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10926 NEOLIBERALISMO, GLOBALIZAÇÃO, DESCONTRUÇÃO DO ESTADO- FISCAL E POLÍTICAS PÚBLICAS DE INCLUSÃO SOCIAL * NEOLIBERALISM, GLOBALIZATION, DESCONSTRUCTION OF THE FISCAL-STATE AND PUBLIC POLICIES OF SOCIAL INCLUSION Eloi Cesar Daneli Filho Liton Lanes Pilau Sobrinho RESUMO A conjuntura brasileira política e jurídica, bem como seu modo de produção, foram afetados de forma indelével pelos fenômenos da globalização, neoliberalismo, excessiva burocratização do Estado. Como consequência se fez sentir na esfera pública um enfraquecimento do Estado e na esfera privada um esquecimento dos deveres que acompanham a vida em sociedade marcada pela solidariedade social, próprios do Estado Social e Estado Democrático de Direito. O Estado-Fiscal é o desdobramento, na seara tributária, do Estado Social de Direito, uma vez que só por meio de tributos é possível implementar, materialmente os direitos sociais prometidos constitucionalmente. Ao cidadão brasileiro toca, em decorrência da adoção do Estado Democrático de Direito, o dever fundamental de pagar impostos, porém a má distribuição da carga tributária e a sua não-participação na discussão de políticas públicas tributárias faz ver que ainda não houve uma plena assunção da liberdade tributária. PALAVRAS-CHAVES: ESTADO, GLOBALIZAÇÃO, NEOLIBERALISMO, LIBERDADE TRIBUTÁRIA. ABSTRACT The Brazilian political and legal environment, as well it mode of production, have been so indelibly affected by the phenomenon of globalization, neoliberalism and excessive bureaucratization of the State. As consequence was felt in the public sphere a weakning of the State, on the other hand, in the private sphere, occurred a oblivion of the duties that follow the life in society marked by social solidarity, proper of the Social State and Democratic State of Law. The Fiscal-State is the unfolding, in the tax field, of the Social State of Right, since only by means of taxation is possible to implement materially the social rights promised constitutionally. To the Brazilian citizen burrow, in result of the adoption of the Democratic State of Right, the basic duty to pay taxes, but the bad distribution of tax charge and non-participation in the discussion of tax policy does not yet see that there was an assumption of the tax freedom. KEYWORDS: STATE, GLOBALIZATION, NEOLIBERALISM, TAX FREEDOM. * Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.

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NEOLIBERALISMO, GLOBALIZAÇÃO, DESCONTRUÇÃO DO ESTADO-FISCAL E POLÍTICAS PÚBLICAS DE INCLUSÃO SOCIAL*

NEOLIBERALISM, GLOBALIZATION, DESCONSTRUCTION OF THE FISCAL-STATE AND PUBLIC POLICIES OF SOCIAL INCLUSION

Eloi Cesar Daneli Filho Liton Lanes Pilau Sobrinho

RESUMO

A conjuntura brasileira política e jurídica, bem como seu modo de produção, foram afetados de forma indelével pelos fenômenos da globalização, neoliberalismo, excessiva burocratização do Estado. Como consequência se fez sentir na esfera pública um enfraquecimento do Estado e na esfera privada um esquecimento dos deveres que acompanham a vida em sociedade marcada pela solidariedade social, próprios do Estado Social e Estado Democrático de Direito. O Estado-Fiscal é o desdobramento, na seara tributária, do Estado Social de Direito, uma vez que só por meio de tributos é possível implementar, materialmente os direitos sociais prometidos constitucionalmente. Ao cidadão brasileiro toca, em decorrência da adoção do Estado Democrático de Direito, o dever fundamental de pagar impostos, porém a má distribuição da carga tributária e a sua não-participação na discussão de políticas públicas tributárias faz ver que ainda não houve uma plena assunção da liberdade tributária.

PALAVRAS-CHAVES: ESTADO, GLOBALIZAÇÃO, NEOLIBERALISMO, LIBERDADE TRIBUTÁRIA.

ABSTRACT

The Brazilian political and legal environment, as well it mode of production, have been so indelibly affected by the phenomenon of globalization, neoliberalism and excessive bureaucratization of the State. As consequence was felt in the public sphere a weakning of the State, on the other hand, in the private sphere, occurred a oblivion of the duties that follow the life in society marked by social solidarity, proper of the Social State and Democratic State of Law. The Fiscal-State is the unfolding, in the tax field, of the Social State of Right, since only by means of taxation is possible to implement materially the social rights promised constitutionally. To the Brazilian citizen burrow, in result of the adoption of the Democratic State of Right, the basic duty to pay taxes, but the bad distribution of tax charge and non-participation in the discussion of tax policy does not yet see that there was an assumption of the tax freedom.

KEYWORDS: STATE, GLOBALIZATION, NEOLIBERALISM, TAX FREEDOM.

* Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.

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1 INTRODUÇÃO

O neoliberalismo e a globalização, aliados ao aumento descontrolado de demandas sociais, excessiva burocratização dos aparatos estatais e outros fatores complexos, aproveitaram e de certa forma fomentaram uma crise assoladora do Estado do Bem-Estar Social e do Estado Fiscal no final do século XX e início do século XXI.

O Estado do Bem-Estar Social e o Estado Fiscal, assunto apresentado no item 1, guardam uma relação importante, uma vez que o primeiro tem atribuições e demandas sociais a cumprir que exigem uma arrecadação por meio de tributos própria do segundo.

Tanto o Estado do Bem-Estar Social como Estado Fiscal estão marcados de forma indelével pelo princípio da Solidariedade Social, que no campo tributário desdobra-se no princípio da capacidade contributiva. Contudo, como se verá no item 2, tal princípio, embora com previsão expressa no texto da Constituição Federal da República Federativa do Brasil (CF/88), ainda não se concretizou nos, com o perdão da palavra, bastiões do conservadorismo político brasileiro.

Ainda se vive sob a égide de um direito herdado pelo regime autoritário com uma marca, porém, dos ditames do ideário neoliberal e da globalização. O que resulta em um caminho oposto ao da distribuição justa dos bens ao qual o Estado deve se incumbir. Por isso, no terceiro item será feito, com arrimo nas idéias de Ost, um paralelo entre o texto bíblico do Êxodo e a assunção da responsabilidade pela liberdade tributária consubstanciada na CF/88.

No item 4 apontam-se algumas das causas do enfraquecimento do Estado (ideário neoliberal) e alguns de seus desdobramentos, para então, no item 5 apontar algumas alternativas a crise do Estado no campo tributário consubstanciadas na adoção da solidariedade social prevista na CF/88.

2 Estado-Fiscal

O Estado Fiscal resultou de um processo evolutivo histórico e está diretamente ligado ao Estado do Bem-Estar Social. No Estado Fiscal vislumbrou-se mudanças econômicas e políticas sem precedentes históricos consubstanciadas, primeiramente no desfazimento patrimonial do Estado no sentido de liquidação de imóveis principalmente. O Estado Fiscal reestruturou o modo de produção (capitalista) e erigiu o tributo como sua fonte de renda exclusiva e, também, como um dever dos cidadãos. [1]

Historicamente, o Estado Fiscal relaciona-se com outros marcos evolutivos do Estado. Em uma primeira fase, que vai do fim do século XVIII e todo o século XIX, período em que o Estado Liberal de Direito era o modelo adotado, o vulto das receitas é pequeno e as demandas sociais também. Nessa primeira fase do Estado Fiscal a marca indelével é a de que somente quem contribuía poderia votar, ou seja, a democracia era exercida por meio do chamado voto censitário. [2]

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No início do século XX a Primeira Guerra Mundial marcou senão um fim uma mudança radical do Estado Liberal de Direito e isso tudo repercutiu no Estado Fiscal. Dessa forma, então, se pode falar em uma segunda fase do Estado Fiscal. Fase esta marcada pelo sufrágio universal, não mais apenas os contribuintes votam, agora todos podem exercitar a democracia com a exceção do voto feminino que só mais tarde foi permitido. Outra característica do Estado Fiscal do primeiro pós-guerra e a sua relação agora com o Estado do Bem-Estar Social. Naquele contexto as receitas provenientes de tributos têm um grande crescimento pois o Estado chamou a si uma grande quantidade de deveres no campo social. Nesse momento histórico o imposto passa a ser uma ferramenta de importância única no combate as crises econômicas cíclicas, ou seja seu caráter extrafiscal é patente.[3]

No Estado Fiscal pode ser caracterizado pelo fato de que: a) todas as demandas sociais são realizadas pelo Estado e por seus órgãos restando pouco espaço para a prestação direta realizada pelo cidadãos; b) a pecúnia exigida dos cidadãos para dar aporte aos investimentos e demandas sociais, deveres do Estado, não são esporádicos como no Estado Patrimonial, são, sim regulares e estáveis; c) como o Estado (do Bem-Estar Social) avocou a si novas funções no cumprimento de demandas sociais, conseqüentemente irrompeu, também, uma necessidade maior de recursos financeiros, o que tornou o imposto “uma instituição política fundamental”; d) o imposto, por ser uma prestação compulsória, constitui um símbolo de soberania do Estado e é o tributo por excelência; e) o Estado Fiscal abre mão das chamadas receitas públicas originárias provenientes de atividade própria do meio empresarial mas realizada pelo Estado, por força do respeito constitucional da livre iniciativa; f) respeito pela propriedade privada e autonomia da vontade negocial, liberdade de trabalho, atividades que renderão ativos na forma de tributos ao Estado Fiscal; g) o funcionamento regular do Estado Fiscal depende de uma arrecadação de tributos que respeite o princípio da igualdade, da capacidade contributiva e da vedação de efeito de confisco.[4]

De todo o exposto acima é de se frisar bem que o Estado Fiscal guarda importantes ligações com o Estado de Bem-Estar Social e com o Estado Democrático de Direito. Contudo, com o demasiado crescimento populacional de países periféricos como o Brasil que, sem um crescimento correspondente na área social, tudo isso aliado ao aumento de demandas sociais. De outro lado, e também como conseqüência, uma crise do Estado Fiscal e do Estado de Bem-Estar Social verificados globalmente.

O Estado Fiscal tem uma ligação fundamental com o valor solidariedade, que é o princípio da capacidade econômica ou da capacidade contributiva. Tal princípio implica em uma distribuição mais justa do peso dos impostos dentre os cidadãos contribuintes.[5] O valor solidariedade é o que se verá a seguir.

3 Tributação e Solidariedade Social

A idéia de solidariedade tem presente a idéia de união e de cooperação no enfrentamento de problemas comuns das pessoas na vida em sociedade. A idéia de solidariedade também está associada ao valor fraternidade.

Em linha de princípio, o valor “solidariedade” está registrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Em seu preâmbulo diz serem todas as pessoas

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são “membros da família humana”. No artigo primeiro encontra-se dispositivo onde se vê que toda a ação humana deve estar marcada pelo “espírito de fraternidade”.

A fraternidade, a liberdade e a igualdade constituem os princípios históricos do liberalismo em suas lutas contra o absolutismo e o obscurantismo do período medieval.[6] No entanto, na modernidade o valor solidariedade sempre esteve associado à caridade.[7]

A República Federativa do Brasil adota na Constituição Federal de 1988, como matrizes políticas princípios fundamentais que, dentre outros, destacam-se, para o fim deste artigo, os da cidadania, da livre iniciativa e do trabalho e do pluralismo político; autodenominando-se Estado Democrático de Direito, erige como objetivos construir uma sociedade livre, justa e solidária, bem como erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais.

No âmbito internacional o Estado brasileiro orienta-se, dentre outras, por uma política de pacífica de solução de conflitos. O que não significa que internamente a solução de conflitos se dê de forma não-pacífica.

No artigo 5°, inciso XXII, a Constituição Federal elege como direito fundamental o direito de propriedade, condicionando-o, contudo, a sua função social.

Adiante, no texto da Carta Magna, estão previstos os direitos sociais da saúde, educação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, bem como a assistência aos desamparados.

No artigo 48, que arrola as atribuições do Congresso Nacional, vê-se no inciso I que o Poder Legislativo da União, detém a atribuição de dispor acerca da distribuição de rendas. O que significa que esse poder está legitimado a estabelecer políticas públicas visando uma distribuição de renda.

Além desses, ainda, de fundamental importância a menção do artigo 170 e seus incisos. Dispositivos que apontam os princípios da ordem econômica voltados para a valorização do trabalho e da livre iniciativa tendo como fim a garantia de uma existência humana digna conforme os ditames da justiça social. Nos artigos, novamente, dentre outros, estão arrolados a propriedade privada e sua respectiva função social e a livre concorrência.

Desse sobrevôo panorâmico sobre a alguns pontos específicos da Constituição Federal, pode-se concluir que o Estado Democrático de Direito brasileiro está orientado politicamente segundo valores de uma democracia solidária.

Tal orientação, repise-se, a de uma democracia solidária, indubitavelmente se projeta para as normas constitucionais acerca de tributação. Pois, em sendo o Estado Democrático de Direito o resultado de uma evolução histórica do Estado moderno,[8] e deixando-se de lado a peculiaridade do caso brasileiro que difere do modelo clássico europeu[9], e que, além disso, o Estado Democrático de Direito brasileiro está em construção pelos seus cidadãos, há que se assinalar para o fato de que no Brasil hodierno há uma forte orientação Social-democrática.

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Social-democracia consiste, segundo Settembrini, em movimento socialista dentro de Estados com instituições liberal-democráticas que aceitam, limitadamente, o mercado e a propriedade privada.[10]

Mais especificamente, social-democracia poderia ser explicada como um meio termo entre Estados em que o modo de produção capitalista não sofre nenhum tipo de limitação, e um Estado em que há o chamado socialismo real. Esse tipo de movimento tem lugar nos Estados em que o poder político tem interesse político no sentido de coibir a revolução armada na conquista das melhorias sociais reivindicadas pelas classes trabalhadoras.[11]

Em termos de vanguarda no movimento social-democrático, destaca-se o Estado alemão. Que por situar-se geograficamente entre os Estados europeus ocidentais e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS, viu-se extremamente pressionado pelas duas correntes, o que mais tarde teve como conseqüência o surgimento do fascismo como tentativa de barrar a evolução do comunismo.[12]

O movimento político social-democrata caracteriza-se então pela diferença quanto aos meios empregados para a conquista de melhorias para sociedade. Ao contrário de movimentos exclusivamente liberais em que o capitalismo, a produção e o indivíduo estão em posição de supremacia, e, também, opondo-se aos movimentos revolucionários anárquicos baseados na doutrina leninista que privilegiavam a igualdade, o coletivo e inexistência de propriedade privada em favor da propriedade exclusiva dos bens pelo Estado, a Social-democracia prega a observação das regras democráticas, para que um dia o socialismo ideológico de Marx fosse alcançado.[13]

As conseqüências do embate ideológico que, de um lado, davam maior ênfase a liberdade (capitalismo), e, do outro, à igualdade (comunismo), são bem conhecidas. Foi nesse contexto que a Segunda Guerra Mundial se deu com toda a sua complexidade no que se refere às questões envolvidas seja no âmbito político, religioso, étnico e econômico.

No pós-guerra que a Social-democracia encontrou substrato favorável em inúmeros Estados da Europa. A experiência dos Estados da península escandinava, que logo depois da Alemanha, bem como depois do deslinde da Revolução Russa, no período entre-guerras, destacou-se pela adoção de políticas públicas caracterizadoras do movimento social-democrático.[14]

No segundo pós-guerra a Social-democracia veio a preencher um espaço importante nos Estados Ocidentais, que se viam preocupados com o desgaste das relações entre os interesses dos trabalhadores e dos capitalistas. Uns adotaram a Social-democracia em uma amplitude maior. Já outros, em especial o Brasil, a adotaram porém de forma precária e sem respeito estrito às regras do jogo democrático.

Nesse contexto também surgiu a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 que buscou definir os direitos fundamentais do homem estabelecendo princípios que conduziriam os Estados signatários na escolha de novos paradigmas ideológicos e políticos.[15]

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No Brasil a efetiva redemocratização ocorreu somente em 1988 com o advento da nova ordem constitucional. Nessa perspectiva, pode-se dizer que o Brasil entrou para o rol dos Estados em que o movimento social-democrático encontra-se em andamento em algum grau. Esta afirmação se sustenta com base acolhida pela Constituição dos Princípios contidos na Declaração Universal de Direitos.

A teoria da justiça de Rawls data do início da década de 1970, concebida com a influência das idéias de Rousseau, Kant e Locke, sustenta que a vida em comunidade funda-se num conjunto de motivos individuais ensejadores de uma associação política, a Sociedade e o Estado. Nessa conjuntura, é que as pessoas buscariam os princípios de uma sociedade justa.[16]

O neocontratualismo apresentado por Rawls apresenta uma versão liberal da sociedade por considerar a distribuição de bens existente como “fato consumado” em que:

no qual a maximização das expectativas a longo prazo dos menos favorecidos justifica a “sorte” dos mais favorecidos e, sobretudo, porque define a injustiça não como desigualdade, mas como “desigualdade excessiva”, na qual o princípio da mútua vantagem foi violado.[17]

O que se vê na atualidade, ao contrário do que pregava Kelsen em sua teoria pura do direito, é que o Direito está impregnado de moral, política, ética etc.. A própria teoria da justiça de Rawls leva muito em consideração essas circunstâncias, uma vez que a escolha das pessoas por princípios que permitam uma diferenciação entre a distribuição de bens é em si uma escolha política que leva em conta a moral na escolha do direito, das regras e dos princípios.

Nesse sentido, a opção feita pela sociedade brasileira no final da década de 1980 foi a de não romper com o modo de produção capitalista e ao mesmo tempo buscar uma pacificação social por meio de um tratamento com igualdade de ânimo as candentes questões da distribuição de riqueza, de terras, redução de desigualdades, erradicação da pobreza.

Conclui-se então que a sociedade pela representatividade dos congressistas que compunham a assembléia nacional constituinte, optaram pela adoção de princípios de justiça contemplativos do princípio da solidariedade.

Também, é de se ressaltar, que a solidariedade brota da Constituição da República Federativa do Brasil em vários momentos na questão relativa aos tributos e o princípio da capacidade contributiva. Isso se diz em caráter meramente teórico uma vez que o Supremo Tribunal Federal decide ainda de forma incipiente nessa seara.[18]

É nesse sentido que se concorda com Godoi, ao explicar que a solidariedade, no sentido de uma postura mais exigente, vai além de um sentido apenas de fraternidade caritativa, chega a uma efetiva implantação de um sistema de justiça social, pois:

Uma das premissas da teoria de Rawls é de que a justiça é uma virtude que se predica não de uma norma isolada (como supunha Kelsen em suas investigações sobre o problema da justiça) mas de um conjunto de normas e instituições que governam determinada sociedade.[19]

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Crítica contundente que se faz à teoria da justiça de Rawls é a de que:

Centram-se basicamente na sua ordem hierárquica de princípios, que não se apresentam como meios para “impulsionar a reparação das injustiças distributivas historicamente acumuladas, mas para dar como justa uma determinada distribuição actulamente existente.[20]

É nítida a opção por um sistema político-jurídico-econômico que não rompesse de forma abrupta com os interesses econômicos e políticos das elites hegemônicas que até hoje determinam os rumos do país. Contudo, as mudanças de um quadro social de profunda desigualdade, lentamente vai se modificando. Não sem discussão. É por isso que é possível sustentar que o Brasil de forma deliberada adotou a Social-democracia como forma de sustentar o capitalismo e os interesses dominantes tendo como viés o objetivo de reformar a sociedade pacificamente.

Tudo isso se disse para chegar ao ponto de que o Estado brasileiro, sem nunca ter sido um Estado de Bem-estar Social, é hoje um Estado Democrático de Direito (em construção) e tem inúmeras atribuições constitucionais em termos de prestações ativas a fim de viabilizar os direitos fundamentais de seus cidadãos.

Contudo, existem os pouco falados deveres fundamentais, dentre eles está o de pagar impostos (assim como existe o de respeito à propriedade). Dessa forma, como ensina Nabais:

(...) há que se ter em conta a concepção de homem que subjaz às actuais constituições, segundo a qual ele não é um mero indivíduo isolado ou solitário, mas sim uma pessoa solidária em termos sociais, constituindo precisamente esta referência e vinculação sociais do indivíduo – isolado ou solitário, mas sim uma pessoa solidária em termos sociais, constituindo precisamente esta referência e vinculação sociais do indivíduo – que faz deste um ser ao mesmo tempo livre e responsável – a base do entendimento da ordem constitucional assente no princípio da repartição ou da liberdade e de responsabilidade, ou seja, um ordem de liberdade limitada pela responsabilidade. Enfim, um sistema que confere primazia, mas não exclusividade, aos direitos face aos deveres fundamentais (...)[21]

No sentido do discurso do autor mencionado acima, a solidariedade tem de forma efetiva um elemento que constrói o discurso jurídico hegemônico enquanto o processo de pluralismo jurídico toma forma, já que “o direito não se resume aos atos do legislador”, e, também, a efetividade social é um elemento fundamental para a interpretação da norma.[22] Vive-se um momento de “substituição do paradigma liberal-burguês (proteção do indivíduo contra o poder do Estado) pelo paradigma da solidariedade”[23].

A solidariedade social, então, deve estar presente na escolha também das políticas públicas de inclusão social no Estado Democrático de Direito em construção pelos seus cidadãos. Tudo isso se conclui de um raciocínio jurídico e interpretativo do texto constitucional.

Muito embora o princípio da solidariedade social seja, sem sede teórica, uma matriz norteadora do Sistema Tributário Constitucional brasileiro, não significa que ele

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seja orientador das políticas públicas fiscais no território nacional. Muito pelo contrário, o que ocorre é um enfraquecimento do Estado Fiscal brasileiro, que está, como se disse, estruturado para ser um Estado Democrático de Direito. Doutrinariamente se tem tratado o tema como resultado de um processo de enfraquecimento do Estado causado pelo fenômeno da Globalização e da aplicação de medidas econômicas neoliberais. Com a República Federativa do Brasil os fatos assim também se sucederam, uma vez que esta não está imune à influência dos caminhos apontados pela política internacional.

Na seqüência será estabelecido um paralelo entre a narrativa bíblica do Êxodo e o acolhimento e aplicação dos princípios constitucionais de direito tributário como a solidariedade e capacidade contributiva.

4 Constituição de 1988: a lei libertadora?

A Constituição da República Federativa do Brasil (CF/88), como se disse abrigou importantes compromissos sociais entre as diferentes classes sociais brasileiras. Contudo, no que tange a matéria de políticas públicas tributárias, questiona-se a efetividade de tais pactos no sentido de acolhimento e cumprimento dos princípios orientadores como é o caso do princípio da capacidade contributiva, corolário do princípio da solidariedade.

Nesse quadra, indubitavelmente, pode-se estabelecer um paralelo entre a idéia preconizada por François Ost no texto em que estabelece relação entre uma lei faraônica e uma lei libertadora.[24]

No capítulo I da obra “Contar a Lei: as fontes do imaginário jurídico”, Fraçois Ost, diz que a lei, em oposição ao direito subjetivo (individual), é donde principia o direito nos países de tradição romano-germânica (Europa Continental). A lei tem a força de “fazer a justiça”.[25]

É depositada toda a confiança da feitura da justiça no ditame escrito, pois, indubitavelmente, a lei haverá de ser perfeita. Ora dádiva divina, ora produto de pesquisa nas bibliotecas da antiguidade (lei romana), para posteriormente ser considerada fruto da razão humana ou da interação comunitária, a lei necessariamente é “outorgada” por um ator fora do comum. Haveria, dessa forma, um “mito da lei perfeita”.[26]

Na senda da lei perfeita, o autor propõe uma releitura do texto bíblico em que é narrada a “doação da lei pelo próprio Deus ao povo judeu”. Com esse desiderato, conduz o leitor explicando que o estudo dessa passagem conduzirá a uma grande mudança do entendimento acerca do “mito da lei perfeita”. Assevera que duas descobertas são fundamentais para o entendimento proposto no texto: a) a de que a lei perfeita, que veio de cima, isto é, dada por Deus, (“idéia de heteronomia”) está imbricada com a idéia de autonomia (idéia de lei dialógica), uma vez que imprescindível a participação do mediador (Moisés) no processo de construção e conclusão do texto legal; b) as prescrições contidas no texto legal importam menos que “as condições de recepção da lei”.[27]

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O âmago do texto bíblico, no sentido de sua contribuição à teoria moderna da lei, mostra o processo pelo qual o povo hebreu se livra da servidão confiando numa promessa de liberdade com a contrapartida da responsabilidade, por meio de um processo dialógico-construtivo de um texto legal.[28]

O contraponto da idéia de uma lei outorgada por um personagem divino, está a fábula platônica que narra o episódio em que os homens recebem dos deuses dádivas com o objetivo de vencerem as adversidades da natureza e do convívio humano.[29]

Nesse texto conta-se que o homem, por ter sido o último, não lhe tocou nenhum dos dons distribuídos por Epimeteu. Então, pela intervenção de Prometeu, o homem recebe o fogo e o dom das artes. Todavia, os homens viviam em constante ameaça. Se, por um jeito, optavam em viverem isolados eram presas de feras, por outro, se conviviam em cidades, brigavam uns com os outros. Diante dessa conjuntura Zeus enviou Hermes para que dotasse todos os homens dos dons “respeito” (aidos) e “justiça” (dikè).[30]

Ost aponta duas linhas de aprendizado do mito grego fundante do mundo. Primeiro, ao contrário do esperado, explica que Zeus não deu um código de leis pronto aos homens para que convivessem em paz e prosperassem. Deu-lhes valores orientadores da relação dos homens entre si e civilidade para respeitarem as leis por eles mesmos escolhidas. Segundo, há também nesse texto uma relação entre a lei como “presente divino” (heteronomia) e a lei como fruto de uma deliberação política (marcada pela autonomia). Zeus não deu a lei, “mas a relação com a lei”, havendo a necessidade de que todos participem da “definição do bem comum”.[31]

O autor também traz a lume a lenda ameríndia do povo iroquês, cristalizada na tradição oral, que conta que um personagem chamado Tekanawita, de etnia diferente da iroquês, ele era huron, “deu a lei aos iroqueses”. Tal narrativa conta que esse personagem pacificou e confederou as nações iroquesas plantando “a Árvore da Grande Paz”.[32]

Dos relatos apresentados, Ost assevera que o destaque, em todos, está “mais nas condições de acolhimento da lei do que no detalhe de suas prescrições”. O mais importante, segundo o autor, é dirigir a capacidade mental que propicia a representação de conceitos e idéias, no sentido de criar um mito fundante em que as pessoas viveram em harmonia. O processo é contínuo, no memo momento em que é instituído tal mito fundante, e por consequência sua comunidade e sua lei, a “desinstituição” da comunidade tem início, uma vez que há o corrompimento da lei.[33]

Dessa forma pode ser encarado o fenômeno da Globalização e a implementação de políticas públicas prescritas pelo do ideário neoliberal no Brasil no período posterior a promulgação da CF/88 com as políticas de privatizações e de pregações do Estado mínimo em sede de retorno.

Ademais, quando a lei é corrompida por facções e tiranos, abre-se espaço para a contestação da lei em suas origens, de modo que são vistas apenas como mantenedoras da situação e do contexto. Crítica contundente a lei é também aquela em que se combate suas ambições reformadoras, porque vergastam a tradição e os costumes arraigados. Há também a crítica dirigida aos abusos cometidos a pretexto do cumprimento da lei.

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Existem os que combatem a aplicação “mecânica e literal” da lei, como também os que, céticos, não acreditam que sua mudança trará algum benefício. Outros, ainda, asseveram que a lei se faz necessária, eis que, sem ela, seria o caos entre o homens.[34]

Por isso, “é importante sempre retomar, com um novo esforço, o empreendimento de fundação das leis”, nessa perspectiva é que o autor coloca a releitura do Êxodo.[35] Tal releitura do Êxodo, leva François Ost a concluir que em verdade não se trata de uma simples “afirmação autoritária da lei”, uma imposição de cima para baixo (processo heterônomo), mas trata-se, sim, de uma “aliança” (processo dialógico).[36]

Por isso, assegura Ost, esteiado em argumento de Montaigne, que sem as leis os homens dariam cabo de si próprios, daí a importância da retomada constante da refundação do edifício da lei.[37]

Daí, também, a retomada do texto sagrado do Êxodo para estabelecer um contraponto que François Ost denomina de “O Sinai ou a lei negociada”[38] a fim de por a lume eventual processo dialógico existente na formação/dádiva do texto dos Dez Mandamentos.

Para isso o Autor percorre um caminho em que se vislumbra que “Reler o Êxodo”[39] implica em compreender que ocorre o surgimento de um Deus diferente, mais próximo do povo de Israel. Diferente, pois não mais como uma “onipotência divina natural, cósmica, astral”, traduzido numa condição humana de “poder arbitrário e ciumento”. Deus, segundo a interpretação dada por Ost ao texto bíblico, iria “começar uma história” com o povo de Israel por meio de uma proposta de aliança assimétrica que foi aceita como lei comum. De um lado Deus oferece a terra prometida (liberdade) e renuncia à vingança e à cólera[40], por outro os próprios homens comprometem-se a cumprir as condições impostas por Deus em benefício deles mesmos (Dez Mandamentos). Vê-se aí, pelo pensamento guia de Ost, que necessariamente há uma reciprocidade de promessas.[41]

Essa releitura do episódio bíblico também implica o desapego do homem da “lei opressiva” e o efetivo apego da liberdade responsável. A simbologia bíblica demonstra tal desapego da lei do Faraó com a passagem do Mar Vermelho e a travessia do Deserto. Quer dizer, então, que o povo de Israel ao cruzar sob as águas do Mar Vermelho rompeu com a servidão/escravidão e submissão imposta pela lei faraônica. Ganhou daí a liberdade do deserto e sua árdua travessia. A liberdade do deserto foi recebida por todos e exercida coletivamente por uma quantia de pessoas que, supõe-se, fosse grande, daí não se poder dizer que houve uma liberdade com exercício em “espaço robinsoniano do solipsismo”. A liberdade de cada um estava tolhida, limitada, pela esfera de liberdade do outro. Nesse contexto, então, não há que se falar de uma liberdade irresponsável, mas sim a existência de uma “dialética da autonomia e da heteronomia”, em que “a liberdade, a lei e a aliança se condicionam reciprocamente”.[42]

Da narrativa contida no Êxodo se depreende um processo de “aprendizagem da liberdade e da responsabilidade para o homem, renúncia à cólera e à vingança para Deus, instituição progressiva do povo que passa da condição de massa ou de rebanho à de grupo instituído”.[43]

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Ost aponta a hipótese: “é somente pela operação de uma dialética (...) histórica [narrativa]” (...) que o “engendramento recíproco da lei e da liberdade, a interação da auto e da heteronomia” (...) “podem (...) começar a ser compreendidos”.[44]

Assim, para a compreensão da hipótese, assinala que é importante o fato de a lei e a aliança do Sinai estarem inseridas num contexto de sucessão de outras leis e alianças mais antigas. A antecedência da lei se sobressai como “condição e possibilidade do direito”. O segundo aspecto que corrobora a hipótese do autor é que o modelo bíblico é “essencialmente narrativo”.[45]

A conclusão é de que o texto é prescritivo e só é produzido e reproduzido de modo narrativo, isto é, pela leitura, debate, interlocução, podendo, de igual forma descambar para o campo da transgressão, ou, ainda, ser interpretado de acordo com o contexto de quem o lê, podendo, aí, sofrer reformulações. Há o risco. Ainda em caráter conclusivo, a propriedade do texto do Êxodo é de produzir-se como discurso de efetuação.[46]

A saída do Egito para a liberdade do deserto com suas armadilhas e sofrimentos provocou em muitos homens a vontade de estarem novamente sob o peso dos grilhões egípcios.

François Ost apresenta como o Êxodo como a primeira vez que o absolutismo divino e cosmocrata é desafiado de forma aberta por um povo que se levanta contra o déspota e reclama sua liberdade como direito.[47]

A travessia do deserto, como já se afirmou anteriormente, constitui simbolismo bíblico que pode ser traduzido, como quer Ost, na gravação dialógica da lei nas Tábuas dos Mandamentos. Tal símbolo deve ser descrito como a dificuldade de transmutação de um modelo baseado na tradição que consistia em uma conformação do povo de Israel com sua situação miserável de escravidão no Egito. Em tal contexto o povo hebreu acreditava em um Deus vingativo, colérico e pouco preocupado com a condição humana. O povo de Israel, conformado com a tirania da lei opressora do Faraó, contentava-se com o alimento e a sombra oferecida, ao que, em contrapartida, dava sua submissão. Ao enfrentar o deserto avoca para si um pressentimento de direito, quer se libertar da opressão, mesmo sabendo do preço alto que viria a pagar pelos anos vagando no deserto. O sofrimento decorrente do fato de encararem a realidade na esperança da terra prometida faz com que alguns sintam saudades da condição cômoda e submissa dos tempos de escravidão no Egito.[48]

O episódio do Sinai “se trata de uma negociação a propósito de uma codificação”. Na opinião de François Ost, amparando-se em Draï, a história do Sinai constitui um precedente histórico do contrato social.[49]

Como se escreve a lei que liberta é a pergunta que o autor faz para delinear o processo dialógico descrito. Em resposta aponta, “toda a formação unilateral da lei se expõe a um fracasso. O texto só ganha corpo ao cabo de várias formulações: ele é uma criação sempre inacabada, por isso não pode ser obra de um Deus solipsista cujos trabalhos são inalteráveis intangíveis.”[50]

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Moisés foi um personagem que mediou um conflito muito importante na história, entre o próprio Deus e seu povo. A crise instaurada provocou o surgimento de um novo povo e de um novo Deus.

A história do processo constitucional brasileiro pode ser colocada em analogia ao pensamento de Ost transcrito acima, principalmente no que diz respeito a matéria tributária e os princípios constitucionais que a orientam. O próprio princípio da solidariedade é ainda uma promessa visto que, apenas incipientemente, é acolhido e aplicado na formulação da legislação dos tributos e nos julgamentos de lides tributárias.

No Brasil, devido a tradição positivista hegemônica na doutrina do Direito Tributário, e também em razão do autoritarismo iniciado com o golpe de Estado de 1964, que acabou por gerar uma postura garantista conferida ao Direito Tributário, ou, por outro lado, pela visão restritiva e reacionária da maioria da doutrina em relação ao direito tributário de outros países, o princípio da solidariedade não é bem compreendido.[51]

Então é de se concluir que os cidadãos brasileiros ainda estão a cruzar um grande deserto no que diz respeito ao avocamento de uma responsabilidade pelo pagamento de seus tributos com justiça. Não chamam a si esse dever, pois o modo como o governo conduz as políticas nessa área não alberga os ditames da justiça social, o que facilita e torna endêmica práticas sonegatórias e de guerra fiscal por exemplo.

Nesse sentido, pode-se falar em uma continuidade com a ordem jurídica anterior autoritária, e por um outro modo, de uma ruptura com a solidariedade tributária em face do ideário neoliberal e sua política de distribuição de renda às avessas que solapou o Estado de Bem-Estar Social e o Estado Fiscal brasileiro.

5 Causas do enfraquecimento do Estado Fiscal: o ideário neoliberal.

O conservadorismo político apregoa que o modelo de Estado do Bem-Estar Social constitui uma estrutura falida e que só vem em prejuízo da sociedade e do mercado. Buffon explica que essa concepção é fundamentada em três argumentos importantes:

a) o desequilíbrio orçamentário decorrente da expansão dos gastos sociais do Estado produz déficits públicos, que penalizam a atividade produtiva, provocam inflação e desemprego; b) a amplitude dos programas sociais, no plano político, implica significativa regulação e intervenção do Estado na vida social, reduzindo a democracia e tendendo para um autoritarismo ou totalitarismo; e c) os programas sociais estimulariam a passividade e a inatividade do cidadão, pois eliminariam os riscos, feririam a ética do trabalho e comprometeriam o mecanismo de mercado, à medida que reduzem a competitividade da mão-de-obra.”[52]

O ideário neoliberal trouxe a idéia de que para que o houvesse uma expansão do capital e que o bolo crescesse antes de ser dividido entre os cidadãos, seria necessário que as medidas políticas tomadas permitissem o encadeamento das situações seguintes:

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a) a diminuição do Estado com processos de privatização, permitindo que o setor privado pudesse atuar naqueles setores onde o Estado era concorrente ou único ator, sendo que com a diminuição do Estado, inclusive nas suas prestações sociais fundamentais, passa a ser possível; b) a diminuição ou eliminação dos tributos de capital, deixando que a classe assalariada arque com o que subsiste dos serviços públicos (os dados do período Reagan nos EUA ilustram esta afirmativa); c) o enfraquecimento dos sindicatos para minimizar a pressão sobre o valor do trabalho, que ameaçaria os lucros crescentes; d) a substituição gradual do trabalho humano pela automação (o capital tem investimento maciço em serviços e bens sofisticados para ampliação dos lucros aumentando o consumo sem aumentar os consumidores, permitindo assim, a geração do desemprego, o que pode parecer incompatível); e) a diminuição dos salários; f) a diminuição dos direitos sociais especialmente os direitos constitucionais do trabalhador, o que significa um retorno às características da terceira fase evolutiva do Estado.[53]

O Estado do Bem-Estar Social foi então considerado culpado por toda a crise instalada. Acusado de desestimular valores como o trabalho e a livre iniciativa. Nessa seara, debate gira em torno da supremacia da lei e da ruptura que se verifica por força da desregulação estatal diante das demandas sociais, providas outrora pelo Estado. Tal conjuntura, serve de substrato fértil para que logre a proliferação de direitos não oficiais ou marginais. Hodiernamente se estabelece uma renovada discussão acerca das características e elementos do Estado-nação e sua relação com os direitos humanos. Fabiana Marion Spengler chama a atenção para a crise estrutural, política (atinge a democracia representativa, o sistema partidário e eleitoral, etc.), e a crise funcional (seus aspectos são refletidos no Legislativo e na Jurisdição).[54]

Buffon adverte que a crise estrutural do Estado pode ser entendida como “causa da emergência do denominado neoliberalismo econômico”, bem como, também é possível argumentar que o ideário neoliberal contribui de forma decisiva para a estruturação do modelo globalizante que não respeita as questões sociais, uma vez que projetado com a finalidade precípua de não-intervenção Estatal.[55]

É nesse sentido que o mesmo Buffon esmiúça o assunto em outras palavras:

Noutros termos, o novo ideário surge a partir da crise do Estado e serve de fundamentação ideológica para a construção de um processo - em escala mundial – que rompe com quase todos os dogmas outrora existentes. Nesse cenário, pois, emerge a ‘globalização’.[56]

Tudo o que se disse acima faz parte do receituário neoliberal de políticas, essa como doutrina fomentou um pensamento de desnecessidade de pagamento de tributos (antifiscalismo), pretendendo que os Estados exijam cada vez menos impostos, que o próprio Estado seja cada vez mais ausente e o mercado, por sua vez passe a controlar com sua lei, cada vez mais. Quebrando com os princípios do keinesianismo.[57]

Essa forma de conduzir a política tem um indubitável destino: o Estado-mínimo. Essa perspectiva é vislumbrada em diversas áreas do Estado mas se nota com muito

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mais nitidez no “modelo tributário” construído a partir do paradigma liberal. Nesse sentido é que o autor assevera que:

Sob a ótica da tributação, assiste-se a um processo de desintegração dos valores e princípios construídos ao longo da história do Estado do Bem-Estar Social. Passa-se a questionar a conveniência de princípios de tributação tidos como inerentes à existência desse modelo de Estado. Passa-se a questionar a validade de princípios como a da progressividade, da igualdade material e da capacidade contributiva, até então entendidos como dogmas de um sistema tributário justo (adequado ao Estado Democrático e Social de Direito).[58]

Contudo, o Estado “é uma realidade criada pela própria sociedade civil para desenvolver determinadas tarefas, dentre elas tomar decisões que atendam seus interesses”.[59] Por outras palavras, o Estado vai intervir em favor dos interesses dos cidadãos na medida da força social legitimadora que a cidadania lhe deposita. O Estado Contemporâneo deve ser analisado sob o prisma do contexto social atual, sem deixar de lado suas mudanças econômicas, e suas crises cíclicas. Fatores que serviram de canteiro fértil de Estados que se intrometeram e regularam suas economias atendendo demandas sociais como o trabalho, a educação e saúde. Atualmente e cada vez mais o Estado busca uma descentralização por força de sua pouca habilidade em “suprir suas funções refletidas na perda de sua legitimidade e na debilitação de sua própria existência”.[60]

6 Políticas públicas fiscais de inclusão social

Se estar envolvido com os problemas da comunidade e tentar resolvê-los de acordo com as regras do jogo implica em uma união com responsabilidade, o ideário neoliberal trabalha com a lógica inversa: tenta dividir para conquistar. Todo esse debate, além de estar pautado pela confiança, regras de reciprocidade e estímulo de normas oriundas da sociedade e, portanto, não-positivas, segue algumas regras de ciência política.

O termo Política Pública dá a idéia do âmbito do público e dos problemas que lhe são atinentes. No dizer de Schmidt:

Uma formulação atualizada e que mostra a relevância das políticas para orientar a ação do governo e da sociedade consta em documento do Ministério da Saúde (2006, p. 9): Políticas públicas configuram decisões de caráter geral que apontam rumos e linhas estratégicas de atuação governamental, reduzindo os efeitos da descontinuidade administrativa e potencializando os recursos disponíveis ao tornarem públicas as intenções do governo no planejamento de programas, projetos e atividades.[61]

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Políticas públicas fiscais de inclusão social estão enquadradas na classificação como políticas macroeconômicas. Via de regra são definidas por um pequeno grupo de técnicos e ratificadas pelo Poder Legislativo sem maiores questionamentos quando o caso não for de aumento de impostos ou criação de algum novo tributo.

Considerando o até agora sustentado, propõe-se, corroborado por doutrina, a inserção de alguns assuntos da agenda política, para que, com o processo e o debate cada vez mais amplo, haja a futura implementação como políticas públicas de efetiva inclusão social.

A capacidade econômica de contribuir com tributos nunca foi prestigiada no Brasil, quando se trata de estabelecer impostos. Veja-se o caso do imposto de renda, legalmente só possui duas alíquotas e seus debates restringem-se, fora do Congresso Nacional, apenas a negá-lo e dizer que é muito alto e injusto. O pior é que realmente é alto e injusto porque apenas alcança algumas classes da sociedade não alcançando outras, e alcançado as mais elevadas de forma bem menos agressiva.

Nesse sentido, quando ao imposto incidente sobre rendas de pessoas físicas o debate deve se dar no sentido de explicar que a existência de um maior número de alíquotas mais pessoas contribuiriam com uma menor parcela. De forma oblíqua dar-se-ia combate a sonegação e ao Estado caberia um volume maior de arrecadação.

Outro tributo que merece destaque num amplo debate nacional acerca de políticas tributárias é o imposto sobre heranças e doações “que atualmente não apresenta qualquer função extrafiscal de redistribuição de riqueza”[62]. Esse tipo de imposto comporta uma progressividade de alíquotas que tornaria a distribuição de riqueza mais solidária.

A solidariedade na tributação está diretamente relacionada com as políticas públicas fiscais de inclusão social. E a Constituição de 1988 oferece inúmeros instrumentos para a inserção dessa discussão na agenda política e debate a nível nacional.

Dentre as regras de direito tributário constitucional brasileiro o Imposto Territorial Rural é o que mais apresenta possibilidades de implementação de políticas públicas solidárias. Contudo, esse tributo está relegado a cobrança por parte dos Municípios e seus “poderes especiais” não estão em nada sendo utilizados.[63]

A democracia liberal (representativa) sempre demonstrou pouco interesse pelo Direito Tributário Solidário (acha que é coisa de comunista), sem sequer ter regulamentado ou legislado sobre impostos incidentes sobre grandes fortunas.

Com isso também concorda Buffon, que sustenta que a área tributária é o terreno mais propenso para a implementação de políticas públicas de resgate da solidariedade social tão vergastada pela política neoliberal realizadora de uma distribuição de renda às avessas, isto é, mantendo o muito na mão de poucos e retirando o pouco da mão de muitos. Nesse sentido, aponta que a carga tributária “deve estar adstrita à capacidade econômica do contribuinte” e, ainda, “quando não adstrita à efetiva capacidade contributiva, deve visar à concretização de um objetivo constitucionalmente posto (extrafiscalidade)”. [64]

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A saída da crise do Estado Fiscal e do Estado do Bem-Estar Social já foi posta na CF/88, contudo o texto sozinho nada fará para um crescimento econômico ou para efetivação de direitos fundamentais. É necessário uma tomada de decisão equiparada a do povo de Israel que assumiu a responsabilidade por sua liberdade.

7 Considerações finais

Em um contexto em que prevalece a lei do mais forte economicamente, a presença de um Estado combatedor de desigualdades sociais é imprescindível. Um Estado não com leis impostas como a lei do faraó, mas com leis assumidas pelos cidadãos com responsabilidade e com liberdade.

O Estado Fiscal e o Estado do Bem-Estar Social são criações humanas para o mantimento de um sistema de coexistência digna entre os seres humanos e passa por uma reformulação em razão de uma profunda crise.

No Brasil, as políticas públicas tributárias estão na agenda política, ocorre, contudo, que uma das faces dessa crise atingiu em cheio a democracia representativa que se vê aos tombos com os interesses da cidadania e aos abraços com os interesses privados com recursos financeiros abundantes. Tal fato faz com que as questões de matéria tributária passem sem um cotejo com o princípio da solidariedade social ou da capacidade contributiva.

Eis que aí está uma das inevitáveis saídas para um fortalecimento do Estado e um conseqüente controle social e manutenção da propriedade privada tão cara aos seres humanos contemporâneos.

8 REFERÊNCIAS

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BUFFON, Marciano. A crise estrutural do Estado contemporâneo: a falência da neotributação e a reconstrução do fundamento da solidariedade. In: MORAIS, José Luis Bolzan de (org.). O Estado e suas crises. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.

FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 3. ed. rev. São Paulo: Globo, 2001.

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[1] GODOI, Marciano Seabra de. Tributo e Solidariedade Social. In: Marciano Seabra de; GRECO, Marco Aurélio (Coordenadores). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005. p. 153.

[2] Ibid. p. 153.

[3] Ibid. p. 154.

[4] Ibid. p. 154.

[5] Ibid. p. 155.

[6] MATTEUCCI MATTEUCCI, Nicola. Liberalismo. In: BOBBIO, Norberto; PASQUINO, Gianfranco; MATTEUCCI, Nicola (Coords). Dicionário de Política. Trad. Carmen C. Varriale, et. al.; João Ferreira (Coord.). rev. geral João Ferreira e Luis

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Guerreiro Pinto Cascais. 6. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1994. Vol. 2. pp. 686-705.

[7] GODOI, Marciano Seabra de. Tributo e Solidariedade Social. In: GODOI, Marciano Seabra de; GRECO, Marco Aurélio (Coordenadores). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005. p. 143.

[8] BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução Carlos Nelson Coutinho; Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 28.

[9] Tendo-se em conta que o Estado brasileiro foi um Estado Patrimonial, a rigor nunca teve um modo de produção feudal e antes da redemocratização da década de 1980, viveu o que se chama de Estado Nacional-Desenvolvimentista. Nesse sentido ver: SCHMIDT, João Pedro. Políticas Públicas: aspectos conceituais e aportes para um modelo pós-burocrático e pós-gerecialista. In: LEAL, Rogério Gesta; REIS, Jorge Renato (Orgs.). Direitos Sociais e políticas públicas: desafios contemporâneos. Tomo 7. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2007, p. 1988-2032; FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 3. ed. rev. São Paulo: Globo, 2001. p. 819.

[10] Sobre o assunto ver: SETTEMBRINI, Domenico. Social-Democracia. In: BOBBIO, Norberto; PASQUINO, Gianfranco; MATTEUCCI, Nicola. Dicionário de Política. Trad. Carmen C. Varriale, et. al.; João Ferreira (Coord.). rev. geral João Ferreira e Luis Guerreiro Pinto Cascais. 6. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1994. Vol. 2. p. 1.188. “I. O conceito de Social-democracia. – É um termo que, após as polêmicas dos últimos 50 anos, adquiriu, na linguagem corrente, um significado profundamente anômalo do ponto de vista teórico e histórico, ainda que paradoxalmente correto do ponto de vista étimo. Na prática, usa-se para designar os movimentos socialistas que pretendem mover-se rigorosa e exclusivamente no âmbito das instituições liberal-democráticas, aceitando, dentro de certos limites, a função positiva do mercado e mesmo a propriedade privada. Renunciam assim a estabelecer, quando quer que seja, ‘um novo céu e uma nova terra’.” (p. 1188). Este emprego do termo, porém, trai sua origem polêmica e maniqueísta, porquanto mutila arbitrariamente a realidade. É como se entre a posição acima definida, cujo nome apropriado é o de Reformismo (v.), e a posição oposta do socialismo revolucionário não existisse espaço intermédio, justamente aquele que a Social-democracia pretende ocupar. Esta, com efeito, diversamente do que ocorre com o reformismo, aceita instituições liberal-democráticas, mas considera-as insuficientes para garantir uma efetiva participação popular no poder e tolera o capitalismo, na medida em que, diferindo nisso do socialismo revolucionário, considera os tempos ainda ‘não amadurecidos’ para transformar as primeiras e abolir radicalmente o segundo. Incumbe à Social-democracia lutar em duas frentes: contra o reformismo burguês, que levaria o movimento operário a empantanar-se irremediavelmente no sistema, e contra o aventureirismo revolucionário, que levaria a quebrar a cabeça contra as estruturas ainda sólidas do sistema. O fato de a Social-democracia se comprometer mais com uma ou com outra das frentes depende de que circunstâncias históricas favoreçam um ou outro caminho. Quando a situação não é revolucionária, pareceria não existir, em termos lógicos, alternativa possível entre reformismo e sectarismo revolucionário. Pois bem, a Social-democracia é, nesse sentido, um desafio contra a lógica, isto é, a tentativa de manter vivo, contra ventos e marés, o sonho da radical palingenesia, que constitui a raiz do socialismo. Uma

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tentativa tão engenhosa e complexa sob muitos aspectos que desperta vivo interesse mesmo naqueles que avaliam negativamente os seus objetivos e resultados. A social democracia é, em suma, para usara expressão de um historiador marxista, a ‘a memória da revolução’ (Zanardo).” (p. 1188)

[11] SETTEMBRINI. Social-Democracia. In: BOBBIO, Norberto; PASQUINO, Gianfranco; MATTEUCCI, Nicola. Dicionário de Política. 1994. Vol. 2. p. 1.189

[12] SETTEMBRINI, p. 1.190.

[13] SETTEMBRINI, p. 1.189.

[14] SETTEMBRINI, Domenico. Social-Democracia. In: BOBBIO, Norberto; PASQUINO, Gianfranco; MATTEUCCI, Nicola. Dicionário de Política. Trad. Carmen C. Varriale, et. al.; João Ferreira (Coord.). rev. geral João Ferreira e Luis Guerreiro Pinto Cascais. 6. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1994. Vol. 2. p. 1.190.

[15] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. pp. 166-170.

[16] LOPES, Ana Maria D’Ávila. Democracia hoje, para uma leitura crítica dos direitos fundamentais. Passo Fundo: UPF, 2001. p. 27; e, RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. Tradução de Almiro Pisetta e Lenita Maria Rímoli Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 13.

[17] LOPES, Ana Maria D’Ávila. Democracia hoje, para uma leitura crítica dos direitos fundamentais. Passo Fundo: UPF, 2001. p. 29.

[18] Ver Julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.105 que aborda a relação entre a solidariedade social e contribuição dos servidores públicos inativos, em que o STF pode-se assim dizer, mudou um paradigma até então mantido no sentido de uma dogmática positivista em relação aos princípios de Direito Tributário para uma visão no sentido da existência de um Dever Fundamental de Pagar Impostos. Ver também: GODOI, Marciano Seabra de GODOI. Tributo e Solidariedade Social. In: Marciano Seabra de; GRECO, Marco Aurélio (Coordenadores). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005. pp. 141-167.

[19] GODOI, Marciano Seabra de GODOI. Tributo e Solidariedade Social. In: Marciano Seabra de; GRECO, Marco Aurélio (Coordenadores). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005. pp. 149.

[20] LOPES, Ana Maria D’Ávila. Democracia hoje, para uma leitura crítica dos direitos fundamentais. Passo Fundo: UPF, 2001. p. 29.

[21] NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Livraria Almedina, 2004. p. 31.

[22] GODOI, Marciano Seabra de GODOI. Tributo e Solidariedade Social. In: GODOI, Marciano Seabra de; GRECO, Marco Aurélio (Coordenadores). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005. p. 144.

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[23] Ibid. p. 145.

[24] OST, François. Contar a lei: as fontes do imaginário jurídico. Trad. Paulo Neves. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 2004. p. 61-95.

[25] Ibid. p. 61.

[26] Ibid. p. 61-62.

[27] Ibid. p. 62-63.

[28] Ibid. p. 63.

[29] Ibid. p. 63-64.

[30] Ibid. p. 63-64.

[31] Ibid. p. 64-65.

[32] Ibid. p. 66.

[33] Ibid. p. 66-67.

[34] Ibid. p. 67-68.

[35] Ibid. p. 68.

[36] Ibid. p. 68-69.

[37] Ibid. p. 68.

[38] Ibid. p. 69.

[39] Ibid. p. 70.

[40] Ibid. p. 72.

[41] Ibid. p. 72.

[42] Ibid. p. 70-71.

[43] Ibid. p. 72.

[44] Ibid. p. 72-73.

[45] Ibid. p. 73.

[46] Ibid. p. 74.

[47] Ibid. p. 75.

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[48] Ibid. p. 79-80.

[49] Ibid. p. 84.

[50] Ibid. p. 89.

[51] GODOI, Marciano Seabra de. Tributo e Solidariedade Social. In: Marciano Seabra de; GRECO, Marco Aurélio (Coordenadores). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005. p. 158.

[52] BUFFON, Marciano. A crise estrutural do Estado contemporâneo: a falência da neotributação e a reconstrução do fundamento da solidariedade. In: MORAIS, José Luis Bolzan de (org.). O Estado e suas crises. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.

[53] Ibid. p. 90.

[54] SPENGLER, Fabiana Marion. O Estado-Jurisdição em Crise e a Instituição do Consenso: por uma outra cultura no tratamento de conflitos. 2007. Tese (Programa Pós-Graduação em Direito – Doutorado) – Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2007. p. 89-92, passim.

[55] Ibid. p. 92.

[56] BUFFON, Marciano. A crise estrutural do Estado contemporâneo: a falência da neotributação e a reconstrução do fundamento da solidariedade. In: MORAIS, José Luis Bolzan de (org.). O Estado e suas crises. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 92

[57] Ibid. p. 102. “Como explica Michel Bouvier, [nota 70: Bouvier, Michel. Introduction au Droit Fiscal Général et à la theorie de l’ímpôt, 6ª ed. Paris: LGDJ, 2001, p. 202/206.] no campo tributário, os americanos Milton Friedman (Escola de Chicago), J. Buchanan (Escola de Virgínia) e o ultraliberal Murray Rothabard, apesar de seus pontos divergentes, realimentaram o antifiscalismo contemporâneo e se pautaram pelas regras: cada vez menos impostos, menos Estado e mais mercado. A escola monetarista de Friedman defendeu o desenvolvimento livre de uma economia informal ou paralela. Essa nova concepção significou uma reação a Keynes, na era que se convencionou a denominar de pós-moderna, sendo que tal reação capitaneada por F. Hayek, que preconiza uma ordem social espontânea.”

[58] Ibid. p. 103.

[59] SPENGLER, Fabiana Marion. O Estado-Jurisdição em Crise e a Instituição do Consenso: por uma outra cultura no tratamento de conflitos. 2007. Tese (Programa Pós-Graduação em Direito – Doutorado) – Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2007. p. 92.

[60] Ibid. p. 96.

[61] SCHMIDT, João Pedro. Para entender políticas públicas: aspectos conceituais e metodológicos. In: LEAL, Rogério Gesta; REIS, Jorge Renato (Orgs.). Direitos Sociais

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e políticas públicas: desafios contemporâneos. Tomo 8. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2008.

[62] GODOI, Marciano Seabra de GODOI. Tributo e Solidariedade Social. In: GODOI, Marciano Seabra de; GRECO, Marco Aurélio (Coordenadores). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005. pp. 163.

[63] Ibid., p. 163.

[64] BUFFON, Marciano. A crise estrutural do Estado contemporâneo: a falência da neotributação e a reconstrução do fundamento da solidariedade. In: MORAIS, José Luis Bolzan de (org.). O Estado e suas crises. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 114.