Nelson Rodrigues e o Varejo

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  • 8/6/2019 Nelson Rodrigues e o Varejo

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    Nelson Rodrigues e o varejo

    Alexandre Horta ([email protected]), scio-senior da GS&MD Gouva deSouza

    Nelson Rodrigues batizou a expresso complexo de vira-lata para exprimir umsentimento envergonhado que os brasileiros tinham em relao a tudo queestivesse relacionado ao seu pas. Quase tudo que viesse de fora seriaconsiderado, a princpio, de melhor qualidade que o seu congnere nacional.Sem dvida que havia razes de sobra quela poca em que nosso talentosoescritor de peas de teatro celebrou tal expresso. O Brasil mal se afastara de seupassado de economia baseada na monocultura do caf. Grande parcela dapopulao ainda residia no campo, era pouco letrada ou at mesmo analfabeta.Da que a imagem que o Brasil fazia de si prprio era de tal modo insatisfatria,que as comparaes com o exterior nos eram recorrentemente desfavorveis.Nesses ltimos 60 anos o pas passou por muitas mudanas. Urbanizou-se emum ritmo surpreendente; diversificou e expandiu sua economia; reduziu

    significativamente sua taxa de analfabetismo; e sofisticou-se muito em termos depadres de consumo e oferta de redes de varejo. Quem no vivenciou aqueleBrasil tmido e brejeiro s pode entend-lo agora com o apoio de livros dehistria, pois mesmo o nosso interior tornou-se uma mquina de produomoderna e plena de tecnologia, com capacidade para abastecer no s nossasnecessidades, como ainda produzir excedentes que nos transformam em umexportador qualificado de um grande nmero de commodities agrcolas.Ocorre que nesse processo de mudana, ao tentarmos reagir ao nosso complexo,buscamos nos distinguir por meio de um comportamento oposto,supervalorizando determinadas coisas do Brasil.Uma delas, frequentemente ouvida no ambiente varejista, diz respeito qualidade do atendimento em nosso pas: no existe atendimento to bom comoo do Brasil em qualquer parte do mundo! Via de regra tal frase, quandoproferida, recebe uma unnime aprovao dos demais, uma vez que nessaexpresso encontra-se um genuno exemplar de resgate de nosso orgulho ferido.Ocorre que a tal unanimidade (e que segundo o prprio Nelson Rodrigues burra) no resiste a um exame mais minucioso, particularmente quandoanalisada por meio de quesitos mais cientficos .De fato, a maioria dos vendedores brasileiros sabe receber seus clientes com umprodigioso sorriso em seus lbios e um modo afvel de conversar. Quando nosrecordamos do jeito seco e at mesmo meio abrupto dos atendentes do varejoamericano, tendemos a ficar orgulhosos dessa comparao que nos tofavorvel.

    Confundimos porm, amabilidade e receptividade (que so, sem dvidanenhuma, componentes importantes do processo de atendimento / venda deuma loja), com o todo. Uma boa venda passa pelo pleno domnio sobre asinformaes dos produtos vendidos, capacidade de interpretar de forma precisaas necessidades dos clientes, avaliar e contra-argumentar frente s suas objeese formular uma sugesto que seja a mais adequada aos desejos dos potenciaiscompradores.Quando fazemos um exame sincero das reais experincias satisfatrias decompra, aquelas em que tivemos o suporte de um genuno bom vendedor ,

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    acabamos por concluir que, de fato, em grande parte das circunstncias,possuamos mais informaes do que o prprio vendedor, ou nos deixamosvencer por argumentos que, descobrimos mais tarde, eram falsos. Quantas vezesterminamos por adquirir produtos sem qualquer assistncia e o vendedor sreaparece para registrar a venda como se fosse dele, de forma a garantir suacomisso?Quantas vezes em um Home Center o vendedor, ao interpretar que no iramosrealizar uma compra volumosa, desaparece para caar outro cliente com umoramento de compra mais significativo e nos deixa livres para descobrir ondefica a seo da loja com os itens que precisamos e, diante da estpida variedadeoferecida, compramos sem muita segurana de que foram as quantidades certas,as especificaes certas, com a qualidade adequada, e depois temos de retornar loja para tentar trocar aqueles itens que no se adequavam de fato nossanecessidade?Basta de exemplos? Que tal um contra-exemplo? Em uma oportunidade, fomos auma loja em Nova York para adquirir uma mquina fotogrfica e, na readestinada a esse tipo de produtos, fomos atendidos por um senhor, educado,

    afvel e paciente (indo contra todo o esteretipo de um vendedor em NY), quepossua um nvel de conhecimento verdadeiramente assustador sobre as marcase os modelos. Ficamos extremamente satisfeitos com o seu apoio, inclusivequando sugeriu que no adquirssemos um dispendioso flash externo adicional,garantindo que o embutido na mquina iria satisfazer a maioria das minhasnecessidades, deixando tal aquisio para um segundo momento.O Brasil possui um nmero grande de consumidores informados, antenados,tecnologicamente preparados e que desejam obter melhor nvel de servio naslojas para adquirirem os seus produtos e servios. Em paralelo, temos umacarncia significativa de recursos humanos bem formados para supriradequadamente tais demandas por atendimento qualificado.Toda forma de suporte ao processo de venda dentro das lojas tem de ser

    utilizada. Lojas mais inteligentes; uma exposio mais clara; informaes maisabundantes e relevantes; e solues tecnolgicas para complementar ousuportar a escolha.Insistir na tese patritica de que no h melhor atendimento do que no Brasild espao para que algum inove na qualidade de atendimento antes que voc ofaa e o consumidor brasileiro, que tem viajado maciamente ao exterior,demonstra que patritico em seu ponto de vista buscar o que melhor lheinteresse em termos de qualidade e atendimento.