Neo-clientelismo e Cooptação Na Manutenção Do Poder Local

Embed Size (px)

Citation preview

  • 7/23/2019 Neo-clientelismo e Cooptao Na Manuteno Do Poder Local

    1/16

    NEO CLIENTELISMO E COOPTAO NA

    MANUTENO O PODER POLTICO LOCAL:

    Estudo de um caso

    Professor do Departamento e incias Sociais d Universidade Estadual e Londrina

    Este

    artigo

    apresenta

    os resultados parciais

    de

    uma pesquisa

    realizada

    em

    1995/96

    pelo

    autor, que procurava compreender

    um

    conjunto de prticas polticas de tipo clientelistas

    desenvolvido pelo governo municipal de uma cidade interiorana

    de

    porte mdio. Tais prticas

    fazem parte de

    um modelo

    poltico-administrativo instalado pela elite dominante

    da

    cidade.

    Sob

    sua iniciativa constri-se um quadro institucional: a) burocrtico, que no

    colabora

    na

    criao

    de

    canais formais , institucionalizados, de participao e representao dos interesses

    das classes populares;

    b) cooptador

    e autoritrio, que

    busca

    a todo o

    tempo

    tutelar as

    organizaes

    coletivas dos setores populares, restringido-lhes a liberdade e autonomia. O

    fenmeno do clientelismo local reconstrudo a partir

    de

    relatos colhidos

    junto

    a lideranas

    populares que estiveram frente

    de

    movimentos sociais no perodo enfocado.

    Palavras-chave: Poder local, neo-clientelismo, classes populares .

    INTRODUO

    E

    ste artigo resulta

    de

    pesquisa realizada sobre

    um

    conjunto de prticas polticas especficas

    que

    vinham sendo desenvolvidas pelo

    governo municipal de

    uma

    cidade de porte mdio do interior

    paranaense,

    na

    sua relao com

    os

    movimentos

    reivindicatrios de

    moradores

    da periferia do municpio

    durante, o perodo que vai de

    1984

    a 1995. Observe-se

    que

    so trs gestes comandadas pelo

    mesmo

    grupo poltico.

    Tais prticas reapresentam arena polti ca antigas formas de

    clientelismo, personalismo e compadrio, que

    por

    tanto tempo

    marcaram as relaes entre Estado e sociedade civil no Brasil.

    No caso desta cidade, no s grande parte

    da

    administrao,

    como

    tambm algumas reas da administrao e secretarias,

    por exemplo

    as de ao social e

    obras

    , apresentavam

    suas

    polticas elaboradas, de

    maneira

    significativa,

    conforme

    diretrizes

    clientelistas

    e

    poltico-partidrias

    .

    Ou seja,

    prevaleciam nas formulaes

    das

    polticas pblicas locais,

    as orientaes

    por

    critrios particulares

    de

    ao, bem mais

    do

    que por

    critrios universalistas.

    Principalmente a

    partir da dcada de 70

    o pas

    conheceu o surgimento de

    novos movimentos sociais

    que

    punham em

    cena

    a presena e identidade de atores sociais

    que at ento estavam excludos do espao poltico

    institucionalizado. Mesmo assim, embora se tenha observado

    a diminuio das prticas cliente istas, certo que as mesmas

    continuam

    em

    vigor, orientando o fazer poltico

    de

    inmeras

    elites polticas locais e regionais.

    Assim

    sendo, buscou-se, enquanto objetivo geral

    da

    pesquisa: verificar como se colocavam as relaes entre os

    atores sociais do governo local (representado, especialmente,

    numa figura singular deste caso, que o vereador do bairro )

    e dos setores populares (representados nas lideranas dos

    mo\,imentos reivindicatrios

    de

    bairro), j que era ntida a

    presena

    de tipos especiais de redes e relaes de

    poder

    clientelistas e autoritrias, construdas a partir das interaes

    daqueles atores e

    grupos

    sociais,

    envolvidos

    no caso

    em

    questo. Portanto, interessava ver como era possvel a

    presena de um forte processo de domnio em relao aos

    movimentos populares de bairro, que j fazia parte do

    modelo poltico-administrativo da elite poltica hegemnica

    na cidade estudada, e que era baseado na cooptao de

    lider n s

    popul res

    e no

    person lismo

    de

    lguns

    vereadores do bairro .

    Rev. Mediaes, Londrina, v.

    2

    n.

    2

    p 41-56, jul./dez. 1997 41

  • 7/23/2019 Neo-clientelismo e Cooptao Na Manuteno Do Poder Local

    2/16

    A Sobrevivncia de Prticas

    Polticas 'Arcaicas'

    Desde a dcada de 70 os movimentos reivindicatrios

    dos bairros vm se colocando, entre os movimentos sociais,

    como uma das manifestaes mais significati

    vas

    das classes

    populares. I) Muitos foram capazes de pr em

    questionamento as tradicionais polticas urbanas locais,

    gestando, s vezes, uma nova correlao de foras com a

    qual as administraes, doravante, deveriam contar; e outros

    tantos, so, ainda, capazes de ir legitimando um conjunto de

    direitos sociais, antes ignorados ou

    negados.

    Por outro lado, boa parte destes movimentos abriu

    o

    espao para o desenvolvimento de novas estratgias de

    cooptao, revivendo novamente antigas prticas de

    clientelismo.

    lACOB/, 1983,

    p.

    67) No obstante seja

    notria a diminuio de prticas desse tipo, v-se que ainda

    sobrevivem. Os setores populares, continuam a ser objeto

    de intensos mecanismos que pretendem seu controle,

    administrao e manipulao, visando a minimizao do

    impacto de suas possveis intervenes no processo poltico

    de gesto da coisa pblica.

    Dessa maneira, a retomada dos direitos democrticos

    no

    ps-ditadura incio

    dos anos 80), no

    excluiu

    o

    desenvolvimento de dispositivos de manipulao poltica

    que serviram e ainda servem como contrabalano crescente

    participao poltica dos setores populares, e sua relativa,

    mas significativa, autonomia face ao Estado e partidos

    polticos propriamente ditos.

    De um modo geral tm sido pouco freqentes os

    estudos e documentao das variadas formas de manipulao

    poltica que so contemporneas abertura poltica da

    dcada de

    80

    Esta pesquisa almeja a partir da anlise num municpio

    determinado, revelar e caracterizar a manifestao de um

    conjunto daquelas prticas, encarnadas especialmente na

    figura do vereador do bairro , nas relaes sociais que

    estabelece com certas lideranas de alguns bairros, com os

    movimentos populares de reivindicao e algumas entidades

    (I)

    A opo pelo conceito de classes sociais populares justifica-se em

    razo de que ele facilita a percepo dos agrupamentos a que nos

    referimos nesta pesquisa, tratando com maior justeza da socializao

    e articulao dos trabalhadores nos espaos coletivos da sua vida

    cotidiana, para

    alm

    do espao do trabalho formal. Trata-se na

    cidade

    em

    destaque dos pobres urbanos que compartilham condies

    de vida similares e que montam coletividades no local de

    sua

    moradia. (ZALUAR,1985b,

    p. 36) Quanto a estes ltimos, alm da

    identidade gestada pelo fato

    de

    ocuparem posies sociais idnticas

    na produo, identificam-se e unem-se na luta, motivados

    por

    interesses comuns que desenvolvem em relao certas exigncias

    de servios e equipamentos coletivos, que demandanl, especialmente,

    do Estado.

    Neste

    sentido,

    merece ateno,

    a considerao de

    Thompson, onde, sob seu ponto de vista, a classe acontece quando

    alguns

    homens, como

    resultado

    de

    suas experincias

    comuns,

    sentem e articulam a identidade de seus interesses entre

    si

    e contra

    outros homens,

    cujos

    interesses diferem e geralmente se opem)

    aos seus. A experincia de classe determinada, em grande medida,

    pelas

    relaes

    de produo

    em que os

    homens nasceram

    ou

    entraram involuntariamente. (Apud CARDOSO,1995, p. 50)

    de representao coletiva onde participam trabalhadores.

    Intencionando contribuir na r:onstruo de respostas

    incmoda pergunta: como possvel que vigore ainda, nos

    tempos da cidade e da democracia, prticas polticas

    explicitamente clientelistas?

    Trata-se do estudo de como a elite poltica de

    uma

    cidade de interior, vem garant indo o acesso e a manuteno

    do poder poltico local, mediante mtodos que se distanciam

    (se no contrariam)

    do

    esprito central da idia de

    democracia,

    que

    implicaria, ao

    contrrio,

    a garantia da

    autonomia (2) poltica dos atores sociais participantes na

    arena

    poltica, e a publicizao real

    das estruturas

    administrativas do Estado.

    Importa, portanto, verificar e explicitar que a partir da

    dcada

    de

    80, no

    s

    os movimentos populares redescobrem

    novas formas de ao e participao, buscando a construo

    da cidadania de fato das classes populares, bem como de

    extrema relevncia verificar que o Estado, neste contexto das

    relaes com os movimentos sociais, alm de

    ampliar

    seu

    espao

    de atendimento e institucionalizao

    da

    representao

    3)

    daqueles setores, modifica

    sua

    dinmica

    de interao com

    os

    mesmos, desenvolvendo novas prt icas

    polticas especficas

    que pretendem

    a reproduo de seu

    domnio e a obstaculizao da construo

    da autonomia

    poltica das classes populares .

    Desvelar um caso particular de

    ressurgimento

    de

    prticas especficas baseadas na cooptao, personalismo e

    manipulao

    parte do objetivo e contribuio desta

    pesquisa.

    De fato, o que se processou desde o ressurgimento

    dos movimentos sociais das classes populares, como alerta

    Marcos Novaro,

    que as prticas, vnculos e crenas que

    operam a vida poltica transbordaram os estreitos limites

    das

    formas

    representativas estabelecidas;

    natural,

    portanto, que ressurjam os velhos e nunca esgotados

    debates em torno da representao NOVARa, 1995, p. 78),

    at porque, conforme indica Paoli, sobrevive mais premente

    do que nunca, a necessidade e a responsabilidade de se

    construir

    um espao civil cuja legitimidade modifique o

    autoritrio

    funcionamento do

    aparato

    estatal que

    se

    conhece de longa data no Brasil. (PAOU, 1992,

    p

    498)

    certo que as relaes sociais da esfera da poltica

    no Brasil historicamente foram matizadas no paternalismo,

    no clientelismo e no autoritarismo, quando olhadas do ngulo

    das posies que ocuparam as classes populares e a

    representao de seus interesses. (ORTIZ, 1995, p 69) A

    (2) Neste caso convm observar que a autonomia referida, diz respeito

    autonomia poltica e ideolgica dos movimentos e atores sociais

    face ao Estado, e no a idia de que aqueles poderiam concretizar

    seus objetivos e atender suas demandas sem se relacionarem com

    este e com ele interagirem. Aquela autonomia implica a permanente

    tenso entre a vivncia de seus espaos e a tutela do Estado.

    (3) Pressupe-se o reconhecimento de que a representao

    imprescindvel

    e de que, pelo menos parcialmente constitui as

    pessoas pblicas, as identidades, vontades e interesses representados,

    inclusive um avano necessrio para pensarmos numa ampliao

    radical da

    poltica

    democrtica pois permite o

    abandono

    do

    assistencialismo, do qual se alimentam,

    em

    boa medida, as tradies

    autoritrias. (NOVARO, 1995, p.89; ver tambm CHAU, 1989)

    Rev. Mediaes, Londrina,

    v.

    2 n. 2,

    p.

    41-56, jul./dez. 1997

    42

  • 7/23/2019 Neo-clientelismo e Cooptao Na Manuteno Do Poder Local

    3/16

    observao da recorrncia de uma srie de experincias de

    governos estaduais e locais que assentam-se em prticas

    polticas clientelistas e autoritrias, demonstram a importncia

    de se

    revelar e compreender como possvel tal

    sobrevivncia. Ou seja, uma parte do maquinismo poltico

    brasileiro, ainda hoje, parece basear-se em prticas polticas

    arcaicas .

    Nota-se que h de fato uma certa herana cultural

    poltica sobrevivida do coronelismo.

    Por

    isso no so

    estranhos nas prticas corriqueiras do sistema poltico

    brasileiro o curral eleitoral, o voto de cabresto , a corrupo

    eleitoral, o nepotismo, a apropriao do Estado por farrulias

    importantes. Como se ainda tais prticas se orientassem pelo

    imaginrio do coronel, do

    'senhor',

    do mandonismo. O que

    instiga a curiosidade diante

    da

    manuteno de formas sociais

    de convvio poltico singulares, que impem

    a presena de

    relaes clientelstas nas instituies ditas

    modernas

    AVEL/NO FILHO, 1994, 226), levando em conta que

    sobrevivem poucas reminiscncias das condies de vida

    material como as que deram or igem e sustentaram aquelas

    relaes. 4)

    Procedimentos etodolgicos

    Optou-se por usar como principal fonte de informao

    e avaliao das prticas polticas que constrem e sustentam

    o vereador do bairro e as relaes clientelistas ali instaladas,

    os relatos de lderes populares que estiveram atuando frente

    de movimentos de bairro ou outros movimentos (partidrio,

    por exemplo), ao menos em parte do perodo pesquisado. E,

    mais, privilegiou-se a entrevista com aquelas lideranas que

    postaram-se crtica e autonomamente em relao s gestes

    municipais que servem de pano de fundo ao perodo em

    questo, e prtica de cooptao permanente que desenvolve

    o vereador do bairro .

    So, portanto, lideranas que no se sujeitaram, s

    prticas de clientelismo e influncia

    personalista

    do

    vereador

    do

    bairro . Inclusive, em razo disso, algumas foram

    perseguidas, policiadas e so, ainda hoje, quase todas,

    estigmatizadas na

    cena

    poltica 'oficial' da cidade. E,

    justamente por essas razes, so fontes qualificadas para

    uma avaliao crtica daquelas prticas.

    Foram feitos contatos pessoais (vrias conversas

    informais) e entrevistas com doze lideranas dos bairros que

    circundam especialmente dois bairros (Bairro l e Bairro

    '3');

    trs entrevistados no residem exatamente nessas reas,

    embora tivessem acompanhado de perto e vivenciado o

    fenmeno estudado

    . Fica para

    outra

    ocasio as

    interpretaes dos prprios clientes daquelas prticas e

    as dos polticos, seus condutores.

    Dada a forte expresso dos fenmenos comentados

    na pesquisa na rea prxima queles bairros, centrou-se a

    (4)

    Quanto a essas condies, so muito ilustrativos os captulos

    UI

    ,

    IV

    ,

    VII do livro Razes do Brasil, de Srgio Buarque de Holanda. Ele, por

    exemplo, reconhece que o

    patriarcalismo e o personalismo

    so

    traos de prticas polticas

    fixados entre ns por uma tradio e

    origens seculares, que ainda influenciam e ajudam a de senhar nosso

    maquinismo poltico. (HOLANDA, 1988, p. 47)

    anlise a partir destes locais, no obstante , certo que mais

    duas reas (Bairro '6' e Bairro '9') conhecem a presena do

    vereador do bairro e as prticas polticas que o acompanham.

    Foi dada nfase anlise qualitativa destes

    depoimentos, onde se pde buscar, alm das informaes

    mais particulares sobre as prticas polticas especificas ali

    desenvolvidas e suas implicaes, o esclarecimento de como

    se coloca a mediao entre sujeitos, a estrutura e o processo

    social, principalmente, por intermdio da categoria classes

    populares. A escolha dos entrevistados foi feita a partir do

    prprio conhecimento e experincia do autor sobre os fatos

    e os

    personagens envolvidos, buscando selecionar

    as

    pessoas cujas atitudes expressas revelavam maior

    significao para os fins da pesquisa. Obviamente, para

    preservar suas privacidades, os entrevistados solicitaram a

    omisso de seus nomes, que foram substitudos por outros

    sinais indicadores. O mesmo tratamento foi utilizado quanto

    aos personagens eventualmente citados e localidades de

    que

    trata

    a

    presente

    pesquisa. Segue-se

    deste

    modo a

    indicao de Bruce Cohen de que

    os socilogos devem estar certos de que no esto

    causando

    nenhum mal

    aos

    indivduos

    pesquisados. Devem tratar a informao fornecida

    .

    ..

    ) de forma confidencial. No devem enganar os

    investigados: devem dar-lhes informaes precisas

    sobre a natureza do estudo.

    .

    ..) lm disso, os

    socilogos devem precaver-se contra possveis

    danos aos indivduos pesquisados.

    (COHEN, 1980,

    p.

    13 e

    17)

    Dos contedos das entrevistas, esta pesquisa deteve

    se, particularmente, sobre os juzos formulados pelos

    entrevistados a respeito das prticas do clientelismo local.

    Relevou-se a direo Uuzo positivo ou

    negativo),

    a

    intensidade e a freqncia desses julgamentos.

    Os Novos

    ovimentos

    Sociais

    Desde a metade dos anos

    70

    o regime militar que se

    instalou em 1964 revelava sinais de que o modelo econmico

    adotado estava se esgotando, e a forma violenta de domnio

    da qual fazia uso, apresentava os mesmos sintomas. 5)

    No bojo

    da crise do modelo

    que

    se

    acentuava a

    partir do final dos anos 70, ressurgia o protesto dos setores

    populares urbanos. Por

    um

    lado retomava vigor

    o

    sindicalismo operrio atravs de grandes movimentos

    grevistas (greves operrias no

    ABC

    Paulista) e de uma

    renovao na postura diante do legalismo Celetista, que

    atrelava por demais as entidades sindicais ao controle do

    Estado desde Getlio. Este novo sindicalismo renascia

    criticando e colocando-se autnomo quanto ao sindicalismo

    tutelado pelo Estado. Por outro lado , as classes populares

    (5)

    Este texto no se deter na explicao do processo de esgotamento

    que sofre o regime militar. Para uma introduo compreenso

    deste fenmeno ver, por exemplo: LINHARES, 1996, p. 301-340.

    Rev.

    Mediaes, Londrina, v. 2, n. 2 p. 41-56, jul./dez. 1997

    43

  • 7/23/2019 Neo-clientelismo e Cooptao Na Manuteno Do Poder Local

    4/16

    urbanas organizavam-se em novas formas de movimentos

    sociais que surgiram nas lutas

    por

    condies melhores de

    vida nas cidades: o Movimento do Custo de Vida , protestos

    pblicos

    realizados por moradores da periferia e por

    favelados,

    movimento

    por

    creches,

    organizao dos

    moradores dos bairros em Associaes, etc.

    De qualquer modo,

    esses movimentos

    sociais

    instalavam na ordem do dia novos atores sociais , que no

    geral, pleiteiavam a ampliao dos direitos de cidadania,

    reformulando, inclusive, a idia de cidadania restrita comum

    ao receiturio liberal clssico: quer dizer, cidadania como os

    direitos e obrigaes

    polticas

    de

    cada

    indivduo.

    UNHARES

    , 1996, p. 342). A ampliao do contedo da

    cidadania

    para

    os grupos sociais que

    compunham

    estes

    novos movimentos, implicava a incluso de uma extensa lista

    de direitos que ultrapassam em muito o simples exerccio do

    voto. O que interessa mais nesta pesquisa, perceber que

    para esta renovada concepo de cidadania, orientadora de

    boa parte daqueles movimentos, a mesma se punha como

    produto de uma relao de poder composta

    de

    presses e

    contrapresses, produzindo imagens simblicas dinmicas

    de auto-reconhecimento dos grupos sociais e dos seus

    projetos. LINHARES, 1996, p. 342)

    Neste contexto, desenvolveram-se variadas formas

    de auto-organizao dos setores das classes populares :

    associaes profissionais e de bairro, de consumidores,

    sindicatos. E estas novas entidades da sociedade civil

    organizada .

    ..)

    assumem o papel de interlocutores legtimos

    com o Estado e mesmo os partidos), mostrando que os

    mecanismos clssicos de representao - o indivduo e seu

    voto - estavam em crise. LINHARES,

    1996,

    p. 342)

    No geral, os novos movimentos sociais urbanos eram

    organizados por moradores pobres de bairros perifricos das

    mdias

    e grandes cidades brasileiras, expressando o

    descontentamento e reivindicaes destes em relao forma

    de ocupao do solo urbano, quanto ao acesso a servios

    pblicos coletivos (como fornecimento de gua, rede de

    esgoto,

    rede

    eltrica,

    sade,

    transporte

    coletivo)

    e,

    especialmente, problemas vinculados exigncia

    em

    torno

    dos

    dficits

    de moradia popular.

    Parte considervel das Cincias Sociais no Brasil

    considera que os novos movimentos sociais, surgidos na

    dcada de 70, significavam a consolidao de maneiras

    alternativas efetivamente vlidas e reconhecidas, das classes

    populares colocarem suas lutas (demandas e reivindicaes),

    a partir do

    local

    onde habitavam, questionando

    principalmente as formas de interveno do Estado autoritrio

    no meio urbano. Assim sendo, eles foram responsveis pela

    ampliao da presena de setores das classes populares na

    vida poltica brasileira, principalmente dos movimentos

    reivindicatrios dos bairros pobres.

    Quanto s possibilidades, limites e contradies dos

    novos movimentos sociais que o Brasil vem conhecendo

    desde a dcada de 70, e sua relao

    com

    a construo da

    cidadania,

    podem-se, simplificadamente,

    destacar duas

    posies polares, que

    se

    distinguem

    pela

    diferenciao que

    denotam aos significados desses movimentos.

    A primeira

    delas

    desenvolve suas observaes

    relevando o carter intermitente, cclico e defensivo dos

    movimentos. Como observa Paoli, tal posio considera a

    ausncia de unidade

    de

    seus interesses, o imediatismo e

    corporativismo de suas aes como um grande impecilho

    necessidade

    de generalizar suas lutas e conquistas, de

    maneira que no se universalizam como perspectiva de um

    outro horizonte poltico para a sociedade. PAOLI, 1992,

    p. 503; ver tambm JACOB1, 1990). Alm do que, esses

    movimentos recusariam os tipos de representao poltica

    institudos, confirmando sua dificuldade para a formulao

    de projetos de maior abrangncia.

    Embora, na raiz

    do

    discurso antiEstado presente aqui,

    esteja o reflexo

    do

    corte que estimula a emergncia de diversas

    [outras] formas de resistn cia, colocando

    permanentemente mesmo aps as alteraes

    polticas que j apontavam certo processo de

    redemocratizao

    d

    sociedade, a tenso existente

    entre o carter de resistncia do movimento social

    e sua institucionalizao. (J ACOBI, 1990, p. 34-5)

    No perodo (dcada de 70), o Estado

    era

    identificado

    como o agente da ordem que oprimia, reproduzia a carncia

    nos bairros,

    mantinha

    o controle dos

    trabalhadores

    nas

    fbricas e que forava o silncio

    do

    conjunto da sociedade.

    Importa, porm, para essa interpretao, salientar que

    a maioria das prticas reivindicatrias destes movimentos

    sociais no se pautaria na perspectiva de transformar a

    sociedade, incutindo-lhe um sentido novo. Na verdade, essas

    prticas pouco afetariam a esfera poltica dada.

    De

    qualquer maneira, as interpretaes pessimistas

    quanto ao papel dos movimentos

    na mudana

    social no

    ignoraram que as lutas levantadas por eles representariam

    uma

    das formas de presso permanente dos setores

    populares sobre o

    Estado

    na

    busca

    de respostas concretas

    s

    suas

    demandas .

    Obviamente

    que tais

    lutas

    se

    subordinavam aos fluxos e refluxos das diversas conjunturas

    e tambm s lgicas prprias de funcionamento pautadas

    por um maior ou menor enquadramento institucional.

    Por outro lado, uma segunda interpretao considera

    que dentro do processo poltico mais amplo, o crescimento e

    consolidao dos movimentos sociais das classes populares

    leva ao reconhecimento crescente daqueles, como

    interlocutores vlidos e legtimos dos

    interesses

    destas

    classes. Neste mesmo processo, mudam, relativamente, o

    discurso e certas prticas dos rgos pblicos que passam a

    incorporar paulatinamente as demandas da populao dos

    bairros perifricos.

    Assim, a presena do coletivo, ou

    da

    cidadania

    coletiva, como aponta Paoli (1992), gera uma nova qualidade

    na idia de participao na gesto da coisa pblica. E ainda,

    segundo observao

    de

    Pedro Jacobi, aqui a representao

    no resume todo o esforo de organizao, mas configura

    uma parte de um processo onde os moradores criam as

    condies para influenciar na dinmica de funcionamento

    de um rgo do Estado. JACOBI, 1990, p. 38)

    Destaca-se aquela face dos movimentos sociais

    Rev

    Mediaes Londrina

    v

    2 n. 2

    p.

    41-56 jul./dez. 1997

    44

  • 7/23/2019 Neo-clientelismo e Cooptao Na Manuteno Do Poder Local

    5/16

    populares onde a entrada em cena de novos personagens

    funda o incio de

    uma

    sociabilidade ancorada

    na

    solidariedade de classe

    e

    atravs da qual

    as

    classes

    populares passam a fazer parte da cena i s t r i ~ como atores

    que no se limitam a papis j fixados por outras classes,

    mas como sujeitos que, por iniciativa prpria desenham a

    cena de sua ao.

    Verifica-se, na verdade, certo avano social, levando

    inscrio das demandas e prticas dos setores populares

    numa nova noo de direitos, retirando-as do campo das

    reclamaes e reivindicaes.

    Tal avano constitui-se em

    elemento fundamental para a superao do ethos autoritrio

    presente no Estado brasileiro. Objetiva pois, especialmente ,

    a interferncia nas estruturas institucionais do Estado,

    permitindo

    avanos no plano dos sistemas de representao,

    cristali zando-se em novas formas de manifestao de

    identidades coletivas que

    carregam

    consigo

    as

    contradies entre a conquista

    de

    uma cidadania ampliada

    e a permanncia de uma situao de excluso. JACOBl,

    In:

    SADER,

    1987,

    p 19)

    H,

    nesta perspectiva,

    a potencialidade de

    consubstanciao de nova prticas que possam configurar

    o papel de interlocutores aos movimentos, que propiciem o

    seu reconhecimento pelo Estado, e que promovam, por sua

    vez, os espaos de atuao e prticas destes movimentos

    no sentido de disseminar concepes mais avanadas de

    gesto pautadas

    por

    formas

    de

    efetiva descentralizao

    do

    poder. JACOBl

    , In

    :

    SADER,

    1987, p

    22)

    Note-se, porm, que a presena de diversos

    movimentos reivindicando

    maior

    participao

    social,

    questionando o discurso participacionista , tem revelado

    algumas contradies, como a dificuldade dos governos

    municipais em propor uma incorporao efetiva da populao

    na tomada de decises de seu interesse.

    Ocorre que, no obstante o papel fundamental que

    os movimentos sociais populares vm desempenhando na

    abertura e consolidao de espaos de participao e

    representao dos interesses populares junto ao Estado,

    ressurgem prticas polticas especficas, iniciadas muitas

    vezes, por grupos polticos conservadores que esto na

    direo dos governos municipais, baseadas na cooptao,

    no personalismo e na tentativa de manipulao daqueles

    prprios movimentos. Certamente os interesses estratgicos

    desses grupos referem-se reproduo do seu domnio e

    obstaculizao

    da

    construo da autonomia poltica das

    classes populares.

    este ressurgimento o objeto de estudo desta

    pesquisa, que vai procurar revelar em e g u i ~ como o Estado

    (aqui representado por um governo municipal) ps-ditadura

    militar tambm foi capaz de renovar seus mecanismos de

    dominao poltica frente a setores das classes populares

    que fortaleciam sua autonomia e capacidade poltica crtica.

    CLlENTELlSMO ECOOPT O N

    M NUTENO DO PODER

    POLTICO LOC L

    (Quadro Poltico-Institucional geral)

    De

    acordo com Jacobi, no obstante tornar-se cada

    vez mais difcil grupos polticos dominantes reproduzirem

    vontade, atravs do Estado, prticas pautadas nos esquemas

    populistas, sua reemergncia no

    improvvel, dada a

    presena e a permanncia de lideranas tradicionais

    frente dos esquemas clientelistas passveis de reeditar cenas

    de

    filme visto. Em sua avaliao, basicamente, a retomada

    destas prticas ou sua rejeio, est na dependncia

    dos

    avanos do

    movimento social

    quanto ao seu nvel de

    politizao

    e de desenvolvimento de uma conscincia

    crtica. JACOBI,

    In:

    SADER, 1987, p. 21)

    Tal opinio centra o enfoque na importncia que

    determinados quadros institucionais (tipos de partidos, de

    lideranas, canais de participao, de movimentos sociais e

    de leis), tm para a reproduo e sustentao de esquemas

    baseados no clientelismo.

    Tambm nesta pesquisa, houve o privilegiamento

    da

    apresentao de um destes quadros que facilitam a sobrevida

    daqueles esquemas. Embora trate de situaes restritas a

    uma localidade (cidade de porte mdio interiorana), possvel

    compar-las s de outros quadros j analisados, encontrando

    se inmeras similaridades e aproximaes que permitem inferir

    que

    a presena de

    certas situaes institucionais

    (autoritarismo, burocratismo e elitismo)

    tomam

    mais

    favorveis a reproduo do clientelismo.

    Ver:

    DINIZ, 1982a

    e 1982b;ZALUAR, 1985ae 1985b;AVELINOFll..,HO, 1994)

    Certamente h tambm outros elementos sociais e

    culturais que do sua contribuio, gestando relaes sociais

    facilitadoras de prticas polticas cIientelistas. Apenas para

    indicar um exemplo, no caso estudado, a Igreja, atravs de

    seus

    movimentos

    pastorais,

    tem

    relevncia destacada.

    Inmeros lderes de comunidade que em seguida tornar-se

    o vereadores de bairro , ligados ao clientelismo, passaram

    antes pela condio de lideranas religiosas, o que

    provavelmente influenciou deveras sua idia acerca

    do

    que

    a poltica, a comunidade , e como se faz poltica na e para

    a comunidade . Especialmente se levar em conta uma

    formao religiosa que destacava o servio comunidade,

    a doao e a caridade (como atributos fundamentais da vida

    social do cristo), conforme pode-se perceber nas entrevistas

    realizadas.

    Da

    mesma forma esses valores participam de parte

    considervel da instruo do comportamento dos moradores

    que compem a clientela daquelas prticas. Do exemplo

    acima, tem-se uma idia da importncia de se levar em

    considerao, na

    busca

    de uma compreenso mais

    totalizadora do fenmeno clientelismo, como o quadro geral

    institucional que o circunscreve, articula-se com aspectos

    culturais e simblicos particulares, certamente compondo

    se, num plano ideolgico, com um sistema especfico de

    valores e de padres de comportamento cotidiano. (Ver

    Rev.

    Mediaes Londrina

    v.

    2,

    n.

    2, p. 41-56 jul./dez. 1997

    45

  • 7/23/2019 Neo-clientelismo e Cooptao Na Manuteno Do Poder Local

    6/16

    DaMAITA,1996)

    Por outro lado, Victor Nunes Leal observou que

    dentro das

    situaes sociais que podem

    auxiliar no

    desenvolvimento de prticas c\ientelistas est a pobreza

    do povo, seu atraso cvico e intelectual.

    (1986,

    p.

    258)

    Comentando a existncia do c\ientelismo em bairros

    da cidade do Rio de Janeiro, Alba Zaluar destacou que a

    fonte dele est muito menos na ignorncia poltica dos

    moradores pobres, do que na imensa reserva

    de

    necessidades e carncias abertas manipulao dos

    polticos oportunistas. (ZALUAR, 1985b, p. 62)

    Alguns depoimentos colhidos para esta pesquisa

    atestam o considerado acima:

    .

    ..) realmente havia muitas demandas nestes

    bairros que foram loteados no incio dos anos

    80; o pessoal ia l auto-construir, devagarinho,

    suas casas, e a no tinha nada mesmo. No tinha

    asfalto, no tinha esgoto, no tinha nada. (Diretor

    de Associao de Moradores)

    Pro povo aquilo era uma salvao. Por exemplo,

    voc tava s vezes, nafila do nibus, e comeava

    a falar, a questionar: Sabe, algumas senhoras, o

    pessoal mais antigo achava inquestionvel o caso

    do ( .. ) [vereador A l, por que ele deu remdio:

    - Ele me d remdio.

    Da voc conversava com a pessoa:

    - Mas olha, esse remdio tem l no Posto.

    - No. Esse remdio ele que compra.

    E,

    realmente, se voc

    for

    ver,

    para essa senhora

    uma vantagem. Ela conseguiu um remdio caro,

    uma coisa cara.

    [Ex-integrante de Comunidade

    Ec\esial de Base: C.E.B. do Bairro 1 ]

    Esta pesqui sa reconhece a importncia dos elementos

    culturais (simblicos) e sociais sempre presentes na

    composio do fenmeno do clientelismo. Porm, manter

    se- circunscrita tentativa de

    descrever

    o

    quadro

    institucional geral que abarca as prticas c\ientelistas

    destacadas na cidade estudada, buscando caracterizar, em

    certos pormenores, o fenmeno.

    Em vrios autores

    brasileiros

    reconhecida

    a

    presena atual do clientelismo no quadro da poltica

    brasileira, a despeito da industrializao, da emergncia dos

    novos movimentos sociais e das alteraes legais que

    institucionalizaram canais formais e efetivos de participao

    dos setores populares na gesto do Estado. (AVELINO

    FILHO,

    1994

    ; DINIZ, 1982b;DROULERS, 1989;ORfIZ,

    1995;

    ZALUAR, 1985ae 1985b; SADER, 1987)

    De fato, a impresso que h no a de que o fenmeno

    esteja de volta, mas sim a de que ele nunca deixou de existir.

    Como aparece recorrentemente, bem provvel que o correto

    seja consider-lo como um dos aspectos que compe a vida

    poltica brasileira, um continuum, e no um adendo a ela.

    Em sua especificidade (de modalidade de atuao

    poltica), o clientelismo manifesta-se a partir de

    um sistema

    de lealdades, que se estrutura em torno da distribuio de

    recompensas materiais e simblicas, em troca de apoio

    poltico. (DINIZ, 1982b, p. 23)

    O passar do

    tempo

    imprimiu modificaes na

    estruturao do fenmeno e nos seus mecanismos de

    reproduo, embora baseie-se ainda

    no

    favor,

    no

    personalismo,

    na cooptao e na informalizao da poltica.

    No Brasil, onde

    as

    taxas de crescimento urbano

    so bem mais elevadas, sai-se de uma situao de

    clientelismo na qual a subordinao pessoal nascia

    da total dependncia econmica

    para

    uma

    situao de clientelismo poltico moderno, onde o

    poltico torna-se um dos intermedirios no acesso

    aos recursos do Estado. Essa funo

    de

    intermedirio cada vez mais importante, a do

    'broker' dos anglo-saxes, literalmente o corretor,

    esse personagem do mundo urbano e da esfera

    poltica

    moderna, que desconta no

    trfico

    de

    influncia para ter acesso a bens do Estado, uma

    dessas figuras que bem poderia ser a do famoso

    despachante

    da sociedade

    brasileira

    : o

    intermedirio obrigatrio nas relaes

    complicadas que o cidado enfrenta com um Estado

    excessivamente

    burocrtico.

    Essa funo de

    intermedirio passa, ento, e cada vez mais, pelos

    canais da poltica. Essas formas de clientelismo

    modernizado so bem diferentes do clientelismo

    tradicional. A sua esfera de influncia mais

    extensa

    e

    implica

    o

    controle

    dos canais

    de

    organizao coletiva, sindicatos ou associaes

    de

    bairro. (DROULERS, 1989,

    p.

    140)

    No municpio estudado essa extensa esfera

    de

    influncia

    aparece com nitidez, apontando para um

    estilo de

    poltica que j dura 12 anos (1984-96), e que marcado pelo

    autoritarismo e pela busca permanente de cooptao e controle

    dos movimentos sociais populares.

    A partir dos relatos das entrevistas revelam-se sinais

    que indicam a tentativa de cooptao que vai para alm das

    lideranas populares e de Associaes de Moradores de

    Bairro. Esses mesmos relatos apontam prtica semelhante em

    relao

    ao sindicato dos servidores municipais e

    escolha

    (pela prefeitura) seletiva dos componentes do Conselho

    Municipal de Sade e o controle firme das aes da Federao

    das Associaes de Moradores da cidade.

    O grupo de depoimentos que segue abaixo explicita

    os detalhes do comportamento que vem desenvolvendo o

    grupo poltico que detm o controle do executivo municipal e

    da maioria do legislati vo, desde 1984.

    Sobre a relao da prefeitura com o Sindicato dos

    Servidores:

    Rev. Mediaes Londrina v. 2 n. 2 p. 41-56 jul./dez. 1997

    46

  • 7/23/2019 Neo-clientelismo e Cooptao Na Manuteno Do Poder Local

    7/16

    ( .. ) foi

    um processo marcante, porque foi um

    processo de discusso poltica.

    Teve

    um grupo de

    servidores que comearam

    afazer

    um processo de

    criar um sindicato, e criaram. Comearam a

    questionar a prefeitura, a politizar e tudo mais.

    Teve uma greve feia aqui. Foi no

    .

    .. ) [prefeito do

    perodo]. Mobilizaram todo o pessoal, teve uma

    discusso muito boa . A, eles [a prefeitura]

    comearam a perseguir o pessoal. Elesfizeram um

    processo assim de cassao mesmo. Matou de uma

    forma que hoje no existe nada. Pr voc ter uma

    idia, o servidor pblico de

    .

    ..

    )

    [da cidade] est

    h dois anos recebendo o salrio parcelado, em

    duas, trs vezes, e ningum faz nada. Nem se

    questiona.

    (Depoimento colhido em maio de 1996.

    Fundadora e ex-integrante da P.J.: Pastoral da

    Juventude; ex-diretora

    da

    Associao

    de

    Moradores do Bairro

    2 ;

    ex-diretora da Federao

    de Associaes de Moradores .)

    Quanto ao

    controle

    sobre a

    Federao das

    o relato abaixo demonstra como a prefeitura

    . ..) [o executivo municipal] tentou implantar a

    questo da criao da Associao de Moradores.

    Era uma forma de organizao nos bairros. Mas,

    eram todas cooptadas. Por exemplo, dava infra-

    estrutura, dava camiseta, boletins, esses negcios.

    Fazia indiretamente

    ,

    n? Mas faziam Os

    candidatos eram os cabos eleitorais deles, o pessoal

    que trabalhava pr campanha dele, o pessoal da

    linha deles. Conseguiram umas

    15,

    mas boa parte

    era meio fantasma, s burocrtica. Mas era bom,

    porque compunham a Federao das Associaes,

    tambm criada por eles, guiada por eles. (Ex

    diretora de Associao de Moradores; ex-integrante

    da P.O.: Pastoral Operria)

    Nos relatos freqente a

    observao

    de que a

    uma

    o junto s lideranas populares que despontavam,

    ao esquema clientelista do grupo

    :

    Eu lembro que teve uma poca pr

    sa

    vereadores,

    eu no lembro qual das eleies mas, convidaram

    o ... [liderana ligada

    PI. na poca] pr sair

    vereador, eles do PMDB. Tentaram comprar [a

    liderana] pr sair a vereador dizendo pr ele

    que bancavam a campanha dele, etc. Tem um outro

    amigo da gente que, inclusive ele saiu candidato

    na ltima gesto, junto com [candidato a prefeito],

    que o (.. .). At, nessa poca, ele participava com

    a gente, s que ele no era muito aprofundado na

    situao. Ele defende .. O .

    ..

    ), ele no erafiliado

    ao Partido [PT], mas tinha uma aproximao

    muito grande com

    a gente E, ele tem

    uma

    influncia muito grande, porque ele canta, puxa

    os cantos na igreja, tem violo, qualquer lugar

    que chega toca uma viola e canta. Ele era pr sair

    candidato pelo

    PT. E

    na ltima eleio ele saiu

    candidato com o . .. ) [ltimo prefeito eleito]

    PMDB) e saiu decepcionadssimo [no foi eleito,

    inclusive].

    (Ex -diretor de Associao de Moradores,

    membro da P.O. e ex-candidato a vereador na

    cidade)

    A escolha e cooptao de lideranas aparece sempre,

    nos relatos,

    como

    uma

    condio

    essencial para

    o

    funcionamento do clientelismo local, em razo de que a

    montagem

    do

    esquema clientelista, de sua rede de

    funcionamento, depende muito de mediaes pessoais entre

    a prefeitura e a comunidade e as entidades coletivas das

    classes populares.

    A extenso do controle das iniciativas polticas, como

    j foi observado, pode ir at onde houver interesses das

    classes populares em jogo:

    Voc pode

    pegar

    aqui o Conselho de Sade

    [municipal] que elesformaram. Eles pegaram uma

    pessoa da igreja, mas uma pessoa ligada a eles.

    Funcionrio deles. Eles no pegou, assim, um

    coordenador da Pastoral dos Imigrantes, da PO.

    No. Eles escolheram uma pessoa ligada a eles,

    que trabalha para eles, pr trabalhar no Conselho.

    (Lder comunitrio, ligado Pastoral dos Migrantes

    e P.O. da Regio do Bairro 3 )

    Selecionar, cooptando, lideranas para participarem

    da rede de influncia e de clientela instalada na cidade, implica

    por sua vez a eliminao de lideranas alternativas:

    Na

    verdade, liderana aqui, desde o

    .

    ..) [prefeito do perodo

    aludido]

    at agora, sempre foi assim, quem concorda com

    eles convidado para participar.

    (Coordenador da P.O., ex

    diretor de Associao de Moradores)

    Tratando ainda do quadro poltico institucional geral

    do municpio, que circunscreve e inclui o clientelismo local,

    nota-se que no plano poltico referido no se encontram

    canais institucionalizados previstos de participao popular

    e/ou de recepo de suas demandas, facilitando e estimulando

    a procura de alternativas informais e individualizadas de

    atendimento.

    O

    que, indubitavelmente

    ,

    cria laos

    de

    dependncia e instiga prtica do favor e da ddiva :

    Hfilas de gente na prefeitura. Ao invs de

    ser

    por

    exemplo, Secretaria de

    Ao

    Social, eles [os

    moradores] procuram a Cmara de Vereadores.

    Voc pode passar pr voc ver a fila de gente em

    frente

    Cmara.

    comum.

    O

    pessoal vai procurar

    eles [os vereadores] l na Cmara. (Ex-diretor de

    Associao de Moradores)

    Contgua

    ausncia de canais

    e

    espaos de

    participao e representao dos interesses dos setores

    populares est a presena de iniciativas da prefeitura em

    Rev. Mediaes, Londrina,

    v. 2

    n.

    2

    p. 41-56, jul./dez. 1997 47

  • 7/23/2019 Neo-clientelismo e Cooptao Na Manuteno Do Poder Local

    8/16

    fazer a seleo dos reclamantes e das reivindicaes, levadas

    at ela pelos moradores dos bairros pobres:

    Chegava l na prefeitura, o cara que cuidava . .

    chamava Assuntos Comunitrios, a Secretaria, esse

    cara, nunca me esqueo desse cara. Ele falava

    assim pr mim:

    -

    Voc

    representante do qu?

    Eu no representava nada. Primeiro ele falou:

    - Voc sabia que vocs tem o presidente da

    Associao de Moradores, assim, assim,

    ...

    Enfim, ele dava a lista e eu dizia:

    - Mas olha, esse pessoal no

    t

    ouvindo essa

    queixa ..

    Da ele dizia:

    - Olha, aqui, ns no recebemos,

    ns

    no

    podemos registrar nada, aqui.

    E ns levamos um abaixo-assinado, e ele disse que

    no podia

    registrar

    nada. (Ex-integrante de

    C.E.B. : Comunidade Eclesial de Base)

    o Vereador do Bairro

    No municpio em foco, destaca-se a maneira peculiar

    que caracteriza o exerccio do

    poder

    poltico local

    (6) ,

    especialmente a relao entre parte do legislativo (alguns

    vereadores) e a populao moradora da periferia da cidade.

    Em primeiro lugar h um loteamento dos bairros da

    cidade entre os vereadores pertencentes

    ao

    partido que dirige

    o executivo. H uma estrutura marcada pela diviso de reas

    de influncia, delimitando o poder de diferentes vereadores

    nas vrias circunscries, onde se firmam clientelas eleitorais

    locais. Pelos depoimentos, tal diviso coloca-se desde 1984,

    quando se consolidou

    no

    poder um grupo poltico ligado ao

    antigo MDB, e que mantinha at o final de 1995 o

    dOllnio

    poltico na cidade. Porm essa di viso de reas de influncia,

    podia contemplar vereadores que no eram daquele partido.

    Em poca de eleies,

    por

    exemplo em

    88,

    e a gente

    viu isso mais em

    92,

    eles tinham brigas assim .. , de

    um candidato no outro bairro. Tal regio era a

    regio de tal candidato.

    - Era minha regio. Era territrio meu.

    Inclusive

    o

    prprio pessoal

    do

    bairro era

    acostumado com essa idia. (Ex-integrante da P O.

    na regio do Bairro

    '4

    '/Bairro

    '1 ')

    At

    as crianas sabem que o (. ..

    )

    [vereador 'B'} o

    vereador do

    (.

    ..) [bairro '3'}. (Integrante da P.O .

    da regio do Bairro '5'. Ex-diretor de Associao

    de Moradores da regio)

    (6)

    A expresso poder local refere-se idia de espao delimitado e

    formao de

    id

    entidades e prticas polticas especificas

    embora a

    referncia a uma espacialidade particular , o poder local no se

    resume a ela. Espao, neste caso, diz respeito

    indicao,

    em

    forma

    de abstrao, da presena de relaes sociais privilegiadas entre

    atores e grupos sociais que interagem na disputa e na cooperao.

    (FlSCHER

    ,

    /991,

    p.

    88;

    ver

    tambm

    LEDRUT, 1981)

    No mumclplO pesquisado, o funcionamento do

    esquema clientelista instalado depende essencialmente da

    mediao poltica e da cooptao de lderes e movimentos

    de reivindicao, promovidas pelo vereador do bairro .

    V-se que freqente nos relatos, a insinuao, a

    desconfiana de que o mapeamento e distribuio dos bairros

    da cidade entre alguns vereadores deriva de iniciativa do

    prprio grupo poltico que comanda o executivo municipal.

    E mais. Cr-se que tal iniciativa prev ainda fazer

    vereadores para essas regies. Quase sempre cooptando

    lideranas ligadas

    ao

    meio popular, com certa ascendncia

    junto aos moradores de determinada regio. Quer dizer que o

    poder pblico

    local (o grupo poltico

    hegemnico

    na

    prefeitura) desenvolve iniciativas

    estimula

    a prpria

    mediao pessoalizada) que favorecem bastante a instalao

    do clientelismo e da personalizao das relaes polticas

    nascidas entre o Estado e

    as

    classes populares daqueles

    bairros.

    Eles pegaram as pessoas que mais despontavam

    nos bairros. Tanto que o pessoal [antigos lderes

    comunitrios, religiosos} , ou

    foi trabalhar na

    prefeitura como funcionrio ou algum se elegeram

    vereadores. Um exemplo, em

    (.

    .. ).[Bairro '5'} eles

    pegaram o coordenador do Grupo de Jovens, que

    era o . .. )[cita o

    nome).

    Tinha dez anos de

    Coordenador de Grupo de Jovens . Da, eles

    pegaram ele de candidato e o grupo de jovens saiu

    na rua fazendo campanha pr ele. (Integrante da

    P.J. e P O. desde 1985 na cidade)

    O

    (.

    ..

    )

    ['vereador

    do Bairro

    1 ]

    trabalhou no

    comeo dos anos

    80

    na construo d Parquia

    da regio. Ele ajudou bastante na sua construo.

    De maneira espontnea. Ele era de l. A prefeitura

    se aproximou dele, viu que ele tava despontando

    como liderana,

    j

    trabalhou em cima dele. A

    teve

    a campanha dos banheirinhos,

    quefoi

    um negcio

    ligado

    junto

    com a Parquia. E quem era o

    coordenador? Era o

    (.

    ..) ['vereador do bairro

    1 }.

    A, ele fazia os mutiro. E o nome dele

    foi

    se

    projetando. (Ex-integrante da

    P.O

    . e de C.E.Bs. na

    regio do Bairro l de 1987 a 1990)

    o papel da representao poltica, aqui, reduzido a

    uma viso clientelista e de favoritismo. A engrenagem poltica

    do municpio funciona articulando executivo, secretarias e

    vereador do bairro . Portanto sempre atravs da mediao

    personalizada e no de forma impessoal, segundo padres

    universalistas

    mecanismos formais e/ou canais

    institucionais).

    quase que um subsistema poltico, para alm

    do

    institucional e formal, constitudo principalmente pelos

    secretrios das pastas prioritrias (sade, obras e Assuntos

    Comunitrios), o vereador do bairro e a liderana local, onde

    se

    processam mensagens e demandas que, com a influncia

    e mediao do vereador do bairro , sero transmitidas

    ao

    rgo competente da prefeitura.

    Rev.

    Mediaes, Londrina, v. 2, n. 2, p. 41-56, jul./dez. 1997

    48

  • 7/23/2019 Neo-clientelismo e Cooptao Na Manuteno Do Poder Local

    9/16

    Nesse ponto, era claro assim, a questo que esse

    vereador ele daquela .. [regio]. Ele que faz.

    Aquilo que elafalou

    de

    quando foi l pr prefeitura,

    a prefeitura falou:

    - No! VEcs tem o vereador tal. Pede

    pro

    vereador, que o vereador de vocs vem aqui.

    J era delimitada a rea deles." (ex-participante

    de C.E.Bs.

    da

    regio do Bairro

    1

    de

    1988 a 1990)

    Comentando a poltica c1ientelistamoderna, George

    Avelino Filho diz que ela

    mais competllzva que

    sua

    antecessora e suas

    relaes tendem a ser muito mais frgeis,

    j

    que

    mais 'instrumentais'. Ela sobrevive a partir da sua

    capacidade de substituir os antigos laos de

    lealdade pessoal pela

    oferta de benefcios

    materiais, os mais individuais possveis,

    e

    maneira

    a evitar conflitos e maximizar o seu arco de

    injluncia eleitoral.

    O

    patrono moderno

    o broker

    [corretor, despachante]. E seu poder depende das

    suas habilidades em operar como intermedirio

    entre sua clientela e os recursos pblicos". (

    1994,

    p.

    227

    Observa-se que o poder e popularidade

    do

    vereador

    do bairro decorre de seu poder poltico e prestgio social.

    Quer dizer, da capacidade de intervir diretamente no aparelho

    adrrnistrativo municipal, distribuir pessoalmente, recursos

    e servios, ajeitar um emprego, adiantar um atendimento

    mdico pelo S.U.S., etc. Esse mesmo prestgio e capacidade,

    obviamente que em propores menores, ele vai transferir

    para pessoas chave na comunidade, sua clientela. s vezes,

    um diretor de Associao de Moradores, ou um lder religioso

    de expresso, ou, se necessrio, ele mesmo promove a

    construo de uma liderana sua, colocando-a como

    intermediria na distribuio de alguns servios da prefeitura:

    organizadora da horta comunitria, responsvel

    pela

    distribuio gratuita de leite, recolhedora dos pedidos de

    escritura

    de

    terrenos, etc. Esta liderana, amiga prxima do

    vereador do bairro faz o papel de intermediria entre os

    moradores e os polticos, e estes (na figura do vereador do

    bairro ), entre as lideranas e a prefeitura (executivo,

    secretarias, Cohab, etc.)

    Desta maneira, o que deveria

    ser

    um direito : o

    atendimento s necessidades em termos de servios pblicos;

    e uma prerrogativa da cidadania: a existncia de canais e

    mecanismos formais e impessoais de relao poltica, tomam

    se possibilidades sujeitas concesso e barganha. Prticas

    tpicas

    do

    clientelismo, inscritas num esquema informal de

    ligao mediada entre a comunidade e o governo municipal.

    (DINIZ, 1982a)

    Quando se colocam demandas concretas, como

    questes de abastecimento de gua, limpeza pblica,

    segurana e policiamento,

    ou

    ainda, iluminao, calamento

    de ruas, oferta de escola e hospitais, abre-se espao para o

    acionamento de vnculos personalistas, como forma de

    encaminhamento de reivindicaes destas questes.

    Era bem assim: tudo o que a Associao de

    moradores

    reivindicava ou

    pedia

    , era aquele

    canal feito pelo vereador. A gente pedia, o . .. )

    [vereador C ] era o vereador da vila, a ele

    colocava l na audincia l, como ele tava pedindo

    aquilo. No tava nem preocupado que era um

    pedido

    da

    Associao de Moradores tal, que ele

    tava levando. No! Ele dizia que era dele. (Ex

    diretora da

    Associao

    de

    Moradores do Bairro

    2 )

    Agora ele tfazendo, e voc v que uma prtica

    que continua, a questo das escrituras

    da

    casa.

    . .. ) A Associao solta um panjletinho dizendo

    que quem no tem as casas regularizadas pr

    procurar a prefeitura. Da, essa prefeitura o

    .

    ..

    )

    [vereador

    'B'].O . ..

    ) [vereador

    'B'] d as

    escrituras. Mas, na

    verdade

    ele no d. Ele

    encaminha. Porque eles tem a Assessoria Jurdica

    da

    prefeitura, e eles, em nome do

    .

    ..

    ) [vereador

    'B']

    ...

    0 .

    . . [vereador

    'B']

    manda l, os

    documentos, faz o pedido, e eles do de graa a

    escritura pr pessoa. Porque se no, ele teria que

    procurar um cartrio prfazer esse papel. Da, ele

    'quebra'

    pro cara,

    n?

    Fica

    mais

    barato

    .

    (Fundador e ex-integrante da P.J. na cidade;

    integrante da P.O. da regio do Bairro 3 ')

    O vereador de bairro aproveita as oportunidades para

    distribuir pessoalmente obras e servios pblicos, como

    ddiva sua, como benemerncia, generosidade. De fato, o

    que se objetiva a futura gratido, em forma de voto,

    preferencialmente.

    . .. ) ele [o vereador 'B '] defendido no (

    ..

    .) [bairro

    3 '] por isso, porque ele 'o vereador das caixa

    d 'gua',

    ele

    que entregava. Caixas

    d'gua

    conseguidas com verba

    do

    Estado. S que ficou

    um negcio assim, como se ele trouxe as caixa

    d'gua e entregou. (Morador do Bairro 5 , ao

    lado do Bairro

    3

    e participante do movimento

    de

    P.O.

    da regio)

    . ..

    )

    a questo das telha .. Deu o vento, no outro

    dia ele passou nas casas anotando nome e, ele

    veio da prefeitura. lgico: se destelhou a casa

    do cara, o outro traz telha .. Voc acha que o cara

    vai recusar? Lgico, ele t adorando. E, ento,

    ele ficou com o nome feito

    a.

    (Ex-integrante

    da

    P.J. de

    86

    a

    89.

    J disputou a direo da Associao

    de Moradores da regio do bairro 3 com chapa

    autnoma em relao

    prefeitura)

    Rev.

    Mediaes, Londrina,

    v. 2

    n.

    2

    p. 41-56, jul./dez. 1997

    49

  • 7/23/2019 Neo-clientelismo e Cooptao Na Manuteno Do Poder Local

    10/16

    Ele [o 'vereador do Bairro 1 ) vai realmente visitar

    as pessoas. Tem um destelhamento? Ele vai, leva a

    telha, e ele coloca a telha. E, ele excelente

    pedreiro. Traz na casa. Tem caso l, que ele ajuda

    a construir. Da, faz a escritura. Faz mutiro em

    que ele organiza, que ele sabe .. "

    (Ex-membrode

    C.E.R noBairro' 1,de88a90)

    Outroelementobsico

    na

    constituio

    de

    relaes

    olticas

    clientelistas o

    favor.

    O favor gera

    uma

    recebe umfavor fica emdbito comaquele que o

    na

    primeiraoportunidade.Na

    de

    fato,ofavorsempreseinstalacomo

    armadilha, atravsdo qualopoltico tentaprendero

    campanha

    de

    construo de banheirosexternos,em

    os tinham,promovidapelaprefeituraem

    987:

    o

    . ..

    ) [vereador

    A ) se elegeu com

    esses

    banheirinhos. Eles comearam a distribuir no s

    para quem precisava. Evidentemente, para pessoas

    estratgicas, lderes que tem uma certa influncia

    na

    rua,

    cabos eleitorais e tal. E a, o

    . ..

    )[vereador

    A ) voltou ento cobrando de quem tinha feito

    banheirinho. Caso do 'seu' . .. ) [cita o nome de

    um morador), nessa eleio da Associao de

    Moradores [relatada anteriormente). Ele tinha

    uma certa amizade com a gente, mas tava assim

    chateado porque o . ..

    )

    [vereador A ') tinha feito

    banheirinho na casa dele. Como que ele iafaz,

    n? Ento, realmente ele apelava

    para essa

    questo. Outra questo que ele apelava era essa

    mesmo:

    - Tudo bem, voc vai precisar de mim.

    Voc

    vai

    precisar de uma escritura ..

    Uma outra coisa que ele trabalhava muito, era

    escritura de casa, de terreno."

    (

    Ex-integrantede

    C.E.B.

    na

    regiodobairro'5', noperodo88/90eda

    P.O.em seguida)

    Teve uma poca que deu uma chuva de vento a. O

    .

    ..)

    [o

    vereador

    B )

    ia de

    casa

    em

    casa,

    entregando telha pr

    cobrir.

    Ele

    que ia l

    entregar:

    - , t entregando ... (Exintegranteda

    P.J.

    naregio

    doBairro

    '7')

    EliDinizsintetizouofenmenodoclientelismocomo

    sendo a prtica do

    favor

    e a arte da seduo poltica.

    (1982b, p.22)

    No

    que

    dizrespeitomaneira

    de

    seprestaro

    favor, elencou-seatrs, inmeros exemplos.E nofaltam

    tambmsituaesquerevelamparte da

    estratgiautilizada

    pelo'vereadordobairro'paraaseduo desua clientelaTal

    (7)

    Aqui, significando grupointegradopor semelhanas econmicas,

    culturaise religiosas, o que lhes garantiria,em tese, irmandade,

    coesoe relaes harmnicas entre seus membros.

    encantamentonoseassentaapenasnatroca,

    na

    ofertade

    'benefcios' materiais.

    Aparecer

    como

    'homem

    daquele

    bairro',como'filho

    da

    regio'artimanhaquefuncionabem,

    pois encontra acolhida numa solidificadarepresentao

    ideolgicadoqueseja ' comunidade'(7) , inclusivedeforte

    inspiraoreligiosa, que afetaas avaliaes de

    boa

    parte

    daquelapopulaoinscritanoplanodoclientelismo.

    Almde'pertencer'

    'comunidade',precisoaparecer

    comopessoaigualaosoutrosmoradoresdobairro,ouseja,

    apresentar-secomohomempobre,devestimentassimplese

    atitudesmodestas.Importa,mesmoagorasendoumpoltico,

    nodistanciar-sedopovo,doseujeito,dassuasmaneiras.

    Esse negcio do vereador de bairro, mas forte)

    forte aqui em

    .

    .. ) [na cidade), a ponto do cara

    falar que mora no bairro, e no mora. Tipo o . ..

    )

    [vereador 'B'). Ele 'o vereador do .

    ..

    )[bairro

    '3'}', ele mora l no Centro, perto do

    .

    ..)[colgio

    da cidade), e ele 'o vereador do ( .. )[bairro '3 ') ' .

    a segunda gesto dele.

    (Ex-diretordaAssociao

    deMoradores

    do

    Bairro'2')

    Eles no tm muita coisa. Voc pode ver que o . ..)

    [vereador B ) anda com um fusquinha velho.

    At

    na campanha dele, o emblema era um fusquinha

    daqueles

    69.

    Ento, se eles tm alguma coisa, eles

    tm escondido. No aparece.

    (Ex-militante

    da

    P.J.

    naregio)

    O .

    ..

    ) [vereador E ) era um vereador, quando ns

    chegamos l, em descenso, porque ele no tinha

    essa prtica, esse pique do

    .

    .)

    [vereador

    A

    'i.

    Ele

    j

    comeou a andar de terno. J se distanciou.

    O

    (. .. )[vereador

    A )

    no. Anda tudo sujo,

    pr

    l e

    pr c; fazendo casa, e tal. "(Ex-coordenadorade

    C.E.Bs.naregio,noperodode1989e1991)

    Esteestilode'polticadecomunidade'frisaocarter

    pessoaldarelaorepresentante-representado,pelaqualo

    vereadordo bairrodesenvolvevnculosprimrios

    com

    os

    moradores,comooconhecimentopessoal,aamizade,eato

    compadrio.Ocorrequeainterfernciadestetipodevnculo

    desideologiza(camuflaaideologia),despolitizaumgrupode

    relaessociaisqueso,antesdetudo,polticas.Pelomenos

    na

    suafundamentao.

    (8)

    Nocasopesquisado,outrodadoqueajudaaformar

    oconjuntodasprticasclientelistas,oda violncia.

    Esta

    tambmaparececomotemrecorrente.

    Da mesma

    maneira

    queasprticasclientelistasinserem-senumquadropoltico

    ondea violnciacomponentesempre vista,o prprio

    clientelismo,

    em

    particular,tambmseescora,todootempo,

    em atos violentos. O 'vereador

    do

    bairro', nos contatos

    cotidianosquemontanosbairrosbuscandolevantaremanter

    ocontrolepolticodeparcelas

    da

    populao,demonstrano

    ter

    escrpulos

    na

    execuo dos seus (e da prefeitura)

    objetivos.

    (8)

    Sobreo carterde classe do Estado, ver SOBRINHO,mimeo.

    Rev. Mediaes, Londrina, v. 2, n. 2, p. 41-56, jul./dez. 1997

    50

  • 7/23/2019 Neo-clientelismo e Cooptao Na Manuteno Do Poder Local

    11/16

    Esse pessoal sempre foi muito violento com a gente.

    Uma das coisas que o ( .) [vereador A ] utilizava,

    para desqualificar nosso movimento,

    erafalar mal

    das mulheres que participavam. Tinham muitas

    mesmo Ento, uma das coisas, era chamar a gente

    de vaca,

    mulher--toa,

    por

    exemplo. Eu

    pessoalmente j tive numa

    outra eleio de

    Associao no ( ..) [Bairro

    8 ]

    e ele, simplesmente

    enlouqueceu e:

    - Essa vaca, e tal...

    Os negros ele chamava de macacada. O caso

    especfico do ( .) [vereador A i, ele era realmente

    muito violento, preconceituoso. E,

    a

    as pessoas

    se intimidavam sim, porque ele ameaava:

    - Voc vai precisar

    de

    uma escritura.

    E,

    realmente, se precisasse dele e ele tivesse

    alguma .. . algum vis com a pessoa, ah , a pessoa

    no conseguia mesmo. Coisa que direito, s que

    ele

    ia l [na prefeitura] e barrava.

    Eu

    no

    conseguia aula em ( ) [cita a cidade]. Passei no

    teste seletivo em segundo lugar. Precisei

    mudar

    para ( .) [cita o nome da cidade vizinha]

    para

    conseguir.(Ex-coordenadora de C.E.B. na regio

    do Bairro ' j e Bairro 4 , no final dos anos 80.

    Participou

    de /numeros movimentos

    reivindicatrios neste perodo)

    Por exemplo, na questo do transporte coletivo.

    Ns fizemos quatro reunio pr tirar uma pauta

    de

    rei vindicao

    para

    fazer com o ( ... )

    [proprietrio da empresa prestadora do servio

    na regio] . Marcou na Cmara, o ( ... )

    [proprietrio da empresa] veio. Da eles [os

    vereadores

    do

    PMDB, situao na poca],

    mudaram tudo. Chegou l na hora, apresentaram

    outra pauta de reivindicao que no tinha nada

    a ver. Alis, eles comearam a defender a planilha

    de custo do ( .)

    [proprietrio

    da

    empresa].

    Inclusive da saiu um tumulto muito grande. Uma

    menina do ( ) [bairro 2 ]foi empurrada, quebrou

    o culos, e teve um tumulto grande, justamente

    por isso

    a.

    (Ex-integrante da P.i. na regio do

    Bairro 7 , na segunda metade dos anos 80 )

    Nesta

    cidade

    , trata-se

    de

    um

    clientelismo

    estreitamente (mas no unicamente, como j ressalvamos na

    introduo) vinculado reproduo eleitoral. Tanto nos seus

    objetivos quanto na sua existncia. Quer dizer que , do

    resultado das eleies municipais que depende a definio

    de quem se constituir no dono deste ou daquele bairro,

    quem mediar o fluxo de servioslbenefcios do Estado

    (prefeitura), e at, provavelmente, quais lideranas do bairro

    tero eminncia e quais perdero espao e influncia naquele

    perodo. Aqui, o clientelismo no pode ser desligado de sua

    eficincia eleitoral.

    (AVELlNO FILHO, 1994,

    p.

    231)

    Em razo disso, o sistema eleitoral e os partidos

    polticos so peas-chave no processo aqui analisado. Para

    ser eleito como vereador (ou reeleger-se), pode vir a ser

    fundamental contar com a indicao e colaborao de alguma

    clientela j instalada e sob influncia de algum vereador

    do

    bairro . Por outro lado, ser vereador abre a perspectiva de

    construir sua prpria rea de influncia, de definir uma

    jurisdio prpria de ascendncia, o que pode vir a garantir

    a reeleio, ou a eleio de um companheiro de partido ,

    enfim, certo controle da competio poltica nos redutos.

    certo que, aqueles que podem manipular boa

    quantidade de recursos estatais (pblicos) detm um

    instrumento decisivo para a estruturao e o controle de

    uma rede de influncias, o que amplia suas chances de

    sobrevivncia eleitoral, alargando seu cacife e prestgio social.

    considerando tal importncia que as duas ltimas

    disputas eleitorais

    no

    municpio foram palco de intensa luta,

    e mereceram, do grupo poltico que comanda a prefeitura, a

    acentuao da compra de votos e o aperto no grau de

    violncia que usualmente utiliza, ou do qual conivente:

    Na ltima eleio pr prefeito aqui em ( .) [cita a

    cidade], a polcia teve que tomar duas kombi

    lotada de cesta bsica. Amanh era a eleio. Hoje

    s lOhOOm

    [22hOOm]

    eles tavam com a kombi

    carregada de cesta bsica pr

    levar

    pro ( .. )

    [bairro 1 ' ] pr distribuir pro povo. Ele s

    distribuam noite. (Fundador da P.i. na cidade)

    Na ltima eleio para presidente da repblica e

    deputados,

    (

    .) nos cercaro, enfiaram a camionete na frente

    da variant e eu parei. Desceram com um pedao

    de pau desse tamanho, cercou a frente do carro.

    ( .. ) recolheram nosso material [de campanha] e

    ameaaram. Eles foram pagos pr faz isso.

    No

    outro dia, os mesmos que fez isso era fiscal nas

    mesas de apurao. O ( .. ) [parente de um alto

    funcionrio da administrao municipal] tava

    junto. O cara que trabalha na delegacia fazendo

    carteira de identidade, que eles colocaram l,

    tambm, tava junto. O motorista da camionete

    trabalha na prefeitura. Um outro baixinho que

    tava junto, trabalha na prefeitura tambm. Todos.

    Gente que eles [grupo poltico dominante]

    contrataram, barra pesada

    . (

    Ex-diretor

    de

    Associao

    de

    Moradores)

    Depois de instalada a rede clientelista, mant-la a

    qualquer preo toma-se imperioso, porque tais prticas tm

    influncia certa sobre o voto de parte dos moradores. Esta

    influncia, como

    j foi demonstrado, sustenta-se na relao

    pessoal que instala trocas constantes dos moradores com o

    vereador do bairro , mesmo que mediadas,

    s

    vezes, por

    alguma outra pessoa

    de

    influncia daquele bairro, ligada

    ao vereador.

    No restam dvidas de que, para o poltico local,

    garantir uma clientela privada, mant-la sob sua influncia,

    revela-se de uma importncia indiscutvel na obteno de

    votos, ou para si, ou para seus indicados.

    Rev. Mediaes, Londrina, v. 2, n. 2, p 41-56, jul./dez. 1997 51

  • 7/23/2019 Neo-clientelismo e Cooptao Na Manuteno Do Poder Local

    12/16

    Pelo suposto, no se h de poupar esforos (o

    'vereador do bairro

    ,

    e a prefeitura), no sentido de barrar ou

    reduzir ao mximo as possibilidades das classes populares

    de construrem movimentos sociais reivindicativos (atravs

    de Associao de Moradores, ou no), de carter autnomo

    e independente daquelas redes cliente listas esclarecidas

    anterionnente.

    A escolha do perodo recortado para esta pesquisa,

    levou em considerao tambm que havia nesta fase, a

    existncia de movimentos autnomos de reivindicao dos

    moradores, nos bairros onde se finnaram e se desenvolveram

    relaes de clientelismo, articuladas, especialmente, pelo

    'vereador do bairro'. Foram movimentos surgidos a partir de

    uma srie de demandas que se punham:

    . ..

    )

    de 87 a 89, teve essa demanda do asfalto, teve

    uma demanda Posto de Sade, teve uma demanda

    por

    alfabetizao de adultos." (Ex-moradora do

    Bairro

    i

    ', integrou

    CE.Bs

    . e

    P.O.

    de

    i987

    a

    i989)

    o bairro sofria muito mesmo. Depois do quebra

    quebra [de nibus ocorrido em i989, no Bairro

    i ], deu at uma melhorada, mas antes a gente

    sofria tipo um nibus a cada uma hora. Era muito

    difcil mesmo.

    E,

    uma das coisas que o pessoal tinha

    mais revolta era o nibus. " (Ex-integrante da P.O.

    da regio)

    .

    . )

    participvam os de movimentos

    por

    transporte coletivo, asfalto, sade .. Fazamos sem

    ser nada, quer dizer, espontaneamente,

    parte

    ..

    .

    Esses movimentos que a gente participava, era

    absolutamente

    autnomos

    em relao

    prefeitura. " (Fundador e ex-integrante da

    P.J.

    na

    cidade. Ex-diretor de Associao dos Moradores

    na regio do Bairro '3')

    Pelo lado da prefeitura e do seu mediador, o 'vereador

    do bairro', pe-se o esforo, num conjunto de iniciativas

    que buscam reduzir o espao da poltica de setores das classes

    populares (seus movimentos, reivindicaes) a espaos

    tutelados e subordinados. At porque, se esse no o

    objetivo imediato daquelas prticas,

    ,

    sem dvida, o objetivo

    estratgico final. Seguem relatos que confinnam a inteno:

    Outro fato que eles colocavam contra a gente, era

    na eleio das Associaes de Moradores.

    Naquela poca,

    se formasse

    uma

    Chapa

    de

    Associao de Moradores que no fosse do grupo

    deles, ou ento que eles percebessem que fosse

    pessoal Petista mesmo, eles financiavam a outra

    Chapa. Dava camiseta; os vereadores deles vinha

    no dia

    eficavafa

    zendo campanha.

    O

    .

    ..)

    [vereador

    D ',

    integrante

    da corrente hegemnica da

    prefeitura], numa eleio da Chapa no

    . . )

    [bairro

    '2'], ele ficou no porto do colgio pedindo voto

    para a outra chapa. Quando a gente ganhava era

    porque fazia composio com outras pessoas que

    no eram

    muito politi

    zadas. No

    primeiro

    ns

    tentamos sozinhos, da que no deu. (Ex-diretor

    da Associao de Moradores do Bairro 2

    .

    integrante da

    P.O.

    na regio do Bairro '3')

    A

    Associao de Moradores,

    enfim,

    esses

    movimentos populares que

    eles

    conseguiam

    controlar atravs

    do

    vereador,

    atravs

    das

    Associaes, tinha um vnculo. Da eles no tinham

    nenhuma

    autonomia. Era

    uma

    extenso

    da

    prefeitura no bairro. (Ex-integrante da

    CE.E.

    na

    regio do Bairro

    1 ,

    no perodo 87-89)

    Em 1990, lideranas populares ligadas s C.E.Bs . da

    regio do Bairro ' l ' e Bairro'4 , organizaram-se para a disputa

    da direo da Associao de Moradores do Bairro'

    4

    . Fizeram

    trabalho cuidadoso, cadastrando os moradores do bairro,

    confeccionando panfletos, utilizando-se de carro-de-som,

    etc. A possibilidade de ganhar aquela eleio no Bairro 4 '

    poderia resultar numa brecha no domnio hegemnico que a

    prefeitura tinha sobre as Associaes da regio. Da, a mesma

    no mediu esforos, juntamente com o 'vereador do bairro',

    para impedir tal possibilidade:

    Era ele [o 'vereador do bairro'], ele que tomou

    conhecimento do nosso trabalho, da possibilidade

    concreta que

    a

    gente tinha

    de

    ganhar

    a

    Associao do . ..) [Bairro 4 ]. E, ele que foi l

    nas instncias do PMDB e na prpria prefeitura,

    na Assuntos Comunitrios

    [Secretaria de]

    e

    chamou a ateno. (Ex-integrante de

    CE.Bs

    . na

    regio. Fe z

    parte

    da Chapa '

    autnoma

    que

    disputou a referida eleio)

    O .

    ..

    )

    [vereador A ] fez o seguinte: quando

    percebeu que realmente a

    gente tinha fe

    ito

    cadastro e tudo o mais, ele comeou a passar nas

    casas. Porque o .

    ..)

    [vereador

    A ]

    trabalha pr

    caramba, de base. um trabalho peifeito, o dele.

    Elefoi de casa em casa. [Moradora do Bairro

    i '.

    Ex-integrante da

    P.O

    . no perodo. Colaboradora

    da chapa 'autnoma' na eleio em destaque)

    Eles [a

    prefeitura] levaram

    um

    carrinho

    de

    cachorro quente, e distribua. Faziafila escola

    de samba Fiquei assustada com afesta. Trocavam

    o voto por uma fichinha que dava direito ao

    cachorro quente. Houve uma situao onde o

    carro de som da Chapa autnoma ia

    frente e

    atrs vinha o carro do vereador do bairro ,

    falando a

    favor

    da outra chapa. (integrante da

    Chapa 'autnoma')

    Numa perspectiva crtica verifica-se que os horizontes

    polticos das 'comunidades' associadas rede clientelista

    montada nesta

    cidade tendem

    resumir-se s suas

    necessidades mais elementares, ligadas s condies de

    transporte e de moradia, ao acesso limpeza pblica, ao

    Rev.

    Mediaes, Londrina,

    v. 2,

    n.

    2,

    p.

    41-56, jul./dez. 1997 52

  • 7/23/2019 Neo-clientelismo e Cooptao Na Manuteno Do Poder Local

    13/16

    direito a ter um Posto de Sade funcionando na regio.

    Obviamente que a centralidade destas questes tambm se

    explica pela estrutura de escassez e de carncia que marca o

    quadro material onde se inserem e que condicionam at com

    certa rigidez, seu universo ideolgico. (RIBEIRO, 1993)

    Da a disponibilidade para se sujeitarem mobilizao

    populista

    e ao apelo

    da

    poltica do favoritismo e de

    concesses parciais que, por sua vez, fortalecem a carncia

    estrutural que alimenta a engrenagem clientelista.

    Teria

    que ter

    associaes

    de

    moradores

    independentes, que

    eles

    fizessem a reunio,

    discutissem a pauta de reivindicao e levasse

    para a Cmara.

    No. Aquele cara, vm aqui, chega l na Cmara,

    lgico. Ele vai l com o Projeto, muito mais

    prtico, do que voc ir defender. S que as pessoas

    acabam ficando dependente desse cara em tudo.

    Em tudo eles so dependentes da pessoa, e o cara

    adora. E eles [os moradores] aprende a no

    discutir nenhum problema que no seja ligado

    questo local deles . No consegue ver que o

    pessoal l passando necessidade porque ganha

    uma misria, no consegue ver que no tem mdico

    no Posto de Sade porque o sistema de sade no

    Brasil tfalido. Eles no conseguem enxergar as

    coisas para alm de

    .

    .. ) [cita a cidade). Essa

    Associaes de moradores [cooptadas] conseguem

    enxergar o seguinte:

    - Ns vamos na prefeitura e reivindicamos.

    Mas no consegue ver que o Brasil precisa ser

    mudado. Que eles tem que fazer reunies no bairros

    para conscientizar as pessoas, discutir. Para voc

    ver,

    nosso

    grupo

    aqui

    discute tudo, desde a

    Reforma

    Agrria , plebiscito , a questo da

    previdncia. Tudo o que rolar l no Congresso

    voc pode ter certeza que o grupo ali do Bairro 7

    discutiu. (Integrante da P.O. da regio do Bairro

    7

    e Bairro

    5

    )

    Neste municpio, a estrutura de vnculos que envolve

    certas lideranas locais, os vereadores donos destas reas

    e a prefeitura (suas secretarias), capaz, segundo alguns

    relatos, de ser funcional at certo ponto, para a regio sob

    tutela, porque facil ita a vinda de recursos e servios

    pblicos, ao menos, em comparao com o atendimento

    destinado a bairros que no esto articulados a esses

    mecanismos. Quer dizer, o vereador do

    bairro capaz de

    agilizar benefcios pblicos para aquela regio sob sua

    influncia, s que, em detrimento de um outro possvel padro

    mais racional, mais justo at, de distribuio.

    o caso descrito abaixo, onde os entrevistados

    comparam a diferena de atendimento s necessidades que

    recebe um bairro que vem tendo (h duas gestes) o seu

    vereador (bairro 6 ) e um segundo bairro o bairro 7 ), onde

    boa parte das lideranas comunitrias, ligadas

    s

    Pastorais

    da Igreja Catlica (P.O., P.J.), vem h tempos resistindo ao

    flerte cooptativo que busca sua sujeio forma de conduo

    das polticas pblicas que at ento a Prefeitura vinha

    desenvolvendo. Segundo os prprios entrevistados , o

    vereador do bairro de fato privilegia a sua regio

    justamente para garantir a reproduo

    do

    controle sobre certa

    clientela eleitoral, garantindo seu futuro poltico.

    Funciona naquele mtodo: em vez da Associao

    de Moradores buscar, reivindicar, o vereador traz

    alguns benefcios para o bairro.

    atravs do

    vereador.

    Da

    ele esquece que vereador do

    municpio. Ele esquece do Bairro 7 , esquece do .. .

    Ele lembra do bairro dele, que ele tem que se eleger

    novamente ali. E isso a eles comearam desde a

    poca do .

    ..

    ) [prefeito da poca], que onde eles

    escolhia, mapeava os bairros. (Ex-integrante da

    P.i. na cidade)

    Alguns bairros ficam rfos, porque, veja bem, so

    11

    vagas para vereador. Aquela regio [do bairro

    6 , Bairro 9

    ,

    Bairro

    10 ]

    t com cinco

    vereadores. Alguns so ligados mais ao Centro da

    cidade, alguns so mdicos, no so ligados a

    nada. Ento, quer dizer que isso no funciona.

    Comparando com o

    .

    .. ) [bairro T], que um dos

    bairros mais antigos. Mais antigo at que o Centro.

    Praticamente ali no (

    ...

    ) [bairro

    7

    ],fora o asfalto,

    no foi fei to nada ali.

    Tem

    rede de esgoto, algumas

    ruas ainda no tm. E no tem uma quadra, no

    tem Posto de Sade. Problema de coleta de lixo . A

    melhoradinha que teve, veio de denncia, no

    l

    de

    maio [dia do trabalhador, onde as Pastorais da

    regio organiz

    am

    eventos de

    protesto

    e

    reivindicao], da Gesto da Associao [no

    vinculada Prefeitura). (Integrante da P.O. na

    regio do Bairro 7 )

    Essa mediao permite prtica personalista que

    adquira legitimidade junto aos atores envolvidos na rede de

    relaes,

    j

    que, como foi dito anteriormente, aqui o

    atendimento s necessidades de servios pblicos bsicos

    j no encarado como um direito e uma prerrogativa de

    cidadania. Considerada neste momento, como mecanismo

    de manipulao poltica, essa prtica serve justamente para

    perpetuar a excluso das classes populares da arena do poder

    poltico local.

    Sabe

    porque

    qu e

    terrvel essa questo do

    vereador de bairro. Porque no tem um vereador

    para cada bairro, n? Ento, algumas regies

    da

    cidade ficam esquecidas, porque voc pode pegar

    por exemplo, por mais assistncia que eles deram

    pr

    aquela regio l

    [do

    bairro J ], lgico que o

    pessoal l ainda precisa de um monte de coisas,

    mas l eles ainda fazem alguma coisa, aqui no

    faz nada. Aqui na vila, o pessoal reivindica

    uma

    cancha de esportes, prs crianas brinc e no

    tem. O pessoal joga bola

    na

    rua . Ali, naquela regio

    do .

    ..

    )

    [bairro

    6 ],

    tem sete campo

    de

    futebol, eles

    construram ginsio de esportes, tem quadra

    .

    .

    Rev. Mediaes, Londrina, v. 2 n. 2 p. 41-56, jul./dez. 1997

    53

  • 7/23/2019 Neo-clientelismo e Cooptao Na Manuteno Do Poder Local

    14/16

    Quer dizer por qu? Da eles enfia na cabea das

    pessoas assim:

    -

    Tem

    que ter o vereador viu? L tem vereador e

    l funciona.

    Mas no tem como cada bairro ter seu vereador.

    (Ex-diretor da Associao dos Moradores do Bairro 2 )

    Do ponto de vista ideolgico, a maneira como se

    coloca a relao representante-representado dificulta a

    possibilidade de identificao

    do

    eleitor-sujeito com um

    grupo caracterizado por uma dada insero na estrutura

    social,

    ou

    seja, a identidade enquanto trabalhador ou mesmo

    enquanto cidado. Portanto, portador do direito de exigir

    providncias

    dos

    poderes pblicos

    de maneira clara

    (institucionalizada, prevista) e direta, sem a necessidade das

    mediaes populistas, que pessoalizam, no s um poder,

    que na essncia o poder

    de

    um grupo ou de uma classe,

    como pessoalizam tambm o poder do Estado, que deixa de

    ser o que : um poder estruturado que serve

    preferencialmente aos grupos dominantes da sociedade

    (SOBRINHO, 198-). Assim, o governo municipal aparece aos

    moradores dos bairros como uma rede de posies de poder

    (de um vereador, de uma liderana, de um secretrio, etc.),

    que pode garantir que se abra a porta de benefcios de vrios

    tipos e dessa maneira, proteger e abrigar os que lhe esto

    prximos.

    Eu acho que o prejuzo desses vereadores, que,

    quando

    chega

    o vereador

    acaba

    .

    Ningum

    reivindica. Ele chega, tudo ele. Ele que faz. Ele

    d o dinheiro. Ele d passe, paga o nibus pro

    pessoal ir para uma excurso. Qualquer coisa que

    o pessoal

    for

    fazer, eles vo atrs dos vereadores.

    Ento, o pessoal v os vereadores como algum

    que tem dinheiro para dar para eles, pr ajudar

    eles. Eles no vai na Cmara. A

    reunio

    da

    Associao [de moradores}

    sempre

    tem

    um

    vereador junto

    na reunio.

    As vezes at

    coordenando. Aqui no . .. ) [bairro

    5 },

    teve uma

    reunio da Associao e Moradores para discutir

    a questo da prestao das casa. O presidente do

    bairro, antes de comear a reunio, ele fal:

    - Passo a palavra pro . . ) [vereador 'F'}, antes

    dele falar nada.

    - Convidei vocs aqui e agora eu passo a palavra

    pro ( .. ) [vereador 'F'}, (que era o vereador).

    - Antes de qualquer discusso. (Integrante da

    P.O.

    na regio do Bairro 7 )

    Uma conseqncia

    seguinte

    relacionada ao

    clientelismo, mediado pelo vereador do bairro , o bloqueio

    da ao

    poltico-pedaggica inerente

    s prticas de

    organizao e ao coletiva das classes populares que se

    criam autnomas. No caso especfico, implica retardar os

    efeitos de transformaes poltico-institucionais que os

    movimentos populares produzem, tanto no avano da

    qualificao da atividade poltica destes movimentos, como

    no

    Estado, levando-o a incorporar, estruturando, demandas

    de cidadania social, valorizadas como ganhos da democracia.

    Ou

    seja, tais prticas clientelistas tornam mais difcil

    a possibilidade da participao comunitria e popular

    conceberem-se

    como um

    processo no

    qual as pessoas como

    membros de grupos sociais, alcanam desenvolver

    se plenamente, assumindo o poder de deciso em

    tudo

    que lhes diz respeito,

    defendendo

    seus

    interesses imediatos por intermdio

    de

    suas

    prprias organizaes. A ao comunitria livre

    uma forma de pedagogia do oprimido: ensina

    que a organizao uma forma de tomada do

    poder.

    (SOUZA e VIEIRA, 1984,

    p.

    98)

    Um dos entrevistados destaca essa conseqncia:

    Eu acho que uma das principais questes negativas

    disso tudo a no politizao do povo mesmo, o

    afastamento do povo da questo de

    participar

    mesmo da vida do bairro, da vida poltica, de ter

    informao, saber. Ter vida, entendeu? O bairro

    deixa de ter vida. (Ex-integrante da P.J. na cidade.

    Candidata a vereadora em 1992)

    H tempos a prefeitura mantm um programa de

    distribuio de tquete-leite para

    as

    fanulias pobres da regio

    em torno do Bairro 7

    .

    Ocorre que a distribuio do tquete

    realizada por uma liderana comunitria que, alm desta

    caracterstica, reconhecido como um inquestionvel cabo

    eleitoral do grupo poltico que comanda a gesto do

    municpio h trs pleitos. Inclusive a distribuio realizada

    a partir da casa desta liderana.

    Tal

    prtica tipicamente

    clientelista, e aqui conta com a mediao do preposto

    no

    bairro: um cabo eleitoral fiel, que certamente no deixar de

    lembrar ao pobre que vem em busca

    do

    leite, que este

    doao da prefeitura, e favor seu. O dbito est instalado,

    junto humilhao e perda de dignidade . Veja-se o

    comentrio que segue:

    Ento, as pessoas no crescem. Como voc vai

    crescer, se aquela pessoa t te dando o saquinho

    de leite. Se fosse uma

    coisa

    diferente; pela

    Associao de Moradores.

    Voc

    no pode comprar,

    mas voc pegou um tquete, e durante o ms voc

    ia na mercearia como qualquer

    outra

    pessoa,

    passasse

    pelo caixa e entregasse aquele

    papelzinho, voc tinha dignidade. Mas da forma

    que era feito , era tipo assim, para ganhar voto.

    Fica de favor, as

    pessoas

    no crescem, ficam

    dependentes daquilo. Acha que quem t dando

    t ... (Ex-integrante da

    P.O.

    na regio do Bairro

    1)

    Efetivamente, o que h uma obstruo de possveis

    canais efetivos de participao. Na verdade, aqui, esta no

    passa de uma farsa. Ela cultivada, enquanto e porque, no

    livre, autnoma. O governo local teme cercar-se pela

    cidadania organizada. (DEMO, 1990)

    Rev. Mediaes Londrina

    v.

    2 n. 2 p. 41-56 jul./dez. 1997

    54

  • 7/23/2019 Neo-clientelismo e Cooptao Na Manuteno Do Poder Local

    15/16

    E a gente, desde o comeo l

    por

    ser uma oposio,

    a gente no teve da questo da prefeitura, ns no

    tivemos espao nenhum. Isso no foi, de

    jeito

    nenhum, dado gente.

    ( . )

    Eles no iam receber

    mesmo que fosse um outro. No. Eles anulavam

    mesmo. Ignoravam..

    (Ex-moradora do bairro } .

    Integrante de C.E.B. na regio, no perodo de 1988 a

    1991

    CONCLUSO

    o surgimento dos novos movimentos sociais no Brasil

    (a partir da dcada de 70) est ligado tentativa de setores

    das classes populares de estabelecerem

    um novo equilbrio de foras entre Estado aqui

    entendido como o campo da poltica institucional:

    do

    govern