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47 Educação a Distância, Batatais, v. 2, n. 1, p. 47-69, junho 2012 Netiqueta - ética e etiqueta no ambiente educacional virtual: questionamentos e uma proposta para ensino de filosofia Fábio Pestana Ramos 1 Resumo: A sociedade da informação fomentou o surgimento de novas ferramentas edu- cacionais baseadas em blogs, revistas eletrônicas e no ensino EAD. Para regular as rela- ções surgiu a netiqueta, normas não oficiais de comportamento cordial. Neste sentido caberia perguntar se esta constitui um código de ética que pode facilitar a virtualidade educacional, regulando relações pedagógicas? Em caso afirmativo, poderia ser estabeleci- do um vinculo entre netiqueta e cidadania? As pessoas estão preparadas para lidar com a internet como meio de integração educacional? Questões que multiplicam as perguntas. O sistema educacional institucionalizado consegue lidar com a internet como ferramen- ta? Onde entra a netiqueta no ensino básico? Baseado no método lógico dedutivo, em pesquisa bibliográfica e documental, além de constatações empíricas, propomos realizar uma discussão inicial em torno destas questões. Os resultados parciais demonstram que existe uma desatualização da LDB e dos PCNs para lidar com a virtualidade educacional. Propomos como solução provisória a abordagem da netiqueta como conteúdo integrado ao ensino de filosofia. Palavras-chave: Educação. Netiqueta. Internet. Ética. Cidadania. 1 Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). Pós-graduação em MBA em Gestão de Pessoas. Graduado em Filosofia pela mesma Instituição. Professor do Núcleo Docente Estruturante do curso de Filosofia do Centro Universitário Claretiano de Batatais (SP). E-mail: <[email protected]>.

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Netiqueta - ética e etiqueta no ambiente educacional virtual: questionamentos e uma proposta para ensino de filosofia

Fábio Pestana Ramos 1

Resumo: A sociedade da informação fomentou o surgimento de novas ferramentas edu-cacionais baseadas em blogs, revistas eletrônicas e no ensino EAD. Para regular as rela-ções surgiu a netiqueta, normas não oficiais de comportamento cordial. Neste sentido caberia perguntar se esta constitui um código de ética que pode facilitar a virtualidade educacional, regulando relações pedagógicas? Em caso afirmativo, poderia ser estabeleci-do um vinculo entre netiqueta e cidadania? As pessoas estão preparadas para lidar com a internet como meio de integração educacional? Questões que multiplicam as perguntas. O sistema educacional institucionalizado consegue lidar com a internet como ferramen-ta? Onde entra a netiqueta no ensino básico? Baseado no método lógico dedutivo, em pesquisa bibliográfica e documental, além de constatações empíricas, propomos realizar uma discussão inicial em torno destas questões. Os resultados parciais demonstram que existe uma desatualização da LDB e dos PCNs para lidar com a virtualidade educacional. Propomos como solução provisória a abordagem da netiqueta como conteúdo integrado ao ensino de filosofia.

Palavras-chave: Educação. Netiqueta. Internet. Ética. Cidadania.

1 Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). Pós-graduação em MBA em Gestão de Pessoas. Graduado em Filosofia pela mesma Instituição. Professor do Núcleo Docente Estruturante do curso de Filosofia do Centro Universitário Claretiano de Batatais (SP). E-mail: <[email protected]>.

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1. INTRODUÇÃO

Dentro do âmbito da sociedade da informação, em um ambiente globalizado, onde o acesso as informações e a produção e divulgação do conhecimento foi democratizado, com a educação sendo cada vez mais transposta para o âmbito virtual, torna-se necessário discutir o que se con-vencionou chamar de netiqueta.

O termo “netiquette” foi criado pela norte-americana Judith Kallos, uma consultora do wordpress, em 1988 (NETIQUETA, 2010). Prestando serviço para empresas com negócios on-line nos Estados Unidos da Améri-ca, ainda durante o advento da internet discada, ela percebeu que o mundo empresarial não estava preparado como lidar com as novas realidades pro-movidas pelo avanço tecnológico. Foi assim que fundou cursos para treinar prestadores de serviços pela internet, para que as empresas pudessem parti-cipar das novas demandas abertas pela rede mundial de computadores, asso-ciando o compromisso com o próprio sucesso com um tratamento adequa-do do consumidor em potencial, tornando-se uma especialista em etiqueta virtual on-line pela internet (KALLOS, s. d). A palavra surgiu a partir da junção do termo “Net”, em referência a internet, com “Etiqueta”, passando a nomear um “[...] conjunto de regras não-oficiais, passadas de boca em boca e site em site que tenta estabelecer um padrão de comportamento conside-rável desejável pelos utilizadores e para os utilizadores” (SILVA, s. d.).

Segundo Adelina Maria Pereira Silva (s. d., p. 01), mestre em Rela-ções Interculturais pela Universidade aberta de Lisboa, os objetivos destas regras poderia ser assim pontuado:

As regras da netiqueta visam tornar a Internet um lugar menos caótico e mais sadio, ensinando as pessoas que certas atitudes aparentemente inofensivas podem aborrecer, atrapalhar ou agredir outros usuários, devendo ser evitadas. O usuário que desrespeita a netiqueta, proposi-talmente ou não, prejudica também a si mesmo, porque é deixado de lado pelos outros utilizadores. A Netiqueta pode variar ligeiramente de acordo com o tipo de comunicação que está a ser utilizado (por exemplo: canais chat, grupos de discussão, e-mail).

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A netiqueta não é só um padrão de etiqueta, pois também configu-ra um conjunto de princípios éticos para os usuários da rede mundial de computadores. O que conduz seus preceitos a serem pensados como ele-mentos de regulação das relações estabelecidas na ótica educacional, à me-dida que; com a proliferação dos blogs especializados, revistas eletrônicas e cursos superiores baseados no Ensino a Distância (EAD); é essencial padronizar a comunicação para tornar a educação realmente efetiva na internet.

Entretanto, refletir sobre o tema leva a uma série de constatações, in-citando questionamentos que levantam problemas. Para discuti-los é pre-ciso adentrar conceitos e definições, rever posturas, passando pela relação entre educação e tecnologia, pelo que entendemos por tecnologia em si, pela educação informal e formal, além do vinculo da netiqueta com a ética e como balizadora das relações virtuais pedagógicas.

A despeito da enorme distancia que possa parecer existir entre a ne-tiqueta e cidadania, sua proximidade é muito maior do que poderia ser imaginada. O entendimento da netiqueta como fomentadora da cidada-nia, e esta última como parte do código de ética necessário para efetivação da educação no ambiente virtual, pensando a atual legislação educacional brasileira, torna óbvia a tarefa do ensino de filosofia: é sua obrigação jurí-dica e moral abordar a netiqueta como parte do conteúdo filosófico.

2. EDUCAÇÃO E TECNOLOGIA

Existem muitas formas de compreender a tecnologia, portanto, an-tes, é necessário conceituar o que podemos entender por este termo. Pode ser classificado como tecnologia qualquer artefato, método ou técnica criada pelo homem para tornar seu trabalho mais leve, sua locomoção e comunicação mais fáceis ou simplesmente sua vida mais agradável e di-vertida.

Formalmente, a tecnologia é o emprego de um conjunto de técnicas, mas filosoficamente, a partir da origem da palavra (tecno = técnica + logia

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= ciência), seria a teoria ou filosofia da técnica. O que remete a perguntar: o que é técnica? Por definição, a técnica é um procedimento bem definido e transmissível, destinado a produzir um resultado útil.

Neste sentido, desde os gregos antigos, reflete uma prática conscien-te, em oposição às atitudes tomadas ao acaso. A partir do século XIX, a técnica passou a denotar uma sistematização do conhecimento que repou-sa sobre o saber cientifico, a racionalização do emprego de instrumentos e materiais. Pensando assim, tanto em seu sentido original como contem-porâneo, a tecnologia é tão antiga quanto o homem (RAMOS, 2010).

Isto porque um bastão de madeira, que amplifica um golpe e serve de extensão ao braço, também faz parte da tecnologia. Modernamente, exis-tem tecnologias que amplificam os poderes sensoriais, a percepção - como o telescópio ou o microscópio, altos falantes, etc -, melhoram a capacida-de de acumular informações - indo desde o papel, a escrita e o lápis até o computador -, permitem a ampla comunicação entre os homens - telefone e internet -, encurtam o deslocamento - carros, aviões e barcos -, enfim que facilitam a vida das pessoas e a necessidade humana de subjugar à natureza para sobreviver.

No entanto, será que toda tecnologia pode ser aplicada à educação? Pensada na educação, a tecnologia é o que torna possível a transmissão e aperfeiçoamento do conhecimento. Configura o processo educacional em sentido amplo, inclusive no âmbito que extrapola a educação formali-zada nas escolas (BARRETO, 2003).

Isto porque podemos incluir qualquer forma de tecnologia no pro-cesso educacional, incluindo meios de comunicação, como rádio, TV e cinema, além da própria fala e escrita. Em um sentido mais restrito, na escola, usamos tecnologias tradicionais, entre as quais giz, lousa, livros, cadernos, carteiras, mesas, cadeiras etc.

Porém, podem ser usadas na escola também tecnologias mais recen-tes, como vídeos, DVDs, computadores, teleconferência, lousa digital, ensino a distância e outras. Em suma, boa parte da tecnologia humana, de uma forma ou outra, aplicam-se à educação.

Portanto, a relação entre educação e tecnologia não poderia ser mais

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estreita. As tecnologias são a síntese produzida pelas relações sociais, sis-tematizadas em um momento histórico, de acordo com as necessidades humanas para subjugar a natureza (MANASSÉS, 1980).

A humanização só aconteceu a partir do processo educacional, a apropriação de saberes através de diferentes linguagens, formas simbólicas de mediação materializadas nas interações sócio-culturais.

Neste sentido, a tecnologia pode ser entendida como uma das lin-guagens que o homem utiliza na construção social para transformar as relações sócio-econômicas e culturais, além do próprio acumulo e trans-missão do conhecimento, denotando as características típicas de uma ci-vilização e sua visão de educação (MORAN, 2004).

Segundo Marx (2010, p. 425), “[...] a tecnologia revela o modo de pro-ceder do homem com a natureza, o processo imediato de produção da sua vida material e assim elucida as condições de sua vida social e as concepções mentais que dela decorrem”. O que significa que o uso que uma sociedade faz da tecnologia diz muito sobre ela e o que espera construir no futuro.

Portanto, a velocidade da incorporação das novas tecnologias na educação, a democratização de seu acesso, também simboliza a importân-cia cultural delegada ao futuro e ao respeito ao outro dentro do que se convencionou chamar sociedade da informação.

Por outro lado, contemporaneamente, a globalização criou um de-terminismo tecnológico que subordinou às produções histórico-sociais a informação rápida e condensada.

Os discursos que acompanham a sociedade da informação elegeram como lei o principio da tabula rasa. Não há nada mais que seja absoluto, tudo muda rapidamente, por isto não existem respostas únicas. Ao mes-mo tempo, a informação foi coisificada, tornando-se um produto. Na educação, a transmissão do conhecimento também se tornou mercadoria, o aluno se converteu em cliente e o professor em prestador de serviço.

Na realidade um processo que decorre do fordismo, a compartimen-tação do conhecimento, tal como em uma linha de montagens. Quando Henri Ford criou a linha de montagem no inicio do século XX, não ten-cionava apenas facilitar a produção em massa, mas também controlar o

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conhecimento, subdividindo o saber para que os indivíduos não tivessem o domínio do todo.

O fordismo educacional transformou os professores em tarefeiros, semelhante ao que ocorreu com operários em linhas de montagem, fazen-do, por outro lado, o educando perder a noção do conjunto.

No entanto, de certo modo, a educação formal contém em si a infor-mal, já que o educador não se limita a transmitir conteúdos (SAVATER, 1998). Enquanto o professor exerce uma profissão eminentemente técni-ca, o educador deveria ensinar e praticar a tolerância com o outro, a con-vivência pacifica, instigando a curiosidade para conhecer as diferenças, ou seja, incentivando a socialização.

O grande problema é que a educação formal, sendo hierarquizada, é fruto e reflexo do fordismo, dividindo tarefas e limitando o processo de socialização. É por isto que para o entendimento do papel da educação na socialização é necessário discutir a transmissão da cultura dentro e fora da escola.

A educação, a transmissão do saber acumulado pela humanidade, não se concretiza somente na escola, acontece também de maneira infor-mal (sem norma ou forma), não possuindo critérios, horários, hierarquia ou sistema de avaliação (MIZUKAMI, 1986). Onde entra justamente a questão envolta da internet e das novas tecnologias que dia-a-dia surgem.

3. VIOLÊNCIA SIMBÓLICA E TECNOLOGIA

A educação informal é produzida a partir das necessidades imediatas da vida, configurando o conhecimento conforme as exigências requeridas para a sobrevivência do individuo e de seu grupo. Está vivamente presente na internet e nos meios de comunicação que utilizam as novas tecnologias.

Pensando nesta concepção, o saber escolar muitas vezes se distancia da realidade, impedindo a assimilação democrática do conhecimento e excluindo várias categorias sociais, portanto, limitando o acesso ao saber que confere poder.

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A escola manipula o educando, ocultando uma violência simbólica, tal como pensado por Bourdieu e Passeron (2001). A violência está no fato da escola se revestir de uma aparência de neutralidade, quando na verdade condiciona o educando de acordo com os interesses das elites que controlam o sistema educacional.

É simbólica devido ao seu caráter não material, portanto, circuns-crito a esfera mental. Dentro deste contexto, insere-se o capital cultural, a competência cultural e lingüística herdade, sobretudo, da família, facilita-dor do bom desempenho escolar.

Usando uma linguagem e cultura pertencentes à elite, o padrão cul-to, a escola comete uma violência ao impor, ao conjunto da sociedade, valores de um único grupo. A educação legitima o domínio da elite, im-pedindo o acesso daqueles que não possuem o necessário capital cultural a estamentos mais elevados, doutrinando para o fracasso.

Entretanto, a modernidade tecnológica trouxe outras formas de vio-lência simbólica, tal como a tecnológica, pois a escola, ao ignorar as novas tecnologias, realiza uma dupla violência simbólica.

Primeiro nega a incorporação do vocabulário tecnológico e suas fer-ramentas como recurso pedagógico para chegar até o aluno. Depois, para aqueles que não tem domínio sobre as novas tecnologias, não propicia a construção de um conhecimento necessário a vida em sociedade no mun-do tecnologicamente globalizado.

A escola é uma instituição, como tal possui normas e padrões, im-postos por aqueles que controlam o sistema educacional, visando organi-zar seu funcionamento (FOUCAULT, 2000).

Diferente da educação informal, o conhecimento escolar é sistemati-zado, transmitido a partir de critérios e métodos, composto por um saber científico, dogmático. Embora a idéia, teoricamente, seria a escola criar uma proximidade com a realidade concreta, possibilitando uma flexibi-lidade de conteúdos, utilizando a tecnologia para facilitar a proximidade entre formalizada e informalidade (RODRIGUES, 2002).

É neste sentido que as Diretrizes Curriculares para a Formação de Professores da educação básica, assim definem as competências que de-

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vem ser desenvolvidas nos cursos de licenciatura e de graduação plena: “[...] com relação ao mundo do trabalho, sabe-se que um dos fatores deci-sivos passa a ser o conhecimento e o controle do meio técnico-científico informacional”.

Porém, na prática o professor é transformado em um facilitador, ani-mador, tutor, monitor, etc. A primeira vista, o professor torna-se um item dispensável, facilmente substituído pelos recursos tecnológicos.

No entanto, a tecnologia carece de pessoas para gerenciar as infor-mações, de forma que o professor passou a ser parte indispensável do uso da tecnologia em favor da educação (FREIRE, 2004).

Por outro lado, o perfil do educando foi alterado para indivíduos com uma constante insatisfação com o conhecimento transmitido, tido como fora de propósito e sem relação com suas necessidades reais. A in-ternet e a facilidade de acesso a informação fez o educando passar a exigir visualização do conhecimento, de forma rápida e fácil (RAMOS, 2011).

Assim, blogs, revistas eletrônicas e outros meios de comunicação e construção coletiva do conhecimento tornaram-se importantes ferramen-tas educacionais. Disponíveis não só aos professores como a qualquer in-teressado em construir ou partilhar o conhecimento.

Não obstante, não existem leis ou normatizações formais para bali-zar as relações educacionais estabelecidas entre os sujeitos pela internet, inclusive com a proliferação frequente do anonimato.

O que acompanha também a proliferação de uma enorme quantida-de de informações nem sempre verificáveis e, em muitos casos, com con-ceituações equivocadas que distorcem fontes confiáveis, passando uma falsa imagem de confiabilidade.

É por esta razão que se torna necessário iniciar uma ampla discussão sobre a netiqueta, uma possível balizadora informal das relações educa-cionais on-line, garantidora da veracidade e da construção sadia de novos conhecimentos partilhados na internet.

Dentro deste contexto, será que poderíamos pensar a netiqueta tam-bém como código de ética? O que conduz à outra discussão inicial em volta dos conceitos que envolvem justamente a ética.

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4. NETIQUETA E ÉTICA

Para Himanen (2002), existiria uma distinção entre netiqueta e néti-ca, este último, um termo que nomearia a ética entre usuários da internet, incluindo hackers. Entretanto, o conceito de ética remete ao que se enten-de por netiqueta.

Em linhas gerais, o comportamento ético é aquele que colabora com a busca da felicidade, normatizando racionalmente as relações entre as pessoas. No entender de Para Lalande (1993, p. 348), a ética é a “[...] ci-ência que tem por objeto o juízo de apreciação [...] à distinção entre bem e o mal”.

Embora ética e moral tenham a mesma raiz etimológica, com ambas palavras significando a mesma coisa, uma em grego e outra em latim, a saber: normas de conduta, padrão de comportamento ou hábitos. Kant acabou separando as acepções no século XVIII, colocando a primeira aci-ma da segunda (LALANDE, 1993, p. 349). A partir deste momento o conceito de ética evoluiu, e, hoje, significa também um conjunto de regras de convivência no interior de um grupo.

Enquanto os conceitos morais seriam definidos por uma época e so-ciedade, tendo como norteador uma série de fatores aglutinados que im-põem padrões de comportamento como corretos, em oposição a atitudes condenadas como erradas e punidas com o isolamento social. Em muitos casos, sendo estas regras não escritas transformadas em legislação, conver-tidas em leis e ratificadas juridicamente.

A ética é mais ampla por ser uma ciência filosófica normativa e teóri-co-prática, possuindo caráter de investigação moral, contraposta a racio-nalização dos comportamentos, tendo como centro a busca da idoneidade e dignidade humana. No entanto, pode ser entendida também como mais estreita que a moral, pois a ética diz respeito também a consciência sobre o comportamento humano, individualizando normas de comportamen-to aplicadas a conjuntos de pessoas que constituem grupos (MENEZES, 2010, p. 07).

O que faz a ética nem sempre corresponder às determinações mo-

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rais. Vender um dado produto, promovendo seu consumo é, por exemplo, ético para o conjunto dos publicitários, mas, dependendo da mercadoria, sendo ela comprovadamente maléfica à saúde, pode ser considerado imo-ral pelo conjunto da sociedade.

Dentro desta acepção de ética, pensando no significado de etiqueta, “[...] conjunto de cerimônias usadas [...] no trato de muitas pessoas” (ETI-QUETA, 1976, p. 463), a nética e a netiqueta se confundem e confluem para os mesmos objetivos e objetos.

Portanto, a etiqueta pensada para facilitar a convivência na internet é também um código de ética norteador das relações e usos da rede mundial de troca de dados e informações.

Todavia, pensada no sentido educacional, a netiqueta pode auxiliar na construção do conhecimento? Seus princípios podem facilitar de fato as trocas virtuais e tornar mais cordiais as relações professor/aluno, edu-car/educando ou pessoa/pessoa?

5. A NETIQUETA NAS RELAÇÕES VIRTUAIS PEDAGÓGICAS

Levando em consideração que o processo de apropriação do conhe-cimento ocorre ao mesmo tempo em que os sujeitos se desenvolvem cultu-ralmente. A apropriação da tecnologia na prática pedagógica exterioriza esta potencialidade (BOUSSUET, 1985).

Em outras palavras, simultaneamente, a tecnologia serve a reprodu-ção do sistema capitalista, podendo assumir um papel integrador interdis-ciplinar, ajudando a contornar o fordismo educacional, reelaborando o contexto cultural para transformar o mundo.

Uma ideia que não é nova está presente, por exemplo, no pensamen-to de Illich. Amigo e contemporâneo de Paulo Freire, o austríaco Ivan Illich, na década de 1970, fez uma critica a educação institucionalizada.

Em seu livro Sociedades sem escola (ILLICH, 2003), defendeu a idéia de que a escola impede o ser humano de desenvolver todo seu potencial.

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Para ele, a escola fragmentava o saber e incentiva o consumismo e a repro-dução das desigualdades.

Tentando contornar esta situação, propôs substituir as escolas por redes de comunicação e convivência, onde as pessoas pudessem trocar in-formações e experiências diretamente, através de uma rede de computado-res, correios, anúncios de jornais, etc.

Illich (2003) pensou em quatro redes educacionais:

1. Serviços de consulta a objetos educacionais (bibliotecas, laborató-rios, museus, teatros, etc);

2. Intercâmbio de habilidades (troca de conhecimentos entre as pes-soas).

3. Encontro de colegas (formação de parcerias de pesquisa, comuni-dades de pessoas que interagem para buscar conhecimento).

4. Consulta a educadores (orientadores na busca pelo conhecimento).

Assim, Illich (2003) foi o precursor da internet e das redes sociais pensadas como ferramenta de troca de informações e do ensino a distân-cia on-line. Porém, por razões óbvias, sua proposta nunca foi colocada in-tegralmente em prática.

Para estabelecer uma relação pedagógica é necessário a presença de pelo menos dois elementos: professor e aluno, educador e educando. So-mente o dialogo entre as pessoas constrói uma relação pedagógica, onde o saber é coletivamente cultivado, mas, igualmente, sempre carece de di-recionamento.

A educação institucionalizada, a escola, possui muitos defeitos e ví-cios, muitos dos quais advindos do sistema capitalista e estrutura social, o que não invalida sua importância e caráter coletivo de partilha do conhe-cimento acumulado pela humanidade.

O professor, em sala de aula pode contornar as barreiras, um fator não considerado por Illich. Cabe ao educador profissional realizar um trabalho de formiguinha, tornando-se agente multiplicador. Sozinhos so-

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mos nada, somos fracos; juntos seremos tudo, seremos fortes e poderemos mudar o mundo através da educação.

O que, por si, exige a institucionalização da educação. Uma vez que a passagem da heteronomia para a autonomia necessita do domínio de técnicas que servem de instrumento aos profissionais da educação. Sendo assim, como incorporar a informalidade na educação formal?

Para isto acontecer, em primeiro lugar, tanto professor como aluno precisam conhecer as linguagens tecnológicas e tomar consciência do contexto em que estão envolvidas, estabelecendo criticas e até mesmo questionando esta realidade (PAPERT, 1994).

É necessário desconstruir ilusões forjadas por interesses políticos e econômicos. Devemos ter em mente que a tecnologia pode mediar a aprendizagem, mas o processo educacional necessita da interação entre as pessoas.

Esta interação só é garantida através de uma convivência cordial que crie um clima propício ao dialogo, uma discussão que permita construir e reconstruir o conhecimento, compondo um saber de domínio público, vivamente presente em blogs e publicações eletrônicas. Mecanismos de democratização do acesso ao saber, embora não ao status representado por um diploma universitário.

Destarte, até mesmo no que diz respeito à formalização da educação institucionalizada, que confere certificados e títulos, devemos ressaltar que o ensino caminha em direção à virtualização, tornando necessária a presença da netiqueta.

Atualmente e, no futuro, cada vez mais a educação e a internet cami-nharam lado a lado. Os cursos EAD - Educação a Distância - tem facilita-do o acesso ao ensino superior, estendendo-se pelo Brasil e possibilitando alcançar regiões onde antes seria impossível alguém cursar uma univer-sidade. Aliás, segundo especialistas, a tendência EAD deve dominar o panorama do mercado educacional, praticamente extinguindo o ensino presencial.

Entre 2005 e 2008, a título de exemplo, os cursos EAD tiveram um crescimento de 600% no numero de alunos, enquanto os cursos presen-

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ciais encolheram por conta de uma concorrência predatória entre univer-sidades privadas. É por isto que escolas tradicionais, algumas universidades públicas, começaram a investir em cursos EAD, seguindo uma tendência mundial adotada pelo ensino superior de ponta, como o Massachusetts Institute of Technology (MIT), Berkeley e Yale.

Assim, torna-se fundamental, pensando no ensino fundamental e médio, repensar as questões em torno das relações pedagógicas virtuais estabelecidas no contexto educacional. Até porque a popularização da in-ternet e da banda larga, à medida que crescem os EAD, aumenta a necessi-dade de profissionais capacitados para lidar com as novas tecnologias que, dia-a-dia, evoluem com extrema rapidez, e, igualmente sejam capazes de se transformarem em agentes multiplicadores.

É verdade que o EAD exige dos alunos maior esforço e dedicação que os cursos presenciais, porém, carece de suporte de educadores para que a tecnologia possa ser usada em beneficio da construção do conhe-cimento. O que torna uma obrigação do educador ensinar normas de comportamento que facilitem a convivência virtual entre as pessoas. Algo operacionalizado pelo exemplo próprio e fomento à discussão conceitual e prática em torno da netiqueta.

Segundo Rios (2008), a netiqueta, no âmbito da EAD, deveria balizar a construção de uma maior proximidade entre educador e educando, auxi-liando a humanizar o espaço educacional virtual através da afetividade.

Em resumo, a tecnologia na educação, seja ela de qualquer nature-za, deve estar a serviço do professor e do educando, sendo o docente um mediador (LÉVY, 1993). Caso contrário, corremos o risco de desvincular esta importante ferramenta de seu propósito primeiro: servir ao progresso da humanidade.

A ideia do EAD é democratizar o acesso ao saber, mas a inserção neste meio exige do educando autodisciplina e domínio dos instrumentos necessários ao bom andamento do curso. Portanto, é essencial que, na era da globalização, em plena sociedade da informação, o ensino elementar possibilite também o acesso a tecnologia disponível e a netiqueta enquan-to código de ética.

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A formação da cidadania, apregoada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB - lei 9394/96), passa necessariamente pela formação ética, ao passo que o acesso a internet, em qualquer esfera, exige do utilizador a adoção de parâmetros mínimos de cordialidade para o bem estar virtual de si mesmo e do outro.

Conceitos que se cruzam e entrelaçam com a educação em acepção ampla, fazendo nascer uma interdependência com a netiqueta. Onde re-side outro problema: a desatualização dos Parâmetros Curriculares Na-cionais brasileiros, diante da rede mundial como mecanismo educacional. Conduzindo a perguntar se não seria o caso de rever a LDB, em vista do avanço das tecnologias e meios de informatização do conhecimento.

6. CIDADANIA, EDUCAÇÃO E NETIQUETA

A redemocratização do Brasil, em 1985, conduziu a um fomento do sentimento de cidadania, onde a formação do cidadão foi colocada como principal objetivo da Nova LDB.

Porém, a cidadania não foi conceituada pela LDB promulgada em 1996, sua definição ficou subentendida como conceito liberal, perti-nente a república representativa, que trás em si a idéia de contrato social (CHAUÍ, 1994).

A discussão do que se deve entender por cidadania ficou entregue a fi-lósofos, sociólogos, historiadores e educadores. Alguns destes pontuaram o nascimento do cidadão na antiguidade, entre o século XII a VIII a.C, apesar da democracia grega ser muito distinta da concepção contemporânea, já que era praticada somente entre alguns poucos privilegiados, excluindo mulhe-res e escravos, estes últimos a imensa maioria da população.

O cidadão foi conceituado como aquele que “[...] pode e deve atuar na vida pública independente da origem familiar, classe ou função”, trans-mitindo a visão de que “[...] todos são iguais, tendo o mesmo direito à palavra e à participação no exercício do poder” (ARANHA; MARTINS, 1992, p. 153).

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Esta definição de cidadania atendeu o que senso comum entende pelo termo, aquilo que a mídia apregoa e massifica. Acontece que a ci-dadania foi abordada de forma genérica, tornando sua definição etérea e pouco conhecida integralmente.

Para Edgar e Sedgwik (2003, p. 55), o cidadão é “[...] um agente hu-mano a quem são dadas características sociais especificas, com significados políticos codificados [...] que são questões de seus interesses privados e [...] de interesse público”.

Segundo Kalina Vanderlei Silva e Maciel Henrique Silva (2006, p. 47), a cidadania é um conceito histórico e complexo, atribuída “[...] aos indivíduos que integram uma Nação”, abrangendo “direitos políticos, so-ciais e civis”, mas também “[...] direitos e deveres”.

Conceito que remetem a Revolução Francesa, com seu ideal de igualdade, liberdade e fraternidade, sendo este último item de suma im-portância, já que pressupõe o abandono do individualismo consumista, incentivado pela ótica capitalista, em favor da busca do bem estar do outro em prol da coletividade.

Dentro desta concepção, será que a netiqueta não poderia ser pen-sada como conteúdo formador da cidadania? Acontece que atualmente a LDB não considera adequadamente os espaços virtuais como mecanis-mos educacionais.

A reboque, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), as dire-trizes elaboradas pelo governo federal para orientar a educação no Bra-sil - que não tem força de lei, constituindo recomendações que seguem a LDB de 1996 -, reafirmam a importância da formação da cidadania, mas também não abordam a internet como elemento educativo.

Tanto a LDB como os PCNs esquecem que a interdisciplinaridade apregoada como fomentadora da cidadania poderia ser alcançada contex-tualizando conteúdos, em sentido transversal, por meio da internet. Como lembrou Saviani, uma pedagogia coerente e eficaz está atrelada “[...] com o problema da compreensão do homem; que tipo de homem pretendemos nós atingir através da educação” (SAVIANI, 2004, p. 47).

Para realizar a tarefa de formar o cidadão o século XXI, é necessário

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repensar o que entendemos por educação e tentar atender as necessida-des da modernidade virtual, um conceito complexo e, simultaneamente, abrangente. Seja qual for a definição, o cidadão não existe sem criticidade, consciência de si mesmo e do mundo que o rodeia. O que acompanha a inclusão digital e, ao mesmo tempo, a introdução do educando na neti-queta, pensando no respeito pelo outro como a si mesmo.

Assim, a netiqueta conduz de volta ao objetivo educacional da cons-trução da cidadania, assumindo uma postura formadora de uma postura ética, outro elemento importante dentro do conceitual do modelo de ci-dadão ideal.

O que exige repensar qual educação queremos para o Brasil e, por-tanto, a reformulação da LDB e dos PCNs. Além é claro da questão da formação dos professores, pois em sua maioria, no ensino presencial, em qualquer nível, nunca ouviram falar em netiqueta e sequer sabem utilizar a internet como ferramenta educacional.

Como poderiam os professores constituir então uma categoria mul-tiplicadora do acesso a educação através da internet e de preceitos éticos nas relações virtuais pela netiqueta?

7. CONCLUINDO COM UMA PROPOSTA

Dentro do âmbito da globalização, onde as informações estão forte-mente disponíveis pela rede mundial de computadores, a Internet; onde a comunicação entre as pessoas foi facilitada pela informática, aproximando e derrubando fronteiras; a inclusão social passa necessariamente por este meio.

Assim, um objetivo e desafio primordial da Educação, dentro da rede virtual, é a facilitação do acesso a construção do conhecimento e ao saber acumulado pela humanidade.

Entretanto, para isto, é necessário familiarizar o educando e instru-mentalizá-lo para integrar a sociedade da informação, o que inclui o conhe-cimento da netiqueta como facilitadora das relações educacionais virtuais.

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É neste sentido que, mais que meio ou recurso didático, o uso do computador e da internet deveria sensibilizar o educando para que se per-ceba como parte de um contexto mais amplo, instigando a curiosidade e a vontade de aprender por si só. O que encontra respaldo nas teorias de Dewey, Paulo Freire, Piaget, Skinner e Vigotsk.

Além de fomentar o autodidatismo, essencial a sobrevivência do in-dividuo no mundo globalizado, o acesso as informações disponibilizadas na internet, em seu sentido educacional, objetiva estimular a interdiscipli-naridade, quebrando o paradigma fordista, para tentar retomar a tendên-cia humanista dos renascentistas.

Estimulando a reflexão interdisciplinar, o compartilhamento de co-nhecimentos pela internet pretende transmitir conteúdos de uma forma mais leve e instigante, desenvolvendo o raciocínio lógico do educando. Mas para se efetivar como educação precisa ser regulada por normas de convivência ética, garantidas pela netiqueta, auxiliando, ao mesmo tem-po, na formação da cidadania.

O que exigiria repensar a educação no Brasil, reescrever a LDB - lei 9394/96 - e os PCNs. No entanto, enquanto isto não acontece, como ten-tar contornar os problemas existentes e crescentemente ampliados pelo descompasso brasileiro com a modernidade virtual?

Poderíamos iniciar as mudanças pelo menor elo do sistema educacio-nal institucionalizado e, por isto mesmo, o mais importante: o professor. Porém, não estando os docentes, eles também, devidamente preparados para lidar com a educação instrumentalizada pela internet, como realizar esta façanha?

Após tantas constatações, verificações de problemas e multiplicação de questões, surge aqui uma proposta factível de aplicação prática ime-diata: por que não transformar a internet em ferramenta e a netiqueta em conteúdo através do ensino de filosofia?

A filosofia serve exatamente para isto, formar o senso crítico, o au-todidatismo, fomentar o questionamento, a interação entre as pessoas em busca de uma construção coletiva do conhecimento e um olhar para fora de si mesmo, de volta ao interior do próprio sujeito e transformador da realidade.

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Pensada pela Nova LDB, (BRASIL, 1996, p. 10) no Capitulo II, Seção IV, Artigo 36, junto com a sociologia, a filosofia é definida como “[...] [conhecimento] [...] [necessário] ao exercício da cidadania”, embora seja recomendada apenas para o ensino médio.

Quanto ao ensino fundamental, no mesmo Capitulo, Seção I, Artigo 22, quando são definidas as intenções da educação básica, é feita menção “[...] a finalidade [de] desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores”.

No entanto, na Seção III, que trata especificamente do ensino fun-damental, a filosofia não é citada diretamente, embora seja mencionado, no Artigo 32, o “[...] objetivo a formação básica do cidadão, mediante [...] o fortalecimento [...] dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social”.

Uma definição que, sem intenção concreta, penetra no âmago do que é a filosofia e nas possibilidades abertas por seu ensino na educação básica, no nível médio e nas instituições de nível superior.

Transdisciplinar e interdisciplinar, como agregadora de todos os co-nhecimentos, pensando na utilização da internet como ferramenta educa-cional, o ensino de filosofia poderia abordar a netiqueta como conteúdo. Repensar a ética seria agregado pelo âmago do que se entende por neti-queta, ao mesmo tempo, cumprindo as propostas colocadas no âmbito da disciplina pela LDB e os PCNs vigentes.

O professor de filosofia, pegando um termo emprestado de Golds-chmidt (1963, p. 146-147), precisa tomar consciência de sua “[...] respon-sabilidade filosófica”, criando um ambiente onde “[...] o pensamento se experimenta e se lança, sem ainda determinar-se”, podendo “prevalecer contra a obra, para corrigi-la, prolongá-la ou coroá-la”.

É obrigação do professor de filosofia, dentro da proposta da forma-ção da cidadania pela LDB, incentivar rupturas, questionamentos, mas também formar o educando dentro de ideais éticos.

Não se trata somente de promover o dialogo e a interdisciplinari-dade, como pensam a maioria dos gestores educacionais e intelectuais.

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O ensino de filosofia precisa ser formador de um ambiente propicio ao dialogo em qualquer instância, inclusive e, dado a contextualização dos indivíduos na sociedade da informação, no ambiente virtual.

Segundo os PCNs, o ensino de filosofia deveria “[...] desenvolver a tradução do conhecimento das Ciências Humanas em consciências críti-cas e criativas, capazes de gerar respostas adequadas a problemas atuais e a situações novas” (BRASIL, 2000, p. 21).

Junto com outras disciplinas, o saber filosófico “[...] implica o conhe-cimento, o uso e a produção histórica dos direitos e deveres do cidadão e o desenvolvimento da consciência cívica e social, que implica a considera-ção do outro em cada decisão e atitude de natureza pública ou particular” (BRASIL, 2000, p. 21).

Assim, o ensino de filosofia tem a obrigação jurídica e moral de abordar a netiqueta como conteúdo, oferecendo uma solução imediata aos questionamentos aqui colocados, apesar de constituir uma resposta provisória. Simultaneamente, talvez promovendo maiores discussões para aprofundar mudanças na maneira de enxergar a educação no Brasil e suas possíveis interações com a internet como ferramenta educativa.

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Title: Netiquette - ethics and etiquette in virtual learning environment: questions and a proposal for the teaching of philosophy.Author: Fábio Pestana Ramos.

ABSTRACT: The Information Society, with the advent of broadband and the popu-larization of Internet use, promoted the emergence of new educational tools based on blogs, online journals and distance education in teaching. To regulate the relations be-tween people emerged what came to be called netiquette, unofficial standards of beha-vior cordial. In this sense might be asked whether this is also a code of ethics that can facilitate the realization of the virtual educational, pedagogical relations regulating the Internet? If so, there could be a link between citizenship and netiquette? People are prepared to handle the Internet for educational integration? Issues that the questions multiply. The institutionalized formal education system can deal with the internet as a tool? Where does the netiquette in basic and higher education? How to prepare learners to live harmoniously with other individuals and the collective construction of know-ledge in virtual environment? Based on logical deductive method, in bibliographic and documentary research, and empirical findings, we propose in this article make an initial discussion around these issues, aiming to lead the introduction of the issue of netiquette as a regulator of the new educational relations established over the Internet virtually . The partial results obtained by the survey show that there is a downgrade of the LDB and the PCNs to handle the virtual education. While we are proposing as an interim solution to this problem the approach of netiquette as content to be integrated into the teaching of philosophy in basic education, high school and college.Keywords: Education. Etiquette. Internet. Nethics. Ethics. Citizenship. Philosophy.