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1 Newsletter | N.º 2 | Março de 2013 www.gdi.org.mz NEWSLETTER 2 – Observatório Constitucional Desde a divulgação da News Letter n. ° 1, em Dezembro de 2012, vários eventos coloriram a vida constitucional nacional. Dois deles são particularmente importantes. O primeiro é o lançamento do Observatório Constitucional no dia 13 de Dezembro de 2012 (I); o segundo é um processo já conhecido por ter sido evocado no News Letter n.°1, isto é, o Processo de Revisão Constitucional (II). I – O LANÇAMENTO DO OBSERVATÓRIO CONSTITUCIONAL O lançamento do Observatório constitucional teve lugar no dia 13 de Dezembro de 2012 no Hotel Avenida em Maputo. Este evento constituiu uma ocasião para esclarecer os objectivos do Observatório Constitucional (1). O Editor-Chefe do Newsletter aproveitou-se deste evento para tecer algumas considerações sobre o Constitucionalismo moderno (2). 1. O Lançamento do Observatório Constitucional. A cerimónia do Lançamento Oficial do News Letter “Observatório Constitucional” decorreu no passado dia 13 de Dezembro de 2012, pelas 10h no Hotel Avenida. Estiveram presentes um total de 30 participantes, dentre os quais destaca-se a presença do Vice-Ministro da Justiça, Juízes do Conselho Constitucional, Deputados, representantes dos parceiros do GDI, estudantes, entre outros. O acto de lançamento do referido News Letter foi simbolizado pela entrega do primeiro News Letter a Sua Ex.ª o Vice- Ministro da Justiça, o Dr.Alberto Nkutumula.

NEWSLETTER 2 – Observatório Constitucional · é, o Processo de Revisão Constitucional (II). I – O LANÇAMENTO DO OBSERVATÓRIO CONSTITUCIONAL ... Este evento constituiu uma

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Newsletter | N.º 2 | Março de 2013

www.gdi.org.mz

NEWSLETTER 2 – Observatório Constitucional

Desde a divulgação da News Letter n. ° 1, em Dezembro de 2012, vários eventos coloriram a vida constitucional nacional. Dois deles são particularmente importantes. O primeiro é o lançamento do Observatório Constitucional no dia 13 de Dezembro de 2012 (I); o segundo é um processo já conhecido por ter sido evocado no News Letter n.°1, isto é, o Processo de Revisão Constitucional (II).

I – O LANÇAMENTO DO OBSERVATÓRIO CONSTITUCIONAL

O lançamento do Observatório constitucional teve lugar no dia 13 de Dezembro de 2012 no Hotel Avenida em Maputo. Este evento constituiu uma ocasião para esclarecer os objectivos do Observatório Constitucional (1). O Editor-Chefe

do Newsletter aproveitou-se deste evento para tecer algumas considerações sobre o Constitucionalismo moderno (2).

1. O Lançamento do Observatório Constitucional.

A cerimónia do Lançamento Oficial do News Letter “Observatório Constitucional” decorreu no passado dia 13 de Dezembro de 2012, pelas 10h no Hotel Avenida. Estiveram presentes um total de 30 participantes, dentre os quais destaca-se a presença do Vice-Ministro da Justiça, Juízes do Conselho Constitucional, Deputados, representantes dos parceiros do GDI, estudantes, entre outros. O acto de lançamento do referido News Letter foi simbolizado pela entrega do primeiro News Letter a Sua Ex.ª o Vice- Ministro da Justiça, o Dr.Alberto Nkutumula.

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O “Observatório Constitucional” constitui o resultado do trabalho que o GDI tem vindo a fazer desde 2009, em torno da Constituição da República de Moçambique. Durante este período, os estudos culminaram com o lançamento de duas obras, designadamente, os livro “Evolução Constitucional da Pátria Amada” e “Proposta de Revisão Constitucional para a Boa Governação”. Com efeito, o “Observatório Constitucional” pretende ser um fórum autónomo, mas dentro do GDI, constituído por especialistas e estudiosos do Direito Constitucional. Seu enfoque cinge-se em estudos, debates e análises sobre as matérias relativas a vida da Constituição da República, e por esta via contribuir no aumento do conhecimento e no respeito sobre a nossa Lei Mãe (por Ana Sambo - Oficial de Informação e Comunicação do GDI).

2. Reflexões em torno do Constitucionalismo moderno.

Quando surgiram as primeiras constituições modernas no Século XVIII não se pode afirmar que o Povo – de forma geral – entendia o que era uma Constituição. Com efeito, como este podia entender conceitos tão abstractos como a soberania popular, os direitos humanos, o governo representativo ou a separação dos poderes? Por isso, era apenas uma elite esclarecida, muita das vezes revolucionária, que dominava este conceito e os necessários meios à sua estruturação, e ainda, este entendimento, as vezes, era parcial, focando, apenas, a vertente exclusivamente política da noção. Foi particularmente o caso da elaboração da Constituição Federal Americana de 1787. Por outras palavras, as sociedades predominantemente agrárias da América do norte e da Europa do Século XVIII, pouco escolarizadas, estavam, ainda, longe de dominar o que hoje pode parecer como natural. Com efeito, hoje, na maior parte dos Estados, raras são as pessoas que não podem dizer algo sobre a Constituição!

Ainda no princípio do Século XIX, quando FERDINAND LASSALLE realizou a sua célebre palestra em Berlim (16 de Abril de 1862) sobre o tema “Que é uma constituição?”, - o título é significativo - o Povo (alemão) estava, ainda, numa fase de aprendizagem do que é, verdadeiramente, uma Constituição. O fenómeno de apropriação, pelos cidadãos - pelo Povo - da noção de Constituição é, pois, um dos traços salientes do constitucionalismo moderno. Isto foi possível, em parte, mas de forma significativa, pela consagração dos direitos fundamentais na Constituição e, sobretudo, pelos mecanismos da sua garantia. O surgimento, em particular, das jurisdições constitucionais, que, paulatinamente, concentraram o poder de supervisão do exercício das competências dos poderes constituídos,

tornaram-se, igualmente, garantes dos direitos subjectivos públicos dos cidadãos. Este duplo fenómeno – popular e garantista – se fortaleceu, posteriormente, e domina, ainda hoje, o constitucionalismo do século XXI.

Muito recentemente “as revoluções árabes” testemunharam que este movimento era universal; basta observar o debate em relação à aprovação da nova Constituição da Tunísia ou do Egipto no que concerne à consagração da Chària e dos direitos fundamentais das mulheres no projecto da Lei Fundamental. Assim, pode afirmar-se que o que era desconhecido a dois séculos, hoje consta da cultura de cada cidadão.

A Constituição e o fenómeno constitucional fazem parte do quotidiano dos cidadãos. Se olharmos para Moçambique, em particular, a evolução que acaba de se descrever, encontra-se reproduzida, em termos mais ou menos idênticos, mas em prazos muito mais reduzidos. Até aos anos 90, pouco se dizia sobre a Constituição. A Constituição não era “popular” não só porque a sociedade moçambicana fundamentalmente agrária e pouco escolarizada tinha um acesso limitado e rudimentar à informação jurídica, mas sobretudo porque no sistema marxista-leninista, que foi a opção política paradigmática pós-independência, a Constituição – como o Direito de uma forma geral – desempenhava uma função muito diferente do que se encontrava nas sociedades liberais. Nesses regimes políticos, as constituições são instrumentos meramente programáticos, flexíveis e com uma fraca taxa de normatividade. É, pois, o debate que viria

Gilles Cistac no evento de lançamento do Observatório Constitucional

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culminar com a aprovação da segunda Constituição do País (1990) e, sobretudo, depois da assinatura do Acordo Geral de Paz, em 1992, que o movimento para a apropriação da Constituição vai se tornar real e efectivo.

Em pouco tempo a Constituição tornou-se um objecto de Poder; quem sabia melhor interpretar e saber fazer prevalecer a sua interpretação capitalizava uma influência real sobre o movimento das instituições políticas e o processo de consciencialização dos Direitos Fundamentais pela população. Este fenómeno foi ampliado com a revisão constitucional de 2004 e, sobretudo, pela actividade, bem acolhida na comunidade nacional, do Conselho Constitucional que contribui muito para ampliar e fortalecer este processo. Hoje, sem dúvida, a Constituição posiciona-se no centro dos debates na sociedade moçambicana. Os discursos dos políticos, da sociedade civil, dos académicos sempre fazem referência à Lei Fundamental. A Constituição é chamada para defender uma posição ou combater uma outra; até surgiu um fenómeno novo de “banalização” da Constituição. Contudo, esta situação não significa que todos os cidadãos moçambicanos conhecem o conteúdo da Constituição. Isto significa, simplesmente, que todos os moçambicanos sabem que existe uma Constituição no País. Por outras palavras, se todos podem dizer algo sobre a Lei Fundamental, nem todos sabem com precisão o seu conteúdo. Vários estudos mostram, claramente, que, ainda, existem dificuldades reais de acesso de todos os cidadãos à Constituição e que a Lei Fundamental, que devia estar em boa posição nas “bibliotecas” de cada família, infelizmente está, muitas das vezes, simplesmente ausente do lar familiar. Esta situação mostra, de facto, que ainda muitos esforços são necessários para divulgar a Lei Fundamental e “popularizar” o seu conteúdo. É nesta perspectiva, que se situa o Projecto do Observatório Constitucional. Esta nova instituição tem justamente por objectivo divulgar a Constituição e os debates de actualidade sobre a Lei Fundamental. Trata-se de informar o cidadão sobre os fenómenos constitucionais e, isto, de forma didáctica e acessível. Facilitar o acesso a esta informação utilizando as novas tecnologias da informação como instrumentos privilegiados de divulgação, constitui a linha directriz do News Letter e contribui, assim, para a promoção do constitucionalismo moderno na sociedade moçambicana (Editor-Chefe do Newsletter).

Para saber mais, consultar: HORST DIPPEL, Constitucionalismo moderno, Madrid, Barcelona, Buenos Aires, Marcial Pons, 2009, 246 p.

II – A CONTINUAÇÃO DO PROCESSO DE REVISÃO CONSTITUCIONAL

Desde a publicação da News Letter n.° 1, houve uma verdadeira aceleração do processo de revisão constitucional que até o mês de Dezembro de 2012 caracterizava-se pela letargia do seu principal protagonista: a Comissão Ad-Hoc para a Revisão da Constituição. De facto, dois eventos que visam recuperar o tempo perdido foram promovidos. Trata-se da apresentação do Relatório de actividades da Comissão Ad-Hoc para a Revisão da Constituição à VI Sessão Ordinária da Assembleia da República (1) e o Lançamento do debate público do Ante-Projecto de Revisão da Constituição da República (2).

1. O Relatório de actividades da Comissão Ad-Hoc para a

Revisão da Constituição à VI Sessão Ordinária da Assembleia

da República.

Conforme o Artigo 6 da Resolução n.° 45/2010, de 28 de Dezembro: “A Comissão deve apresentar o Relatório de Actividades em todas as sessões ordinárias da Assembleia da República”. Assim, a Comissão Ad-Hoc para a Revisão da Constituição estava na obrigação de apresentar perante a Assembleia da República o relato do trabalho cumprido desde a última sessão da Magna Assembleia. Este Relatório era tão esperado, pelo menos, para esclarecer os fundamentos dos atrasos sucessivos, até então não justificados, e sobretudo, do que seria o novo Cronograma da Comissão Ad-Hoc visto que as fases previstas no Cronograma anterior não foram devidamente cumpridas.

Antes de analisar o conteúdo do referido Relatório deve precisar-se que o maior partido da oposição abandonou a sessão durante a apresentação do Relatório da Comissão Ad-Hoc. Já se sabe que o Partido RENAMO decidiu não integrar a Comissão Ad-Hoc e, de forma geral, não participar neste processo. Resumidamente, e como foi exposto pela Bancada Parlamentar da RENAMO, a alteração da Constituição não era prioridade para o País. Contudo, pode-se questionar a pertinência de não participar-se a uma sessão ordinária da Magna Assembleia que avalia o Relatório de uma Comissão parlamentar devidamente criada. Uma coisa é não querer participar colectivamente à constituição de uma comissão Ad-Hoc – o que é perfeitamente legal -, outra é não participar nos trabalhos da Magna Assembleia (Plenário) o que é duvidoso. O facto de participar nos trabalhos da Magna Assembleia reunida em sessão não significa que os deputados presentes aprovam o trabalho

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realizado pela comissão, isto significa, simplesmente, que como deputado, eles aceitam as regras do jogo parlamentar. Até duas posturas são possíveis: ou apenas estar presente sem querer participar fisicamente no debate e somente ouvir o conteúdo da informação divulgada o que é já uma postura activa e de que, pelo menos, constitui uma atitude de respeito por seus colegas; ou exercer um controlo mínimo sobre o conteúdo das acções realizadas ou projectadas pela Comissão sem, para tanto, entrar na questão de fundo; por exemplo, as questões orçamentais e do uso dos fundos para a realização das diversas acções projectadas é uma questão de boa governação financeira que ultrapassa o próprio objecto da Comissão e que é da responsabilidade de todos os deputados.

Entrando na análise do Relatório, ele destaca duas temáticas: a do Trabalho realizado e a das Actividades adiadas. Tomando em conta o interesse prioritário da segunda temática, iniciar-se-á pela análise desta. A questão já apresentada anteriormente, da justificação dos repetidos atrasos no cumprimento das acções programadas da Comissão Ad-Hoc e que constitui uma inquietação real, é tratada de forma “escondida” na página 9 do Relatório. Com efeito, apenas uma frase para justificar os atrasos cujo conteúdo não esclarece devidamente o leitor: “O contexto particular em que se realiza esta VI Sessão Ordinária da Assembleia da República constitui a razão principal da reprogramação a retro referida”. Como se pode perceber a razão dos atrasos reside no “Contexto particular”. Assim, o que abrange o termo “Contexto particular”? Por outras palavras, quais são os eventos ocorridos, em 2012, susceptíveis de provocar a desprogramação das actividades da Comissão Ad-Hoc? Como se pode perceber, sem muitos esforços, o referido termo significa X Congresso da Frelimo que teve lugar no Município de Pemba em Setembro de 2012. Esta situação levanta um problema mais profundo e coloca questões centrais sobre o funcionamento de nossas instituições políticas e, até, perguntar se se está num verdadeiro Estado. Em primeiro lugar, levanta-se o problema da hierarquia das prioridades que deve assumir um deputado. Se um deputado de um determinado partido opta por assistir à uma reunião partidária em lugar de cumprir as suas actividades parlamentares, isto significa que coloca as suas actividades partidárias acima das parlamentares. Por outras palavras, o deputado que “representa”, nos termos do n.° 2 do Artigo 168 da Constituição, “todo o país e não apenas o círculo pelo qual é eleito”, sacrificou as suas actividades parlamentares em benefício das suas actividades partidárias. Neste caso, será que o deputado respeitou a

“dignidade da Assembleia da República” (alínea c) do Artigo 177 da Constituição)? Por outras palavras, um deputado que sacrifica as actividades, programadas e aprovadas, por uma comissão parlamentar da qual é titular, actua conforme à ética parlamentar que manda, pelo menos, e cumprir as suas actividades com o mínimo de dedicação? Em segundo lugar, este acontecimento levanta uma questão essencial de saber como se posiciona a Magna Assembleia na consolidação da soberania do Estado. Com efeito, se deputados sacrificam os interesses parlamentares para realizar os partidários, como é que representam a soberania do Estado? Neste caso, fazer isso significa colocar o seu partido acima do Estado, o que se torna bastante preocupante. A soberania dum Estado tem duas vertentes: internacional e interna. Na segunda acepção do termo, isto é, a soberania interna do Estado, os “órgãos de soberania” não estão sujeitos a nenhum controlo por qualquer entidade e são investidos das competências mais alargadas. Colocar o partido acima de um órgão de soberania, sugere que o deputado desconhece frontalmente o princípio da soberania da República (Artigo 1 da Constituição) que reside exclusivamente no Povo (n.° 1 do Artigo 2 da Constituição) e não num determinado partido qualquer que seja. Esta situação não é particular a alguns deputados da Magna Assembleia, ela estende-se ao próprio Presidente da República e ao Governo. De facto, numa questão colocada ao Secretário-Geral do Partido Frelimo, no dia 1 de Agosto de 2012, por um Jornalista da praça (O País – 02 de Agosto de 2012, p. 4) sobre o facto de: “Na situação actual, temos membros do Governo que são da Comissão Política (José Pacheco, Aiuba Cuereneia, Alcinda de Abreu). Os mesmos estão em pé de igualdade com o Presidente da República. Não será isso um motivo para que o presidente não tenha na Comissão Política nenhum peso?” O entrevistado respondeu: “Não haverá nenhuma fragilidade, porque o partido é que orienta o Governo (…) O Presidente receberá instruções da Comissão Política e irá implementá-las na Presidência”. Como se pode perceber, é uma forma bastante estranha de conceber a soberania do Estado e dos seus órgãos. Como um Presidente da República e o Governo – órgãos de soberania nos termos do Artigo 133 da Constituição – que não estão sujeitos a nenhum controlo porque são soberanos (sob reserva daqueles previstos na Lei Fundamental), podem receber orientações e instruções de uma entidade que não é soberana? Esses comportamentos violam flagrantemente a soberania interna do próprio Estado Moçambicano e desrespeitam o Povo que através do seu voto deposita a sua confiança nos seus representantes. Talvez isto revela que o que é essencial não é fundamentalmente a revisão da Lei Fundamental, mas a

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do próprio partido no Poder que, visivelmente, ultrapassa o seu papel de partido político para se considerar como uma entidade meta-soberana. Consequentemente, e de forma mais prática, o que devia ter sido realizado pela Comissão Ad-Hoc em 2012 foi reprogramado para o ano de 2013, isto é, o Debate Público do Ante-Projecto, o tratamento e sistematização dos eventuais contribuições a nível nacional e a visita de estudo à República Unida da Tanzânia. Assim, o depósito do Projecto de Revisão da Constituição deveria ocorrer na última Sessão Ordinária da Magna Assembleia do presente ano. No que concerne a primeira temática, isto é, o “Trabalho realizado”, ele reflecte as várias amputações devido às circunstâncias acima analisadas. Várias tarefas que deviam ter sido cumpridas no segundo semestre de 2012 não as foram e, consequentemente, foram reprogramadas para este ano. Contudo, algumas acções essenciais foram realizadas pelo bom decurso do processo de revisão constitucional. Em primeiro lugar, foi elaborado o Quadro Comparativo das propostas de revisão recebidas em sede da Comissão Ad-Hoc. Apesar de ser bastante fastidioso, este trabalho era necessário para visualizar, primeiro o conteúdo das propostas oriundas da Sociedade Civil (7 propostas) e, segundo, através de uma operação do seu cruzamento, identificar os espaços comuns e os distintos dessas e, tudo isso, em relação à proposta dos deputados da Bancada Parlamentar do Partido FRELIMO. Este trabalho era, pois, necessário para ter, pelo menos, num primeiro momento, uma visão panorâmica do conjunto das propostas de alteração da Constituição vigente. Em segundo lugar, a Comissão Ad-Hoc elaborou e aprovou o Ante-Projecto de Revisão da Constituição da República.

A Comissão Ad-Hoc devia resolver um problema metodológico essencial devido aos vários instrumentos na sua posse: a proposta de alteração da Constituição da iniciativa dos deputados do Partido FRELIMO (com efeito, as bancadas parlamentares não têm a iniciativa de alteração; são apenas “um terço, pelos menos, dos deputados da Assembleia da República” que têm esta iniciativa – n.° 1 do Artigo 291 da Constituição) depositada na Magna Assembleia e as 7 propostas oriundas da Sociedade Civil lato sensu (Coligação G 12; Partido União dos Democratas de Moçambique; dr. Sérgio Vieira; GDI; dr. Simeão Constantino Cuamba; Grupo de 7 organizações da Sociedade Civil que trabalham na área de terras e recursos naturais; sr. Idalêncio Sitoe). Com efeito, duas opções estavam, pelo menos, ao alcance da Comissão Ad-Hoc: ou apenas divulgar o texto da proposta do proponente tornando Ante-Projecto de Revisão da Constituição, ou procurar uma forma de, além

da proposta do proponente, fazer conhecer as propostas oriundas da Sociedade Civil. Fundamentando, com justa razão, no convite público lançado às entidades singulares e colectivas, públicas ou privadas para procederem à submissão de propostas de revisão, a Comissão Ad-Hoc decidiu incorporar em notas de roda pé correspondentes aos artigos da Lei Fundamental visados, as propostas de revisão oriundos de cada uma das 7 propostas depositadas na Comissão Ad-Hoc pela Sociedade Civil. Esta opção, que não era de cumprimento obrigatório pela Comissão Ad-Hoc, congrega várias vantagens. A primeira é a consideração para as contribuições recebidas. Com efeito, na medida em que a Comissão Ad-Hoc chamou publicamente a Sociedade Civil para apresentar propostas de alteração da Constituição, era lógico e racional valorizar os esforços feitos pelas respectivas entidades que manifestaram o seu interesse em participar neste processo senão o que teria sido sucedido com essas propostas? A segunda é que essas propostas da Sociedade Civil constituem verdadeiras fontes de informação e de reflexão valiosas porque trarão no debate futuro outras perspectivas, bem como um pluralismo de ideias que, numa democracia em construção, é sempre salutar. A terceira que constitui a consequência lógica da anterior, é que o acesso dos cidadãos a esta diversidade de posições, as vezes opostas, deveria permitir o acesso a uma informação pluralista e, consequentemente, produzir um debate mais aberto na perspectiva da elaboração da Proposta Final a ser depositada no Plenário da Assembleia da República, de acordo com o n.° 2 do Artigo 291 da Constituição. Com efeito, para a Comissão Ad-Hoc “É a partir da Proposta da Bancada Parlamentar da Frelimo, com referência às contribuições das organizações da sociedade civil, partidos políticos e de personalidades, que se irá elaborar a Proposta Final …”. Assim, concebido, o Ante-Projecto deverá constituir a base de trabalho para a realização do debate público a nível de todo o território nacional. Em terceiro lugar, o Relatório de actividades à VI Sessão Ordinária da Assembleia da República apresentou o relatório da visita de estudo ao Parlamento Sul-Africano que constava do programa de actividades inicial. O que foi realçado pela Comissão Ad-Hoc e que merece atenção no prosseguimento do processo de revisão, é a componente “participação” que constitui uma das chaves do sucesso de um processo de revisão constitucional. Os deputados sul-africanos insistiram sobre o facto de a revisão da Constituição ser um processo político participativo de todas as forças partidárias representadas no Parlamento, independentemente das suas convicções e ideologias políticas e que esta participação deve estender-se as forças vivas da sociedade, e a todos os cidadãos,

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partidos políticos e organizações da sociedade civil. A lição conclusiva que parece ter capitalizado a Comissão Ad-hoc da experiência sul-africana é de que todos devem ter oportunidade de participar, quer através de submissão de propostas de revisão, quer através de promoção de audições e debates públicos pela Comissão encarregue de recolher e sistematizar as propostas. Finalmente, no essencial, entre a V e a VI Sessão a Comissão Ad-Hoc concluiu a produção do Ante-Projecto de Revisão da Constituição que será submetido ao debate público.

2. O Lançamento do debate público do Ante-Projecto de Revisão

da Constituição da República.

A cerimónia de lançamento do debate público do Ante-Projecto de Revisão da Constituição da República teve lugar na Assembleia da República (Sala dos Grandes Actos) no dia 20 de Fevereiro de 2013. Nesta ocasião o Presidente da Comissão Ad-Hoc proferiu um discurso com o objectivo de explicar os fins do Lançamento, determinar o escopo do Debate Público, apresentar o Programa da Comissão até o depósito do Projecto de Revisão Constitucional e proceder à apresentação do Ante-Projecto de Revisão da Constituição através do respectivo Guião de Apresentação. Esta intervenção será o principal objecto de nossos comentários. A referida intervenção suscita três questionamentos. O primeiro é de tipo organizativo, o segundo é de natureza procedimental e o último abrange as questões de conteúdo da Proposta de Revisão e a sua possível alteração. No que concerne ao primeiro aspecto, todas as capitais provinciais acolherão o debate público bem como alguns distritos identificados “com o precioso concurso dos governadores de Província”. Devido aos efeitos de calamidades naturais, a realização do Debate Público terá duas fases: a primeira, que abrangerá as províncias do Niassa, Cabo Delgado e Nampula, na Zona Norte e as províncias de Inhambane, de Maputo e Cidade de Maputo, no Sul. Ficarão de fora, neste contexto, as províncias da Zambézia, Sofala, Manica e Tete, no Centro e a Província de Gaza na Região Sul, prevendo-se, contudo, que o Debate possa ocorrer nos finais de Março e/ou princípios de Abril, tomando sempre em consideração a situação real no terreno, para permitir uma maior abrangência e participação popular, sendo, portanto, esta a segunda fase. Esses debates “territoriais” serão complementados pela organização de plataformas especializadas chamadas, “Mesas-Redondas” em determinadas matérias (15 temas “devidamente escolhidos”: 1. Conselho Constitucional vs. Tribunal Constitucional; 2. Tribunal Supremo, 3. Tribunal Administrativo, 4. Ministério Público, 5. Provedor de Justiça, 6. Ministério da Justiça, 7. Ordem dos Advogados, 8. Universidades e Institutos

Superiores, 9. Liberdade de imprensa e de informação, 10. Juventude, 11. Aspectos Económicos sobre a Revisão da Constituição em curso, 12. A questão dos Direitos Humanos, 13. A questão do género, família e aspectos conexos na Revisão constitucional, 14. A Revisão constitucional sob o ponto de vista das Confissões religiosas e seu relacionamento com o Estado, 15. Organizações socioprofissionais). Esta previsão lança um desafio organizativo muito grande a todos os intervenientes e, isto, sob duas vertentes. Primeiro, do lado dos organizadores desses eventos, devido à natureza do exercício, isto é, divulgar e explicar um texto técnico-jurídico especializado (Direito Constitucional). Nesta perspectiva, quem vai ter a capacidade de explicar o teor deste Ante-Projecto aos participantes, sobretudo, ao nível dos distritos seleccionados? Quem poderá responder aos pedidos de esclarecimentos técnicos que podem surgir durante o debate e explicar o significado de algumas figuras jurídico-constitucional (por exemplo, qual é a diferença entre o Conselho Constitucional e o Tribunal Constitucional? Qual é a diferença entre um regime presidencialista, um regime semi-presidencial e um regime parlamentar? Será que a nova redacção proposta do n.° 4 do Artigo 71 protege melhor os dados pessoais do cidadão?, etc.)? Sem dúvida, deverá ser um perito em Direito Constitucional. Mas, será que a Comissão Ad-Hoc tem técnicos suficientemente preparados para fazer isso? Sem o cumprimento deste pressuposto, pode-se assistir a erros graves de interpretação ou, pura e simplesmente, nenhuma troca de ideias por causa da incompetência tecnica dos organizadores que se limitaram a enrolar as reacções sobre o Ante-Projecto sem satisfazer as inquietações ou pedidos de esclarecimentos dos intervenientes no debate público. Além disso, um aspecto meramente material, mas que pode influir

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significativamente sobre a qualidade do debate público, é o acesso concreto dos participantes ao Ante-Projecto de Revisão, isto é, o documento base para o debate público. Com efeito, sem um número suficiente de brochuras, a serem distribuídas atempadamente, os participantes não poderão participar efectivamente ao debate público e se tornarão apenas meros espectadores do debate. Segundo do lado do público participante, o dia da marcação do evento é primordial para garantir uma participação efectiva de todos sectores da sociedade moçambicana. Nesta perspectiva, os organizadores não foram felizes ao escolher um dia útil da semana (25, 27 de Fevereiro, 1 de Março) em que uma boa parte dos trabalhadores do sector privado, em particular, trabalham efectivamente o que implica que, principalmente, o “público” será composto de funcionários públicos e agentes do Estado e por desempregados. Assim, como a longa lista de profissionais, descritos pelo Presidente da Comissão Ad-Hoc (p. 5), poderá constituir “os verdadeiros autores e actores desta revisão, participando, em particular, no debate público que vai iniciar em todo o País” (p. 5)? O risco é real que apenas uma elite participará neste processo contrariando os objectivos participativos abrangentes visados pela Comissão Ad-Hoc. Mas será que essas deficiências estruturais poderão ser compensadas pelo debate especializado por “Mesas-Redondas? Pelo risco pode ser que não. As “Mesas-Redondas” foram “devidamente escolhidas” (p. 10), isto significa que foram criadas em função do conteúdo da proposta do proponente excluindo, de facto, o debate sobre temáticas não abrangidas por elas. Sem falar sobre o pouco interesse das temáticas que algumas “Mesas-Redondas” apresentam (por exemplo, mesas redondas para debater “Conselho Constitucional vs. Tribunal Constitucional”, “Juventude” ou “A Revisão constitucional sob o ponto de vista das Confissões religiosas e o seu relacionamento com o Estado), alguns temas, pelo contrário, mereciam uma consagração em “Mesas-Redondas”; por exemplo, a mudança de regime político, incluindo a redução dos poderes do Presidente da República ou do sistema eleitoral com a introdução de uma dose de sistema maioritário, inspirando-se do sistema do “duplo voto” alemão, seria muito mais interessante e sobretudo mais produtivo e mais conforme com a orientação inicial de um debate inclusivo e aberto a todo texto da Constituição. Assim, o risco é real de transformar o processo de revisão constitucional em uma vasta caixa de revindicações político-sociais sem ligações com o processo em curso esquecendo a finalidade da operação que é de alterar uma Constituição. No que concerne ao segundo aspecto, isto é, o ponto de vista procedimental do debate público a questão central permanece a seguinte: será que o debate é restrito à proposta incluída no Ante-Projecto ou será que o debate poderá abranger matérias não contempladas neste? O

facto de ter introduzido as propostas oriundas da Sociedade Civil no Documento Base para o debate público, é um sinal de que o debate poderia abranger a totalidade do texto da Constituição vigente extravasando, portanto, a mera proposta do proponente, senão não se percebe muito bem porque essas propostas foram incluídas no referido Documento Base; é, de facto, o que aconteceu nos debates públicos que já tiveram lugar; até a Comissão Ah-Hoc se pronunciou neste sentido: “É da Proposta dos Deputados da Bancada Parlamentar da Frelimo, com referência às contribuições das organizações da sociedade civil, partidos políticos e de personalidades que se irá elaborar o Projecto de Revisão da Constituição …”. No que concerne ao terceiro aspecto, talvez o mais complexo, é de saber como será garantida a inclusividade do processo, isto é, fundamentalmente, a consideração do conjunto das contribuições realizadas. Nesta perspectiva, qual foi a posição da Comissão Ad-Hoc? Primeiro a Comissão Ad-Hoc optou, em alto e bom som, por um processo inclusivo; segundo, a referida instituição estabeleceu, pelo menos formalmente, uma orientação metodológica, a de “sistematização das contribuições recebidas do debate público genérico e das “Mesas-Redondas”” e a confecção do Projecto de Revisão da Constituição, cujo depósito ocorrerá ainda no presente ano. Contudo, o problema continua o mesmo, a palavra “sintetizar” como aparece na terminologia da Comissão Ad-Hoc, não nos esclarece sobre o que realmente será realizado. Com efeito, existem sínteses impossíveis, o que significa que a Comissão Ad-Hoc deverá fazer escolhas. Quais serão os critérios da escolha? Por exemplo, como conciliar propostas do GDI que, em particular, defendeu uma mudança do sistema de Governo e a proposta do Proponente que não integrou este aspecto? Como conciliar? Não há conciliação possível: ou o regime presidencialista continua, ou é a opção para um sistema semi-presidencial ou “quase-parlamentar”, mas não se pode realizar uma mitigação de todos! Do mesmo modo, a UDM propõe um Estado Federal (p. 21 do Documento Base), mas visivelmente o proponente não defende esta opção; como sintetizar? Aqui também, a síntese é impossível. Isto significa que o trabalho de síntese terá limites e esses limites serão ditados pela Comissão Ad-Hoc com uma certa dose de subjectividade de escolha. Nessas condições, como pensar no futuro? É preciso apreciar alguns índices que podem orientar a elaboração do conteúdo do futuro Projecto de Revisão da Constituição para melhor perceber o que será o produto final da Revisão, a ser depositado no Plenário da Magna Assembleia. Pelo menos, dois factores orientam para a concepção de um Projecto de Revisão muito próximo da proposta do proponente. Em primeiro lugar, desde Novembro de 2010, a orientação afirmada pelo Partido no Poder era a de “uma revisão não profunda” ou como afirmaram

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FICHA TÉCNICA

Propriedade e edição:

GDI - Governance and Development Institute

Av. 24 de Julho, nº 3737, 1º Andar, Flat 5P.O. Box. 889 – Maputo – Moçambique

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algumas intervenções reparadas a revisão “não irá abranger matérias de fundo” (Jornal O País, 24/08/2010). Esta orientação é de facto reflectida na proposta apresentada pelo Partido no Poder que é realmente “não profunda”. A questão é: porque o referido partido mudaria de estratégia? Não há razões para pensar o contrário. Por isso, olhando para este primeiro facto não há razão para pensar que o produto final será muito distante da proposta do proponente. Em segundo lugar, se olharmos para a constituição das “Mesas-Redondas” como se pode verificar facilmente, a sua respectiva temática reflecte, também, a pouca profundidade da revisão proposta pelo proponente. Com efeito, tudo foi concebido para não tocar á estrutura fundamental do regime político que passa pela intocabilidade dos poderes do Presidente da República e a conservação da dominação do sistema partidário na governação do País (principalmente no que concerne a escolha do sistema eleitoral). Assim, mesmo que a Comissão Ad-Hoc quisesse ser corajosa

tentando densificar a sua orientação de inclusividade de todas as propostas, é pouco provável que seja efectivamente o caso, porque não se pode imaginar como ela poderia escapar à disciplina partidária. Contudo, a Comissão Ad-Hoc tem uma dívida em relação a Sociedade Civil. A Sociedade Civil dificilmente admitiria, que, depois de uma chamada pública para depositar propostas e participar a debates públicos, nenhumas das suas propostas sejam incluídas no Projecto Final. Assim, a Comissão Ad-Hoc deverá transigir para aceitar algumas propostas vindas da Sociedade Civil do momento em que não alteram, fundamentalmente, a essência da proposta do Proponente ou não são determinantes para ele. Um exercício bastante difícil, no qual se poderá apreciar toda a fineza da Comissão Ad-Hoc! Para saber mais, consultar: Assembleia da República, Ante-Projecto de Revisão da Constituição da República de Moçambique. Documento base para o debate público, VII Legislatura, 2013.

Coordenador: Benjamim Pequenino

Editor-Chefe:Gilles Cistac

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