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3 | CULTURAL | SALVADOR, SÁBADO, 25/4/2009 RESENHA Em Frenesi polissilábico, Nick Hornby analisa outros autores Passeio sem preconceito pela estante de livros ANDRÉ CÂMARA | FOLHA IMAGEM MIRELA PORTUGAL [email protected] Escreva com palavras simples, ordem direta e ideias claras. Re- mova excessos. A boa literatura se encontra no uso descomplica- do da língua. A receita para evitar o pecado do texto chato, de au- toria do inglês Nick Hornby, po- deria ser uma descrição de seu próprio estilo. O escritor – alcu- nhado de raso, populista e sim- plista em algumas críticas – er- gue a bandeira do prazer da lei- tura em Frenesi polissilábico, seu terceiro livro de não-ficção. Frenesi reúne artigos publica- do por Hornby na revista alterna- tiva americana The Believer, da qual passou a ser articulista após um convite para escrever sobre “a experiência da leitura, não so- bre livros isoladamente”. Nomes reverenciados e desconhecidos entraram no menu variado do autor de Alta fidelidade, que ig- nora a impessoalidade e nos guia em um passeio voyeurístico em sua estante de livros. Pelo caminho, enxergamos seus dois filhos no chão, desarru- mando as prateleiras. O cansaço de quem chegou à noite do tra- balho e acha tão importante ler cinco páginas de um livro ou ver 20 minutos de um seriado de co- média. Ou a falta de pudor ao as- sumir que lê também para man- ter boas conversas com gente in- teressante sobre as obras da vez. Com a mesma sede de quem bai- xa um CD novo e comenta entre amigos, ou quem indica um fil- me em cartaz. Hornby elege a missão de des- mitificar a literatura em seu pos- to de alta arte refinada, e a leva às trivialidades cotidianas. Ele é franco quanto a seus gostos, e, para começo de conversa, diz lo- go: “O bom livro não figura na lis- ta de clássicos” – é aquele que emociona, comove, e cujo autor nos faz o favor de torná-lo dige- rível até o final. Coisa rara, diz. Assim, defende, não há mor- tos nem feridos se alguém elege O Código da Vinci como melhor livro da sua vida, por exemplo. “O que importa é que essa pessoa leu um livro e se divertiu no ca- minho. Pode ter sido sua porta de entrada na literatura, e se multi- plicar em mais obras.” Frenesi polissilábico selecio- nou 28 artigos, que seguem a mesma estrutura. Na abertura, duas listas, uma com os livros comprados no mês, e a lista de obras de fato lidas. Os gêneros são variados, indo da autoajuda à poesia e quadrinhos. Um acordo de cavalheiros com a Believer re- ge as obras resenhadas – só ga- nham crítica as que Hornby clas- sificou como interessantes. Os li- vros ruins não ganham menção, e a revista não aceita críticas ne- gativas. Hornby não demorou a aderir a uma linha editorial que combate “crítica que precisa es- culhambar alguém todos os dias para garantir o pão de cada dia”, como define. UM BOM LIVRO – Em suas leitu- ras, o cool e admirado autor de li- vros pop é capaz de se perder en- tre os múltiplos personagens in- tensos de Dickens ou lamentar a escolha infeliz do título Money- ball (“podre”) para um livro so- bre futebol. Nos intervalos, o es- critor nos conta como circula na roda de autores contemporâ- neos, confessa lembranças de adolescência, comenta jogos de boliche ou deixa entrever sua re- lação com o filho autista. E se já foi dito que toda defi- nição apenas define os definido- Frenesi polissilábico Nick Hornby Rocco 263 páginas (21) 3525-2000 R$ 33 res, Tchekov por Hornby é o re- trato do artista moderno, envol- vido em intrigas, fofoca, grana e falhas. E e se vivesse hoje só de- veria dar atenção à cartas de in- centivo no começo da carreira se o remetente tiver um Nobel ou um Pulitzer. “Se formos nos en- volver com tudo quanto é lenda literária que quer ser amigo, não vamos mais conseguir traba- lhar”, aconselha. PERSÉPOLIS A irreverência pontuada com os medalhões da literatura é abandonada na críti- ca a obras mais recentes e des- pretensiosas, como a sensível Persépolis, dos quadrinhos de Marjane Satrapi. A autobiografia em HQ é reconhecida como “ex- celente e emocionante”, e os fa- tos descritos lhe parecem sur- realmente mais dignos de uma triste criação de Orwell do que à realidade. Para Hornby, dificilmente o li- vro seria uma opção de leitura, em toda a sua experiência de tris- teza e dor, se não fosse o lirismo da graphic novel. Essas e outras impressões se unem ao rastrear do caminho do livro até o au- tor-leitor, e o contexto em que se deu o encontro. Indicações de amigos, insight no ônibus, na escola, na loja de livros. Para Hornby, é um erro se- parar o livro do espaço, do tempo e do self. “Você tem de fingir que não tem estética, gostou ou pro- blemas pessoais.” Em Frenesi , o estilo de Hornby, por vezes, pode se perder na mo- notonia, mas não se contradiz em sua generosidade e acessibi- lidade. Por fim, alguns capítulos das obras resenhadas figuram lá, para degustação do leitor. Que pode ou não discordar de Horn- by. Para ele, tanto faz, contanto que o resultado seja uma leitura prazerosa e divertida. O escritor inglês, na foto com seu best-seller Alta Fidelidade, propõe adicionar prazer à leitura TRECHOS Sallinger por Hornby “Grande parte do apelo deveu-se à possibilidade de ler a obra inteira de um escritor ilustre em menos de uma semana – isso não rola com o Dickens nem a pau – mas, ainda assim, foi mais difícil que imaginei. Cada uma das Nove histórias é perfeita, e Carpinteiros, levantem bem alto a cumeeira é original e engraçado, só que Seymour: uma introdução... Salinger jamais conseguiu atingir seu objetivo comigo, despertar a curiosidade sobre Seymour.” Truman Capote por Hornby A Sangue Frio é um dos livros mais influentes dos últimos cinquenta anos e penso que praticamente toda obra não-ficcional publicada a partir dos anos 1960 lhe deve alguma coisa. (...) Adorei A Sangue Frio, mas, ao mesmo tempo, percebo que não posso classificá-lo como uma Grande Experiência Literária. Me pareceu ao mesmo tempo menos pretensioso e mais estável, pé no chão.“

Nick Hornby - crítica de seus livros

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Frenesi polissilábico Nick Hornby Rocco 263 páginas (21) 3525-2000 R$ 33 “A Sangue Frioé um dos livros mais influentes dos últimos cinquenta anos e penso que praticamente toda obra não-ficcional publicada a partir dos anos 1960 lhe deve alguma coisa. (...) Adorei A Sangue Frio, mas, ao mesmo tempo, percebo que não posso classificá-lo como uma Grande Experiência Literária. Me pareceu ao mesmo tempo menos pretensioso e mais estável, pé no chão.“ MIRELA PORTUGAL

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Page 1: Nick Hornby - crítica de seus livros

3| CULTURAL |SALVADOR, SÁBADO, 25/4/2009

RESENHA ❚ Em Frenesi polissilábico,Nick Hornby analisa outros autores

Passeio sempreconceitopela estantede livros

ANDRÉ CÂMARA | FOLHA IMAGEM

MIRELA PORTUGALm p o r t u g a l @ g r u p o a t a rd e . c o m . b r

Escreva com palavras simples,ordem direta e ideias claras. Re-mova excessos. A boa literaturase encontra no uso descomplica-do da língua. A receita para evitaro pecado do texto chato, de au-toria do inglês Nick Hornby, po-deria ser uma descrição de seupróprio estilo. O escritor – alcu-nhado de raso, populista e sim-plista em algumas críticas – er-gue a bandeira do prazer da lei-tura em Frenesi polissilábico, seuterceiro livro de não-ficção.

Fre n e s i reúne artigos publica-do por Hornby na revista alterna-tiva americana The Believer, daqual passou a ser articulista apósum convite para escrever sobre“a experiência da leitura, não so-bre livros isoladamente”. Nomesreverenciados e desconhecidosentraram no menu variado doautor de Alta fidelidade, que ig-nora a impessoalidade e nos guiaem um passeio voyeurístico emsua estante de livros.

Pelo caminho, enxergamosseus dois filhos no chão, desarru-mando as prateleiras. O cansaçode quem chegou à noite do tra-balho e acha tão importante lercinco páginas de um livro ou ver20 minutos de um seriado de co-média. Ou a falta de pudor ao as-sumir que lê também para man-ter boas conversas com gente in-teressante sobre as obras da vez.Com a mesma sede de quem bai-xa um CD novo e comenta entreamigos, ou quem indica um fil-me em cartaz.

Hornby elege a missão de des-mitificar a literatura em seu pos-to de alta arte refinada, e a leva àstrivialidades cotidianas. Ele éfranco quanto a seus gostos, e,para começo de conversa, diz lo-

go: “O bom livro não figura na lis-ta de clássicos” – é aquele queemociona, comove, e cujo autornos faz o favor de torná-lo dige-rível até o final. Coisa rara, diz.

Assim, defende, não há mor-tos nem feridos se alguém elegeO Código da Vinci como melhorlivro da sua vida, por exemplo. “Oque importa é que essa pessoaleu um livro e se divertiu no ca-minho. Pode ter sido sua porta deentrada na literatura, e se multi-plicar em mais obras.”

Frenesi polissilábico selecio-nou 28 artigos, que seguem amesma estrutura. Na abertura,duas listas, uma com os livroscomprados no mês, e a lista deobras de fato lidas. Os gênerossão variados, indo da autoajuda àpoesia e quadrinhos. Um acordode cavalheiros com a Believer re-ge as obras resenhadas – só ga-nham crítica as que Hornby clas-sificou como interessantes. Os li-vros ruins não ganham menção,e a revista não aceita críticas ne-gativas. Hornby não demorou aaderir a uma linha editorial quecombate “crítica que precisa es-culhambar alguém todos os diaspara garantir o pão de cada dia”,como define.

UM BOM LIVRO – Em suas leitu-ras, o cool e admirado autor de li-vros pop é capaz de se perder en-tre os múltiplos personagens in-tensos de Dickens ou lamentar aescolha infeliz do título Mo n e y -ball (“podre”) para um livro so-bre futebol. Nos intervalos, o es-critor nos conta como circula naroda de autores contemporâ-neos, confessa lembranças deadolescência, comenta jogos deboliche ou deixa entrever sua re-lação com o filho autista.

E se já foi dito que toda defi-nição apenas define os definido-

F re n e s ipolissilábicoNick HornbyRocco263 páginas(21) 3525-2000R$ 33

res, Tchekov por Hornby é o re-trato do artista moderno, envol-vido em intrigas, fofoca, grana efalhas. E e se vivesse hoje só de-veria dar atenção à cartas de in-centivo no começo da carreira seo remetente tiver um Nobel ouum Pulitzer. “Se formos nos en-volver com tudo quanto é lendaliterária que quer ser amigo, nãovamos mais conseguir traba-lhar”, aconselha.

PE R S É P O L I S – A irreverênciapontuada com os medalhões daliteratura é abandonada na críti-ca a obras mais recentes e des-pretensiosas, como a sensívelPersépolis, dos quadrinhos deMarjane Satrapi. A autobiografiaem HQ é reconhecida como “ex-celente e emocionante”, e os fa-tos descritos lhe parecem sur-realmente mais dignos de umatriste criação de Orwell do que àre a l i d a d e.

Para Hornby, dificilmente o li-vro seria uma opção de leitura,em toda a sua experiência de tris-teza e dor, se não fosse o lirismoda graphic novel. Essas e outrasimpressões se unem ao rastreardo caminho do livro até o au-tor-leitor, e o contexto em que sedeu o encontro.

Indicações de amigos, insightno ônibus, na escola, na loja delivros. Para Hornby, é um erro se-parar o livro do espaço, do tempoe do self. “Você tem de fingir que

não tem estética, gostou ou pro-blemas pessoais.”

Em Fre n e s i , o estilo de Hornby,por vezes, pode se perder na mo-notonia, mas não se contradizem sua generosidade e acessibi-lidade. Por fim, alguns capítulosdas obras resenhadas figuram lá,para degustação do leitor. Quepode ou não discordar de Horn-by. Para ele, tanto faz, contantoque o resultado seja uma leituraprazerosa e divertida.

O escritor inglês, na foto com seu best-seller Alta Fidelidade, propõe adicionar prazer à leitura

TRECHOS

Sallinger porHor nby“Grande parte do apelodeveu-se à possibilidade deler a obra inteira de umescritor ilustre em menos deuma semana – isso não rolacom o Dickens nem a pau –mas, ainda assim, foi maisdifícil que imaginei. Cadauma das Nove histórias éperfeita, e Carpinteiros,levantem bem alto acumeeira é original eengraçado, só queSeymour: uma introdução...Salinger jamais conseguiuatingir seu objetivo comigo,despertar a curiosidadesobre Seymour.”

Truman Capotepor Hornby“A Sangue Frio é um doslivros mais influentes dosúltimos cinquenta anos epenso que praticamentetoda obra não-ficcionalpublicada a partir dos anos1960 lhe deve algumacoisa. (...) Adorei A SangueFrio, mas, ao mesmotempo, percebo que nãoposso classificá-lo comouma Grande ExperiênciaLiterária. Me pareceu aomesmo tempo menospretensioso e mais estável,pé no chão.“