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Nesta página: . A ética no campo midiático . A notícia e as teorias do jornalismo . O que é perfil jornalístico . As regras elementares da vida jornalística A ética no campo midiático (Anotações para um debate em sala de aula) 07/02/2007 No primeiro instante que se viabiliza um debate sobre a ética na Imprensa paraibana, se faz necessário estabelecer a diferença entre ética e moral: “A moral é a instância primeira, ponto de referência de um conjunto de preceitos que fundamenta o ato do homem e as relações humanas, ao qual o indivíduo aceita submeter-se para poder viver em sociedade. Ela preocupa-se com o universal, o absoluto. A ética, então, fica compreendida como um conjunto de valores livremente eleitos pelo indivíduo, em função de uma finalidade por ele mesma estabelecida e que acredita ser boa. Ela aparece como subsidiária. Essa concepção recupera a diferença estabelecida pelo filósofo Paul Ricoeur entre aquilo que se pensa ser bom (a ética) e aquilo que se impõe como obrigatório (a moral)”. (Daniel Cornu, in: Ética da informação, p.8-9). As diferenciações entre ética e moral ocupam tempo e espaço em vários tratados filosóficos, estéticos e políticos. Do ponto de vista do jornalismo, nos interessa, basicamente, verificar como a moral (aquilo que se impõe como obrigatório) e a ética (aquilo que se pensa ser bom) podem tornar transparente para a sociedade as atividades dos jornalistas profissionais. A partir destas exigências entramos em outro campo de investigação das possibilidades de codificação, difusão e comercialização da informação jornalística: a deontologia: “A deontologia, no que concerne à mídia, é um conjunto de princípios e regras, estabelecidos pela profissão, de preferência em colaboração com os usuários, a fim de responder melhor às necessidades dos diversos grupos da população (...)”. (Claude Jean Bertand, in: A deontologia das mídias, p.14). Para sistematizar melhor estas proposições poderíamos estabelecer o seguinte raciocínio: a moral corresponde ao hábito, ao predomínio de um modelo cultural, religioso político. A ética é a manutenção desse modelo. Por exemplo, em paises muçulmanos, a religiosidade estabelece a moral, a forma de vestir das mulheres é uma atitude ética, as narrativas dessas sociedades são limitadas pela deontologia, para que não sejam feridos os códigos éticos e morais. Um dos complicadores no exercício da profissão de jornalista é, justamente, compreender os limites entre a ética e a deontologia. Na maioria das vezes, os problemas éticos são da ordem da deontologia ou vice versa. Isto implica que a ética (do grego éthos equivalente a costumes) não se define apenas pelo comportamento individual, no julgamento do senso comum. Vamos esquentar a memória. No dia 25 de janeiro de 1984 o Jornal Nacional, principal telejornal do país em termos de audiência, exibia para os telespectadores uma grande manifestação popular na Praça da Sé em São Paulo como as

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Nesta página: . A ética no campo midiático . A notícia e as teorias do jornalismo . O que é perfil jornalístico . As regras elementares da vida jornalística

A ética no campo midiático (Anotações para um debate em sala de aula) 07/02/2007

No primeiro instante que se viabiliza um debate sobre a ética na Imprensa paraibana, se faz necessário

estabelecer a diferença entre ética e moral: “A moral é a instância primeira, ponto de referência de um conjunto de preceitos que fundamenta o ato

do homem e as relações humanas, ao qual o indivíduo aceita submeter-se para poder viver em sociedade. Ela

preocupa-se com o universal, o absoluto. A ética, então, fica compreendida como um conjunto de valores

livremente eleitos pelo indivíduo, em função de uma finalidade por ele mesma estabelecida e que acredita ser

boa. Ela aparece como subsidiária. Essa concepção recupera a diferença estabelecida pelo filósofo Paul Ricoeur

entre aquilo que se pensa ser bom (a ética) e aquilo que se impõe como obrigatório (a moral)”. (Daniel Cornu,

in: Ética da informação, p.8-9). As diferenciações entre ética e moral ocupam tempo e espaço em vários tratados filosóficos, estéticos e

políticos. Do ponto de vista do jornalismo, nos interessa, basicamente, verificar como a moral (aquilo que se

impõe como obrigatório) e a ética (aquilo que se pensa ser bom) podem tornar transparente para a sociedade

as atividades dos jornalistas profissionais. A partir destas exigências entramos em outro campo de investigação das possibilidades de codificação,

difusão e comercialização da informação jornalística: a deontologia: “A deontologia, no que concerne à mídia, é um conjunto de princípios e regras, estabelecidos pela

profissão, de preferência em colaboração com os usuários, a fim de responder melhor às necessidades dos

diversos grupos da população (...)”. (Claude Jean Bertand, in: A deontologia das mídias, p.14). Para sistematizar melhor estas proposições poderíamos estabelecer o seguinte raciocínio: a moral

corresponde ao hábito, ao predomínio de um modelo cultural, religioso político. A ética é a manutenção desse

modelo. Por exemplo, em paises muçulmanos, a religiosidade estabelece a moral, a forma de vestir das

mulheres é uma atitude ética, as narrativas dessas sociedades são limitadas pela deontologia, para que não

sejam feridos os códigos éticos e morais. Um dos complicadores no exercício da profissão de jornalista é, justamente, compreender os limites

entre a ética e a deontologia. Na maioria das vezes, os problemas éticos são da ordem da deontologia ou vice

versa. Isto implica que a ética (do grego éthos equivalente a costumes) não se define apenas pelo

comportamento individual, no julgamento do senso comum. Vamos esquentar a memória. No dia 25 de janeiro de 1984 o Jornal Nacional, principal telejornal do país em termos de audiência,

exibia para os telespectadores uma grande manifestação popular na Praça da Sé em São Paulo como as

comemorações pelo aniversario da capital paulista, enquanto seus apresentadores e repórteres vestiam as

cores da luta pelas eleições diretas. Havia um descompasso entre a ética dos jornalistas e a ética da empresa, pois as manifestações, na

verdade, correspondiam a um comício pro Diretas Já. Neste caso, a Rede Globo cometeu dois erros:

desconsiderou que, naquele momento, os cidadãos procuravam lutar contra a moral imposta, construindo uma

nova ética social; e desconsiderou seus princípios deontológicos (se existem). A reação dos profissionais da Rede Globo, na época das Diretas Já, usando as cores amarelas, provou

que o social caminha mais rapidamente no estabelecimento de novos procedimentos éticos desde que estes

não sejam capazes de subtrair do cidadão o direto à informação. Desta forma, podemos observar: “A ética na imprensa é, sim, a demarcação de limites para o pragmatismo, que, por si, não conhece

limites. Enfrentar a discussão ética é aceitar o pressuposto de que é possível, ainda que numa perspectiva mais

ou menos utópica, buscar mecanismos que protejam valores coletivamente eleitos contra um regime do não-

valor moral (...)”. (Eugênio Bucci, in: Sobre ética e imprensa, p. 34). Os valores coletivamente eleitos podem observar melhor os passos da imprensa ou da mídia em geral.

Mas, para isto, se faz necessário que haja o fortalecimento da sociedade civil. Para isto, é preciso discutir a

informação jornalística de acordo com alguns parâmetros: 1) a mídia pública, 2) a mídia como uma indústria;

3) a mídia como instância política (Claude Jean Bertrand, in: A deontologia das mídias, p.11). No caso da Paraíba, temos um jornal e uma emissora de rádio que aos considerados públicos e os

demais atuam como “indústrias da informação” ou “instâncias políticas”. Portanto, as aspas provocam

dificuldades quanto à ética empresaria de cada veículo de informação. E ao leitor, resta confiar ou não na ética

individual dos jornalistas-colunistas, repórteres, editores e fotógrafos. Mas não existem jornalistas éticos sem patrões éticos. Antes dos exemplos práticos, se faz necessário explicar que a ética, no jornalismo, esta mais próxima

dos códigos deontológicos e mais distante da moral. Assim, a discussão não se perfaz entre aqueles que têm

ou não caráter. Vamos aos exemplos: 1) Em 1930, um advogado e uma professora têm sua correspondência íntima divulgada por adversários

políticos no jornal oficial que, à época, representava a mídia pública da Paraíba; 2) Na década de 80, um

governador atira no ex-governador, 3) Em 2003, se instaura uma CPI para apurar a má utilização de verbas

públicas em um único veículo de comunicação. Nos três episódios, o leitor não dominou nem domina o fluxo das informações. Apesar da distância entre os fatos, o que os une é o predomínio da instância política sobre o conteúdo

das mídias locais, ou seja, a sociedade civil lê apenas as versões, de acordo com os matizes ideológicos de

cada veículo. Tudo isto porque, aqui e alhures, a instância política associada à comercialização forja uma nova

regra para os meios de comunicação: aceleração da informação e ignorância dos contextos socioculturais,

espetacularização dos fatos sociais. Os exemplos que refletem as distorções éticas na mídia são expressivos no mundo inteiro. Vejamos: a)

Na França, a mídia não pesquisou o financiamento das campanhas eleitorais nos anos 60 a 80 nem as

atividades ilegais do banco Crédit Lyonnais; b) Deixou a extrema direita explorar a irritação dos franceses

frente a uma crescente imigração africana; c) Durante os quatro anos em que os Khmers vermelhos detiveram

o poder no Camboja e mataram mais de um milhão de habitantes, o canal ABC consagrou a esse país doze

minutos, NBC 18 e CBS 29 minutos; d) O apresentador do principal telejornal francês, TF1 20, “montou” uma

entrevista coletiva com Fidel Castro como se tivesse sido exclusivamente concedida à sua emissora.(Claude

Jean Bertrand, in: A deontologia das mídias, p.114). Os exemplos supracitados nos remetem ora a problemas éticos, do ponto de vista individual e

empresarial, ora a questões de deontologia. Neste caso, é preciso entender o que se faz prejudicial à sociedade

civil, no tocante à difusão das informações, e o que pode ser melhorado, a partir de um código deontológico. A princípio, um código deontológico, visto como um conjunto de regras para o adestramento ético e

democrático do jornalismo, não deve contemplar deveres e direitos determinados pela constituição e

estabelecidos como leis pelo Estado. Para os jornalistas, é de fundamental importância pensar na relação entre a ética, a estética e a

técnica. A primeira se perde quando não se aplica na valorização do espaço público; a segunda é a forma de

apresentar os imaginários sociais e deve estar associada às éticas impostas pela moral dos diversos atores

sociais, quer seja do ponto de vista religioso, que seja do ponto de vista político. E a técnica depende da

estética e da ética. Na maioria das redações de jornais, revistas, emissoras de rádios e TVs, houve uma adesão silenciosa

às novas tecnologias, mas não sem o questionamento dos métodos de apuração, edição e difusão das

matérias. A velocidade se tornou sinônimo de eficiência, independente da qualidade dos textos, da exploração

de imagens grotescas para provocar audiência, dos programas radiofônicos que funcionam como tribunais

contra as minorias sociais. Depois de todas estas considerações, poderíamos perguntar: É possível um jornalismo ético? Sim. No

momento em que a sociedade civil se fortalecer na diferença de seus cidadãos.

A notícia e as teorias do jornalismo 11/10/2004

O jornalismo deve ser pensando como um campo teórico para que o seu exercício não seja negado por falsas evidências.

A produção científica sobre o jornalismo deve ser exercida com acuidade

metodológica para que esta não seja confundida com os campos da recepção, da Comunicação Social, da mídia e da análise de discurso. Mas como perceber as nuanças da produção jornalística em suas relações com outros campos?

No jornalismo habitam várias formas discursivas. Para compreender os significados

produzidos pelos discursos se faz necessário verificar as fronteiras epistemológicas (territórios do conhecimento) que dividem os espaços jornalísticos, desde o projeto gráfico até a construção das linguagens verbais e não-verbais.

Nas teorias que definem a difusão organização e manipulação da informação, o

jornalismo é concebido como uma das retóricas da sociedade burguesa, ou seja: fala de um mundo cujo nexo é o dinheiro através da transformação das energias sociais em força de trabalho que produzem bens simbólicos.

Ao estabelecer uma “prosa” concomitante à realidade, o jornalismo procura controlar

o fluxo das informações, promovendo modelos retóricos que determinam os discursos produzidos em sociedade e a suas influências no cotidiano. Por isto, a linguagem jornalística tem a pretensão de ser o espelho do mundo.

Um espelho que reflete as aparências de forma realista, sem admitir relativismo,

contradições. Esta é a pretensão do jornalismo informativo. Mas as notícias representam com fidelidade os fatos sociais? Não! As notícias não

são espelhos da realidade. Elas são construções socioculturais, embaladas por recheios ideológicos.

A idéia de que os jornalistas são, simplesmente, mediadores sociais nos remete a

Teoria do Espelho, cujo determinismo pode ser explicado por Nelson Traquina: “A primeira teoria oferecida para explicar 'por que as notícias são como são' é a

teoria oferecida pela própria ideologia dominante no campo jornalístico (pelo menos nos países ocidentais). É a teoria mais antiga e responde que as notícias são como são por que a realidade assim as determina” (TRAQUINA, 2001, p. 65).

O primeiro exercício teórico que podemos estabelecer em relação à técnica da

notícia, sobretudo no jornalismo impresso, deve ser a verificação entre “o que fala” o jornal e “o que diz a realidade”, com todas as implicações semânticas: arquétipos, manipulação da palavra.

Assim, podemos perguntar: a Teoria do Espelho, no jornalismo, nos ajudar a

compreender melhor o mundo contemporâneo?

Exercício:_____________________________________________________________________

a) Recorte notícias de jornais diferentes sobre um mesmo fato e verifique se há visões diferenciadas sobre o mesmo fato. b) Procure verificar se as notícias são espelhos das realidades sociais, estabelecendo a relação entre um fato que você presenciou e a forma como ele foi anunciado pelos jornais. c) Por que a noticia é um gênero narrativo importante no mundo contemporâneo?

Obs.: envie as respostas para [email protected]

Leituras pertinentes:

LAGE, Nilson. Estrutura da notícia. São Paulo: Ática, 1987. ______. Linguagem Jornalística. São Paulo: Ática, 1985. TRAQUINA, Nelson. O estudo do jornalismo no século XX. São Leopoldo (RS): Unisinos, 2001.

O que é Perfil jornalístico?

27/09/2004

Para quem se interessa por Jornalismo - professores, pesquisadores, estudantes e leitores - uma das dificuldades é entender as relações semânticas que se estabelecem entre os gêneros jornalísticos.

Alguns estudiosos do Jornalismo contestam a divisão entre gêneros jornalísticos

opinativos e informativos. Na maioria das vezes, esta classificação atende às organizações de ordem pragmática, ou seja, à razão funcional que culmina com a distribuição dos textos nas páginas.

Mas os gêneros narrativos, tanto nas artes quanto no Jornalismo, têm a função de

promover as formas e os conteúdos utilizados para contar histórias. Ambos se definem na característica de cada narrativa.

Na maioria das vezes, pensar em gênero narrativo é verificar os recursos utilizados

pelos narradores, a partir da identificação de elementos como tema, assunto, enredo, cenários, personagens e foco narrativo (a posição ocupada pelo narrador).

Em geral, os escritores narram fatos, ficcionais ou não. Por isto, a divisão

“aristotélica” dos gêneros, disseminada em Arte Retórica e Arte Poética, influenciou toda a concepção ocidental: contos, romances, novelas, poemas, drama, tragédia. Sempre partindo do princípio de que a forma se soma ao conteúdo à ética e à estética.

Contar história é narrar fatos, respeitando as lições da cultura dos povos mais

antigos. Mas no Jornalismo não se narra apenas fatos, mas pessoas. As narrativas que “contam” pessoas como se “conta” fatos, no Jornalismo são

denominadas Perfis. O Perfil é o gênero jornalístico que tem como núcleo narrativo pessoas. Ou seja: ele

é o retrato dos atores sociais, dos cidadãos que produzem quaisquer formas de discurso sociocultural, alinhados a partir de um discernimento ético e estético, ou seja, uma capacidade reflexiva.

Ao contrário da maioria dos gêneros jornalísticos, o Perfil não se preocupa com a

narração dos fatos, mas em produzir narrativas sobre pessoas. Assim, ele se diferencia da biografia, porque não fala apenas do percurso de vida dos personagens, da entrevista, cuja função é recuperar a idéia de produção de saberes através de diálogos, da reportagem: gênero narrativo cujo significado é interpretar os fatos sociais a partir das falas das personagens e do narrador.

Como é um retrato da pessoa, a escrita do Perfil se equilibra, com clareza e coesão,

entre: 1) o discurso do narrador sobre o entrevistado; 2) a fala do entrevistado; 3) A opinião de pessoas sobre o entrevistado.

No perfil jornalístico, podemos observar a existência de três níveis discursivos: a) o

discurso interno; b) o discurso externo; c) a interpretação do leitor que serve como moldura, síntese do que se diz sobre a personagem em foco.

Portanto, o Perfil jornalístico é uma narrativa, a maneira de “falar” de uma pessoa

como se ela fosse um fato; o que vale dizer: perfil no Jornalismo não é lista de preferências pessoais dos entrevistados.

Exercício:________________________________________ 1) Procure verificar em jornais e revistas a publicação de perfis. 2) Estabeleça a diferença entre perfil e biografia. 3) Por que não devemos confundir perfis com questionários?

Obs.: envie as respostas para: [email protected].

Leituras pertinentes

SODRÉ et alii. Técnica de Reportagem: notas sobre a narrativa jornalística. São Paulo: Summus, 1986. VILAS BOAS, Sérgio. Perfis e como escrevê-los. São Paulo: Summus, 2003.

As regras elementares da vida jornalística 26/08/2004

A apresentação da vida cotidiana nos jornais e revistas - os quais não podem ser

lidos apenas como meios impressos, haja vista a variedade de recursos gráficos e analógicos que os aproximam de outras mídias - deve ser estudada a partir das modulações narrativas que procuram reter ou fazer circular o discurso dos atores sociais e seus signos.

O desafio do pesquisador entre o cotidiano e “as regras elementares da vida

jornalística” é entender como relações assimétricas, multiformes e polissêmicas podem ser representadas, principalmente em jornais e revistas, através dos códigos verbais e de estratégias argumentativas presas à idéia de objetividade.

Do ponto de vista metodológico, podemos escolher alguns caminhos para entender

como a construção da vida cotidiana no jornalismo, principalmente nos meios impressos, acaba se reduzindo a proposições argumentativas que distanciam os leitores dos níveis de interpretação das realidades, ou seja: o real no jornalismo se constrói através da imitação, da reconstituição de referenciais.

A vida jornalística se estabelece como o índice de conversões sociolingüísticas. Portanto, poderíamos, para efeito de compreensão ensaiar o seguinte raciocínio: aquilo que parece representar a realidade dos fatos, através de imagens, palavras e traços gráficos, nada mais é do que a conversão simbólica de um modelo social.

Na linguagem jornalística, o caráter simbólico se evidencia a partir das normas

discursivas. Há normas para dizer, ouvir e ver inscritas nos manuais de redação. Isto implica em pensar as regras elementares da vida jornalística a partir da noção de sistema.

Os discursos jornalísticos constituem um mundo no qual a descontinuidade dos fatos é concebida como intervalos temporais alinhados de forma linear, entre o fato e o evento.

Na narrativa dos meios impressos, os fatos e eventos são “enquadrados”, a partir de

um modelo funcional-argumentativo da linguagem. Assim,aparece a noção do mundo referencial, ou seja, mesmo que as ações sociais sejam plurissignificativas elas têm a veracidade legitimada apenas pelos referentes. Neste sentido, a vida jornalística só tem legitimidade se pode ser demonstrada na unificação de conceitos ou imagens referenciais.

Tecer comentários sobre a vida cotidiana considerando-a apenas do ponto de vista

dos referenciais é trabalhar no nível da interpretação sistemática, considerar apenas as partes constituintes do objeto. Este é o procedimento do jornalismo informativo.

As contradições das regras elementares da vida jornalística se evidenciam na

pretensão de representar a quotidianidade através de uma linguagem objetiva, racional. Por isto, o que os leitores são capazes de decodificar com auxilio do senso comum não cabe nas paginas dos jornais e revistas.

Na construção da informação jornalística, com raríssimas exceções, não se percebe

que a quotidianidade (conjunto de signos objetivos e subjetivos da vida quotidiana) não é apreendida pelas regras dos manuais de redação, porque o real não é uno, sequer racional.

Para que a quotidianidade, no jornalismo impresso, não caia nos ardis semânticos e

ideológicos do discurso da objetividade, podemos estabelecer procedimentos metodológicos para leitura da vida jornalística: 1) as regras elementares da vida jornalística são regidas pelas proposições do mundo dos objetos, ou seja, é preciso demonstrar a materialidade dos atos, quer sejam traduzidos em leis ou modelos comportamentais; 2) a vida cotidiana está para a mimese, assim como a vida jornalística está para a imitação. A primeira se renova a cada movimentos de seus atores, a segunda imita tipos idealizados sociologicamente; 3) a vida cotidiana não poder ser retratada pela vida jornalística a partir de procedimentos sistêmicos, estruturais; 4) é preciso que, desde a confecção da pauta, o jornalista saiba aprender os fragmentos da vida cotidiana, e sua escrita se torne livre dos referenciais, como os ensaios de Montaigne, Simmel e Walter Benjamin, 5) é preciso dissertar, explicitar, nos gêneros jornalísticos, que a descontinuidade, os intervalos intersticiais e os fragmentos da vida cotidiana são campos semânticos que funcionam como uma membrana do imaginário sociocultural dos povos.

Os jornalistas devem aprender que, nas linguagens, a representação da

quotidianidade não é um problema de normas discursivas, mas ontológico. O que ler para discutir as relações entre o cotidiano e o jornalismo: MAFFESOLI, Michel. A conquista do presente: por uma sociologia da vida cotidiana.Tradução: Alípio Souza Filho, Natal/RN: Argos, 2001. PAIS, José Machado. Vida cotidiana: enigma e revelações. São Paulo: Cortez, 2003. PEREIRA, Wellington. O beijo da noiva mecânica: ensaios sobre mídia e cotidiano. João Pessoa: Ed. Manufatura, 2002. ........................................................................... *Wellington Pereira é professor de Jornalismo do Curso de Comunicação Social da UFPB. Doutor em Sociologia pela Université Paris V, Sorbonne, França.

________________________________________ Todos os direitos reservados: www.insite.pro.br