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NESTA EDIÇÃO

Noel Rosa 70 anos sem um bambado sambaFernando Garcia 46

Danilo Moreira

POLÍTICAS PÚBLICAS

Editorial4

Conferência Nacional de Juventude: levante sua bandeira 48

Augusto Buonicore

Che Guevara nas trilhas da revolução latino-americana 24

Bernardo JoffilyChe: a legenda da revolução 29

Pedro Castro e Mary Garcia Castro

Che Guevara: múltipla imagem da dupla face de Che e escritos sobre a construção do socialismo e a juventude 30

Roniwalter JatobáChe: mais vivo do que nunca 41

Marcelo Buraco

Che: símbolo de união da juventude latino-americana 44

JoRNada de ação Global Fórum Social Mundial em novo formato

10

a construção do Homem no jovem Marx Parte 4 18

Juventude em tempo e lugar de mudança: movimentos jovens na América do Sul contemporânea

13

CeMJ realiza 1º encontro dos estudantes do Prouni50

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Aracaju: garantindo espaço para os jovens

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TeoRIa

CUlTURaPolÍTICaS PÚblICaS de JUVeNTUde

Juventude.br

Juventude.br é uma publicação do Centro de Estudos e Memória da

Juventude – CEMJ

Rua Treze de Maio, 1016 - conj. 2 Bela Vista São Paulo - SP – CEP 01327-000

[email protected] www.cemj.org.br

Editor: Fábio Palácio de AzevedoCapa e diagramação: Cláudio GonzalezAssessoria editorial: Fernando Garcia

Preparação e revisão de originais: Fábio Palácio de Azevedo

Tiragem: 5.000 exemplares

ConsElho ConsulTivo do CEMJ:

Alessandro Lutfy Ponce de Leon, Arthur José Poerner, Augusto Buonicore, Fabiano

de Souza Lima, José Carlos Ruy, Mary Castro, Natividad Guerrero Borrego, Regina Novaes.

dirEToriA do CEMJ:

Presidente Fábio Palácio de Azevedo

diretor de Planejamento e Patrimônio Fabiana Costa

secretário Geral Ronaldo Gomes Carmona

diretor de Estudos e Pesquisas Fernando Garcia de Faria

diretora de Memória Elisa Campos Borges

diretora de Cultura Carolina Maria Ruy

diretora de Comunicação Aline Amorim

diretora de Atividades Educativas e Esportivas

Kátia Sabrina Dudik

A revista juventude.br aceita colaborações que lhe forem enviadas, reservando-se o direito, a critério da editoria e do Conselho Consultivo do CEMJ, de publicá-las ou não. A publicação de um artigo não implica em compromisso

da revista ou do CEMJ com seu conteúdo. As opiniões emitidas são de responsabilidade

exclusiva dos autores. Os artigos enviados não devem exceder 20 laudas de 1.400 caracteres com espaços. Artigos maiores dependerão de

acerto prévio com o editor. Os artigos devem ser enviados no programa Word for Windows e os

originais não serão devolvidos. Citações devem seguir as normas da Associação Brasileira de

Normas Técnicas (ABNT).

AOS LEITORES

No dia 9 de outubro de 1967 morria em combate, executado pelo Exército boliviano com apoio técnico-militar da CIA, o comandante Ernesto Guevara de la Serna, o “Che”. Fraco

e doente após meses de campanha revolucionária nas selvas da Bolívia, Che foi capturado e, poucas horas depois, executado com uma rajada de balas de metralhadora, na surdina e sem qualquer julgamento. Naquela fatídica tarde de outubro de 67 morria Ernesto Guevara, o homem, e nascia o mito do “Che”.

Quarenta anos depois, por ocasião do último dia 09 de outubro, uma série de homenagens, na forma de lançamentos biográficos impressos e audiovisuais, matérias jornalísticas e resenhas sobre sua vida e pensamento tomaram conta da imprensa mundial, seja para resgatar o exemplo de idealismo e combatividade representado pela figura imensa desse combatente revolucionário, seja para tentar desconstruir esse mesmo exemplo através do velho “truque” mediático de apresentar por trás do mito a pessoa comum, com suas falhas, penas, agruras e insuficiências.

Em torno da figura de Che Guevara formou-se um mito carregado de significados. O “Che” tornou-se um símbolo de rebeldia, do caráter sonhador e contestatório da juventude. Ao contrário do que muitas vezes se afirma, esse fenômeno não é mera criação deliberada da indústria cultural. Seria ilusão supor que por trás da força simbólica da imagem do Che nada existe além das maquinações de jornalistas e demais formadores de opinião, interessados em ganhar dinheiro com a imagem do guerrilheiro heróico.

Isso ocorre, sim, pois afinal é da natureza do capitalismo essa capacidade de “fagocitar” e transformar em lucros todo tipo de objetos e imagens, mesmo aqueles cujo significado implica uma negação profunda da lógica do “dinheiro pelo dinheiro”, do culto à especulação financeira, do consumismo, do individualismo e de uma ética derrotista, que vê o futuro não como portador do novo mas como eterna repetição do presente.

Como afirma Augusto Buonicore em artigo nesta edição de Juventude.br, “o sistema capitalista tem uma incrível capacidade de incorporar alguns elementos da cultura alternativa, até mesmo revolucionária, e transformá-los em objetos de mercado, formas sem conteúdo, neutras, inofensivas”. Mas até mesmo essa lógica mercantil que parasita a figura do Che tem base objetiva para existir. Como afirma o pensador norte-americano Fredric Jameson, mesmo as armações mediáticas, para que possam funcionar a contento, precisam fornecer ao real, por mínimo que seja, um “grão de paga”.

ISSN 1809-9564

O “Che” tornou-se um símbolo de rebeldia, do caráter sonhador e contestatório da juventude.

CHE VIVE !

***

Neste momento especial da história de nosso país, quando ganham corpo os debates e o reconhecimento da juventude como segmento social estratégico, Juventude.br volta à abordagem das políticas públicas destinadas aos jovens. Desta feita trazemos textos de Danilo Moreira sobre a 1º Conferência Nacional de Juventude e de Carla Santos sobre o 1º Encontro de Estudantes do ProUni da capital paulistana, realizado pelo CEMJ em conjunto com entidades estudantis. Esses artigos fornecem vivo testemunho do momento favorável que vivemos em nosso país no que diz respeito às políticas de juventude, quando, seja no Parlamento, seja nos diversos níveis de governo, um amplo consenso nacional vai aos poucos se afirmando em torno da premissa de que é preciso ver os jovens como sujeitos de direitos e importantes atores do desenvolvimento.

A fim de retratar como esse novo contexto vem se refletindo a nível dos estados e municípios, Juventude.br inaugura nesta edição a secção “experiências em políticas públicas de juventude”, na qual daremos a palavra a gestores de juventude dos estados e municípios, visando a divulgar as ricas experiências que vêm ocorrendo em várias partes do país no que concerne à implementação de projetos e programas governamentais destinados ao público jovem. Esperamos, com isso, contribuir uma vez mais com a noção, cada vez mais disseminada na sociedade brasileira, de que apostar na juventude é investir no país.

Jamais poderiam os chamados “formadores de opi-nião” supor que engendraram por sua própria vonta-de esse notável ícone político e cultural portador de valores críticos da sociedade moderna. Nada disso seria possível se o “Che” não representasse, antes de tudo – como afirma o filósofo João Quartim de Moraes –, “uma corrente profunda da opinião crítica de nosso tempo”. É exatamente por conta disso que, como afirma Augusto Buonicore no artigo citado an-teriormente, “a personalidade forte de Che não pode ser presa, capturada, na camisa de força do ícone, da marca, do mito”.

Trata-se, com efeito, de uma constatação incontorná-vel. O interesse comercial na imagem do “Che” não é causa de nada, mas conseqüência do pragmatismo mercantil que cresce, como erva-daninha, em torno da imagem do guerrilheiro, cuja força está associada antes de tudo à existência de um segmento juvenil, com seus anseios de liberdade e transformação, e sua forma rebelde e irreverente de comunicá-los.

É assim que, como assevera Bernardo Joffily em arti-go publicado nesta edição de Juventude.br, ninguém como o “Che” “encenou com tanta clareza e contun-dência os anseios de transformação profunda que agitaram a agitam este século e este continente. Foi o herói dos jovens do mundo inteiro nas jornadas rebeldes de 1968, e de todas as gerações e lutas que se seguiram, até nossos caras-pintadas de 1992 e os outros, que vieram depois”.

Quarenta anos depois de sua morte, a juventude de todo o mundo homenageia esse revolucionário que se tornou um ícone das lutas por liberdade e justiça social. Como forma de contribuir para o conheci-mento e a reflexão das novas gerações sobre o lega-do de Che Guevara, Juventude.br começa a divulgar nesta edição o Dossiê Che, que será publicado em duas partes. Nesta primeira parte trazemos registros biográficos, estudos e crônicas sobre o significado da figura de Che. Na próxima edição, que circula no primeiro semestre de 2008 – quando a juventude de todo o mundo voltará a lembrar de Che por ocasião da passagem do 80º aniversário de seu nascimento –, Juventude.br voltará ao tema através da aborda-gem das idéias e da herança teórica do Che.

Foi o herói dos jovens do mundo inteiro nas jornadas rebeldes de 1968, e de todas as gerações e lutas que se seguiram, até nossos caras-pintadas de 1992 e os outros, que vieram depois.

Como forma de contribuir para o conhecimento e a reflexão das

novas gerações sobre o legado de Che Guevara, Juventude.br

começa a divulgar nesta edição o Dossiê Che, que será publicado

em duas partes.

UbeS: 60 aNoS eM defeSa do bRaSIl

Rafael Minoro* e Artenius Daniel**

HIS

RIA

aNoS 50 e 60

Nasce a UNeS: um passo à fren-te na organização do movimen-to estudantil secundarista!

Tem uma música do per-nambucano Chico Science (morto em 1997) que diz

o seguinte: “Um passo à frente e você não está mais no mesmo lugar”. Com os estudantes se-cundaristas sempre foi assim. Nunca ficaram parados, cons-tantemente movidos pelo desejo de mudar as coisas. Desde as décadas de 1930 e 1940 eles já se organizavam em diversas regiões do país, dentro das es-colas, formando os grêmios dos antigos colégios estaduais, os chamados liceus.

Era uma geração herdeira de um movimento construído em meio aos desafios da grande questão colocada no período: o desenvolvimento nacional. De um lado, o projeto nacionalis-ta de Getúlio Vargas; de outro, vendo o desenvolvimentismo de Juscelino Kubitschek e o projeto das reformas de base encam-pado por João Goulart. De um lado, com os mesmo ideais dos tenentes da Revolução de 30; de outro, na oposição ao golpe de 37, que estabeleceu a ditadura do Estado Novo.

Mas é o período que vai da restauração democrática em 1945 ao golpe militar de 1964 que marca em especial a história da participação dos estudantes na vida política do país. Nesse intervalo de anos se consti-tuíram forças, identidades e

tendências democráticas que criaram raízes e consistência política na sociedade brasileira. Elas foram derrotadas em 1964, mas não liquidadas.

Entre essas tendências e iden-tidades podemos colocar em destaque o movimento estudan-til secundarista organizado. Du-rante todo esse período demo-crático ele se consolidou como um movimento estruturado, com grande capacidade de mo-bilização de massas e com uma direção política crítica e contes-tadora sobre a sociedade, agin-do como ator político dos mais relevantes no cenário nacional, influente, criativo e corajoso.

Unidade na diversidade

Mesmo com atuação nos movimentos e grandes campa-nhas em defesa da meia-entrada e do passe-livre nos ônibus, deslanchadas em anos anterio-res pela UNE (os secundaristas eram representados através de um departamento dentro dessa entidade), é no final da década de 1940 que a participação dos então chamados “estudantes se-cundários” se intensifica e ganha maior coordenação.

Os grêmios já existiam. De-pois, foram sendo construídas as uniões municipais e mais à frente as entidades estadu-ais. Essa rede passou, então, a existir e a funcionar, de fato, articulada. O passo à frente era o movimento criar unidade em uma só entidade, para fortalecer a representação e a luta estu-dantil.

O jornalista Lúcio de Abreu, presidente da UBES em 1950, lembra como teve início o pro-cesso da criação da entidade.

Depois de inúmeras tentati-vas e contatos, porque toda a comunicação era muito difícil naquela época, foi marca-do a data do 1º Congresso Nacional dos Estudantes Se-cundários, no Rio de Janeiro. A UNE não só deu toda a in-fra-estrutura, como também cedeu a sua sede, na Praia do Flamengo, para que ali se realizassem as plenárias [...] E assim, com uma boa base de organização, foi criada a UNES [União Nacional dos Estudantes Secundários], que elegeu como seu primeiro presidente o potiguar Luiz Bezerra de Oliveira Lima

Em destaque o movimento estudantil secundarista organizado. Durante todo esse período democrático, ele se consolidou como um movimento estruturado, com grande capacidade de mobilização de massas e com uma direção política crítica e contestadora sobre a sociedade, agindo como ator político dos mais relevantes no cenário nacional, influente, criativo e corajoso.

PARTE 1

UNeS é registrada

Eleito em 25 de julho de 1948, o primeiro presidente da UBES, Luiz Bezerra de Oliveira Lima, vai no dia 3 de setembro do mesmo ano pessoalmente no Registro Civil de Pessoas Jurídi-cas, na Av.Presidente Franklin Roosevelt, 176/2º andar, no Cen-tro do Rio de Janeiro, registrar o Estatuto da UNES. Lá, entre mui-tos selos, carimbos e rubricas, ele assinala: “inspirada e funda-mentada em princípios demo-cráticos, a UNES será a entidade máxima de representação e co-ordenação dos corpos discentes dos estabelecimentos de ensino secundários do país”.

abaixo a confusão: UNeS vira UbeS!

Isso foi em 25 de julho de 1948. Mas deu pra ler direito? O Lúcio falou numa tal de UNES ou União Nacional dos Estudantes Secundários. Bom, é que esse foi o nome inicial. Depois, foi troca-do para União Brasileira dos Es-tudantes Secundários. Entendeu? Lúcio, explica aí vai:

A mudança visou, fundamen-talmente, evitar a confusão com a sigla da UNE, diferen-ciando e dando personalidade

própria à nossa entidade na-cional. Isso ocorreu no 2º Con-gresso [realizado em 1949], que elegeu para presidente o carioca Carlos César Caste-lar Pinto, que depois passou no vestibular de medicina e transmitiu a presidência para o vice José Teotônio Padilha de Sodré

Colocando um nome diferen-te da sigla da UNE, o movimento secundarista criava dessa forma mais autonomia, diferenciando-se do movimento universitário, embora fossem parceiros de lutas. Diferentes, mas aliados. Juntos e misturados! Tão unidos que a UBES passou a funcionar na histórica sede da Praia do Fla-mengo, 132. UNeS x UbeS: a fraude e a divi-são da entidade

A UBES vinha desde a sua fundação criando condições para ampliar o seu espaço de influ-ência e representação junto aos secundaristas. Os três primeiros Congressos ocorreram dentro das normalidades da disputa no campo das idéias e, cada vez mais, chamavam a atenção dos estudantes. Mas, como toda a história das lutas democráticas no país em algum momento é

interrompida por um golpe, não poderia ser diferente no caso da UBES, entidade que nasceu “ins-pirada e fundamentada em prin-cípios democráticos”.

O ex-presidente Dynéas Aguiar (1953), hoje vice-prefeito de Campos do Jordão, conta que existiam naquele período, parti-cularmente entre 1950 e 1956, forças reacionárias atuando den-tro do movimento estudantil. E foi durante o 4º Congresso, reali-zado em 1951, em Salvador, que eles resolveram mostrar a cara, desviar o foco do debate de opi-niões e apelar para a fraude.

Um grupo minoritário de es-tudantes dissidentes, vindos de Pernambuco e Minas Gerais, lide-rados por Paulo Barbalho e Aníbal Teixeira (ligados ao Movimento dos Águias Brancas, influenciado pelo Partido Integralista, de Plínio Salgado), ao perceberem a der-rota no Congresso criaram uma série de problemas, retiraram-se da plenária final e embarcaram rumo ao Rio de Janeiro.

Enquanto isso, lá em Salva-dor, o pessoal elegia com mais de 80% dos votos o baiano Tibé-rio César Gadelha o novo presi-dente e se desdobrava para ten-tar contornar o problema da pas-sagem de volta dos delegados para os seus estados. Dynéas lembra muito bem do ocorrido:

Colocando um nome diferente da sigla da UNE, o movimento secundarista criava dessa forma mais autonomia, diferenciando-se do movimento universitário, embora fossem parceiros de lutas. Diferentes, mas aliados. Juntos e misturados!

Manifestação da greve dos bondes, Rio de Janeiro, 1956.

No Congresso da Bahia acon-teceu o de sempre: a maioria era o pessoal da esquerda e, como de hábito, o pau quebrou. Só que dessa vez o pessoal da direita se retira dizendo que não dava para apresentar a chapa e voa para o Rio. Eles sabiam em qual cartório estava registra-da a UBES e forjaram um livro de ata, redigiram a ata e re-gistraram a diretoria. Quando o Tibério chegou, foi para o cartório registrar a chapa vencedora e ouviram: isso já está registrado, já tem uma diretoria registrada. Daí, co-meçou a briga das diretorias. A disputa começou, evidente-mente, nos estados, forçando cada entidade estadual a tomar posição sobre qual dire-toria apoiar

Mas pouco tempo depois, em 1952, o grupo de Tibério se lembrou que no mesmo cartório estava registrada a antiga União Nacional dos Estudantes Secun-dários (UNES). Então, com apoio da maioria das tendências polí-ticas de esquerda do movimento secundarista, eles resgatam o antigo nome e, assim, passam a existir duas entidades no país: uma com forte influência dos integralistas e outra marcada pe-las idéias do Partido Comunista. Como prova do seu autoritaris-mo, os integralistas expulsam a UNES da sede no Flamengo, que continua o trabalho nas entida-des de base, mas fica sem um lo-cal fixo para as suas atividades.

a reunificação: caminhos di-ferentes que levam ao mesmo fim!

Em português claro, duran-te algum tempo foi assim que funcionou o movimento: uma

entidade considerada de direita, que era a UBES, e outra consi-derada de esquerda, que era a UNES. Mas a unificação já vinha sendo pensada com mais obje-tividade desde 1953, quando Dynéas assumiu a UNES e Aníbal Teixeira a UBES. Ambos chega-ram a ter conversas nesse senti-do. Conta Dynéas:

Começamos a desenvolver um trabalho de unificação. Eu entrei em contato direto com o Aníbal. A gente sentava, dis-cutia, marcávamos primeiro todas as diferenças, depois ví-amos o que era possível fazer, o que era possível discutir. Começamos a ver que a gente marchava junto, cada um na sua esfera de influência, mas pelo menos com uma certa unidade

Após o suicido de Getulio Vargas, em 1954, e a eleição de Juscelino Kubitschek, em 1955, uma nova perspectiva começou a se formar na política brasileira, refletindo inclusive no movi-mento estudantil secundarista, já que Aníbal apoiava JK e o presidente tinha um canal de diálogo sempre aberto para as entidades estudantis.

Nesse período, a UNES con-tinuou realizando congressos e elegeu em 1956 Helga Hoffman a primeira mulher presidente da entidade. Na UBES, quem assume naquele ano é José Luis Clerot, considerado o “presidente da reunificação” porque, sem res-trições e mantendo até mesmo admiração pela atuação política da esquerda, foi quem conduziu o processo de aproximação entre as duas entidades. Ambos come-çam então a costurar as vias de uma unificação.

Dessa forma, as diferenças e conflitos ideológicos foram pou-

co a pouco sendo dissolvidos. As reivindicações eram cada vez mais comuns, como as lutas pela reforma do ensino, por mais va-gas nas escolas e contra os au-mentos de mensalidades. Outra luta importante desse período, que merece ser destacada, foi a campanha que paralisou os bon-des do Rio de Janeiro, em 1956, contra o aumento nas passagens.

Conversa aqui. Discute ali. Pensa acolá. Debate mais um pouco e as duas entidades então resolveram convocar em 1956 um congresso em Porto Alegre para que enfim fosse proposta a reunificação.

Ambas se unem sob o nome de União Brasileira dos Estudan-tes Secundaristas e elegem Cle-rot para mais um mandato. Daí pra frente, reunificada, “a vida continuou”, como gosta de dizer Dynéas...

1956: a revolta dos bondes e a unificação

A maior prova de que uma UBES unificada era capaz de am-plificar e fortalecer ainda mais a luta pelos direitos dos estudan-tes deu-se quando estouraram no país as campanhas do final da década de 1950 contra o au-mento das passagens nos bon-des do Rio de Janeiro. O ápice aconteceu em maio de 1956, no primeiro ano do governo Jusceli-no Kubitschek.

A companhia Light and Po-wer, que monopolizava o trans-porte dos bondes, ameaçou reajustar as tarifas de um para dois cruzeiros. O bonde era uma condução usada por quase todos os estudantes por causa do seu baixo preço. A partir daí, lidera-dos pela força e irreverência dos estudantes secundaristas uma série de protestos começou a pi-pocar pela cidade, tendo à frente

a União Metropolitana dos Estu-dantes (UME) e o seu presidente José Batista de Oliveira Júnior.

Nas palavras de José Clerot dá para sentir o tamanho da mo-bilização e a importância que ela teve na unificação das entidades:

Havia uma proximidade muito grande das bandeiras de luta e naquele momento começamos a fazer um tra-balho comum. Na campanha contra o aumento dos bondes, nós conseguimos parar o Rio de Janeiro, a tal ponto que o Juscelino desceu no [aero-porto] Santos Dumont e não conseguiu ir para Laranjeiras [Juscelino foi de helicóptero ao palácio do catete]. Distri-buímos os estudantes em vá-rios piquetes pela cidade. No final, a quantidade de bondes parados era maior que o Ma-racanã. Tenho um jornal da greve que aparece a foto dos dois presidentes [da UBES e da UNES] na capa. Inclusive, com o prédio da UNE cercado pela polícia

A campanha paralisou o Rio, nos dias 30 e 31 de maio de 1956, e acarretou em enorme prestígio e demonstração da força que tinha a entidade dos estudantes secundaristas.

“o Petróleo é nosso”: Monteiro lobato, os estudantes e a defe-sa do patrimônio nacional!

A campanha pela nacionali-zação do Petróleo iniciada em 1947 teve à sua frente, além da força do movimento estudan-til, um personagem ilustre que ajudou muito na concepção do movimento: o escritor Montei-ro Lobato. A historiadora Maria Paula Araújo resgata a seguinte história em seu livro “Memórias Estudantis”:

No livro “O poço do Visconde”, publicado em 1937, a turma do Sítio do Pica-pau Amarelo descobre petróleo no terreno do próprio sítio. Orientados pelo Visconde de Sabugosa, enfrentam trustes internacio-nais e conseguem perfurar o primeiro poço de petróleo do Brasil – o Caraminguá nº 1

Dynéas também lembra da participação de Lobato num dos maiores movimentos de opinião pública e de mais intensa parti-cipação popular na história da República:

Monteiro Lobato, pouco antes de falecer, ingressou no parti-do (comunista). Ele influenciou o partido a se envolver nessa luta do petróleo. A lei então

foi para o Congresso numa batalha muito difícil porque lá as forças reacionárias e os entreguistas não queriam aceitar de jeito nenhum o mo-nopólio estatal do petróleo

O movimento ganhou tanta repercussão que teve a capaci-dade de unir diferentes setores sociais numa mesma campanha. A partir de 1948, o movimento estudantil passa a liderar as principais manifestações e cria a Comissão Estudantil em Defesa do Petróleo. Dynéas brinca que “tinha mais propaganda da cam-panha do que tem hoje da Coca-Cola ou do McDonald”.

O presidente Getúlio Vargas então atende ao apelo da opinião pública e assina, em outubro de 1953, a Lei nº 2004, que criou a Petrobras. Era a consagração –com apoio dos estudantes e a adesão de amplos setores da sociedade – do sonho de Montei-ro Lobato.

A campanha pela nacionalização do Petróleo iniciada em 1947 teve à sua frente, além da força do movimento estudantil, um personagem ilustre que ajudou muito na concepção do movimento: o escritor Monteiro Lobato.

*RAfAeL MInORO é jornalista, editor do Por-tal estudantenet; coordenador do Depto. de Comunicação da UNE e da UBES**ARTenIuS DAnIeL é jornalista, repórter do Portal estudantenet;

Ato político da campanha “O petróleo é nosso!”

10

O Fórum Social Mundial (FSM) está na agenda do século XXI. Desde a sua

primeira edição, em janeiro de 2001, na cidade de Porto Alegre, esse evento vem cumprindo o papel de aglutinar e realçar as principais lutas dos movimentos sociais ao redor do mundo. Sob o lema “Outro Mundo é Possível” já deixou sua marca nas Amé-ricas, na Ásia e, recentemente, no continente africano. Não está imune, no entanto, a desgastes e limites impostos pelo tempo de duração, pelas disputas internas e pela hegemonia implacável da dominação imperialista.

Após três exitosos encontros no Brasil, sempre na cidade de Porto Alegre, em 2004 o FSM realizou sua primeira grande mudança. Foi realizado em Mum-bai, na Índia, sendo um grande êxito em organização, público e combatividade. Foi também nesse encontro que ganhou força um intenso debate no seio das organizações que “coordenam” o processo FSM através de um Conselho Internacional. Fruto desse debate, tratado a seguir, nasceram novos formatos para o encontro anual, nomeadamente os fóruns policêntricos e a jorna-da de ação global 2008.

Formato e periodicidade O evento anual do FSM é um

encontro gigante. Consome sig-nificativas energias de todos que se envolvem na sua preparação e organização. Qualquer entidade representativa dos movimentos

JoRNada de ação Global

Ana Maria Prestes Rabelo*

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sociais ou organização não-go-vernamental que pretenda ter uma participação relevante no encontro precisa investir. O in-vestimento consiste em tempo para preparação, articulação das agendas e principalmente recursos financeiros para deslo-camento e permanência no local do encontro.

Frente a tantos investimen-tos, o questionamento inevitá-vel que surgiu no decorrer dos encontros, entre organizado-res e participantes do FSM, foi quanto à sua eficácia. Aqui se pronuncia uma das principais polêmicas que divide os inte-grantes da sua coordenação. Há os que defendem que a eficácia está justamente na existência do encontro e na disponibilização de um “espaço” para debates e articulações. Mas há também os que apostam que o resultado a se esperar do FSM seria a promo-ção de um “movimento” mundial com objetivos e metas claras a serem alcançadas, o que não es-taria ocorrendo.

Está aqui implícita uma ten-

são entre dois campos que se traduziu em um debate sobre o formato e a periodicidade do encontro anual do FSM. Esse de-bate chegou a um termo parcial na reunião do Conselho Interna-cional de Parma (outubro, 2006), quando se decidiu que o FSM de 2008 não seria um encontro mundial centralizado, permitin-do a permanência das organiza-ções nas suas regiões, mas sim “uma jornada de mobilizações mundiais em torno dos mesmos dias do Fórum Econômico Mun-dial de Davos”. O grande temor de alguns dos “criadores” do FSM era o de que este perdesse sua característica anti-Davos, que lhe garantiu projeção mun-dial nos primeiros anos.

O FSM de 2008, desse modo, será um teste de sobrevivência. Estará sujeito a severas críticas externas e internas. Há os que poderão dizer que o invento po-lítico fracassou, não teve forças para se consolidar como uma tradição vigorosa. Há porém os que poderão alegar que sua força e capacidade de renascer estão

O FSM de 2008 será um teste de sobrevivência. Há os que poderão dizer que o invento político fracassou, não teve forças para se consolidar como uma tradição vigorosa. Há porém os que poderão alegar que sua força e capacidade de renascer estão justamente na diversidade das formas que assume e no enraizamento local que atingirá ao ser promovido simultaneamente em dimensão global e em comunidades locais.

Fórum Social Mundial em novo formato

11

justamente na diversidade das formas que assume e no enraiza-mento local que atingirá ao ser promovido simultaneamente em dimensão global e em comunida-des locais.

o dia de ação global O dia de ação global não será

propriamente um dia, mas an-tes uma semana de atividades que terá como auge o dia 26 de janeiro de 2008. O objetivo dos organizadores é reunir, sob o lema que identifica o FSM – “Ou-tro mundo é possível” – milhões de pessoas, organizações, redes, movimentos, sindicatos expres-sando diferentes segmentos sociais e culturais em todas as partes do planeta, desde as zo-nas rurais às urbanas.

A grande questão é que, dife-rentemente de um encontro cen-tralizado, preparado com antece-dência e com o qual as pessoas e organizações se comprometem previamente, esse tipo de agen-da estará mais vulnerável às in-tempéries conjunturais. Na reu-nião do Conselho Internacional

em Berlin (maio, 2007) muitas organizações se queixaram, por exemplo, de ser um período de difícil mobilização até mesmo pelas condições climáticas, de frio rigoroso no norte e calor escaldante no sul.

O principal temor, no entan-to, é o de que a falta de um gran-de mote mobilizador – como foi a guerra do Iraque para impul-sionar as manifestações do 15 de fevereiro de 2003 – coloque em cheque a jornada. Bastará lançar um convite e aguardar a adesão das pessoas e organizações ao redor do mundo? Não será ne-cessária uma coordenação mais determinante para garantir o êxito da empreitada?

Aqui mais uma vez as dis-tintas concepções de FSM se dividem. Essa diferença foi percebida na grande polêmica sobre o papel da comunicação no processo de construção do dia de ação global. Comunicação versus mobilização foi o eixo do debate nas últimas reuniões do Conselho Internacional em Berlin (maio, 2007) e Belém (outubro, 2007). Os apologistas da comuni-

cação como grande instrumento de construção da próxima etapa do FSM defendem que altos mon-tantes sejam investidos na pro-paganda e no apelo às adesões. Por outro lado, há os que defen-dem que somente a propaganda não basta, é preciso coordenar o processo. Ir às regiões, fazer controle das adesões, colaborar na solução dos pormenores da execução das atividades. Fica a questão: por que não combinar as duas medidas?

a participação da juventude

Essa combinação é sabida-mente muito bem feita pelos jovens e estudantes de todo o mundo que sempre foram elemento fundamental do pro-cesso Fórum Social Mundial. A participação da juventude, espe-cialmente nas edições de Porto Alegre, foi fundamental para dar o tom da alegria, da festividade e da combatividade que sempre marcou o FSM. Foi a juventude que levou o FSM para fora das salas da PUC-RS no primeiro FSM, foi ela quem puxou o Fora

Jovens e estudantes de todo o mundo sempre foram elemento fundamental do processo do Fórum Social Mundial

Bandeiras tremulam na cerimônia de abertura do 3º Fórum Social Mundial – Porto Alegre, 2003

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Bush do Iraque que se transfor-maria na jornada de 2003, foi ela quem lançou as principais cam-panhas contra a comercialização dos serviços – como a educação – na OMC.

Com o dia de ação global não será diferente. Vai acontecer de acordo com o caminhar e o avanço das lutas nos diferen-tes países. Será a expressão do atual estágio de resistência ao neoliberalismo e construção de alternativas. Mais uma vez a ju-ventude que está presente nas mais distintas frentes, seja de gênero, cultura, educação, etnia e tantas outras, vai dar o tom da combatividade e da urgência nas mudanças necessárias para a construção do outro mundo possível.

o futuro do fSM É notório que o FSM vive

uma certa crise de perspectiva. A institucionalização do seu processo foi inevitável. Perdeu o viço da novidade e ainda não conseguiu se recriar de modo a emergir novamente na cena pública como algo potente e necessário. Está na agenda dos movimentos, mas muitos já ale-gam ser por demais dispendioso e pouco efetivo atender a todos os encontros. Por isso mesmo, em 2008 assumirá um novo for-mato com a jornada de mobili-

zações, voltando em 2009 a ser centralizado, agora em um local simbólico: a Região Amazônica, na sua parte brasileira.

Quando as especulações eram se o Fórum de 2009 seria nova-mente na África, se voltaria para uma cidade brasileira, como Salvador ou Curitiba, ou se iria para mares nunca dantes nave-gados, como a Coréia, surgiu a proposta do FSM na Amazônia. A proposta inicial suscitou algu-mas críticas, oriundas do fato de ser apresentada como um Fórum da Região Amazônica, sugerida como território autônomo, sendo que a sede do encontro será no coração do Brasil, no Pará. Tam-bém pelas motivações temáticas, de se inserir no atual debate sobre o aquecimento global, ca-pitaneado por Ângela Merckel, quando presidente da Comissão Européia, e Bush, como principal bandeira de uma cidadania glo-balizada. Há, contudo, incríveis possibilidades deste FSM superar seus desvios de origem.

O acúmulo propiciado por seguidas edições do Fórum Pan-amazônico trouxe para os povos e organizações da região certa sincronia no trabalho or-ganizativo e no tratamento das temáticas que mais os afligem. Será, portanto, uma forma de reparar um aspecto defasado do FSM, o tratamento adequado das questões amazônicas e de

*AnA MARIA PReSTeS RABeLO é Mestre em Ciência Política. Representante da Orga-nização Continental Latino-Americana e Caribenha de Estudantes (OCLAE) no Conselho Internacional do Fórum Social Mundial.

tudo que isso implica para as lutas ambientais, territoriais e de direitos humanos. A região que abrigará o Fórum está no coração de um continente que fervilha em desafios políticos e sociais tanto a partir dos mo-vimentos como de governos comprometidos com uma glo-balização contra-hegemônica, o que certamente terá impacto nos rumos do Fórum.

O anúncio do FSM 2009 na Amazônia será também mais um fator aglutinador e incentivador das jornadas de janeiro. Afinal, todos que estão unidos na cons-trução do outro mundo possível se preocupam com o futuro des-se “espaço” que já tornou possí-veis tantos “movimentos” locais, nacionais, regionais e globais, que formam uma potente rede altermundialista. É paradoxal es-tar em um encontro para se pro-gramar o próximo, mas é preciso reconhecer que muito da força do FSM está nesse movimento. A partir de cada atividade do dia de ação global se projetará mais uma luta, uma articulação, uma temática, a ser abordada no FSM 2009 em Belém.

Mais uma vez a juventude que está presente nas mais distintas frentes, seja de gênero, cultura, educação, etnia e tantas outras, vai dar o tom da combatividade e da urgência nas mudanças necessárias para a construção do outro mundo possível.

Manifestação pacifista contra a Guerra do Iraque, 2003.

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Juventude em tempo e lugar de mudança: movimentos jovens na américa do Sul contemporânea

Maurício Santoro*TE

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A América do Sul vive intensas transformações políticas que coincidem

com o apogeu da quantidade de jovens com relação ao total da população – quadro que deve permanecer pelo menos até 2015. Qual o papel da juventude nas mudanças em curso em nosso continente? Para responder a essa pergunta, o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE) e o Instituto Pólis – Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais – organizaram a pesquisa “Juventude e Integração Sul-Americana”. O projeto realizou parcerias com instituições em seis países sul-americanos: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai. Equipe de cerca de 50 pesquisadores entrevistou aproximadamente 800 pessoas, das favelas do altiplano boliviano ao sertão brasileiro, passando pelos ativistas argentinos de direitos humanos, pelos camponeses paraguaios, pelos estudantes chilenos e pelos militantes partidários uruguaios (ver quadro). A pesquisa foi formada a partir de 19 estudos de caso, que batizamos de “situação tipo”. Cada um foca em uma organização/movimento juvenil. O que nos ensinam sobre a juventude do continente?

País/Instituição

Argentina/ Fundação SES

Bolívia / PIEB

Brasil / IBASE e Instituto Pólis

Chile / CIDPA

Paraguai / BASE-IS

Descrição da Situação

Filhos de desaparecidos políticos da ditadura militar (1976-1983)

Jovens contrários à instalação de fábricas de celulose no Rio Uruguai

Jovens do movimento piqueteiro na província de Buenos Aires

Jovens beneficiários de projetos sociais na província de Misiones

Movimento hip hop aymará em El Alto

Movimento pela criação de uma Escola Normal em El Alto

Jovens empregadas domésticas em La Paz

Jovens que trabalham na colheita da cana em São Paulo

Movimento pelo passe livre – Revolta do Buzu – em Salvador

Jovens trabalhadores do setor de telemarketing

Movimento hip hop em Caruaru

Organizações de defesa da juventude

Jovens no Fórum Social Mundial

Movimento de protesto dos secundaristas, “Rebelião dos Pingüins” em Valparaíso

Jovens beneficiários de projetos sociais em Concepción

Jovens camponeses

Movimento do passe livre

Juventudes partidárias

Movimento pela liberação da maconha

Organização pesquisada

H.I.J.O.S.

Assembléia Juvenil Ambiental de Gualeguaychú

Jóvenes de Pie

Movimento Juvenil Andresito

Grupos de hip hop em El Alto

Movimentos estudantis em El Alto (Antonio Paredes Candía, INSEA, INSTHEA)

Federação Nacional das Trabalhadoras do Lar

Jovens trabalhadores

Jovens que participaram do movimento

Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Telecomunicações no Estado de São Paulo e Sindicato dos Trabalhadores em Telemarketing e empregados em empresas de telemarketing na Grande São Paulo

Grupo Família MBJ

Fórum das Juventudes do Rio de Janeiro

Acampamento Intercontinental da Juventude - FSM

Coordenadora de Estudantes Secundaristas de Valparaíso

Organizações juvenis que participam no Departamento de Jovens de Concepción

Associação de Agricultores do Alto Paraná

Federação Nacional de Est. Secundaristas

Grupos jovens do Partido Colorado, Partido Nacional e da Frente Ampla

Plantá tu Planta, Prolegal, La Placita

SituaçõeS tipo da peSquiSa

Uruguai / Cotidiano Mujer / Faculdade de Ciências Sociais da Uni- versidade da República

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Observação preliminar: não existe um “jeito jovem” de fazer políti-

ca na América do Sul, porque a juventude do continente é bastante diversificada em suas atitudes diante da vida e da sociedade. Isso ficou claro no estudo sobre as juventudes partidárias no Uruguai. No país platino, os partidos políticos são instituições sólidas desde o século XIX, com ampla base so-cial. A pesquisa ouviu membros das principais agremiações: Par-tido Colorado, Partido Nacional e Frente Ampla.

Os jovens dos partidos tra-dicionais tendem a ver a polí-tica em termos da perspectiva clássica de representação dos eleitores, e os grupos juvenis se vinculam a líderes partidários mais velhos. Nas organizações da Frente Ampla, predominam abordagens que ressaltam os vínculos com movimentos so-ciais e sindicatos. Em todos os partidos, entrevistados mani-festaram desconforto em serem tratados como jovens, pois afir-maram que dessa maneira os mais velhos esperavam que eles se manifestassem apenas sobre temas supostamente juvenis, como sexualidade e drogas, ao passo que gostariam de influir nos debates de “gente grande”, como os de política econômica. “Se sou jovem, perco”, resumiu um rapaz.

Em outras situações pes-quisadas, apareceu de maneira intensa a vigência de dois es-tereótipos sobre os jovens. Um é aquele que vê na juventude a protagonista da crítica social e dos grandes projetos de trans-formação do mundo. O outro é o que considera os jovens dedicados à alegria, à festa e ao prazer, com freqüência critican-do seu suposto isolamento dos

problemas políticos. As duas visões são injustas com a juven-tude e lhes imputam qualidades ou defeitos que estão presentes em muitas pessoas, mas que não podem ser considerados como definidores de toda uma geração.

As preocupações que mais se destacam entre os jovens são as questões relacionadas a traba-lho e educação. Os dois temas estão muito interligados, pois o acesso a escolas de qualidade é visto como fundamental para conseguir um emprego estável e que pague um bom salário – so-nho inacessível à maioria dos jovens.

.o Sonho do Trabalho decente

Dados da Comissão Econômi-ca da ONU para América Latina e Caribe e pesquisas da Organi-zação Internacional do Trabalho mostram que o desemprego entre os jovens da América do Sul varia entre três a quatro ve-zes mais do que taxa registrada entre os adultos. A situação é ainda pior para mulheres e para pessoas de etnias discriminadas

(população negra e indígena). Cerca de dois terços da juven-tude está no setor informal ou em ocupações que não oferecem garantias sociais e estabilidade.

Os governos da região desen-volveram políticas públicas para lidar com o problema. Em geral elas consistem em benefícios fiscais dados a empresas que empreguem jovens, ou então no oferecimento à juventude de programas de capacitação e trei-namento profissional, visando a melhorar suas possibilidades de inserção no mundo do trabalho. Apesar dos méritos, essas ini-ciativas não conseguem resolver a situação. Os pontos mais difí-ceis que elas enfrentam são as discriminações cruzadas – por etnia, gênero, local de moradia – que afetam tantos jovens.

Em nossa pesquisa, em diver-sos momentos ouvimos relatos doloridos sobre pessoas que se sentem desprezadas por vive-rem em bairros pobres, ou por usarem cabelos coloridos e rou-pas que fogem do padrão habi-tual das grandes empresas. Os jovens também manifestaram sentimentos parecidos com rela-

Não existe um “jeito jovem” de fazer política na América do Sul, porque a juventude do continente é bastante diversifi-cada em suas atitudes diante da vida e da sociedade.

Movimento Juvenil Andresito – jovens beneficiários de projetos sociais na província de Missiones (Argentina).

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ção a outros adultos em posição de autoridade – em particular professores – que os tratam da mesma maneira. A questão é importante porque, para muitos rapazes e moças, a maneira de se vestir e de apresentar seu corpo é elemento essencial de sua identidade social, do modo como levam sua vida. É o caso de um músico de hip hop de Ca-ruaru (Pernambuco), que numa conversa com o chefe da polícia militar local, desabafou: “O se-nhor quer que eu seja o senhor, mas eu sou eu”.

Em contexto de tantas di-ficuldades, os jovens acabam ficando com os empregos que os adultos não quiseram ou não puderam assumir. Em geral são funções que exigem força física, disposição ou muita fle-xibilidade de horários. Como exemplo, temos a colheita da cana no estado de São Paulo, em grande medida realizada por rapazes que migram do Nor-deste durante alguns meses por ano, e chegam a colher entre 10 e 20 toneladas de cana diária. O esforço físico está acima da capacidade humana, mesmo de um jovem saudável, e os resul-tados são diversos problemas de saúde, além do uso intensivo de estimulantes químicos para lidar com a dor e o cansaço. Outro caso são os serviços de

telemarketing, que usam mui-tos estudantes. Como trata-se de trabalho feito por telefone, sem contato físico, é um nicho de mercado bastante aprovei-tado por mulheres negras, que têm dificuldades em conseguir empregos que envolvam visibi-lidade pública – digamos, como vendedoras em lojas dedicadas à classe média alta e à elite.

A ocupação profissional de maior participação jovem é a de empregada doméstica – ofereci-da em especial a mulheres ne-gras ou indígenas. Os serviços de limpeza são pesados e com freqüência envolvem dormir na casa dos patrões. Na Bolívia, trabalhar numa casa de família costuma ser o primeiro estágio na estratégia de moças de etnia quéchua ou aymará, que querem sair da zona rural e migrar para a cidade. Elas se queixam da discriminação, dos chefes que acham que elas não têm boas maneiras e não sabem comer ou

usar o banheiro. Muitas recla-mam de que os patrões trancam armários e móveis com medo de que elas furtem objetos.

Por que tantos jovens se sub-metem a empregos em más con-dições? Em grande parte pela ausência de opções, mas não só por isso. Foi comum ouvirmos dos entrevistados na pesquisa que se tratava apenas de uma “fase”, de uma ocupação “que não é para sempre”. Por mais dura que fosse a atividade, ela era vista como uma etapa neces-sária à realização de um projeto de vida mais amplo – ajudar a família, financiar os estudos ou mesmo adquirir um bem de consumo muito desejado, como uma moto.

a busca por educação

Nas últimas décadas houve impressionante expansão da educação na América do Sul, tanto nas escolas fundamentais quanto no ensino médio. A atual geração de jovens é mais instruí-da do que a de seus pais, mas os anos adicionais que passaram a estudar não significaram uma melhor inserção no mercado de trabalho.

As demandas dos jovens com relação à educação podem ser divididas em dois grandes grupos: o acesso às escolas e a busca na melhoria da qualidade do ensino. A primeira perspec-tiva está presente na parcela

As preocupações que mais se destacam entre os jovens são as questões relacionadas a trabalho e educação

Apareceu de maneira intensa a vigência de dois estereótipos sobre os jovens. Um é aquele que vê na juventude a protagonista da crítica social e dos grandes projetos de transformação do mundo. O outro é o que considera os jovens dedicados à alegria, à festa e ao prazer, com freqüência criticando seu suposto isolamento dos problemas políticos.

Movimento estudantil reivindica a criação de uma Escola Normal na cidade de El Alto (Bolívia).

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mais pobre da juventude, como os canavieiros em São Paulo, os adolescentes bolivianos ou os camponeses paraguaios. Exigem escolas que atendam suas co-munidades e que se adaptem às suas necessidades culturais e profissionais. No caso do mun-do rural, por exemplo, isso sig-nifica um calendário escolar que seja compatível com os ciclos de plantio e colheita. Também quer dizer professores que va-lorizem as tradições e o modo de vida dos agricultores, o que não costuma ocorrer. Os jovens paraguaios se queixam de que são ensinados a desprezar o tra-balho rural e a considerar como “civilizado” apenas o mundo ur-bano. Muitos acabam aceitando essa orientação e migram para as cidades, para viver de servi-ços temporários ou biscates.

O caso boliviano também me-rece realce. Os adolescentes da cidade de El Alto – município vi-zinho a La Paz, formado basica-mente por migrantes indígenas da zona rural – pressionaram di-versos governos pela criação de uma escola de formação de pro-fessores em sua região. O presi-dente Evo Morales demonstrou simpatia, mas alegou que não tinha recursos. Os jovens não se intimidaram, foram às ruas pro-testar e conseguiram o apoio de deputados do próprio partido de Morales. Embora o número de vagas ainda seja insuficiente, há enorme pressão popular pela ampliação das oportunidades

de estudo. O movimento dos alunos também exerceu influên-cia sobre o currículo, insistindo para a inclusão de disciplinas relacionadas às humanidades e à cultura geral, ao passo que as autoridades preferiam destacar matérias técnicas, tradicional-mente associadas aos pobres.

O acesso à escola não se es-gota na criação da instituição ou no número de vagas: também é necessário chegar até lá. Isso tem se tornado um problema sé-rio nas cidades cada vez maio-res da América do Sul. O resul-tado é a eclosão de uma série de movimentos de passe livre – no Brasil, no Chile, no Para-guai – que demandam passagem gratuita ou com descontos para estudantes. É freqüente, nos três países, que os gastos com transporte representem parcela considerável da renda das famí-lias pobres e muitas vezes os jo-vens se encontram sem dinheiro até para pagar o ônibus, trem ou

metrô que precisam tomar para chegar ao colégio.

O caso mais impressionante em termos de impacto públi-co foi a chamada “Revolta do Buzu” em Salvador. O movimen-to começou por causa do anún-cio de aumento nas passagens de ônibus. Os protestos dos estudantes paralisaram a cidade durante meses, mas a população os apoiou, apesar dos transtor-nos no trânsito, porque houve o entendimento de que a mobi-lização defendia o interesse de todos.

No que diz respeito aos mo-vimentos por melhoria na qua-lidade da educação, o exemplo mais expressivo é a “Rebelião dos Pingüins” no Chile. O nome inusitado se explica pela cor do uniforme dos secundaristas, que lembra a desses animais. Os pingüins surpreenderam aqueles que viam no Chile uma sociedade apática, anestesiada pelo neoliberalismo, e mostra-

A questão é importante porque, para muitos rapazes e moças, a maneira de se vestir e de apresentar seu corpo é elemento essencial de sua identidade social, do modo como levam sua vida. É o caso de um músico de hip hop de Caruaru (Pernambuco), que numa conversa com o chefe da polícia militar local, desabafou: “O senhor quer que eu seja o senhor, mas eu sou eu”.

A atual geração de jovens é mais instruída do que a de seus pais, mas os anos adicionais que passaram a estudar não significaram uma melhor inserção no mercado de trabalho.

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*MAuRÍCIO SAnTORO é pesquisador do IBASE, professor da pós-graduação em Relações Inter-nacionais da Universidade Cândido Mendes.

ram a força dos movimentos sociais no país. Os estudantes contestaram a má qualidade das escolas públicas e a dificuldade de acesso à universidade.

Conclusões

Esse rápido panorama não pretende abordar todos os ca-sos da pesquisa, e sim chamar a atenção dos leitores para a intensa transformação que ocorre nos movimentos juvenis da América do Sul. Além da tra-dicional mobilização dos estu-dantes, destaca-se a questão do mercado de trabalho (com muita freqüência junto a demandas por educação) e uma série de outros temas que envolvem cul-tura, meio ambiente, gênero.

A Argentina, o país de mais elevado desenvolvimento social da América do Sul, mostra com

força essas outras possibili-dades. Ali vimos jovens extre-mamente envolvidos com os debates sobre a ditadura militar de 1976-1983 e que buscam pre-servar a memória de seus pais, mortos sob tortura pela repres-são política. Também há o caso do movimento ambientalista da cidade de Gualeguaychú, que se opõe à instalação de duas fábricas de celulose no muni-cípio uruguaio vizinho de Fray Bentos. Os jovens participam dos bloqueios de estrada e das manifestações que se tornaram o mais importante assunto da agenda dos dois países.

O Brasil foi citado com fre-qüência como modelo para po-líticas públicas de juventude, e também tem muito a aprender com a riqueza e a diversidade dos movimentos juvenis dos vizinhos da América do Sul.

NOTA

1 Muitas dessas informações provêm da excelen-te oficina técnica “Trabalho Decente e Juventude”, promovida pela Organização Internacional do Trabalho em Brasília, em novembro de 2007. Agra-deço aos colegas do evento pelas contribuições.

Os pingüins surpreenderam aqueles que viam no Chile uma sociedade apática, anestesiada pelo neoliberalismo, e mostraram a força dos movimentos sociais no país. Os estudantes contestaram a má qualidade das escolas públicas e a dificuldade de acesso à universidade.

Manifestações da “rebelião dos pingüins”, Chile, 2006.

Assembléia Juvenil Ambiental de Gualeguaychu (Argentina) realiza manifestação contra a instalação de fábricas de celulose no Rio Uruguai.

Movimento H.I.J.O.S (filhos de desaparecidos da ditadura militar argentina).

Manifestação de estudantes brasileiros.

Jovens do movimento hip-hop aymará em Wayna Tambo (Bolívia).

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a CONStrUÇÃO DO HOMeM NO JOVeM MarX (Parte 4)

Augusto C. Buonicore*TE

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Marx e os Manuscritos econômicos e filosóficos

Nos Manuscritos Econômi-cos e Filosóficos, escrito em 1844, o humanismo

de Marx adquire maior consis-tência. Não se trata mais aqui da defesa de um homem em geral, abstrato, mas de um ho-mem concreto, histórico. Era um humanismo sob novo ponto de vista, o ponto de vista do prole-tariado revolucionário.

Nesse trabalho o autor critica os economistas burgueses, que consideravam os homens apenas enquanto produziam para o Ca-pital. Reduziam o proletariado àquele que “sem capital nem renda da terra vivia puramente do trabalho e do trabalho unila-teral, abstrato, apenas como ope-rário”. Assim puderam estabele-cer “o princípio pelo qual, como qualquer cavalo, ele tem que ganhar o suficiente para poder trabalhar. Não considerava-o no tempo em que não trabalhava, ou seja, como homem. Assim, “os mendigos, os desemprega-dos, os trabalhadores famintos, indigentes, criminosos, eram figuras que não existiam para a economia política, mas apenas para os olhos dos médicos, juí-zes, coveiros e burocratas”. As necessidades dos trabalhadores “se reduziriam às necessidades de mantê-los diariamente no tra-balho, de molde a não extinguir a raça dos trabalhadores”. Os salários teriam “o mesmo signifi-cado da manutenção de qualquer outro instrumento de produção

(...) É o óleo aplicado à mola para conservá-la rodando”. O homem se transformava numa peça de engrenagem e a sociedade numa grande fábrica.

Marx submeteu assim o ca-pitalismo a uma crítica feroz, de um ponto de vista revolu-cionário. Foi uma das críticas mais radicais escritas até então. Denunciou a desumanização do homem e sua transformação em simples mercadoria. Denunciou o processo de alienação – não apenas religiosa e política, mas fundamentalmente a alienação que teria por centro o próprio trabalho humano. Definiu o tra-balho alienado como fundamen-to do homem alienado.

No capitalismo, afirmava Marx, “a produção não apenas produz o homem como mercado-ria humana (...) produz o homem como um ser mental e fisicamen-te desumanizado. Imoralidade,

aborto, escravidão do trabalho”. E prosseguia: “A partir do mo-mento em que a humanidade se compõe principalmente de traba-lhadores, dos quais deserdados são os proletários, o humanis-mo real que se preocupa com os interesses de cada homem é aquele que defende os interesses proletários.”

Na sociedade capitalista os operários eram as maiores víti-mas da guerra sem quartel da concorrência pelos mercados. O operário, segundo Marx, não ga-nhava necessariamente quando o capitalista ganhava, mas perdia necessariamente quando ele per-dia. “Se a riqueza da sociedade declina”, afirmou, “é o operário quem mais sofre; mas se a rique-za progride, essa é a situação mais favorável para os operários, mas significa para eles também um trabalho extenuante, que abreviará sua existência”.

Nos Manuscritos Econômicos e Filosóficos, escrito em 1844, o humanismo de Marx adquire maior consistência. Não se trata mais aqui da defesa de um homem em geral, abstrato, mas de um homem concreto, histórico.

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A economia política burguesa era, por sua vez, extremamente moralista – pelo menos quanto à classe operária. Segundo o jovem Marx, “sua tese princi-pal era a renúncia à vida e às necessidades humanas. Quanto menos se comer, beber, comprar livros, ir ao teatro ou bares, ou botequim, e quanto menos se pensar, amar, doutrinar, cantar, pintar, esgrimir etc. tanto mais se poderia economizar (...) Tudo o que o economista tirava sob a forma de vida e humanidade devolvia sob forma de dinheiro. (...) O trabalho deve ser apenas o que lhe é necessário para desejar viver, e deve desejar viver para ter isso”.

Em contraposição à moralida-de burguesa começava a surgir uma nova moralidade: “Quando artesãos comunistas formam associações, o ensino e a propa-ganda são seus primeiros objeti-vos. Mas sua própria associação engendra uma necessidade nova – a necessidade da sociedade –, o que é um meio torna-se um fim (...) Fumar, comer e beber não são mais meios de congre-gar pessoas. A sociedade, a as-sociação, o divertimento tendo também como fito a sociedade é suficiente para eles, a frater-nidade do homem não é a frase vazia, mas uma realidade e a pobreza do homem resplandece sobre nós vindo de seus corpos fatigados.”

a desalienação humana passa pela superação da exploração assalariada

Já no seu 1º manuscrito Marx passa a estender o conceito de alienação do campo da política para o campo da economia, estu-dando particularmente a aliena-ção do trabalho. No capitalismo o trabalho é exterior ao operário, não pertence à sua essência. No seu trabalho o operário não se afirma, mas, ao contrário, se nega. Não se sente bem, mas in-feliz. Não desenvolve nenhuma energia física e espiritual, mas mortifica o corpo e arruina o espírito. O operário, portanto, só se sente bem consigo mesmo fora do trabalho, pois no traba-lho sente-se fora de si.

No capitalismo o trabalho é forçado, imposto de fora. Não representa a satisfação de uma necessidade do trabalhador, mas apenas um meio de receber um salário, um simples meio de atender outra necessidade. Todo trabalho do operário volta-se contra ele, como uma força estranha e hostil. O operário, ao produzir mercadorias, produzia

também sua própria alienação. Escreveu Marx: “O trabalha-

dor fica mais pobre à medida em que produz mais riquezas e sua produção cresce em força e extensão. O trabalhador torna-se uma mercadoria ainda mais ba-rata à medida que cria mais bens (...) quanto mais trabalhadores se desgastem no trabalho tanto mais poderoso se torna o mun-do dos objetos por ele criado em face dele mesmo, tanto mais simples se torna a vida interior, e tanto menos ele se pertence a si próprio (...) O trabalhador pôs a sua vida no objeto, e sua vida, então, não mais lhe pertence, porém ao objeto.” Concluía ele que, se o produto do trabalho não pertencia ao operário, isso só era possível porque pertencia a outrem, o capitalista.

Marx descobriu assim um dos fundamentos da alienação humana no capitalismo: a apro-priação do produto do trabalho pelo não-operário (proprietário dos meios de produção), fato que acarreta uma dominação real daquele que produz por aquele que não produz. A alie-nação do produto do trabalho exprimia-se na hostilidade entre o operário e o não-operário.

Essa concepção está na raiz da crítica de Marx a certas cor-rentes socialistas, que buscavam eliminar a condição de proletá-rio através de um aumento de salários, escondendo-se sob a palavra de ordem dos “salários justos”. Escreveu Marx: “Uma elevação do salário pela força (...)

Na sociedade capitalista os operários eram as maiores vítimas da guerra sem quartel da concorrência pelos mercados. O operário, segundo Marx, não ganhava necessariamente quando o capitalista ganhava, mas perdia necessariamente quando ele perdia.

No capitalismo, o trabalho é exterior ao operário, não pertence à sua essência. No seu trabalho o operário não se afirma, mas, ao contrário, se nega. Não se sente bem, mas infeliz. Não desenvolve nenhuma energia física e espiritual, mas mortifica o corpo e arruina o espírito. O operário, portanto, só se sente bem consigo mesmo fora do trabalho, pois no trabalho sente-se fora de si.

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nada mais seria que um melhor assalariado dos escravos e não uma conquista para o operário, nem para o trabalho, o seu desti-no humano.” O salário seria con-seqüência do trabalho alienado e “aquele que se erguia contra a propriedade privada devia recla-mar a anulação do trabalho alie-nado, e, portanto, do salariato, como a situação na qual o traba-lho não era um fim em si, mas um servidor do salário”.

o Homem e a sociedade

Marx já nesse período tinha clareza da unidade dialética que se forjava entre o homem e a so-ciedade. Nele já não vemos nada que se assemelhe ao determinis-mo econômico, que alguns tei-mam em lhe impingir. A socieda-de e as condições históricas pro-duziam os homens concretos, mas ao mesmo tempo estes não eram meros produtos sem vonta-de, e sim agentes ativos que com sua ação consciente eram capa-zes de mudar as condições que lhes deram origem. Afirmava ele: “Da mesma forma que a socieda-de produz o homem, também ela era produzida por ele.” E seguia em seu raciocínio afirmando que “embora o homem seja um indi-víduo único (...) ele é igualmente o todo, o todo ideal, a existência subjetiva da sociedade como é pensada e vivenciada. Ele existe

(...) como a soma das manifesta-ções humanas da vida”.

O homem, portanto, não pode ser entendido como o Robson Crusoé do pensamento liberal. Ele só pode ser conce-bido como parte integrante do mundo dos homens, a socieda-de. Cada indivíduo era portador do conjunto dessas relações (homem/homem, homem/na-tureza). O homem (individual/real) só pode ser entendido na coletividade dos homens. Po-demos notar ainda neste traba-lho uma grande influência das idéias de Feuerbach e de seu humanismo, de sua “essência humana” em geral. Mas, no Marx dos Manuscritos, essas idéias já se encontravam em transição e tenderiam a desaparecer na obras seguintes, em especial na Ideologia Alemã de 1845.

Todo o mundo para o ho-mem, inclusive os seus sentidos, eram fruto da ação dos próprios homens – através do trabalho humano – e “mesmo as formas de relação do homem com o mundo, o ver, ouvir, cheirar, sa-borear (...) amar, ou seja, tudo o que é possível captar e transmi-tir através dos órgãos de nossa individualidade são produtos de anos de trabalho social huma-no”.

“È evidente”, continuava ele, “que o olho humano aprecia as coisas de maneira diferente

da do olho bruto, não humano, assim como o ouvido humano difere do ouvido bruto, e só quando o objeto se torna um objeto humano (...) o homem não fica perdido nele. Isso somente é possível quando o objeto se torna um objeto social e quando ele próprio se torna um ser so-cial”. Mas todas essas formas de apreensão humana do mundo, através dos sentidos, encontram-se em nossa sociedade limitadas em sua potencialidade pela exis-tência da propriedade da privada e pela exploração do trabalho.

A propriedade privada, se-gundo Marx, “tornou-nos nés-cios e parciais a ponto de um objeto só ser considerado nosso quando é diretamente comido, bebido, vestido, habitado etc, em resumo quando utilizado de alguma forma (...) Todos os sen-tidos físicos e intelectuais foram substituídos pela simples aliena-ção de todos eles, pelo sentido do ter”.

A sociedade capitalista tem no dinheiro uma forma particular de alienação da essência humana em geral, a qual inverte o sentido da realidade. A propriedade do dinheiro passa a ser também de quem o possui: “Sou feio, mas posso comprar a mais bela mu-lher e conseqüentemente não sou feio (...) Sou estúpido, mas o dinheiro é o verdadeiro cérebro de todas as coisas e, sendo assim,

A propriedade privada, segundo Marx, “tornou-nos néscios e parciais a ponto de um objeto só ser considerado nosso quando é diretamente comido, bebido, vestido, habitado etc, em resumo quando utilizado de alguma forma (...) Todos os sentidos físicos e intelectuais foram substituídos pela simples alienação de todos eles, pelo sentido do ter”.

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* AuguSTO CéSAR BuOnICORe é historiador, mestre em Ciência Política pela Unicamp, secretário-geral do Instituto Maurício Grabóis (IMG), membro do conselho editorial das revistas Princípios, Debate Sindical e Crítica Marxista e membro do Conselho Consultivo do CEMJ.

como poderá este seu possuidor ser estúpido?” O dinheiro, para Marx, “converte o amor em ódio (...), o servo em senhor (...), a es-tupidez em inteligência (...) Quem pode comprar a bravura é bravo, malgrado seja covarde”.

Contrapondo-se ao mundo do dinheiro, Marx pregava uma nova sociedade em que “o ho-mem fosse Homem e em que a relação com o mundo fosse humana, aonde o amor só pu-desse ser trocado por amor (...) Se desejar apreender a arte, será preciso apenas ser uma pessoa autenticamente educada”. Mas para realizar tal mundo é preci-so, antes de mais nada, abolir a propriedade privada. Esse seria o primeiro passo para a “apro-priação da verdade humana (...) e a substituição positiva de toda a alienação, o retorno do homem da religião, do Estado, para a vida realmente social”.

O comunismo, assim, seria para Marx a abolição da proprie-dade privada e o fim da aliena-ção humana. Ele seria a “verda-deira apropriação da natureza humana através do e para o Ho-mem (...) O retorno do Homem a si mesmo como ser social (...) O comunismo como naturalis-mo plenamente desenvolvido é humanismo (...) É a resolução do antagonismo entre Homem e natureza, entre homem e seu se-melhante. É a verdadeira solução do conflito entre a existência e a essência (...) entre o indivíduo e a espécie”. (continua na próxi-ma edição de juventude.br) Contrapondo-se ao mundo do dinheiro, Marx pregava uma

nova sociedade em que “o homem fosse Homem e em que a relação com o mundo fosse humana, aonde o amor só pudesse ser trocado por amor (...) Se desejar apreender a arte, será preciso apenas ser uma pessoa autenticamente educada”. Mas para realizar tal mundo é preciso, antes de mais nada, abolir a propriedade privada.

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Che

No dia 9 de outubro de 1967 o comandante Che Guevara era assassinado nas selvas da bolívia. Quarenta anos depois, a juventude de todo o mundo homenageia o

revolucionário que se tornou um ícone da rebeldia juvenil e das lutas por liberdade, democracia, dignidade e justiça social.

Como contribuição a esse momento de homenagens e reflexões sobre o legado de Che Guevara, Juventude.br publica, em duas partes, o dossiê Che. Nesta primeira parte trazemos registros biográficos, estudos e crônicas sobre o significado da figura de Che. Na próxima edição, que circula no primeiro semestre de 2008 – quando a juventude de todo o mundo voltará a lembrar de Che por ocasião da passagem do 80º aniversário de seu nascimento –, Juventude.br voltará ao tema através da abordagem das idéias e da herança teórica do Che.

boa leitura!

“A argamassa fundamental de nossa obra é a juventude, em que depositamos nossa esperança e a quem preparamos para tomar de nossas mãos a bandeira.”Ernesto “Che” Guevara

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C

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Che Guevara nas trilhas da revolução latino-americana

Há 40 anos, no dia 9 de outubro, morria o comandante Che Guevara. Tombou no seu posto de combate pela libertação econômica, política e social da América Latina. Mas quem foi Che Guevara? Qual sua contri-buição à causa socialista? Ten-taremos, sem grandes preten-sões, encontrar algumas dessas respostas neste e no próximo artigo.

Nas décadas que se seguiram à sua trágica morte nas selvas bolivianas, Che foi perdendo sua substância e se transformando num ícone – na verdade, um dos maiores ícones da segunda metade do século XX. Seu rosto de guerrilheiro altivo foi estam-pado em camisetas, cartazes e pichações por todo o mundo. Se existe um lado positivo neste fenômeno é o fato de manter viva a imagem de um dos maio-res heróis latino-americanos; de outro – negativo –, ele acaba acobertando as idéias e o projeto político pelo qual Guevara viveu e morreu: a libertação da Améri-ca Latina do julgo imperialista, a conquista do socialismo e a construção do homem e da mu-lher novos. O sistema capitalista tem uma incrível capacidade de incorporar alguns elementos da cultura alternativa, até mesmo revolucionária, e transformá-los em objetos de mercado, formas sem conteúdo, neutras, inofensi-vas. No entanto, a personalidade

forte de Che não pode ser presa, capturada, na camisa de força do ícone, da marca, do mito.

Por isso, para compreender o verdadeiro Che, é preciso ir para além do ícone, além da marca, além do mito. Estes não têm sangue correndo nas veias, não são de carne e osso, não sentem fome ou frio. Eles não têm dúvi-das ou medos, são fantasmas que não convivem com as maldi-tas contradições cotidianas. Ao contrário dos ícones, os homens e mulheres de verdade, inclusive os mais revolucionários deles, padecem de todas essas vicissi-tudes humanas. E Che foi, acima de tudo, um homem. Um homem do seu tempo.

o homem e seu destino

Ernesto Guevara de la Serna nasceu em 14 de junho de 1928 na Argentina. Filho de família de pequenos produtores rurais de erva-mate. Cresceu usufruindo a vida como um membro das classes médias sul-americanas. Mas, desde muito cedo, Ernesto sofreu com seus problemas de saúde. Aos dois anos de idade apareceu-lhe a asma, que o acompanhou, como um fan-tasma, durante toda a sua vida, inclusive em seus derradeiros dias nas selvas bolivianas.

Ironicamente, aquele que seria considerado o mais temido comandante guerrilheiro latino-americano, foi declarado inapto para o serviço militar no seu próprio país. Guevara, então, matriculou-se na Faculdade de Medicina da Universidade de Buenos Aires.

Augusto C. Buonicore*

“Outra vez sob meus calcanhares o lombo de Rocinante, retomo o caminho com meu escudo no braço (...). Muitos dirão que sou aventureiro. Eu sou de fato, só que de um tipo diferente, daqueles que entregam a pele para demonstrar suas verdades” Che Guevara (trecho de carta a seus pais, antes de partir para sua última trincheira na Bolívia).

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A doença, no entanto, não enfraqueceu o seu espírito indomável; pelo contrário, ela o impulsionou a ultrapassar todos os limites. Com 23 anos com-prou uma motocicleta e, ao lado de um amigo, percorreu diversos países da América Latina. Em 1953 se formou em medicina e partiu novamente em outra aventura para conhecer mais e melhor seu sofrido continente. Passou pela Bolívia e depois seguiu para a Guatemala, onde havia um governo democrático e popular, dirigido por Jacobo Arbenz. Este havia expropriado as terras da poderosa empresa norte-americana United Fruit. Nessa ocasião Guevara comprou alguns livros marxistas e passou a estudá-los com afinco.

O jovem Guevara, que apoia-va o governo, se alistou para tra-balhar num programa de saúde entre a população indígena, mas foi obrigado a ficar num posto médico na capital guatemalteca. Em 18 de junho de 1954 o presi-dente Arbens foi derrubado do poder por mercenários apoiados pelos EUA. E Guevara tentou organizar um grupo de jovens para resistir à invasão. Afirmaria mais tarde: “Na Guatemala era necessário lutar, porém quase ninguém lutou”.

O jovem médico argentino, fichado como “perigoso comu-nista”, foi incluído nas temidas “listas negras” dos condenados à morte e obrigado a se refu-giar no consulado argentino. O novo governo conservador, servilmente, devolveu as terras nacionalizadas à United Fruit, re-

tirou os direitos trabalhistas dos camponeses pobres, prendeu, torturou e assassinou vários militantes de esquerda.

Guevara extraiu deste trágico acontecimento as suas primei-ras – e inesquecíveis – lições sobre a luta emancipacionista na América Latina: 1- o impe-rialismo norte-americano era o principal inimigo dos povos; 2- a luta revolucionária seria o único meio para se conquistar um poder democrático, popular e socialista; 3- as burguesias nacionais já haviam esgotado o seu papel na luta revolucionária antiimperialista no continente.

Guevara passou dois meses asilado no consulado argentino e, então, seguiu com outros refugiados para o México. Ali entrou em contato com elemen-tos da oposição cubana, ligados

Guevara valorizava muito o aspecto ideológico também na construção do chamado “homem novo”, ou seja, de um novo humanismo socialista.

Com 23 anos comprou uma motocicleta e, ao lado de um amigo, percorreu diversos países da América Latina.

Guevara com camponeses

cubanos em dia de trabalhos voluntários.

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ao movimento “26 de julho”, que o convidaram para participar dos planos para derrubada do ditador Fulgêncio Batista. Es-creveu ele: “Falei com Fidel uma noite toda. E ao amanhecer já era o médico de sua futura expe-dição. Na realidade, depois de minhas caminhadas por toda a América Latina e do arremate na Guatemala, não era necessário muito para incitar-me a entrar em qualquer revolução contra um tirano”. Amarrava-se assim o destino do jovem médico argen-tino com o da revolução cubana.

Depois de um ano de prepara-tivos, em novembro de 1956, 82 homens partiram para Cuba a bordo do Granma. Antes de chegar a seu objetivo a expe-dição foi descoberta pelas forças armadas do ditador cubano e, após duros combates, ficou reduzida a apenas 15 homens, que se refugiaram na Sierra Maestra. Os poucos sobreviven-tes uniram-se aos camponeses pobres, que lhes serviram de base de apoio para o início da ação guerrilheira. Em pouco tempo Che assumiu o comando da 2ª coluna de guerrilheiros. No dia 1º de janeiro de 1959 as suas tropas conquistaram a cidade de Santa Clara e o ditador Batista fugiu de Cuba. Três dias depois os “barbudos” de Fidel entraram triunfantes em Havana e Guevara foi nomeado governador militar daquela província.

A revolução vitoriosa foi pro-fundamente popular, assentada nos camponeses e nos trabalha-dores urbanos, e cumpriu todos os seus compromissos. O gover-no revolucionário expropriou os latifúndios, muito deles perten-centes a companhias norte-ameri-canas. Quando as refinarias norte-americanas localizadas

em Cuba se recusaram a refinar petróleo vindo da URSS, o gover-no cubano as nacionalizou. Em represália, Washington suspen-deu a compra de açúcar, visando sufocar a economia da ilha. A cada pressão dos norte-america-nos, o governo cubano radicali-zava ainda mais suas posições antiimperialistas. A revolução foi rapidamente mudando seu caráter, de nacional-democrática passou a ser socialista.

Em abril de 1961 ocorreu a tentativa de invasão de Cuba por mercenários, pagos e apoiados pela CIA, na Bahia dos Porcos. As tropas invasoras foram destroça-das em poucas horas. Fidel rompeu definitivamente com os norte-americanos e se afirmou marxista-leninista.

Ainda nesse ano Che repre-sentou Cuba na reunião da Organização dos Estados Ameri-canos, ocorrida no Uruguai – convocada especialmente para condenar o novo regime cubano

e excluí-lo da organização. Neste conclave Guevara denunciou firmemente os planos do imperia-lismo contra a ilha e defendeu o governo de Fidel da acusação de tentar exportar a revolução para a América Latina. Declarou ele: “Não podemos deixar de exportar exemplos, como que-rem os Estados Unidos, porque o exemplo é algo espiritual que ultrapassa as fronteiras. O que damos de garantia é que não ex-portaremos a revolução, damos a garantia de que não se moverá um fuzil de Cuba, que não se moverá uma só arma de Cuba, para luta em nenhum outro país da América”.

Continuou: “O que não podemos assegurar é que as idéias de Cuba deixem de im-plantar-se em algum outro país da América. O que asseguramos a esta Conferência é que, se não forem tomadas medidas urgentes de prevenção social, o exemplo cubano penetrará nos povos e, então, aquela exclama-ção (...) de Fidel em 26 de julho e que foi interpretada como uma agressão, se tornará uma reali-dade. Fidel disse que se manti-veram as atuais condições soci-ais ‘a cordilheira dos Andes será a Sierra Maestra da América’”.

Na volta, Guevara passou pelo Brasil e foi condecorado pelo então presidente Jânio Quadros. Poucos dias depois, sob forte pressão da direita, o presidente brasileiro renunciaria, abrindo uma crise política e militar que conduziu o país à beira de uma guerra civil.

Em outubro de 1962 acon-teceu uma nova crise com os EUA. O governo norte-americano descobriu que Cuba possuía mísseis nucleares e passou a exigir que fossem imediatamente

O sistema capitalista tem uma incrível capacidade de incorporar alguns elementos da cultura alternativa, até mesmo revolucionária, e transformá-los em objetos de mercado, formas sem conteúdo, neutras, inofensivas.

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desmontados. Houve, então, uma nova ameaça de invasão e o mundo chegou bastante próximo de uma guerra nuclear. Os soviéticos recuaram e, uni-lateralmente, sem acordo com os cubanos, decidiram retirar os mísseis da ilha. Fidel e Guevara sentiram-se traídos pelos russos.

Em 1961 Guevara foi indicado para ministro da Indústria. Defendeu uma industrialização mais rápida e a centralização maior da economia. Por suas posições entrou em conflito com os soviéticos que defendiam uma Cuba não-industrial, con-centrada na produção de açúcar – numa espécie de divisão inter-nacional do trabalho “socialista”. Polemizou também em torno da predominância de incenti-vos materiais para o aumento da produtividade do trabalho e advogou a necessidade de uma emulação assentada fundamen-talmente na ideologia socialista. Como ministro Guevara visitava fábricas e canaviais e participava dos trabalhos manuais. Ele foi o principal incentivador do tra-balho voluntário na produção, seguindo exemplo dos primeiros anos da revolução soviética. Os membros dos ministérios e das universidades, uma vez por semana, ajudavam no corte de cana ou exerciam outro tipo de trabalho, manual e produtivo. À frente deste esforço estava o ministro e presidente do Banco de Cuba, Ernesto Che Guevara.

Guevara valorizava muito o aspecto ideológico também na construção do chamado “homem novo”, ou seja, de um novo humanismo socialista. Em O que deve ser um jovem comunista, escreveu: “o que se coloca para todo jovem comunista é ser es-sencialmente humano, ser tão

humano que se aproxime do melhor dos humanos. Purificar o melhor do homem através do trabalho, do estudo, da prática da solidariedade contínua com o povo e com todos os povos do mundo; desenvolver o máximo de sensibilidade, até o ponto de sentir-se angustiado quando em algum canto do mundo um homem é assassinado e até o ponto de sentir-se entusias-mado quando em algum canto do mundo se levanta uma nova bandeira de liberdade”.

outras serras, outras trincheiras

No entanto, Che não se adap-tou bem na função de ministro de Estado e acabou pedindo para ser substituído no cargo A partir de 1964 tornou-se uma espécie de relações exteriores da revolução cubana, viajando para vários países da América Latina, África e Ásia. Em 1965, misteriosamente, desapareceu da vida pública e renunciou a todas as suas responsabilidades junto ao governo e à direção do Partido Comunista Cubano. Isso era necessário tendo em vista o novo projeto revolucionário em que ele iria se envolver.

Em sua carta de despedida a Fidel escreveu: “Outras ser-ras do mundo requerem meus modestos esforços. Eu posso fazer aquilo que lhe é vedado devido à sua responsabilidade à

frente de Cuba, e chegou a hora de nos separarmos (...). Declaro uma vez mais que eximo Cuba de qualquer responsabilidade, a não ser aquela que provém do seu exemplo. Se minha hora final me encontrar debaixo de outros céus, meu último pensa-mento será para o povo e espe-cialmente para ti, que te digo obrigado pelos teus ensinamen-tos e pelo teu exemplo, ao que tentarei ser fiel até às últimas conseqüências dos meus atos; que estive sempre identificado com a política externa da nossa revolução, e continuo a estar; que onde quer que me detenha sentirei a responsabilidade de ser revolucionário cubano, e como tal atuarei. Não lamento por nada deixar de material para minha mulher e meus filhos. Estou feliz que seja assim. Nada peço para eles, pois o Estado os proverá com o suficiente para viver e para ter instrução”. Esta carta é um veemente desmen-tido aos boatos que correram o mundo – usados pelos inimigos da revolução cubana – sobre um possível rompimento de relações entre os dois revolucionários cubanos.

Depois de participar de uma frustada tentativa revolucionária no Congo, ele partiu secreta-mente para a Bolívia. Este país foi escolhido por sua localização central que, acreditava, per-mitiria estender o movimento guerrilheiro por todo o con-

A experiência da guerrilha boliviana revelou os equívocos de muitas das concepções político-militares defendidas pelo revolucionário cubano, entre elas a afirmação de que já existi-riam as condições objetivas para a eclosão de uma revolução socialista em toda a América Latina, cabendo apenas a ação enérgica de um pequeno grupo de revolucionários para que se constituíssem as condições subjetivas.

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tinente latino-americano. Em março de 1967 o pequeno grupo guerrilheiro comandado por Che foi descoberto pelos órgãos de repressão. Num primeiro momento ele obteve algumas vitórias sobre o desorganizado exército boliviano, mas logo entraram em ação os “rangers”, treinados pelos norte-america-nos no Panamá, com o apoio de “técnicos” da CIA.

A experiência da guerrilha bo-liviana revelou os equívocos de muitas das concepções político-militares defendidas pelo revo-lucionário cubano, entre elas a afirmação de que já existiriam as condições objetivas para a eclosão de uma revolução socia-lista em toda a América Latina, cabendo apenas a ação enérgica de um pequeno grupo de revolu-cionários para que se constituís-sem as condições subjetivas.

No início de outubro eram apenas 17 os guerrilheiros que permaneciam vivos ao lado de Che – um número maior do que o que se alojou na Sierra Maestra em 1956 –, mas as condições eram-lhes completamente ad-versas. A guerrilha atuou numa zona hostil, em condições bas-tante diferentes das existentes na serras cubanas. Os campone-ses compunham uma massa ainda atrasada e que não tinha a tradição revolucionária dos camponeses cubanos. A prin-cipal força social de esquerda

na Bolívia, os mineiros, havia sido esmagada pelo governo em junho de 1967. Essa era uma prova de que as revoluções não podem ser copiadas.

Em seus últimos dias, Gue-vara escreveu: “Dia de angústia que em certo momento pareceu ser o nosso último dia (...) o exército está mostrando maior efetividade de ação, e a massa camponesa não nos ajuda em nada e se converte em dela-tores”. Estes eram claros sinais de que uma tragédia estava pres-tes a ocorrer. A situação exigia recuo, mas já era tarde demais.

No dia 8 de outubro de 1967 o pequeno grupo foi cercado e massacrado. Che acabou sendo ferido em combate e preso. No dia seguinte foi executado ile-galmente por ordem do governo do general Barrientos, temente de que um julgamento público pudesse se transformar num palanque para as idéias revo-lucionárias de Che. O corpo do comandante guerrilheiro foi en-terrado clandestinamente e por mais de 30 anos o local perma-neceu desconhecido.

Bibliografia:

AQUINO, RUBIM et alli. História das Sociedades Americanas. Rio de Janeiro: Ed. Eu e você, 1981.

BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. De Martí a Fidel. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1998.

SADER, Eder (org.). Che Guevara. Coleção Grandes Cientistas sociais. São Paulo: Ed. Àtica, 1988.

HARNECKER, Marta. Fidel, a estratégia política da vitória. São Paulo: Ed. Expressão Popular, 2000.

Fidel lê a carta de despedida de Che http://www.youtube.com/watch?v=kQoXQYBBjnc&mode=related&search=

Fidel fala da morte de Che em 1967 http://www.youtube.com/watch?v=huvrR8FCJpU

Discurso em Santa Clara em 1961 http://www.youtube.com/watch?v=OfMvvGw4lIs&mode=related&search=

Belo discurso na ONU em 1964 http://www.youtube.com/watch?v=DO7yxx7Y81w&mode=related&search

Vídeo-clipe sobre Guevara http://www.youtube.com/watch?v=O_QXOG1rDLs&mode=related&search

VEja GuEVara nO YOutubE:

No dia 8 de outubro de 1967 o pequeno grupo foi cercado e massacrado. Che acabou sendo ferido em combate e preso. No dia seguinte foi executado ilegalmente por ordem do governo do general Barrientos, temente de que um julgamento público pudesse se transformar num palanque para as idéias revolucionárias de Che.

Sobre o trágico desapareci-mento de Che e as esperanças que ele semeou, cantou o poeta e compositor cubano Pablo Milanés: “Não porque caístes/ Tua luz é menos alta./ Um cavalo de fogo/ Sustenta a tua escul-tura guerrilheira/ Entre o vento e as nuvens destas serras./ Não porque foi calado és silêncio/ E não porque te queimaram,/ Porque te dissimularam sobre a terra,/ Porque te esconderam/ Em cemitérios, bosques e pântanos/ Vão impedir que te encontremos./ Che comandante, amigo”.

* AuguSTO CéSAR BuOnICORe é historiador, mestre em Ciência Política pela Unicamp, secretário-geral do Instituto Maurício Grabóis (IMG), membro do conselho editorial das revistas Princípios, Debate Sindical e Crítica Marxista e membro do Conselho Consultivo do CEMJ.

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Há quarenta anos atrás o Exército boliviano, asses-sorado pela CIA, abateu a

sangue frio, com vários disparos, um prisioneiro desarmado. En-terrou-o em segredo e inventou que a morte se dera em combate. Seu nome: Ernesto Guevara de la Serna. Morria o braço direito de Fidel na guerrilha da Sierra Maes-tra, o militante comunista, o pe-regrino da luta antiimperialista, o estudioso, teórico e pensador, o polemista de afiada e certeira ironia, o profeta visionário da revolução socialista na América e no mundo.

O Exército boliviano fez um péssimo negócio. Matou um ho-mem indefeso, ardendo de febre, sufocado pela asma, estafado por meses de caminhada numa terra inóspita, onde a Cordilheira dos Andes cede lugar à selva Ama-zônica. E deu vida ao herói, ao mito, ao símbolo, de uma força e permanência sem igual. Trinta anos depois, o fantasma de Che Guevara ainda ronda e atormenta os poderosos donos do sistema que ele viveu para destruir. Uma geração que nem pensava em nascer, em 08 de outubro de 1967, reaviva a legenda do Che, que é a legenda da revolução.

Ernesto Guevara nasceu em 1928, numa família de classe média da Argentina. Asmáti-co desde criança, travou seu primeiro combate visando do-minar a doença, às custas de muito esporte e intermináveis caminhadas. Recém-formado em medicina, pôs a mochila nas

costas e pegou a estrada com um amigo para descobrir o mundo, a começar por nossa América Latina. Formou aí suas convic-ções revolucionárias, em contato com os mineiros da Bolívia, os caboclos da Amazônia, os índios do altiplano, os bóias-frias das plantações de bananas da United Fruit na América Central. No Mé-xico, por acaso, topou com Fidel Castro e seus companheiros, que se preparavam para iniciar a luta armada contra a ditadura de Ba-tista. Decidiu acompanhá-los a bordo do Granma, no que parecia uma aventura mas era o início da primeira revolução socialista no nosso continente. Dois anos depois, Batista fugia para os Es-tados Unidos e os guerrilheiros entravam em Havana, aclamados pela multidão que enchia as ruas.

O Che participou da constru-ção da nova sociedade em Cuba, foi ministro da Indústria, divul-gou o exemplo da revolução pelo mundo afora, inclusive no Brasil. Mas seu espírito irrequieto e sua consciência internacionalista logo o empurraram para novas trincheiras. Incorporou-se à luta pela libertação do Congo. Em seguida entrou clandestinamen-te na Bolívia, através do Brasil, decidido a acender ali o rastilho de uma revolução social latino-americana. Entregou a vida nessa empreitada.

Pode-se distinguir esse ou aquele aspecto do pensamento ou da ação de Guevara, mas são miu-dezas ao lado da figura de gigante que ele forjou nesses combates. Ninguém encenou com tanta cla-reza e contundência os anseios de transformação profunda que agi-taram a agitam este século e este continente. Foi o herói dos jovens do mundo inteiro nas jornadas rebeldes de 1968, e de todas as gerações e lutas que se seguiram, até nossos caras-pintadas de 1992 e os outros, que vieram depois.

O Che não é um modismo, pois os donos da indústria da moda pagariam um bom dinheiro para vê-lo esquecido. Não é um desses heróis chapa-branca, com seu inconfundível cheirinho de arti-ficialidade e mofo. É uma vida, e uma morte, de inteira dedicação a uma causa que vale a pena. E é também a recriação coletiva dessa vida e dessa morte nos corações e mentes da raça humana, com impacto todo especial nos jovens e nos latino-americanos.

Se alguém neste planeta me-rece o título de herói, sem aspas nem reticências, é este nosso vizinho, nosso irmão, nosso com-panheiro, mais vivo do que nunca – Ernesto Che Guevara.

CHe: a leGeNda da ReVolUção

Bernardo Joffily* O Che não é um modismo, pois os donos da indústria da moda pagariam um bom dinheiro para vê-lo esquecido.

* BeRnARDO JOffILy é jornalista, editor do Portal Vermelho. Texto adaptado de um outro publicado há 10 anos, quando do trigésimo aniversário da morte de Che.

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De seu humanismo comunista emergiu o pedestal de sua imagem mística, atualmente até mercantilizada, que, não obstante, os seus mais ferrenhos inimigos tentam tam-bém destruir ou ao menos desconstruir. Que se cuidem estes se, mais dia menos dia, as grandes massas explo-radas, sobretudo jovens, da humanidade atual, não se contentarem com o empolgamento apenas com essa sua face, mas passarem igualmente e se encantarem com a outra, a do ódio ao inimigo de classe.

Che Guevara: múltipla imagem da dupla face de Che e escritos sobre a construção do socialismo e a juventude

Pedro Castro* Mary Garcia Castro**

Múltipla imagem da dupla face de Che

É deveras notável a amplitu-de atual das visões ou ima-gens sobre a personalidade,

o papel, a trajetória, o significado da vida e sobretudo da dialética entre a vida e a morte de Che Guevara. Ao ensejo dos quarenta anos de sua morte, qualquer ten-tativa de resumi-la esbarra numa imensidão de antecedentes, in-clusive de textos e outras refe-rências impressas, televisivas e radiofônicas sobre o que aqui es-tamos considerando a sua dupla face, tanto da ótica de seus inimi-gos quanto de seus amigos.

A título de ilustração dessas imagens, comecemos com dois exemplos sintomáticos de ver-sões de ontem e de hoje dos seus inimigos. Segundo o livro organi-zado por Maurício Dias e Mario J. Cereghino, em 1967, relatório secreto da Central Inteligency Agency (CIA), dos EUA, sobre a guerrilha da Bolívia, dizia:

Che teria afirmado que a guer-rilha deve ser o núcleo do ím-peto revolucionário... Guevara também teria confessado que o apoio político exterior é ne-cessário para a vitória da re-volução na América Latina, embora, de início, a luta tenha

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de parecer um assunto estrita-mente interno. Com o progres-so da revolução ‘seu caráter internacionalista e proletário se tornará um fato’. Em outras palavras, a assistência exterior às revoluções não pode ser es-condida por muito tempo... O ‘espectro’ de Che, que foi eleito presidente honorário in absen-tia da conferência da Orga-nização Latino-americana de Solidariedade (OLAS) em Hava-na, simboliza de modo claro a abordagem militante que Fidel Castro deseja conferir a esta Assembléia (in DIAS, Maurício & CEREGHINO, Mario J. Rela-tório da CIA – Che Guevara. Ediouro, 2007. p. 79).

E, oito dias após o assassinato de Che Guevara, na Bolívia, o en-tão embaixador dos EUA naquele país, pedindo sigilo sobre o nome do seu informante, reportava a Washington, em 16 de outubro, a partir das inconfidências do repórter da United Press, Carlos Villaborda: “O jornalista soube pelo responsável da CBS na Bo-

lívia que a rede possui um vídeo que seria a prova do envolvimen-to da CIA na captura e execução de Che Guevara... Assim como no passado recente, é nossa intenção nos entrincheirar em um no com-ment a respeito”. E, mais oito dias após a sua morte, o mesmo em-baixador transmite ao Departa-mento de Estado estadunidense a matéria então publicada pelo di-ário El Siglo, do Chile, e assinada pelo jornalista Eduardo Labarca, cujo texto dinamitava a versão até então argüida pelo governo boliviano. Dizia o embaixador:

Ele escreve que uma importan-te fonte oficial de La Paz lhe revelou que a CIA participou da execução de Che Guevara. O cubano Feliz Rodriguez foi indicado como o agente da CIA presente no local... Labarca afirmava que a história da cre-mação do cadáver de Che era falsa e que na verdade o corpo estava sepultado nas cercanias do necrotério de Vallegrande (in DIAS e CEREGHINO. Op. cit. p. 99).

Outra pérola das interpreta-ções dos inimigos de Che Gue-vara sobre sua vida e sua morte, esta bastante atual, ainda que es-candalosamente caricata, é a da satânica revista Veja, da Editora Abril, de propriedade da família Civita, para quem “Che teria seu lugar assegurado na mesma lata de lixo onde a história já arre-messou há tempos outros teóricos e práticos do comunismo, como Lênin, Stalin, Trotsky, Mao e Fidel Castro”. Para esse sinistro perió-dico da imprensa escrita brasilei-ra, com base no depoimento de quatro refugiados traidores da revolução cubana hoje encastela-dos na cidade de Miami, nos EUA, a vida de Che Guevara teria sido “uma seqüência de fracassos”.

Em sua lunática apelação con-tra o que consideram um mito farsante da imagem do Che ar-güem, entre outras insânias, que este “não gostava de tomar ba-nho e tinha cheiro de rim fervi-do” (in revista VEJA. Ed. Abril, 03 /10/2007).

Nas versões dos seus assumi-dos amigos, quando não decla-radamente companheiros ou ca-maradas, citaríamos inicialmente o sociólogo franco-brasileiro Mi-chael Löwy (in LÖWY, Michael. Os cadernos inéditos de Che Gueva-ra. Le Monde Diplomatique Brasil, out/2007, p. 26/27), diretor de pesquisa do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS), professor da Universidade de Paris, notoriamente de tendên-cia trotskista e autor de muitas obras, inclusive de um livro so-bre o Che, sobretudo com base em carta de Che Guevara a seu amigo Armando Hart, de 1965, em idéias de autores da revis-ta Pensamento Critico, dos anos 60/70 (entre os quais Fernando Martinez Heredia, autor do livro

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Che, el Socialismo y el Comunis-mo, premiado pela Casa de Las Américas, em 1989) e em obras posteriores de Che, sobre guerra de guerrilhas, economia e políti-ca. Löwy destaca o que considera uma “independência de espírito de Guevara”, seu “distanciamen-to crítico em relação ao ‘socialis-mo real’” e sua “busca de uma via radical”, além do que considera “os limites de sua reflexão”. De um lado, Löwy opina que tal in-dependência de espírito de Che expressara-se em suas posições críticas à Nova Política Econô-mica da então URSS – que Lênin teria deixado de corrigir “por ter cometido o erro de morrer”. Os equívocos da NEP teriam sido de-vidos a uma “cumplicidade tática que os países socialistas de então teriam tido com os países explora-dores do Ocidente”, em detrimen-to da efetivação do internaciona-lismo proletário e da percepção da supremacia e da relevância do planejamento central (no interior do qual se destaca o papel do ‘ho-mem novo’) sobre as leis do valor e do mercado. A “independência de espírito” a que se refere Löwy também restaria patente na suge-rida crítica explícita de Guevara à linha que considerava possível “a construção do comunismo em um só país”, caracterizando a posição geral de Che como “um caminho para uma alternativa comunis-ta/democrática ao então modelo soviético”. Por outro lado, Löwy considera como limite do pen-samento de Guevara, ao menos na primeira fase de suas refle-xões mais conhecidas, o não ter compreendido a questão do sta-linismo, embora tivesse se dado conta do que Löwy considera “o papel nefasto de Stalin”.

Uma segunda interpretação do papel e do pensamento de Che Guevara está contida no livro su-pracitado de Heredia (HEREDIA, Fernando Martinez. Che, el socia-lismo y el Comunismo. La Habana: Ediciones Casa de las Américas, 1989. ps. 175/176 e 178), que, em alguns pontos centrais, coincide com as idéias já anunciadas de Michael Löwy. Contudo, há dois outros pontos-chave destacados por Heredia que nos parecem re-levantes no que significa hoje em dia o papel representado por Che na luta pelo socialismo e pelo co-munismo. O primeiro diz respei-to às “relações entre o pensamen-to e a conduta”, considerado por este autor como um dos aspectos fundamentais na concepção de Guevara. No plano individual, chamou a atenção de Heredia como as pessoas que foram as companheiras mais próximas do Che, mas também quadros e mi-litantes das fileiras partidárias, o avaliavam dizendo sempre que

O Che forjou-se a si próprio. Autocontrole, autodisciplina, auto -educação, enfim, esta-riam envolvidos nas multidões de anedotas e avaliações do Che, em termos de sua severi-dade autocrítica, sua austeri-dade merecidamente famosa, sua integridade absoluta. Nes-se sentido, haveria uma con-seqüência rigorosa entre essa forma permanente de si pró-prio e de suas idéias sobre a formação do homem... O Che

viveu e anunciou com sua própria vida a possibilidade de uma experiência humana mais integral, de uma liberta-ção das pessoas que só o nosso tempo pode pretender reali-zar em escala de milhões

Para Che, o destino individual de grande parte dos membros da vanguarda da fase inicial da tran-sição socialista era o de consu-mir-se na atividade que lhes to-cava, do que sua própria vida foi um dos exemplos lapidares. No plano dos acontecimentos, como exemplo de que Che via na con-duta conseqüente convertida em força organizada a criação de re-alidades que o pensamento prefi-gura e é capaz de projetar dentro do que é objetivamente possível, Heredia cita como ponto central na posição teórica e na prática re-volucionária de Che Guevara

a concepção unitária da luta pelo socialismo antes e depois da tomada do poder políti-co, mediante uma estratégia internacionalista de alcance mundial. Em sua conduta in-dividual, conseqüente com a estratégia revolucionária que acreditava para a América La-

A complexidade do humanismo revolucionário do Che alerta para a marca peculiar e o sentido de seus textos endereçados aos jovens.

Che Guevara participa de trabalhos voluntários em Cuba.

Che Guevara participa de trabalhos voluntários em Cuba.

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tina, como dirigente comunista Che Guevara deixou seu lugar na construção socialista da na-ção cubana para entregar-se ao fomento da luta armada revolucionária na América do Sul, acudindo ao que acredita-va ser ‘o chamado da hora’

Che entendia que não impor-tava o perigo que corresse, inclu-sive o do sacrifício, um homem ou um povo, “quando estava em jogo o destino da humanidade”. E sobre isso escreveu a seus pais, então: “Nada mudou em essência, salvo que sou muito mais cons-ciente, meu marxismo está enrai-zado e depurado. Creio na luta armada como única solução para os povos que lutam por libertar-se e sou conseqüente com minhas crenças”.

Uma terceira versão é a de João Quartim de Moraes, em tex-to publicado no Portal Vermelho. Nela esse autor comenta textos de Michael Löwy, de 1997, e de François Maspero, de 1995, sobre o pensamento de Che Guevara, abordando questões em torno da originalidade da revolução cuba-na, da ambigüidade das concep-ções estratégicas sobre a revolu-ção socialista na América Latina e do considerado último combate de que Che participou diretamen-te, o da Bolívia. João Quartim res-gata texto de Renato Sandri (ex-PC italiano) no qual se encontra o seguinte registro sobre idéias de Che Guevara:

Nos escritos dos últimos meses, não menos que no seu agir, emerge o sentimento trágico da vida, o desafio à morte... Em uma palavra, a natureza hispânica que o havia nutrido. Mas, para além da literatura, a

sua resposta ao horizonte que parecia sem aberturas racio-nais foi em termos de volunta-rismo extremo; concretizou na sua última ação a necessidade de absoluto que havia percor-rido todo o seu pensamento (ti-nha dito na Argélia em 1964: ‘hoje buscamos desespera-damente o melhor caminho. Enganamo-nos. Tornamos a nos enganar... Vamos pondo o nosso pequeno grão de areia a serviço da grande aspiração da humanidade: o advento de-finitivo do comunismo, a socie-dade sem classe, a sociedade perfeita’)

E nesse texto Quartim de Mo-rais também dirá que

Nenhuma vitória é garantida de antemão, mas é conquista-da na luta, com os meios que lhe são inerentes. O problema decisivo é sempre o de saber se um determinado método de luta, em uma dada situação, leva à organização ou à de-sorganização das forças revo-lucionárias, leva ao seu forta-lecimento ou ao seu enfraque-cimento. Por isso, a consigna dos dirigentes cubanos de que o dever do revolucionário é fa-zer a revolução só contribui para a causa da emancipação dos povos e dos trabalhadores se levar em conta que o dever de uma direção revolucioná-ria é o de medir, com o máxi-mo senso de responsabilidade, quais são as possibilidades efe-tivas de vitória, de modo a fa-zer todo o possível para que os mortos não caiam em vão (in QUARTIM DE MORAES. Uma entranhada presença. Portal Vermelho, 8.10.2007)

A quarta versão aqui invoca-da é a de Augusto Buonicore (in Portal Vermelho, 09/10/2007), no qual analisa a participação e o pensamento de Che Guevara, tendo em vista o período anterior e posterior à tomada do poder político em Cuba, o período de transição socialista naquele país e as questões colocadas nesse processo do desenvolvimento, em particular a da relação entre a lei do valor e o planejamento central e a do homem novo. Nes-se texto Buonicore, apesar de algumas ressalvas, afirma que Guevara, em várias passagens de sua obra, provou não absolutizar a luta armada, particularmente a guerrilha rural, e levantou a ne-cessidade de utilização de outros métodos de luta.

Os revolucionários, afirmou Che, não podem prever de antemão todas as variantes táticas a serem utilizadas no processo de luta por um pro-grama libertador. A qualidade de um revolucionário se mede por sua capacidade de encon-trar táticas adequadas a cada mudança de situação, em ter sempre em mente as diversas táticas possíveis e explorá-las ao máximo. Seria um erro im-perdoável descartar, por exem-plo, a participação nos proces-sos eleitorais. Em determinado momento eles podem significar um avanço no programa re-volucionário (in BUONICORE, Augusto. O pensamento vivo de Che Guevara. Portal Verme-lho, 9/10/2007)

Em seu artigo, Buonicore tam-bém informa que Che, antes de partir para a sua luta guerrilhei-ra na Bolívia, escreveu aos pais:

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“Outra vez sob meus calcanhares o lombo do Rocinante, retomo o caminho com meu escudo no bra-ço (...) Muitos dirão que sou aven-tureiro, eu sou de fato, só que de um tipo diferente, daqueles que entregam a pele para demons-trar suas verdades”.

Finalmente, Buonicore mani-festa sua opinião divergente da considerada posição dos dirigen-tes da revolução cubana, entre os quais o Che, de que à época da guerrilha dirigida por este na Bo-lívia “existiam condições objetivas para a eclosão de uma revolução socialista em toda a América Lati-na”, divergência que perdura na avaliação daquele processo até os dias atuais, como se verá em seguida.

Entre outras inúmeras que existem, a última interpretação a que recorremos sobre a ação, o pensamento de Che Guevara e suas implicações no processo re-volucionário mundial e particu-larmente latino-americano é o de algumas idéias do comandante Fidel Castro em torno de pontos aqui já aventados, expostas no capítulo 14 do texto denominado “Cien Horas con Fidel” (entrevista concedida ao jornalista Ignácio Ramonet. Le Monde Diplomatique Brasil. Ano 1, nº 3, Caderno 25, agosto de 2006, ps. 13/14/15). Com efeito, sobre a divergência em relação à existência ou não de condições objetivas para a efeti-vação de revoluções socialistas na década de 1960, afirma na ci-tada entrevista Fidel Castro:

Às vezes existem condições ob-jetivas para as mudanças re-volucionárias e não se dão as condições subjetivas. Foram os fatores de caráter subjetivo os que impediram que realmente naquela época não se estendes-se a revolução. O método da

luta armada estava provado. Já lhe digo, Nicarágua triunfa doze anos depois da morte do Che na Bolívia. Quer dizer que as condições objetivas em mui-tos países do resto da América Latina eram superiores às de Cuba. Aqui existiam muito me-nos condições objetivas, porém eram suficientes para haver uma, duas ou três revoluções. No resto da América Latina as condições objetivas eram mui-to maiores

E mais adiante:

Che, quando regressa da excur-são prolongada, encontra-se com problemas, produz-se uma bronca entre o dirigente do Par-tido Comunista Boliviano, Mario Monje, que tinha gente ali e um dos dirigentes da outra linha anti Monge, chamado Moises Guevara. Monge pede a direção e o Che era muito reto, rígido... Eu penso que o Che deveria fa-zer maior esforço de unidade, é uma opinião que lhe dou. Seu caráter o levava a ser muito franco e entabolara uma áspe-ra discussão com Monje, muitos de cujos quadros haviam aju-dado à organização, porque

Inti e os demais eram desse gru-po. O que Monje reclamava era impossível, ser chefe daquela força, uma ambição indignante e inoportuna. Já havia alguns problemas e algo que não se tem mencionado ou apenas se menciona e que fez muito dano ao movimento revolucionário na América Latina: a divisão pró-soviéticos e pró- chineses. Isso dividiu toda a esquerda e todas as forças revolucionárias no momento histórico em que existiam as condições objetivas e era perfeitamente possível o tipo de luta que o Che foi pro-mover ali

Sobre Che, sua personalidade, suas atitudes, suas posturas etc, nesse mesmo texto, à pergunta do jornalista sobre se o Che teria pecado por sua rigidez, responde Fidel Castro:

O Che era a super honradez, era super honrado e o termo diplomacia, melhor dizendo, a astúcia, possivelmente o re-pugnava. Mas, diga-me bem, em nossa própria revolução, quantas vezes descobrimos ambições nos nossos homens? Quem podia substituir? Quem tinha prestígio e talento para ocupar uma determinada res-ponsabilidade? Tolices. Mais de uma vez tivemos que entregar comandos e fazer concessões. Faz falta certo tato em determi-nadas condições em que se você vai direto não encontra solu-ção. Naquele momento, a rup-tura entre Monje e Che causava dano... Você não imagina aqui, algumas coisas que toleramos, erros grandes, cometidos às ve-zes por um ou por outro. Fize-mos sempre por cima de tudo uma crítica ao fato, mas com o espírito de unidade

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Ainda nessa entrevista Fidel Castro indica outros problemas e até erros que a seu juízo teriam concorrido para a liquidação prematura daquela experiência guerrilheira na Bolívia e adiante acrescenta sobre a personalidade do Che:

Eu penso que o máximo são os valores morais, a consciên-cia. O Che simboliza os mais altos valores humanos e um exemplo extraordinário. Criou uma grande auréola, uma grande mística. Eu o admira-va e o apreciava muito. Sem-pre produziu muito afeto essa admiração... São muitas as re-cordações que nos deixou, ina-pagáveis e por isso digo que é um dos homens mais nobres, mais extraordinários e mais desinteressados que conheci, o que não teria importância se não acreditasse que homens como ele existem aos milhões e milhões na massa. Os homens que se destacam de maneira singular não poderiam fazer nada se muitos milhões, iguais a ele, não tivessem o embrião ou não tivessem a capacidade de adquirir tais qualidades. Por isso nossa Revolução in-teressou-se por lutar contra o analfabetismo e por desenvol-ver a educação, para que to-dos sejam como o Che

Feitas tais considerações, e com base nessa garimpagem, resta-nos concluir com nossos próprios comentários. Se for possível sintetizar tantos ângu-los, dimensões e conexões que envolvem o pensamento e a ação de Che Guevara, na vida humana em geral e em suas repercussões mais próximas de nós, sobretudo na América Latina, fixamo-nos na excelsa contradição entre duas

máximas que caracterizam a dia-lética entre sua vida e sua morte, a saber: a contida na frase “há que endurecer-se, mas sem perder a ternura jamais”, cuja autoria um dos seus inimigos aqui resgata-dos – os proprietários da revista VEJA – tenta inescrupulosamente arrancar-lhe. Nela estão expres-sos os dois sentidos nítidos de sua vida e de sua morte. De um lado, como registrou Heredia em seu livro já citado, “o gran-de sentimento de amor, pelo qual estaria guiado o revolucionário verdadeiro e a nova síntese com que estaria envolvida a transição ao comunismo, que permitiria ao pensamento cumpir seu papel integrador e gerador de vínculos solidários entre os grupos e os indivíduos”; de outro, o ódio de classe, do explorado contra o ex-plorador, que o próprio Che as-sinala, em um de seus livros (in GUEVARA, Che. Textos Políticos. São Paulo: Centro Editorial Latino Americano, 1980, ps.123/124), ao afirmar: “o ódio como fator de luta, o ódio intransigente ao ini-migo, que impulsiona além das limitações naturais do ser huma-no e o converte numa efetiva, vio-

lenta, seletiva e fria máquina de matar. Os nossos soldados têm de ser assim, um povo sem ódio não pode triunfar sobre um inimigo brutal”.

É nesse nexo contraditório que se cristaliza o seu humanismo aparentemente apenas cristão, mas sem dúvida essencialmen-te comunista. É como se nele se manifestassem, simultaneamen-te, Cristo e Barrabás. De seu hu-manismo comunista emergiu o pedestal de sua imagem mística, atualmente até mercantilizada, que, não obstante, os seus mais ferrenhos inimigos tentam tam-bém destruir ou ao menos des-construir. Que se cuidem estes se, mais dia menos dia, as gran-des massas exploradas, sobretu-do jovens, da humanidade atual, não se contentarem com o em-polgamento apenas com essa sua face, mas passarem igualmente e se encantarem com a outra, a do ódio ao inimigo de classe, o explorador, que também levou o Che tanto à perseverança nas formas mais extremas de luta quanto ao necessário real sacrifí-cio que ele concebeu, professou e praticou.

Che Guevara e Fidel Castro, comandantes da revolução cubana.

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eSCRIToS SobRe SoCIalISMo e JUVeNTUde

A reflexão anterior sobre a complexidade do humanismo re-volucionário do Che alerta para a marca peculiar e o sentido de seus textos endereçados aos jovens, aos camaradas em tempos de ba-talhas em diferentes partes, como no Congo e na Bolívia e de cons-trução do socialismo em Cuba. Esses textos trazem a preocupa-ção de aliar exemplo a princípios e orientações, chamando atenção para a importância de vivenciar a realidade do povo e compreender suas formas de vida, consideran-do que a comunicação se faz pelo relacionamento direto; destacam a importância do estudo mesmo em períodos de luta, incluindo em seus planos de leitura filo-sofia e estratégia militar, entre outros gêneros; enfatizam que o trabalho, em situação de constru-ção do socialismo, necessita de outros vetores de referência que não o lucro ou a gratificação mais imediata; frisam a importância da disciplina, mas cuidando-se con-tra seguidismos e sectarismos castradores da criatividade críti-ca, e ressaltam a importância de alimentar o otimismo sobre o vir-a-ser do socialismo. Consideran-do, entretanto, que o triunfo do projeto socialista exigiria dedica-ção, a formação de vanguardas que não necessariamente seriam sobre-humanas, mas movidas por tal projeto, a gratificação do ser parte de uma história.

Também em número es-pecial da revista Caros Amigos (ano XI, número 35, out/2007) são destacadas as múltiplas faces do Che, ou melhor, o revolucio-nário em sua integralidade. Essa edição especial traz como cha-mada “Che, combatente e intelec-

tual”, e apresenta planos de lei-tura rascunhados pelo Che, que incluem a revisão de clássicos do socialismo, filósofos contempo-râneos e história do capitalismo e dos países em desenvolvimen-to, em particular daqueles em que suas ações mais mediatas se focalizavam. Teria desenvolvido o hábito de leitura desde criança e já na adolescência escrevia diá-rios com anotações das leituras: “Tudo que lia anotava num ca-derno que chamava de Índices de livros. Aos 17 anos começou a es-crever seu Dicionário de Filosofia, coletânea de conceitos, biografias e correntes filosóficas” (in Caros Amigos, out/2007. p. 7).

Mas o caminho do conheci-mento conjugou a preocupação com leituras constantes e viagens com singular olhar. Em seu diá-rio, quando da primeira viagem pela Argentina, com 22 anos, co-menta o então Ernesto Guevara:

...que vejo: pelo menos não me nutro com as mesmas formas que os turistas. (...) Não, não se conhece assim um povo, uma forma e uma interpretação da vida, aquilo é luxuosa cobertu-ra, porém sua alma está refle-tida nos enfermos dos hospi-tais, nos asilados no albergue, ou no pedestre com quem se conversa intimamente... (In Caros Amigos, out/2007. p. 7)

Às vésperas de partir no Gran-ma, em outubro de 1956, para a

luta em Cuba, escreve uma carta para sua mãe em que é ressalta-da a determinação por conhecer e transformar, aprofundando-se em escritos marxistas mas cur-vando-se à necessidade do cha-mado do presente pelo futuro:

Eu estou a caminho de mudar a ordem dos meus estudos: an-tes me dedicava mal ou bem à medicina e o tempo livre era dedicado ao estudo informal de São Carlos (Marx). A nova etapa de minha vida traz tam-bém a mudança de ordem: agora São Carlos é primordial, é o eixo pelos anos em que o esferóide me admitir em sua camada mais externa... decidi cumprir primeiro as funções principais, arremeter contra a ordem das coisas, com o es-cudo no braço, todo fantasia e, depois, se os moinhos não me quebrarem a cabeça, es-crever... Pra evitar patetismos pré-mortem essa carta sairá

Teria desenvolvido o hábito de leitura desde criança e já na adolescência escrevia diários com anotações das leituras: “Tudo que lia anotava num caderno que chamava de Índices de livros. Aos 17 anos começou a escrever seu Dicionário de Filosofia, coletânea de conceitos, biografias e correntes filosóficas”

Che em pescaria a bordo do Granma.

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quando as batatas estiverem assando de verdade (In Caros Amigos, out/2007. p. 11)

A preocupação do Che com o lugar da formação intelectual crí-tica do revolucionário ilustra-se em vários escritos e discursos, principalmente quando se dirige aos jovens, mas o que vale en-fatizar é como tal preocupação o acompanha, independentemente da frente em que estivesse. Tam-bém chama atenção seu acento em uma educação que fugisse dos parâmetros “doutrinários”, ou seja, em que não se desse ao povo apenas “divulgação marxis-ta” mas se colaborasse para uma “cultura marxista”, o que deveria passar pelo debate de clássicos da filosofia, do marxismo, dos fi-lósofos modernos, das polêmicas e autores capitalistas. Já em fase de guerrilha pós-revolução cuba-na, quando se preparava para o combate na África (04/12/1965), escreve para Armando Hart, então Ministro da Educação de Cuba:

...quero te expor algumas idéiazinhas sobre a cultura de nossa vanguarda e de nosso povo em geral. Neste longo pe-ríodo de férias enfiei o nariz na filosofia, coisa que há tem-po pensava fazer. Deparei-me com a primeira dificuldade em Cuba: não há nada publi-cado, se excluímos os tijolos soviéticos que têm o inconve-

niente de não te deixar pensar; o partido já o fez por ti e tu de-ves digerir. Como método, é o mais antimarxista, mas, além disso, costumam ser muito ruins. A segunda, e não menos importante, foi meu desconhe-cimento da língua filosófica (lutei duramente contra o mes-tre Hegel e no primeiro assal-to sofri duas quedas). Por isso fiz um plano de estudos para mim que, acredito, pode ser estudado e muito melhorado para constituir a base de uma verdadeira escola de pensa-mento; já fizemos muito, mas um dia teremos também de pensar. Meu plano é de leitu-ras, naturalmente, mas pode ser adaptado para publicações sérias da Editora Política. Se deres uma olhada nas publi-cações dela poderás ver a pro-fusão de autores soviéticos e franceses que ela tem... Assim não se dá cultura marxista ao povo, no máximo divulgação marxista, o que é necessário, se a divulgação é boa (não é este o caso), mas insuficiente. Meu plano é este: 1. Clássicos filosóficos; 2. Grandes dialéti-cos e materialistas; 3.Filósofos modernos; 4. Clássicos da eco-nomia e precursores; 5. Marx e o pensamento marxista; 6. Construção socialista; 7. He-terodoxos e capitalistas e 8. Polemicas (In Caros Amigos, out/2007. p. 16)

Já a editora Anita Garibaldi apresenta textos de Guevara an-teriores (quando em Cuba), escri-tos entre 1959 e 1962, reunidos por Sandra Alves (GUEVARA, Che. Socialismo e juventude. Textos e fotos. 2º reimpressão. São Paulo: Anita Garibaldi, 2005). Os textos refletem sobre o socialismo e a importância de uma juventude e de uma universidade modeladas por valores apropriados à con-solidação do socialismo, tendo como referência a ilha caribenha.

No prefácio aos textos de Gue-vara, José Carlos Ruy enfatiza discurso pronunciado pelo Che quando do segundo aniversário da União de Jovens Comunistas (UJC) de Cuba, ressaltando tanto seu elogio ao entusiasmo da ju-ventude quanto sua crítica ao sec-tarismo, ao “vício do reunismo”, que atrapalharia o envolvimento em tarefas concretas. Aquele au-tor também ressalta a argumen-tação de Guevara contra uma co-mum desqualificação, aliás bem contemporânea, que se faz nos países capitalistas contra os mili-tantes socialistas, qual seja a de que estes sacrificariam a indivi-dualidade em prol do Estado – no caso da Cuba dos anos 1960, em prol da construção do Estado so-cialista. Como indica José Carlos Ruy, Guevara considerava que na luta guerrilheira fez especial dife-rença a subjetividade, a formação de um sujeito feito na relação en-tre um projeto por mudanças so-

A preocupação do Che com o lugar da formação intelectual crítica do revolucionário ilustra-se em vários escritos e discursos, principalmente quando se dirige aos jovens, mas o que vale enfatizar é como tal preocupação o acompanha.

Che discursa durante ato no teatro da Central dos Trabalhadores de Cuba, Havana, 1962.

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ciais e a sensibilidade e a vivência junto ao povo oprimido: “O que fica difícil entender para quem não vive a experiência da revolu-ção é essa estreita unidade dialé-tica existente entre o indivíduo e a massa, onde ambos se inter-re-lacionam” (GUEVARA apud RUY, José Carlos in GUEVARA, Che. Socialismo e juventude. Textos e fotos. 2º reimpressão. São Paulo: Anita Garibaldi, 2005. p. 9).

Em linguagem atual dos es-tudos culturais poder-se-ia fri-sar a antinomia entre ser ativis-ta socialista e o individualismo pequeno-burguês, a gratificação ancorada no prazer imediato, no auto e alter consumo. Mas tam-bém, sugere a reflexão Guevaria-na, a importância de que em tal ativismo se conceba o lugar da individuação, caracterizada pela formação da identidade passan-do pela alteridade, pelo contato com o outro (no caso, identifica-do como possível companheiro de projeto de classe). Um outro, o povo, que passa a ser parte da

referência, mas uma referência que se filtra por um outro projeto de si e do outro, “o homem [sic, a pessoa humana] novo” – mudan-ça esta que, claro, se ampara em perdas existenciais de benesses do sistema.

A unidade dialética entre revo-lucionário e povo, a que se refere Guevara, pediria exemplos, uma outra prática, crítica, evitando a noção de vanguarda como algo distanciado do povo, ordenado por burocratismos, seguidismos e sectarismos, males que aborta-riam a criatividade e a constru-ção de uma outra ordem, e que segundo Guevara rondariam or-ganizações relacionadas ao Par-tido em Cuba, nos anos 60. Em vários textos dirigidos aos jovens comunistas, Che qualificava sua ênfase no estudo, no trabalho e na disciplina, ou seja em um cer-to tipo de estudo, de trabalho e de disciplina embasados em um certo tipo de projeto, sublinhan-do a importância da individuação criativa orientada pelo projeto socialista.

Em discurso comemorativo do segundo aniversario da UJC, em 20 de outubro de 1962, decla-ra Guevara (GUEVARA, Che. Socia-lismo e juventude. Textos e fotos. 2º reimpressão. São Paulo: Anita Garibaldi, 2005. p.s 21-22):

É evidente que a UJC, como or-ganismo menor, como irmão menor das Organizações Re-volucionarias Integradas, tem de beber dali as experiências dos companheiros que traba-lharam mais em todas as ta-refas revolucionárias, e deve escutar sempre com respeito a voz dessa experiência.

Mas a juventude precisa criar. Uma juventude que não cria

é uma anomalia, realmente. E para a UJC tem faltado um pouco de espírito criador. Tem sido, por meio de sua lideran-ça, demasiadamente dócil, respeitosa e pouco decidida a resolver seus próprios proble-mas...

Nossa juventude, incluindo nós, está convalescendo de uma enfermidade que, felizmente, não foi muito grave, mas que influenciou muito para o atra-so do aprofundamento ideoló-gico de nossa revolução. Esta-mos todos convalescendo desse mal chamado sectarismo.

A que conduz o sectarismo? Conduz à cópia mecânica, às analises formais, à separação entre os dirigentes e as mas-sas... se não ouvimos a voz do povo... as palpitações do povo para transformá-las em idéias concretas, em diretivas preci-sas, mal poderíamos passar essas diretivas à União dos Jo-vens Comunistas

A importância da integração entre dirigentes, revolucionários e o povo Guevara aprendeu não somente em textos de clássicos

Em linguagem atual dos estudos culturais poder-se-ia frisar a antinomia entre ser ativista social-ista e o individualismo pequeno-burguês, a grati-ficação ancorada no prazer imediato, no auto e alter consumo. Mas também, sugere a reflexão Guevari-ana, a importância de que em tal ativismo se conceba o lugar da individuação, caracterizada pela forma-ção da identidade pas-sando pela alteridade, pelo contato com o outro.

Em vários textos dirigidos aos jovens comunistas, Che qualificava sua ênfase no estudo, no trabalho e na disciplina, ou seja em um certo tipo de estudo, de trabalho e de disciplina embasados em um certo tipo de projeto, sublinhan-do a importância da indi-viduação criativa orienta-da pelo projeto socialista.

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do marxismo, mas na sua vivên-cia quando das lutas na Revolu-ção Cubana, refletindo que os exemplos, a postura dos guerri-lheiros teriam contribuído para aproximar os camponeses, ex-postos à violência do exército de Batista. Ele conta sobre a marcha em solo cubano após o desem-barque do Granma:

Os camponeses nos viam pas-sar sem nenhuma cordialida-de. Mas Fidel não se incomo-dava. Cumprimentava-os sor-rindo... Quando nos negavam comida, seguíamos a marcha sem protestar. Pouco a pouco o campesinato foi notando que os barbudos que andávamos ‘levantados’ constituíamos precisamente o contrário dos guardas que nos procuravam. Enquanto o exército de Batis-ta se apropriava de tudo que lhe conviesse dos bohios [casas simples dos camponeses cuba-nos] – até as mulheres, é claro – a turma de Fidel Castro res-peitava as propriedades dos guajiros e pagava generosa-mente tudo que consumia

O terrorismo implantado pelo exército de Batista foi sem dú-vida nosso aliado mais eficaz nos primeiros tempos (in Caros Amigos, out/2007. p. 6)

Em “Mensagem aos combaten-tes”, escrita em linha de combate no Congo, Guevara também res-salta a importância da educação e do exemplo, assim como do com-panheirismo, em um processo re-volucionário:

É preciso aprender as coisas do Congo para nos ligar mais aos companheiros congoleses, mas é preciso aprender o que

nos falta de cultura geral e da própria arte da guerra... Nossa função primordial é educar ho-mens para o combate, e se não houver uma real aproximação não poderá ocorrer essa edu-cação que não deve ser só a maneira de matar um indiví-duo, mas também e sobretudo a atitude diante dos sofrimen-tos de uma longa luta; isso só se consegue quando o profes-sor pode ser tomado também como modelo a seguir pelos alunos (assina Tatu, pseudô-nimo de Che em língua suaí-li, em 12 de agosto de 1965, durante a guerrilha no Congo. In Caros Amigos, out/2007. p. 21)

Tais princípios fazem parte do léxico revolucionário do Che, considerando que da juventu-de comunista se construiriam o novo homem e a nova mulher, o que ele entendia por vanguarda, identificando formatações dife-renciadas de acordo com o mo-mento histórico e as necessida-des da Revolução.

A União dos Jovens Comu-nistas seria a única organização cubana pós-revolucionária que traria o adjetivo de “comunis-ta”, apontando para um vir-a-ser

– o que bem sugere a importância com que se concebia a juventu-de no hoje para a construção do amanhã. De fato, segundo Gue-vara, foi Fidel quem sugeriu o nome: “A União dos Jovens Comu-nistas está diretamente orientada para o futuro... Para isso , a UJC alça seus símbolos que são os sím-bolos do povo de Cuba: o estudo, o trabalho e o fuzil”.

Juventude, população no pre-sente; juventude, população no futuro – debate que hoje se apre-senta no plano de concepções sobre juventudes e suas neces-sidades, em países como o Brasil em início de século XXI. Já nos escritos do Che tal aparente dico-tomia segue outros parâmetros, em tempos de construção do so-cialismo cubano, na década de 60, já que o vetor de referência é um processo em que indivíduo e causa se confundem e o futuro se gesta no presente.

A UJC teria nascido, então, com outro nome (Associação de Jovens Rebeldes e Milícias Nacio-nais Revolucionárias), segundo o Che quando da formação do Exér-cito Rebelde, “nas tarefas massi-vas da defesa nacional, que era o problema mais urgente e que precisava de uma solução mais rápida” (GUEVARA, Che. Socialis-

Juventude, população no presente; juventude, população no futuro – debate que hoje se apresenta no plano de concepções sobre juventudes e suas necessidades, em países como o Brasil em início de século XXI.

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mo e juventude. Textos e fotos. 2º reimpressão. São Paulo: Anita Ga-ribaldi, 2005. p. 15). Guevara, no mesmo discurso, destaca a im-portância da UJC para a “elevação política da juventude cubana”.

O trabalho, além do estudo, da defesa e da formação política, é referência comum nos textos de Guevara dirigidos à juventude comunista. O norte de construção do socialismo também modela as referências ao trabalho e ele frisa a importância dos jovens comu-nistas considerarem o trabalho em tal perspectiva: “Não pode haver defesa do país somente no exercício das armas, dispostas à defesa; também devemos defen-der o pais construindo-o com o nosso trabalho e preparando os novos quadros técnicos” (GUEVA-RA, Che. Socialismo e juventude. Textos e fotos. 2º reimpressão. São Paulo: Anita Garibaldi, 2005. p. 15).

Contudo, ele reconhece a com-plexidade de, mesmo em uma sociedade consolidando sua Re-volução, como na Cuba nos anos 60, “fazer do trabalho algo cria-dor, algo novo”. Declara no mes-mo discurso que esse seria um dos pontos mais débeis da UJC de então: mobilizar as pessoas para o envolvimento com o trabalho, mesmo que este tenha caracte-rísticas diferentes do trabalho no capitalismo, sendo necessário para a nova sociedade. Insiste no investimento em incentivos mo-rais, na perfilhação de valores bá-sicos como os que pinçamos de seu discurso quando destaca o que entende como tarefas de um jovem comunista:

H a “honra que se sente por ser jovem comunista”;

H “o sentido de dever dian-te da sociedade que estamos construindo”;

H “uma grande responsabi-lidade diante dos problemas, grande sensibilidade diante das injustiças; espírito incon-formado cada vez que surge algo que está errado”;

H “declarar guerra ao forma-lismo... estar sempre aberto para receber as novas experi-ências”;

H “ser um exemplo vivo... ser o exemplo no qual possam mi-rar-se os homens e mulheres de idade mais avançada que perderam certo entusiasmo ju-venil”;

H “um grande espírito de sa-crifício, não somente para as jornadas heróicas, mas para todos os momentos”;

H “desenvolver ao máximo a sensibilidade até sentir-se an-gustiado quando se assassina uma pessoa em qualquer lu-gar do mundo e sentir-se en-tusiasmado quando em algum lugar do mundo se erga uma nova bandeira de liberdade... não se limitar pelas fronteiras de um território... praticar o internacionalismo proletário” (GUEVARA, Che. Socialismo e juventude. Textos e fotos. 2º reimpressão. São Paulo: Anita Garibaldi, 2005. p. 27-28)

Guevara refuta a crítica segun-do a qual um tal ideário estaria pautado por romanticismo idea-lista, fazendo do jovem comunis-ta assim pensado um “arquétipo humano”. De fato sua própria trajetória ilustra o que projetava para os jovens comunistas. Gue-vara foi um jovem comunista.

Sua percepção de humanismo prende-se ao horizonte de pos-sibilidades do ser humano, que é interrompido por um sistema de injustiças mas que pode ser construído: o projeto de constru-ção do socialismo é também um projeto que levaria o ser humano à realização de tal potencialidade humanista. Assim, defende Gue-vara que o jovem, se comunista, pode se destacar em tal direção:

...propõe-se a todo jovem co-munista ser essencialmente humano. Ser tão humano que se acerque do melhor do hu-mano. Purificar o melhor do homem [e da mulher] por meio do trabalho, do estudo, do exercício contínuo da soli-dariedade com o povo e com todos os povos do mundo (GUEVARA, Che. Socialismo e juventude. Textos e fotos. 2º reimpressão. São Paulo: Anita Garibaldi, 2005. p. 28).

*PeDRO CASTRO é sociólogo, professor aposentado da Universidade Federal Fluminense (UFF) e militar da reserva (PMBa).

**MARy gARCIA CASTRO é socióloga, professora aposentada da Universidade Federal da Bahia e professora dos Mestrados em Família na Sociedade Contemporânea e Políticas Sociais e Cidadania da Universidade Católica de Salvador; membro da diretoria da União Brasileira de Mulheres (UBM) e do Conselho Consultivo do CEMJ.

Guevara refuta a crítica segundo a qual um tal ideário estaria pautado por romanticismo idealista, fazendo do jovem comunista assim pensado um “arquétipo humano”. De fato sua própria trajetória ilustra o que projetava para os jovens comunistas. Guevara foi um jovem comunista.

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Che: mais vivo do que nunca

Santa Cruz de la Sierra, bolívia, final de 2006. Um ex-sargento do exér-

cito é operado de catarata num hospital doado pelo povo cuba-no e recém-inaugurado pelo presidente Evo Morales. Trata-se de mais um dos milhares de bolivianos que fazem tratamen-tos oftalmológicos gratuitos oferecidos por Cuba em toda a América Latina. Logo após a operação, seu filho vai à sede do jornal El Deber e pede que publiquem um agradecimento aos médicos cubanos por recu-perar a visão do pai.

Seria mais uma bem-sucedi-da cirurgia da chamada “Opera-ción Milagro” realizada por mé-dicos cubanos, mas o nome do ex-sargento chama a atenção. É Mario Terán. Para quem não sabe, foi o homem que assassi-nou friamente o comandante Er-nesto Che Guevara há 40 anos, em 9 de outubro de 1967, logo depois que ele foi capturado num local chamado Quebrada Del Churo, no leste da Bolívia.

Dessa forma, humanitaria-mente, médicos cubanos “vin-gavam” a morte do Che. “Qua-tro décadas depois de Mario Terán ter tentado destruir um sonho e uma idéia, Che retorna para vencer mais uma batalha”, apontou o jornal Granma. “Hoje um homem velho, Terán pode apreciar de novo as cores do céu e da floresta, admirar os sorrisos dos seus netos e assis-tir a jogos de futebol.”

la Higuera, bolívia, 8 de ou-tubro de 1967. De pés e mãos

Conheci a história sobre a vida de Ernesto Che Guevara apenas no início da década de 1970 e, um pouco mais ainda, quando pesquisei sua vida para uma biografia para jovens. (...) Inspirou-se noutro libertador, o cubano José Martí, para mostrar que “a melhor forma de dizer é fazer”

atados, o comandante Che Gue-vara está deitado no chão do aposento de uma escola, aguar-dando ordens superiores. À noi-te, tentam interrogá-lo, mas o líder revolucionário permanece fechado em seu silêncio.

No dia seguinte, um coronel tenta colher informações sobre os guerrilheiros que ainda estão em fuga.

-- Coronel, tenho memória muito ruim – diz Che. – Não me lembro e nem sei como respon-der à sua pergunta.

O militar começa um breve interrogatório.

-- O senhor é cubano ou ar-gentino?-- indaga.

-- Sou cubano, argentino, bo-liviano, peruano, equatoriano... O senhor entende.

-- O que o levou a resolver a operar em nosso país?

-- O senhor não vê o estado em vivem os camponeses? São quase como selvagens, vivendo num estado de pobreza que de-prime o coração, tendo apenas um aposento no qual dormem e

Roniwalter Jatobá*

comem, sem roupas para vestir, abandonados como animais...

-- Mas o mesmo acontece em Cuba –- diz o coronel.

-- Não, isso não é verdade. Não nego que ainda existe po-breza em Cuba, porém pelo me-nos lá os camponeses têm uma idéia de progresso, enquanto o boliviano vive sem esperança. Tal como nasce, morre, sem jamais ver melhoras em sua condição humana.

O destino do Che está decidi-do. O governo boliviano ordena que se executem os prisionei-ros. O sargento Mario Terán, que havia se oferecido para a tarefa, será o carrasco. Quando ele entra pela porta, Che diz:

-- Sei que você veio para me matar. Atire, covarde, você só vai matar um homem.

O militar aponta seu fuzil semi-automático e puxa o ga-tilho, atingindo-o nos braços e pernas. Ele cai e fica se contor-cendo no chão, aparentemente mordendo um dos pulsos na tentativa de evitar gritos. O

Che, ao assumir o

Ministério das Indústrias de Cuba, 1961.

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sargento dispara outra rajada. Outro soldado colabora com um disparo final, o tiro de miseri-córdia.

Eram 13 horas e dez minutos de 9 de outubro de 1967, um domingo de sol. Aos 39 anos de idade, o comandante Ernesto Che Guevara está morto.

Um mundo mais igualitário e justo. Conheci a história sobre a vida de Ernesto Che Guevara apenas no início da década de 1970 e, um pouco mais ainda, quando pesquisei sua vida para uma biografia para jovens. A sua trajetória foi um convite para transformar o mundo em algo melhor, mais igualitário e mais justo. E quem poderia fi-car indiferente naqueles tempos tão conturbados? Aprendi que o guerrilheiro argentino, admira-dor de poesia e prosa, inspirou-se noutro libertador, o cubano José Martí, para mostrar que “a melhor forma de dizer é fazer”.

E fez. Sonhador utópico, acima de possíveis erros que cometeu no decorrer de seus 39 anos, conservou a fé inabalável em suas idéias e a aura de um homem incorruptível que re-nuncia à sedução do poder.

A Cidade do México, onde conheceu Fidel Castro, foi o seu berço revolucionário. Ali, em 1955, depois de fazer duas memoráveis viagens por países da América Latina e conhecer os problemas da região, o médico e asmático Ernesto Che Guevara encontra seu destino. Depois de um ano de treinamento mi-litar nos arredores da capital mexicana, Che e outros 82 re-volucionários partem, em 25 de novembro de 1956, em direção a Cuba, a bordo do pequeno barco Granma.

Desembarcam na Província

do Oriente, sete dias depois. Rapidamente descobertos pelo exército do ditador Fulgêncio Batista, 21 deles são massacra-dos. Os sobreviventes, Che en-tre eles, refugiam-se em Sierra Maestra. Nascia, então, o movi-mento guerrilheiro que, em 2 de janeiro de 1959, expulsaria de Cuba o ditador e estabeleceria a primeira república socialista da América Latina.

Na chegada à Havana, após a entrada vitoriosa de Fidel Castro em 8 de janeiro de 1959, Che Guevara logo aplica sua disciplina aprendida nos mo-mentos difíceis e decisivos da guerra em solo cubano: proíbe a venda de bebidas alcoólicas e os jogos de azar.

Enquanto as multidões ain-da celebravam nas ruas o êxito dos revolucionários, o Conselho de Ministros concede ao Che a nacionalidade cubana. Mas, em seguida, ele cai doente. Diagnóstico: anemia e enfisema pulmonar duplo. Por recomen-dação médica, ele parte para um período de repouso no

balneário de Tarará, próximo a Havana. Mesmo convalescente, elabora dali os planos e metas para o futuro de Cuba, como os pormenores de uma reforma agrária.

Em 28 de outubro de 1959, onze meses após a vitória, Guevara assume a presidência do Banco Nacional de Cuba. O próprio Che encarou essa es-colha como um momento bem-humorado. Contava ele que, numa reunião do alto escalão do governo, Fidel perguntou se havia ali algum economista. Distraído, Guevara entendeu “comunista”. Ergueu a mão e conquistou o cargo.

O correspondente do mais importante jornal norte-ameri-cano, The New York Times, fez o seguinte comentário sobre a nomeação de Che para o banco do país:

-- Houve assombro e senso de ridículo... Che não entendia de bancos, mas Fidel precisava de um revolucionário, e não existiam banqueiros revolucio-nários.

Nesse período, Guevara já havia se separado de Hilda Gadea, que conheceu na Gua-temala em 1953 e com quem teve uma filha, Hilda Beatriz, e se casado com a cubana Aleide March, que conheceu na guer-rilha; futuramente iriam gerar quatro filhos (Aleidita, Camilo, Celia e Ernesto).

Dedicado à revolução, ele trabalhava até 16 horas no banco e, nos finais de semana, aproveitava para cortar cana. Guevara foi o principal incenti-vador do trabalho voluntário na produção. Os membros dos mi-nistérios e das universidades, uma vez por semana, ajudavam no corte de cana ou em outra função produtiva.

Ernesto Che Guevara é, sem dúvida, o maior mito de esquerda do século 20

Homenagem a Che na Praça

da Revolução, em Havana.

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so atacando os mordomos do imperialismo norte-americano na América Latina.

Guevara queria mesmo era colocar em prática a sua teoria de expansão do socialismo. Em abril de 1965, juntamente com 13 cubanos, entra no Congo, África. Fracassa, no entanto, a sua tentativa revolucionária. Meses depois, em outubro, no ato de fundação do Partido Co-munista Cubano, Fidel Castro lê uma carta na qual Guevara ab-dica de todos os seus cargos na revolução de Cuba:

“Renuncio formalmente a meus cargos na direção do par-tido, a meu cargo de ministro, a meu grau de comandante, a minha condição de cubano. (...) Outras terras do mundo recla-mam o concurso de meus mo-destos esforços.”

Depois do insucesso no Con-go, Guevara volta secretamente a Cuba para preparar a campa-nha da Bolívia. Ele escolhera esse país por causa de sua loca-lização central, o que permitiria estender o movimento guer-rilheiro por todo o continente latino-americano. Ali, todos sa-bem, encontraria a morte.

Ernesto Che Guevara é, sem dúvida, o maior mito de esquer-da do século 20. E continua, no novo milênio, mais vivo do que nunca, apesar de uma imprensa de direita – porta-voz de Miami –, que, às vésperas do 40º ani-versário de sua morte, propo-sitadamente busca esquecer a conjuntura em que viveu o líder revolucionário e, deslocada do contexto histórico, tenta desa-creditar a biografia de Che Gue-vara e, por tabela, os ideais do socialismo. No passarán.

*ROnIwALTeR JATOBá é escritor. Autor de, entre outros livros, Paragens (Boitempo) e O jovem Che Guevara (Nova Alexandria).

- O trabalho voluntário é um veículo de ligação e de compre-ensão entre nossos trabalhado-res administrativos e os traba-lhadores braçais – dizia ele.

Impôs também a austeridade como sua marca: não autoriza sua mulher, Aleida, a exceder a cota de alimentos em época de racionamento e nem a usar o carro oficial.

Durante o ano de 1960, o go-verno revolucionário expropriou latifúndios, muitos de proprie-dade de empresas norte-ameri-canas. Em represália, o governo de Washington decreta um em-bargo comercial, suspendendo a compra do seu principal pro-duto de exportação, o açúcar. A cada pressão norte-americana o governo cubano radicalizava mais as suas posições:

-- Cuba sim, ianques não.No começo de janeiro de

1961, os Estados Unidos rom-pem relações diplomáticas com Cuba e Che Guevara assume o cargo de ministro da Indústria. Meses depois, em abril, a ilha sofre a invasão de mercenários, apoiados pela CIA, na Baía dos Porcos, com o objetivo de der-rubar o governo revolucionário. A resistência do povo cubano foi fundamental para barrar as tropas invasoras, que foram do-minadas antes de ganhar força. Cuba perde 161 combatentes, mas o Exército cubano faz 1.200 prisioneiros, que logo são tro-

cados por um resgate de 52 milhões de dólares em remédios e alimentos. Ainda nesse ano Che representa Cuba na reunião da Conferência Interamericana de Punta Del Este, em Montevi-déu, Uruguai, onde denunciou firmemente o imperialismo nor-te-americano. Na volta, passou pelo Brasil e recebeu a comenda Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul das mãos do presidente Jâ-nio Quadros.

Em outubro de 1962, Cuba enfrenta nova crise com os Estados Unidos. O governo norte-americano descobre que na ilha havia mísseis atômicos soviéticos e exigiu que fossem desativados. Iniciou-se, então, o cerco militar contra Cuba e o mundo chegou próximo a um confronto nuclear, à Terceira Guerra Mundial. Os soviéticos foram obrigados a recuar e, uni-lateralmente, sem acordo com os cubanos, decidiram retirar os mísseis da ilha.

Ernesto Che Guevara não se adaptou bem, no entanto, às funções burocráticas, mesmo na função de presidente de banco ou ministro. A partir de 1964, tornou-se uma espécie de rela-ções exteriores da Revolução Cubana, viajando para África, Ásia e América Latina. Como presidente da delegação cubana na Assembléia Geral das Nações Unidas, em 11 de dezembro, em Nova York, faz um forte discur-

Che Guevara participa de trabalhos voluntários em Cuba.

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Nesta época em que os meios de comunica-ção de massa, setores

da academia e os pensadores liberais apregoam a divisão da sociedade, a falência da luta de classes e a segmentação das cul-turas, um símbolo de união que a juventude carrega incomoda as elites de prontidão.

O discurso pós-modernista que visa atingir a juventude di-vidindo e fragmentando sua ação não resiste a um olhar mais próxi-mo, que faz perceber a figura es-tampada nas camisas, tatuagens, bandeiras, nas letras de músicas, nos grafites de rua e em toda par-te por onde a juventude está.

No intuito de descaracterizar essa ação consciente dizem que a figura do guerrilheiro heróico é tratada como mera mercado-ria de prateleira, chegando ao cúmulo de darem outra cono-tação histórica aos fatos, como tentou uma revistinha de m... chamada “Veja”.

Esqueceram que a juventude que traz consigo esse símbolo conhece muito bem a história e os boatos da “Veja”, que só ser-viram pra isolar ainda mais essa revistinha do grande público.

Fico pensando comigo como se sente essa elite quando vê nas ar-quibancadas dos estádios de fute-bol pela América Latina os ban-deirões que as torcidas carregam estampadas com o rosto de Che Guevara. E nos painéis de fundo dos grandes shows das bandas de rock, hardcore, rap e outros estilos a mesma face estampada. Durante as letras das músicas menções à história do guerrilhei-ro. Andando pelas ruas painéis de

grafites gigantescos com o rosto e frases de Che, desde as grandes avenidas do centro às vielas nos bairros das periferias.

Todos sabemos que a estampa na camisa de um jovem represen-ta o que este defende como idéia, e não existe fenômeno maior do que a face do guerrilheiro.

Vêm à minha memória vários shows de rap, dentre os quais os do GOG e do Faces da Morte, que têm nas suas letras fortes con-teúdos políticos, onde o público – às vezes cinco, dez mil pessoas – traz consigo bandeiras do Che, cantando durante todo o espetá-culo com essas bandeiras ergui-das nos braços, já que em geral não podem entrar com mastros nesses eventos.

E aí me vêm a elite e a mídia dizer que essa ação não é cons-ciente?! Inconsciente foi essa mesma elite que, ao matar Che, não percebeu que acabava de imortalizar sua vida e as causas que ele sempre defendeu.

Trazer a face do Che consigo é uma prova de que a juven-tude não aceita essa sociedade desigual e excludente. É uma prova de que a juventude quer mudanças, e uma prova de que a juventude está disposta a lutar pelo novo.

Neste período em que lembra-mos os 40 anos do assassinato do heróico guerrilheiro, vejo milhares de jovens ostentando esse símbolo de rebeldia, numa manifestação direta de reverên-cia à memória do Che.

Como sempre estou circulan-do por vários meios, fui conferir o que mais esses jovens pensa-vam sobre o Che, além de saber que o 9 de outubro é a sua data. Ouvi de todos eles que Che lutava contra o capitalismo e contra os Estados Unidos (em alusão direta ao imperialismo).

E uma situação engraçada acon-teceu enquanto eu olhava revistas numa banca de jornal, quando um jovem aparentemente de classe média me perguntou o porquê de eu ter aquela tatuagem no ombro com o rosto de Che Guevara. Per-cebi que a curiosidade dele era a mesma que a minha quando saí fazendo minha enquête com os jovens, e então respondi: “Se você treme de indignação diante das injustiças cometidas contra qualquer pessoa em qualquer par-te do mundo, então somos com-panheiros” (Che).

E ele correspondeu dizendo: “Hasta la victoria, siempre”.

Isso foi na terça-feira dia 9 de outubro de 2007, mais ou menos ao meio-dia na banca de jornal da Praça do Carmo em Santo André, e com certeza outros milhões de jo-vens pela América Latina estavam naquele momento lembrando a memória do guerrilheiro heróico.

Fica comprovada a fala de Che: “As elites podem derrubar uma, duas ou mais rosas, mas nunca deterão a primavera”.

Che: símbolo de união da juventude latino-americana

Marcelo Buraco*

Hip

-hop

a L

ápis

Trazer a face do Che consigo é uma prova de que a juventude não aceita essa sociedade desigual e excludente. É uma prova de que a juventude quer mudanças, e uma prova de que a juventude está disposta a lutar pelo novo.

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*MARCeLO BuRACO é membro-fundador da posse Negroatividade de Santo André. Da direção da Nação Hip-Hop Brasil e colunista do Hip-Hop a Lápis.

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“Soy loco por ti, América Yo voy traer una mujer playera

Que su nombre sea Marti Que su nombre sea Marti Soy loco por ti de amores

Tenga como colores la espuma blanca de Latinoamérica Y el cielo como bandera Y el cielo como bandera

Soy loco por ti, América Soy loco por ti de amores

Sorriso de quase nuvem Os rios, canções, o medo O corpo cheio de estrelas O corpo cheio de estrelas Como se chama a amante

Desse país sem nome, esse tango, esse rancho, esse povo, dizei-me, arde

O fogo de conhecê-la O fogo de conhecê-la

Soy loco por ti, América Soy loco por ti de amores

El nombre del hombre muerto Ya no se puede decirlo, quién sabe?

Antes que o dia arrebente Antes que o dia arrebente

El nombre del hombre muerto Antes que a definitiva noite se espalhe em Latinoamérica

El nombre del hombre es pueblo El nombre del hombre es pueblo

Soy loco por ti, América Soy loco por ti de amores

Espero a manhã que cante El nombre del hombre muerto

Não sejam palavras tristes Soy loco por ti de amores Um poema ainda existe

Com palmeiras, com trincheiras, canções de guerra, quem sabe canções do mar

Ai, hasta te comover Ai, hasta te comover

Soy loco por ti, América Soy loco por ti de amores

Estou aqui de passagem Sei que adiante um dia vou morrer

De susto, de bala ou vício De susto, de bala ou vício Num precipício de luzes

Entre saudades, soluços, eu vou morrer de bruços nos braços, nos olhos

Nos braços de uma mulher Nos braços de uma mulher

Mais apaixonado ainda Dentro dos braços da camponesa, guerrilheira,

manequim, ai de mim Nos braços de quem me queira Nos braços de quem me queira

Soy loco por ti, América Soy loco por ti de amores”

Soy loco por ti América(Gilberto Gil – Capinam)

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Nascido no Rio de Janeiro em 1910, Noel de Me-deiros Rosa viveu in-

tensamente seus curtos 26 anos de existência. Através das cerca de 300 canções que compôs em oito anos corridos de produção musical, Noel contribuiu so-bremaneira para a consolidação da estrutura poética, rítmica e melódica do samba brasileiro.

Seu espírito jovem e boê-mio está presente em todos os depoimentos até hoje recolhi-dos sobre sua personalidade. Pelos ambientes marginais que perambulou conheceu artistas, malandros, prostitutas e boê-mios que ajudaram a influenciar e moldar sua filosofia de vida, a qual, registrada no conteúdo de suas letras, diz muito do estilo de vida e do caráter nacional do povo brasileiro.

Marcantes eram as caracterís-ticas físicas de Noel, com seu rosto sem queixo oriundo de um parto a fórceps. Esse traço físico o deixava envergonhado quando sorria torto ou comia na frente de outras pessoas. Tal fato está na origem do apelido “queixi-nho”, recebido de amigos do Colégio São Bento, onde estudou. A deficiência física, no entanto, ao contrário de um obstáculo, representou um diferencial e até um charme para aquele composi-tor genial criado em ambientes de classe média, para onde levou o samba – música surgida originalmente do batuque e do gingado dos negros que habita-vam os morros cariocas.

Era chamado o Poeta da Vila, pois sua obra musical foi cons-truída tendo como ambiência

privilegiada o bairro de Vila Isa-bel. Ali Noel criou canções que refletiam a grande efervescência da vida carioca e brasileira dos anos 30 – período de profundas mudanças no cenário político e cultural do país. Testemunha dos grandes acontecimentos de seu tempo, Noel traçou, através de sua obra musical, um amplo panorama do Brasil das primei-ras décadas do século XX.

Sempre atento ao seu tempo, Noel foi produto e reflexo de sua época, o que não o impedia de ter o olhar permanentemente voltado para o futuro. Sua músi-ca compôs a trilha do filme “Alô Alô Carnaval” quando o cinema apenas iniciava o processo de sonorização. Foi pioneiro no uso da palavra “bossa” e do termo “horário de verão”. Ajudou a conformar a estrutura musical do samba, deixando de lado o ritmo maxixado que começava então a se esgotar. Trouxe para a música brasileira o cinema falado, a vida do operário, a mi-séria e as desigualdades sociais, o amor desiludido, a relação com as mulheres, o respeito à Pátria e às coisas do Brasil, a boemia, o homossexual, a burocracia das repartições, a malandragem, a fi-losofia, o assédio moral e sexual no trabalho, o culto ao corpo, a dívida externa, o ciúme e tantos outros temas pouco ou nada trabalhados até então.

A obra de Noel Rosa situa-se na raiz da moderna música popular brasileira. Canções como Feitio de Oração, Não tem tradução, Pra que mentir, Pierrô apaixonado, Três apitos, Pas-torinhas, Palpite infeliz e Con-versa de Botequim representam contribuições seminais, a partir das quais se originou parte importante da música nacional e popular brasileira.

Noel compunha sempre de forma irreverente, usando palavras do dia-a-dia. Abusava do sarcasmo e da sensualidade sem excessos constrangedo-res. Cunhou assim uma linha literária própria e inconfundível, servindo de escola para grandes letristas, intérpretes e melodis-tas de várias gerações, como Tom Jobim, Ary Barroso, Chico Buarque, Caetano Veloso, João Bosco, Edu Lobo, Gilberto Gil, Martinho da Vila, Paulinho da Viola, Cartola, Ivan Lins, Zé Re-nato e tantos outros que até hoje bebem da fonte Noel Rosa.

Depois de sua morte, em 1937, a obra de Noel conheceu quase uma década de esqueci-mento, coisa comum em um país que não costuma valorizar a memória de sua produção cul-tural. Aracy de Almeida e outros amigos do poeta trouxeram-no à tona novamente, enfatizando sua contribuição indispensável à música popular brasileira.

70 anos sem NoelFernando Garcia*c

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Seu espírito jovem e boêmio está presente em todos os depoimentos até hoje recolhidos sobre sua personalidade.

É preciso reforçar o sentido de pertencimento de uma juventude que carece de exemplos, ídolos e referências capazes de inspirá-la

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Da mesma forma que o poeta baiano Castro Alves, Noel Rosa é um ícone da juventude brasileira. Morto precocemente aos 26 anos, viveu a vida de forma intensa, rebelde e apaixonada. Parecendo saber que morreria cedo, produ-ziu em pouco tempo um gigan-tesco arcabouço de composições tendo como parceiros nomes que formavam a mais fina nata da música brasileira de então: Ismael Silva, Pixinguinha, Vadico, Lamartine Babo, Orestes Barbosa, Heitor dos Prazeres, Ary Bar-roso, Francisco Alves, Almirante e João de Barro (o recém-falecido Braguinha).

Homenagear a figura do jovem compositor que revolucio-nou a música brasileira significa resgatar um capítulo importante de nossa música popular. Mais que isso, significa contribuir para a democratização do acesso à memória da presença cultural da juventude brasileira, possibi-litando assim o conhecimento e o reconhecimento da partici-pação juvenil em importantes setores e momentos da vida nacional – tarefa à qual o CEMJ tem se dedicado ao longo das últimas duas décadas, desde que foi fundado em 1984.

O Brasil conta hoje com cerca de 35 milhões de jovens de 15 a 24 anos, segundo dados do IBGE. Nos dias atuais, essa mesma juventude é duramente atingida pelo flagelo da exclusão cultural. O acesso à cultura, que deveria complementar a formação edu-cacional da juventude brasileira, ainda é escasso em função, em

grande medida, da privatização dos espaços culturais – fenô-meno facilmente observado em setores como o teatro. Nossos jovens não têm acesso a museus, cinemas, teatros, praças poli-esportivas, shows e a muitos outros equipamentos e espaços culturais. Dados do Projeto Ju-ventude (2004) revelam que 78% dos jovens nunca compareceram a um debate público ou conferên-cia, 62% não conhecem concer-tos ou espetáculos teatrais, 52% nunca pisaram em uma biblio-teca e 39% de nossos jovens não sabem o que é um cinema.

Nesse contexto, não é difícil concluir que a TV surge como única alternativa cultural dis-ponível para amplos setores da juventude brasileira. Uma alter-nativa, diga-se de passagem, na maioria das vezes de baixíssimo teor cultural, cuja programação – salvo raras exceções – pauta-se pelo entretenimento descom-promissado e pela divulgação de valores e idéias estranhas à nossa realidade. A veiculação de produtos culturais de outros países, muitas vezes de baixa qualidade, é fato que acaba por moldar a forma de pensar e agir da juventude brasileira. Não à toa, podemos constatar cotidia-namente que amplas parcelas de nossos jovens, embora amem os valores e a cultura nacional , adotam como referência homens e mulheres nascidos e criados em outros contextos históri-cos, alheios à realidade e aos problemas nacionais – fato que contribui para o apagamento da memória coletiva do povo brasileiro. E, nunca é demais lembrar, um povo sem memória

é um povo sem identidade. Por grave que seja, essa situa-

ção ainda contribui para fazer da juventude brasileira uma vítima fácil da estandardização dos bens simbólicos, alavancada por um mercado cultural que aposta cada vez mais no efêmero e no descartável, demonstrando absoluta indiferença em relação à dimensão sócio-educativa do entretenimento cultural.

Neste momento político ímpar, no qual nosso país busca avançar na construção de um novo modelo econômico e social, revestem-se de grande importância iniciativas voltadas à elevação do nível cultural de nossa juventude e ao reforço de idéias como as de soberania, identidade e projeto nacional. Em um contexto como esse, nada mais apropriado que rememorar o grande Noel Rosa, a partir de uma perspectiva que reforce a atualidade de sua vida e obra – à qual têm restrito acesso grande parte das novas gerações de brasileiros. É preciso reforçar o sentido de pertencimento de uma juventude que carece de exemplos, ídolos e referências capazes de inspirá-la e ajudá-la a compreender os fatores que condicionam as possibilidades de desenvolvimento pleno de nosso povo e de nosso país.

1 Iniciativa de âmbito não-governamental composta por diversas entidades e instituições que trabalham com jovens. Durante os anos de 2003 e 2004, o Projeto Juventude elaborou um documento com subsídios para a formulação de uma política de juventude para o Brasil.2 Segundo pesquisa do Projeto Juventude (2004), 91% dos jovens de nosso país têm orgulho de ser brasileiros.

Morto precocemente aos 26 anos, viveu a vida de forma intensa, rebelde e apaixonada e deixou uma obra que situa-se na raiz da moderna música popular brasileira.

*feRnAngO gARCIA é historiador, diretor de estudos e pesquisas do CEMJ.

NOTAS

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Já está acontecendo a 1ª Con-ferência Nacional de Políticas Públicas de Juventude, pro-

movida pelo Governo Federal. As etapas preparatórias, iniciadas em setembro, estão aquecendo os debates e elegendo delegados para etapa nacional, marcada para o final de abril de 2008, em Brasília. Serão sete meses de in-tensos debates sobre a realidade da juventude e as ações do poder público, voltadas para os mais de 50 milhões de brasileiros e brasileiras entre 15 e 29 anos. Esperamos chegar ao final desse processo participativo com a definitiva afirmação do tema juventude na pauta das políticas públicas – o que, por si só, não seria um objetivo modesto.

Houve um tempo em que juventude era apenas sinônimo de futuro, como se esta fosse um eterno porvir e não tivesse qualquer sentido no tempo pre-sente. Da mesma maneira eram tratadas as políticas públicas direcionadas a esse segmento. Talvez por isso, chegamos ao início do século XXI com preocu-pantes indicadores sociais rela-cionados a emprego, escolari-dade e segurança pública, dentre outros. Tal situação também é reflexo de anos seguidos em que o ritmo da economia, em espe-cial nos anos 90, vinha sempre acompanhado de palavras como recessão e estagnação.

Diante disso e desde já, le-vantamos algumas questões para os debates que se avizinham.

Até que ponto o que chamamos de “problemas da juventude” não seriam conseqüência dessa histórica ausência do Estado, resultando na negação de direi-tos básicos como a educação de qualidade, o trabalho decente, a cultura, o esporte e o lazer? Será que determinados comporta-mentos “violentos” não estariam associados a falsas expectati-vas criadas por uma sociedade de consumo onde o ter é mais importante que o ser? Será que a situação em que ainda se encon-tra parcela da juventude brasilei-ra pode servir para a generaliza-ção da imagem de dezenas de milhões? Será que reconhecemos a capacidade de sonhar e lutar por uma nova realidade, reitera-damente demonstrada por essa mesma juventude?

Essa Conferência não surge do acaso. É resultado de uma caminhada iniciada ainda no primeiro mandato do presidente Lula, quando se somaram di-versas vozes dos movimentos juvenis, da sociedade civil e das forças políticas que partilhavam o sonho de um Brasil decente, sob a liderança de um presidente operário. Um Brasil que superas-se uma visão da juventude-

problema e que reconhecesse essa parcela da população como sujeito de direitos e agente de mudanças.

Nesse ambiente é que vimos emergir inúmeras iniciativas como diálogos e fóruns promovi-dos pelos movimentos juvenis, frentes parlamentares de políti-cas de juventude, elaboração de estudos e pesquisas divulgados pela sociedade civil e organis-mos internacionais e, final-mente, a criação, em fevereiro de 2005, da Secretaria Nacional e do Conselho Nacional de Juventude, ambos ligados à Secretaria Geral da Presidência da República. A primeira com o objetivo de coordenar e articular as inicia-tivas do Governo Federal para esse segmento, e o segundo, composto majoritariamente pela sociedade civil, com a missão de formular, propor e acompanhar. Estava dado o primeiro passo.

Chegamos em 2007, após a expressão da vontade das urnas, com o compromisso renovado e o desafio redobrado. Agora, não nos basta ter superado governos anteriores também na área da juventude, precisamos nos supe-rar. Não por uma questão de vai-dade, mas por uma necessidade.

Conferência Nacional de Juventude: levante sua bandeira

Danilo Moreira*

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Serão sete meses de intensos debates sobre a realidade da

juventude e as ações do poder público,

voltadas para os mais de 50 milhões de

brasileiros e brasileiras entre 15 e 29 anos.

Logomarca da 1º Conferência Nacional de Políticas de Juventude.

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Ampliar o acesso à educação de qualidade, promover a inserção da juventude no mercado de trabalho, democratizar o acesso à cultura, esporte e lazer, res-peitando as particularidades da juventude são – e serão – desa-fios não apenas de um governo, mas de toda a sociedade e, por que não dizer, de uma geração política.

Neste segundo mandato já tiramos do papel o FUNDEB, que significa um aporte de mais de 4,5 bilhões na educação básica, incluindo aí os ensinos infantil e médio. Lançamos o Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE. Com ele, os sistemas públicos de ensino em todos os níveis terão mais recursos da União, mas também estarão comprometidos com metas de qualidade. Além disso, as metas estabelecidas no PDE compreen-dem 150 novas escolas técnicas e dobrar o número de vagas nas universidades públicas em dez anos.

Outra marca da Política Nacio-nal de Juventude é a da inclusão social – atribuída a este governo até por seus críticos. No último dia 05 de setembro, juntamente com a Conferência de Juventude foi lançado o novo Projovem. Essa iniciativa reafirma o com-

promisso de não deixar que o Estado brasileiro ficasse inerte e muito menos abrisse mão do potencial de 4,5 milhões de jovens que não estudam, não trabalham e sequer concluíram o ensino fundamental. Para essa parcela da juventude é que surge o novo Projovem, um esforço intergovernamental coordenado pela Secretaria Nacional de Ju-ventude, que resultou da articu-lação, reformulação e ampliação de programas como Consórcio Social da Juventude, Juventude Cidadã, Agente Jovem, Saberes da Terra e Escola de Fábrica. A meta é atingir até 2010, final deste governo, 4,2 milhões de jovens, investindo 5,4 bilhões de reais para que estes possam retornar à escola, concluir o en-sino fundamental, aprender uma profissão e ter acesso a ações de cidadania, esporte, cultura e lazer.

Ao lado dessas e de outras iniciativas, devemos assegurar o direito à participação, indis-pensável ao fortalecimento de uma democracia com o povo, à qualidade das políticas públicas e elemento tão caro à juventude brasileira. E isso é o que preten-demos com a realização da 1ª Conferência Nacional de Políticas Públicas de Juventude. Espera-

Até que ponto o que chamamos de “problemas da juventude” não seriam conseqüência dessa histórica ausência do Estado, resultando na negação de direitos básicos como a educação de qualidade, o trabalho decente, a cultura, o esporte e o lazer?

mos que esta se torne um pode-roso processo participativo que aponte prioridades para a ação do poder público em todos os níveis, que propicie uma maior articulação dos movimentos juvenis e da sociedade civil, que fortaleça a institucionalização das políticas de juventude nos estados e municípios e, acima de tudo, que inclua definitivamente a juventude em nossa estratégia de desenvolvimento nacional.

Realizaremos um processo inovador de mobilização, em consonância com o tamanho, a complexidade e diversidade do nosso país. As etapas da Con-ferência poderão ocorrer nos grupos juvenis, nas escolas e universidades, na internet, nos municípios e estados. Esperamos que sejam momentos intensos de encontros e debates sobre os mais variados temas: da educação ao meio-ambiente, do trabalho ao esporte, da saúde aos direitos humanos, da cul-tura à sexualidade, do presente ao futuro do país. Levante sua bandeira!

*DAnILO MOReIRA é secretário-Adjunto da Secretaria Nacional de Juventude e Vice-Presidente do Conselho Nacional de Juventude (Conjuve)

Danilo Moreira, da Secretaria Nacional de Juventude, participa do lançamento da 1º Conferência Nacional de Juventude na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul.

Mesa do 1º Encontro de estudantes do ProUni, evento promovido em São Paulo pelo CEMJ.

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O Programa Universidade para Todos (ProUni) sur-giu para oferecer opor-

tunidade de inclusão aos estu-dantes de baixa renda, distantes de uma vaga pública, ao ensino superior privado. Porém, a idéia de torná-lo um mecanismo efe-tivo de igualdade de acesso à universidade ainda precisa ser muito melhorada, como atestam os nove pontos reivindicados na Carta Aberta dos estudantes bolsistas do programa entregue ao ministro da Educação, Fer-nando Haddad, no último dia 25 no 1º Encontro Municipal dos Estudantes do ProUni da Cidade de São Paulo, promovido pelo Centro de Estudos e Memória da Juventude (CEMJ) em parce-ria com a União Nacional dos Estudantes (UNE) e com a União Estadual dos Estudantes de São Paulo (UEE-SP).

Objetiva, a carta aprovada no Encontro enfatiza que os estudantes do ProUni ainda não dispõem de direitos mínimos adquiridos pelos demais estu-dantes dentro das instituições privadas de ensino. Esse docu-mento será incorporado como contribuição no documento final da Conferência Nacional de Juventude, já que o 1º Encontro dos Estudantes do ProUni foi validado como conferência livre de juventude (etapa preparatória à Conferência Nacional). O processo de discussão reuniu mais de 2 mil universitários de 7 instituições da capital de São Paulo. (UNIP, Unibero, Unicsul, Anhembi Morumbi, Unicastelo, Uniban e Mackenzie).

Hoje, os bolsistas do ProUni, em inúmeras instituições, não podem solicitar transferência de turno, unidade, universidade e curso. A eles também ainda não é garantida, por todas as univer-sidades, o direito à disputa de vagas remanescentes em institui-ções públicas. Além disso, mui-tos são discriminados na hora de disputar qualquer espaço na universidade, inclusive bolsas de iniciação científica e de estudos.

Essas, dentre outras questões, destacam que necessidades roti-neiras para qualquer estudante universitário do país podem se tornar um verdadeiro pesadelo para aquele que é bolsista do ProUni.

Para eles, o nó fundamen-tal das “nove falhas” mora na desinformação. Os estudantes diagnosticaram que o setor de bolsistas no site do Ministério da Educação (MEC) é insufici-ente para resolver problemas cotidianos dos estudantes, já que o mesmo se resume a reproduzir trechos de determi-nadas portarias, abrindo assim a possibilidade para diferentes interpretações.

Regulamentação

Na prática, o encontro defen-deu uma maior regulamentação do programa para corrigir a desigualdade, não apenas no acesso à universidade, mas a todas as possibilidades que sur-gem a partir da entrada do bol-sista na mesma. A carta aponta que não basta garantir uma vaga, é preciso regulamentar mais e melhor o programa para que os estudantes do ProUni não sejam descriminados pelas instituições privadas na hora de exercer todos os direitos oferecidos aos demais estudantes.

Em sentido mais amplo, a União Estadual de Estudantes de São Paulo (UEE-SP) e a UNE, entidades co-promotoras do 1º Encontro, deram mais um passo importante na pressão para que o MEC regulamente o setor privado de ensino no país. Como bem tem mostrado a persona-gem Branca (Susana Vieira), vilã da novela global Duas Caras, é preciso dar um basta à liberti-nagem exercida pelos tubarões das instituições pagas. Não se pode mais permitir que, além de manterem as contas das universidades como verdadei-ras caixas-pretas, os tubarões recebam subsídios públicos em nome da igualdade praticando o seu inverso.

CeMJ realiza 1º encontro dos estudantes do Prouni

Carla Santos*

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Os estudantes do ProUni ainda não dispõem de direitos míni-mos adquiridos pelos demais estudantes dentro das institui-ções privadas de ensino. Necessidades rotineiras para qual-quer estudante universitário podem se tornar um verdadeiro pesadelo para aquele que é bolsista do ProUni.

*Do portal Vermelho (www.vermelho.org.br).

Participantes do 1º Encontro de estudantes do ProUni.

Senador Eduardo Suplicy fala no 1º Encontro de estudantes do ProUni.

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Carta Aberta ao Exmo. Sr. Ministro de Estado da Educação Fernando Haddad

Sr. Ministro,

Nós, estudantes bolsistas do ProUni reunidos na cidade de São Paulo, dedicamos algumas pala-vras a Vossa Excelência, afim de apresentar uma série de idéias e reivindicações a respeito do Pro-grama Universidade Para Todos.

Em primeiro lugar é importante registrar que consideramos o ProUni uma grande conquista dos estudantes brasileiros. Ele é resultado da luta histórica em garantir a ampliação de vagas no ensino superior, considerando que o Brasil de-tém a pífia marca de apenas 11% dos jovens de 18 aos 24 anos matriculados.

Registramos aqui, com convicção, que a grande maioria de nós não estaria na universidade sem o ProUni. O recorte social que ele garante inclui uma parcela da população que não teria acesso a uma vaga pública e muito menos poderia pagar as mensalidades praticadas nas instituições pri-vadas. Muitos de nós, com idade já mais avança-da, havia perdido a expectativa de concluir uma graduação e agora volta aos bancos escolares retomando esse antigo sonho.

Defendemos a ampliação do ProUni! Queremos que mais jovens, como nós, tenham acesso ao ensino superior, até que esse direito seja uni-versalizado para toda a população! Queremos a ampliação da universidade pública para que assim ela seja democratizada e popularizada! Buscamos o investimento na escola básica para que tenhamos igualdade de oportunidade com aqueles que têm condição de pagar as altas mensalidades.

Respondemos aqui a todos aqueles que ataca-ram o ProUni, insinuando que a seleção social derrubaria a qualidade do ensino! Lembramos a eles que o estudante do ProUni também passa por uma seleção de mérito, através de nota míni-ma do ENEM e da concorrência aberta por deter-minada vaga. Tornamos público, ainda, que to-das as pesquisas dessa questão, além do Exame Nacional de Avaliação dos Estudantes – ENADE – comprovam que os ingressos pelo Prouni ou por outros programas de seleção sócio-econômica têm desempenho superior à média dos demais. Por isso defendemos a radicalização desses crité-rios. Mais vagas no ProUni! Pela implementação imediata da reserva de vagas nas universidades públicas brasileiras para estudantes oriundos da escola pública!

Comprendemos o ProUni como um direito! Como nosso direito ao estudo! E, assim, não va-cilaremos em nos defender de cada abuso ou distorção. Com todos os méritos que tem, não devemos nos cegar para o fato de que toda po-lítica em implementação deve ser aprimorada e melhorada. Muitas vezes, a generalidade dos decretos não consegue perceber as dificuldades enfrentadas no dia-a-dia do estudante. Durante a nossa organização e a realização das etapas deste encontro diagnosticamos uma série dessas dificuldades. Apresentamos aqui as principais delas sistematizadas.

POR MAIS INFORMAÇÃO

Com toda a certeza, a falta de determinadas informações é o nosso principal problema. Isso gera uma incerteza sobre nossos direitos e deve-res em relação ao Programa. A maioria de nós mal tem certeza em relação às exigências de desem-penho acadêmico para a manutenção da bolsa, o que cria uma série de boatos. Diagnosticamos que o setor de bolsistas no site do Ministério da Educação é insuficiente para resolver essa ques-tão, já que se resume a reproduzir trechos de determinadas portarias, abrindo a possibilidade para diferentes interpretações.

Identificamos que as próprias instituições têm dúvidas sobre vários critérios. É comum encon-trarmos casos em que somos prejudicados por informações inverídicas que recebemos por funcionários das próprias secretarias das Facul-dades.

Sendo assim, defendemos:

• Que o MEC desenvolva uma cartilha explicativa voltada aos estudantes beneficiados, a ser entre-gue no ato da matrícula de cada um, detalhando os direitos e deveres do estudante PROUNI ao matricular-se pelo programa;

• Que o MEC reformule o setor de informações aos bolsistas do sítio do PROUNI na internet, de-talhando melhor os direitos e deveres dos estu-dantes do programa;

• Que o MEC exija das instituições de ensino que preparem melhor as secretarias para atender ao estudante PROUNI e que crie documentos pú-blicos de orientação para os diferentes atores envolvidos afim de desmistificar uma série de critérios.

POR CRITÉRIOS MAIS CLAROS PARA A PERDA DE BOLSA: PELO FIM DA EXIGÊNCIA DE COM-PROVAÇÃO DE RENDA ANUAL!

O medo de perder a bolsa é outro problema fre-qüentemente encontrado. A falta de informação, aliada a interpretações diferentes por parte de cada instituição, gera um verdadeiro terrorismo entre nós. Por várias vezes, nos deparamos com colegas que pensam que nosso desempenho deve ser de no mínimo 7,5 em qualquer discipli-na matriculada. Não somos contrários à exigên-cia de um desempenho mínimo para a manuten-ção da bolsa. No entanto, por se tratar da retirada de um direito adquirido, defendemos que esses critérios sejam uniformizados para que fiquem claros a todos os estudantes.

Apresentamos, ainda, a discordância em relação à exigência da comprovação de renda todos os anos praticada por algumas instituições ampara-das pelas determinações do MEC. A portaria MEC nº 34 fala em encerramento da bolsa por “subs-tancial mudança de condição socioeconômica do bolsista”. Pois bem, “substancial mudança” não define claramente qual seria ela, o que abre mar-gem para interpretação das próprias instituições. Além disso, consideramos contraditório com os objetivos do programa limitar nosso desenvolvi-

mento financeiro. Tal medida, além de nos trazer incerteza todos os anos acerca da manutenção da bolsa, incentiva a informalidade no trabalho, a negativa de promoções e até problemas fami-liares com pais e irmãos que tiveram algum tipo de progresso no trabalho.

Sendo assim, defendemos:

• A definição objetiva e publicização dos critérios para a perda de bolsa; garantia pelo MEC do cum-primento, pelas instituições, da determinação de que o aluno “deverá apresentar aproveitamento acadêmico em, no mínimo, 75% (setenta e cin-co por cento) das disciplinas cursadas em cada período letivo”;

• O imediato fim da exigência da comprovação de renda a cada renovação de bolsa.

PELO DIREITO À TRANSFERÊNCIA

A transferência de matrícula no ensino superior é uma prática muito comum entre todos os es-tudantes. Pode ser conseqüência de uma série de fatores, como transferência de domicílio, con-quista ou mudança de horário de emprego, etc. Acontece, ainda, a desilusão com determinado curso que nos obriga a experimentar currículos diferentes. A maioria das faculdades tem nos ne-gado esse direito. Em alguns casos, sequer trans-ferência de período tem sido autorizada.

Outro problema encontrado é o da transferência para cursos em universidades públicas. Pela au-sência do vestibular na seleção do ProUni, várias faculdades têm se negado a permitir que os estu-dantes do PROUNI disputem com seus méritos o direito a uma vaga remanescente nesses cursos.

Por isso, defendemos:

• A exigência, pelo MEC, de que as Faculdades permitam o pleno direito de transferência, como é facultado a todos os estudantes. Garantia do direito à transferência de turno, unidade, univer-sidade e curso;

• Garantia do direito dos estudantes do ProUni à disputa de vagas remanescentes em todas as universidades públicas brasileiras;

IGUALDADE DE CONCORRÊNCIA A TODOS OS ESPAÇOS DA UNIVERSIDADE

Pensamos que os estudantes do ProUni devem ter os mesmos direitos e deveres que todos os outros. Sendo assim, todos os espaços de dispu-ta de mérito nas faculdades devem ser abertos a nós.

Nos deparamos com uma realidade diferente no caso do pleito de bolsas de iniciação cientí-fica e outras, por exemplo. Sob a justificativa da duplicidade de bolsa nos é negado por várias faculdades o direito à disputa dessas vagas. Essa justificativa é falsa já que nenhum estudante do ProUni jamais recebeu nenhum tipo de remune-ração por parte do governo ou das instituições.

Outro caso não menos comum é o das habilita-ções optativas. Em muitas Faculdades tem sido

Leia abaixo a íntegra da Carta Aberta aprovada no 1º Encontro dos Estudantes do ProUni

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negado a nós disputar determinada habilitação, nos obrigando a cursar as menos concorridas.

Assim, defendemos:

• Igualdade de direitos e deveres dos estudantes do ProUni com o restante dos estudantes matri-culados; garantia do direito à igualdade na dis-puta por qualquer espaço na universidade;

• Garantia do direito à iniciação científica com bolsa de estudos;

• Garantia do direito à disputa de habilitações por mérito.

PELA GARANTIA DE CONCLUSÃO PLENA DOS CURSOS

Uma de nossas preocupações é a da plena con-clusão dos nossos cursos. O direito a uma bolsa do ProUni, conquistada por méritos na nota do ENEM e pelo critério sócio-econômico, deve nos garantir a conclusão da graduação.

Temos nos deparado com várias dúvidas a esse respeito. Uma delas é a de bacharelados opcio-nais de quarto ano. Várias faculdades não têm deixado claro nosso direito de cursá-lo alegando que se trata de uma segunda titulação. Pensa-mos que trata-se de um complemento do curso, e portanto somos intransigentes na exigência do direito a cursá-lo.

Outro caso em aberto é o que trata da alteração de grades curriculares durante a vigência do con-trato. Temos nos deparado com cursos como o de Pedagogia, que, por alterações nas diretrizes do Conselho Nacional de Educação, tem obriga-do as instituições a ampliar a duração do curso, excedendo a vigência do contrato do ProUni.

Ainda vemos dúvida a respeito de uma possível reprovação no último ano letivo. Várias faculda-des nos informam que nesse caso teríamos que arcar com o custo dessa DP para concluir a gra-duação, mesmo que dentro dos 25% previstos para reprovação.

Um outro problema é referente ao trancamen-to de matrícula. Conforme autoriza o MEC, o trancamento é permitido. No entanto, a maioria das instituições exige o pagamento do período trancado ao final do curso. Sabemos que o tran-camento, em vários casos, como a maternidade das estudantes ou os problemas de saúde não é uma opção.

Assim, defendemos:

• Direito a todo tipo de complemento curricular aos estudantes do ProUni durante a vigência da bolsa, incluindo os bacharelados opcionais;

• Garantia de conclusão do curso com vigência da bolsa nos casos de aumento da grade curricular;

• Direito à matrícula gratuita de qualquer repro-vação, mesmo que no último ano letivo, desde que dentro do limite de desempenho estabele-cido;

• Direito ao trancamento de matrícula justificada sem prejuízo à conclusão do curso com a bolsa;

• Garantia, por parte do MEC, do direito à matrí-cula aos estudantes selecionados pelo programa em cursos que não formaram turma, através de transferência;

• Garantia, por parte do MEC, da continuidade dos cursos nos casos de encerramento do convê-nio entre o MEC e a instituição.

POR CONDIÇÕES DE PERMANÊNCIA E PRO-GRAMAS DE INSERÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO

Não podemos ignorar que, mesmo com a isen-ção da mensalidade, nossa permanência durante a graduação é difícil. Como sabemos, a trajetó-ria escolar exige muito mais do que a garantia da carteira na sala de aula. As necessidades são várias: desde a alimentação, o transporte públi-co até a própria moradia para muitos de nós que mudam de município. Além disso, existem as exigências diversas a que cada curso nos subme-te, com materiais muitas vezes caríssimos e que, decisivos, abrem a possibilidade da reprovação não pela ausência de mérito, mas de dinheiro su-ficiente para acompanhar os demais colegas.

Por um lado, pensamos que o atual modelo de concessão de bolsas-permanência deva ser re-visado. A exigência da média de 6 horas aulas diárias não é atingida inclusive por alguns cursos de Medicina ou Engenharia. Além disso é funda-mental que se leve em conta a questão dos cus-tos com materiais didáticos exigidos.

Além disso, é fundamental que pensemos numa perspectiva de inserção no mercado de trabalho para os estudantes do ProUni, através de progra-mas próprios de estágio.

Por isso defendemos:

• Flexibilização e ampliação dos critérios de con-cessão da bolsa-permanência aos estudantes do ProUni. Inclusão, entre os seus critérios de sele-ção, de possíveis custos com material didático exigidos por determinados cursos;

• Programas de estágio e primeiro emprego dire-cionados aos estudantes do ProUni;

• Políticas públicas municipais, como o passe-li-vre aos estudantes bolsistas.

FORMAÇÃO COMPLETA: POR INCENTIVO DE INGRESSO EM PÓS-GRADUAÇÕES

Uma de nossas preocupações é referente à con-tinuidade de nossa vida acadêmica. O ProUni, pensado como instrumento de choque social para setores mais desfavorecidos da população, também deve propiciar uma formação comple-ta. Sem dúvida, sem nenhuma política específica muitos de nós não se acomodarão apenas com uma graduação e não buscarão outros diplo-mas.

Defendemos:

• Convênios específicos nas pós-graduações de universidades públicas brasileiras para estudan-tes egressos do ProUni;

• Critérios sócio-econômicos para a distribuição de bolsas de pós-graduação;

• Direito pleno de participação em todos os espa-ços de ensino, pesquisa e extensão promovidos pelas universidades.

PELA IMPLEMENTAÇÃO REAL DA COMISSÃO NACIONAL DE ACOMPANHAMENTO E CON-TROLE SOCIAL DO PROUNI

Como fica claro, os problemas e encruzilhadas enfrentados por nós não são poucos. O dia-a-dia muitas vezes traz à tona questões que os decre-tos e leis não conseguem perceber. As universi-dades muitas vezes não são obrigadas por lei a garantir determinados direitos e nos submetem a situações inadequadas.

Desse modo, a Comissão Nacional de Acompa-nhamento e Controle Social do PROUNI – CONAP – deve cumprir papel fundamental.

Assim, reivindicamos:

• Funcionamento regular da CONAP;

• Garantias materiais por parte do MEC para o funcionamento da CONAP;

• Promoção e institucionalização da CONAP como instrumento fiscalizador da implementação do PROUNI e de amparo aos estudantes bolsistas.

POR FORMAÇÃO DE QUALIDADE!

Queremos muito mais que o direito à matrícula. Queremos educação de qualidade. Por isso, acre-ditamos que o Ministério da Educação deve ser intransigente na fiscalização de nossos cursos, a fim de garantir sua qualidade.

Assim, defendemos:

• Rigor na fiscalização do MEC sobre os cursos oferecidos pelo ProUni;

• Implementação real do SINAES – Sistema Na-cional de Avaliação do Ensino Superior – e maior rigor na determinação de descredenciamento de cursos mal avaliados por ele;

• Descredenciamento do ProUni de toda faculda-de com mais de um curso mal avaliado.

Sr. Ministro,

Essas são as nossas reivindicações. Sabemos que Vossa Excelência é um dos idealizadores do pro-grama e esperamos que busque sensibilidade e convicção para fazê-las cumprir. Pensamos que assim o ProUni será um programa ainda melhor.

Somos a primeira de muitas gerações que terão o direito de estudar através do ProUni. Tentamos neste encontro cumprir o nosso papel, buscan-do inspiração na idéia de um Brasil grandioso, de uma nação que faça jus ao seu tamanho, às suas riquezas naturais, à sua criatividade cientí-fica, tecnológica e econômica e, principalmente, que faça isso através das potencialidades do seu povo. A educação é instrumento fundamental na busca desse desafio. Não queremos mais desper-diçar as grandes mentes brasileiras excluídas dos bancos escolares! Que este encontro incentive a todos que lutam por uma educação melhor e mais democrática! Educação de qualidade a to-das e todos os brasileiros!

São Paulo, 24 de novembro de 2007.

1º Encontro Municipal dos Estudantes do PROUNI da Cidade de São Paulo.

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Mesa do Encontro.

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Era um pedido singelo, mas que, uma vez atendido, traria mudanças significa-

tivas na vida dos estudantes da capital sergipana. Há anos eles queriam ter direito à meia-pas-sagem também aos domingos e feriados, e demonstravam sua vontade usando apitos, faixas e argumentos contundentes. Apesar de toda a mobilização, o sonho dos jovens continuava sendo só um sonho.

A conquista veio em junho deste ano. Precisamente no dia 13, o prefeito de Aracaju, Edval-do Nogueira (PCdoB) anunciou a boa notícia, que beneficiou mais de 85 mil jovens: “A partir de 11 de agosto, Dia do Estudante, todos os estudantes vão pagar meia-tarifa também aos domin-gos e feriados. Afinal, estudante não deixa de ser estudante nes-ses dias. Levando em conta sua formação global, é preciso que ele possa utilizar a meia-passa-gem para ir ao cinema, à biblio-teca e a eventos culturais, seja quando for”, disse o prefeito.

O presidente do Grêmio Estudantil do Colégio Estadual Atheneu Sergipense, André Luiz, definiu o momento como vitorio-so. “Todos os estudantes de Ara-caju estão felizes que o prefeito, até como ex-integrante do movi-mento estudantil, tenha ouvido nossa solicitação e decretado a meia-passagem aos domingos e feriados também”, falou.

aracaju: garantindo espaço para os jovens

Com uma série de políticas inovadoras,

a Prefeitura de Aracaju se torna

referencial para a juventude

Voz aos jovens

Entre 1984 e 1985, Edvaldo Nogueira foi presidente do Di-retório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade Federal de Sergipe (UFS), fato que sus-cita uma grande identificação e aproximação entre o prefeito e os estudantes. Sua trajetória tem rendido ainda, no âmbito muni-cipal, iniciativas inéditas volta-das aos jovens, como a criação da Assessoria Especial de Políti-cas Públicas para a Juventude, em 3 de setembro deste ano.

Segundo Edvaldo Nogueira, o objetivo é dar mais espaço para os jovens na administração municipal e elaborar um plano para a juventude de Aracaju, um projeto que incorpore as idéias e anseios dos jovens nas mais diversas áreas. “O diálogo com lideranças e órgãos que repre-sentam a classe estudantil tem sido uma marca da atual gestão municipal”, afirma Karla Suely, assessora especial de Políticas Públicas para a Juventude em Aracaju.

Resgatando a cidadania

Entre as políticas voltadas à juventude que vêm sendo de-senvolvidas pela administração municipal em Aracaju, destaca-se o programa Jovem Cidadão, executado por meio da Secretaria Municipal de Assistência Social e Cidadania (Semasc). Tendo como público-alvo jovens em trajetória de rua, o objetivo do programa é inseri-los na sociedade e reinte-grá-los a suas famílias.

Para isso, são oferecidos cur-sos profissionalizantes, oficinas de arte, atividades esportivas e palestras sócio-educativas, além de refeição e transporte. “Hoje, 161 adolescentes participam do Jovem Cidadão e recebem uma bolsa de R$ 100. Eles têm aulas de judô, capoeira, caratê, serigrafia, percussão, copa e cozinha, informática, confecção e dança. Tudo isso os mantém ocupados, em constante desen-volvimento e promove o resgate da cidadania”, conta a secretária municipal de Assistência Social e Cidadania, Rosária Rabelo.

educação como prioridade

Em Aracaju, as parcerias também vêm rendendo bons frutos para a juventude. Junta-mente com o Governo Federal, a Secretaria Municipal de Educação (Semed) desenvolve o Programa Nacional de Inclusão de Jovens em Aracaju (ProJovem). O ob-

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Dinah Menezes e Gabriela Melo*

“A partir de 11 de agosto, Dia do Estudante, todos os estudantes vão pagar meia-tarifa também aos domingos e feriados. Afinal, estudante não deixa de ser estudante nesses dias.

O prefeito de Aracaju, Edvaldo Nogueira (centro), ao lado de lideranças juvenis do município.

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Para isso, são oferecidos por meio da Fundação Municipal do Trabalho (Fundat) 61 opções de cursos, dentre eles: informática, telemarketing, assistência técnica em microcomputadores, atendi-mento ao cliente, culinária, depila-ção, eletricidade, inglês, espanhol e recepcionista. “A geração de em-prego e renda é uma prioridade e o caminho é a qualificação. Por isso, temos ofertado uma grande quantidade de cursos e os jovens têm aproveitado essa oportuni-dade para começar a carreira pro-fissional”, aponta o presidente da Fundat, Carlos Magno.

oP Jovem

A participação popular é uma marca da administração na cidade de Aracaju. Para ter um canal de diálogo sempre aberto com a população, existe a Secretaria Municipal de Par-ticipação Popular (SEPP). Já para criar um espaço de participação específico para os jovens dentro da SEPP, já está em discussão a criação do Orçamento Participa-tivo da Juventude (OP Jovem). “O OP da Juventude vai dar a esse segmento uma voz ativa dentro da Prefeitura”, diz o secretário municipal de participação popu-lar, Rômulo Rodrigues.

* Jornalistas, da assessoria de imprensa da Prefeitura de Aracaju.

jetivo é a conclusão do ensino fundamental de jovens com idade entre 18 e 24 anos, em 12 meses, oferecendo, além das matérias regulares, cursos técnicos profissionalizantes e aulas práticas de cidadania. O resultado é a melhoria na qualidade de vida e aumento da auto-estima.

Um dos pontos positivos que podem ser destacados nesse programa é a diminuição da evasão escolar. “O índice de evasão diminuiu para 17%, con-tra os 50% de índice da escola convencional. Isso se deve a todo um planejamento peda-gógico, principalmente no que compete à parte de qualificação profissional que o curso prevê, pois garante aos alunos inserção no mercado de trabalho”, res-salta a secretária municipal de Educação, Tereza Cristina.

Inserção no mercado

de trabalho

A inserção no mercado de trabalho é uma das principais preocupações dos jovens. Para facilitar esse acesso, a administração municipal vem oportunizando a qualificação profissional, aumentando sig-nificativamente as chances de realizar o sonho do primeiro emprego.

A geração de emprego e renda é uma prioridade e o caminho é a qualificação. Por isso, temos ofertado uma grande quantidade de cursos e os jovens têm aproveitado essa oportunidade.

Oficina de teatro juvenil promovida pela assessoria de políticas públicas de juventude de Aracaju.

Cerimônia de certificação de jovens em Aracaju.

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