dizer que a entrevista é o instrumento por excelência e o mais constante usado pelos pesquisadores, quer no campo da Sociologia, quer no da Antropologia social, quer no da Etnologia ou no do Folclore. Além disso, a entrevista é usada, cotidianamente, como instrumento de trabalho, tanto pelos psiquiatras como pelos clínicos, pelos assistentes sociais, pelos agentes de venda, pelos selecionadores de candidatos a empregos, etc. (NOGUEIRA, 1964, p. 111).

Por tratar-se de uma instituição com atividades constantes no próprio dia-a-dia e a

consequente dificuldade no agendamento com policiais específicos, é importante

mencionarmos que ouvimos policiais que se encontravam no Batalhão nos momentos de

visita e que atendiam o recorte estabelecido pelo procedimento da pesquisa. Assim, todos os

entrevistados foram classificados no grupo de voluntários.

Entrevistamos um número correspondente a vinte e um policiais, sendo que treze

correspondem aos homens entrevistados e, oito, correspondem as mulheres entrevistadas. As

contribuições dos mesmos são interpretadas no quarto capítulo apresentado por este trabalho.

Esta pesquisa, em virtude do número de entrevistados, pode ser classificada a partir do

método qualitativo. Como o objetivo central era interpretar o discurso policial no século XXI,

dentro de uma instituição específica, a Polícia Militar, subordinada ao governo do Estado de

São Paulo, o método qualitativo nos pareceu suficiente para buscar o que nos propomos desde

o início. Em outras palavras, como objetivamos a análise de atitudes e valores presentes nos

policiais enquanto indivíduos e membros de uma instituição de caráter estatal, o método

qualitativo nos pareceu:

[...] capaz de descrever a complexidade de determinado problema, analisar a interação de certas variáveis, compreender e classificar processos dinâmicos vividos por grupos sociais [...] e possibilitar, em maior nível de

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profundidade, o entendimento das particularidades do comportamento dos indivíduos (RICHARDISON, 1985, p. 39).

Evidentemente, as formas simbólicas produzidas pelo conjunto de atitudes e valores dos

policiais militares resultam num discurso e em uma prática social própria. Assim, com bases

na corrente teórico-metodológica da hermenêutica, consideramos os sujeitos como seres

inseridos em uma tradição histórica, uma vez que são os indivíduos que asseguram a

transmissão de valores e significados às gerações futuras (GEERTZ, 1989).

A análise de conteúdo, juntamente com os subsídios da hermenêutica em outros pontos,

nos possibilitou perceber o potencial daquilo que estava escondido nas falas não ditas, não

aparentes e latentes no discurso policial (BARDIN, s/d.; FONSECA, 2000).

Segundo Bardin (s/d.), uma das funções da análise de conteúdo é chamada de

administração da prova. Em outras palavras, são hipóteses levantadas sob a forma de questões

ou de afirmações que servem de diretrizes a serem verificadas em busca de uma confirmação.

Assim, a análise de conteúdo se caracteriza a partir de uma descrição analítica realizada

através de procedimentos sistemáticos de descrição do conteúdo das mensagens contidas nos

discursos.

A primeira fase desta metodologia, portanto, consiste numa descrição densa (BARDIN,

s/d.; GEERTZ, 1989). A segunda etapa corresponde à inferência, ou seja, a percepção daquilo

que as mensagens podem ensinar a partir da descrição dos conteúdos. A terceira parte da

análise, por fim, consiste na interpretação, de modo a tornar os resultados brutos significativos

e válidos para a pesquisa.

O método qualitativo associado à análise de conteúdo e a realização de entrevistas no

13ºBPM/I, nos serviram de instrumentos no decorrer desta pesquisa; tanto nas formas de

catalogação dos entrevistados, como na interpretação do discurso policial no século XXI,

acerca da concepção e identificação do suspeito.

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1. O Pensamento Social no Brasil: uma Perspectiva Histórica

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1.1. A “Periculosidade” Social: o Surgimento do Indivíduo Suspeito

Michel Foucault já atentava, nos anos de 1970, para as práticas intelectuais presentes no

século XIX. Como nos mostra em “As verdades e as Formas Jurídicas” (1978) esse foi um

século em que produziram, além de novos domínios do saber, campos de estudo e de

investigação antes inexistentes, objetos de pesquisa diferenciados, conceitos e técnicas de

investigação e, sobretudo, novos sujeitos do conhecimento:

Meu objetivo será mostrar como as práticas sociais podem chegar a

engendrar domínios de saber que não somente fazem aparecer novos objetos, novos conceitos, novas técnicas, mas também fazem nascer formas totalmente novas de sujeitos e de sujeitos de conhecimento [...] Assim, gostaria particularmente de mostrar como se pode formar, no século XIX, um certo saber do homem, da individualidade, do indivíduo normal ou anormal, dentro ou fora da regra, saber este que, na verdade, nasceu das práticas sociais, do controle e da vigilância (FOUCAULT, 1978, p. 05-06).

Em outros termos, a “ciência” do século XIX produz uma nova forma de olhar para o

homem, substituindo as práticas de vigilância baseadas, principalmente, no modelo panóptico

voltado para um outro tipo de saber pautado, por sua vez, no bio-poder, no controle e

regulação da vida cotidiana dos sujeitos em suas relações em sociedade.

Criaram-se em diversos países da Europa, em meio a todas as reviravoltas tecnológicas,

proporcionadas pela Segunda Revolução Industrial, formas de análises e interpretações dos

sujeitos sociais que substituíram as práticas de inquérito e de investigação que prevaleciam na

Idade Média e que também vieram influenciar, mais tarde, o pensamento social existente nos

países sul-americanos.

É fato, nesse sentido, que o inquérito2 surge, ainda na Idade Média, como forma de

“pesquisa da verdade no interior da ordem jurídica” (FOUCAULT, 1978) e com o intuito de

saber quem fez o que, ou, ainda, em quais condições o ato criminoso foi realizado. Esses

complexos sistemas de investigação foram aplicados nos séculos seguintes aos diversos

campos da filosofia. Por conseguinte, essas novas técnicas, ou formas de investigação, foram

resignificadas e denominadas de “exame”, substituindo o antigo termo “inquérito”.

O exame, por sua vez, possibilitou a formação de novas disciplinas científicas, dentre elas,

a sociologia, a psicologia, a psicanálise, a psicopatologia e a criminologia ou antropologia

2 Para maiores esclarecimentos sobre as técnicas de investigação e procedimentos de punição individual existentes, anteriormente, ao século XIX, consultar as obras de FOUCAULT, M. Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes, 2002 e As verdades e as formas jurídicas. Pontifícia Universidade Católica do Rio de janeiro: Rio de Janeiro, 1978, 102p.

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criminal, esta sustentada, pelos estudos teóricos e práticos da Frenologia3 de Lombroso

(1887), muito difundida e ainda aceita no cenário intelectual brasileiro.

Ilustração 1. Revistas de Frenologia: à esquerda American Phrenological Journal (1848), à direita The Roots

(s/d.)4

A criminologia, segundo Amorim de Oliveira (2007, s/p.),

[...] é um conjunto de conceitos devidamente sistematizados que tratam da análise do perfil biopsicosocial do criminoso, do fenômeno do crime na sociedade, da participação da vítima no evento criminógeno e dos mecanismos de controle social atenuantes sobre a criminalidade.

3 A Frenologia é uma teoria que diz ser capaz de presumir o caráter, a personalidade e mesmo a criminalidade, a partir das formas apresentadas pela cabeça ou crânio. A teoria foi desenvolvida pelo médico alemão Franz Joseph Gall, por volta de 1800. Para muitos estudiosos, dentre os quais Paul Broca (SHWARCZ, 1993), fundador da “Sociedade Anthropológica de Paris”, anatomista e craniologista, além de defensor das teorias poligenistas, a mensuração da estrutura craniana possibilitaria uma avaliação da capacidade humana bem como uma análise sobre o comportamento dos indivíduos em sociedade. Broca afirmava que através do estudo sistemático de frenologias e dos crânios poder-se-ia constatar a diversidade humana, produto das diferenças na estrutura racial. A craniologia técnica, assim, permitiria uma construção de tipos raciais específicos, o que, segundo seus colegas da “Escola Craniológica Francesa” (Gall e Topinard), comprovaria a tese da “imutabilidade racial”. Os princípios da Frenologia também foram muito utilizados nos estudos antropométricos de Lombroso. No Brasil fizeram grande sucesso na Faculdade de Medicina da Bahia, principalmente com a figura de Nina Rodrigues e seus estudos práticos sobre o caráter da imputabilidade a jovens aprisionados. Sobre os aspectos gerais da Frenologia consultar: http://www.skepdic.com/brazil/frenologia.html. Para maiores esclarecimentos sobre os adeptos da Frenologia consultar: SCHWRCZ, Lilia Moritz. O Espetáculo das Raças. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. Sobre a aproximação da Frenologias aos estudos de Raimundo Nina Rodrigues, consultar: RODRIGUES, Raimundo Nina. As Raças Humanas e a Responsabilidade Penal no Brasil. Editora Guanabara, s/d. 4 Fonte: http://upload.wikimedia.org/ wikipedia/commons /thumb/7/7d/Phrenology-journal_clean.jpg/ 250px-Phrenology-journal_clean.jpg e http://i34.photobucket.com/albums/d138/nknowledge/The_Roots_Phrenology_ L.jpg.

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Como podemos inferir, pela atual definição, os próprios fundamentos que definem a

criminologia estão pautados nas elaborações presentes no século XIX, uma vez que, ainda

hoje, aparecem, em suas reflexões, a noção de “periculosidade”.

Segundo Foucault (1978), a noção de periculosidade, nascida em meados do século XIX,

pendia para uma avaliação do indivíduo conforme suas virtudes5, ou seja, seus aspectos

morais enquanto designativos de potencialidades criminais:

Assim, a grande noção da criminologia e da penalidade em fins do século XIX foi a escandalosa noção, em termos de teoria penal, de periculosidade. A noção de periculosidade significa que o indivíduo deve ser considerado, pela sociedade, pelo nível de suas virtualidades e não ao nível de seus atos; não em nível de suas infrações efetivas a uma lei efetiva, mas das virtualidades de comportamento que elas representam (FOUCAULT, 1978, p. 68).

Despontava-se, assim, a concepção de um indivíduo propriamente “suspeito” que

carregaria moral e biologicamente, o perigo social. Em outros termos, este sujeito traria em

seu código genético a potencialidade de uma conduta imprópria, criminosa e perigosa. Uma

degeneração que deveria ser controlada, vigiada, reprimida e, se possível, punida.

Com isso, a criminologia ou antropologia criminal6, associada ao direito criminal,

contribuiu para a constituição de uma penalidade que visava o controle e a reforma

psicológica e moral dos indivíduos considerados como desviantes.

Assim, é sobre a idéia de “normalidade” 7 social que recairá o discurso da criminologia ou

antropologia criminal:

5 A noção de virtude ou virtualidade, para Foucault, designa as qualidades morais (valores morais) existentes nos indivíduos. Assim, a moralidade corresponde aos aspectos de bondade, de maldade, de piedade, etc. e que são associados, por sua vez, aos graus de perigo individual, de normalidade e de sanidade mental e física. 6 A Criminologia é considerada como um conjunto de conhecimentos que se ocupa do crime, da criminalidade e de suas causas, bem como do controle social do ato criminoso e da personalidade do criminoso. A Criminologia, como veremos adiante, se origina com os estudos de Cesare Lombroso e a publicação de seus estudos sobre o criminoso nato. A disciplina é formada em conjunto com outras ciências como a biologia, a psicologia, o direito e a antropologia. Nesse contexto, também podemos considerar a Antropologia Criminal. Tal disciplina, do mesmo modo, é desenvolvida pelos estudos de Lombroso e se identifica com a Criminologia, sendo muitas vezes associada a mesma. No entanto, a Antropologia Criminal funciona mais como um ramo da Criminologia do que uma ciência plenamente independente. Nesse sentido, busca-se uma análise específica das condições psíquicas e biológicas do criminoso da mesma forma que se verificou que as condições externas (meio natural, climático e geográfico) resultaram no indivíduo uma reação hostil à situação social. A Antropologia Criminal, da mesma forma que a Criminologia, se ocupa do criminoso, tendo se desenvolvido tanto na Itália como nas Escolas de Craniologia Francesas. Assim, trataremos os dois termos como sinônimos e representantes de uma mesma categoria de ciência. Para informações sobre a criminologia consultar OLIVEIRA, Marcos Vinicius Amorim de. A utilidade da criminologia para o promotor de justiça. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1370, abr. 2007. Sobre a relação da antropologia criminal com Lombroso consultar: ALVAREZ, Marcos César. O homem delinqüente e o social naturalizado: apontamentos para uma história da criminologia no Brasil. Teoria e Pesquisa, n.47, jul./dez. 2005.

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A identidade real dos fenômenos vitais normais e patológicos, aparentemente tão diferentes e aos quais a experiência humana atribuiu valores opostos, tornou-se, durante o século XIX, uma espécie de dogma, cientificamente garantido, cuja extensão no campo da filosofia e da psicologia parecia determinada pela autoridade que os biólogos e médicos lhe reconheciam (CANGUILHEM, 2000, p. 23).

Isso posto e dentre as inúmeras teorias que emergiam na sociedade da época, o que

percebemos é um discurso regulado pela idéia de perversão moral, de degeneração social e

humana contida no código biológico dos indivíduos e transmitida hereditariamente.

À diversidade dos indivíduos era acrescido um estigma originado de classificações a partir

de características físicas e comportamentais dos seres humanos, fato, esse, que atribuía a uma

dada constituição biológica (como a cor da pele ou o tamanho do nariz) uma dimensão da

anormalidade e da criminalidade, e a dimensão de uma doença passível de diagnóstico e de

controle eminentemente social.

Tais teorias chegaram ao Brasil em meados do século XIX, sendo fortemente difundidas

pela corrente de intelectuais8 conhecida como geração de 1870 ou movimento de 1870. Dessa

geração, e das seguintes, faziam parte juristas e médicos como Luís Pereira Barreto, Silvio

Romero, Paulo Egydio de Oliveira Carvalho, Tobias Barreto, Clóvis Beviláquia, Raimundo

Nina Rodrigues e outros (ALONSO, 2002).

O momento político, no qual essas teorias surgiram no Brasil, constituía um período de

grandes transformações que alterariam, pelo menos superficialmente, a ordem das relações

humanas apresentadas até então (RODRIGUES FERNANDES, 1972). Isso porque, apesar da

independência política ocorrida em 1822, de fato não existiram alterações com verdadeira

significância sobre os mecanismos de dominação e exclusão social, que continuaram sob a

7 O exótico, o diferente, o externo era considerado como uma ameaça à sociedade, principalmente pela possibilidade de contatos físicos maiores e diretos com o mesmo. Seriam todos, como afirma Foucault (2002), a representação da anormalidade, indivíduos que não condiziam com os modelos padronizados da sociedade ocidental. 8 Entendemos, aqui, por intelectual o mesmo definido por Gramsci. Segundo Gramsci (1978b), o intelectual constitui toda massa social que exerce funções organizativas; tanto no sentido administrativo quanto no sentido da produção cultural. O intelectual gramsciniano é diferenciado, ainda, em intelectual orgânico e intelectual tradicional. O intelectual orgânico pode ser compreendido como aquele que integra a massa popular e leva a esta a conscientização do seu papel político, se misturando, portanto, ao povo. Esse pode ser um jornalista, um acadêmico, um cineasta, um escritor popular, etc. Já o intelectual tradicional é definido como aquele que se vincula às classes dominantes, tendo determinada autonomia com os interesses diretos das demais classes sociais. Os intelectuais tradicionais podem também compor a classe dos acadêmicos. Desse modo, o conceito de intelectual utilizado, por nós, neste estudo, corresponde aquele definido como intelectual tradicional, uma vez que os apresentados aqui se vinculam à classe dominante, exercendo um papel de organizadores e legitimadores da estrutura social e da produção cultural advinda de suas elaborações teóricas. Nesse sentido, os intelectuais são importantes enquanto produtores de conhecimento sobre o Estado, sobre as relações sociais, sobre os processos históricos, além de uma gama de outros estudos que garantem a manutenção e a legitimação da ordem social e da dominação.

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égide dos grandes proprietários e senhores de terra. Prevaleciam, assim, interesses como a

expansão da produção atrelada à circulação de mercadorias e a manutenção das relações

sociais de produção, pelo menos até 1888.

Caberia, portanto, aos domínios do Primeiro Império, a difícil tarefa de concretizar a

independência política sem alterar a estrutura social, preservando a unidade territorial sem

afetar o poder dos domínios-empresa; “revolucionar” a estrutura política sem alterar o status

quo (RODRIGUES FERNANDES, 1972).

Frente a essa nova conjectura social se desdobrava uma questão relevante. A elite nacional

(representada pelos grandes proprietários de terra e pela minoria de letrados, sobretudo,

brancos) enfrentava a manifestação, por seus indivíduos, de um sentido de medo em relação à

população negra. Conforme Roberto Ventura (1991, p. 46), “A escravidão passou a ser vista

como problemática e se falava, entre as camadas letradas, de um ‘perigo negro’, que traria

riscos à sobrevivência da civilização no Brasil”.

De acordo também com Alvarez (1996, p. 55), “[...] o medo das sublevações escravas está

presente no imaginário das elites ao longo do século XIX [...] afora casos excepcionais de

violência individual, os escravos representavam a grande ameaça no horizonte da ordem

social imperial” e, posteriormente, republicana.

O mal-estar se instalou em toda parte, principalmente no medo9 dos “brancos” diante dos

levantes escravos que marcavam a história social do Brasil imperial e, posteriormente,

republicano (AZEVEDO, 1987), bem como o medo do contato com doenças tropicais que

poderiam originar-se da mistura com raças consideradas como inferiores (RODRIGUES, s/d).

A Lei do Ventre Livre (1871), assim como o processo de abolição do sistema escravista,

(1888) e, posteriormente, a substituição do trabalho escravizado pelo assalariado, concedeu

uma nova configuração à realidade brasileira, desencadeando preocupações que antes se

exprimiam sob a ordem da chibata.

Como decorrência da Lei do Ventre Livre e a crescente urbanização, uma nova realidade

delineava-se às vistas da mesma intelectualidade: uma realidade que se queria como urbana,

semi-industrial, com indivíduos livres em busca de uma integração econômico-social maior

(FERNANDES, 2008) e com um número crescente de migrantes e imigrantes (SKIDMORE,

1976; ALVAREZ, 1996).

9 Sobre o medo sentido pelas populações brancas no Brasil, durante o Império e a República, referente aos negros e a suposta ameaça representada pelos mesmos, consultar: AZEVEDO, Célia Maria Marinho de. Onda negra, medo branco: o negro no imaginário das elites. Rio de janeiro: Paz e Terra, 1987.

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As taxas anuais de crescimento do período, estimadas por Greenfield, ficaram em média de

8,5% na cidade de São Paulo. Isto é, se em 1872 a população era de 26.000 habitantes, em

1900 era de 239.000 habitantes, chegando, em 1923, a 579.000 habitantes (GREENFILD,

1975). Como afirma Boris Fausto (1983), São Paulo de “burgo de estudantes” passa a

segunda maior cidade do país.

No entanto, apesar deste visível crescimento nos principais centros urbanos do país, o que

prevalecia, de acordo com Fausto (1983), era uma constante desconfiança sobre a capacidade

do trabalhador nacional, tanto do negro e do mestiço, como do branco. Desse modo, o

trabalhador nacional era considerado pela população local do período como andejo, fraco,

desordeiro e com incapacidade de aprendizagem, sendo, portanto, supostamente necessária a

incorporação do trabalhador estrangeiro na substituição do trabalhador escravizado e do

trabalhador nacional, que, progressivamente, perdia espaço, bem como no processo de

branqueamento da população brasileira exaltado por alguns intelectuais, como Silvio Romero

(ROMERO, 1910; VENTURA; 1991).

O apoio conferido à imigração do trabalhador estrangeiro, principalmente italianos e

alemães, apresentava não somente uma solução para suprir a defasagem de mão-de-obra na

produção desde a abolição, como também representava a expectativas de produzir no Brasil

um processo de branqueamento sobre a população negra (SKIDMORE, 1976; VENTURA,

1991).

Segundo Skidmore (1976), que reforça essa idéia, a política de imigração tinha outro

significado além de substituir o elemento nacional. Era vista, sobretudo, como aceleradora do

processo de evolução social do Brasil, o que refletia a idéia de que o país deveria aprimorar-se

eugenicamente.

Marcos César Alvarez também comenta sobre a transição do trabalho escravo para o

trabalho livre no país:

Esta transição ao trabalho livre no Brasil era ainda mais complexa, pois encontrava como obstáculo não apenas a superação do trabalho escravo, mas também a recusa da população livre em se submeter ao trabalho assalariado e a desconfiança das elites econômicas e políticas em relação à capacidade do trabalhador nacional. Após longos debates acerca das opções possíveis, a imigração em massa foi a saída encontrada [...] (ALVAREZ, 1996. p. 53).

A massa de trabalhadores imigrantes tanto nas lavouras, como, em especial, nas fábricas

existentes na época, associada à massa de negros libertos, passou a significar o principal

problema que a intelectualidade e a República enfrentariam a partir de 1889.

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Contudo, o medo maior se manifestava na necessidade de integrar o negro ao processo de

formação da Nação, da economia e da cidadania impostos pelos ideais republicanos. Assim,

um grande desafio se colocava aos intelectuais do período. Em outras palavras, o que ocorria

era a crescente necessidade de viabilização de uma integração social do negro

igualitariamente, ao mesmo tempo em que o considerava um sujeito jurídico-político desigual,

dada sua composição biológica e moral. O negro ocupava, nessa sociedade de classes,

juntamente com os indígenas, uma posição marginal, praticamente subumana.

De fato, a elite agroindustrial brasileira, que já passara por transformações de ordem

burguesa (FERNANDES, 2008), não sabia exatamente como proceder e o que esperar de uma

população que, até então, era mantida em cativeiro. Sem políticas efetivas de integração do

negro e com tantas idéias que surgiram neste contexto, o que restava era alimentar um

sentimento contínuo de desconfiança e buscar mecanismos de controle sobre a suposta

ameaça que tais indivíduos representariam à manutenção do status quo. Mecanismos que, em

geral, coincidiam com o poder de repressão policial e o poder de legalidade do judiciário.

Nessa mesma conjuntura constatar-se-á um aumento significativo da criminalidade que, ao

ganhar uma maior dimensão na vida cotidiana, acarretou uma preocupação comum tanto da

elite (agroindustrial) como da maioria dos pensadores sociais, que se empenharam na

explicação do fenômeno e no direcionamento da sua prevenção. Assim, duas grandes

modalidades de infração serão idealizadas como mecanismos de poder e repressão social. Em

um primeiro instante, os crimes que prescrevem de vítimas, seguidos das contravenções

penais ou crimes que não prescrevem de vítimas e que, em geral, são investidos contra a

propriedade privada.

Até mesmo os registros de prisões efetuadas no período revelam os sentimentos

alimentados pela população. Segundo Boris Fausto (1983), a diferença entre o número de

prisões realizadas e o número de pessoas realmente processadas pelo Estado revelam o

significado das prisões como um mecanismo eminentemente de controle social.

Conforme os dados levantados por Fausto, entre 1892 e 1916, dentre as 178.120 pessoas

detidas, 83% foram aprisionadas simplesmente para averiguação ou sob acusação de

contravenção penal; o que confirma a preocupação das elites em relação à normalidade social

e a manutenção do status quo. Como aponta, ainda, o pesquisador:

As figuras contravencionais, bem como as prisões para ‘averiguações’ revelam uma estrita preocupação com a ordem pública, aparentemente ameaçada por infratores das normas do trabalho, do bem viver, ou

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simplesmente pela indefinida figura dos ‘suspeitos’ (FAUSTO, 1983, p. 197).

Este conjunto de indivíduos, dentre os quais encontravam-se negros, desempregados,

aventureiros ou simplesmente a plebe urbana, constituíam os setores vistos, constantemente,

no período, como potencialmente perigosos. O que se verifica, a partir de então, é uma

crescente preocupação com a chamada vadiagem prescrita, no Código Penal de 1890, como

um crime passível de punição de acordo com a identificação pessoal ou as características do

indivíduo acusado sugeridas pelo agente policial. Tratava-se, portanto, da criminalização de

um comportamento ou condição pessoal com o intuito de reprimir indivíduos específicos

discriminados pela cor.

A queda da expressão “gatuno” com a consequente substituição do termo por “vadio” ou

“suspeito” associada ao aumento de prisões para averiguação, ilustra a questão (FAUSTO,

1983). O vadio ou suspeito ganha, a partir de então, uma aparência exclusiva: a cor negra da

pele. Segundo Boris Fausto:

No Código Penal de 1890, prevê-se apenas a punição de um certo tipo de ‘desordem’, assinalada à vadiagem através de uma identificação aparentemente estranha, levando-se em conta a distinção que foi feita. Trata-se no caso, de um claro exemplo de criminalização de um comportamento com o propósito de reprimir uma camada social específica, discriminada pela cor (1983, p. 199-200).

Além disso, a expressão vadiagem, presente nos relatórios policiais dos últimos anos do

século XIX, apresentava a idéia de “viveiro natural da delinquência”, fato que esconde duas

grandes preocupações da sociedade brasileira de então. Por um lado, a inquietação sobre o

crescimento do desemprego no período aumentava conforme crescia a expectativa de um país

moderno, industrial e voltado para o capitalismo; por outro, o preconceito com o trabalhador

nacional, tanto branco como negro, impedia o desenvolvimento do mesmo e sua possível

inserção no mercado consumidor.

Impedido de se estabelecer dentro da nova ordem econômica, este sujeito era enquadrado

como vadio, suspeito, criminoso e, naturalmente, delinquente. Também repousavam, sob a

terminologia de “desordeiros”, sujeitos heterogêneos que revelavam os conflitos sociais

vigentes na época. Descobrem-se, nesse ínterim, indivíduos como socialistas, grevistas,

feministas e outros que, de um modo ou de outro, se sentiam lesados em seus próprios direitos

(SILVA apud FAUSTO, 1983, p. 221). Assim, podemos afirmar que as estatísticas criminais

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não refletem a situação dos sujeitos na sociedade brasileira, mas, sim, a preocupação das elites

e os interesses daqueles que estão no poder (WEINSTEIN apud FAUSTO, 1983, p. 219).

É nesse contexto social e cultural que a elite letrada do período trabalha para consolidar a

idéia de Nação10 brasileira, de cultura e de identidade nacional (ORTIZ, 2003). O ideal acerca

da composição étnica e cultural da sociedade brasileira do mesmo modo que o ideal de

progresso e de emancipação econômica (ideários republicanos e de caráter liberal) resumem

as preocupações que ocuparam a intelectualidade que, por sua vez, se identificava com os

grupos dominantes tanto física como culturalmente (NOGUEIRA, 1981). Tal constatação

demonstra o motivo dos antagonismos sociais do Brasil estarem presentes na obra de autores

como Silvio Romero (1960; 1910), Clóvis Bevilaquia (1896), Tobias Barreto (2003) e outros,

que, apesar de toda a adversidade, contribuíram para consolidar o pensamento social no país e

impulsionar seu academicismo.

Em relação a esta última pontuação, verificou-se que mesmo com o ensino superior

praticamente inexistente até meados do século XIX e início do século XX, se desenvolveram

no Brasil alguns centros de conhecimento e formação acadêmica como a Faculdade de Direito

em Pernambuco e em São Paulo, a de Medicina e Farmácia no Rio de Janeiro e na Bahia, a de

Engenharia Militar no Rio de Janeiro, dentre outras, nas quais a produção intelectual emergiu,

significativamente, concentrando-se principalmente no Nordeste (Pernambuco e Bahia).

Assim, é fundamentalmente a partir do pensamento médico-legal, manifesto na Faculdade

de Direito do Recife e na Faculdade de Medicina da Bahia, que introduzirá os pressupostos

racialistas, consolidando uma tradição de cunho normatizador e que buscava, em poucas

palavras, justificar a condição e suposto atraso no qual se encontrava a sociedade brasileira.

Além desta preocupação com a constituição da nação e sua conseqüente construção de

identidade e progresso, os intelectuais também manifestavam preocupações com a violência

que crescia vertiginosamente. Segundo Nogueira:

O principal fator de receptividade às idéias sociológicas no Brasil, a partir de meados do século XIX, foi a perplexidade de uma elite letrada, preocupada com a identidade e o destino da sociedade nacional 11 (NOGUEIRA, 1981, p. 183).

10 Para maiores esclarecimentos sobre o conceito de Nação, consultar: ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexiones sobre el origem y la difusion del nacionalismo. México: Fundo de Cultura Económica, 1983. A nação brasileira, durante muito tempo, foi concebida com naturalidade originária em três pilastras raciais. Desse modo, a nação seria composta pela mistura de três elementos: o branco, o negro e o indígena. Sobre este aspecto ver CHAUÍ, Marilena. Brasil, mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Perseu Abrano, 2002. 11 Sobre este ponto ver ORTIZ, R. Cultura Brasileira e Identidade Nacional. São Paulo: Brasiliense, 2003.

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As pesquisas que se desenvolviam nesses centros acadêmicos expressavam as inquietações

do período. Temas como o progresso e o estágio de desenvolvimento da sociedade, a massa

de negros libertados como novos integrantes da ordem econômica, a imigração e a classe

operária, os crimes, suas causas e tratamentos e o convívio da diversidade, representada pela

idéia de raças12, aparecem como centrais na produção deste pensamento vinculado à medicina

e ao direito.

Esta apreensão sobre a construção da nacionalidade e de uma história que identificasse o

povo brasileiro, explicando seu caráter original por meio de uma identidade nacional (mesmo

no plano da língua, do meio e da mistura racial) e que justificasse os antagonismos e os

conflitos sociais, possibilitou a ascensão do pensamento social sob duas bases essenciais. Ou

seja, primeiramente sobre a idéia de meio e em seguida sobre a idéia de raça (ORTIZ, 2003).

As aspirações nacionalistas se uniram, a partir deste momento específico, às perspectivas

associadas ao caráter híbrido da população. Em outras palavras, as potencialidades de

miscigenação tanto para o “bem”, como queria Silvio Romero (1910), como para o “mal”,

como Nina Rodrigues (s/d.), que via no cruzamento entre raças “desiguais” um fator adicional

para a degeneração da espécie humana, constituíam categorias capazes de formar a nação

brasileira.

É, nesse sentido, que resgatamos, a partir deste ponto, as correntes que contribuíram para a

formação do pensamento social e sua difusão no território nacional, juntamente com a

estigmatização de determinados sujeitos incorporados à sociedade de modo violento.

12 A racialização no Ocidente, como veremos adiante, tem início ainda na Europa como uma tentativa de explicar novas relações sociais que apareciam no contexto do século XVIII e XIX. Nesta teoria descortina-se a idéia de que a humanidade seria cindida por inúmeras origens (não uma única origem, como queria os monogenistas e as doutrinas cristãs), fato que, consequentemente, explicaria as diferenças entre os homens e, sobretudo, a desigualdade existente entre os mesmos. Sobre a evolução deste conceito na Europa e em todo o Ocidente consultar a obra de BATON, M. A idéia de raça. Lisboa: Edições 70, 1977.

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1.2. A importância da Geração de 1870 e os Homens de “Sciência”

É fato conhecido afirmarmos que, antes da independência política do Brasil, a vida

acadêmica e intelectual era precária bem como a situação colonial apresentava-se

impossibilitada de despontar expressões que emoldurassem o pensamento social.

As primeiras manifestações de uma intelectualidade, da elaboração de textos acadêmicos e,

portanto, de um pensamento jurídico e social no país, dá-se em Minas Gerais, com os

inconfidentes. Nestas primeiras tentativas de demonstrações acadêmicas, o princípio jurídico

enfatizado (ou, ainda, o “valor” primordial sustentado pela justiça ou pelo sentimento de

justiça) já se encontrava no “valor” literal da conduta humana. Em outros termos, na moral ou

no comportamento dos indivíduos socializados em seu próprio meio, na sociedade.

A grande questão, deste modo, que emerge no século XVIII, será aquela relativa à

diferenciação entre o que constitui a moral e que norteia, por exemplo, os deveres e o que

constitui o verdadeiro direito, visto como princípio ético necessário para a convivência

humana. Essa fase corresponde a de predomínio do jusnaturalismo, cujo fundamento se

encontrava na premissa “o que não é justo, não parece lei” (MACHADO NETO, 1968).

Desses pensadores que caracterizam uma intelligentsia precursora ao pensamento social e

que se manifestam através da literatura e dos tratados de direito, podemos citar Cláudio

Manuel da Costa, Tomás Antonio Gonzaga, com sua obra intitulada Tratado de Direito

Natural (1769), além dos professores de Direito Natural, como Avelar Brotero e Pedro Autran

da Mata Alburquerque com sua Filosofia do Direito Público (1881).

O referido naturalismo proclama a luta entre razão e fé, filosofia e revelação. Assim, Deus

não é mais a sanção de todas as ordens e arbítrios como apresentado na ordem moral. A razão

e a lei, oriundas do naturalismo, se tornam as reguladoras da ordem social e do arbítrio

humano. Sobre isso, afirma Machado Neto (1968, p. 33):

Em termos estritamente lógicos, bastaria a lei natural para dirigir a conduta humana, mas, a fraqueza da razão humana e a influência das paixões por um lado e, por outro, o caráter geral e, pois, abstrato da lei natural, deixa muitas coisas indeterminadas quando às circunstâncias temporais, modais e espaciais, assim como a imperfeita sanção da lei natural determinam que ela precisa ser complementada pela lei humana.

Daí se conclui que a lei humana tem sua origem na lei natural e dela decorre, donde se segue que ‘nenhuma lei humana é verdadeira lei, senão quando procede da lei natural [...].

Outra corrente que marca a história das idéias jurídicas, precursoras do pensamento

social, é o jusnaturalismo ultramontano desenvolvido, principalmente, no sul do país. Essa

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vertente, representada por Sá e Benevides13, cuja obra mais expressiva é conhecida como

Elementos de Philosophia do Direito Privado (1884), combatia o “espírito moderno” que

proclamava a liberdade do indivíduo, da sociedade e do direito, obras, essas, consideradas do

próprio homem. Conforme Benevides:

A philosophia positivista, fundada por Auguste Comte, considera o homem como o desenvolvimento do animal bruto; desconhece a consciência humana, a razão e a liberdade do homem, não admite causas nem princípios absolutos; nega a existência de Deus e a do espírito humano (BENEVIDES, apud MACHADO NETO, 1968, p. 37).

Também o jusnaturalismo krausista fará parte da construção da história do pensamento

social brasileiro. Apresentado ao Brasil, por João Teodoro Xavier (1828 a 1878), através da

obra Teoria Transcendental do Direito (1876), o jusnaturalismo krausista recolhe as

contribuições das teorias harmônicas de Ahrens e Krause.

De fato, Krause e seu discípulo Ahrens ao combaterem os princípios de Hegel e Schelling,

concebiam uma sociedade, na qual os seres humanos em ação recíproca encontram, em Deus,

a unidade superior, revelando uma tendência infinita para o Bem:

A filosofia jurídica dessa concepção harmônica da realidade nos apresentará o direito como o conjunto de condições que fazem possível alcançar os fins de uma determinada coletividade – a humana (MACHADO NETO, 1968, p. 40).

Posteriormente a questão da Inconfidência Mineira, outro fator que possibilitou o

afloramento das idéias no país foi a transferência da corte portuguesa e do domínio

metropolitano, para o Brasil, em 1808.

A vinda de Dom João VI e sua instalação no Brasil inaugura a história da

institucionalização da ciência no país (SCHWARCZ, 1993). Assim, fundam-se, aqui, os

primeiros centros culturais, dentre os quais, a Imprensa Régia, o Real Horto e o Museu Real,

da mesma maneira que se institui uma primeira manifestação de “classe ilustrada”, ainda

muito vinculada, até a independência política em 1822, ao modelo metropolitano.

13 Benevides nasceu em 1833, em Campos e exerceu a profissão de professor substituto na Faculdade de Direito de São Paulo de 1865 a 1890, quando jubilou em consequência de sua não aceitação ao regime republicano instaurado um ano antes. Imprimiu, a sua atuação, um caráter radical reacionário que rejeitava quase tudo de novo nos séculos XVIII e XIX, tanto no campo das idéias como no campo das instituições (MACHADO NETO, 1969).

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Após a independência, os objetivos das classes dominantes não tiveram seus significados

profundamente alterados, pois correspondiam, ainda, à expansão da produção e da circulação

de mercadorias através da autonomia econômica e da manutenção das relações sociais de

produção, ou seja, da manutenção do trabalho escravo, como já mencionado. (RODRIGUES

FERNANDES, 1972).

Competia, ao Primeiro Império, a tarefa de concretizar a independência política e não

alterar a estrutura social vigente e a unidade territorial mantida sob os punhos e grilhões da

empresa agrícola, como quiseram, posteriormente, intelectuais da Geração de 1870 vinculados

ao Partido Conservador (Taunay, Carlos de Laet e João Alfredo). Nos termos de Heloisa

Rodrigues Fernandes (1972), revolucionar a estrutura política sem alterar o status quo

vigente.

Em meados do século XIX, com o Império sob os poderes de Dom Pedro I e o retorno de

Dom João a Portugal, o que fomenta a produção intelectual no país é a criação das Faculdades

de Direito, a primeira, em Olinda, sendo transferida, mais tarde, para o Recife, e a de São

Paulo. Estes novos institutos destinados ao saber e, também, ao poder são introduzidos no

país com o intuito de superar o ensino jesuítico que predominava até o momento e, sobretudo,

auxiliar na elaboração de “um código único” de ensino (SCHWARCZ, 1993) desagregado dos

valores e modelos coloniais, possibilitando, assim, a formação de uma elite intelectual

nacional e autônoma.

A própria fundação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1838), sediado no Rio

de Janeiro, diz Schwarcz (1993), surgia com intenção de promover a academia e a pesquisa

científica nacional, porém, apresentava-se, ainda, profundamente atrelada à oligarquia local e

dependente financeira e intelectualmente de um “monarca ilustrado” e centralizador.

Ainda no campo da institucionalização de áreas científicas promissoras para a realidade

nacional, temos, também, a criação do Instituto Manguinhos (Rio de Janeiro), dirigido pelo

médico sanitarista Oswaldo Cruz e destinado a combater problemas como o controle da febre

amarela e a encontrar medidas sanitaristas para os centros urbanos. Pretendia, a partir disso,

segregar a pobreza, diagnosticar a loucura, o crime e apresentar as supostas alternativas de

erradicação para tais problemas (SCHWARCZ, 1993).

Esse primeiro grupo de intelectuais, que predominam até quase o final do século XIX,

tinha como formação o bacharelado, ou, mais especificamente, a formação em Direito. Tais

intelectuais foram comumente chamados de Geração 1870.

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Ao estudar a Geração 1870, percebemos suas contribuições intelectuais e, sobretudo, sua

importância enquanto agentes engajados na transformação histórica e na construção de um

projeto nacional. Como nos mostra Ângela Alonso (2002, p. 22):

O movimento tanto compõe uma dimensão das obras de ‘interpretação do Brasil’, como as de Faoro (1976); Sergio Buarque de Holanda (1990; 1972) e Florestan Fernandes (1975), amalgamado às explicações de formação do estado e da sociedade nacionais [...] Os estudos que incidem diretamente sobre o tema podem ser agrupados em duas grandes vertentes: uma, perspectiva cognitiva, considera o movimento do ponto de vista da capacidade de gerar teorias sociais, situando-o no plano da história das idéias; outra, prática, caracteriza o movimento como produtor de ideologia modernizadora para novos grupos sociais, particularmente uma nova classe média.

Embasando-nos nas reflexões da autora, o que pretendemos é demonstrar a importância da

Geração de 1870 não apenas como um grupo de intelectuais, nem como os precursores de um

movimento de idéias encabeçadas pelos mesmos, mas, sim, como indivíduos que se

constituíam como agentes sociais engajados na vida política e que, de modo seletivo e

específico, buscavam um conjunto de referências que poderiam interpretar a realidade

nacional à luz de grandes paradigmas.

Para alguns autores, como Faoro (1976), a Geração de 1870 pode ser dividida em correntes

doutrinárias que buscam enaltecer modelos europeus sem considerar a realidade nacional.

Estas seriam simplesmente escolas ou movimentos de idéias agrupados por meio de “obras

filosóficas”. A “Escola do Recife”, o “positivismo” e o “liberalismo doutrinário” sustentariam

a hipótese de que tal geração tinha como objetivo principal “a criação de uma filosofia e uma

ciência nacional, e a sua institucionalização acadêmica” (ALONSO, 2002).

Não pretendemos, aqui, levantar juízos de valor acerca dos estudos sobre a Geração de

1870, mas, sim, enfatizar a sua importância enquanto um movimento que contribuiu para a

consolidação do pensamento social e para a tradução de diversas teorias que se enviesaram no

discurso social brasileiro, ocasionando uma marginalização de setores populacionais

específicos, como a população negra e mestiça.

Com toda a ausência de uma vida intelectual autônoma no Brasil, é significativo que a

incorporação de pressupostos estrangeiros fosse, além de uma manifestação política, uma

manifestação da insatisfação de alguns com relação aos rumos conferidos à nação pelo

Império. Como quer Alonso (2002, p. 41), “movimentos intelectuais são uma modalidade de

movimento social” e, acrescentaríamos, uma modalidade de movimento político.

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O contexto de surgimento da Geração de 1870 consistia em um momento de mudanças

estruturais; sobretudo na ordem e nas relações de poderes: os fundamentos coloniais da

formação brasileira, o patrimonialismo presente na estrutura do Estado e o regime de trabalho

baseado no escravismo que, associados, dão contornos ao nascimento desta geração:

Do processo político das últimas décadas do Império, três dimensões são relevantes para entender a formação do movimento intelectual da geração 1870. Primeiro, a configuração de um dilema intra-elite: a percepção da necessidade de reformas essenciais na organização da economia e do sistema político e o temor de abalar as instituições políticas e a ordem social abriram uma crise que desestabilizou o precário equilíbrio entre as facções da elite imperial e enfraqueceu o regime monárquico. Segundo, os recursos materiais, políticos e simbólicos de todos os grupos sociais foram afetados tanto pela crise política quanto por uma modernização conservadora, gerando simultaneamente descontentamentos e possibilidades de expressá-los [...] Terceiro, a combinação entre mudança social e crise política forçou a explicitação das assunções tácitas do universo cultural do Império no debate público, gerando ‘clarificação’ [...] (ALONSO, 2002, p. 42).

Os membros14 da Geração de 1870 eram muito heterogêneos, em geral, constituíam-se por

militares, burgueses, médicos, profissionais liberais e, até mesmo, advindos da classe

senhorial, como Pereira Barreto. Com a crise do Império, a abertura política conferida para as

novas classes sociais possibilitaram a emergência do grupo, enquanto contestadores, mesmo

possuindo alas conservadoras dentro do movimento.

Assim, podemos afirmar que a estratificação social desta geração no período imperial é,

expressamente, marcada por singularidades, as quais dividem uma mesma classe em várias

hierarquias. Segundo Alonso (2002, p. 99):

O sistema de distribuição de posição de prestígio e de poder produzia critérios de diferenciação social não só entre as camadas sociais, mas também regras de distinção internas a cada uma delas. Assim, não havia igualdade plena nem mesmo entre os membros do estamento superior: as relações sociais, o acesso a prebendas e privilégios os individualizava, prescrevendo-lhes posições quase singulares.

Quando nos referimos à abertura política, o contexto de surgimento da Geração de 1870

pressupõe algumas transformações nas redes de sociabilidade e, sobretudo, na acessibilidade

14 Grande parte da literatura sobre a geração 1870 insiste em agrupá-la em um determinado grupo social, algo que aqui também fazemos, concentrando-a em praticamente um mesmo grupo, composto por uma elite econômica e privilegiada em termos educacionais.

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de informações. A desestabilização da ordem saquarema,15 resultante da cisão política e da

tentativa frustrada de modernização conservadora, gerou um corpo de condições capazes de

representar para o cenário nacional, diversas manifestações intelectuais.

Dito de outra forma, as alterações com o fim do tráfico negreiro e a progressiva

constituição de atividades urbanas intensificadas pelas reformas de Rio Branco produziram

um espaço público diferenciado. Por conseguinte, as formas de manifestação da opinião se

alteraram, já que se democratizaram as publicações de livros e jornais, ao mesmo tempo em

que se ampliaram o acesso à educação superior, além dos limites senhoriais.

Apesar das referidas mudanças, é preciso considerar que esses intelectuais compunham

classes não subalternas e, expressamente, privilegiadas, cujos filhos mantinham alto nível de

escolaridade ao terem frequentado as faculdades imperiais. Além disso, eram membros tanto

da velha oligarquia quanto da nova, alimentando-se, portanto, de ambas.

A vida letrada, assim como a vida política no Brasil, nunca atingiu setores significativos e

amplos da sociedade. Durante quase toda a história do Império, Oracy Nogueira (1981) nos

revela que a população alfabetizada não chegava a 20%. Os formados em cursos superiores

não atingiam 2% deste contingente e, ainda assim, representavam as vozes políticas que

interferiam e consolidavam os interesses. Representavam, desse modo, a classe dominante da

qual faziam parte. Do ponto de vista étnico, afirma Nogueira (1981, p. 184), “[...] o referido

estamento era o dos ‘brancos’, isto é, os dos descendentes diretos de antigos colonizadores e

dos menos marcados pela mestiçagem como o negro africano e o indígena”.

Como era de se pressupor, os padrões intelectuais eram marcados, principalmente, pelo

academicismo e pela tradição “bacharelesca”, profundamente caracterizada por uma

significativa carga de leitura (todas de cunho eurocêntrico, acompanhando os modismos

relativos ao período) e pela valorização de citações estrangeiras em detrimento de

contribuições originais e novas.

15 Segundo Gambi (2009), os saquaremas são identificados como membros do partido conservador, que exerciam

através do Estado uma direção intelectual e moral que era refletida em um projeto político hegemônico, mediado pelos princípios de ordem e civilização. Os dirigentes saquaremas buscavam consolidar a construção de um Estado capaz de manter o funcionamento da economia mercantil associado à economia escravista e os privilégios da classe senhorial. Na prática isso significava a centralização do poder na figura do imperador, a defesa da ordem e da civilização em prol da classe senhorial, bem como o controle monetário nas mãos de uma instituição financeira privada. Assim, os saquaremas objetivavam a consolidação de uma moeda forte, sinônimo de desenvolvimento para uma sociedade que se pretendia civilizada, ao mesmo tempo em que buscavam a manutenção de um sistema econômico fundamentado na escravidão. Em outras palavras, uma geração de líderes que buscavam uma “modernização conservadora” (ALONSO, 2002), uma vez que objetivava a inserção em uma ordem financeira liberal sustentada pelo regime escravista.

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Desponta, do ponto de vista literário, uma geração de escritores que supera o modelo

romântico ao estilo da belle époque, valorizando o modo de vida burguês e condenando os

princípios que fariam do Brasil um país atrasado. Em suma, um verdadeiro conhecimento

baseado no enciclopedismo. Segundo Nogueira (1981, p. 184):

Culturalmente [...] o estamento dominante era eurocêntrico, estando constantemente atento para a Europa [...] França, Inglaterra e Alemanha – como área de irradiação de modelos de etiqueta, moda, padrões de comportamento e organização política, literatura, ciência e manifestações culturais em geral.

Um dos primeiros a incorporar em seus diagnósticos sociais, a filosofia positivista, foi Luis

Pereira Barreto. A contribuição deste autor, que será lembrada ainda neste trabalho, seria

extremamente considerada, em fins do século XIX, mesmo por autores que, depois de

passarem pelo positivismo, aderiram ao evolucionismo de Darwin, Haeckel e Spencer, como é

o caso de Silvio Romero.

A lei dos três estados, presente no evolucionismo, sobre a consciência humana e o estado

de desenvolvimento das sociedades humanas, a classificação das ciências correspondente ao

mesmo desenvolvimento da consciência e da sociedade e a valorização da educação como

meio de atingir o progresso social e econômico, integraram o escopo desta “Ilustração

Brasileira” que decorre de 1870 a 1914.

O positivismo presente na geração de 1870 permitia diagnosticar o presente e prognosticar

o futuro das instituições e da sociedade brasileira. Desse modo: “[...] a geração de 1870

procurou intervir nas transformações históricas que resultaram na abolição da escravidão e na

proclamação da república, trazendo o despontar de uma sociedade urbana de tipo moderno”

(VENTURA, 1991, p.72).

O Movimento de 1870, cuja data de constituição, segundo Celdon Fritzen (2005), é

sintomática, pois coincide com a fundação do Partido Republicano, foi marcado pelas

constantes incorporações de pressupostos de origem européia. Não apenas o positivismo

como outras interpretações da realidade, além das lutas intelectuais por hegemonia16

acadêmica, fazem parte da realidade dessa geração.

16 O conceito de hegemonia é utilizado, aqui, no mesmo sentido aplicado por Gramsci. A hegemonia é entendida,

por Gramsci (1978a), como direção e domínio assumidos por uma determinada classe através da persuasão e do consenso, atuando sobre a política, a economia e, principalmente, sobre a forma de pensar, sobre as formas ideológicas e a maneira de conceber certas relações. A hegemonia tem a capacidade de unificar a partir da ideologia, mantendo coeso o grupo social.

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Esses intelectuais enfatizavam, em especial, a necessidade de “reformar”, “regenerar” e

“civilizar” a sociedade brasileira bem como sua população. Refletindo aspectos que

emolduravam a sociedade e recortando temas já mencionados, além da própria constituição da

democracia, os letrados buscavam reformar e alçar o país a uma condição de progresso.

Contudo, um dos principais desencantos e uma possível frustração sofrida pela geração de

1870 foi, inquestionavelmente, o modelo republicano adotado no país com o fim do Império

(HERSCHMANN e PEREIRA, 1994).

Como apoio ao questionamento sobre a ordem Imperial, os intelectuais se ancoravam em

princípios republicanos, nos quais é possível perceber a busca por autonomia provincial,

como expressado no Manifesto Republicano de 1872 ou a descentralização administrativa,

através de uma federação republicana, como aparece nos objetivos do PRP,17 de 1873 a 1937.

Com o fim do Império e o advento da República preteriram-se esses objetivos em

detrimento do desenvolvimentismo norte-americano (MACHADO NETO, 1969), o que

significava abandonar as perspectivas de constituição de uma nação voltada para a

representatividade popular e para a descentralização do poder administrativo e da constituição

da cidadania, por uma constituição voltada para o desenvolvimento econômico da sociedade.

A geração de 1870, apesar de muito contribuir para a fundamentação do pensamento social

brasileiro, foi, paulatinamente, substituída por uma geração de cientistas que desprezavam o

bacharelismo, encontrando, na sociedade da época, as condições para seu desenvolvimento.

Neste contexto, o papel do positivismo como doutrina ou método é de extrema

importância, possibilitando-nos ressaltar que:

A proposta positivista que teve maior difusão e força neste período foi aquela representada pelas idéias de Auguste Comte. Mesmo quando tratava da revolução, o positivismo não abandonava o pilar da ordem que se projetava para o futuro. Em outras palavras, as narrativas ou discursos atemporais que marcaram o romantismo no Brasil até 1870 são substituídos pelos discursos dos especialistas/cientistas que passam a promover uma perspectiva cronológica, a constituição de uma nova linguagem moral e política de justificação do poder (HERSCHMANN e PEREIRA, 1994, p.25).

Nesse sentido, os positivistas nacionais (intelectuais, militares e outros) queriam delegar ao

Estado a administração dos interesses públicos e da organização social. Acreditavam que a

nação almejada só poderia ser personificada através da consolidação de um estado moderno,

17 Partido Republicano Paulista.

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respaldado por uma espécie de racionalidade que, por sua vez, respondesse às transformações

que estavam se desenrolando, desde o fim do século XVIII e início do século XIX.

Desta maneira, a constituição dessa nova “ciência”, demandada por razões históricas,

contribuiu para a consolidação de uma visão marginalizadora sobre alguns grupos sociais; no

caso, os negros e, sobretudo, possibilitou a criação de novos argumentos que organizaram o

pensamento e moldaram o imaginário acerca do criminoso ou do indivíduo suspeito. A estes,

se agregava uma verdadeira identidade física, associada ao banditismo.

As alterações sociais e políticas colocavam, portanto, para essa geração de intelectuais, a

eminente renovação das perspectivas teóricas e ideológicas que nortearam todas as camadas

sociais do Brasil, difundindo-se em quase todo o território nacional.

Desse modo, podemos compreender o fato de que durante as últimas décadas do século

XIX, algumas idéias foram importadas da Europa e incorporadas ao pensamento jurídico-

militar, dentre as quais citamos, aqui, o positivismo de Comte, o darwinismo social, o

monismo evolucionista e, em particular, a Antropologia Criminal ou Criminologia,

sustentando explicações acerca de fenômenos sociais.

Assim, os diferentes impasses que se verificavam na ordem social, institucional e

acadêmica esboçavam tentativas de criar a nova nação brasileira, liberta das amarras

imperiais. A década de 1870, como ressalta Schwarcz (1993), constitui uma década de

inovação nas idéias, o começo de uma “nova era”. E é sob este contexto que se dá o embate

entre os homens de “sciência” e os homens de letras (ou literatos).

Simplificando, a geração de 1870, a qual contribuiu para a introdução dos modismos

científicos no Brasil, por meio principalmente da literatura, paulatinamente, foi substituída

pelos menos bacharelescos. Homens, em geral, com formação em médico-sanitarista,

ganharam, progressivamente, maior credibilidade para tratar de assuntos competentes à

sociologia, fazendo desta disciplina uma miscelânea de teorias tanto sociais como naturalistas.

Misturavam, é fato, Emile Durkheim e Hugo Vries, com suas teorias acerca da mutação e

do desenvolvimento da psique humana, produzindo uma cientificidade difusa e

indiscriminada (SCHWARCZ, 1993). “Ocorria, portanto, um embate não apenas político

como também intelectual, no qual a nova geração opunha-se à anterior por recurso à ciência

que passava, então, a servir como discurso legitimador da contra-elite” (ALONSO, 1995, p.

03).

Estavam desembarcando, no Brasil, o positivismo, o evolucionismo, o darwinismo social e

as teorias raciais, todas com o intuito de demonstrar a inviabilidade do liberalismo na

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definição do futuro da nação brasileira, supostamente atrasada pela mistura racial que se dava

em seu território, sem controles efetivos.

É importante ressaltar que as teorias que aqui foram introduzidas também justificavam a

incompatibilidade do liberalismo na sociedade brasileira, mas não pela situação de atraso

imposto pela colonização dos séculos anteriores ou pela manutenção de uma ordem

econômica sustentada pela escravidão, mas, sim, pela mistura racial promovida entre raças

humanas consideradas desiguais em sua condição bio-psicológica e, portanto, atrasadas e

impróprias ao próprio liberalismo.

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1.3. A Criminologia e outras miscelâneas intelectuais no Brasil do século XIX

Concebo duas espécies de desigualdade na espécie

humana: uma que chamo de natural ou física, porque

é introduzida pela natureza, e que consiste na

diferença de idade, saúde, forças corporais e

qualidades do espírito, ou da alma; outra que se

pode chamar de desigualdade moral, ou política,

porque depende de uma espécie de convenção e é

introduzida, ou ao menos autorizada, pelo

consentimento dos homens. Esta consiste nos

diferentes privilégios de que alguns desfrutam em

detrimentos dos outros, como se mais rico, mais

respeitado, mais poderoso que os demais, ou mesmo

fazer-se obedecer por eles.

Jean-Jacques Rousseau

1.3.1. Miscelâneas intelectuais: século XVIII versus XIX

Com a intelectualidade de 1870 são introduzidas no Brasil diversas teorias que procuravam

explicar a realidade nacional do período. Com referências presentes já em Rousseau e sua

argumentação sobre a perfectibilidade humana, tais modelos teóricos foram utilizados de

modo particular, com conclusões singulares, ainda que apontando para correntes teóricas

distintas (SCHWARCZ, 1993, p. 43).

A percepção das diferenças humanas será constatada pelos ocidentais a partir dos primeiros

relatos de viajantes em terras longínquas. É neste momento histórico que começam as grandes

reflexões acerca da alteridade, tanto em seus costumes como em sua própria natureza.

Entretanto, é somente no século XVIII, que este “outro” será visto enquanto primitivo ou

selvagem (CLASTRES apud SCHWARCZ, 1993), já que, para estes pensadores, o termo

“primitivo” significava “primeiro” ou aquele que estava na gênese humana.

Diferentemente do que se crê sobre a capacidade humana, no século XIX, o século XVIII

traz uma concepção mais humanista de que o ser humano tem o potencial inerente necessário

para sempre superar-se e, consequentemente, superar sua natureza “selvagem”.

A “perfectibilidade humana”, longe de ser o caminho mais curto para a civilização,

correspondia, para Rousseau, “aos vícios” da humanidade, a descoberta da capacidade tirânica

do humano sobre si e sobre a natureza:

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Enfim, a ambição devoradora, o ardor de elevar sua fortuna relativa, menos por uma verdadeira necessidade que para colocar-se acima dos outros, inspira a todos os homens uma sombria propensão a prejudicar-se mutuamente, uma inveja secreta tanto mais perigosa por adotar com freqüência a máscara da benevolência, para dar seu golpe com mais segurança; em suma, concorrência e rivalidade por um lado, oposição e interesse por outro, e sempre o desejo oculto de lucrar às custas do semelhante: todos esses males são o primeiro efeito da propriedade e do cortejo inseparável da desigualdade nascente (ROUSSEAU, 1994, p. 176).

Havia, em contrapartida a este referencial iluminista sobre a alteridade, a figura do homem

ocidental, supostamente civilizado e expansionista. Assim, esta Ilustração dava as bases para

se pensar na totalidade humana.

Os princípios gerais de igualdade e liberdade humana levavam à compreensão da unidade

do gênero humano. Este outro, encontrado nos novos povos ameríndios, cujos primeiros

contatos se deram em virtude das grandes navegações, apresentava o estado de natureza

original.

Rousseau elegia o “outro”, em detrimento do “ocidental”, como um modelo de

superioridade humana, distante da suposta corrupção resultante da “civilização”. Em outros

termos, um modelo moral de conduta e, portanto, “bondade original”.

Na segunda metade do século XVIII, tais parâmetros filosóficos são alterados

significativamente. Longe, entretanto, da visão romantizada de Rousseau, estão as

considerações de Buffon e De Pauw (SCHWARCZ, 1993). É neste contexto que emergem as

idéias de “inferioridade física” e de “debilidade natural” dos povos americanos bem como sua

resultante decadência, corrupção e degenerescência.

Se, por um lado, Buffon (1707-1788) defendia a “infantilidade do continente americano” e

a carência tanto dos povos como das terras, confirmando uma concepção étnica e cultural

eurocêntrica, por outro lado, o jurista Cornelius De Pauw afirmava e denunciava a hipotética

“degeneração humana” a que estes povos e solos estariam fadados.

Desse modo, De Pauw introduz a noção de “degeneração”, atribuindo esta condição para

espécies presumidamente inferiores em sua composição orgânica. Era o princípio designativo

de “um desvio patológico de tipo original”, tornando, assim, os americanos como seres

“imaturos e decaídos”.

A visão negativa acerca dos americanos, em Pauw, é revelada por Laplantine (1988).

Segundo o autor, sua classificação recairia sobre tudo aquilo existente abaixo da linha do

Equador e que corresponderia a uma humanidade coberta pela estupidez e selvageria:

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A insensibilidade, escreve nosso autor, é neles um vício de sua constituição alterada; eles são de uma preguiça imperdoável, não inventam nada, e não entendem a esfera de sua concepção além do que vêem pulsilâmines, covardes, irritados, sem nobreza de espírito, o desânimo e a falta absoluta daquilo que constitui o animal racional os tornam inúteis para si mesmos e para a sociedade. Enfim, os californianos vegetam mais do que vivem, e somos tentados a recusar-lhe uma alma (PAUW apud LAPLANTINE, 1988, p. 43).

Vale ressaltar que tais idéias ainda serão retomadas por Hegel. Para Hegel

(LAPLANTINE, 1988), a América do Sul aparece ainda mais “bronca” que a América do

Norte. “A Ásia aparentemente não está muito melhor. Mas é a África, e, em especial, a África

profunda do interior, onde a civilização nessa época ainda não penetrou, que representa para o

filósofo a forma mais nitidamente inferior entre todas essas infra-humanidades”

(LAPLANTINE, 1988).

Surge, neste momento, ainda que timidamente, uma discussão sobre as diferenças inatas à

natureza humana de diversos povos. Assim, esses autores passam a privilegiar tais hipóteses,

procurando desenvolver explicações e justificativas para as diferenças, confundidas,

sucessivamente, com desigualdade humana.

1.3.2. A Raça

Analogamente, é neste contexto, que emerge o conceito de “raça”. O termo é introduzido,

no início do século XIX, pelo filósofo, naturalista e anatomista francês Georges Cuvier (1769-

1832). Tal expressão, gravada em importantes livros de referência para toda ciência ocidental,

teria a função de designar a herança física pertencente aos diferentes tipos humanos.

Essencialmente, notava-se uma sutil alteração quanto aos primeiros relatos de viajantes em

terras colonizadas: se, de modo particular, aos cronistas do século XVI cabia o relato ou a

narração e a descrição dos territórios e populações encontradas no além mar, aos naturalistas

do século XIX competia a tarefa significativa de classificar tais locais e populações.

Delineia-se a partir de então certa reorientação intelectual, uma reação ao Iluminismo em sua visão unitária da humanidade. Tratava-se de uma investida contra os pressupostos igualitários das revoluções burguesas, cujo novo suporte intelectual concentrava-se na idéia de raça, que em tal contexto cada vez mais se aproximava da noção de povo. O discurso racial surgia, dessa maneira, como variante do debate sobre a cidadania, já que no interior desses novos modelos discorria-se mais sobre as determinações do grupo biológico do que sobre o arbítrio do indivíduo entendido como ‘um

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resultado, uma reificação dos atributos específicos da sua raça’ (SCHWARCZ, 1993, p. 47).

Duas grandes vertentes podem ser consideradas como responsáveis pelas discussões acerca

da origem do homem, contrastando e substituindo concepções religiosas da época. Desse

modo, até meados do século XIX, predominavam os monogenistas, que pensavam a

humanidade a partir de uma origem comum. Em contra partida, achavam-se os poligenistas,

os quais eram, por sua vez, apoiados pelo crescimento das ciências biológicas.

Para os poligenistas, os homens teriam origens distintas, o que resultaria na composição de

diversas raças. Tal princípio permitia uma explicação biológica do comportamento humano,

encorajado pelo surgimento da frenologia e da antropometria. Desse modo, o abandono das

idéias iluministas em favor do estudo comparativo do corpo humano e das proporções

cranianas e fisionômicas é relevante, uma vez que ganha impulso, neste momento, uma nova

hipótese sobre a natureza biológica do comportamento humano criminoso18.

Ilustração 2. Mensuração Antropométrica19

O debate entre essas duas grandes vertentes será amenizado pela publicação de “A Origem

das Espécies” (1859), de Charles Darwin, e que consolida uma espécie de paradigma. Os

conceitos extraídos de Darwin eram utilizados para explicar o desenvolvimento social da

humanidade e das sociedades em geral.

O darwinismo social, diferentemente do evolucionismo, pautava-se na crença de que a

humanidade se desenvolveria a partir de uma seleção natural, na qual o mais forte

predominaria física e mentalmente sobre o mais fraco. Dito de outra forma, por meio de um

18Nesta linha temos as contribuições de Cesáre Lombroso, as quais veremos, mais especificamente, ainda neste mesmo capítulo. 19 Fonte: http://filosofiacienciaevida.uol.com.br/ESFI/Edicoes /21/imagens/posmodernidade11_46.jpg, acessado em 22/08/2009.

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processo de seleção natural e social, o “civilizado” sobrepujaria aos demais povos, fadados ao

extermínio por sua suposta fraqueza física e mental.

Segundo Hobsbawm (1997), a “competição”, a “evolução” e a “hereditariedade”,

constituíam noções capazes, tanto para os monogenistas como para os poligenistas, de

justificar o processo de colonização, principalmente pela idéia de “dominação do mais forte”.

O colonizador, branco e europeu, toma a posição de superioridade bio-psicológica no

processo que ficou conhecido como “seleção natural”.

Associada às referências de raça e de evolução social, emerge a discussão sobre a

mestiçagem. A possível mistura entre raças desiguais (ou distintas), para os poligenistas, teria

consequências desastrosas como a própria degeneração da espécie humana e de raças tidas

como puras.

Para o Conde Gobineau, que visitou o Brasil tecendo considerações sobre a miscigenação

da população brasileira, o resultado de tal cruzamento entre raças expressamente antagônicas

produziria uma herança biológica, na qual estariam presentes apenas as características mais

negativas das raças envolvidas na ação.

Segundo Georges Raeders (1997), os sentimentos expressos nas correspondências do

Conde Gobineau, acerca do país não são inspiradores de grandes afetos pelos brasileiros.

Apesar de considerar o Imperador do Brasil como um ariano puro, estabelecendo, com o

mesmo, um vínculo próximo, Gobineau nutria pelo restante da população nacional um

desprezo, considerando-a como uma categoria inferior ao restante da humanidade:

Uma população toda mulata, com sangue viciado, espírito viciado e feia de meter medo [...] Nenhum brasileiro é de sangue puro; as combinações dos casamentos entre brancos, indígenas e negros multiplicaram-se a tal ponto que os matizes da carnação são inúmeros, e tudo isso produziu, nas classes mais baixas e nas mais altas, uma degenerescência do mais triste aspecto (GOBINEAU apud RAEDERS, 1997, p. 90).

Do mesmo modo, o conceito de cultura, pensado pela antropologia, apresentou as mesmas

bases. Os evolucionistas, dos quais mais sintomaticamente Morgan20, compreendiam o

desenvolvimento histórico da humanidade por meio de estágios sucessivos e que

apresentariam mentalidades, costumes e religiosidades específicas.

Segundo Schwarcz (1993, p. 57-58), “esses estágios, entendidos como únicos e

obrigatórios – já que toda a humanidade deveria passar por eles -, seguiam determinada

20 Sobre o pensamento de Lewis H. Morgan consultar: MORGAN, Lewis. H. A Sociedade Primitiva. Lisboa: Editorial Presença, 1973.

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direção, que ia sempre do mais simples ao mais complexo e diferenciado”. Infere-se, de tal

afirmação, a vinculação com a concepção de progresso, tão particular ao Brasil no mesmo

período.

1.3.3. O Positivismo

Assim como as teorias raciais, o positivismo comteano ganhou muitos adeptos no Brasil.

Ainda que não privilegiasse a noção de raça, Comte21 via a humanidade e, em especial, as

sociedades humanas como o resultado de um progresso contínuo. A chave do pensamento

positivista estava na compreensão dos três estágios da mentalidade humana e que

corresponderiam a selvageria, a barbárie e a civilização.

O primeiro estágio da humanidade, considerado por Comte, corresponderia àquelas

sociedades absorvidas por um intelecto inferior e primitivo (selvagem). Neste momento do

desenvolvimento humano, os sujeitos explicariam a realidade que conhecem através de

entidades supranaturais. Assim, a sedimentação moral e física, desta sociedade, seria

garantida pela fé transcendental e pela manutenção de um estado predominantemente

militarizado em suas atividades.

A segunda etapa (barbárie) corresponderia a uma compreensão do mundo por intermédio

da metafísica. A sociedade que se constitui nessa fase tem como característica o científico e a

industrialização. De acordo com Aron (1982, p. 66), “os cientistas substituem os sacerdotes e

teólogos como a categoria social que dá a base intelectual e moral da ordem social”.

Por fim, o estado positivo que, de acordo com a filosofia Comteana, corresponderia à etapa

final do progresso humano, na qual a imaginação seria substituída pela observação das leis

naturais. Completamente associada à compreensão do Universo a partir da “ciência”, tal

estágio apresentar-se-ia em sociedades consideradas com pleno desenvolvimento psíquico,

neste caso, por meio do método comparativo22, nas sociedades européias.

21 As três etapas do desenvolvimento da consciência humana podem ser identificadas nas principais obras de Comte. A primeira em Opúsculos de filosofia social: apreciação sumária do conjunto do passado moderno, 1822 e em: Considerações filosóficas sobre as idéias e os cientistas, de 1825. A segunda etapa está contida no Curso de filosofia positiva (1830-1842) e, a terceira, no Sistema de política positiva ou tratado de sociologia, instituindo a religião da humanidade (publicado de 1851 a 1854). Para maiores informações sobre as fases comteanas e suas respectivas obras, consultar: ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

22 O método comparativo, utilizado como suporte à teoria evolucionista, possibilitava aos cientistas definirem modelos de desenvolvimento humano e, a partir destes, classificar todas as sociedades. Designavam, então, as sociedades européias como ápices do desenvolvimento físico e mental e a comparavam com outras sociedades. Desse modo, o método comparativo se fundava a partir das três designações: selvageria, caracterizada por um

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Segundo a lei dos três estados, o espírito humano teria passado por três fases sucessivas.

Na primeira, o espírito humano explica os fenômenos atribuindo-os a seres ou forças,

comparáveis ao próprio homem. Na segunda, invoca entidades abstratas como, por exemplo, a

natureza. Na terceira, o homem se limita a observar os fenômenos e a fixar relações regulares

que podem existir entre eles, seja num momento dado, seja no curso do tempo; renuncia a

descobrir as causas dos fatos e se contenta em estabelecer as leis que os governam (ARON,

1981).

1.3.4. O positivismo no Brasil

Destarte, os primeiros passos do positivismo no Brasil, em meio ao pensamento jurídico,

médico e militar, só foi possível, como já mencionado, através da obra “As três filosofias” 23,

de Luis Pereira Barreto. Nascido em Resende, no ano de 1840, - graduado médico em

Bruxelas e doutor em ciências naturais na Bélgica - Barreto era filho e irmão de fazendeiros.

Sua vida acadêmica nunca precisou de muitos auxílios financeiros, uma vez que pertencia

a uma classe abastada do país. No exterior, ainda muito jovem e enquanto estudante, entrou

em contato com a filosofia positivista, convertendo-se, imediatamente, à religião da

humanidade. Ao retornar para o Brasil, em meados de 1864, cheio de novas idéias garantidas

pelo positivismo, passou a divulgá-las, sem nunca abandonar sua carreira de médico bem

sucedido.

Ancorado a uma crítica contundente à monarquia, Barreto utilizava o positivismo, que via

na educação a redenção e elevação do espírito humano à condição de verdadeiro

estado de desenvolvimento mental rudimentar; barbárie, caracterizada por um desenvolvimento mediano do homem e das instituições e civilização, marcada pelo pleno desenvolvimento cognitivo e institucional. Todas as sociedades, independentemente do grau de desenvolvimento na qual se encontrassem, passariam por todos os estágios, até atingir a maturidade extrema. O emprego desse método possibilitava, aos seus adeptos, analisar cada particularidade social e cultural fora de seu contexto original e concreto, sem supostamente qualquer prejuízo a veracidade da análise. No entanto, o que se produzia eram mecanismos de interpretação que forneciam ao cientista uma precária classificação das sociedades e que, mais tarde, dariam legitimação à colonização e a neo-colonização, além de justificarem a “desigualdade humana” (MORGAN, 1973; RIBEIRO, 1997). 23 Sobre esta obra, em especial, de Luís Pereira Barreto, que possibilita a introdução do positivismo no Brasil como uma corrente teórica e não apenas como um amontoado de idéias que sugerem o progresso e a evolução da sociedade através de modelos e como esta chegava até o Exército Nacional, consultar os esclarecimentos de Machado Neto em História das Idéias Jurídicas, São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, Editorial Grijalbo, 1968.

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desenvolvimento e modernidade24, para refutar o liberalismo sem rumo no país, propondo a

implantação de um regime republicano (ALONSO, 1995).

A principal contribuição de Pereira Barreto, em termos jurídicos e criminais, caminha para

uma tentativa de transferir as práticas jurídicas, do seu campo de atuação, para uma sociologia

naturalista, sendo esta apta a examinar a responsabilidade criminal do mesmo modo que

estabelecer a culpabilidade do criminoso considerando sua conduta moral.

Não caberia, portanto, nada mais ao direito senão a aplicação da penalidade individual

sobre o criminoso. À sociologia e à medicina social competiria, de uma vez por todas, a

investigação das condições propícias à criminalidade, incluindo as condições morais e

biológicas dos entendidos como naturalmente perigosos.

1.3.5. Criminologia

A Criminologia surge na Europa, em meados do século XIX, como uma escola positiva

destinada à análise do suspeito e do criminoso. Desde sua institucionalização, na Itália, com

Lombroso (1835-1909), tem sido discutida, constituindo-se, assim, numa "ciência" destinada

à observação, análise, objetividade, conteúdo prático e conceitual sobre os fenômenos

criminais, contribuindo, em muito, para justificar sua aplicação e utilizações correntes.

Lombroso nasceu, em uma abastada família italiana, no ano de 1835, formando-se em

Medicina, em 1858, e, posteriormente, em cirurgia, em 185925. Durante toda sua vida,

Lombroso advogou em defesa da identificação do perfil biológico e social do criminoso,

tentando realizar associações entre a natureza psicótica com as órbitas grandes, testa fugidia,

nariz torcido, lábios grossos, anomalias em órgãos sexuais, braços longos, etc.

Considerado pai da Criminologia, aprofundou suas investigações sobre a frenologia,

procurando desvendar, no estudo do crime, o denominado “tipo atávico”, que classificaria o

criminoso como um ser mentalmente incapacitado e estagnado no processo de evolução

humana. Em outras palavras, o que pretendia era encontrar, na herança biológica do homem,

as raízes da degeneração do comportamento do criminoso.

24 Sobre o papel do positivismo como mecanismo de luta da contra-elite pelo regime republicano e as bases teóricas fornecidas por este e pelas idéias spencerianas consultar: ALONSO, A. O positivismo de Luís Pereira Barreto e o pensamento brasileiro no final do século XIX. Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, 1995. 25 Fonte: http://www.cerebromente.org.br/n01/frenolog/lombroso_port.htm

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Ilustração 3. Cesare Lombroso26

Do mesmo modo, seus interlocutores contribuíram para a consolidação desse novo saber.

Enquanto Garofallo (1856-1934) interferia teoricamente sobre as reformas práticas da justiça

criminal e das instituições legais, cunhando o termo “crime natural”, Ferri (1856-1929) -

professor de direito penal - enfatizava os fatores sociais na etiologia do crime, sem abandonar

as características individuais e físicas que corroboraria para o mesmo.

Para Ferri, haveria cinco maneiras de se classificar e dividir os criminosos. Em primeiro,

estariam os criminosos natos; em segundo, seriam os considerados como criminosos insanos;

em terceiro, os criminosos passionais, arrebatados por idéias e sentidos que não conseguiriam

controlar; em quarto, os considerados como criminosos ocasionais e, finalmente, em quinto,

os criminosos habituais (ALVAREZ, 1996).

À margem da Criminologia, enquanto um estudo voltado à identificação de caracteres

físicos e biológicos que pudessem definir a natureza do criminoso, se consolidava uma das

principais práticas de discriminação: o estigma social que determina, para um certo grupo

populacional, pré-condições que o caracterizam como potencialidades criminosas.

Assim, a idéia sobre o criminoso nato, torna-se uma busca incessante nas elaborações de

Lombroso, principalmente em sua obra L' Homme Criminel, de 1876. O sujeito criminoso ou

o suspeito possuiriam marcas hereditárias, adquiridas pela miscigenação, as quais o

26 Fonte:http://www.aspsi.org/feat/life_after/tymn/a078mt-e-Dr_Cesare_Lombroso.jpg, acessado em 16/08/2009.

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condenariam a uma vida, irredutivelmente, criminosa. Segundo Lombroso, a identificação

dessas marcas corroboraria para o controle da criminalidade e da degeneração humanas.

Tipos criminais lombrosianos - L’homme Criminel27

Não seria erro de constatação, depois de todas essas explanações, concluir que este

criminoso em potencial seria encontrado nos povos ou nos indivíduos sujeitados ao domínio

europeu e subjugados em suas potencialidades humanas. As populações que formavam as

Américas e a África, sobretudo, negra, indígena e mestiça seriam consideradas por aquilo que

Lombroso (1887) denominava como “criminoso nato”.

1.3.6. A Criminologia no Brasil

[...] uma história da Criminologia no Brasil ainda está por ser desenvolvida,

história essa que ressalta tanto o papel de determinados setores das elites

nacionais na formulação e direcionamento das políticas criminais quanto os

aspectos discriminatórios dessas mesmas políticas, que não apenas se

voltaram para as assim chamadas classes perigosas, mas que igualmente

criaram e fizeram circular concepções e estigmas que impregnaram

profundamente o senso comum e as práticas dos operadores do Direito e

dos agentes de controle social no Brasil ao longo de quase um século.

Marcos César Alvarez

As teorias racialistas encontraram na sociedade brasileira, principalmente no pensamento

jurídico e médico, fortes correntes difusoras. Há, sobre os primeiros a incorporar a

antropologia criminal de Lombroso no Brasil, algumas contradições que se destacam.

Alguns, afirma Alvarez (2002), consideram João Vieira de Araújo (1844-1922), professor

da Faculdade de Direito do Recife, como o primeiro intelectual a utilizar, em suas aulas, os

princípios da criminologia e a propor uma reformulação do código penal brasileiro; outros,

27 Fonte: http://www.avizora.com/publicaciones/biografias/textos/textos, acessado em 28/10/2009.

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atribuem a Tobias Barreto o pioneirismo, em razão aos estudos sobre as categorias de

responsabilidade penal28.

Assim, de uma forma ou de outra, a criminologia foi trazida, para o Brasil, por uma gama

variada de intelectuais, que contribuíram para consolidar no país não apenas idéias, mas

institutos que viabilizassem seus discursos e práticas, como o Instituto Disciplinar para

Menores Abandonados e Delinqüentes (1902) e o Gabinete de Identificação e Estatística da

Polícia Civil do Distrito Federal (1902), que, em 1941, receberia o nome de Instituto de

Identificação Félix Pacheco29.

Deste modo, a criminologia e demais teorias foram adotadas como perspectivas que,

mesmo superadas em diversas regiões da Europa, continuavam em posições de prestígio no

Brasil. Em resumo, por meio da obra de Lombroso e seus interlocutores brasileiros, a

criminologia, como doutrina de convergência entre a medicina e o direito, abriu espaço para a

análise do “indivíduo criminoso”, sua classificação e sua identificação.

Nas palavras de Marcos César Alvarez:

[...] o diálogo que se estabeleceu na época entre saber médico e jurídico, não só porque os médicos estão bastante envolvidos nos debates a respeito das questões jurídicos penais, mas também porque a criminologia representou efetivamente um espaço de convergência entre saber médico e saber jurídico ao longo de toda a Primeira República, mesmo que com isso não tenham sido eliminados os pontos de tensão e conflito existentes entre essas duas categorias profissionais. (ALVAREZ, 1996, p. 30)

As teorias criminológicas buscavam responder a determinadas necessidades que

apareciam diante dessa camada de intelectuais. Dentre os fatos que surgiam, encontravam-se a

necessidade de controle sobre a população de negros libertos que seguiam em direção aos

28 Sobre os diversos autores que trouxeram a criminologia para o Brasil e tentaram, do mesmo modo, promover uma difusão e adaptação desta para a sociedade e para a realidade brasileira, consultar a obra de ALVAREZ, Marcos César. A criminologia no Brasil ou como tratar desigualmente os desiguais. Dados: revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 45, n. 4, p. 677-704, 2002. 29 José Alves Felix Pacheco (1879-1935) foi o introdutor da dactiloscopia no Brasil. A prática da dactiloscopia é, hoje, chamada de identificação através do recolhimento das impressões digitais dos indivíduos. A história da dactiloscopia remonta os primórdios da humanidade, mas tem sua utilização evidenciada a partir de Francis Galton, em 1888, que ao analisar o material recolhido por William James Herschel, em Bengala, na Índia, em 1859, como solicitação do governo britânico, buscou estabelecer parâmetros de identificação física mais seguros que os oferecidos pela antropometria. Assim, Galton lança as bases científicas da impressão digital. Depois de uma série de artigos publicados nos anos subsequentes sobre o assunto, em 1902, Félix Pacheco inicia a tomada de impressões digitais nas fichas antropométricas. Em dezessete de julho do mesmo ano é criado o Gabinete de Identificação Antropométrica em São Paulo e, em vinte e nove de dezembro, é adotado a identificação dactiloscópica no Rio de Janeiro, capital do país no período. Dois anos posteriores, em vinte e nove de julho é expedida a primeira carteira de identidade, denominada Ficha Passaporte ou Cartão de Identidade, ainda usando assinalamentos antropométricos associados à dactiloscopia. Para maiores informações sobre o assunto, consultar: Bombanatti, José. História da Dactiloscopia. Disponível em <www.fo.usp.br/departamentos/social/legal/historia_dactiloscopia>. Acesso em: 21 ago. 2009.

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centros urbanos, aos núcleos negros de capoeira, aos diversos movimentos sociais e aos

bairros que, ao aumentar sua população encontravam-se sem controle e sem padrões de

higienização. “Assim, o antigo medo das elites diante dos escravos será substituído pela

grande inquietação em face da pobreza urbana nas principais metrópoles do país”

(ALVAREZ, 2000).

Se, como afirma Bourdieu (2002), os indivíduos em sociedades particulares e, em

momentos históricos específicos, criam ou identificam problemas e fatos apresentados como

dignos de estudos, artigos e atenções não apenas da intelectualidade, mas de toda a população,

podemos afirmar, em consonância, que a criminologia no Brasil vem responder a essas

diversas conotações sobre a realidade nacional de então.

O conceito de criminoso nato, trazido pela criminologia, portanto, sofisticava a idéia

de um indivíduo condizente, anatomicamente, à criminalidade, à marginalidade e ao

banditismo. Os indivíduos passavam a ser julgados não mais pelos seus atos transgressores à

lei e à ordem instituída, mas por suas condições anatômicas e por sua suposta imaturidade

intelectual.

A partir de sua prática e do seu discurso, a criminologia identificava aquele com

potencialidades para a desordem e para a degeneração, no intuito de adestrar e controlar o

corpo e a “alma criminosa”. Àqueles com “alma criminosa” competiria uma penalização

distinta, de acordo com suas particularidades raciais, históricas e geográficas, não podendo a

igualdade jurídica sobrepor-se às suas condições biológicas e hereditárias.

Os desdobramentos da criminologia avançavam sobre o Brasil, destinados a consolidar

uma espécie de micro-poder disciplinar sobre os considerados socialmente perigosos,

invadindo materialmente a realidade dos indivíduos.

Este poder, que se verifica na possibilidade de identificação e, consequentemente, na

contenção, é exercido fora do âmbito estatal, mas institucionalizado pela academia nacional.

O Estado, aqui, como é entendido por Foucault (2000), é visto como um instrumento que, a

partir de estímulos financeiros, corrobora para a formação de um campo de saber destinado ao

controle social.

Portanto, a criminologia ou antropologia criminal, amplamente confundidas e aglutinadas

uma a outra, dentro do pensamento social, se fundamentou como saber destinado ao controle

social dos considerados como potencialmente criminosos e como mecanismo capaz de

justificar ações desempenhadas por órgãos nascidos do próprio Estado, como fontes de

repressão social: polícias, milícias, guardas, força pública, etc.

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Espalhando-se por quase todo país, à medida que novos setores sociais se desenvolviam

como potencialidades de interferências na realidade social e na ordem estabelecida, na Nova

República, essas idéias ganhavam força e nova aplicabilidade.

Em outros termos, a Criminologia aparece em dimensões mais amplas quando as elites

examinam a possibilidade de acesso à cidadania e a participação na vida pública e política de

um setor popular, até então, marginalizado pelo processo de escravização (ALVAREZ, 2005).

Para Bourdieu (2000), o poder é caracterizado pelas relações de força entre as posições

sociais. Como, em geral, as classes dominantes detêm maior força social e política, que

garante o monopólio legítimo de poder, a condição pública da maioria da população era

evidentemente limitada.

As elites republicanas, desde o princípio, manifestam grande desconfiança diante da possibilidade de a maior parte da população contribuir positivamente para a construção da nova ordem política e social. O novo regime republicano, longe de permitir uma real expansão da participação política, irá se caracterizar pelo seu aspecto não democrático, pela restrição da participação popular na vida política (ALVAREZ, 2000, p. 693).

Com apoio em Bourdieu (2001), podemos afirmar que, dentro das lutas no campo

intelectual, o que está em jogo é o poder sobre o uso de categorias particulares e de sinais que

definem a visão legítima sobre o mundo natural e social. O que ocorre aos intelectuais

brasileiros do período é uma apropriação de conceitos e categorias que permitem explicar e

justificar a realidade social. Assim, a apreensão simbólica das categorias interpretativas passa

a atribuir, para esses intelectuais, um status de poder e domínio científico, garantindo a

manutenção da ordem, da propriedade privada, do sistema político, da hierarquia social, da

distribuição da cidadania, entre outros. Um verdadeiro habitus (Bourdieu, 2001), que se

constituiu, ao longo das últimas décadas do século XIX. e permanece na primeira metade do

século XX, enraizando-se em diversos segmentos sociais.

A noção de habitus é definida, em Bourdieu (2001), como um conhecimento adquirido e

também um haver, um capital, que indica a disposição incorporada, quase postural do agente

envolvido na situação. De maneira bem simples, o conceito de habitus pode ser entendido

como a reprodução ativa de interpretações e conceitos elaborados no passado.

Desse modo, os argumentos da antropologia criminal ao serem incorporados pela

intelectualidade, de modo específico e seletivo, resultaram em habitus. De outra maneira, os

conceitos da antropologia criminal converteram-se a uma forma comum, a um capital

adquirido e compartilhado para identificar tipos sociais que carregariam a degeneração e a

predisposição natural ao crime, vista em seu corpo, por meio das marcas raciais.

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O caráter simplista e reducionista dos argumentos, tanto da antropologia criminal como da

criminologia, podem ser considerados os principais fatores da grande aceitação das teorias no

país (ALVAREZ, 2005). A falta de críticas rigorosas às teorias, até meados da segunda

metade do século XX, deve-se às características dos intelectuais do período, que seguiam seus

mestres, sem questionamento, em um sistema de proteção que garantia benefícios e cargos

especiais. Uma nova forma de pensar, que hoje, se torna um velho habitus de pensar, uma vez

que tais pressupostos continuam a povoar o imaginário de diversos setores da sociedade

brasileira, principalmente as elites e as classes consideradas como os especialistas em

questões penais e criminais.

Assim, os discursos se apropriam de categorias específicas, legitimadas por um caráter

científico e utilizadas para identificar parte significativa da população. Ao deter o significado

simbólico dessas categorias, os discursos dos especialistas são aceitos e difundidos,

garantindo o poder nas mãos de poucos através de um saber institucionalizado. Ou seja, o

estabelecimento de um discurso que legítima a “desigualdade” e fundamenta uma nova forma

de imaginar o que chamamos aqui de identidade bandida (TERRA, 2008). A idéia de

identidade bandida tem a finalidade de definir a identidade social construída sobre a figura

dos negros, a partir da difusão da antropologia criminal e da criminologia no Brasil.

Posto isso, infere-se que a noção assinala uma identidade criada por um grupo intelectual

que, a partir de supostas características biológicas, psicológicas e morais, designaria um outro

grupo. Dessa forma, a identidade bandida é colocada para um grupo social por outros agentes

externos a esse mesmo grupo e reconhecida por meio de caracteres físicos, em especial, pela a

cor da pele.

Com base nos estudos de Foucault, podemos afirmar que a criminologia emerge, nas

sociedades modernas e capitalistas, como um novo saber indicado para a análise e para a

identificação dos sujeitos sociais, uma vez que se trata de uma disciplina voltada para uma

prevenção da criminalidade e para uma antecipação do “criminoso”.

Nesse sentido, a criminologia individualiza os corpos no espaço social, exercendo a

vigilância e o controle sobre determinada parcela da população. O sujeito, hipoteticamente

propenso à criminalidade e identificado através do corpo, como sendo mestiço e negro, é

produto do poder e do saber criminológicos. Nas palavras de Alvarez (2000), “[...] a idéia de

que o objeto das ações jurídica e penal deve ser não o crime, mas o criminoso, considerado

como um indivíduo anormal”.

O que se verifica, portanto, é uma constante investida da intelectualidade sobre os

corpos dos pauperizados. Com isso, se por um lado, a criminologia e a antropologia criminal

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permitiam identificar e marcar os corpos, por outro lado, permitiam, também, um conjunto de

práticas, programas e ações que objetivavam conter não a ação do indivíduo, mas o próprio

indivíduo culpabilizado antecipadamente.

O objetivo das elites e dos intelectuais não era a reabilitação social das camadas

populares, por intermédio de institutos ou de programas assistenciais. Mas, sim, suas

finalidades correspondiam, objetivamente, a prevenção social e biológica do crime, a partir da

identificação física do criminoso, ou como queriam alguns autores da época, como Silvio

Romero, a extinção das “raças inferiores” por meio de processos de branqueamento.

Segundo Michel Foucault (2000), o objetivo era agir, de uma determinada maneira,

para que se obtivessem estados globais de equilíbrio através de processos biológicos do

homem-espécie, com o intuito de assegurar um certo tipo de regulamentação.

De uma tecnologia centrada na individualização e na técnica disciplinar dos corpos, a

criminologia passa a regular e a prevenir a vida social, o corpo social, centrando seus

cuidados, concomitantemente, no indivíduo e na vida. Com o intuito de regular o corpo social,

ameaçado pelas “desigualdades” biológicas e sociais, surge uma tecnologia que visa a

segurança do conjunto em relação a seus possíveis perigos internos.

O desafio contido em todas essas discussões era tratar heterogeneamente os desiguais,

conforme suas desigualdades e não estender a igualdade jurídico-penal e a cidadania para o

conjunto da população (BARBOSA, 1999).

Neste sentido, quem irá proporcionar um impulso à criminologia, enquanto disciplina

convergente entre os saberes médico e jurídico, além de discussões fervorosas que visavam

uma especialização do direito penal, conforme as características biológicas, históricas,

climáticas de cada acusado, será o médico maranhense Raimundo Nina Rodrigues.

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2. A Escola “Nina Rodrigues”: Contribuições Teóricas e Metodológicas para a Institucionalização do Racismo no Brasil

Que a cada fase da evolução social de um povo, e ainda

melhor, a cada fase da evolução da humanidade, se comparam

raças antropologicamente distintas, corresponde uma

criminalidade própria, em harmonia e de acordo com o grau

de seu desenvolvimento intelectual e moral.

Raimundo Nina Rodrigues

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2.1 A Importância de Nina Rodrigues

As batalhas para a consolidação de uma tradição acadêmica hegemônica e um campo

científico no Brasil afetaram toda a intelectualidade do final do século XIX. Esse processo

obteve uma grande repercussão na vida particular deste interprete da realidade nacional, o

médico etnólogo Raimundo Nina Rodrigues30 (1862-1906).

Diversos estudos sobre o autor nos revelam sua importância, tanto nas contribuições

etnológicas como na busca constante pela consolidação de um tipo de pensamento que

influenciaria gerações posteriores.

Dentre os autores que analisaram a trajetória do pensador, podemos citar: Mariza

Correa, Marcos C. Maio, Marcos César Alvarez e Lilia M. Schwarcz que, especialmente,

publicou, na Gazeta Médica da Bahia, o artigo “Quando a desigualdade é diferença:

reflexões sobre antropologia criminal e mestiçagem na obra de Nina Rodrigues”, número,

esse, especial aos cem anos do falecimento do autor, em 2006.

A vida acadêmica de Nina Rodrigues foi profundamente marcada por duas instituições

significativas: a Faculdade de Medicina da Bahia (FMBA) e a chamada “Escola Tropicalista

Baiana” (ETB). Uma das particularidades da ETB foi lutar pela afirmação e singularidade do

Brasil nos estudos das doenças tropicais, sem cair no determinismo racial e climático, mesmo

possuindo membros simpatizantes e sensíveis às teorias deterministas, como o próprio Nina

Rodrigues.

30 O médico-antropólogo nasceu no interior do Maranhão no dia quatro de dezembro de 1864. Filho de Francisco Solano Rodrigues e Luiza Rosa Solano Rodrigues, ingressa na Faculdade de Medicina da Bahia no ano de 1882. Em 1885, transfere seus estudos para a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, retornando um ano depois para a Faculdade de Medicina da Bahia, onde concluiria o quinto ano de graduação, mantendo uma forte relação com o professor de Clínica, Almeida Couto, que além de médico era político do Império (MAIO, 1995).

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Ilustração 5. Raimundo Nina Rodrigues31

De 1889 a 1892, o médico-antropólogo escreveu vários artigos na Revista Médica da

Bahia, tanto na área de higiene, febre amarela e casos clínicos, como temas que absorviam a

questão racial associada à medicina-legal, principalmente a partir do artigo “Os mestiços

brasileiros”. Do mesmo modo, foi professor de medicina legal na Faculdade de Medicina da

Bahia, entre os anos de 1891 a 1906 (MAIO, 1995).

Intelectualmente falando, o autor se identificava com os arautos da antropologia

criminal do final do século XIX (MAIO, 1995), dentre eles Francis Galton, Lombroso, Ferri,

Garofalo e outros que definiram as sociedades e suas populações conforme os modelos

criados pelo darwinismo social, pelo evolucionismo ou mesmo pela eugenia.

Nina Rodrigues lutou severamente pelo reconhecimento de seu pensamento no interior

do campo científico. Ao buscar não apenas o reconhecimento, mas a aplicação e a

viabilização de suas teorias, pretendia definir um conjunto de problemas e métodos que

julgava como adequados e dignos de estudos elaborados como a diversidade brasileira e a

aplicabilidade legal da jurisprudência sobre a mesma (MAIO, 1995).

Tal era sua disposição sobre a medicina aplicada às questões de legalidade penal que

adquiriu ao longo de seus anos e, sobretudo, posteriormente a sua morte e diante do seu

legado, inúmeros adjetivos. Sendo o pioneiro no Brasil nos estudos raciais foi apelidado de

“autor maldito”, principalmente por teorizar sobre as “diferenças” supostamente presentes

entre as “raças” brasileiras (SCHWARCZ, 2006).

31 Fonte: http://blogs.opovo.com.br/sincronicidade/files/2009/12/250px-Nina_02.jpg.

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Fruto de um tempo, no qual respondeu as demandas vigentes do momento histórico,

enquanto interprete e tradutor da própria realidade, Nina Rodrigues viveu e nos deixou

contribuições profundas. Nas palavras de Schwarcz (2006, p. 48):

Nina Rodrigues seria um dos intelectuais brasileiros mais coerentes de seu tempo, ao adotar o darwinismo social de forma bastante radical, negando o modelo evolucionista social, ao adotar a criminologia italiana, de Cesare Lombroso, como exemplo de análise.

Diferentemente dos demais companheiros de Escola, Nina Rodrigues não dialogava

com o evolucionismo. Para o autor, a condição de “perfectibilidade humana”, presente em

Rousseau e em alguns evolucionistas do final do século XIX, era impossível de ser atingida

por todas as raças.

Por conseguinte, algumas raças seriam inevitavelmente fracas, estanques, amorfas e

degeneradas, conforme o registro de sua existência. A “perfectibilidade”, dessa forma, seria

um padrão independente da vontade e arbítrio do sujeito, uma vez que a herança genética

designaria o comportamento e o acesso à condição de humano.

Em resposta ao seu tempo e às exigências apresentadas pelo Estado e pelas elites

nacionais, Rodrigues visualizará, na ciência que produz, uma verdadeira missão de análise da

sociedade e da qual ele mesmo faz parte. Assim como queria Sevcenko (1995), uma ciência

enquanto missão vinculada ao Estado.

No entanto, sua completa identificação com a medicina-legal é marcada pela

publicação de “As Raças Humanas e a Responsabilidade Penal no Brasil” (1894), da qual

surgiriam diversas outras edições até 1957. Considerado pioneiro na antropologia física, dono

de uma coleção de crânios dos grandes criminosos do período e que eram utilizados em seus

estudos antropométricos, Rodrigues corroborou para a consolidação da medicina legal no

país, elevando-a a uma condição de disciplina acadêmica.

Em seus estudos sobre a aplicabilidade do direito penal no Brasil, relutou contra os

bacharéis que teriam consolidado o Código Penal, de 1890, aos moldes da sociedade italiana

do período. Para Nina Rodrigues, o jusnaturalismo presente no código de 1890, ao tratar o

crime e, sobretudo, o criminoso, demonstrava seu caráter “ultrapassado” em relação aos

conceitos de livre arbítrio e igualdade.

Numa sociedade composta por tipos raciais distintos bio-psicologicamente, como era o

caso do Brasil, não poderia progredir e emancipar, na humanidade, um código que pautava-se

na igualdade humana e na liberdade de escolha dos indivíduos. Para o médico-antropológo, tal

idéia levaria a um “obscurantismo geral” tanto da nação como da população como um todo.

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De outra maneira, não mais os bacharéis deveriam aplicar conceitos e teorias acerca da

natureza do crime e do criminoso, advogando por uma igualdade de discernimento sobre a

realidade através do livre-arbítrio, mas, sim, a medicina, enquanto ciência capaz de tratar das

patologias em geral e, neste caso, da doença do crime e do criminoso.

Tratava-se, com certeza, da imputabilidade de um código penal ajustado à distribuição

equivalente da responsabilidade jurídico-penal entre todas as raças. O modelo proposto por

Nina Rodrigues trazia, portanto, uma nova máxima. Algo que, para o tempo, era considerado

como moderno: a aplicação da responsabilidade penal de acordo com a capacidade intelectual

e, portanto, de livre arbítrio das raças.

Desse modo, por um lado, algumas raças consideradas superiores (caucasianas)

deveriam ser plenamente responsabilizadas por seus atos criminais, uma vez que possuíam a

habilidade de decodificar ações, coerentemente, através de um código normativo previamente

estabelecido pela sociedade. Enquanto que, por outro lado, as raças consideradas estagnadas

(negros e mestiços) deveriam ser julgadas e penalizadas conforme sua capacidade de

compreensão da realidade. Dessa forma, tais sujeitos não poderiam ser julgados a luz da

universalidade de direitos e da igualdade social. Certas raças poderiam ser responsabilizadas,

ao passo que outras não poderiam ser cobradas pela justiça, dada sua condição de

infantilidade e natureza criminosa.

O pressuposto comum que levaria à idéia de que a variação racial não deixa espaço

para a escolha individual, o arbítrio de negros e mestiços, condenados naturalmente a uma

vida desregrada e criminosa, é o suposto da “desigualdade” humana.

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2.2. As Raças Humanas e a Responsabilidade Penal no Brasil

Os estudos de Nina Rodrigues também repercutem no o direito nacional, em especial,

com seus textos sobre a criminalidade em geral e a criminalidade do negro brasileiro. Nesse

contexto, seu principal objeto de estudo é o negro, não apenas o africano, mas aquele

supostamente vitimado pela degenerescência da mestiçagem, o brasileiro, o qual tenta provar

a “evidencia científica” de sua inferioridade (RODRIGUES, s/d.).

Nesse sentido, publica, em 1894, a primeira edição de “As Raças Humanas e a

Responsabilidade Penal no Brasil”. Obra capital na qual o autor procurava comprovar o

atraso evolutivo das populações negras consideradas estagnadas, assim como a

degenerescência psíquica e social que levaria grupos mestiços a uma corrupção moral inata.

Segundo suas análises, a ordem social estava ameaçada pela criminalidade congênita

assim como a supremacia social, econômica e política dos classificados como superiores

(brancos) estava, intrinsecamente, prejudicada pelo convívio social com os negros

(VENTURA, 1991), os quais ganhavam a determinação da ausência do arbítrio como verdade

comprovada pela “ciência” da época.

A degeneração social e a propensão à criminalidade dos negros e mestiços, justificada

pela ausência do arbítrio, constituem o nodal de suas perspectivas teóricas e metodológicas.

Sendo assim, iremos resgatar as contribuições de Nina Rodrigues em As Raças Humanas e

Responsabilidade Penal no Brasil, a fim de demonstrar sua importância na institucionalização

da medicina, enquanto ciência apta ao estudo do criminoso, preterindo o direito à condição de

aplicador de leis. Além da decorrente institucionalização do racismo, justificado através da

criminologia.

Assim, a obra As Raças Humanas e a Responsabilidade Penal no Brasil contribui,

diretamente, para responder a grande questão da época: qual o lugar do negro na nova

sociedade brasileira, pós abolição e republicana? Qual o papel do Estado com relação a estes

sujeitos sociais? O livro, dividido em sete capítulos, nos quais o autor coloca em discussão a

inviabilidade do código penal brasileiro, procura responder tais inquietações.

Para Nina Rodrigues, assim como para muitos outros estudiosos, a humanidade estaria

cindida em raças distintas, desde seu surgimento. Do mesmo modo que os poligenistas

compreendiam o desenvolvimento da humanidade, Nina Rodrigues também a concebia como

fragmentada e dividida em grupos evolutivos, povos e/ou populações civilizadas, bárbaras e

selvagens.

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O que se verificava era a separação dos sujeitos sociais por meio de uma hierarquia

biológica e social que os agrupavam nas seguintes categorias: seres “superiores” - homens

brancos e grandes latifundiários-, em geral letrados; e seres “inferiores” - negros, populações

mestiças e indígenas, mulheres-, em especial as pauperizadas e prostituídas, e menores32.

Por essa suposta condição natural presente na raça negra, afirma Nina Rodrigues

(s/d.), os negros não poderiam receber o mesmo tratamento jurídico dado aos brancos, os

quais eram julgados como plenos em suas consciências e com discernimentos da realidade.

Afirma Maio sobre a questão:

O poligenista e relativista Nina Rodrigues é bastante explicito na sua defesa de que os negros não poderiam ser tratados em pé de igualdade com os brancos... No contexto científico do século XIX, o saber médico-legal localizará nos corpos a fonte das desigualdades sociais, e terá como meta a defesa da criação de padrões diferenciados de acesso à cidadania (MAIO, 1995, s/p.).

Como podemos perceber, Nina Rodrigues estabelece um diálogo com as idéias dos

séculos XVIII e XIX, segundo as quais, os povos e nações se encontravam em estágios de

desenvolvimento distintos, fato que, para o autor, assegurava a impossibilidade de

preservação da igualdade comumente a todos. Assim, a “diferença” era transformada, na visão

de Nina Rodrigues, em “diferença ontológica”, em desigualdade humana.

Desse modo, o autor negava os pressupostos do evolucionismo sobre a

“perfectibilidade” humana e a potencialidade de desenvolvimento do mais simples ao mais

complexo, filiando-se, de modo radical, ao darwinismo social, que considerava algumas raças

como estanques, sem possibilidades de desenvolvimento social e, principalmente, mental e/ou

psicológico.

Portanto, para Nina Rodrigues (s/d.), o código penal de 1890 assentava sobre uma

falácia, o engodo da igualdade trazido pela Ilustração. As populações não brancas pareciam,

ao médico-etnólogo, um obstáculo para a universalização dos pressupostos liberais e para a

consolidação de uma nação realmente brasileira.

O que importava, já que éramos desiguais, em natureza e essência, frente aos demais

povos e nações, era garantir essa mesma desigualdade como particularidade própria do Brasil,

32 Tanto as mulheres como os jovens ganharam especial atenção na época. Em diversos escritos, é possível

perceber a preocupação com a corrupção da infância e da mulher, considerada tão incapaz, ingênua e pueril quanto um jovem menor de idade juridicamente. Esse fato pode ser observado na obra de BARRETO, Tobias. Menores e Loucos no Direito Criminal. Campinas: Romana, 2003.

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afirmando nossa inovação em relação a reformulação de um código penal único e diferente

dos demais.

A legislação penal brasileira teria que ser dividida, então, em códigos distintos,

garantindo a avaliação de cada raça de acordo sua condição humana, adaptando a mesma não

somente ao clima, que supostamente influiria na natureza do criminoso, mas também as

condições geográficas as quais estava submetida a população brasileira.

O que propunha Nina Rodrigues (s/d.) era a atenuação ou a completa anulação da

responsabilidade criminal de determinados sujeitos considerados psicologicamente

inabilitados e imaturos, identificados por sua composição fenotípica ou por seus traços

negróides.

Com tal diferenciação, os negros eram arremessados ao estado de debilidade psíquica,

transmitida hereditária e permanentemente. Um sujeito associado à ingenuidade, com

tendências patológicas à criminalidade, transformado em um criminoso nato, que deveria ser

guardado. A condição do negro, na sociedade de classe, se alterara sintomaticamente, de

mercadoria e escravizado tornava-se um suspeito constante.

Neste capítulo, continuaremos a enfatizar a importância da referida obra de Nina

Rodrigues, “As Raças Humanas e a Responsabilidade Penal no Brasil”, mas, agora, com o

intuito de perceber suas discussões e principais debates científicos com outros intelectuais

como Silvio Romero e Tobias Barreto e a sua consequente contribuição para a

institucionalização do racismo científico no país.

Ilustração 6. Grandes adversários intelectuais de Raimundo Nina Rodrigues, à direita Silvio Romero, à

esquerda Tobias Barreto33

33 Fonte: http: //www.revistabula.com/Silvio_Romero2.jpg e http://www.fundaj.gov .br/notitia.presentation.

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É importante mostrarmos, sumariamente, que as intervenções teóricas de Nina

Rodrigues são dedicadas aos que eram considerados como pais da ciência moderna e mestres

da criminologia, os médicos e juristas, Lombroso, Ferri e Garofalo.

Aos chefes da nova escola criminalista Srs. Professores Cesare Lombroso (de Turin) Enrico Ferri (de Pisa) R. Garofalo (de Nápoles). Ao chefe da nova escola médico-legal franceza Sr. Professor Alexandre Lacassagne (de Lyon). Ao Sr. Dr. Corre (de Brest) o médico legista dos climas quentes em homenagem aos relevantes serviços que os seus trabalhos estão destinados a prestar à medicina legal brazileira, actualmente simples aspiração ainda, dedica o autor (RODRIGUES, s/d., p. 23).

Assim, Rodrigues “inicia afirmando sua tese central: o estudo das modificações que as

condições de raça imprimem à responsabilidade penal, deve levar ‘ao exame das causas que

podem modificar a imputabilidade’” (Schwarcz, 2006, p. 48). Para consolidar sua definição,

alega que algumas correntes que predominaram, durante o século XVIII, são “enganosas” ao

passo que também são “perigosas”.

Não objetivando maior destaque às doutrinas que apóiam seus estudos, Nina

Rodrigues busca a solução de um problema que considera de ordem médico-legal.

Concebendo a obra como um ensaio de psicologia criminal, inicia com uma crítica ao

Iluminismo, aos monogenistas e a “concepção espiritualista” sobre a natureza única de todos

os povos.

A idéia de uma origem comum a todos, segundo o médico, levaria à compreensão de

que a inteligência humana seria, também, comum a todas as raças, “apenas variável no grau

de cultura e passível, portanto, de atingir mesmo num representante das raças inferiores, o

elevado grau a que chegaram as raças superiores” (RODRIGUES, s/d.).

A partir de suas análises, fica evidente que se trata de um dogma pensar na origem

comum da humanidade e na capacidade de desenvolvimento linear, variável apenas no âmbito

cultural. A igualdade, como dito anteriormente, seria uma falácia dos iluministas, assim como

pensar uma comunidade original, uma vez que, para o autor, “o estudo das raças inferiores

tem fornecido à ciência exemplos bem observados dessa incapacidade orgânica, cerebral”

(RODRIGUES, s/d., p. 35,).

Utilizando o método comparativo, afirma, ainda, que nos domínios da legislação penal

prevalecem os velhos “conceitos metafísicos da filosofia espiritualista”:

Com efeito, a universalidade e a identidade dessas idéias e sentimentos são desmentidas de um modo formal pelo exame comparativo do critério de reprovação ou louvor, de criminalidade ou permissão, que em

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uma época dada emprestaram os diversos povos a certos atos, ou que, para um mesmo povo, tiverem eles no decurso de sua evolução social (RODRIGUES, s/d., p. 39).

É aceitável, portanto, que cada povo compreenda a moral jurídica conforme seu

desenvolvimento psicológico e social; porém, para Nina Rodrigues, o que não é cabível é a

idéia de que todos evoluirão para uma única concepção jurídica, aos moldes das sociedades

civilizadas e desenvolvidas social e mentalmente. Aceitar compreensões jurídicas divergentes,

que caracterizam famílias antropológicas singulares, não corresponde a uma aceitação de

evolução intelectual.

Vale ressaltar que não se trata, aqui, de uma desconsideração, pelo autor, pelos povos

que passaram por um desenvolvimento mental e psicológico, oriundo do processo de

adaptação e sobrevivência social, mas, sim, de levar em consideração que estes tiveram uma

origem natural distinta, o que lhes conferiria um estágio de consciência, lógica e abstrata,

distinto. A perfectibilidade, desse modo, era uma ilusão para alguns.

Com isto, Rodrigues estabelece a existência de divergências nas concepções morais

acerca da legalidade e que distinguiam as sociedades entre civilizadas, selvagens e bárbaras.

Sob a legitimidade cientifica conferida por sua carreira, Nina Rodrigues determina que as

atitudes de certas raças, as quais ele considera biologicamente inferiores, como o infanticídio

a venda de crianças e a prostituição, não possuem outro fundamento a não ser a constatação

de uma “origem atávica do criminoso”.

As diferenças existentes entre diversos povos jamais foram explicadas, pelo autor,

como particularidades culturais intrínsecas das mesmas. Ao contrário, o autor, nunca se

aproximou teoricamente do conceito “cultura”, como fariam, anos mais tarde, alguns

pensadores, dentre eles, Gilberto Freyre.

As divergências na compreensão sobre a criminalidade são ilustradas pelo grau de

compreensão da realidade e pelo senso moral dos povos. Se, por um lado, as fases da

consciência moral permitiriam uma apreciação do ato delituoso conforme as exigências de

cada época, por outro lado, haveria o critério do sentimento de probidade e de piedade

presente em determinado estágio humano.

Posto isso, a consciência criminal seria determinada, portanto, pelo grau de

desenvolvimento moral resultante de um dado estágio presente na sociedade ou nas

sociedades, em geral. A função cerebral será condicionada aos desígnios ou padrões de

conduta sociais, tornando o cérebro biológico um cérebro social. Assim, afirma Rodrigues

(s/d., p. 48):

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Uma vez posta à margem a questão metafísica e insolúvel do livre arbítrio, o problema da vontade, tal como o pode estudar a psicologia científica, não escapa às contingências do desenvolvimento evolutivo da mentalidade humana.

É importante considerar, a partir do descrito acima, que as condições psíquicas,

transferidas hereditariamente, são determinantes para constituir um “fundo de ação comum a

todos os membros da comunhão social” (RODRIGUES, s/d., p. 50). Não há outras

possibilidades, além da transmutação lenta e gradual, de pai para filho, seja orgânica ou

material, que levem as raças inferiores a saltos progressivos de desenvolvimento moral rumo

a graus superiores.

A problemática apontada, aqui, não está nas diferenças morais sobre a concepção do

crime, da justiça e da penalidade. O problema maior, identificado por Nina Rodrigues,

demonstra ser quando se conjectura a possibilidade dessas raças distintas, com conceitos

divergentes sobre a criminalidade, conviverem no mesmo espaço social, como era o caso do

Brasil.

Com isso, Nina Rodrigues prossegue seus ataques ao código penal brasileiro, em

especial o livre arbítrio contido no direito nacional.

A legislação penal brasileira, seja no novo código da república, seja no antigo código do império, tomou por base o pressuposto espiritualista do livre arbítrio para critério da responsabilidade penal. Nisso não fez mais do que trilhar a doutrina penal corrente em todos os povos civilizados à européia, reproduzida ainda recentemente no tão debatido código penal italiano (RODRIGUES, s/d., p. 54).

Debate, então, através de inúmeras citações de trabalhos que aceitavam o modelo

iluminista de igualdade e livre-arbítrio, estabelecendo um combate às idéias que anunciavam a

uniformidade cerebral humana, advogando em prol de um relativismo criminal variável de

“idade para idade e de raça para raça”. Nina Rodrigues, assim, transforma a “igualdade em

‘velha doutrina’” e a uniformidade humana em argumento digno do risível.

O autor chega a desconfiar das contribuições de Tobias Barreto em Menores e Loucos

em Direito Criminal (2003), considerado como um expoente do monismo, do evolucionismo

e das demais teorias de cunho racialistas, constituindo-se, mediante tais contribuições, como

um estudo “revolucionador do ensino do direito no Brasil” (RODRIGUES, s/d., p. 55).

Segundo Rodrigues (s/d.), Tobias Barreto não previra a seleção natural como critério

do sistema jurídico. Mesmo refletindo sobre o aperfeiçoamento das práticas penais e jurídicas

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em longo prazo, Tobias Barreto não antevira as consequências lógicas e naturais da teoria

evolucionista, no direito, como Garofalo e Ferri (RODRIGUES, s/d.). O que de fato

sustentava Barreto era o receio quanto à imputabilidade criminal dos sujeitos criminosos.

A consequência para Barreto foi endossar o livre arbítrio, mantendo uma postura hostil

em relação àqueles chamados de “pathologos do crime”.

Para admitir e defender o livre arbítrio, Tobias Barreto não duvidou mesmo renegar os seus princípios filosóficos.

Monista, truncou ele o verdadeiro monismo, o monismo científico ou natural, dando-lhe por coroamento o monismo filosófico de Noiré, que, no consorcio do movimento com o sentimento, achou meios de dar forma nova ao velho dualismo de todos os tempos (RODRIGUES, s/d. p. 56-57).

Para Barretos, os deterministas incidiam no erro espontâneo de acreditar que a

motivação criminal excluiria a vontade do querer ou a do livre arbítrio. Afirma Nina

Rodrigues contra Tobias Barreto:

A escolha dos motivos (a motivação para a incidência no crime), bem como a determinação no sentido da maior resistência (controle emocional sobre as ações e motivações criminais), ‘o nadar contra a corrente’, não são manifestações da liberdade, mas tão somente a resultante da organização físico-psicológica do indivíduo (RODRIGUES, s/d., p. 59).

A motivação para o crime resultaria, portanto, de causas determinadas pelas

características biológicas em face da inexistência do livre arbítrio nos indivíduos ligados ao

fenômeno criminológico. A criminalidade, inerente a determinados povos, seria detectada

como uma doença nas “origens atávicas” do sujeito investigado e julgado.

A discussão volta-se, então, para a questão da cidadania, como lembra Schwarcz

(2006, p. 49):

A própria noção de cidadania passa, dessa maneira, a ser questionada uma vez que não cabe ao ‘indivíduo’ julgar seus atos, uma vez que ele é antes uma decorrência dos atavismos do seu grupo de origem.

O sujeito, criminalizado, apresentaria uma racionalidade limitada pelas características

do grupo de origem, fato que, consequentemente, impossibilitaria o poder individual de

“escolha” e, portanto, de livre arbítrio. Comparando a humanidade com os demais reinos

animais, diz Nina Rodrigues (s/d., p. 61):

[...] a escolha - resulte ela de uma tendência, de muitas tendências, de uma sensação presente, de imagens recordadas, de idéias complexas, de cálculos complicados e projetados no futuro – funda-se sempre numa

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afinidade, numa analogia de natureza, em uma adaptação. Isto é tão verdadeiro do animal inferior como do superior, como do homem para o vício ou para a virtude, para a ciência, o prazer ou a ambição.

Ainda, registra, posteriormente, que:

O ato impulsivo não é, como afirma Tobias Barreto, um ato sem motivos, pois na motivação psíquica, além dos motivos externos, objetivos aparentes [...] há ainda os motivos internos, organizados, hereditários ou adquiridos, e inconscientes ou subconscientes.

Variando desde o automatismo reflexo até a impotência voluntária consciente, os atos impulsivos depõem, ao contrário, contra a existência de uma vontade livre (RODRIGUES, s/d., p. 68).

O crime se transforma em um princípio involuntário à razão humana. Essas raças,

passíveis de identificação física, não poderiam ser julgadas sob os mesmos dispositivos legais

dos povos “civilizados” ou “europeizados”.

Segundo as expectativas de Nina Rodrigues, ao consolidar a medicina legal no país, o

livre arbítrio seria uma utopia condenada pelo tempo e pelo desenrolar da ciência moderna,

ocasionando julgamentos errôneos e penalidades impróprias, sem considerar a realidade racial

dos sujeitos envolvidos. Caberia, posteriormente, ao código penal do Brasil uma séria

reformulação.

A imputação moral, como base e condição da responsabilidade penal, era expressamente estabelecida nos atrs. 2, 3 e 13 do código do império, e acha-se formulada nos arts. 7, 8, 27 e 30 do código vigente. Como natural conseqüência admitem eles a existência de causas capazes de agravar, atenuar e dirimir a responsabilidade penal. Mas, nem como causa dirimente, nem como causa atenuante da responsabilidade penal, figura neles o momento da consideração de raça (RODRIGUES, s/d., p. 76).

A necessidade de um código penal, que considerasse o “momento antropológico” dos

indivíduos em sociedade, é colocada por Rodrigues, uma vez que o legislador brasileiro, por

se cercar de “recapitulação abreviada” dos evolucionistas e criminalistas, criou benefícios e

regalias a todas as raças, considerando-as iguais. O código penal, portanto, deveria avaliar e

identificar racialmente os indivíduos, julgando-os em conformidade às suas características

mentais.

A ausência prática de uma classificação racial, de acordo com estatísticas levantadas

pelo autor, demonstraria que o código penal brasileiro tinha a finalidade de “levar à

penitenciária qualquer raça brasileira indistintamente”, argumenta Rodrigues (s/d.).

Assim, a concepção de um código adequado e “justo” conteria em si, portanto, não

apenas instruções sobre a “menoridade, surdo-mudez, loucura, embriagues, sono”, “grau de

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instrução e educação”, “metros cúbicos de ar respirado nas pocilgas das nossas grandes

cidades”, “habitações miseráveis”, “profissão”, “condições econômicas”, “temperamento

nervoso ou sangüíneo do acusado” (FERRI apud RODRIGUES, s/d., p. 81), mas também a

raça (RODRIGUES, s/data, p. 81).

É claro que esse código, segundo tais princípios, seria elaborado pelas “raças

superiores”, as quais pelo grau de desenvolvimento conseguiriam observar plenamente os

demais estágios evolutivos da humanidade e, consequentemente, as fases de consciência de

dever e direito:

Ora, desde que a consciência do direito e do dever, correlativos de cada civilização, não é o fruto do esforço individual e independente de cada representante seu; desde que eles não são livres de tê-la ou não tê-la assim, pois que essa consciência é, de fato, o produto de uma organização física que se formou lentamente sob a influência dos esforços acumulados e da cultura de muitas gerações; tão absurdo e iníquo, do ponto de vista da vontade livre, é tornar os bárbaros e selvagens responsáveis por não possuir ainda essa consciência, como seria iníquo e pueril punir os menores antes da maturidade mental por já não serem adultos, ou os loucos por não serem sãos de espírito (RODRIGUES, s/d., p. 85).

No Brasil e nas demais sociedades em que as diferenças são visíveis, a interpretação

sobre o direito é diversa e ampla. Assim, para o autor, a igualdade política, civil e jurídica,

não poderia compensar a desigualdade moral e psíquica dos sujeitos.

Segundo Rodrigues (s/d.), à medida que se seguia a escala evolutiva do mais para o

menos desenvolvido, chegaríamos ao seguinte: por um lado, em ações automáticas e reflexas

originadas dos instintos primários da natureza do incivilizado ou atos violentos e anti-sociais

contrários e, por outro lado, em ações refletidas e adaptadas das raças cultas através de uma

ordem afetiva e moral elevadas.

Quando refletimos sobre a obra de Nina Rodrigues e, em especial, esta, não podemos

deixar de argumentar que o autor não apenas pensou nas diferenças presentes no conjunto da

sociedade brasileira, no que tange as características sociais e biológicas, como também

atribuiu, a estas, substantivos próprios e específicos que, além de justificar a desigualdade,

também procuravam classificar a população brasileira num grau de normatividade.

Deixando de criticar as posições do jurista Tobias Barreto, Nina Rodrigues inicia um

debate teórico com Silvio Romero. Mais uma vez, afirma seu preceito de que o grande

problema presente na jurisprudência nacional é a ausência de especulações sobre os

“elementos antropológicos” presentes no país e envolvidos penal e criminalmente: “[...] no

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ponto de vista penal [...] faz-se preciso considerar, no povo brasileiro, todos os elementos

antropológicos distintos, como ele atualmente se compõe” (RODRIGUES, s/d.).

Assim, o etnólogo divide a população local em quatro grupos raciais, e,

consequentemente em grupos sociais, apresentados na tabela seguinte:

Tabela 1: Tipos Raciais Classificados Por Raimundo Nina Rodrigues Tipo Racial - Classificação Definição

Raça Branca Brancos, crioulos não mesclados e pelos europeus ou de raça latina.

Raça Negra Africanos e negros crioulos não mesclados. Raça Vermelha Indígenas. Mestiços Aqueles sem unidade antropológica. Fonte: RODRIGUES, Raimundo Nina. As Raças Humanas e a Responsabilidade Penal no Brasil. Editora Guanabara, s.d.

A Raça Branca “representada pelos brancos, crioulos não mesclados e pelos europeus

ou de raça latina”; a Raça Negra “representada pelos poucos africanos ainda existentes no

Brasil” e “pelos negros crioulos não mesclados”; a Raça Vermelha “ou indígena, representada

pelo brasilio-guarani selvagem que ainda vagueia nas florestas dos grandes estados do oeste e

extremo norte”; os Mestiços Brasileiros “que carecem de unidade antropológica e também

podem ser distribuídos por um número variável de classes; ou grupos” (RODRIGUES, s/d.).

Os mestiços brasileiros poderiam ser identificados a partir da seguinte subdivisão:

Tabela 2: Mestiços Brasileiros Por Raimundo Nina Rodrigues e Subdivisões Específicas Mestiços Brasileiros

Subdivisão Definição

Mulatos Mulatos dos primeiros

sangues, mulatos claros e

mulatos escuros

Produto do cruzamento do branco com o negro

Mamelucos ou

pardos

- Cruzamento do branco com o indígena

Curibocas ou

cafusos

- Cruzamento do negro com o índio

Pardos - Cruzamento das três raças ou cruzamento do mulato com o indígena

Fonte: RODRIGUES, Raimundo Nina. As Raças Humanas e a Responsabilidade Penal no Brasil. Editora Guanabara, s.d.

Os Mulatos são “produto do cruzamento do branco com o negro, grupo muito

numeroso”, divisível, ainda, em mulatos dos primeiros sangues; mulatos claros “de retorno à

raça branca e que ameaçam a absorvê-la de todo” e mulatos escuros “produto de retorno à

raça negra”. Os mamelucos ou caboclos são “produto do cruzamento do branco com o índio,

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que na Bahia basta dividi-los em dois grupos: dos mamelucos que se confundem com a raça

branca e a dos verdadeiros caboclos, mestiços dos primeiros sangues”.

Os curibocas ou cafusos são “produto do cruzamento do preto com o índio”. Enquanto

que considera-se como pardo o “produto do cruzamento das três raças e proveniente

principalmente do cruzamento do mulato com o índio, ou com os mamelucos caboclos”

(RODRIGUES, s/d.).

Tabela 3: Distribuição Regional das Raças Brasileiras Por Raimundo Nina Rodrigues em 1884 Tipo Racial Estados/Região

Branco São Paulo, Minas Gerais; Sul

Negro Bahia Vermelhos ou Indígenas Bahia, São Paulo, Maranhão; Oeste e Norte Mestiços (mulatos, mamelucos/caboclos, curibocas/cafusos e pardos)

Espalhados por toda territorialidade nacional

Fonte: RODRIGUES, Raimundo Nina. As Raças Humanas e a Responsabilidade Penal no Brasil. Editora Guanabara, s.d.

Rodrigues (s/d.) afirma que o predomínio de uma ou outra mistura seria determinado

pela constituição histórica e climática da região que se estabeleceram as raças matrizes.

Ainda, como mostra o pesquisador, a situação do período é a de que, em toda a territorialidade

nacional, de norte a sul ou de uma ponta a outra, “as raças puras ameaçam desaparecer ou

diluir-se no mestiçamento”.

A não conservação da pureza, nas matrizes raciais, traria reflexos tanto na criminalidade

como no futuro das raças. Diferentemente do que era previsto por Silvio Romero, que pensava

ser a miscigenação favorável ao desenvolvimento do povo brasileiro pela preponderância da

supremacia racial branca no cruzamento, Nina Rodrigues afirmava ser o futuro do Brasil

completamente mestiço, sem qualquer unidade étnica. Como reafirma Schwarcz (2006, p. 50):

Aqui se encontra o impasse central entre os dois autores: enquanto Silvio Romero acredita no branqueamento geral da população local - resultante da superioridade racial ou do efeito da imigração branca por ele propugnado -; já Nina Rodrigues afirma que ‘o futuro será mestiço’. Por outro lado, Silvio Romero veria o Brasil sob a chave da unidade; ao passo que Nina Rodrigues destacaria a diferença existente entre as raças no conjunto do território nacional. A diferença, nomeada a partir de culturas, seria, não obstante, ‘racial’ e, portanto, ‘essencial’. Tais diversidades se expressariam nas quatro regiões brasileiras – Norte, Nordeste, Sul e Sudeste -, cada vez mais diferenciadas em suas características básicas.

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Mediante tal conclusão, ainda perdura duas objeções que poderiam ocorrer sobre sua

análise: a primeira, que nas zonas descritas não existiriam uniformidade étnica, o que encerra

dúvidas, uma vez que se demonstra a inexistência de unidade racial no país. A segunda, que

considerem a passagem trivial e ocasional, sem probabilidade de “confirmação futura”. A

esta, responde que sua análise é tão precisa que “a mais poderosa de todas as garantias dessa

futura distinção está principalmente na conformação física geral do país e na sua

climatologia” (RODRIGUES, s/d.).

Em consonância, afirma:

Pode-se exigir que todas estas raças distintas respondam por seus atos perante a lei com igual plenitude de responsabilidade penal? Acaso, no célebre postulado da escola clássica e mesmo abstraindo do livre arbítrio incondicional dos metafísicos, se pode admitir que os selvagens americanos e os negros africanos, bem como os seus mestiços, já tenham adquirido o desenvolvimento físico e a soma de faculdades psíquicas, suficientes para reconhecer, num dado caso, o valor legal de seu ato (discernimento) e para se decidir livremente a cometê-los ou não (livre arbítrio)? (RODRIGUES, s/data, p. 111 – grifos do autor).

O fato é que, para o autor, dificilmente se poderiam inclinar os indígenas e os negros a

terem as mesmas condições do branco civilizado por uma simples convivência entre os três e

fazendo com que aqueles seguissem os mesmos padrões e sentidos de direito e dever social.

O aprisionamento do indígena e a escravização do negro pelo branco poderiam até

conter impulsos “naturais” por meio da violência física e do receio ao castigo, mas, nunca

alterar a natureza dos grupos, transformando-os em “homens civilizados” (RODRIGUES,

s/d.). Escreve:

Então eles se poderão conter pelo temor do castigo e receio da violência, mas absolutamente não terão consciência de que seus atos possam implicar a violação de um dever ou o exercício de um direito, diverso daquilo que até então era para eles direito e dever. A dificuldade real está toda em avaliar a responsabilidade do índio e do negro já incorporados à nossa sociedade, gozando dos mesmos direitos e colaborando conosco com a civilização do país (RODRIGUES, s/d. p. 114)

Sendo assim, admite muito mais a extinção do elemento indígena do que sua adaptação

ao tipo de sociedade existente no Brasil. Nesse sentido, afirma que as culturas de origem

africanas, apesar dos anos subjugados e coexistindo com os brancos, ainda não haviam se

desvinculado das “trevas culturais” em que haviam nascido, tal o estado de sua inferioridade

cultural. Discorre-se, então, sobre o valor humano dos componentes das “raças” e,

principalmente, o valor do sujeito negro. Citando Buffon e Huxley, afirma que o negro herda

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de seus pais, qualquer que seja sua origem, apenas o “espírito de sujeição e a cor”, sendo

“mais engenhosos, mais racionáveis, mais astutos, porém mais libertinos e madraços do que

os vindos d’África” (BUFFON apud RODRIGUES, s/d.).

Afiança, além disso, com bases em Huxley, que qualquer negro não valerá mais que um

branco ou a um ser, a este, superior em qualidades cerebrais, uma vez que, sem ter outros

meios, ao pleitear um lugar social reconhecidamente alto, dificilmente superaria um branco

“melhor favorecido de cérebro” (HUXLEY apud RODRIGUES, s/d.). O negro, segundo

Rodrigues (s/d.), “anatomicamente menos adiantado que os brancos” pertenceria a “uma outra

fase do desenvolvimento intelectual e moral”.

O negro seria, portanto, caracterizado por uma mentalidade imatura e um “caráter

instável como a criança”, fruto, ainda, de um “cerebração incompleta”. Deste modo, a

população apresentaria uma natureza violenta e inesperada, condizentes com sua

predisposição à criminalidade e ao delito. As impulsividades da natureza do negro, vistas

através de atos não sociáveis, levavam a presunção de que “[...] a responsabilidade penal,

fundada na liberdade do querer, das raças inferiores, não pode ser equiparada a das raças

brancas civilizadas” (RODRIGUES, s/d. p. 124).

Para validar o argumento, Rodrigues sugere que nos atentemos para a conservação de

crenças e costumes, conscientes ou inconscientes, da vida pregressa e antepassada dos negros

brasileiros, considerada selvagem e bestial. A preservação de alguns costumes bastaria para

alegar e confirmar o estado de selvageria desses povos. Os negros, assim, ganhavam uma

defesa reversa: o direito da atenuação penal garantida pela constatação da desigualdade, por

Nina Rodrigues.

É verdade biológica bem conhecida que nos cruzamentos de espécies diferentes o êxito é tanto menos favorável quanto mais afastados na hierarquia zoológica estão entre si as espécies que se cruzam. Nestes casos de cruzamento acaba sempre por dar nascimento a produtos evidentemente anormais, impróprios para a reprodução e representando na esterilidade de que são feridos, estreitas analogias com a esterilidade terminal da degeneração psíquica. (RODRIGUES, s/d. p. 132).

Não iremos ponderar, aqui, as considerações levantadas por Nina Rodrigues sobre o

mestiço indígena no país e suas condições étnicas relevantes à criminalidade e imputabilidade

penal, por nosso objeto de pesquisa ser, puramente, outro. Assim, o que nos importa são suas

análises sobre o negro e seus consequentes mestiços.

Neste sentido, apontamos para o que Rodrigues admite ser uma “dedução lógica

rigorosa”; ou seja, a matéria orgânica distinta, quando combinada, resultaria numa

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degenerescência efetivamente criminosa, na falta de energia moral ou na apatia e no

desanimo, segundo diversos autores34, caracterizando o mestiço brasileiro.

Apesar da importância dada às análises de Spencer35 sobre as implicações do processo

de mestiçagem humana, Nina Rodrigues elege as contribuições de Agassiz como apropriadas

para a definição da degradação na mestiçagem. Afirma, então, que o cruzamento ininterrupto

entre raças mistas ocasionava um progressivo desaparecimento dos tipos raciais puros e,

consequentemente, das boas características físicas e morais das raças primitivas.

A associação desses fatores, combinados com outros, como a natureza climática e os

predicados morais e políticos do país, e revelados por Silvio Romero (RODRIGUES, s/d.),

teria como produto um povo degenerado e propenso à criminalidade.

Os fatores a meu ver, diz ele, são primários ou naturais, secundários ou étnicos e terciários ou morais. Os principais daqueles vem a ser – o calor excessivo, ajudado pelas secas na maior parte do país; as chuvas torrenciais no Vale do Amazonas, além do intensíssimo calor; a falta de grandes vias fluviais nas províncias entre o S. Francisco e o Paraíba; as febres de mau caráter, reinantes na costa. O mais natural dos secundários é – a incapacidade relativa das três raças que constituíram o país. Os últimos [...] fatores históricos chamados política, legislação, usos, costumes, que são efeitos que depois atuam como causas (ROMERO in RODRGUES, s/d. p. 140 – grifos do autor).

Constata-se, assim, que a falta de organização física e mental, assim como uma

inaptidão moral ao meio que vive, afirma Nina Rodrigues, é condição para o crime. O suposto

da desigualdade toma seu grande ápice e desfecho. É na desorganização fisiológica e

psicológica que os negros e os mestiços carregariam a natureza criminosa, resultando, disso, a

defesa da imputabilidade penal.

Impróprios para o convívio, incapazes de se controlarem, imprevidentes, hostis,

indolentes e degenerados, os mestiços ganhavam uma definição específica. A idéia geral não

era a de que todos disporiam da mesma responsabilidade, pois a criminalidade dos mestiços

seria definida e analisada, por especialistas, de modo que a imputabilidade definisse a

penalidade. Nem todos os mestiços, portanto, seriam irresponsáveis pelos seus atos.

34 Os autores considerados por Nina Rodrigues que discutem o “problema da mestiçagem” são José Veríssimo,

H. Spencer, Agassiz, Silvio Romero, Buckle, Batista de Lacerda, Ladislau Netto, dentre outros. 35 Podemos perceber, desde Spencer, considerações sobre o cruzamento racial entre espécies denominadas como distintas. Para o autor, em Ensais Scientifiques, Paris (1879), o resultado da mistura de raças sobre as condições mentais do mestiço, decorrente de tal fato, seria um dos grandes problemas para a psicologia da humanidade. Assim, justifica que todo cruzamento no reino animal entre variedades de espécies, tanto no físico como no psicológico, não produz qualquer positividade. Diz, ainda, que a mistura entre sujeitos dessemelhantes resulta em um tipo “anormal” que não serve nem para viver no meio dos “civilizados” sequer para a vida em meio as “raças inferiores”, não prestando, consequentemente, para a vida humana (RODRIGUES, s/d.).

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Do ponto de vista da psicologia criminal, os mestiços seriam julgados conforme a

seguinte classificação: “mestiços superiores”, que pela predominância de características da

raça civilizada, devem ser “julgados perfeitamente equilibrados e plenamente responsáveis”;

em seguida, “os mestiços evidentemente degenerados” que “devem ser considerados

parcialmente responsáveis”, pois representam a variedade doentia da espécie e, por último, os

mestiços comuns, que “[...] pelo desequilíbrio mental que neles operou o cruzamento, não são

equiparáveis às raças superiores e acham-se em iminência constante de cometer ações anti-

sociais de que não podem ser plenamente responsáveis” (RODRIGUES, s/d.).

Ilustração 7. Mestiço Brasileiro, imortalizado na obra de Candido Portinari O Mestiço de 193436

A questão primordial, não seria os indígenas condenados ao desaparecimento pela

lascívia em que estavam imersos, mas os mestiços que se afastavam da originalidade sem

poder retornar para a pureza dos primeiros tipos raciais. Estes mulatos de segundo sangue,

como os denomina Rodrigues, embora apresentassem desenvolvimento superior aos demais

selvagens das florestas brasileiras, corriam maior perigo frente aos desequilíbrios mentais e

afetivos.

Continua:

Parece que é nestes últimos precisamente que mais sensível se torna o desequilíbrio do mestiço e que o que eles ganham em inteligência perdem em energia e mesmo em moralidade. O desequilíbrio entre as faculdades intelectuais e as afetivas dos degenerados, o desenvolvimento exagerado de umas em detrimento as outras tem perfeita símile melhoria de inteligência

36 Fonte: www.culturabrasil.pro.br/imagens/mestico.jpg

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dos mestiços com uma imperfeição tão sensível das qualidades afetivas, que deles exige a civilização que lhe foi imposta (RODRIGUES, s/d. p. 152 – 153).

Destes relatos resulta a explicação para a psicologia do “povo mestiço” e a justificativa,

mais razoável, na perspectiva de Nina Rodrigues, de “certas formas de criminalidade crioula”.

Destarte, conclui o autor que a responsabilidade penal atenuada repousa sobre duas

ordens distintas: uma, de “natureza mórbida”, influência degenerativa que o tempo pode

exercer através dos cruzamentos inadequados entre populações completamente distintas; a

outra, “de ordem natural dependendo da desigualdade bio - sociológica das raças”, uma vez

que existe uma moral distinta compreendida pela raça inferior.

A criminalidade do mestiço brasileiro, associada às características biológicas, enfatizada

por Rodrigues (s/d. p. 166), leva à sua compreensão final sobre a mestiçagem: “dos mestiços,

eu não pretendo que certamente sejam todos irresponsáveis. Tanto importaria afirmar que são

todos degenerados”.

Após uma análise profunda sobre a criminalidade do povo brasileiro, por intermédio da

criminologia, Rodrigues propõe uma reformulação do código penal. Assim, atentando para o

sentido do código e sua procedência sobre raças julgadas inferiores, o pesquisador afiança

sobre a questão da liberdade do querer:

Se até hoje sua eficiência pode parecer suficiente, é que os nossos códigos, impondo às raças inferiores o estalão porque aferem a criminalidade da raça branca, de fato, substituíram inconscientemente na aplicação prática da repressão criminal o livre arbítrio pela defesa social, punindo, com manifesta contradição, em nome da liberdade de querer, a indivíduos certamente perigosos, mas completamente inimputáveis (RODRIGUES, s/d. p. 171).

Desse modo, o autor nos relata a preferência dos legisladores nacionais pelo simples ato

de punir em prol das instituições brasileiras. Favoreceriam, portanto, a proteção de sistemas

sociais estabelecendo sansões a indivíduos imputáveis, mesmo que perigosos, mas que não

detinham maturidade intelectual para discernir entre o direito e o dever na sociedade.

Um exemplo apontado por Nina Rodrigues (s/d.), é a punição para escravos que

cometiam atos hostis com seus senhores, na intenção de “[...] prestar o legislador mais uma

sansão e garantia à instituição servil [...]”. Nina Rodrigues estava convencido de que a adoção

de um código penal único pela República fora um erro grave, podendo até mesmo ser

interpretado como um atentado contra os princípios da psicologia humana.

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Somente um código capaz de analisar as diferenças e as desigualdades humanas,

sustentado pelo exame de caracteres físicos e psicológicos, atingiria a realidade nacional e

forneceria, consequentemente, a prova processual de capacidade ou incapacidade bem como

de imputabilidade criminal.

Tal fato não ocorria no código penal brasileiro, pois o resultado do desajuste no código

penal, aponta o autor, são os diversos institutos correcionais abarrotados de indivíduos sem

plena consciência de seus atos e sem senso de discernimento, principalmente as chamadas

instituições complementares que abrigavam jovens e crianças.

Assegura, ainda, sobre a penitenciária na Bahia, que o “[...] código do império estatuía

que só menores que houvessem cometido crimes, obrando com discernimento, seriam

recolhidos à casa de correção. O novo código, à semelhança do italiano, manda recolhê-los a

estabelecimentos agrícolas especiais (art. 31). Tais estabelecimentos não existem, porém, os

menores continuam a ser recolhidos à penitenciária e à casa de correção” (RODRIGUES, s/d.

p. 199).

Para as penitenciárias eram levados sujeitos de toda sorte e idade, diz Rodrigues,

analisando pessoalmente os jovens detentos. Dessa forma, procura completar o estudo desses

sujeitos criminosos com idade inferior a quatorze anos, refletindo sobre a possível ineficiência

de um código que não respeitasse os limites físicos e psicológicos de todas as raças.

Sobre os jovens reafirma os supostos estigmas que caracterizariam o criminoso,

sobretudo, o criminoso nato e a sua fisionomia:

É um pardo em que os caracteres do mulato e do mameluco estão bem combinados. Ainda completamente imberbe, apenas ligeiro buço. Não apresenta deformação ou estigma físico, não é canhoto, nem ambidestro (RODRIGUES, s/d. p. 201).

Ainda, sobre outro adolescente, recolhido à penitenciária, Rodrigues relata:

É mulato claro, com uma conformação craniana facial assimétrica, hiperbraquicéfalo, com um índice cefálico de 88, 13, as orelhas muito destacadas do crânio e mal conformadas, a abobada palatina profundamente escavada, gago em extremo. É de um cinismo a toda prova; fala dos seus crimes rindo-se e comentando-os com pretensões a espirituoso. Também é pederasta passivo, ladrão, jogador e bêbado. Este menor, apesar de muito claro, tem caracteres inferiores muito acentuados (s/d. p. 205 - grifo nosso).

Diante desse exame, Nina Rodrigues observa ser inviável uma profunda alteração do

código penal da República que se pretende único em todo país, mas que seria bem visto aos

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olhos da ciência moderna como uma adaptação da legislação penal às características étnicas e

climatológicas de cada região. Assim, “nestas condições, diversos estados, os mais afins,

poderiam adotar o mesmo código e as diferenças se fariam sentir apenas naquelas em que a

divergência de condições mesológicas fosse mais acentuada” (RODRIGUES, s/d. p. 207).

Em vista de tais reflexões, podemos atentar para o fato de que a variedade racial,

afirmada pelo autor, bem como a degeneração contida na mestiçagem, denominou o negro

como sendo uma aberração social ou um vício da própria natureza. Determinado por sua

herança genética, em sua face estaria a sina da sua própria raça: a propensão para a

criminalidade, para o banditismo. Não possuindo, portanto, uma capacidade nem para antever

suas ações, quiçá para intuir sua responsabilidade.

É claro que as idéias de Nina Rodrigues não alteraram o código penal brasileiro. No

entanto, Rodrigues articulou diversas alianças com o aparato jurídico-policial com vistas ao

ensino da medicina legal e, paralelamente, de suas teorias (MAIO, s/p.). Do mesmo modo, o

negro sentiu o peso de suas articulações, principalmente, quando enfatizava o atraso de suas

consciências.

Despojados, pelo autor e por muitos outros que seguiam Lombroso e Ferri, da

igualdade biológica e, sobretudo, social, os negros sentiram percorrer no imaginário social

uma visão específica sobre si. Aos outros restava crer, como era assegurado pela época, que

um negro, sendo pobre e coitado, era uma ameaça constante ao projeto de cidadania, pois não

poderia optar por vontade própria seus atos, dada sua natureza. O negro nunca fora e jamais

seria, para este pensador, o dono de seu próprio destino.

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2.1. A Escola Nina Rodrigues e a Medicina Legal no Brasil

É fato bem conhecido nas ciências sociais brasileiras que Nina Rodrigues é o pai dos

estudos sobre os negros no país. Como anunciava Arthur Ramos (2005), sendo Rodrigues o

autor de inúmeras obras, dentre elas As Raças Humanas e a Responsabilidade Penal no

Brasil, acabou por constituir-se como o pioneiro, no final do século XIX, ao lançar mão do

método comparativo que buscava definir o que era o negro de origens africanas na sociedade

do período.

Quando em geral, as obras anteriores aludiam somente aos negros de origens banto,

Rodrigues pôde desenvolver pioneiramente uma obra de tamanho fôlego “reconhecendo

certas sobrevivências dos negros baianos como sendo de origem cultural sudanesa” (RAMOS,

2005).

Mesmo nunca tendo atingido as terras de além mar, Nina Rodrigues pode estabelecer

comparações que também identificavam origens yorubas nos negros do referido Estado. Foi

também este autor, e não podemos deixar de reconhecer, que divulgou as modificações do

patrimônio africano cultural, principalmente a cultura religiosa e o processo de sincretismo,

que sucedeu com a religião católica.

Tais pesquisas influíram toda uma geração de estudiosos, antropólogos e demais

cientistas na compreensão do negro brasileiro. Pode-se afirmar, também, que o autor, por sua

vez, foi pioneiro nas campanhas sanitaristas e no diagnóstico de epidemiologia, afastando-se

de diagnósticos comuns e aproximando-se dos diagnósticos contemporâneos (CORRÊA,

2006).

No entanto, Nina Rodrigues foi também pai da medicina legal no país e, ainda com toda

sua contribuição no âmbito do pioneirismo nos estudos de africanologia, pode-se afirmar,

também, que não deixa de consternar e representar um pesar, aos atuais pesquisadores, este

ponto em sua obra.

Apesar de todas essas contribuições e por seu notório reconhecimento, é preciso

ressaltar que inúmeras obras de Nina Rodrigues são, ainda, desconhecidas. Sobre isso, Mariza

Corrêa (2006) atenta como sendo resultado da “constatação de seu racismo, racismo que era o

do seu tempo, o que fez com que fossem reeditados os textos nos quais esse racismo pode ser

reafirmado”.

Do mesmo modo, faz-se importante mostrar as ambiguidades contidas em toda obra de

Nina Rodrigues, das quais, raramente, se tem um fácil acesso, que a despeito de incorporar o

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“racismo científico”, produto de sua época, sustentava uma enorme empatia pelos seus

sujeitos de pesquisa (CORRÊA, 2006).

Da mesma forma, são também pouco conhecidas suas obras e artigos compilados e que,

mais tarde, se tornariam livros acerca da Medicina Legal. Neste sentido, temos a obra editada,

em 1902, “A Medicina Legal no Brasil”. Entretanto, é por meio da referida e discutida obra

“As Raças Humanas e a Responsabilidade Penal no Brasil” que o autor consolidará seus

estudos de medicina legal, como uma análise da situação racial do povo brasileiro.

É nessa obra que o etnólogo praticará a nova modalidade de medicina social enaltecida

no momento (SCHWARCZ, 2006). Além disso, o período, para tal exploração da nova

modalidade, não poderia ser mais propício diante da conjuntura histórica e social que

emergia: o final do regime escravista, as epidemias de cólera, de febre amarela e de varíola,

juntamente com término da Guerra do Paraguai nos anos de 1870. Salientava-se a higiene e a

figura do sanitarista surgia como um “médico missionário”.

Se, por um lado, no Rio de Janeiro os cientistas atentavam para soluções de doenças e

epidemias no país, por outro lado, os médicos da Faculdade de Medicina da Bahia

direcionavam suas pesquisas para o doente. Assim, a atenção desta última instituição

converge, primeiramente, para os estudos de criminologia, direcionando, posteriormente, as

análises sobre a alienação e a condição do louco na saúde pública brasileira.

Desse modo, o objeto de estudos na Faculdade de Medicina da Bahia não correspondia

mais a análise da doença ou do ato criminoso, mas para o sujeito doente, ou seja, o criminoso

que carregaria em si a anormalidade social e biológica capaz de subjugar e transformá-los em

ameaças aos princípios da “civilização” (ALVAREZ, 1996; SCHWARCZ, 2006).

Para esses profissionais-peritos, a medicina social e a psicologia criminal responderiam

as mazelas nacionais e consolidariam, no país, práticas de prevenção de patologias sociais e

morais que abrangiam o negro, o indígena e, sobretudo, o mestiço.

Nesse contexto, em que as grandes teorias do século XIX invadiam a intelectualidade e

também a população em geral, por meio da propaganda e da repercussão que obtiveram, em

especial, por intermédio da panfletagem e da literatura, a aspiração fundamental de Nina

Rodrigues era estabelecer a primazia da medicina sobre as demais disciplinas de cunho social

e histórico.

A busca, evidentemente, por uma prevenção da criminalidade enquanto uma anomalia

social que se restringia à determinados grupos, considerados como grupos de risco, garantia

aos adeptos da Escola de Nina Rodrigues a possibilidade de restrição da cidadania aos povos

manchados pela desigualdade.

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Para Nina Rodrigues, enquanto a raça determinava o tipo de responsabilidade penal,

consolidando uma hierarquia pautada na diferença, também se pressupunha uma

hierarquização da cidadania entendida a partir da evolução das raças. Como aponta Marcos

César Alvarez (1996, p. 250-251):

A analogia entre selvagens, loucos e menores indica claramente a conseqüência de fundo do argumento de Nina Rodrigues: para além dos ideários quiméricos de igualdade, defendidos pelos juristas da escola clássica, a realidade da desigualdade biológica e social impunha, segundo o autor, a necessidade de tutelarização de todos os grupos de indivíduos que ainda não tivessem atingido a maturidade necessária para serem tratados como plenamente responsáveis. Ou seja, podemos dizer que é uma verdadeira hierarquização da cidadania, baseada no suposto grau de evolução biológica dos indivíduos e das raças que Nina Rodrigues propõe. O próprio autor admite que a conseqüência lógica de sua proposta seria a admissão de uma responsabilidade penal atenuada – uma cidadania atenuada diríamos nós – para a maioria da população brasileira.

Diante da diversidade existente no país, Nina Rodrigues e seus discípulos, como Afrânio

Peixoto e Arthur Ramos, ambos da Escola Nina Rodrigues, transformavam a diferença em

desigualdade e propunham a medicalização social, através da distribuição dos sujeitos por

meio da origem racial, uma caracterização, essa, capaz de identificá-los e contê-los conforme

as exigências do período.

Mesmo com todo o esforço de Arthur Ramos no século XX, em especial nos anos de

1930, em reabilitar as contribuições de Nina Rodrigues buscando uma troca sistemática do

conceito de raça pelo conceito de cultura, a idéia de cultura jamais passou perdurou nos

ensinamentos de Rodrigues.

A partir disso, poderíamos afirmar que a mistura racial, em Nina Rodrigues e,

posteriormente, na Escola Nina Rodrigues, ganha uma negatividade, podendo restringir-se

como patologia individual ou espalhar-se a todo um grupo social como verdadeira doença ou

epidemia.

A produção desse conjunto de referências científicas, revela Roberto Ventura (1991),

transforma a questão étnica central no Brasil, uma vez que a miscigenação colocaria em risco

as nacionalidades pela introdução de sujeitos heterogêneos na constituição da identidade

nacional, resultando, assim, em um suposto atraso social no país.

O racismo científico, que encontrou nas contribuições de Nina Rodrigues as condições

para sua divulgação através da medicina legal, assumiu uma função interna. Segundo Ventura

(1991), ao ser adotado quase de forma unânime, a partir de 1880, no Brasil, o racismo

científico se enviesou nos ideários liberais refreando as tendências igualitárias e

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democratizantes proferidas pela República ao conceder argumentos para as práticas e

estruturas sociais autoritárias.

Tais fatos podem ser entendidos, também, quando Nina Rodrigues, como professor de

medicina legal (1891), passa a defender a implantação do ensino prático de medicina legal e a

nomeação de professores da disciplina como peritos de instituições policiais, confirmando,

além disso, a necessidade de perícia médico-legal nos tribunais judiciários.

Em consonância com as múltiplas faces e facetas do autor, em 1906, é criado o Instituto

Médico Legal Nina Rodrigues (IMLNR), o mais antigo dos quatro órgãos que compõem a

estrutura do Departamento de Polícia Técnica da Bahia.

Por sua vez, pode-se afirmar, também, que a Escola Nina Rodrigues é uma invenção

póstuma do pesquisador Nina Rodrigues, sendo liderada por alguns de seus discípulos, dentre

eles, os médicos Afrânio Peixoto e Arthur Ramos, na tentativa de conferir maior credibilidade

às militâncias médico-etnólogo, no campo da Medicina Legal.

É notório, da mesma maneira, que, após os anos de 1930, a Medicina Legal se

transformou em política de Estado com todos os incentivos para a higienização, na

transferência das áreas pobres, principalmente no Rio de Janeiro, e para áreas periféricas,

incentivos para campanhas de vacinação, dentre outras, que já mencionamos anteriormente.

As contribuições, não apenas de Nina Rodrigues, mas de todo seu legado, a partir de

seus seguidores e discípulos, são intensas. Com as interferências da escola e dos subsídios

teóricos e metodológicos do autor, o objeto de reflexão tanto da medicina como do direito, por

meio da criminologia, alteram seu significado.

A implicação das análises de Nina Rodrigues sobre o aparato jurídico e policial

constitui-se como a formação de justificativas para as causas da criminalidade no século XX.

Dentre as mais relevantes, e que aparecem nas pesquisas sobre a concepção popular das

causas da criminalidade, encontramos as que justificam o crime e a criminalidade por fatores

de natureza econômica, fato que liga a criminalidade à pobreza e associa, consequentemente,

a figura do pobre com a figura do bandido em potencial e as que se justificam através de

fatores dependentes de explicações “genéticas”, “psicológicas” ou de moral individual

(BENEVIDES, 1983).

O racismo científico, pautado por Nina Rodrigues, resultou em um estigma social

sobre um dado grupo. Aos negros restava uma situação marginalizadora e a luta constante

pela igualdade, ou seja, a constante associação, a partir de então, de sua imagem física à

condição de criminoso nato.

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3. A Força Pública em São Paulo: seus primórdios

Mais do que para combater o crime, a polícia foi

criada para enfrentar as ‘classes perigosas’, controlar as

manifestações das classes baixas e desse modo preservar

o status quo.

Paulo Sérgio Pinheiro

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3.1.Origens do Aparelho Policial no Brasil

A consolidação de uma instituição, de caráter militar, como a polícia se deu ainda nos

primórdios da colonização do Brasil. Segundo Werneck Sodré (1968), os primeiros tipos de

expedições punitivas e policiais eram destinadas ao combate dos traficantes de madeira

brasileira.

Assim, a legislação dos séculos XVI e XVII procurava atribuir aos colonos os deveres

militares de proteção litoral do território brasileiro, ao passo que cabia ao Reino de Portugal

ou o poder público, responder com armamentos e com recursos monetários. Por outro lado,

também se formavam os chamados Corpos de Ordenança e as Tropas Auxiliares.

Em dezembro de 1570, por disposição legislativa de D. Sebastião e na tentativa de

organizar militarmente a metrópole e seus domínios coloniais, os Corpos de Ordenança se

organizaram, através do Regimento das Ordenanças e dos Capitães-Mores (MELLO, 2006),

colocando, a sua disposição, todos os homens, entre dezoito e sessenta anos, aptos para

combater37.

Além dos Corpos de Ordenanças, as Tropas Auxiliares ou Milícias foram de grande

importância na prestação de serviços nas capitanias do Brasil. Estas tropas, por sua vez,

surgiram quando D. João IV, inovando os exércitos europeus, após a primeira metade do

século XVII, reorganizou as tropas militares do Reino. Tal força militar era utilizada nas

campanhas que empreendiam grandes guerras, como afirma Mello (2006, p.32):

Os Auxiliares tinham por dever acudir as fronteiras para as quais estavam designados e, enquanto nelas persistiam mobilizados, receberiam como os soldados pagos. As Ordenanças não apenas serviam na pequena guerra, local e circunscrita, senão também, quando fosse grande a necessidade, deveria guarnecer as praças que lhe ficavam mais vizinhas.

A estrutura dessa primeira força policial era insuficiente, porém burocratizada pelo

Estado. Conforme relata Werneck Sodré (1968, p. 31), “os oficiais subalternos, sargentos e

cabos eram nomeados pelos capitães, mediante a aprovação dos capitães-mores, pelas

câmaras [...]” e, assim, sucessivamente, até o governador da província.

Compostas por classes sociais específicas, principalmente, as Ordenanças e as Tropas

Auxiliares e sendo, reconhecidamente, honradas, proprietárias e de “melhor nobreza”, essas

37 Sobre o papel político e disciplinar das companhias militares que se desenvolveram em meados dos séculos XVI, XVII e XVIII, consultar MELLO, C. F. P. Os Corpos de Ordenança e auxiliares. Sobre as relações militares e políticas na América Portuguesa. História: Questões & Debates, Curitiba, n. 45, p. 29-56, 2006. Editora UFPR.

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forças militares tinham por objetivo a defesa dos interesses da classe dominante colonial em

detrimento dos interesses de ordem pública.

Por volta do século XVIII, a realidade e a estrutura militar brasileira, necessariamente

portuguesa em virtude da dominação colonial, se torna mais rígida, atingindo graus de alcance

e intervenção amplificados. Diversas questões corroboram para a transformação das

características policiais, dentre elas as incursões estrangeiras como a do episódio Holandês e

das operações, no Prata, no século XIX.

Cabe aqui uma pequena digressão histórica. A Guerra do Paraguai foi vivenciada por

quatro nações latino-americanas que, ainda, se encontravam em formação no período: o

Império Brasileiro, a Argentina, o Uruguai e o Paraguai. Desprovido da principal rota de

escoamento de produção no interior do continente sul, entre 1851 e 1870, o Brasil foi

responsável por três campanhas militares na região platina38.

A primeira delas se deu entre 1851 e 1852, contra Oribe e Rosas, presidentes do Uruguai

e da Argentina respectivamente; a segunda, em 1864, contra Aguirres, então presidente do

Uruguai e, finalmente, contra as forças de Solano Lopez, presidente do Paraguai, entre os

anos de 1864 a 1870 (PETTA & BAEZ OJEDA, 2000).

Se por um lado, para o Paraguai, a guerra trouxe consequências terríveis com cerca de

75% da população existente no período morta e sendo que aproximadamente 90% destes eram

do sexo masculino; por outro lado, para o Brasil as consequências também foram

significativas (PETTA & BAEZ OJEDA, 2000).

Após 1870, associado ao fortalecimento da causa abolicionista, uma vez que para

engrossar as fileiras do exército o Império prometera a liberdade aos negros que lutassem na

guerra, há uma ascensão política de um exército consciente de seu poder e que via crescer, em

si, o sentimento republicano.

Nas palavras de Werneck Sodré (1968, p. 143):

[...] a maioria da tropa regular que combateu no exterior era constituída por negros; depois de carregar o fardo do trabalho, carregariam o

38 A Bacia Platina é formada pelos rios Paraguai, Uruguai e Paraná. A comunicação entre os três rios permitia uma vida comercial bastante ativa no período. Em 1828, o Império Brasileiro perde o domínio sobre a região do Rio da Prata com a independência da Província Cisplatina, que formou a República Oriental do Uruguai. A região, de significativa importância, era o ponto de escoamento da produção do Cone Sul. Desde o período colonial, a região platina foi cobiçada pelas potências ibéricas e, durante o século XIX, o Brasil tinha amplo interesse no Estuário do Rio da Prata, pois era por intermédio dele que era possível alcançar o Mato Grosso. Era necessário, portanto, garantir os interesses brasileiros no local (MILANESI, 2004; CHIAVENATO, 1998).

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fardo da guerra. Mas voltariam ao país com novo espírito, com capacidade muito mais ampla de analisar a sociedade escravista brasileira.

Desse modo, o exército brasileiro retornou da guerra como uma instituição organizada,

disciplinada e consciente de seu poder. No entanto, mesmo com um comportamento decisivo

para o desfecho da guerra, com o término do conflito, os militares brasileiros foram deixados

à margem da vida política nacional (WERNECK SODRÉ, 1968).

Algumas decisões governamentais caracterizam este momento. Dentre elas, a

proibição de expressar publicamente opiniões políticas pelos militares, a demissão do

comandante da Escola de Tiro de Campo Grande (RJ) e a acusação de corrupção sofrida por

um capitão do Piauí, acentuaram os conflitos entre a instituição militar e o Império (PETTA

& BAEZ OJEDA, 2000; WERNECK SODRÉ, 1968).

Em virtude do descontentamento militar originado a partir destas questões, juntamente

ao contato com repúblicas geridas por membros do exército, os militares passaram a exigir

maior participação política, uma vez que a própria participação na guerra, os havia

conscientizado de sua importância e de seu potencial bélico, passando a representar a maior

resistência do organismo político nacional (WERNECK SODRÉ, 1968).

O positivismo foi a principal corrente teórica a influenciar o Republicanismo militar,

divulgado, principalmente, por Benjamim Constant, professor e militar (PETTA & BAEZ

OJEDA, 2000; WERNECK SODRÉ, 1968). Como resultado, os militares uniram-se à

aristocracia cafeeira do Oeste Paulista, descontente com a orientação do governo em relação a

questão da mão-de-obra e da abolição. Dessa união se originaria a decadência do Império e,

depois, a proclamação da República, já referidos, anteriormente, neste estudo.

Além destas incursões militares no século XIX, outras de caráter econômico aparecem

com significativa importância para a ampliação da intervenção das tropas Auxiliares, como a

necessidade de expansão do mercado Português e Inglês associado à produção pecuarista que

se desenvolvia no sul e na região aurífera, cujo domínio era espanhol.

Por estas razões, em 1738, o ensino militar se torna obrigatório na colônia. Sendo que,

em 1774, é criada a Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho, no Rio de Janeiro,

dividindo seu curso em duas partes: o curso de matemática e o curso de exercício prático

(WERNECK SODRÉ, p. 54)39.

39 Durante a administração do Vice-Reino do Estado do Brasil (1769-1779), Ribeiro Sanches, em seu livro Cartas Sobre a Educação da Mocidade (17-?), propõe ao Marquês de Pombal a criação de uma escola militar que propiciasse a des-teologização da política aplicada à disciplina social vista, profundamente, pelo ensino

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Assim, nos três primeiros séculos de dominação portuguesa, o corpo policial ficou

dividido da seguinte maneira: enquanto predominou a produção agrícola no país, as forças

policiais eram compostas pelas expedições bandeirantes e pelos corpos de ordenança. À

medida que a produção de riquezas se tornou aurífera, a força policial passou a ser comandada

pelas milícias, com a manutenção das ordenanças.

Tabela 4: Distribuição das Funções Policias Conforme Atividade Econômica – Séculos XVI e XVII.

Sistema de Produção Corpo Militar Policial

Funções

Expedições Bandeirantes

Aprisionamento de indígenas para o trabalho forçado; expansão do território para além do Tratado de Tordesilhas.

Agricultura

Ordenanças Proteção litorânea contra tráfico de madeira brasileira.

Milícias Arrecadação de Impostos; investida externa no litoral; força suplementar ao conflito no sul pastoril.

Mineração

Ordenanças Apoio às batalhas e conflitos no sul do país.

Fonte: WERNECK SODRÉ, Nelson. História Militar do Brasil. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1968.

Assim, progressivamente, as ordenanças foram substituídas pelas milícias e pelas tropas

regulares, cuja especificidade era a proteção das autoridades políticas e econômicas do

período.

A Constituição de 1824, após a independência política do Brasil, procurou definir as

bases de uma estrutura militar oficial semelhantemente à estrutura colonial. Segundo

Rodrigues Fernandes (1972), o aparelho policial do estado e sua constituição funcionavam

como garantidores dos interesses de classes, sendo que, após 1822, qualquer alteração na

organização do sistema militar fora herdada do período colonial.

Três categorias militares emergem desse processo, ou seja, a tropa regular, também

conhecida como tropa de primeira linha ou exército, paga pelo Estado, as milícias e as

guardas policiais, ambas de caráter auxiliar e gratuitos. Dessa forma, ao exército competia a

defesa das fronteiras, às milícias, a manutenção da ordem pública nos limites da comarca;

jesuíta. Assim, Ribeiro Sanches indica que a instrução da mocidade se desse a partir do que ele chamou de Escola Militar ou dos Nobres. Para uma visão aprofundada desse assunto, consultar: MELLO (2006); SANCHES (17[?]).

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sendo que as guardas forneciam a segurança dos indivíduos, perseguindo e aprisionando

criminosos.

Em 1831, há uma reorganização do aparelho policial. Por determinação da Regência, os

corpos de milícias e de ordenanças são substituídos pela guarda nacional e pelas guardas

municipais. De acordo com Werneck Sodré (1968), ao consolidar a guarda nacional40, os

latifundiários forjavam o instrumento militar necessário para neutralizar o exército que, já

nessa época, compartilhava dos ideais liberais e republicanos.

O corpo de guardas municipais é considerado, por muitos pesquisadores como

Fernandes Rodrigues, a força originária da atual polícia militar do estado de São Paulo.

Composto em quinze de agosto de 1831, por determinação do ministro de justiça do Primeiro

Reinado, Antonio Feijó, o corpo de guardas municipais era constituído por voluntários, com

organização de cavalaria e infantaria, objetivando a manutenção da tranquilidade pública e o

auxílio à justiça.

O surgimento do corpo de guardas municipais significava uma reação da elite agrária e

intelectual às forças sociais como o movimento patriótico de 183141, que ameaçavam o status

quo existente. Assim,

[...] a implantação e a organização mesma destas forças é determinada, ao nível jurídico – político, pela necessidade de preservar a ordem nos vários níveis da própria dominação... Nesse sentido são criadas várias forças que garantem a ordem em várias ‘faixas’: a ordem municipal, a ordem provincial e a ordem nacional (RODRIGUES FERNANDES, 1972, p. 73).

Após uma curta existência, o corpo de guardas municipais é substituído pela guarda

municipal permanente, em função da lei de quinze de outubro de 1831, sendo aprovado, no

ano seguinte, pelo então presidente da província, Brigadeiro Raphael Tobias de Aguiar, como

organização militar de São Paulo.

Apesar de um efetivo de cento e trinta homens, inicialmente divididos em cavalaria e

infantaria, essa guarda municipal, continuamente, sofreu dificuldades no recrutamento de

indivíduos, uma vez que seus praças e oficiais eram ainda compostos de voluntários, os quais

40 Para maiores informações sobre o papel da guarda nacional e a desvalorização do exército durante o Primeiro Reinado, consultar WERNECK SODRÉ, Nelson. História militar do Brasil. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1968. A guarda nacional foi criada pela elite agrária do país com o objetivo de defender a classe contra as investidas sobre sua posição social. Na medida das suas necessidades, os proprietários e senhores de escravo utilizavam os serviços da guarda nacional, mantendo seu provimento sobre os dispêndios próprios. 41 O movimento patriótico de 1831 foi composto pelas seguintes manifestações: movimento Caramuru de direita radical, Chimangos que eram centristas conservadores e pelos Jurujubas ou Farroupilhas de caráter republicano. Sobre estes movimentos consultar WERNECK SODRÉ, N. História Militar do Brasil. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1968.

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tinham que provar sua idoneidade moral através de pessoas influentes da capital ou dos

municípios.

Ilustração 8. Brigadeiro Raphael Tobias de Aguiar42

Até a guerra do Paraguai (1865), a força policial era composta pela, então, guarda

municipal permanente, pela guarda policial e pela companhia de pedestres. De modo geral,

podemos afirmar que todas visavam garantir a manutenção da ordem interna e social.

Se por um lado, a guarda municipal permanente tinha a função de manter a ordem

provincial, com atuação em todo território da província de São Paulo, por outro lado, a guarda

policial atuava na preservação da ordem nos municípios, enquanto a companhia de pedestres

preservava a ordem na capital São Paulo, funcionando como força auxiliar da guarda

municipal na zona urbana (RODRIGUES FERNANDES, 1972).

Em 1868, após mandar a guarda municipal permanente e a guarda nacional para a guerra

do Paraguai, constituindo o corpo de Voluntários da Pátria, o aparelho policial sofre uma

segunda reorganização. A, então, guarda municipal permanente recebe o nome, por sua vez,

de corpo policial permanente, com um contingente de cerca de trezentos homens.

Nesse mesmo período, visando uma manutenção da ordem nas propriedades rurais e a

captura de escravos fugidos, é criada a polícia local em substituição a guarda policial.

Formava-se, desse modo, uma divisão dentro do aparelho policial: a força policial urbana e a

força policial rural.

Como eram corpos de policiamento compostos por voluntários, a carência de efetivos

era sempre muito sentida. Com a proibição do tráfico de escravos e a consequente ampliação

42 Fonte: www.polmil.sp.gov.br. Como presidente de São Paulo, o Brigadeiro Raphael Tobias de Aguiar, fundou a Polícia Militar no dia 15 de dezembro de 1831.

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de um mercado de mão-de-obra livre, a força policial era dependente da propriedade rural,

uma vez que os proprietários definiam a liberação de voluntários para a arregimentação.

Em virtude desse fato, o exercício legal da violência se mantinha sob o domínio do

proprietário (RODRIGUES FERNANDES, 1972; WERNECK SODRÉ, 1968). Assim, a

força policial rural servia aos interesses da classe dominante. Além de perseguir escravizados

fugitivos, como já mencionado, controlava, também, as revoltas escravas, as campanhas

abolicionistas e atacava os quilombos, que se formavam e ameaçavam a propriedade privada.

Ilustração 9. Corpo de Permanentes na Guerra do Paraguai43, sem autor

Em contrapartida, o crescimento demográfico da cidade de São Paulo exigia um

aperfeiçoamento dos instrumentos de manutenção da ordem por parte do Estado. Com isso,

no ano de 1850, vinte e cinco homens integraram a companhia de pedestres, que acabara de se

formar, mas que acabou sendo, extinta quatro anos depois.

O surto cafeeiro dos anos de 1870 configurou um processo de urbanização que, apesar

de lento, se mostrou contínuo. Nesse contexto, novos sujeitos sociais passam a integrar o

núcleo urbano, gerando nos grandes proprietários e na elite intelectual, uma sensação de

insegurança e perigo constantes. Dentre os sujeitos, identificamos trabalhadores estrangeiros,

negros que voltavam alforriados após a guerra do Paraguai, mulheres que assumiam o posto

de trabalho dos homens enviados à guerra, etc.

Desse processo, duas resultantes foram facilmente sentidas, ou seja, a criação, em 1875,

da guarda urbana e o aumento do efetivo do corpo policial permanente. Dessa forma, a guarda

municipal permanente e, posteriormente, corpo policial permanente possuía um caráter muito

mais restaurador do que mantenedor da ordem social, servindo em casos de revoltas sociais.

43 Fonte: http://www.ssp.sp.gov.br/Institucional/historico/1865.aspx. Obra sem autor e data.

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Em São Paulo, a criação dessa força policial é dada devido a necessidade de se controlar

os movimentos políticos; em especial, o temor sobre o crescimento da questão abolicionista,

juntamente ao temor “civilista” com as tropas de linha que, após Feijó e a Questão Militar, se

mostravam descontentes.

Além disso, vale ressaltar que essa força policial também era utilizada para a

manutenção da ordem escravista. Nas palavras de Fernandes Rodrigues (1972, p. 123), sobre

o corpo policial permanente: “[...] seu objetivo é defender a manutenção da mão-de-obra

essencial à economia agrária deste período: o escravo. Esta função liga-o de imediato à defesa

do próprio regime de produção”.

Tabela 5: Aparelhos Policiais no Estado de São Paulo - 1831 a 1969 Força Pública do Estado de São Paulo Ano de Existência

Guarda Municipal 1831 – 1831 Guarda Municipal Permanente 1832 - ? Guarda Nacional 1831 – 1922 Companhia de Pedestres 1850 – 1854 (?) Guarda Municipal da Província 1866 – 1868 Polícia Local 1868 – 1888 Guarda Urbana 1875 – 1969 Fonte: RODRIGUES FERNANDES, Heloisa. A Força Pública de São Paulo: origem, determinações e fundamentos históricos (1831 – 1926). 352f. 1972. Dissertação (Mestrado)-Departamento de Ciências Sociais (Sociologia) da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. 1972.

No ano de 1885, percebermos alguns destacamentos policiais nas cidades consideradas

importantes na época: Santos, Taubaté, Campinas, Rio Claro, São Carlos do Pinhal,

Araraquara, Franca, Ribeirão Preto, entre outros, nas quais pudemos inferir o trabalho

policial.

É, sob este contexto, que o número de prisões para averiguação, contravenção penal ou

mesmo vadiagem se alteram. O aparelho policial ganha, então, a função de preservar a ordem

e conter aqueles considerados como perigosos.

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3.2. O Corpo Policial Permanente e o Serviço Policial Militar

O serviço policial do corpo de permanentes pode ser dividido em duas categorias.

Primeiramente, a de caráter ordinário, cuja função é o policiamento das ruas, a apreensão de

criminosos em flagrante delito, o policiamento de trânsito e o socorro dos indivíduos. Já a

segunda, pode ser classificada como extraordinário, na medida em que usa a força repressiva

para controlar perturbações na ordem tanto provincial como nacionalmente.

Durante todo o Império, a instrução dos praças foi bastante rudimentar. Após o

recrutamento, ou mesmo para a ascensão na carreira, não era exigido qualquer tipo de curso,

seja de formação ou de aperfeiçoamento. Assim, sem nenhum conhecimento e advindos dos

grupos subordinados ao poder latifundiário, os membros do corpo policial ficavam sob as

ordens da elite agrária e letrada do país.

Deste modo, concluí-se que a elite agrária e letrada detinha além do poder econômico e

político, o saber científico, derivado da Europa. Com isso, era possível para a classe

dominante usar o aparelho policial da forma que lhe convinha, legitimando o uso da violência,

não apenas no controle dos movimentos que ameaçavam a ordem, mas, sobretudo, no controle

das demais classes sociais e os grupos étnicos.

A organização do aparelho policial, principalmente o corpo de permanentes, se

constituía a partir da disciplina, a qual se constituía por meio de uma dominação rígida por

parte dos oficiais (RODRIGUES FERNANDES, 1972). Assim, a falta de instrução associada

a uma disciplina rígida e a subordinação aos grandes proprietários não permitiam o

desenvolvimento de uma consciência profissional da classe.

De 1889 a 1901, a força policial de São Paulo sofre inúmeras transformações que

refletem certa instabilidade na própria organização dos corpos policiais. Nesse contexto, todos

os grupos de policiamento são extintos, com exceção do antigo corpo de permanentes,

principalmente pela alteração da ordem política, em 1889, e consequente transformação do

regime em República da Espada, comandada, por sua vez, pelo marechal Deodoro da

Fonseca.

Em 1891, o corpo de permanentes passa a ser denominado de corpo militar de polícia

urbana, compondo, assim, em 1892, a Força Militar de Polícia do Estado. Em 1901, outra

reorganização interna agrupa a força policial, denominando-a de Força Pública e a qual

passou a ser composta por quatro batalhões de infantaria, um corpo de cavalaria, um corpo de

bombeiros e uma guarda cívica da capital.

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As mudanças estruturais trazidas pelo fim da escravidão e pela nova ordem republicana,

como a maior participação das classes populares nos movimentos e a ampliação dos direitos

políticos, repercutiram nessa organização da força policial de São Paulo.

A contrapartida oferecida pelo aparelho policial para essa nova ordem social pautava-se

por uma racionalização profissional. Desse modo, através da contratação da Missão Militar

Francesa e da abertura do curso de oficiais, o ingresso na Força Pública significou a

possibilidade de ascensão progressiva na carreira, além da especialização técnica do aparelho

policial. De acordo com Hélio Bicudo (1992, p. 38),

Considerando a necessidade de uma corporação realmente funcional, o governo do estado de São Paulo providenciou a vinda de uma missão do Exército francês, para instruir seus integrantes. Em relatório de 1907, Jorge Tibiriçá salientou que os distintos oficiais do Exército francês elevariam o nível moral da Força Pública, fornecendo-lhes os mais modernos ensinamentos da arte militar para torná-la um órgão de defesa social efetivo e poderoso.

É nesse contexto que a Força Pública será submetida ao comando da Polícia Civil, fato

que acarretará uma divisão, ideologicamente, de seus membros em dois grupos distintos: o de

ideologia civilista e o de ideologia militarista.

Para o primeiro grupo, o trabalho policial constituía em um policiamento preventivo,

visando o bom andamento das classes dominantes. Os agentes desse grupo de policiais

deveriam ter uma educação aprimorada nos padrões da elite, ser gentis e amáveis e,

principalmente, brancos, caracterizando o que Rodrigues Fernandes (1972) chamou de “elite

policial”. Nas palavras da autora:

Não obstante, exatamente pelo tipo de serviço a que destina, estabelece tais exigências quanto ao recrutamento de seu pessoal que acaba por se transformar numa espécie de ‘elite policial’. É a partir deste enfoque que se pode explicar que inclusive o preconceito racial impera na seleção dos vigilantes, fato denunciado pela imprensa paulista da época (FERNANDES RODRIGUES, 1972, p. 281).

Para os adeptos da ideologia militarista, o exercício de policiamento era de caráter

militar, cuja atuação se fazia necessária em momentos de conflitos e abalos no status quo. O

recrutamento do efetivo privilegiava características repressivas, afastando seu contingente, ao

máximo, do restante da população.

A partir do ano de 1924, o grupo militarista assume a hegemonia e expande sua força

pública em âmbito nacional. A distribuição do efetivo passa, então, a seguir o modelo adotado

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pelo exército na racionalização profissional e nas técnicas de policiamento até que, em 1932,

a Força Pública se torna o esteio da Revolução Constitucionalista44. Vale ressaltar que a Força

Pública ainda esteve presente na Segunda Guerra Mundial.

Após 1932, a Força Pública continuava útil na repressão popular estabelecida pelo

Estado Novo e pelas feições nazifascistas assumidas pelo governo de Getúlio Vargas

(BICUDO, 1992). No entanto, a Força Pública, gradativamente, foi perdendo a posição de

guardiã nacional para as Forças Armadas, em especial, para o Exército. Assim, procurava por

outras funções, as quais já se encontravam assumidas pela Guarda Civil e pela Polícia Civil.

Inúmeras discussões, acerca do papel da Força Pública e das suas consequentes

despesas, nortearam os debates tanto políticos, midiáticos, quanto dentro da própria milícia,

nos anos seguintes. Em 21 de novembro de 1956, o jornal O Estado de São Paulo declarou

sobre a Força Pública:

Inerte como se acha, não somente causa inquietação entre seus integrantes, que desejam trabalhar, como ainda absorve 60% do orçamento destinado à Secretaria de Segurança Pública [...] enquanto isso, o policiamento de São Paulo se revela precário, muito longe das necessidades de uma cidade que é mais do que isso, porque é uma grande metrópole cosmopolita, e que exige rigor no serviço de vigilância por causa do número elevado de maus elementos que aqui pulula.

O desfecho para a situação da Força Pública do estado de São Paulo veio, a partir de

1964, com o golpe militar e com a ideologia da segurança nacional. Assim, em virtude dos

atos de guerrilha desencadeados por grupos de resistência armada contra a ditadura militar

tornou-se, evidente, a necessidade da criação de um grupo policial que pudesse auxiliar na

força e na repressão militar.

Em consequência, a Força Pública e a Guarda Civil fundiram-se no estado de São Paulo

bem como outras fusões semelhantes passaram a ocorrer nos demais estados do país. Para

Bicudo (1992, p. 39), a “[...] Polícia Militar substituiu as forças públicas e as guardas civis:

das primeiras, ‘herdou’ os enfrentamentos populares e das outras, o policiamento ostensivo,

mas sob o controle direto do Exército”.

44 A Revolução Constitucionalista de 1932, a Revolução de 1932 ou, ainda, a Revolução Paulista foi um movimento armado no estado de São Paulo, entre os meses de julho e outubro de 1932, tendo como objetivo a derrubada do governo provisório de Getúlio Vargas. A Revolução de 1932 foi uma reação dos paulistas à Revolução de 1930, que impediu a posse do governador de São Paulo, Júlio Prestes à presidência da República. Para maiores informações sobre a Revolução Constitucionalista, consultar a obra de VAMPRÉ, Leven, São Paulo Terra Conquistada, São Paulo, Editora Paulista, 1932.

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De acordo com Pinheiro (1982), o decreto lei número 667, de 1969, submeteu todas as

polícias estatuais ao controle do exército, explicitando, com isso, o conteúdo político que

essas forças sempre apresentaram, ou seja, a defesa do governo e das classes dominantes

contra manifestações das classes populares, clarificadas pelo domínio e poder assumido pelo

exército.

Tabela 6: Relações de Leis e Decretos-Lei que tratam de assuntos competentes a Polícia Militar no Estado de São Paulo. Lei, Leis Complementares, Decreto-Lei e Decretos.

Designação

Decreto n. 8.066 de 23 de dezembro de 1936.

Aprova o Regulamento Geral de Administração da Força Pública do Estado.

Decreto n. 13.657 de 9 de novembro de 1943.

Aprova o regulamento disciplinar da Força Pública do Estado (alterado pelos Decretos de n. 30.665 de 13 de janeiro de 1958; n. 40.166 de 30 de maio de 1962; n. 42.265 de 30 de julho de 1963; n. 43.289 de 5 de maio de 1964; n. 52.472 de 18 de junho de 1970; n. 2.979 de 6 de dezembro de 1973; n. 6.376 de 4 de julho de 1975; n. 7.291 de 15 de dezembro de 1975; n. 12.292 de 19 de setembro de 1978; n. 15.845 de 9 de outubro de 1980; n. 16.271 de 2 de dezembro de 1980; n. 37.111 de 27 julho de 1993; n. 37.397 de 2 de setembro de 1993).

Decreto n. 34.244 de 17 de dezembro de 1958.

Cria o Brasão de Armas da Força Pública e regulamenta o seu uso (alterado pelo Decreto n° 17.069 de 21 de maio de 1981).

Lei n. 10.123 de 27 de maio de 1968 (art. 33).

Lei Orgânica da Polícia.

Lei n. 10.291 de 26 de novembro de 1968. Institui na Secretaria da Segurança Pública, o Regime Especial de Trabalho Policial para os ocupantes de cargos, funções, postos e graduações indicadas e dá outras providências.

Decreto-Lei n. 217 de 8 de abril de 1970. Dispõe sobre a constituição da Polícia Militar do Estado de São Paulo, integrada por elementos da Força Pública do Estado e da Guarda Civil de São Paulo (alterado pela Lei n° 735 de 3 de novembro de 1975).

Decreto-Lei n. 222 de 16 de abril de 1970. Dispõe sobre a aplicação à Polícia Militar do Estado de São Paulo da legislação da extinta Força Pública.

Decreto-Lei n. 260 de 29 de maio de 1970. Dispõe sobre a inatividade dos componentes da Polícia Militar do Estado de São Paulo (alterado pelas Leis de n. 3489 de 3 de setembro de 1982; n. 3404 de 16 de junho de 1982; n. 7.642 de 20 de dezembro de 1991; n. 8.992 de 23 de dezembro de 1994).

Decreto (sem número) de 18 de agosto de 1971.

Altera a denominação "Força Pública do Estado de São Paulo" para a de "Polícia Militar do Estado de São Paulo" nos diplomas legais que especifica.

Lei n. 269 de 25 de junho de 1974. Disciplina o uso de uniforme pelos integrantes da Polícia do Estado de São Paulo.

Lei n. 616 de 17 de novembro de 1974. Dispõe sobre a organização básica da Polícia Militar (alterada pelas Leis de n. 663 de 2 de setembro de 1975 e n. 735 de 3 de novembro de 1975).

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Lei n. 684 de 30 de setembro de 1975. Autoriza o Poder Executivo a celebrar convênios com Municípios sobre Serviços de Bombeiros.

Decreto n. 7.290 de 15 de dezembro de 1975.

Aprova o Regulamento Geral da Polícia Militar (alterado pelos Decretos de n. 8.947 de 4 de novembro de 1976; n. 17.658 de 2 de setembro de 1981; n. 24.741 de 13 de fevereiro de 1986 e n. 33.369 de 10 de junho de 1991).

Lei Complementar n. 207 de 5 de janeiro de 1979.

Lei Orgânica da Polícia do Estado de São Paulo.

Decreto n. 22.171 de 8 de maio de 1984. Autoriza a celebração de convênios com municípios sobre serviços de bombeiros.

Decreto n. 23.455 de 10 de maio de 1985. Dispõe sobre a criação de Conselhos Comunitários de Segurança e dá outras providências (alterado pelo Decreto n. 25.366 de 11 de junho de 1986).

Decreto n. 28.057 de 29 de dezembro de 1987.

Aprova o novo Regulan1ento de Uniformes do pessoal da Polícia Militar do Estado de São Paulo.

Decreto n. 28.642 de 3 de agosto de 1988. Institui o Programa de Segurança Escolar.

Decreto n. 28.848 de 30 de agosto de 1988. Dispõe sobre a proibição de queimadas na forma que especifica (alterado pelo Decreto n. 28.895 de 20 de setembro de 1988).

Decreto n. 31.318 de 23 de março de 1990. Dispõe sobre as atribuições da Corregedoria da Polícia Militar do Estado de São Paulo.

Decreto n. 31.369 de 9 de abril de 1990. Autoriza a celebração de convênios com as Prefeituras Municipais visando a delegar-lhes competência e atribuições e transferir-lhes serviços previstos na legislação de trânsito.

Decreto n. 31.870 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre a implantação do programa de vigilância comunitária escolar.

Lei n. 7.645 de 23 de dezembro de 1991. Dispõe sobre a Taxa de Fiscalização e Serviços Diversos (alterada pela Lei n. 9.036 de 27 de dezembro de 1994).

Decreto n. 34.729 de 18 de março de 1992. Estabelece as condições de admissão na Polícia Militar do Estado como Soldado PM e dá outras providências.

Decreto n. 36.763 de 12 de maio de 1993. Autoriza a Secretaria da Segurança Pública a celebrar convênios com os Municípios do Estado, para os fins que especifica (alterado pelo Decreto n. 40.207 de 21 de julho de 1995).

Decreto n 39.573 de 23 de novembro de 1994.

Institui área especial de segurança, cria o Programa Centro Seguro, e dá providências correlatas.

Decreto n. 40.018 de 27 de março de 1995. Regulamenta a Lei Estadual n. 9.081 de 17 de fevereiro de 1995 que dispõe sobre o uso de vestimentas com conotação à Segurança Pública.

Decreto n. 40.151 de 16 de junho de 1995. Reorganiza o Sistema Estadual de Defesa Civil e dá outras providências.

Decreto n. 40.076 de 31 de agosto de 2001. Institui o Regulamento de Segurança contra Incêndio das edificações e áreas de risco do Estado de São Paulo.

Fonte: www.polmil.gov.sp.br

O decreto lei número 217, de oito de abril de 1970, foi o responsável pelo

agrupamento da Força Pública e da Guarda Civil de São Paulo. O Decreto de 18 de agosto de

1971 (sem número), por sua vez, alterou a denominação “Força Pública do Estado de São

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Paulo” para Polícia Militar do Estado de São Paulo. Consolidava-se, assim, a transformação

da antiga Força Pública na atual Polícia Militar.

As polícias militares, além de enfrentarem as modalidades tradicionais de discenso, passou a funcionar no dia-a-dia como força eminentemente militar do enfrentamento da guerrilha urbana, poupando às forças armadas a inconveniência de uma presença ostensiva e prolongada nos centros urbanos. (PINHEIRO, 1982, p. 59).

Nesse sentido, são criadas, no interior das unidades militares, grupos de choque

especializados no combate armado a segmentos contestatórios da realidade e que se

desdobrava no regime militar. Com a progressiva desarticulação desses grupos contestatórios,

os grupos militares perdem seu foco e passam a combater a criminalidade comum, infiltrada

nas massas populares. Conforme Bicudo (1992, p. 40), ainda:

No momento em que se interrompeu a guerrilha, elas passaram ao enfrentamento do crime convencional. Vão desenvolver, então, a sua guerra contra o crime, recorrendo as mesmas práticas e valendo-se da mesma impunidade. Os métodos e os equipamentos adotados nas operações policiais apagaram a linha de separação que havia entre operações militares e operações policiais.

Assim, a ação policial militar despendida nesse momento não se diferencia de uma

violência político-repressiva, uma vez que se comporta como combatente do “inimigo

interno”, visto no criminoso comum. A questão de fundo que assinala esse comportamento

condiz com a idéia de que “[...] a única solução para o crime é o enfrentamento armado [...]”,

pois “[...] os criminosos são agentes do mal, infiltrados no povo, que naturalmente é pacífico e

ordeiro” (PINHEIRO, 1982, p. 67).

Portanto, nesse período, a polícia não desenvolvia programas de prevenção à

criminalidade, mas, sim, apenas buscava o aumento do policiamento ostensivo fardado como

medida de eliminação dos criminosos. O objetivo da ação policial militar, nesse contexto, era

o extermínio de criminosos, realizando a “justiça” com as próprias mãos em virtude das

supostas fraquezas do sistema judiciário.

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Ilustração 10. Brasão da Atual Polícia Militar de São Paulo45

Assim, é indissociável a postura policial da, então, polícia militar com a natureza

política do regime militar presente no Brasil, até meados da década de 1980. Para entender tal

ação policial é necessário o conhecimento da noção weberiana de que o Estado detém o

monopólio legítimo da violência. Como afirma Monjardet (2003, p. 14, grifos do autor):

A realidade do monopólio, a extensão da legitimidade são questões de fato, que dependem – para cada sociedade considerada – de um levantamento de resto difícil. Em compensação a inspiração weberiana permanece essencial para compreender a polícia como expressão, e como instrumento da reivindicação permanente inerente às comunidades políticas – e não só a comunidade estatal – de deter em seu território o monopólio dos empregos legítimos da força.

Dessa maneira, o aparelho policial representa um instrumento do poder, um serviço

público e uma profissão com interesses particulares. O funcionamento do aparelho policial e o

emprego das técnicas de seguridade social, portanto, são mediados pelos conflitos

apresentados entre as três instâncias: o poder que lhe assegura a ordem, o serviço público

requisitado por todos e a profissão que reivindica os próprios interesses (MONJARDET,

2003).

45 Fonte: www.polmil.sp.gov.br. O Brasão de armas da Polícia Militar do Estado de São Paulo é representado por um escudo português, em ouro, tendo uma bordadura vermelha com dezoito estrelas de cinco pontas, que representam marcos históricos da Corporação. No centro, as listras vermelhas verticais e horizontais representam as cores da bandeira paulista. Como timbre, há um leão em ouro, apoiado sobre um virol vermelho e prata, empunhando um gládio, com punho em ouro e lâmina em prata. À direita do brasão um ramo de carvalho e à esquerda um ramo de louro, cruzados m suas bases. Como tenentes, à direita, a figura de um Bandeirante com bacamarte e espada, e à esquerda um Soldado da época da criação da Milícia, empunhando um fuzil com baioneta, ambos em posição sentido. No listel azul, a legenda em prata “Lealdade e Constancia”.

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3. 3. A Polícia Militar no Século XXI – Estruturas do Comando

Segundo o site oficial da polícia militar do estado de São Paulo46 (2002), a polícia

militar é uma organização, fardada, subordinada ao governo do estado através da Secretaria de

Segurança Pública e do Comando Geral da Corporação. Dessa forma, com base em Monjardet

(2003), podemos afirmar que a força pública é universal no território em que ocupa. Ou seja, a

força pública é universal porque pode ser definida por meio da força de coação que exerce

sobre a população em geral – força física, em primeiro lugar – e sobre o alvo, o qual é

designado por aqueles que a comandam, detendo, portanto, o monopólio da força em relação

ao restante da população.

Dentro da instituição policial militar identificamos, ainda no ano de 2002, segmentos

que caracterizam o trabalho da força policial. Dentre eles, o Programa de Policiamento

Escolar; o Programa de Policiamento Integrado; o Programa de Forças Táticas; o Programa de

Policiamento Comunitário; o Programa de Radiopatrulha - atendimento “190” - e o Rocam

(Ronda Ostensiva com Apoio de Motocicletas).

O programa de policiamento escolar, também conhecido como “Ronda Escolar”,

emprega um policiamento ostensivo direcionado a segurança dos centros de ensino, no

cumprimento do Programa de Segurança Escolar. Já o programa de policiamento integrado

compõe uma ação ostensiva, na qual um policial é designado para uma determinada área com

baixos índices de criminalidade, caracterizando uma prática preventiva na medida em que

permite acessibilidade e visibilidade policial por qualquer cidadão.

O programa de forças táticas, comumente chamado pelos policiais de “operação”, é

caracterizado quando o efetivo é designado em virtude das peculiaridades de determinada

região e dos índices de criminalidade (homicídios e roubos) e apresentados na mesma.

Realizada pela Força Patrulha, o programa visa à preservação da ordem pública como o

controle do crime organizado e na contenção de tumultos.

O programa de policiamento comunitário, por sua vez, tem como objetivo o

policiamento através das chamadas Bases Comunitárias de Segurança, Postos Policiais ou

Base Comunitária Móvel que asseguram, para a população, uma integração maior aos

serviços prestados pela polícia militar. Já o programa de rádio patrulha, tem como finalidades

atender ocorrências solicitadas a partir da central de atendimentos “190”.

46 Endereço do site: www.polmil.sp.gov.br

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Por último, o programa Rocam destina-se ao aprimoramento do policiamento voltado

para a prevenção de ilícitos penais ou drogas, principalmente nos centros mais populosos,

bem como nas áreas de interesse da segurança pública, a partir de análises indicadoras de

criminalidade ou de outras fontes como reportagens policiais.

Sumariamente, a partir desses programas podemos compreender o caráter de

duplicidade no desempenho do trabalho policial, uma vez que constitui uma polícia ostensiva

e, ao mesmo tempo, preventiva. Assim, os alvos policiais se condicionam a três, como vimos

brevemente: a ordem política, ou a garantia da liberdade das instituições; o desvio criminal,

ou a proteção dos sujeitos e dos bens e a segurança pública ou a tranquilidade da ordem

(MONJARDET, 2003).

Os recursos utilizados nessas ações policiais são a autoridade policial, resultante das

avaliações pessoais dos agentes da força pública, tanto dos sujeitos quanto da situação de

policiamento, o uso legítimo da violência conferida e assegurada pelo próprio estado, bem

como os Procedimentos Operacionais Padrões (POPs) renovados, a cada ano, pela própria

instituição.

Assim, a Polícia Militar do estado de São Paulo se caracteriza, hoje, como uma polícia

de ordem, destinada à manutenção e ao respeito dos direitos e liberdades democráticas, e

como uma polícia criminal, priorizando o combate à delinquência organizada.

A hierarquia da corporação é rígida, porém não impede que o policial almeje por novas

patentes e graduações, as quais possam estar ao seu alcance, por meio de programas

curriculares complementares e cursos de formação de oficiais. Com isso, é comum o

indivíduo, leigo, confundir determinadas hierarquias, como as designações de patente e de

graduação.

As graduações correspondem aos cargos mais altos dentro da corporação, ao passo que

as patentes designam os grupos mais baixos na ordem hierárquica. Desse modo, as graduações

simbolizam os títulos de oficiais para as praças: Coronel PM, Capitães, até a graduação de

Sargentos, enquanto que as patentes correspondem aos Cabos e Soldados.

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Tabela 7: Designações de Hierarquia da Polícia Militar do Estado de São Paulo Designações Hierarquia Patentes Oficiais Coronel PM Tenente Coronel Major PM Capitão PM 1º Tenente 2º Tenente Praças Especiais Aspirante a Oficial PM Aluno Oficial do 4º Ano Aluno Oficial do 3º Ano Aluno Oficial do 2º Ano Aluno Oficial do 1º Ano Graduações Praças Subtenente 1º Sargento 2º Sargento Graduações Praças Cabo PM Soldado PM Fonte: 13º Batalhão da Polícia Militar do Interior do Estado de São Paulo.

Dentro do quadro de oficiais, encontramos a seguinte hierarquia ou patentes, conforme

tabela acima: Coronel PM, Tenente Coronel, Major PM, Capitão PM, 1º Tenente, 2º Tenente;

no quadro de praças especiais, temos Aspirante a Oficial PM, Aluno Oficial do 4º ano, Aluno

Oficial do 3º ano, Aluno Oficial do 2º ano, Aluno Oficial do 1º ano; no quadro de praças,

temos as seguintes graduações Subtenente, 1º Sargento, 2º Sargento, 3º Sargento e, ainda, no

quadro de praças, encontramos as que seguem Cabo PM e Soldado.

Por fim, a estrutura da Polícia Militar é, ainda, dividida em Órgãos de Direção Geral,

Órgãos de Direção Setorial, Órgãos de Apoio, Órgãos Especiais de Apoio, Órgãos de

Execução e Órgãos Especiais da Polícia Militar.

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Ilustração 11. Organograma da Corporação da Polícia Militar do Estado de São Paulo47

47 Fonte: www.polmil.gov.sp.br

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4. 13º Batalhão da Polícia Militar do Interior de São Paulo: o Grupo Pesquisado

A garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita de

uma força pública; esta é, portanto, instituída em benefício de

todos, e não para a utilização particular daqueles a quem ela é

confiada.

Artigo 12, Declaração dos Direitos do

Homem e do Cidadão (1789).

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4.1. Composição do Grupo Pesquisado

O 13º Batalhão da Polícia Militar do Interior (13º BPM/I) de São Paulo é situado na

cidade de Araraquara e é responsável pelo policiamento de dezenove municípios da região:

Américo Brasiliense, Araraquara, Boa Esperança do Sul, Borborema, Candido Rodrigues,

Dobrada, Fernando Prestes, Gavião Peixoto, Ibitinga, Itápolis, Matão, Motuca, Nova Europa,

Rincão, Santa Ernestina, Santa Lúcia, Tabatinga, Taquaritinga e Trabiju.

Segundo Brunetta (2009), o total da área territorial pelo qual o 13º Batalhão de

Policiamento do Interior responde equivale a 7.234 Km2 e a uma população de 561.675

habitantes. O efetivo de policiais distribuídos nessa área corresponde, segundo dados de

Brunetta (2009, s/d.), a um:

[...] total fixado de 718 policiais, frente a um efetivo existente de 652 policiais, há um déficit de 66 policiais e uma média de 1 policial para cada 860 habitantes, condição aquém das definidas pelas organismos internacionais, 1/500. Desse conjunto de policiais militares 61 têm menos de 31 anos de idade; 123 se dedicam as atividades administrativas e 529 ao policiamento. Araraquara é uma cidade média do interior do Estado de São Paulo, com população estimada, em 2008, de 182.471 habitantes e do total do efetivo existente, a cidade conta com 321 policiais, dos quais 223 atuam exclusivamente no policiamento e 98 atuam em atividades administrativas, desses 18 possuem menos de 31 anos de idade.

Até o ano de 2005, o 13º BPM/I abrigava cinco postos policiais que funcionavam vinte e

quatro horas e atendiam a população local.

O Batalhão é composto, ainda, por um efetivo de 388 policiais48 somente para a cidade

de Araraquara, sendo que, deste total, 322 policias se declaram brancos, 24 policiais se

declaram como negros e 42 policiais se declaram como pardos, não havendo nenhum que se

declarou como amarelo e indígena.

48 Inicialmente o 13º BPM/I não possuía a relação de números de policiais que se auto declaravam como brancos, negros e pardos, segundo padrões do IBGE. Como esses dados eram fundamentais para a pesquisa, a ausência dos mesmos nos levou a necessidade de formular um questionário capaz de recolher a informação. Segundo Nogueira (1964), o questionário é aplicado no intuito de adquirir dados para a pesquisa, cujas respostas são fornecidas pelo informante sem a intervenção direta do investigador. Nosso questionário foi deixado com o Comando Geral do 13º BPM/I, no qual cada policial membro da corporação tem, obrigatoriamente, que se reportar, uma vez na semana. Do mesmo modo, conforme Richardison (1985), o questionário fechado, corresponde a um instrumento de pesquisa no qual as perguntas ou afirmações apresentam alternativas de respostas (fixas ou pré-determinadas). Como resultado, o informante deve responder conforme a alternativa que mais se ajusta a sua percepção, as suas idéias, as suas características ou aos seus sentimentos. Assim, solicitamos um levantamento, a partir de questionário fechado (RICHARDISON, 1985), com a seguinte questão “Como o senhor (a) se declara?” e as seguintes respostas, compostas pelas alternativas “branco (a), preto (a), pardo (a), amarelo (a), indígena”, a fim de utilizar os dados na proposta deste estudo.

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Tabela 8. Número de Policias Quanto a Cor Declarada em 2009. Cor Declarada Total Preta 24 Parda 42 Branca 322 Fonte: 13º Batalhão da Polícia Militar do Interior do Estado de São Paulo

Além disso, o Batalhão é dividido em setor administrativo, o qual auxilia em todos os

orçamentos e despesas do grupo, como pagamento de policiais, aquisição de equipamentos e

outros; setor jurídico, que inclui uma olvidaria para informações sobre comportamento e ação

policial; setor de policiamento ostensivo e preventivo, que exerce operações de patrulhamento

e averiguação de denúncias, setor de policiamento comunitário, que envolve programas como

o PROERD49 (Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência), dentre outros.

49 Para maiores esclarecimentos sobre o PROERD desenvolvido pela Polícia Militar\do município de Araraquara, consultar: BRUNETTA, Antonio Alberto. Autoridade Policial na Escola. São Paulo: Junqueira & Marin Editores, 2006.

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4.2. Do Processo às Entrevistas

Para a realização dessa pesquisa, o comando geral do 13º BPM/I solicitou uma carta

ofício contendo os objetivos gerais, as hipóteses apresentadas pela proposta de estudo bem

como o comprometimento ético da pesquisa com os sujeitos participantes da mesma.

Assim, redigimos um ofício que afirmava o caráter da pesquisa bem como o apoio

conferido, para a realização desta pesquisa, pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia –

UNESP, Araraquara e pela Faculdade de Ciências e Letras – UNESP, Araraquara. A referida

carta ofício encontra-se anexa.

Após três meses, tendo sido o material encaminhado para o Centro de Aperfeiçoamento

e Estudos Superiores da Polícia Militar de São Paulo (CAES), localizado na cidade de São

Paulo, recebemos a resposta positiva para o início das atividades de campo. Primeiramente,

preparamos a entrevista conforme a delimitação do objeto de pesquisa e das hipóteses

levantadas.

A entrevista foi composta por 25 questões objetivas e subjetivas, as quais eram divididas

em três partes específicas que levantavam categorias como idade; tempo de serviço; cor;

escolaridade; profissões anteriores; perspectivas e transformações no trabalho policial;

transformações sentidas nos criminosos nos últimos anos; perfil do suspeito e do criminoso;

normas para a identificação e abordagem dos sujeitos e, por fim, racismo nas práticas

policiais.

Desse modo, a divisão estabelecida nas questões entre primeira, segunda e terceira parte

- na qual a primeira levantava a idade, o estado civil, etc.; a segunda, questões relacionadas a

idéia de suspeição e a terceira sobre aspectos da criminalidade e do racismo - tinha como

finalidade deixar o policial militar menos constrangido frente ao pesquisador, possibilitando a

criação de um laço e um vínculo de confiança durante a entrevista por intermédio de falas

mais pessoais e, posteriormente, falas mais profissionais.

As entrevistas foram realizadas dentro do próprio 13ºBPM/I, em um auditório especial,

com boa acústica, o que permitiu que todas as entrevistas fossem também gravadas. O

processo de aproximação do pesquisador com os entrevistados se deu através do convite

pessoal realizado para cada um. O entrevistador se apresentou enquanto membro do Programa

de Pós-Graduação em Sociologia pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita

Filho” de Araraquara, dando uma visão geral sobre o conteúdo da pesquisa e do questionário.

O grupo entrevistado compunha as principais graduações e patentes da polícia militar de

Araraquara, dentre elas capitão, tenente, sargento, cabo e soldado. A faixa etária dos

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entrevistados variou de vinte e oito a quarenta e cinco anos de idade, do mesmo modo, o grau

de escolaridade variou de ensino médio à graduação incompleta e graduação completa.

Tabela 9: Relação de Policiais Entrevistados Graduação/Patente

Sexo

Idade Cor Escolaridade

Tempo de Carreira

Tempo de Trabalho nas Ruas

Capitão M 41 B G.C. 17 17 Capitão M 43 B G.C. 20 15 1º Tenente M 32 B G. C. 11 11 1º Tenente F 40 B G. C. 15 10 Sub-Tenente M 43 B G. I. 25 15 1º sargento F 45 B E. M. 22 12 2º sargento M 45 B E. M. 22 15 3º sargento F 45 B E. M. 22 15 3º sargento F 44 B E. M. 23 15 3º sargento M 43 B E. M 22 14 Cabo F 41 P E. M. 22 15 Cabo M 44 B E. M. 23 15 Cabo F 43 B G. I. 22 15 Cabo M 32 N G. C. 10 10 Cabo F 42 B E. M. 22 10 Cabo M 39 B G. I. 11 11 Cabo M 30-40 P - - - Soldado M 30 B E. M. 7 7 Soldado F 40 B E. M. 22 13 Soldado M 28 P E. M. 8 7 Soldado F 33 B E. M. 13 10 Legendas: M. – Masculino; F. Feminino; B. Branco; P. Pardo; N. Negro; E.M. – Ensino Médio; G.I. –

Graduação Incompleta; G.C. Graduação Completa.

Como podemos perceber pelo quadro apresentado, apenas um policial (cabo) não quis

responder ao questionário ao saber da proposta e gravação da mesma. Segundo este, suas

respostas não agradariam a corporação, uma vez que não poderia omitir as condutas policiais

no momento da abordagem.

De acordo com os policiais entrevistados, o nível de escolaridade não afetava

diretamente o cargo/função exercido pelos mesmos. Em geral, no quadro de entrevistados, a

graduação de tenente possuía nível superior completo ou em andamento, ao passo que a

graduação de sargento, possuía ensino médio. A patente de cabo oscilou entre nível de

escolaridade superior completa ou ensino médio em andamento, enquanto que os soldados

possuíam ensino médio.

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Além de um tenente feminino com ensino superior pela Academia de Polícia do Barro

Branco, os demais, com graduação completa ou incompleta, eram graduados por outros cursos

superiores, como engenharia e arquitetura.

O grupo pesquisado possuía profissionais que exerciam a profissão entre sete a vinte

cinco anos de exercício policial e entre sete a quinze anos de trabalho policial exercido nas

ruas, com contato direto com a população e com o policiamento ostensivo.

Segundo informações do grupo, os cursos de formação para o desempenho da atividade

policial tanto internamente para os trabalhos administrativos quanto para o desempenho das

funções nas ruas e o contato direto com a população eram oferecidos e realizados,

anualmente, pelos policiais Assim, todos os entrevistados haviam passado pelos cursos de

direitos humanos, pelos cursos de procedimentos operacionais padrões, dentre outros,

complementares ao currículo policial.

O curso de Procedimentos Operacionais Padrão50, também chamados de POP, constitui

uma aprendizagem e um processo de aperfeiçoamento oferecido pela instituição policial

militar no intuito de manter atualizados os padrões de abordagem policial. Assim, o curso

oferece técnicas e saberes destinados à análise da suspeição e identificação de situações de

risco.

50 Infelizmente não foi possível, nesta pesquisa, obtermos o acesso ao manual do POP, por questões de segurança

da própria corporação. Discussões sobre o POP podem ser encontradas em PINC (2007).

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Tabela 10: Cursos Oferecidos Pela Secretaria de Estado dos Negócios da Segurança Pública Através da Polícia Militar do Estado de São Paulo Cursos Designações Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças (CFAP)

A origem CEFAP remonta à criação do Batalhão de Guardas BG, em 1936 após modificação dos quadros de efetivo da então Força Pública, por ato do Secretário de Segurança Pública da época. Atualmente a Escola de Sargentos, como é conhecida, realiza a formação e o aperfeiçoamento de Sargentos, promove o concurso para formação de Cabo PM, o Curso de Especialização de Praças Monitores de Ensino e recebe ainda Alunos Soldados que realizam a segunda fase neste Centro. Desde 1978, a Escola passou a dedicar-se exclusivamente a formar os futuros Oficiais, com a criação de duas novas Unidades de Ensino na Polícia Militar: o CAES (Centro de Aperfeiçoamento e Estudos Superiores), que assumiu a responsabilidade pelo Aperfeiçoamento dos Oficiais, e o CEOP (Centro de Especialização de Oficiais e Praças).

Escola de Formação de Soldado “Cel. PM Eduardo Assumpção” (EFSdPM).

Com a finalidade de permitir melhor desenvolvimento da formação de soldados Policiais Militares, foi criada em 1984, em caráter experimental, a Escola de Formação de Soldados da Polícia Militar (EFSdPM). Com o Decreto n. 37.548, de 29 de setembro de 1993, o CFSd recebe nova denominação, passando a ser conhecido por Centro de Formação de Soldados "Cel. PM Eduardo Assumpção”. O CFSd – Cel. Eduardo Assumpção, Órgão de Apoio de Ensino, subordinado à Diretoria de Ensino e Instrução da Polícia Militar, promove assessoramento e fiscalização dos CFSd PM no Estado de São Paulo; responsabilizando-se ainda pela realização dos Estágios de Especialização de Praças; condutor de viatura policial; Estágio de Especialização de Oficial; Instrutor de condução de viatura policial e Estágio de Especialização de Praças – Polícia Comunitária.

Centro de Capacitação Física e Operacional

Criada em 1910, é a mais antiga Escola de Educação Física do Brasil. Dentro da estrutura organizacional da Polícia Militar do Estado de São Paulo, é o órgão de ensino superior da Corporação encarregado da formação de professores de Educação Física para as Polícias Militares do Brasil, dedicando-se atualmente também à formação de instrutores para a Força Aérea Brasileira.

Centro de Aperfeiçoamento de Estudos Superiores

É um órgão de apoio de ensino, subordinado à Diretoria de Ensino e Instrução da Corporação, responsável pela atualização e ampliação de conhecimentos dos Oficiais, por meio do curso de aperfeiçoamento de Oficiais (CAO) e do Curso Superior de Polícia (CSP). O CAO tem por finalidade de atualizar e ampliar os conhecimentos profissionais dos Capitães PM, habilitando-os ao exercício das funções de Oficiais de EM e ao assessoramento no planejamento das missões legais atribuídas à Corporação. O CSP, também em nível de pós-graduação, objetiva atualizar e aprimorar os conhecimentos dos Oficiais Superiores, habilitando-os à promoção ao posto de Coronel PM e ao desempenho de funções no âmbito político e estratégico da Corporação.

Fonte: www.polmil.sp.gov.br

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Segundo os policiais entrevistados, o POP simboliza um instrumento de investigação

policial, o qual permite aos membros da corporação preservar tanto a própria segurança

quanto a segurança daqueles que são abordados.

Além disso, os procedimentos padrões direcionam a conduta policial, no momento da

abordagem, conferindo uma série de normas e condutas policiais passadas pela instituição

enquanto órgão de segurança pública do governo do estado de São Paulo. São estes cursos

que buscam orientar o trabalho policial nas ruas.

[sic] Primeiramente a escola policial, a minha foi de seis meses de escola e um de estágio, e a gente tem uma reciclagem todos os anos. Todos os anos a gente passa por uma reciclagem. Dentro do curso é falado também dos Direitos Humanos (Cabo PM – 13ºBPM/I). [sic] Já passei por vários cursos de formação e atualização. Curso de cabo, curso de sargento e atualização todos os anos (1º Sargento – 13º BPM/I). [sic] Vários. Curso de formação de soldados, curso de formação de sargento, curso de aperfeiçoamento de sargentos, curso de polícia comunitária, identificação de veículos, curso de direitos humanos - esse já é pelo Senasp, Secretaria Nacional de Segurança Pública (Subtenente PM – 13º BPM/I).

Tabela 11: Relação de Policiais Entrevistados e Curso de Formação Profissional em 2009 Graduação/Patente Curso de Formação Profissional Capitão Sim Capitão Sim 1º Tenente Sim 1º Tenente Sim Sub-Tenente Sim 1º sargento Sim 2º sargento Sim 3º sargento Sim 3º sargento Sim 3º sargento Sim Cabo Sim Cabo Sim Cabo Sim Cabo Sim Cabo Sim Cabo Sim Soldado Sim Soldado Sim Soldado Sim Soldado Sim

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Segundo Monjardet (2003), o trabalho policial se funda sobre duas perspectivas que

afiançam a competência subjetiva e a competência empírica dos sujeitos e que, por inúmeras

vezes, se entrelaçam na própria consciência dos policiais designando suas ações e associações

aos considerados suspeitos.

Na primeira vertente, o policiamento e as abordagens são considerados a partir da

experiência, definidas pela idade e tempo de serviço do policial, juntamente com seus traços

de caráter como benevolência e agressividade. Para o próprio policial, muitas vezes, os cursos

de formação e procedimentos de abordagens são substituídos pela intuição do profissional.

Já a segunda vertente, permite compreender o trabalho policial a partir da qualificação

profissional, justificada sobre o conhecimento adquirido através dos cursos de

aperfeiçoamento, que buscam minimizar as influências pessoais no momento da abordagem.

É possível enfrentar o essencial das ocorrências sabendo que conduta adotar, como as qualificar, que medidas tomar. Em suma, existe um corpus de textos cuja reunião constitui na verdade esse ‘manual das técnicas policiais’, cujos precedentes negam a realidade e, até, a oportunidade. O policial qualificado é aquele que detém um conhecimento profundo desse corpus e das técnicas de intervenção, dos modos operacionais que eles geram (MONJARDET, 2003, p. 125, grifos da autora).

No entanto, o que verificamos, a partir das entrevistas, foi a consolidação de uma visão

que define o trabalho policial a partir da primeira vertente:

[sic] Olha a gente começa na rua sem saber nada. A gente sai da escola militar e não tem um padrão de trabalho. Vai depender da formação que a gente teve no dia a dia. Com as situações a gente vai aprendendo e criando nosso próprio padrão (Soldado PM – 13º BPM/I). [sic] Quando você sai do quartel para fazer um serviço de abordagem é diferente. Você vai verificar se há armas em veículo, vai verificar documentação, então é diferente da abordagem que você tá em patrulhamento, que você ouviu pelo rádio que o indivíduo assim cometeu um delito, aí você vai tá focado naquilo. É diferente do policiamento de transito no caso. Essa operação, o bloqueio para a gente que seja, vai usar outra coisa que o policial usa que é o tirocínio policial. Que você vai olhar e procurar, depende da pessoa, se a pessoa ficou indecisa para descer, ou tem alguma coisa na pessoa que você achou suspeita, você vai modificar o seu modo de atender (Cabo PM – 13º BPM/I).

[sic] Eu cito um exemplo pra você, do tempo que tava na rua, que eu prendi um indivíduo pelo simples fato dele, ao me ver na viatura, ter desviado o olhar. Ele tava atrás na moto, olhou e desviou o olhar

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rapidamente. Ele tava com o bolso cheio de cocaína. Foi preso em flagrante, foi pra cadeia (Subtenente PM – 13º BPM/I).

Mais uma vez, percebemos que os cursos de aperfeiçoamento e formação complementar

não exercem influências sobre as condutas que os policiais militares apresentam no exercício

de seu trabalho, como pudemos inferir pela simples abordagem, pelo policial, a um sujeito

que apresentou um olhar desviado.

Mesmo com a sorte desse Subtenente, ao abordar um sujeito com porte de ilícitos

penais, o fato não altera o significado da questão. Podemos afirmar que boa parte dos policiais

militares, com graus de escolaridade e formação policial variada, hoje, abordam os suspeitos

conforme suas projeções de criminalidade, ou seja, se baseiam na crença de que todo negro é

bandido, abordando, assim, mais o negro do que o branco. Ainda, pautam-se, também, na

difusão de que um pobre é bandido, abordando mais os que apresentam um carro velho do que

aquele que passa com carro novo e bem cuidado.

[sic] A polícia militar não trata como privilégio, ela dá prioridade em certas ocorrências, em certas situações de patrulhamento. A ocorrência em si, como ela é passada para o policial militar, via Copon, nossa central de atendimento da polícia militar, e no tocante também do indivíduo, desde que ele esteja em atitude suspeita e se esse indivíduo, provavelmente, está envolvido com um crime em si. O que provoca nossa desconfiança na atitude da pessoa, do suspeito, é tudo aquilo que foge da normalidade. Tem ações que são normais e ações que fogem da normalidade. O indivíduo que vê a polícia militar e fica assustado, ou ia fazer alguma coisa e não faz mais, ou seja, ele desiste. Ele estava indo para uma determinada direção e já retorna, fica assustado, corre. São situações que fogem da normalidade (Cabo PM – 13º BPM/I). [sic] De modo discriminado, em geral, um indivíduo andrajoso, ou seja, mal vestido, de características que denunciem que possa estar envolvido com um crime. O criminoso, hoje em dia, ele tem, digamos assim, uma moda que impera no mundo do criminoso. Tatuagens excessivas. Têm tatuagens que denunciam que ele está envolvido com o crime, com roubo, ou com drogas (3º Sargento PM – 13º BPM/I).

Como podemos perceber através desses policiais militares, que diferem em graduação e

patente – ou formação profissional mais ampla e formação profissional mais restrita –, o

discurso policial não condiz com as expectativas dos cursos de aperfeiçoamento, ou seja, a

prática de uma desvinculação do policial de pré-concepções que gerariam situações de

discriminação e preconceito.

Supostamente, o policial, com maior formação e número maior de cursos de

aperfeiçoamento, deveria apresentar uma visão semelhante àquela apresentada pelo Cabo,

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com menor grau de conhecimento técnico e profissional. Contudo, a situação ocorre de modo

inverso, revelando sujeitos diferenciados na percepção do mundo, mas com o mesmo tipo de

formação profissional.

A inversão da expectativa poderia levar-nos a pensar que as gerações de policiais mais

jovens tendem a compreender o trabalho policial como uma atividade que necessita de

regulamentações e, portanto, de controle institucional gerado pelo investimento em cursos de

formação. No entanto, isso não é regra no pensamento dos policiais mais jovens, como

podemos perceber pela fala que segue:

[sic] Às vezes, um indivíduo em um local se torna suspeito porque ele não é compatível com aquele local. Isso vai depender do momento [...] De repente, naquele momento que eu estou trabalhando aquela pessoa suspeita, se tornou suspeita para mim por algum detalhe, eu acabo abordando aquela pessoa. É lógico que se a pessoa tem tatuagens, se a pessoa com determinado tipo de vestimenta acaba chamando mais a atenção [...] (Cabo PM – 13ºBPM com oito anos de profissão e vinte e oito anos de idade).

Esse aspecto do discurso policial corrobora para a interpretação de que o que vigora no

momento da abordagem são outras concepções da realidade, as quais, os policiais, julgam

serem corretas e que antecede a farda e a profissão policial. Tal fato resulta na criação de

padrões de identificação próprios e sem vínculos institucionais, uma outra forma de atuação

com base em “conhecimento” disseminado pela sociedade e compreendido por esse policial

enquanto membro e agente dessa sociedade.

A cultura policial (RAMOS & MUSUMESI, 2005) nasce desse modus operandis

particularizado, contornando o trabalho policial e orientando as ações desempenhadas pelos

membros da instituição. A autonomia, demonstrada nas ações e abordagens, revela espaços e

sujeitos, predominantemente, investigados pela corporação em relação a outros que são

simplesmente afastados das noções de criminalidade e periculosidade.

Se levarmos em consideração que as teorias de fins do século XIX foram difundidas

pela literatura e pelos centros acadêmicos, se infiltrando em vários meios sociais, vigorando

em meados do século XX e, ainda, tomando novos contornos no século XXI, podemos

compreender de que modo esses agentes sociais atuam com referências que predominam no

corpo da sociedade.

Uma ilustração desse comportamento se revelou em determinada fala de nossas

entrevistas. Querendo demonstrar-se como uma pessoa isenta de preconceitos raciais e

sociais, uma cabo PM – 13º BPM/I se utilizou do endo racismo para definir a postura dos

negros com relação a ação policial:

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[sic] Em minha opinião eles mesmos [negros] são racistas. Esse pessoal não pode ver a gente abordando um negro, que acha que nós estamos sendo racistas. Outro dia teve uma mãe negra aqui falando que nós abordamos o filho dela porque ele é negro. Que se fosse filho de branco, nós não abordaríamos. Eu acho que eles são racistas com eles mesmos pensando assim. Esse negócio de cotas para negros em tudo, também ajuda a manter essa postura de vítimas sociais.

Com isso, a corporação não controla efetivamente a ação do policial na rua, ficando

apenas as orientações e os procedimentos de abordagem teoricamente incutidos em seus

membros, assim como as ouvidorias que atendem as reclamações e apuram investigações

sobre o comportamento dos policiais em exercício de seu trabalho.

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4.3. Do Racismo Existente ao Racismo Negado

A idéia pouco articulada de suspeição, portanto, repousa sobre um conjunto descritivo

que acena para fatores considerados de risco. Em outras palavras, a suspeita é fundada na

incerteza sobre determinada pessoa e na expectativa da ilegalidade, sobre a mesma, associada

a localidades de perigo e horários de pouca movimentação.

Em geral, o que define a expectativa de ilegalidade sobre uma pessoa é a somatória de

categorias como idade, gênero, cor, classe social, geografia, vestimenta, comportamento e

situação de policiamento. Segundo Muniz (1999, p. 45):

A contabilidade da vigilância do espaço público ainda dedica uma atenção especial às “classes de risco”, que incluem, evidentemente, os pobres, os jovens negros, os excêntricos e as minorias sexuais.

A perspectiva apontada por Muniz (1999), pode ser visualizada em uma das entrevistas

realizadas. De acordo com a cabo entrevistada, não haveria um perfil suspeito, mas se, caso,

ela precisasse apontar para um grupo com maior periculosidade, definiria o adolescente.

[sic] O perfil hoje em dia é mais jovem. Menores de idade, até 25 anos. Antes, quando eu entrei na PM, já tinha os criminosos, tinham os nomes, e todo mundo dizia “Ah, foi fulano”. Não tinham essas coisas. Hoje a criminalidade aumentou muito e diminuiu muito a idade deles. Então varia entre 12 e 25 anos. Não tem mais aquela coisa que somente aquele lá é [criminoso] (Cabo PM – 13º BPM/I).

Assim, as expectativas pessoais dessa cabo com relação à ilegalidade relacionam uma

suposta alteração na própria roupagem do crime. Para ela, a criminalidade, hoje, estaria

vinculada à juventude, principalmente no uso de entorpecentes e crimes contra a propriedade

em busca de dinheiro para o consumo de ilícitos penais.

Quando questionados sobre a existência de um indivíduo suspeito ou sobre o perfil do

suspeito, 100% dos policiais entrevistados afirmaram não perdurar, mais, a idéia de indivíduo

suspeito na corporação. A saída clássica para o questionamento sobre as normas e critérios de

suspeição apresentou-se como uma resposta defensiva a partir da negação que os

entrevistados deram: “não há indivíduo suspeito para a polícia militar, apenas atitudes

suspeitas”.

[sic] Suspeito. Você tá andando na rua à noite, na rua na madrugada, é suspeito. De dia, ele tá andando e tá muito calor e ele tá com uma roupa de

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frio, ele tá com um agasalho largo, suspeito. Ele tá com um volume, um volume na cintura, você olha e vê que tem um volume a mais na cintura dele, não importa o horário, é suspeito. E é suspeito, quando passaram as características para você, no radio, e você olha e vê aquela pessoa, com aquelas características que passaram da pessoa que fez o delito, então é suspeito. A gente aprende assim, agora, se usa, é outra coisa (Cabo PM – 13ºBPM/I).

Segundo o grupo entrevistado, a atitude suspeita seria descrita a partir de um olhar, um

gesto, uma alteração no sentido do transeunte, uma roupa de frio, como a utilização de

agasalho ou moletom em dia de calor, que sugeririam, eventualmente, um comportamento

desviante e desarticulado do restante da sociedade.

Desse modo, a abordagem policial é justificada através da chamada “fundada suspeita”,

presente no Código de Processo Penal sob a forma do artigo 244, a qual permite ao policial

militar cercear os direitos individuais e civis do abordado na ocasião do policiamento.

Excetuando-se os casos de busca e apreensão por mandado judicial, toda e qualquer

abordagem policial é instrumentalizada pela fundada suspeita. E é a partir dessa idéia de

fundada suspeita que o chamado elemento suspeito deixaria de existir, predominando um

suposto comportamento suspeito também pouco articulado e definido. Caso isso fosse,

realmente, constatado, a idéia de periculosidade não deveria se vincular a determinados

grupos sociais, os quais são considerados como grupos de risco de acordo com o que os

policiais militares associam a uma imagem da criminalidade.

De acordo com Silva Barros (2008), essa automática negação, apresentada pelos

policiais em relação a uma suspeição a partir da cor e consequente afirmação de um conjunto

de fatores de risco, transmitiria uma imagem técnica e neutra da ação policial. Do mesmo

modo, a existência de policiais negros dentre os membros da corporação também auxiliaria na

recusa e reconhecimento do preconceito de marca.

Tal neutralidade da ação policial é resultante de um longo processo de busca pela

consolidação de um Estado político democrático e pelo recorrente mito da democracia racial

no Brasil, segundo o qual viveríamos, harmonicamente, sem preconceitos, dada a

miscibilidade do brasileiro51.

[sic] Em minha opinião não. Por que isso é rotular. Naquilo que eu vi, nunca aconteceu, mas eu não posso te dizer pelo todo, ou por todo mundo. Mas isso é algo um pouco superado, afinal, nos convivemos aqui na própria

51 A busca por um Estado democrático no Brasil através de suas instituições, como a Polícia Militar, bem como a utilização do mito da democracia racial para justificar a “ausência” de preconceito racial na corporação militar será vista no próximo tópico deste mesmo capítulo.

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policia militar com pessoas de todos os tipos: brancas, negros, amarelos. Acho que não tem (Cabo PM – 13º BPM/I).

No entanto, quando comparamos a porcentagem de negros, pardos e brancos, na polícia

militar de Araraquara, percebemos, dentre o total de 388 policiais, que apenas 6,2% são

negros e 10,8% são pardos. Assim, a justificativa de ausência de preconceito nos membros da

corporação em virtude da convivência entre os grupos étnicos é desmistificada.

Diante da desvantagem representacional de um grupo étnico em relação a outro, na qual

a população branca é majoritária, a partir do recorte cor/raça, os policiais militares não podem

sustentar a afirmação de ausência de preconceito racial em virtude da convivência entre os

diferentes grupos étnicos.

Veja os dados apresentados no gráfico a seguir:

83%

10,8%

6,2%

Gráfico 1: Percentual de Policiais do 13º BPM/I Definidos pela CorBase ponderada: 388 policiais

Branca Parda Negra

Fonte: 13º Batalhão da Polícia Militar do Interior do Estado de São Paulo.

Também verificamos que a discussão de temas raciais é pouco frequente dentre os

policiais militares. Contudo, a falta de discussão não aponta para a ausência do preconceito

racial nos membros da corporação, mas, sim, para a existência de um certo medo de

manifestar preconceito em momentos que poderiam aflorar discussões significativas sobre as

temáticas e o problema da discriminação, denotando, assim, um próprio “preconceito de se ter

preconceito” (FERNANDES, 1972).

Do mesmo modo, a postura dos policias da corporação militar de Araraquara,

diferentemente do apontado por Ramos e Musumeci (2005), em estudo realizado com os

batalhões de polícia militar do estado do Rio de Janeiro, não apresenta reações menos

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defensivas se comparadas com as questões vinculadas aos temas da raça e o racismo na

prática policial.

É razoável considerarmos que a relação entre cor e suspeição não apareceu nas

entrevistas realizadas, de modo evidente. No entanto, ao serem questionados sobre o perfil do

suspeito e a relação deste com a cor da pele, notou-se um constrangimento ou um desvio de

atenção do policial sobre a questão.

[sic] Perfil do indivíduo suspeito, eu acho que não tem perfil. Você não pode dizer que aquela determinada pessoa é criminosa, só pelo que ela veste. Antigamente sim, você via uma pessoa bem vestida, de terno, e jamais suspeitaria dela. Hoje é diferente. Têm muitos assaltantes que se vestem como executivos. Essa foi uma das mudanças da polícia também (1º sargento PM – 13ºBPM/I).

Apenas dois policiais, que se definiram como negro e pardo, afirmaram positivamente e

sem defesas, ao serem questionados se o racismo acompanhava as práticas policiais hoje, que

a cor da pele era fundamental para alguns policiais na identificação e abordagem do suspeito,

apesar de, inicialmente, negarem que haveria um indivíduo com maior propensão a ser

identificado como suspeito.

[sic] Eu gostaria de dizer não. Mas infelizmente, infelizmente, para alguns policiais sim. Por que a cor, por que é negro, então ele (s) ta propenso a ser marginal. E isso, até me magoa bastante, eu sou, não chego a ser negra, minha família é descendente de negro e índio, eu tenho um irmão por parte de pai, ele é negro, ele mesmo já passou por abordagens e nunca fez nada. Eu tenho outros irmãos que já foram abordados, mas ele por ser mais escurinho foi mais abordado que os outros. Então, infelizmente, ainda existe sim. É negro e é pobre. Se é negro, não pode ser rico, tem que ser pobre. É assim que se pensa. É negro e é pobre, vai ser marginal. Isso está mudando, mas dentro da corporação, existem policiais que ainda pensam assim. É negro e é podre, então é marginal (Cabo PM – 13º BPM/I). [sic] O policial militar, alguns, ainda agem com racismo ao abordar alguém negro na rua. Ele acha que por que é negro também é bandido. Então, ele aborda considerando a cor do indivíduo, mesmo que não tenha feito nada, aborda por se tratar de um negro (Cabo PM – 13ºBPM/I).

Considerando essas informações temos o chamado racismo institucional. Para

compreendermos, melhor, sua manifestação, pela polícia militar, faremos aqui alguns

apontamentos a título de reflexão.

Quando pensamos em racismo, automaticamente, nos remetemos para a concepção de

uma disposição pessoal e social de determinado sujeito em relação a outro que detêm certas

características consideradas, pelo primeiro, como inferiores ou estigmatizantes. À medida que

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tais sentimentos de recusa afloram no sujeito em momentos que detém o uso legítimo do

poder, independentemente da intencionalidade da manifestação, ou no momento em que está

embutido da autoridade policial, sustentada também por seu fardamento, o racismo sai da

esfera pessoal e atinge a esfera institucional.

Nesse sentido, o racismo deve ser compreendido, não a partir da intencionalidade do

agente que o pratica, mas em virtude da ação negativa desenrolada pelo comportamento

racista. Ou seja, o racismo deve ser visto e compreendido sob o aspecto daquele que é alvo da

discriminação e sob a perspectiva de transformação de uma instituição, que se pretende

democrática, em uma organização que funciona como enquanto instrumento de coação e

discriminação social e racial, protegendo a ação policial.

Para a maioria dos entrevistados, o racismo, se existe, é algo isolado dentro da

corporação. Casos que fogem do controle geral e do comando da polícia militar:

[sic] Eu creio que não. Se tiver algum caso é na minoria. Por que eu acho que não tem nada a ver. O branco, o preto, o amarelo com questão de crime. O branco pratica crime, o amarelo pratica crime e o negro pratica crime. Quem olha para um preto e acha que ele é criminoso, está praticando um crime. E como que eu vou trabalhar com a segurança e com a justiça, se eu estou cometendo um crime, você é um criminosos também. Na minha visão, e eu como policial não trabalho dessa maneira, mas se tem alguns eu não sei também (1º sargento – 13ºBPM/I). [sic] Em minha opinião, não. Pode ser que tenha por ai gente racista, mas nós somos instruídos para que esse tipo de coisa não aconteça. Se acontecer, o policial deve ser punido. Mas acredito que isso hoje não aconteça mais (3º sargento PM – 13º BPM/I).

[sic] Eu nunca vi isso, nos onze anos que tenho de carreira. É claro que a academia policial procura ensinar seus policiais a terem posturas corretas, mas a corporação é composta por seres humanos, antes de fardas e isso ainda existe na nossa sociedade. Então é necessário considerar aquilo que a pessoa é antes de ser policial. Isso implica que ele pode ter aprendido isso em casa e acabar fazendo o mesmo em sua profissão, afinal o preconceito ainda existe (Tenente PM – 13º BPM/I).

[sic] O que a corporação prega é uma coisa, o que às vezes a gente vê

no dia-a-dia é outra porque depende de cada caso. O que é o certo, o que é correto que a corporação prega: a gente deve abordar as pessoas desde que haja uma fundada suspeita. A pessoa agiu de uma forma inversa daquilo que é comum no dia-a-dia, você considera que a atitude dela foi suspeita, isso, independentemente de cor, de vestimenta, de tatuagens, etc. É a atitude dela que vai provocar a abordagem. Mas, alguns policiais talvez não. Porque eu sou praticamente um ouvidor na minha companhia e eu recebo diariamente reclamações de problemas em abordagens. A gente chama os policiais e percebe que muitos não sabem nem por que estão abordando. Mas isso a gente tem instigado a mudar. O que é privilegiado, o que deve ser

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privilegiado é a atitude da pessoa. Se for uma pessoa que tá em uma infração ela age incomumente. Algum gesto ou trejeito ela pratica que levanta uma suspeita (Subtenente PM – 13º BPM/I).

Esse racismo, que aparece quase invisivelmente, sofre, conforme Silva Barros (2008),

adaptações nas falas cotidianas, criando uma impressão de estar ultrapassado e ser,

praticamente, inexistente. Além disso, o racismo configura-se como uma atitude presente

sempre nos outros e não nas práticas e ações próprias.

Uma outra característica notada é a descaracterização do racismo. Segundo a fala de

alguns entrevistados, observa-se que o racismo também estaria presente nas atitudes de

policiais negros para com outros negros ou para com outros brancos, sendo ainda maior a

violência empregada:

[sic] Eu já vi situações de racismo. Tanto do branco para com o negro, como do negro para com o branco. Eu já testemunhei policial negro batendo em pessoa branca (Subtenente PM – 13ºBPM/I).

Devemos ponderar, aqui, que o racismo do negro para com o branco não efetiva os

mesmos resultados em relação ao empregado pelo branco para com o negro. Apesar da

autoridade policial ostentada em situações como esta e a violência física se dar em proporções

semelhantes, o efeito psicológico atribuído a ação de racismo do negro para com o branco é

praticamente nulo (SANTOS, 1995).

É importante olharmos para o racismo não apenas nas falas, mas na postura dos policiais

ao negarem a existência do preconceito de cor no Brasil. Em uma sociedade cindida por

classes, em que sabemos das condições do negro ao acesso a cidadania, as escolas e a

universidade, condição, essa, imposta histórica e socialmente, a negação do racismo se

transforma em uma prática que não permite a discussão do tema e a inovação de políticas,

ações e práticas de reparação.

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3.4. Nina Rodrigues e o Discurso Policial: Do Perigo do Negro ao Perigo do Pobre

A construção da desigualdade humana e do racismo, a partir dos paradigmas de fins do

século XIX, proporcionou uma visualização do negro, enquanto um sujeito desprovido de

juízo de valor e discernimento entre o certo e o errado. Pela naturalização de supostas

fraquezas contidas em sua moralidade e constituição biológica, a criminalidade foi

profundamente associada com a imagem do negro, comumente vista como perigosa.

De acordo com Nina Rodrigues (s/d.) e com os pressupostos da criminologia, como

visto neste estudo, o negro deveria, portanto, permanecer sobre vigilância constante, uma vez

que deteria as condições biológicas necessárias para se engajar na criminalidade. O estágio

mental em que se encontrava a “raça negra” determinava uma violência diversificada, apesar

da suposta incapacidade intelectual sobre as próprias ações.

Esse tipo de construção teórica, disseminada pela própria literatura nacional e pelos

principais centros de produção da ciência e do conhecimento, estacionou, por um longo

período, a discussão sobre a importância subjetiva e objetiva do negro na sociedade brasileira,

bem como sua desigualdade social proporcionada pela antiga situação de escravizado e

posterior abandono social.

As discussões sobre a importância do negro na sociedade brasileira só é retomada por

um viés positivo, a partir de Gilberto Freyre (1963), nos anos de 1930. Por meio da obra Casa

Grandes & Senzala (1933), o autor lança uma reflexão sobre o aspecto positivo da

miscigenação do brasileiro como resultado do processo de colonização, destacando as

contribuições do negro e do indígena.

O resultado dessa miscigenação seria a “democratização” das relações étnicas no

Brasil, a partir da mistura dos portugueses com as negras e índias (MELO, 2009). Desse

modo, o cruzamento entre os diferentes grupos, a partir do “sexo livre”, levaria o português a

uma flexibilidade maior na colonização, compartilhando outras relações e sentimentos com as

demais etnias no Brasil.

Assim, a mestiçagem proporcionada por essas relações, do mesmo modo que a

influência e a importância do negro e do indígena frente ao português colonizador, dando

bases para a formação de uma cultura propriamente brasileira, teria gerado um ambiente, para

Freyre, destituído de preconceitos raciais.

Segundo Levy Cruz (2002), o conceito de “democracia racial” nunca foi utilizado de

modo explícito por Gilberto Freyre, sendo que as referências ao termo são esparsas em todas

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as suas obras, aparecendo em frases curtas, sem aprofundamento da discussão. O que Gilberto

Freyre coloca, segundo Cruz (2002, s/p.):

[...] são afirmações sobre o relacionamento ‘cordial’ [...] com exemplos concretos, entre os portugueses (brancos) e os negros. Cordial, diga-se de passagem, ao lado do tratamento mais perverso do mesmo branco para com os negros escravos, perversidade esta que Gilberto também retratou, e com freqüência, na sua obra.

Não incorreremos, aqui, nas grandes discussões acadêmicas que engendram, em

muitos casos, a disputa por hegemonia e poder no campo científico e que estabelecem

correntes que discutem as origens do conceito em Gilberto Freyre ou nos estudos de Roger

Bastide, em parceria com Florestan Fernandes52.

Interessa-nos, para este estudo, somente a noção trazida por Gilberto Freyre e que

desencadeou uma série de discussões sobre a convivência das etnias no Brasil e que, na nossa

visão, contribuiu para aflorar um sentimento de ausência de preconceito: a idéia de

convivência harmônica entre os grupos étnico-raciais.

Com isso, entendemos que a noção de convívio harmônico entre os grupos étnico-

raciais teria originado um sentimento no brasileiro de que o preconceito não existe,

corroborando para a ausência de discussões sobre a temática em determinados setores sociais

e instituições como a polícia militar.

Para clarificar essa argumentação, proposta por nós, é necessário retomar algumas

falas apontadas pelos policiais militares entrevistados:

[sic] Na minha concepção não. No meu modo de trabalho também não. Isso porque vivemos num país livre. O Brasil, é um país que recebe muitos exilados políticos, é um país receptivo, então não tem porque ser racista. Vivemos num país moderno, atual, então não tem porque falar em racismo (Cabo PM – 13ºBPM/I).

A partir dessa fala, que corresponde à pergunta “em sua opinião o racismo acompanha

as práticas policiais hoje?”, compreendemos o papel desenvolvido pela mitificação do

convívio harmônico entre os grupos étnicos, resultando em uma falsa imagem democrática, na

qual as desigualdades sociais e as discriminações de cor, gênero ou classe social são

52 Sobre os embates teóricos acerca do conceito de “democracia racial” e sua relação com Gilberto Freyre, consultar CRUZ, Levy. Trabalhos para Discussão. Democracia Racial, uma hipótese. N. 128. Agosto. 2002. Sobre as contribuições de Florestan Fernandes e Roger Bastide, consultar SOARES, Eliane Veras. SANTANA BRAGA, Maria Lúcia de. VALENÇA COSTA, Diogo. Sociedade e Cultura. O Dilema Racial Brasileiro: de Roger Bastide a Florestan Fernandes ou da explicação teórica à proposição política. V. 5, n. 1, 2002.

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apaziguadas por um sentimento de cordialidade que flutua entre a negação do racismo

existente e o desconhecimento dos conflitos sociais.

Se acentua, então, uma imagem do Brasil como um país receptivo, o qual acolheu

diversos grupos étnico-raciais, associando-se a idéia de uma miscigenação positiva, não

apenas sob o aspecto biológico, mas também sob o cultural, aliado ao “preconceito de ter

preconceito”, assinalado por Fernandes (1972), sem que os sujeitos sociais reflitam sobre as

condições pelas quais esses mesmos grupos foram submetidos ao longo da história nacional

Evidentemente, os Movimentos Negros da década de 1930, principalmente a Frente

Negra Brasileira (FNB), juntamente com a imprensa negra que se originará, já na década de

1910, com jornais como O Menelick (1915), A Rua (1916), O Alfinete (1918), dentre outros,

os quais contribuíram na luta pela ampliação da cidadania dos negros no país, mostrando

articulação nos debates da época contra certas condições de exclusão, discriminação e

preconceito.

No entanto, a partir do Estado Novo de Vargas (1937), os movimentos negros em

atividade tiveram que retrair sua atuação política e retornar às práticas tradicionais de

resistência cultural, como festas, bailes, desfiles de beleza53, etc., contribuindo, dessa maneira,

para um retrocesso nas discussões de caráter político e participativo dos grupos negros no

Brasil.

A partir de 1960, com o poder político nas mãos dos militares, as manifestações de

caráter racial foram inviabilizadas. A ditadura militar empenhava-se em transformar o

discurso de harmonia entre os grupos étnico-raciais, transformados em mito da “democracia

racial”, em propaganda oficial do regime, atribuindo aos militantes de qualquer movimento

negro a alcunha de “racistas” e “imitadores baratos” dos movimentos norte-americanos que

lutavam pelos direitos civis (HANCHARD, 2000).

Foi somente em 1978, já na fase de abertura política, que o movimento negro no Brasil

retorna ao cenário de debates contra a discriminação e a afirmação do negro, principalmente

com o surgimento do Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (MNU).

Assim, as lutas após esse período e em especial após 1988, a partir do processo de

redemocratização do Brasil, registraram avanços nos debates contra o racismo e mesmo na

aceitação da sociedade dos temas vinculados à temática étnico-racial. Conforme Sant’ana

(1998, p. 17):

53 Sobre as formas tradicionais de resistência e afirmação da cultura negra ver: SOUZA, Sérgio Luiz de. (Re) Vivências Negras: entre batuques, bailados e devoções. Práticas culturais e territórios negros no interior paulista (1910 – 1950). Ribeirão Preto: Edição do Autor, 2007. ISBN 978-85-907468-0-5.

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Parece realmente que o balanço do movimento - tal como é contabilizado pelos militantes – é o de que a campanha das últimas duas décadas na conquista da legitimidade de se colocar em pauta a questão do negro – sem excessivo risco de serem taxados de “divisionistas” ou de racistas ao contrario, ou ainda de “equivocados”.

Uma das conquistas mais evidentes dos negros brasileiros, após 1988, e que virou

texto da própria Constituição foi a criminalização do racismo, por meio do artigo n. 5, e o

reconhecimento da propriedade de terras remanescentes de quilombos pelo artigo n. 68 do

Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (Constituição Federal54, 1988, s/p.).

Contudo, apesar das inúmeras conquistas apresentadas pelos movimentos negros, o

debate sobre o tema étnico-racial ainda não atingiu toda a sociedade brasileira. O desenrolar

da história nacional fez com que a aproximação com a temática racial por instituições e

setores variados da sociedade fosse lenta, senão fadada a improdutividade, devido à

acentuação desse comportamento que, conforme já salientamos, Florestan Fernandes (1972)

descreveu como sendo um “preconceito de ter preconceito” do próprio brasileiro.

Desse modo, é claro que a tendência ao suscitar um questionamento sobre a relação

das abordagens policiais e o preconceito racial, como já aponta Silva Barros (2008), condiz

com o aparecimento de reflexões sobre a pobreza, a vestimenta e outros fatores que denotam

ser o preconceito econômico mais relevante que o preconceito racial:

[sic] Na minha visão o racismo não seria a cor. Seria o econômico. Talvez uma pessoa com maior poder econômico seja menos criminoso e tenha menos tendência a ser um criminoso do que uma pessoa com baixo valor econômico. O problema é que a pessoa com maior poder aquisitivo, com uma situação financeira melhor, ela consegue burlar, ela consegue maquiar melhor as intenções e a forma que ela pratica o crime, uma vez que uma pessoa que não tenha tanta condição financeira acaba sendo mais clara, ela não consegue disfarçar o crime que ela praticou (Soldado PM – 13º BPM/I).

[sic] Eu acho que o preconceito hoje no Brasil é muito mais

econômico do que racial. Porque uma pessoa que não tem condições econômicas, em alguns lugares, ela é barrada. O negro dificilmente é barrado, mesmo porque a lei tá dando todas as garantias, com a máxima razão. Eu acho que o preconceito é muito mais econômico. O pobre sofre muito mais preconceito do que o negro (Capitão PM – 13º BPM/I).

O que inferimos, nas falas apresentadas pelos policiais, que consideram a discriminação

econômica superior à discriminação étnico-racial, é a constituição de um esvaziamento do

racismo. Ou seja, ao considerarmos os impactos sociais e econômicos das teorias raciais de

54 Fonte: http://www.senado.gov.br/sf/legislacao/const/con1988/CON1988_31.12.2003/CON1988.htm

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fins do século XIX, no Brasil, podemos ter em vista as condições de inserção do negro no

mercado de trabalho nacional.

Desse modo, a marginalização do negro ocorre por intermédio de um contexto histórico

(PEREIRA DOS SANTOS, 2004) fomentado pela inserção de teorias que buscavam justificar

a desigualdade e, portanto, as posições inferiores ocupadas pelos negros na sociedade. Se o

trabalhador nacional branco era visto como incapacitado para a aprendizagem e para o

exercício de determinadas atividades (FAUSTO, 1983), o trabalhador negro, antes

escravizado, era considerado ainda mais impróprio para as mesmas atividades em virtude do

que era explanado pelas teorias da época. Nas palavras de Pereira Santos (2004, s/d.):

Nesse sentido, uma das características marcantes do mercado de trabalho brasileiro até hoje é a desigualdade de oportunidades entre os grupos raciais. As estatísticas revelam um quadro aterrador acerca da maneira como brancos e negros estão distribuídos na estrutura ocupacional.

Podemos, com certeza, afirmar a existência de uma reserva de mercado em determinadas profissões que privilegia alguns indivíduos em função da cor da pele [...] Enquanto algumas ocupações são deliberadamente preenchidas por brancos, onde estão situados os maiores rendimentos e as melhores oportunidades, outras abrigam aqueles indivíduos com menores possibilidades escolares e profissionais, como é o caso dos negros, auferindo rendimentos inferiores. Estas desigualdades, que se prolongam até o trabalho, estão presentes, também, no interior do processo educacional e observamos isto na baixa escolaridade alcançada por negros em comparação com os brancos; basta conferirmos as estatísticas atuais da FIBGE, Ipea/Ministério do Trabalho ou do Ministério da Educação.

A possibilidade de conviver em uma sociedade democrática, como crêem os policiais

entrevistados, não corresponde, a partir do que foi exposto, para uma possibilidade de

ascensão econômica do negro por meio da educação, da capacitação e do trabalho. Assim, a

horizontalização das oportunidades, trazida por essa compreensão distorcida da realidade, se

transforma em uma das maiores falácias criadas na história do Brasil.

No discurso desses policiais, ainda, podemos notar a relação estabelecida entre a figura

do pobre e a criminalidade. Nessa perspectiva apontada pelos policiais reside a noção de que a

pobreza é inerente às classes sociais desprovidas de situações econômicas estáveis, sendo o

pobre uma ameaça à propriedade privada.

Assim, conforme o imaginário policial, o sujeito empobrecido apresentaria uma maior

propensão para a criminalidade. De acordo com os entrevistados, os pobres seriam embutidos

de desejos por determinados produtos que não podem consumir, já que não detêm o capital

financeiro necessário para a aquisição do bem. Em virtude dessa impossibilidade ocasionada

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por sua condição econômica, o pobre seria acometido de uma vontade indomável que o

levaria à criminalidade.

A nosso ver, essa concepção apresentada pela polícia militar, hoje, depreende uma série

de vínculos com as bases teóricas que justificaram o sentimento de periculosidade em relação

a determinados grupos sociais nos séculos passados (XIX e XX).

Se, no século XIX Nina Rodrigues (s/d.) procurava demonstrar a inviabilidade de um

código penal brasileiro apoiado nos princípios de igualdade jurídica-política, dada a

imaturidade biológica e intelectual da raça negra, a qual não discerniria entre o certo e o

errado, conforme a ausência de livre-arbítrio; no século XXI, presenciamos um reavivamento

de suas mesmas perspectivas, focadas de uma outra maneira, porém com a mesma essência.

Dito de outra forma, as perspectivas de ilegalidade que, no século XIX, apontavam para

uma criminalidade naturalmente presente nos negros, hoje, demarcam a figura do pobre. Este

pobre, assim como o negro, demonstraria incapacidade de frear instintos e desejos e de refletir

sobre suas ações balizando o certo e o errado. A ausência de controle dos instintos seria o

resultado prático de uma má formação educacional e familiar associada a baixa expectativa de

trabalho.

Desse modo, a escolha, o arbítrio, a vontade própria dos sujeitos – neste caso

empobrecidos pelo sistema capitalista - são substituídos no imaginário e no discurso policial

por uma compreensão que julga o pobre enquanto um sujeito afeito à criminalidade pela sua

natureza (psicológica e intelectual) e sua realidade social.

Evidentemente, para esses policiais, os pobres não são maus, no sentido exato da

palavra. Contudo, e aqui lembramos Rousseau (1994) com seu “bom selvagem”, para os

membros da corporação, a sociedade (civilização) corrompe o pobre, não apenas nos

momentos em que o incita a um consumo exagerado sobre aquilo que não detém capacidade

econômica, mas, também, na medida em que não fornece um sistema educacional suficiente

para promover o seu desenvolvimento cognitivo e uma estrutura familiar – leia-se, aqui,

famílias compostas por mãe, pai e filhos – integrando a realidade e capaz de contribuir para a

formação do sujeito.

Assim, na representação desses policiais, o pobre não é um monstro social, mas

constitui um sujeito infantil, que não consegue dissimular suas intenções (mentir) dada sua

limitação psicológica e, portanto, um sujeito potencialmente perigoso, o qual necessita de

vigilância constante.

Essa visão evolucionista atualizada contribui para outras práticas associadas com as

políticas públicas de prevenção à criminalidade em locais considerados de risco ou sobre

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pessoas consideradas como vulneráveis. Os trabalhos sociais de prevenção de delito, por meio

de iniciativa privada ou pública e vinculados com comunidades de baixa renda, caminham

nesse sentido, uma vez que consideram tais locais e pessoas como propensas a atos de

criminalidade.

O fator biológico aparece também como determinante para justificar a criminalidade e

corroborar para a identificação do suspeito. Em uma das falas de um soldado PM, apresentada

durante a realização das entrevistas que compõem este estudo, pudemos verificar, claramente,

tal concepção bem como a aproximação, do entrevistado, com as prerrogativas de Nina

Rodrigues:

[sic] Olha existem vários tipos de causas para isso (criminalidade). Um deles pode ser o genético, algum distúrbio que leva ele a ser mais violento, ou mais propenso ao crime. Existe também a situação de que ele cresceu em um ambiente que o convenceu que a prática criminosa fosse a melhor forma de vida (Soldado PM – 13º BPM/I).

Não podemos afirmar, com maior propriedade, que este referencial sobre os fatores da

criminalidade corresponde a uma visão disseminada pela instituição policial militar ou

corresponde, meramente, a uma questão de senso comum, a qual se aproxima das teorias que

se desenvolveram no século XIX, no Brasil. Porém, o que podemos afirmar, de acordo com

relato oferecido por um subtenente entrevistado, é que, ainda na década de 1980, a academia

policial ensinava aos seus alunos que o perfil suspeito a ser abordado e averiguado condizia

aos homens negros, em especial, os pardos.

[sic] Eu me lembro, voltando se você me permitir, quando eu entrei na polícia foi passado pra mim em sala de aula um perfil da pessoa suspeita. Seria os indivíduos pardos, negros - mais os pardos do que os negros -, indivíduos com tatuagens, indivíduos que falavam muitas gírias. Então tinha inclusive, eu não vou me lembrar agora, mas tinha um nome de um pesquisador, não sei se de Harvard, na época, que havia traçado um perfil do suspeito. Isso foi na minha escola de soldados em Bauru. O instrutor passou esse perfil. E falou: “o perfil das pessoas que você deve abordar é esse”. Passou essas coisas que te falei. Falou inclusive que foi feita pesquisas dentro das cadeias, onde a maioria é “assim-assado”... (Subtenente PM - 13ºBPM/I).

Tendo em vista as academias militares e o processo de formação do policial, o espaço

temporal da informação contida na fala apresentada é relativamente pequeno se observado o

tempo de carreira e ingresso, correspondente a cerca de 25 anos, desse subtenente na Polícia

Militar do Estado de São Paulo.

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Se estabelecermos uma media de 2 a 10 anos para a formação do policial militar,

dependendo da sua aspiração na carreira e com a variável de soldado a tenente coronel com

pós-graduação completa, constituímos a hipótese de que uma média de 4 gerações de policiais

separam a afirmação do subtenente e a formação profissional atual, com cursos de direitos

humanos, procedimentos operacionais, atendimento ao coletivo, etc. Isso significa que ainda

temos policiais militares que receberam esse tipo de formação inicial - com idéias

evolucionistas, que pré-julgavam os negros e pardos como biológicamente incapacitados e,

moralmente, corrompidos a ponto de não escaparem de uma natureza que lhes seria intrínseca,

a criminalidade – exercendo, assim, suas funções cotidianamente.

Nesse sentido, estabelecemos aqui uma problematizaçao. Ou seja, qual o efeito real ou o

impacto objetivo que os cursos oferecidos pela instituição policial militar no século XXI - que

buscam a democratização da polícia em suas relações com a sociedade em geral – ocasionam

sobre esses policiais que apresentam um tempo de carreira superior a vinte anos e,

consequentemente, uma formação inicial diferenciada daquela ministrada hoje.

Na realização das entrevistas foi dado aos policiais um conjunto de fatores que poderiam

indicar as causas da criminalidade na sociedade brasileira. Com apoio em Benevides (1983,

p.31) definimos os seguintes fatores: condições sócio-econômicas; desarticulação do sistema

de justiça nacional; fatores vinculados à corrupção política e fatores de natureza genética e

moral individual, além da opção: nenhum desses ou um outro (qual?).

A escolha desses quatro fatores fundamentais se deu em virtude da associação, pela

maioria da população, comumente feita destes com a criminalidade e por suscitarem

apontamentos para a resolução de um problema social que atinge o país como um todo, ou

seja, os altos níveis de criminalidade presentes nos grandes centros urbanos do Brasil.

Nesse sentido, duas alternativas são apontadas para uma tentativa de resolução da

criminalidade. Por um lado, a reformulação do sistema econômico, a autonomia do poder

judiciário, a extinção da polícia militar e a prevenção da criminalidade nos bairros. Por outro

lado, o aprimoramento do desempenho policial associado ao auto-armamento da população

(BENEVIDES, 1983).

Para o grupo pesquisado, a causa da criminalidade no Brasil seria a junção dos quatro

determinantes básicos apresentados, sendo que nenhum policial optou pela última alternativa

que possibilitava uma opção de discurso não determinista como o apresentado ou a

possibilidade de discorrer conforme o conhecimento adquirido através da Academia de

Polícia.

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Ainda, nenhum policial do grupo entrevistado respondeu conforme o que foi ensinado

pela instituição militar, afirmando não saberem como a Polícia Militar visualiza, interpreta e

compreende a criminalidade, fato que conferiu um caráter particular às respostas:

[sic] Eu acho que é um pouco de cada, tudo engloba. Acho que é um pouquinho de cada (1º Sargento PM – 13º BPM/I). [sic] Acho que é um pouquinho de cada coisa, eu penso assim. Não que isso seja correto, por que você não tem um emprego que você vai roubar. Não é que por que seu pai é marginal que você também vai ser um marginal, não é por ai não. Mas eu acho que tudo isso depende da família para formar o caráter do ser humano (Cabo PM – 13º BPM/I).

Aqui, o que verificamos é que, mais uma vez, os policiais militares agem conforme uma

“cultura policial”, disseminada pelos agentes membros da corporação e da sociedade, e não

pela instituição militar. Com isso, os policiais atribuem juízos de valor ao grupo que ao grupo

considerado deliquente ou criam expectativas de ilegalidade sobre determinados grupos

sociais, em geral, marginalizados pela situação econômica que apresentam, não exercendo

uma filtragem das opiniões pessoais em relação a aprendizagem oficial.

As respostas apresentadas pelos policiais entrevistados guardavam, ainda, a

possibilidade de justificativa sobre a indicação apontada como causa da criminalidade. Em

geral, as justificativas foram relacionadas à carência educacional, à influência do meio social

– território geográfico da delinquência – à falta de oportunidade empregatícia e à estrutura

familiar dos criminosos.

[sic] Olha, eu não sei quanto a policia militar. Eu posso te falar minha visão pessoal. Acho que uma mistura dos quatro fatores. Mas é lógico que o meio influencia. Se o cara não foi criado em um ambiente bom é claro que ele não terá uma vida correta. Não estou dizendo que se o sujeito é pobre, que ele vai roubar mais que um rico, mas a família é central nesse sentido. O ambiente em que a pessoa cresce é fundamental para o que ela vai se tornar no futuro (1º Tenente PM – 13º BPM/I).

Para além da junção dos quatro fatores determinantes, a criminalidade aparece como

decorrente, principalmente, da pobreza e da carência educacional dos sujeitos.

[sic] Penso que seja, o primeiro fator, o de natureza econômica. Ajuda em muito porque às vezes o indivíduo se vê na necessidade de suprir o sustento da família. Se ele também não tiver nenhuma qualificação profissional e, sustentado pelo dinheiro fácil, ele pode se envolver na marginalidade. Na minha concepção seria um conjunto de fatores que leva à marginalidade. Tanto sócio-econômico, o sistema político que nós vivemos

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hoje em dia, e, também a falta de oportunidade e investimento na pessoa, digamos, carente. A falta de oportunidade de trabalho (Cabo PM – 13º BPM/I). [sic] Olha, eu acredito que muitos é pela situação sócio-econômica. Mas eu diria que não fica só aí. Hoje realmente a gente percebe em bairros de periferia que a criança ela tem uma tendência e uma influência maior de marginalidade, porém a gente vê que isso não esta só na periferia. Então eu atribuo não só ao lado social, mas também a situação de cultura, cultural (Soldado PM – 13º BPM/I).

Ainda em meados do século XIX, a pobreza aparecia como fator de risco para a posição

social de determinados grupos sociais e, portanto, como um fator de criminalidade e de

contestação da ordem e do status quo (FERNANDES RODRIGUES, 1972; PINHEIRO,

1982) Entretanto, a figura do negro em expansão, devido às novas condições colocadas como

a Abolição da Escravidão, aparecia como sinônimo primeiro de marginalidade e

potencialidade de desordem social (FAUSTO, 1983; RODRIGUES, s/d.).

O que constatamos, por intermédio deste estudo, é que a pobreza ainda reflete uma

preocupação e uma expectativa de ilegalidade para a polícia militar, independentemente da

cor dos sujeitos, colocando, assim, duas hipóteses diante dessa questão. Em primeiro, a

polícia militar poderia, de fato, ter alterado sua expectativa de criminalidade e associação da

marginalidade, exclusivamente, ao indivíduo negro, transferindo suas preocupações, por sua

vez, para o crescimento da pobreza. Por outro lado, também teríamos que considerar que a

pobreza no Brasil tem cara, cor e local de existência. Aqui, a linha de pobreza se concentra

em classes sociais identificadas etnicamente e geograficamente como negras e periféricas.

De acordo com pesquisa realizada, no ano de 1995, pelo Data Folha, em parceria com a

Folha de São Paulo, intitulada Racismo Cordial, de 597 negros, 50% possuíam renda mensal

individual de até dois salários mínimos, enquanto 40% dos brancos atingiam a mesma

margem de renda, 71% de negros possuíam somente o ensino fundamental, o antigo 1º grau e,

apenas, 4% ensino superior completo, enquanto 57% dos brancos possuíam somente o ensino

fundamental e 13% ensino superior completo.

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135

40

1915

106

45

2013

62

50

23

12

4 2

Gráfico 2: Percentual de Renda Mensal Individual por Cor Auto-(Base ponderada: 2487 brancos, 1428 pardos, 597 negros)

Branca Parda Negra

Fonte: Data Folha e Folha de São Paulo. Racismo Cordial. São Paulo: Editora Ática, 1995, p. 92.

57

30

13

65

29

6

71

24

3

Até o 1º grau 2º grau Superior

Gráfico 3: Percentual de Escolaridade por Cor Auto-atribuídaBase ponderada: 2487 brancos, 1428 pardos, 597 negros

Branca Parda Negra

Fonte: Data Folha e Folha de São Paulo. Racismo Cordial. São Paulo: Editora Ática, 1995, p. 92.

Levando em consideração que os negros, em geral, possuem uma renda econômica

inferior aos brancos, infere-se que a pobreza delimita a identificação do suspeito,

transformando as condições econômicas em fatores da criminalidade para mecanismo de

identificação do suspeito.

Sobre a marginalidade no negro e no pobre, ou ainda do negro pobre, afirma uma cabo

PM – 13º BPM/I, entrevistada:

[sic] Não, posso [te responder]. É complicado porque eu tenho certeza que várias pessoas que sabem do que tá acontecendo no mundo vêem que não é apenas os negros, são mais os pobres.

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Se de fato mudanças ocorreram no próprio pensamento dos policiais, a situação de

pobreza não deveria imperar enquanto representação da marginalidade e da contravenção

penal. No entanto, a identificação entre violência e miséria prevalece entre os policiais

militares. Segundo Benevides (1983), a própria imprensa brasileira contribui para a

marginalização de determinados grupos sociais e para a associação da criminalidade com as

classes sociais desfavorecidas, na tentativa de destacar as causas da mesma.

Com isto, observamos que a relação estabelecida entre miséria ou desemprego e

criminalidade ou violência constituem preconceitos sobre as consideradas “classes perigosas”

ou os chamados fatores de risco: condição econômica, localidade, grupo social, grupo étnico,

etc. Uma exemplificação recente é a vigência da lei de vadiagem, através do artigo n. 59 de

1941, da Lei de Contravenções Penais, na cidade de Assis, no interior paulista.

Segundo Badaró, professor de direito processual da Faculdade de Direito da

Universidade de São Paulo, em entrevista concedida ao jornal Agência do Brasil, no dia oito

de agosto de 2009, a aplicação da lei funda-se em um princípio discriminatório a partir da

idéia de que o rico pode ser ocioso e pobre não:

Se eu tenho uma quantidade de dinheiro aplicado que me assegura o meu sustento e eu quiser ficar sentado no banco da praça o dia inteiro, eu posso. Se o pobre quiser fazer a mesma coisa, porque ele não tem dinheiro, ele não pode. Se você não trabalha, não tem renda, vai cometer um crime para obter dinheiro. Então, puna-se a pessoa pelo crime que vier a cometer, mas não pelo fato de ela ser vadia. É fruto de uma concepção fascista de que o indivíduo serve ao Estado e não o Estado deve servir ao indivíduo.

O resultado da retomada da lei ocasionou o fato de cerca de cinquenta e uma pessoas

serem cadastradas na delegacia de polícia da cidade de Assis, sendo obrigadas a realizarem

um exame médico que comprovasse sua capacidade de trabalho e de comprometimento com a

procura de um emprego, num prazo de trinta dias. O não cumprimento da ordem acarretaria

em prisão de quinze dias a três meses, caso o sujeito cadastrado fosse encontrado em atitude

suspeita.

Desse modo, podemos perceber que a idéia de marginalidade e criminalidade ainda é

associada tanto por policiais como pela sociedade em geral que integram, à sujeitos

desprovidos de uma situação econômica estável e garantida por um emprego fixo.

Após o processo de redemocratização do Brasil, a partir da Constituição de 1988, muitas

exigências foram feitas para a reestruturação da Polícia Militar no Estado de São Paulo, uma

vez que, ainda no ano de 1992, a Polícia Militar cometeu 1.264 homicídios, sem contabilizar

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os 111 mortos do massacre do Carandiru, conforme dados divulgados pela Corporação, em

outubro de 1993 (BICUDO, 1995).

Em virtude disso, a Polícia Militar deveria se formar enquanto uma Polícia

uniformizada, hierarquizada e disciplinada, a qual trabalhasse em programas preventivos e

não se submetesse a violência física nos momentos de contenção popular. Nas palavras de

Helio Bicudo (1995, p. 42):

Será uma Polícia que conhece as pessoas que atende e por elas é conhecida. Enfim, uma Polícia democrática, voltada para os reais interesses da população no tocante à segurança. Então, esse povo tão sofrido poderá trabalhar e ter lazer, ir à escola, reunir-se e participar politicamente do processo de seu aperfeiçoamento.

Assim, a instituição policial militar não permaneceu estagnada diante das manifestações

e interesses de reformulação em âmbito geral. Diversos cursos de formação e aperfeiçoamento

profissional foram introduzidos nos currículos policiais a fim de alterar a concepção e as

ideologias sustentadas pelos policiais após o término da Ditadura Militar. Como afirma uma

policial militar entrevistada:

[sic] Quando eu entrei a polícia era muito mais truculenta nas suas operações. Era o final do regime militar, então a polícia era mais agressiva do que hoje. Hoje com os Direitos Humanos isso mudou bastante. A polícia é mais cordial na abordagem. Educada (1º Sargento PM – 13º BPM/I).

Levemos em consideração, diretamente, a afirmação dessa policial diretamente a

afirmação dessa policial entrevistada. Nos anos de Ditadura Militar, no Brasil, até meados da

década de 1990, principalmente quando a polícia militar perde a função de combate aos

grupos de resistência armada e direcionam suas práticas policiais sobre a população comum,

os números de homicídios causados por ação policial disparam nas fontes de informação,

principalmente na imprensa (BICUDO, 1994).

Os atos de violência policial são contabilizados por Bicudo (1994) que aponta para os

seguintes dados: no ano de 1993, a Polícia Militar de São Paulo matou um homem a cada seis

horas. Inquestionavelmente, os dados revelam uma polícia com características militares no

trato com a população civil bem como mostra-se a necessidade de se alterar as atitudes dos

membros da corporação no exercício de suas funções legais.

Nesse sentido, no ano de 2002, foi implementado nas PMs do Estado de São Paulo o

POP no intuito de minimizar possíveis casos de abuso policial, objetivando normatizar o

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sistema de abordagem policial e orientando os agentes de policiamento na melhor maneira de

exercer a operação de abordagem (PINC, 2007).

A partir dessa medida principal no currículo do policial militar, pois atinge diretamente

o momento de contato entre policial e cidadãos, momento de grande tensão (RAMOS &

MUSUMECI, 2005), os membros da corporação adquiriram uma nova visão sobre sua

atuação, caracterizando-a como menos violenta e não truculenta como era apresentada nos

anos de repressão militar.

Contudo, fazemos aqui três ressalvas sobre a implementação do POP e a configuração

de uma polícia militar democratizada. Por um lado, o POP aumenta a segurança dos agentes

policiais e dos atores envolvidos na situação de abordagem de acordo com a reação dos

mesmos envolvidos, conferindo, ao mesmo tempo, uma autonomia ao policial, uma vez que

consiste em um documento oficial, mas que não tem caráter impositivo (PINC, 2007). Por

outro lado, a adoção dos procedimentos operacionais padrão não dirimiu a visão da população

de que a polícia militar constitui um órgão que se utiliza de violência e de abuso de

autoridade.

Posto isso, os próprios policiais militares, entrevistados neste estudo, relataram

transformações que foram sentidas no trabalho policial e na Corporação. Dentre algumas das

alterações sentidas e vivenciadas, notamos o afrouxamento das relações hierárquicas através

do sentimento dos subordinados com seus superiores.

[sic] No começo a gente tinha uma distância maior dos comandantes, tipo conversar com alguns comandantes, mas eu vejo que vem mudando. Há uma aproximação maior entre os comandantes e os comandados (Soldado PM – 13º BPM/I).

Além disso, a idéia do trabalho policial voltado para uma prestação de serviço para a

sociedade, como prevenção à criminalidade, em contrapartida a antiga noção de combate ao

“inimigo interno” sugerido, por sua vez, pela política de segurança nacional nas décadas de

opressão militar, aparece como transformação sentida na Polícia Militar:

[sic] Eu entrei na policia militar em 1985, tava terminando o regime militar. Até mesmo dentro dos quartéis a gente percebia que a gente tinha que sair para a rua e tinha que combater o inimigo, hoje em dia, já de uns 10 anos pra cá eu venho percebendo que ta sendo incutido na mente dos policiais que a gente não sai para rua para combater o inimigo e sim para servir a sociedade. Por isso os marginais não são inimigos, são pessoas que tem que ser presas e julgadas ao serviço das leis (Subtenente PM – 13º BPM/I).

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No entanto, ainda há necessidade de maiores transformações na corporação policial

militar a fim de transformar a polícia que temos hoje, em uma polícia democrática e cidadã. A

própria ênfase na relação entre miséria e criminalidade e, consequentemente, na relação

apresentada entre ser negro, ser pobre e ser bandido ilustra a importância de uma alteração na

representatividade que a Polícia Militar exerce no século XXI.

Para essa conquista, coloca-se, para a população, a necessidade de um reconhecimento e

de uma aproximação do trabalho policial, pois enquanto não houver esse estreitamento, a

Polícia Militar continuará exercendo uma profissão cuja finalidade aparece como último

recurso à sociedade, sendo lembrada, somente, nos momentos de abalo social e,

principalmente, abalo da propriedade privada.

[sic] Falta um pouco de cuidar mais do policial. Pra que ele exerça essa profissão sabendo o que ele está fazendo. Então eu acho que vale mais investir no policial em estudo, cursos, estágios. Teve sim uma grande diferença de quando eu entrei na PM pra agora, mas as mentes não mudaram muito (Cabo PM – 13º BPM/I). [sic] Acho que é um trabalho que deveria ser melhor reconhecido pela sociedade e um trabalho importantíssimo. Existe até um lema que é quando a sociedade precisa da policia ela quer perto, quando não precisa ela quer

distante. Talvez até por uma concepção do regime militar, daquela coisa toda que a policia usava da repressão, mas não é isso hoje. Hoje a policia militar está aí para servir a comunidade e protegê-la. Pra mim é de suma importância, de suma valia o trabalho do policial militar (Subtenente PM – 13º BPM/I).

A queixa apresentada, através do discurso desse policial militar, reflete aquilo que

anteriormente mencionamos. Devido às características históricas e comportamentais

apresentadas pela Polícia Militar, desde a sua constituição até pelo menos a década de 1990, o

sentimento da população reservado aos membros do aparelho policial apresentava um

gradiente de expectativas de incertezas, inseguranças, corrupção e criminalidade,

favorecendo, assim, a manifestação, também, de um sentimento de suspeição. Tal

característica nos possibilita entender o afastamento da sociedade – população – em relação

ao grupo de policiais militares, como relatado no depoimento.

Segundo Ramos e Musumeci (2005), os próprios policiais denotam sentir uma

receptividade maior do desenvolvimento de seu trabalho em comunidades com menor

concentração de renda, do que entre os grupos com maior poder aquisitivo e, por conseguinte,

com maior instrução educacional.

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Segundo os mesmos policiais, a presença da farda policial e do armamento em

comunidades com menor instrução é suficiente para que consigam realizar suas tarefas, se

apoiando na autoridade policial, sem quaisquer outros questionamentos ou constrangimentos.

Fato que não ocorre em bairros nobres, onde o policial é questionado de sua atividade e

indagado sobre o conhecimento ou desconhecimento das relações de poder, expressas em

vínculos pessoais com as autoridades policiais superiores, as quais circulam naquele meio

(RAMOS & MUSUMECI, 2005).

Uma possibilidade de combate a esses mecanismos de entrave em relação a atividade de

policiamento, tanto em uma como em outra área, seria por meio do reconhecimento do

trabalho policial, da fortificação das exigências de uma polícia democrática e que cumpre

irrestritamente a lei, em detrimento de ações individuais excessivas e violentas, associadas à

preparação profissional do policial, através de treinamentos como o Método Giraldi55.

Enquanto isso não ocorre, vemos resultados escandalosos pelo emprego da força letal

por policiais, em especial policiais militares. De acordo com pesquisa realizada pela Human

Rights Watch, intitulada Força Letal: violência policial e segurança pública no Rio de

Janeiro e em São Paulo (publicada em oito de dezembro de 2009), desde 2003, as polícias de

ambos os Estados teriam matado cerca de onze mil pessoas, alegando “resistência seguida de

morte” ou “autos de resistência” 56.

As conclusões do relatório da Human Rights Watch ainda deixam transparecer que os

homicídios cometidos pelas polícias dos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, consistem

em execuções extrajudiciais, protegidas, deliberadamente, tanto por autoridades policiais

como por autoridades do poder executivo. Nas palavras de Sérgio Pinheiro (1982, p. 81):

É uma política deliberada de extermínio de “criminosos” que conta com a proteção das autoridades do Executivo e com a impunidade assegurada pelo Judiciário [...].

É claro que devemos refletir que essas práticas letais e sua devida impunidade, não são

responsabilidade única de uma cultura policial disseminada no meio militar, mas, sobretudo,

como dito por Pinheiro (1982), da existência de um poder legislativo que produz leis

55 O “Método Giraldi” constitui-se por um programa de treinamento policial, adotado no Estado de São Paulo, que se utiliza de técnicas defensivas não-letais de policiamento. 56 Entre os anos de 2004 e 2008, segundo dados do relatório da Human Rights Watch, as Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar - ROTA (subordinadas ao Comando de Policiamento de Choque de São Paulo e ao Grupo de Operações Especiais da Polícia Militar) – mataram 305 pessoas sob a justificativa de “resistência seguida de morte”. Em São Paulo, nos últimos cinco anos, a polícia, em toda s suas subdivisões, matou 2.176 pessoas, registrando um índice de homicídios superior ao de toda África do Sul (1.623).

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insuficientes e que não efetivam-se em nossa sociedade, deixando lacunas de interpretação e,

portanto, de impunidade.

Segundo Lourival Sant’anna, em matéria publicada no jornal O Estado de São Paulo, no

dia 14 de abril de 2002, com base no Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário e em

depoimentos de juristas, há uma hipertrofia no ordenamento jurídico brasileiro, causado por

uma complexidade que vai do patrimonialismo colonial ao corporativismo, da

incompatibilidades de leis com o momento histórico ao rigor nominal das sansões e penas, até

a sensação de completa impunidade.

Desse modo e sem as devidas e necessárias transformações, a Polícia Militar continua

agindo, em muitos casos, sem saber exatamente o que faz e qual seu papel dentro da

sociedade e de um Estado que se pretende democrático e de direito. Contando, ainda, com o

apoio disfórico de uma imprensa descomprometida com a verdade e com o conhecimento

(BENEVIDES, 1983), produzindo suspeitos sem a racionalização de suas práticas e que não

sabem, portanto, o real motivo de sua atuação ser por determinada maneira e não por outra.

5. Considerações Finais

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O presente estudo, realizado ao longo de nosso mestrado, teve como objetivo

compreender o discurso policial no século XXI e, consequentemente, a sua prática policial em

relação a um indivíduo considerado ou desconsiderado “elemento suspeito” (RAMOS &

MUSUMECI, 2005). Discurso, esse, que passa da instância pessoal e atinge a coletividade

pública à medida que os agentes de segurança e controle estabelecem contato direto com o

mundo extra-institucional.

Para tais constatações, nos valemos, durante a elaboração deste texto, da constituição

dos principais aspectos que levaram diversos intelectuais, associados a uma elite agrário-

industrial, incorporarem, em seus discursos, o racismo científico, transformando o processo de

abolição e constituição da república, que deveria expandir a cidadania para toda a população,

em dilema para a permanência de posições sociais de dominação.

Como concebemos a organização do pensamento de modo dinâmico, uma vez que as

transformações históricas, econômicas, políticas e sociais refletem na maneira de pensar dos

seres agrupados em sociedade, consideramos importante não apenas demonstrar as

particularidades do pensamento social brasileiro, como também mostrar o quanto os próprios

modelos de pensamento adotados no Brasil estiveram imbricados com processos históricos e

políticos vigentes em determinadas épocas, marcando, assim, a realidade nacional ao longo de

sua constituição.

Por intermédio das lutas teóricas estabelecidas por Nina Rodrigues, rastreamos a

consolidação de uma visão determinista e marginalizadora que foi capaz de relegar ao negro a

visão de que este era, insoluvelmente, um caso de polícia (PEREIRA CAMPOS, s/d.), devido

sua natureza criminosa e a degeneração contida em sua “raça”.

A partir disso e de uma busca textual em diversos autores, mostramos a constituição do

aparelho policial como um instrumento de serviço para as classes hegemônicas,

financeiramente e intelectualmente, articulando a necessidade de formação de um Estado-

nacional amplo, aberto e dinâmico à manutenção do controle social de determinados grupos

humanos.

Do mesmo modo, foi importante trazermos, para nossas discussões, as transformações

ocorridas no aparelho policial brasileiro, uma vez que os mesmos processos - históricos e

políticos - foram suficientes para gerar instabilidades no funcionamento da instituição,

fazendo com que sua estrutura fosse permanentemente alterada, até meados da década de

1980.

Evidentemente, as mudanças observadas, ao longo da consolidação da atual Polícia

Militar, não significaram a distorção de seus objetivos iniciais, como a manutenção do status

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quo e do poder político de alguns em detrimento de outros. Ao contrário, as polícias foram,

constantemente, reformuladas no intuito de aprimorar suas técnicas de controle social, seu

desempenho e métodos de preservação de um progresso nacional limitado a determinados

grupos sociais.

Buscamos, também, com este estudo apreender as relações cognitivas do policial militar

expressas na execução de seu trabalho e manifestadas, por meio da oralidade, nas entrevistas,

atentando para a produção de um imaginário social inferiorizante, cuja principal tendência era

a associação comum entre situações de criminalidade com estereótipos negros. Desse modo,

os policiais militares foram compreendidos e interpretados como sujeitos resultantes de uma

história, constituindo-se, assim, como frutos de uma sociedade na qual o preconceito étnico-

racial vigora em muitas instâncias.

Nesse sentido, os relatos proporcionados pelo conjunto de entrevistas realizadas com os

membros do 13º BPM/I de Araraquara foram fundamentais para esclarecer as dimensões

tomadas pelos pré-conceitos contidos em membros de uma instituição que deveria apresentar

sua Corporação como isenta de juízos de valor.

A partir dos dados contidos nas falas policiais, conseguimos visualizar a relação

estabelecida entre ser pobre, ser negro e ser bandido, o que corroborou para a sustentação de

que a idéia de uma identidade bandida ainda orienta as atitudes policiais no momento da

abordagem cotidiana, confirmando a prática de abordagem dos policias denominada,

constantemente, por eles, de “atitude suspeita”.

A reflexão sobre a identidade bandida nos levou a compreender que os sujeitos em

sociedade ainda são julgados, nesse caso, pela Polícia Militar, a partir do que são fisicamente

e da condição econômica que apresentam e não pelos atos infracionais que realmente

cometem ou pelos crimes em que atuam (ALVAREZ, 1996).

O discurso que aponta para a atitude suspeita, como técnica de abordagem amparada

pela lei, oculta discriminações e pré-conceitos percebidos a partir da relação estabelecida

entre os fatores de risco ou fatores de criminalidade relacionados com a pobreza e/ou grupos

sociais delimitados por áreas consideradas perigosas, em geral, associadas com a periferia.

Tal fato gera uma problemática de difícil solução. Se, por um lado, os policiais negam a

responsabilidade da instituição militar sobre as condutas racistas de determinados agentes da

corporação, afirmando ser o preconceito étnico-racial presente no indivíduo e não na farda

que ostenta, por outro lado, a negação permite a perpetuação de atitudes que, mesmo isoladas,

impossibilitam a constituição de uma Polícia Militar democratizada.

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Resumidamente, as entrevistas e o trabalho de campo nos possibilitaram compartilhar as

experiências policiais, mostrando-nos, ao mesmo tempo, as dificuldades dos agentes policiais

em se identificarem com seu próprio trabalho e compreenderem sua relação histórica e

política com a sociedade.

Mesmo com as discussões realizadas no âmbito dos Consegs (Conselho Comunitário de

Segurança) sobre o papel da polícia militar em um contexto democrático de respeito,

liberdade e aceitação das diferenças, e em conjunto com o papel dos grupos sociais nas

transformações institucionais, muitas mudanças se fazem, ainda, como necessárias na atuação

policial militar a fim de uma maior redemocratização da instituição.

Uma das reivindicações da sociedade civil, através, também, dos Consegs, é a

desmilitarização dos policiais. Conforme Neves (2003), o processo de democratização de

instituições seculares após os anos de 1980 e 1990, em especial a Polícia Militar, passou a

preocupar os grupos sociais e suscitar:

[...] propostas de desmilitarização da Polícia Militar, de unificação das polícias, de criação de controles externos tais como as ouvidorias, de ampliação dos poderes das corregedorias, da implantação do policiamento comunitário e interativo, etc. (NEVES, 2003, p. 04)

Propomos aqui, além do que foi referido acima, a intensificação e ampliação dos cursos

de aperfeiçoamento policial, vinculados aos Direitos Humanos e direcionados para uma

melhoria da atuação policial no trato direto com a sociedade civil. Ainda, levantamos a

necessidade da implantação dos procedimentos operacionais como normas que não deixam

margem para a autonomia policial bem como a possibilidade de manifestação de

determinados pré-conceitos.

A ausência de determinados conhecimentos, inclusive históricos, sociais e políticos, faz

com que o policial militar - ao associar a criminalidade com os índices de pobreza e a cor da

pele – empregue, legitimamente, seu poder-força, impondo e reconhecendo significações em

grupos sociais marginalizados por uma tradição que remonta o pensamento social do século

XIX, perpetuando um estigma social (GOFFMAN, 1988) e acrescentando ainda mais vigor

para a discriminação e o preconceito.

Todo poder de violência simbólica, isto é, todo poder que chega a impor significações e a impô-las como legítimas, dissimulando as relações de força, acrescenta a sua própria força, isto é, propriamente simbólica, a essas relações de força (BOURDIEU & PASSERON, 1982, p. 19).

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Alguns esforços são percebidos, nesse sentido, como a implementação dos Conselhos

Municipais de Segurança, como já mencionado, que buscam a realização de reuniões

periódicas com membros das polícias militares (e demais polícias) e representantes de

comunidades diversas dos municípios integrados no programa, a fim de discutirem medidas

de segurança e melhorias internas nas corporações bem como em suas relações extra-

institucionais.

No entanto, apesar dos esforços, as discussões para a reformulação da polícia militar

ainda são limitadas. Enquanto a ampliação do diálogo não ocorre, presenciamos a

disseminação de uma cultura policial que fabrica suspeitos, aleatoriamente, e obriga cada

grupo policial, que sai uniformizado ao encontro da população, a adotar padrões de

identificação do suspeito conforme suas opiniões pessoais e de acordo com o que alguns

chamaram de “tirocínio policial”.

Nas palavras de um cabo feminino, ao ser questionada sobre os padrões de suspeição e

abordagem, podemos inferir o abismo que separa a aprendizagem institucional das práticas

policias no cotidiano das abordagens e identificação do suspeito ou, ainda, da “atitude

suspeita”: “É o que eu disse: até pode ter um padrão, mas cada equipe é uma equipe”.

Não podemos deixar de mencionar que o tempo que separa o Brasil de uma Ditadura

Militar rumo a uma redemocratização, não apenas da política, mas de um dos instrumentos

utilizados como mecanismo de manutenção do poder militarizado – a polícia militar – é,

relativamente, curto, limitando, assim, o replanejamento de instituições históricas.

Esse curto espaço temporal que amarra processos de reformulação institucional bem

como os entraves legais para a consolidação de instituições mais democráticas, fazem com

que o suspeito ainda seja visto na imagem do negro, na imagem do pobre e, sobretudo, do

negro pobre.

Assim, as noções de infantilidade, ausência de livre-arbítrio e lacuna no

desenvolvimento psíquico, sustentadas por Nina Rodrigues, no século XIX, com o intuito de

demarcar grupos sociais considerados como desiguais, afloram em um discurso de senso

comum que atravessam a esfera institucional e se consolidam como verdades absolutas e

naturais da essência humana. A consequência mais direta desse panorama em que se

encontram os policiais militares, em pleno século XXI e contexto democrático, - além dos

efeitos negativos causados pela expectativa de suspeição e ilegalidade em certos grupos, que

gera a criminalização de sujeitos comuns, com sua civilidade nos conformes da lei – é a

negação policial da existência de procedimentos que escapam à esfera institucional e, por

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conseguinte, aos obstáculos existentes nas discussões sobre possibilidades de transformação e

melhoria.

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Anexos

Anexo 1: Carta Ofício

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Anexo 2: Roteiro de Entrevista

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Anexo 2: Roteiro de entrevista

1ª Parte

1. Qual sua data de nascimento?

1.1 Você é casado?

1.2 Você tem filhos? Quantos?

2. Como você se considera:

( ) Branco ( ) Preto ( ) Pardo ( ) Amarelo ( ) Indígena

3. Qual é sua formação escolar?

( ) Ensino Fundamental ( ) Completo ( ) Incompleto

( ) Ensino Médio ( ) Completo ( ) Incompleto

( ) Graduação ( ) Completo ( ) Incompleto

( ) Especialização/mestrado ou doutorado ( ) Completo ( ) Incompleto

4. Você é nascido em Araraquara? Se não, onde nasceu?

5. Você possui alguma religião ou credo religioso? Qua?

6. Antes de ser um policial militar, exerceu algum outro ofício? Qual?

2ª Parte

7. Qual a participação da sua família para sua escolha profissional?

8. Qual a participação da escola para a sua escolha profissional?

9. Há quantos anos você é policial militar?

10. Já trabalhou nas ruas? Por quanto tempo?

11. Qual o grau de sua patente?

12. Você passou por cursos preparatórios para o desempenho da função policial?

13. O que é o trabalho policial para a Polícia Militar? E para você?

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15. Há transformações significativas que você tenha notado no trabalho policial nos últimos

tempos? Quais?

16. Há transformações significativas que você tenha notado no perfil do suspeito ou do

criminoso nos últimos tempos?

3ª Parte

17. Quando a polícia militar exerce sua atividade no dia-a-dia, ou nas ruas, ela privilegia no

momento da abordagem:

17.1 O momento da ocorrência, ou seja, a situação daquele policiamento?

17.2 Os indivíduos envolvidos na abordagem policial, considerados suspeitos?

17.3 A situação e os indivíduos envolvidos?

17.4 Nenhuma dessas? Qual?

18. O que é um indivíduos suspeito para a Polícia Militar? E para você?

19. Qual o perfil de um indivíduo suspeito para a Polícia Militar? E para você?

20. Para a Polícia Militar existe o criminoso em potencial, ou seja, um sujeito propenso a

cometer um ato criminógeno? E para você? Se sim, quem poderia ser este indivíduo?

21. Que critérios a Polícia Militar usa para deter alguém em sua operações?

22. Esses critérios são regulares, ou seja, utilizado por todos dentro da Corporação?

23. A Polícia Miltar indicaria como fator primordial na criminalidade:

23.1. Fatores de natureza sócio-econômico? Por que?

23.2. Fatores vinculados às questões de segurança e justiça? Por que?

23.3. Fatores decorrentes do sistema político? Por que?

23.4. Fatores dependentes de “explicações genética” ou de moral individual? Por que?

23.5.Nenhuma dessas? Quais?

24. E você, qual desses critérios indicaria como fator primordial na criminalidade?

24.1. Fatores de natureza sócio-econômico? Por que?

24.2. Fatores vinculados às questões de segurança e justiça? Por que?

24.3. Fatores decorrentes do sistema político? Por que?

24.4. Fatores dependentes de “explicações genética” ou de moral individual? Por que?

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24.5. Nenhuma dessas? Quais?

25. Na sua opinião o racismo acompanha as práticas policias hoje? Por - que?

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Anexo 3. Personalidades Importantes na História e Constituição da Polícia Militar

Diogo Antônio Feijó

O padre Feijó, quando Ministro da Justiça, determinou, por lei de 10 de outubro de 1831, que as províncias organizassem as Polícias Militares, para "manter a tranqüilidade pública e auxiliar a Justiça".

José Gomes de Almeida

O alferes José Gomes de Almeida, comissionado no posto de capitão, foi o primeiro Comandante da Guarda Municipal Permanente, hoje Polícia Militar, entre 1° de março e 30 de novembro de 1832.

Luiz Gonzaga Pinto da Gama

Luiz Gonzaga Pinto da Gama (1830/1882): abolicionista, republicano, advogado, jornalista, poeta e orador. Integrou as fileiras do Corpo Policial Permanente entre os anos de 1848 e 1854, atingindo a graduação de cabo de esquadra.

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Francisco Alves do Nascimento Pinto General da Polícia Militar do Estado de São Paulo, herói da Guerra do Paraguai e precursor da criação da Caixa Beneficente. José Severino Dias O alferes José Severino dias, um dos mais hábeis instrutores do Corpo de Bombeiros da Corte, organizou a Secção de Bombeiros da Capital da Província de São Paulo, tendo sido seu primeiro Comandante (27 de julho de 1880 a 1º de março de 1883) dando origem ao Corpo de Bombeiros da Polícia Militar.

Alberto Júlio Ribeiro de Barros

Tenente Coronel, veterano da Campanha do Paraguai, Comandou o 2° Batalhão de Infantaria da Força Pública (atual 2° BPM/M), impedindo o desembarque da Armada rebelde no Porto de Santos (1893). Em campanha contra os federalistas, a Unidade, sob seu comando, libertou dos revoltosos, no dia 1° de maio de 1894, a cidade de Curitiba/PR. A população, saudando a bravura dos integrantes da Unidade, atribui-lhe a designação de "2 de Ouro", que ostenta até hoje.

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Edmundo Wright

Tenente Coronel, Inglês de Nascimento e paulista por opção, comandava o Corpo de Cavalaria (atual RC "9 de Julho") em 1896, quando eclodiram, na Capital, os graves tumultos, envolvendo a comunidade italiana, conhecidos como a "Questão dos Protocolos". Mesmo tendo sido seriamente ferido em ação, foi sob seu comando que a ordem pública foi restaurada. Já na reserva da Polícia Militar, plenamente integrado à família paulistana, seguiu como voluntário para incorporar-se às forças inglesas, quando da deflagração da I Guerra Mundial. O Tenente Coronel Edmundo Wright foi morto em combate, no front francês.

João Teixeira da Silva Braga

Coronel, herói da Guerra do Paraguai. Ingressou na Corporação em 1884. Nove anos após, como Coronel Comandante do 1° Batalhão (atual 1° BPChq - BTA), conduziu sua Unidade às operações de guerra contra os revoltosos federalistas, de setembro de 1893 a janeiro de 1894. Sua unidade foi a última a deixar o teatro de operações. Participou com destaque de todos os combates, cabendo-lhe, ainda, guarnecer o território das missões, ameaçado de invasão externa. Exerceu interinamente o Comando Geral da Polícia Militar.

José Pedro de Oliveira Tenente Coronel, nascido em 1858 na cidade de Sorocaba, de origem humilde, veio para São Paulo a fim de ingressar no Corpo Policial Permanente em 1873, tendo sido promovido a alferes em 1890. Foi Subcomandante do 1° Batalhão (hoje 1° BPChq - BTA) no ano de 1897 quando, como major, comandou a unidade na Campanha de Canudos. Mesmo ferido no combate, liderou pessoalmente uma das colunas de ataques ao último reduto de Antônio Conselheiro. Em 1905, comandou a Guarda Cívica, recém criada na capital. Com a grave crise que se instalou na Força Pública, quando da vinda da missão francesa, e conseqüente exoneração do Comandante Geral, foi nomeado para o Comando Interino da Milícia, no dia 8 de maio de 1906. Faleceu no exercício do Comando, em 1909. Consolidou da Caixa Beneficente e a reforma do Hospital Militar.

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João Alves de Lima

Professor, nascido em Piracicaba aos 30 de junho de 1872. Estudou medicina em Paris, tendo-se diplomado em 1898, quando retornou a São Paulo. Foi Oficial Médico-Cirurgião da Força Pública do Estado de São Paulo na primeira década do século XX. Em 1917, foi convidado por Arnaldo Vieira de Carvalho para ser professor catedrático da 2ª Clínica Cirúrgica da então Faculdade de Medicina. Faleceu em 1934, tendo sido sucedido, na cátedra, pelo Professor Alípio Corrêa Neto e, depois, pelos Professores Eurícledes de Jesus Zerbini e Adib Jatene.

José Feliciano Lobo Viana

Capitão do Exército, comissionado no posto de Tenente Coronel da Força Pública, como Comandante do Corpo de Bombeiros. Em 1º de setembro de 1894, oficiou ao Comandante Geral, sugerindo a criação da Caixa de Socorros para os Bombeiros, cerne da futura Caixa Beneficente da Polícia Militar, criada pela Lei n. 958, de 28 de setembro de 1905.

Joaquim Antão Fernandes

Nascido na cidade de Batatais, no Estado de São Paulo, em 17 de janeiro de 1864, tendo morrido na cidade de São Paulo em 27 de julho de 1949. Ingressou na Força Pública em 1º de setembro de 1880, servindo até o ano de 1933, chegando ao posto de Major. Estudou na Itália de abril de 1898 até maio de 1899, quando retornou ao Brasil e organizou o Corpo Musical, criando a Banda Sinfônica mantida até os dias atuais. É o autor da "Marcha Batida" executada juntamente com o Hino Nacional Brasileiro como consta do Regulamento do Hino Nacional.

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Manuel Baptista Cepellos Nasceu em Cotia a 10 de dezembro de 1872. Ingressou como Soldado da Polícia Militar e atingiu o posto de Capitão. Integrou o 1º Batalhão de Polícia de Choque - "Batalhão Tobias de Aguiar" na repressão aos federalistas, nos sertões do Paraná (1894). Cursou a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, bacharelando-se em 1902. Em 1904, deixou o serviço ativo da Corporação ingressando-se no Ministério Público estadual, dedicando-se ao Direito e às Letras. Faleceu prematuramente a 8 de maio de 1915.

Antônio Batista da Luz

Coronel da Polícia Militar, natural de Patrocínio Paulista, filho de Sargento Furriel do Corpo Policial Permanente, ingressou como Praça na Corporação em 1885 e galgou as hierarquias da carreira. Comandou o Corpo de Cavalaria, atual RC "9 de Julho" e assumiu o Comando Geral da Força em 24 de setembro de 1909, tendo sido um dos sustentáculos da atuação da Missão Francesa em São Paulo. Durante seu Comando Geral, em cujo exercício permaneceu até que a morte em 25 de junho de 1918, entre tantas outras realizações, foram introduzidos os manuais franceses, para uso da Força e criadas a Escola de Educação Física e a aviação da Milícia, além de aprimorar o policiamento pelo emprego pioneiro de cães pastores.

João Antônio de Oliveira Tenente PM, conhecido por Tenente Galinha, natural de São Paulo (1871), ingressou como Praça na Corporação em 1888, aos 17 anos. A partir de 1893, então Comandante de uma Patrulha de Capturas, diligenciou em mais de 130 cidades no interior paulista, no encalço de criminosos procurados pela Polícia e Justiça. Personagem polêmico, sua fama antecedia sua presença física. Nomeado, em 1912, Chefe do Serviço de Capturas da Pasta da Justiça e Segurança Pública, foi assassinado enquanto dormia, em seu domicílio, em 23 de abril de 1913.

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Francisco Júlio César de Alfieri

Coronel PM, de nacionalidade italiana, filho de militar. Desembarcou no Brasil e alistou-se como voluntário no 1º Batalhão (atual 1º BPChq-BTA) em 1897. Como Soldado participou das operações em Canudos onde foi ferido no assalto ao arraial do Conselheiro o que lhe valeu a promoção por ato de bravura a Sargento Furriel. Como Oficial auxiliou a Missão Francesa na tradução dos textos dos regulamentos para o português. Em 1907, como 1º Tenente, fundou a 1ª escola da PM, o "Pelotão de Alunos Cabos", depois, a Companhia Escola, o Corpo Escola (1912). Já Major, em 1913, fundou o Curso Especial Militar, que ministraria ensino às Praças que se destinavam ao Oficialato. Para defender sua terra natal por ocasião da 1ª Guerra Mundial, se exonerou da Corporação se apresentando como voluntário às forças aliadas como soldado voluntário, tendo no Exército italiano, alcançado o posto de Capitão, onde combateu na frente austríaca até o armistício em 1918. Readmitido nas fileiras da Força em 1922, como Major, dirigiu a Repartição de Material e, em 1929, foi designado Diretor do Curso de

Aperfeiçoamento de Oficiais. Em 1932, Tenente Coronel, combateu pela causa constitucionalista, tendo sido Chefe do EM da Força Pública. Reorganizador da Biblioteca, Arquivo e Museu da Corporação. Faleceu em 23 de Maio de 1944, na cidade de Bauru.

Faustino da Silva Lima

Major, nascido em São Paulo aos 07 de dezembro de 1886, ingressou na Força Pública como Soldado durante os trabalhos da Missão Francesa no Brasil. Em janeiro de 1910 concluiu o CFC e diplomou-se em mestre d'armas em esgrima, pela EEF, sendo designado para seu corpo docente. Em 1912 é promovido a 2º Sargento e a Alferes em 23 de março de 1913 após concluir o Curso Geral Literário e Científico, concluindo ainda neste mesmo ano o respectivo Curso Complementar. Em 1914, servindo como intérprete da Missão Francesa e instrutor do Corpo Escolar, foi escolhido para chefiar a Seção de Esgrima da EEF. Promovido a 1º Tenente em 21 de outubro de 1917, no ano seguinte empenha-se no combate à epidemia de gripe espanhola. Participou, como voluntário, da repressão ao movimento revolucionário do Mato Grosso, em 1922. Em 05 de julho de 1924, por ocasião do movimento revolucionário para depor o governo constituído, apresentou-se em defesa da legalidade recebendo a missão de guarnecer a Secretaria da Justiça e Segurança Pública. Às 15 horas de 7 de julho, é ferido letalmente, em ação, defronte

a Igreja do Carmo. José Espíndola de Magalhães Coronel, nasceu em 1876. Foi Praça da Força Pública em 1897. Nesse ano, fez parte da expedição em Canudos. Alferes em 1906, comandou o Corpo Escola (atual APMBB), como Major, de 31 de março de 1914 a 13 de setembro de 1918, quando foi promovido a Tenente Coronel sendo efetivado no Comando do Corpo Escola. O ano de 1917 marcou a declaração de guerra do Brasil aos Impérios Centrais (Alemanha e Áustria - Hungria). Os franceses, que haviam instruído a Força Pública, integravam o Alto Comando Aliado e, conhecendo a organização militar brasileira, indicaram a Força Pública para compor uma eventual Força Expedicionária à campanha da Europa. Embora essa Força Expedicionária não chegasse a ser organizada, em razão do fim da Guerra, preocupava-se a Corporação pela presumível ausência de seus quadros dirigentes, que estariam combatendo além-mar. Foi para suprir possível carência que o Tenente Coronel José Espíndola de Magalhães organizou, no campo do Canindé, onde hoje se situa a Escola de Educação Física, um curso de emergência preparatório de Oficiais, ao

qual acorreu a elite universitária paulistana, e que se constituiu na experiência pioneira, em solo brasileiro, dos atuais OPOR/NPOR. Esteve no Comando do Corpo Escola até a data que faleceu, de parada cardíaca.

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Manoel de Jesus Trindade

Coronel, nascido em 26 de janeiro de 1903. Serviu na Marinha de 1919 a 1924. Praça da Força Pública em dezembro de 1927. Transferido para a inatividade em 1949. O aparecimento das comunicações na Polícia Militar foi determinado pela situação que atravessou o país depois da revolta de 1924. Em meados de 1926, o Comandante Geral da então Força Pública, Coronel Pedro Dias de Campos, ao organizar o destacamento que adentraria o sertão de Goiás, em perseguição à Coluna Miguel Costa - Prestes, entendeu a necessidade de manter ligação permanente da tropa com a capital e entre as várias Unidades destacadas. Como o equipamento e pessoal especializado eram raríssimos, o Comandante contratou o civil Manoel de Jesus Trindade para organizar esse serviço técnico. O sucesso fez com que, ao término da campanha, Trindade fosse convidado a instalar estações em cidades do interior. Sob sua responsabilidade, também, instalou-se, em 1927, a escola de rádio-telegrafista, que formou os primeiros contingentes de soldados operadores para a Corporação. Em 1931 foi preso, por participar do

movimento dos Oficiais da Força Pública. Faleceu em Santos no ano de 1980. Fonte: www.polmil.sp.gov.br

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