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10. O neoliberalismo e o Consenso de Washington Ao longo da década de 1990, o governo dos Estados Unidos e suas corporações realizaram uma segunda tentativa para levantar a economia do país, que se encontrava estagnada desde os anos de 1970. Para isso, refizeram o diagnóstico da origem da crise. O diagnóstico subjacente à Reaganomics era o de que a causa da crise encontrava-se na perda da supremacia econômica para o Japão e a Alemanha, que provocara o déficit crônico de sua balança comercial, e no aumento do salário real dos trabalhadores estadunidenses e na subida dos preços das matérias primas oriundas dos países da periferia, que teriam diminuído a rentabilidade e a competitividade das empresas. Foi com base nessa avaliação que a política da Reaganomics confrontou o Japão e a Alemanha, pressionou os países da periferia a reduzir o preço das matérias primas e diminuiu o salário real dos trabalhadores estadunidenses. Apesar disso, como examinamos no capítulo anterior, a crise estrutural continuou. O novo diagnóstico passou a ser o de que a causa da crise seria o excesso de Estado na economia. Ressuscitou-se, para isso, o ideário neoliberal que, como veremos adiante, havia sido formulado no final da II Guerra em oposição ao pensamento keynesiano. Segundo o novo liberalismo, estaria havendo no mundo um processo de globalização da economia, ou seja, estaria se

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10. O neoliberalismo e o Consenso de Washington

Ao longo da década de 1990, o governo dos Estados Unidos e

suas corporações realizaram uma segunda tentativa para levantar

a economia do país, que se encontrava estagnada desde os anos

de 1970. Para isso, refizeram o diagnóstico da origem da crise.

O diagnóstico subjacente à Reaganomics era o de que a

causa da crise encontrava-se na perda da supremacia econômica

para o Japão e a Alemanha, que provocara o déficit crônico de

sua balança comercial, e no aumento do salário real dos

trabalhadores estadunidenses e na subida dos preços das

matérias primas oriundas dos países da periferia, que teriam

diminuído a rentabilidade e a competitividade das empresas.

Foi com base nessa avaliação que a política da Reaganomics

confrontou o Japão e a Alemanha, pressionou os países da

periferia a reduzir o preço das matérias primas e diminuiu o

salário real dos trabalhadores estadunidenses. Apesar disso,

como examinamos no capítulo anterior, a crise estrutural

continuou.

O novo diagnóstico passou a ser o de que a causa da crise

seria o excesso de Estado na economia. Ressuscitou-se, para

isso, o ideário neoliberal que, como veremos adiante, havia

sido formulado no final da II Guerra em oposição ao pensamento

keynesiano.

Segundo o novo liberalismo, estaria havendo no mundo um

processo de globalização da economia, ou seja, estaria se

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formando um mundo sem fronteiras econômicas. A afirmação dessa

tendência exigiria que as relações econômicas, tanto em cada

país, quanto em âmbito mundial, fossem reguladas pelo mercado.

Este seria capaz de distribuir adequadamente os recursos

existentes entre os distintos ramos da economia, regiões ou

países, de forma a promover a prosperidade, o bem-estar e a

felicidade geral da Humanidade.

Esse ideário foi corporificado num documento conhecido

como Consenso de Washington e, a partir daí, foi sendo

implementado mundo afora. Veremos que o mundo desenvolvido

aplicou apenas duas das dez recomendações – a desregulação

financeira e a queda dos direitos trabalhistas -, cabendo aos

países da periferia, sobretudo os da América Latina, adotar o

conjunto do programa.

Veremos que essa nova estratégia deixou um rastro de

destruição econômica no Terceiro Mundo e fez crescer como nunca

a riqueza financeira nos países centrais, mas, mais uma vez,

não conseguiu debelar a crise estrutural. Ao contrário,

acelerou as crises econômicas periódicas, ampliou as

vulnerabilidades da economia mundial e gestou as condições para

uma crise de maior profundidade.

O Consenso de Washington e o neoliberalismo

O sucessor de Reagan, seu ex-vice-presidente George Bush,

assumiu o governo, em 1989, quando a economia já derrapava em

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direção à recessão. Tudo indicava que a política de Reagan

começava a revelar seu esgotamento.

Bush, como seu legítimo herdeiro, buscou revitalizar e

mesmo radicalizar sua política, ao aumentar a pressão sobre a

União Soviética e o Japão, mas, ao mesmo tempo, ao propor a

“Iniciativa para as Américas” e uma “nova ordem mundial” sob

comando dos Estados Unidos, ensaiou uma mudança de rumo na

estratégia de enfrentamento da crise econômica.

Sob seus auspícios, mas patrocinado formalmente pelo

Instituto Internacional de Economia (IIE), presidido por John

Williamson, reuniu-se em Washington, em 1989, um grupo de

acadêmicos e executivos do governo e das empresas

transnacionais estadunidenses, bem como do FMI, do Banco

Mundial e de grandes grupos financeiros, com o objetivo de

analisar o panorama mundial e propor alternativas para as

dificuldades econômicas então enfrentadas pela economia

mundial.

O embaixador Paulo Nogueira Batista (2009) foi um dos

primeiros a analisar o documento elaborado naquele encontro.

Segundo ele, o grupo reunido pelo IIE produziu um documento

conhecido como Consenso de Washington, constituído de dez

pontos, todos voltados à idéia de que o Estado deveria retirar-

se da economia e deixar sua regulação sob comando do mercado.

Os dez pontos do Consenso podem ser resumidos em apenas

quatro:

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1) a “abertura econômica”, isto é, o fim das barreiras

protecionistas entre as nações, cujo objetivo básico era

abrir os mercados mundiais, particularmente os da América

Latina, para os produtos das corporações estadunidenses;

2) a “desestatização”, isto é, a privatização das empresas

estatais, cujo objetivo básico era passar para o controle

das transnacionais estadunidenses os recursos minerais e

setores estratégicos da América Latina, a fim de suprir de

matérias-primas abundantes e baratas a economia dos EUA,

cujos recursos minerais e fósseis estavam em fase final de

esgotamento, melhorando, ao mesmo tempo, sua competitividade

internacional;

3) a “desregulamentação financeira”, isto é, o fim das regras

que limitavam o movimento do capital em nível internacional

e no interior de cada país, particularmente o especulativo,

com o objetivo básico de viabilizar campos de aplicação

rentáveis e seguros para os excedentes financeiros que

escaparam do processo produtivo e circulavam na esfera

puramente especulativa;

4) a “flexibilização das relações de trabalho”, isto é, a

redução dos direitos sindicais, trabalhistas e

previdenciários, sobretudo nos países da América Latina, a

fim de que as transnacionais pudessem instalar nesses países

determinadas etapas do processo produtivo, particularmente

as de mão-de-obra intensiva, à moda das “maquiladoras”

mexicanas, com vistas a baratear os custos de seus produtos

e melhorar suas condições competitivas no mercado

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internacional; visava, também, abrir novos campos de

investimento, em especial na previdência privada, para os

capitais excedentes dos EUA.

Sistematizou-se assim o que passou a chamar-se de

neoliberalismo, ideologia que prega a retirada do Estado da

economia e a regulação econômica por meio do mercado.

Os predecessores imediatos da doutrina neoliberal foram

Milton Friedman, Ludwig Von Misses e Frederick Von Hayek, que

desenvolveram suas idéias na década de 1940, em reação ao

predomínio do pensamento keynesiano nos meios acadêmicos e na

definição de políticas econômicas.

Hayek escreveu dois libelos contra a ação econômica do

Estado e a favor da regulação pelo mercado, O caminho da

servidão e os Fundamentos da liberdade, por meio dos quais

procurou contrapor-se ao pensamento keynesiano. Diz ele:

O Estado deveria limitar-se a estabelecer regras que se

aplicassem a tipos gerais de situação e deixassem os indivíduos

livres em tudo que depende das circunstâncias de tempo e lugar,

porque só os indivíduos interessados em cada caso podem

conhecer plenamente essas circunstâncias e a elas adaptar suas

ações (...) Quanto mais o Estado planeja, mais difícil se torna

o planejamento para o indivíduo (HAYEK, s.d.: 119-120).

Page 6: Nilson Cap 10 Con Senso Washington

Na mesma linha, seguiu Friedman:

Primeiro, o objetivo do governo deve ser limitado. Sua

principal função deve ser a de proteger nossa liberdade contra

inimigos externos e contra nossos próprios compatriotas;

preservar a lei e a ordem; reforçar os contratos privados;

promover os mercados competitivos (...) Se o governo deve

exercer o poder, é melhor que seja no condado; e melhor no

Estado do que em Washington (...) O governo não poderá jamais

imitar a variedade e a diversidade da ação humana (FRIEDMAN,

1984: 12-13).

Em síntese, para esses autores, o Estado deveria limitar-

se a promover os ”mercados competitivos” e a garantir a “lei e

a ordem” e os “contratos privados”. Isso significa que não

caberia outro papel ao Estado que proteger a propriedade

privada e seu corolário, o mercado. E este, deixado livre,

cuidaria da regulação da economia. Era o ressurgimento do

pensamento neoclássico, que predominara nas Ciências Econômicas

até a Grande Depressão e fora desbancado por John Maynard

Keynes.

O problema era que o mercado já não era tão livre. Depois

de décadas de concentração e centralização do capital, haviam-

se formado no mundo desenvolvido grandes corporações

empresariais, que atuavam cada vez mais de forma monopolista

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(ver capítulo 2). Afastando-se o Estado da economia, não seria

a livre concorrência que regularia a atividade econômica, mas a

ação monopolista dessas corporações.

Na verdade, a implementação do neoliberalismo do

“Consenso” era a segunda tentativa estratégica de levantar a

economia estadunidense, que estava estagnada desde o início dos

anos de 1970: entre 1973 e 1993, seu PIB só cresceu a pouco

mais de 1% ao ano. A primeira tentativa se materializara na

Reaganomics. Como examinamos no capítulo anterior, essa

política não atingiu seu objetivo.

Veremos adiante que o programa econômico do Consenso,

salvo nos aspectos referentes à desregulamentação financeira e

à flexibilização das relações trabalhistas, não se destinava

aos países desenvolvidos – muito menos aos Estados Unidos. O

objetivo era aplicá-lo prioritariamente no mundo

subdesenvolvido, em particular na América Latina.

O objetivo imediato do governo dos EUA com o Consenso de

Washington era, de um lado, encontrar mercados para os produtos

e capitais excedentes das transnacionais estadunidenses e, de

outro, suprir-se de força de trabalho e de matérias-primas

baratas a fim de melhorar sua capacidade de competir no mercado

internacional.

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Enquanto isso, o objetivo estratégico era ocupar o mercado

da América Latina a fim de usá-lo como plataforma para

prosseguir sua política de confronto com o Japão e a Alemanha.

Assim, o Consenso visava aplainar o caminho para a formação de

um bloco econômico nas Américas sob a hegemonia dos EUA.

Inicialmente chamada por Bush de “Iniciativa para as Américas”,

essa proposta receberia depois o nome de Área de Livre Comércio

das Américas (Alca).

A etapa de implementação do Consenso na América Latina

cuidaria de debilitar a economia regional e torná-la mais

vulnerável, de forma a favorecer um posterior domínio completo

dos monopólios estadunidenses na região, através da Alca.

Esse enfraquecimento da economia latino-americana se daria

à medida que, enquanto os EUA manteriam intactas suas barreiras

comerciais e suas estruturas produtivas, os governos da região

vinham implementando rigorosamente o programa preconizado pelo

Consenso.

O Nafta e a desestruturação da economia mexicana

Ao mesmo tempo em que buscava impor o Consenso na América

Latina, a administração Bush propôs a criação do Nafta, sigla

em inglês para o Tratado de Livre Comércio da América do Norte,

que integra num mercado comum os EUA, o Canadá e o México. O

Nafta seria o passo inicial para a criação da Alca.

Através desse bloco, as grandes corporações estadunidenses

ocupavam, crescentemente, o mercado interno do México e do

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Canadá. Além disso, montavam plantas fabris no norte do México,

conhecidas como “maquiladoras”, que usavam mão-de-obra

intensiva para montar peças fabricadas nos EUA e exportar os

produtos daí derivados, geralmente inacabados, para os próprios

EUA e outras partes do mundo.

O custo médio da mão-de-obra no México estava, em 1997,

em torno de US$ 1,47 por hora, mas as “maquiladoras” pagavam

menos ainda: em torno de US$ 5,00 por dia e basicamente para o

trabalho feminino, que ocupava 60% das vagas oferecidas.

Até um trabalhador mexicano nos EUA, que ganhava muito

menos do que um estadunidense, chegava a receber lá dez vezes

mais do que as “maquiladoras” pagavam no norte do México. Esse

era um dos expedientes utilizados pelas corporações para

competir no mercado mundial.

Já antes da inauguração do bloco, em 1994, as corporações

estadunidenses vinham inundando a economia mexicana com seus

produtos, em face da política de redução das barreiras

alfandegárias e da valorização da moeda mexicana: em 1993, já

haviam exportado US$ 41,6 bilhões, mais do que para o resto da

América Latina.

Entre 1989 e 1994, enquanto o PIB mexicano crescia a um

ritmo inferior a 3% ao ano, as importações o faziam a 26%. De

1988 a 1994, elas cresciam quatro vezes mais do que as

exportações. Em 1994, essa situação se agravou, somando-se às

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dificuldades financeiras provocadas basicamente pela elevação

das taxas de juros nos EUA, levando à crise que explodiu as

contas externas do México no final daquele ano1.

O resultado foi a destruição de indústrias e de empregos

naquele país, situação que nem de longe foi compensada pela

instalação das “maquiladoras”. Todas as plantas que então

estavam no México só ocupavam em 1998 um milhão de

trabalhadores, quando só na crise mexicana deflagrada em

dezembro de 1994 se perderam mais de dois milhões de empregos.

Além disso, como as transnacionais estadunidenses traziam

as peças de suas matrizes nos EUA apenas para montar o produto

final ou fabricavam determinadas peças de menor valor agregado

no México para montar o produto final nos EUA, agregavam muito

pouco valor do lado mexicano. Estudo da época mostra que,

enquanto nos estados não-fronteiriços do México para cada 100

de valor da produção se adicionava no país um valor de 43, nos

estados da fronteira, ou seja, onde estão as “maquiladoras”, o

valor adicionado era de apenas 22,2 (INEGI, s.d.).

De 1995 em diante, houve uma melhora da conta comercial do

México com os EUA, chegando, inclusive, a obter superávits. As

importações seguiram crescendo - já haviam chegado a US$ 56

bilhões em 1996 -, mas houve um avanço das exportações.

De um lado, porque, com a crise, sua moeda sofreu uma

forte desvalorização, permitindo melhorar a competitividade

1 Não foi por mera coincidência que o México foi, de um lado, o primeiro país da América Latina a sofrer insolvência financeira em face da crise da divida em 1982 e, de outro, também o primeiro a entrar em colapso financeiro em face da aplicação do modelo neoliberal em 1994. Sua maior proximidade com os EUA ajuda a explicar esse fenômeno.

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externa de seus produtos. De outro, porque o recrudescimento da

inflação e do desemprego jogou os salários ainda mais para

baixo, atraindo novas “maquiladoras”2 com o objetivo de montar

produtos basicamente para o mercado estadunidense: sua

participação nas exportações mexicanas, que era de 16% em 1980,

atingiu 50% em 1997.

Mas, a partir de 1998, os superávits começaram a

desaparecer. Isso porque o objetivo central das transnacionais

estadunidenses, nos países do lado de baixo do Rio Grande, não

era instalar plantas industriais, ainda que o fizessem em certa

medida para explorar a força de trabalho barata,

particularmente no caso do México, dada a proximidade

geográfica do seu mercado. Seu objetivo era monopolizar o

mercado interno da região, além de se apropriar de seus

recursos naturais.

A implementação das medidas do “Consenso” na América

Latina

A drástica diminuição ou mesmo anulação das barreiras

tarifárias e não-tarifárias na América Latina, ao lado da

valorização artificial das moedas da maioria dos países da

região, operou na época como um verdadeiro subsídio à produção

estrangeira, favorecendo sua entrada nessas economias.

2 O número de empregos nessas fábricas, que não passava de 500 mil antes da crise, chegou a 1 milhão logo depois em 3.650 empresas.

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Segundo a professora de economia do Massachusetts

Institute of Technology (MIT), Alice Amsden, essa foi uma

política deliberada do governo dos Estados Unidos, conforme lhe

confessaram em uma mesa-redonda altos funcionários do comércio

internacional e do Tesouro daquele país, os quais alegaram a

necessidade de diminuir seus déficits comerciais; e citaram

explicitamente o Brasil como um dos países que deveriam adotar

essa política (CARTACAPITAL, 10.06.1998: 31).

De acordo com levantamento da CEPAL, a tarifa média de

importação na região caiu de algo em torno de 40% para menos de

15% (CEPAL, 1996). Sem exigir qualquer contrapartida, os países

latino-americanos foram aderindo um a um a essa abertura

comercial: México e Chile em 1985 (este último já fizera um

ensaio na década de 1970), a Bolívia em 1986, a Argentina e a

Venezuela em 1989, o Brasil, o Peru e a Colômbia em 1990.

A queda das tarifas de importação no Brasil foi ainda mais

forte do que a média latino-americana: a média ponderada da

tarifa legal, que estava em 60% em meados da década de 1980,

caiu para 12% em 1996. Conforme estudo da OIT (1994), a

proteção efetiva (que inclui subsídios ou incentivos a produtos

importados) caiu de 47,3% em 1985 para 16,5% em 1993, chegando

em 1997 à insignificante taxa de 7%. E isso ocorria ao mesmo

tempo em que iam sendo eliminadas as barreiras não-tarifárias,

como ocorreu com a reserva de mercado na informática.

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Por outro lado, estudo do BNDES, usando como deflator o

IPC da FIPE (órgão de pesquisa da USP), revelava em 1995 uma

valorização da nossa moeda de 30,1% em relação à média de 1989.

Trabalho da CEPAL, tomando como base 1987, mostrava uma

valorização de 55%.

Em conseqüência, o coeficiente de importação do Brasil

(importações sobre produção interna) aumentou de 4,3% em 1989

para 15,6% em 1996, excedendo os 60% em setores de tecnologia

avançada, como os de máquinas e equipamentos, material

eletrônico e de comunicação, segundo estudo do IBGE. De 1993 a

1996, o coeficiente aumentou de 8% para 25% em peças e

componentes e de 29% para 70% em informática e

telecomunicações.

Ao mesmo tempo, os EUA não apenas mantinham como,

inclusive, reforçavam suas barreiras alfandegárias. Às vezes

reduziam determinadas tarifas de importação, mas rapidamente as

substituíam por barreiras não-tarifárias. No final da década de

1990, 67 produtos brasileiros tinham seu acesso bloqueado ao

mercado estadunidense. Na mesma época, o governo dos EUA editou

40 leis e decisões executivas destinadas a aplicar sanções

econômicas contra 75 nações, que representam 42% da população

mundial.

As barreiras não-tarifárias iam desde as convencionais,

como o estabelecimento de cotas, subsídios, direitos

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compensatórios e medidas anti-dumping, até outras menos

convencionais, como a acusação de violação dos direitos

indígenas ou de agressão ao meio ambiente e aos direitos

sociais. O objetivo não era outro senão proteger sua economia

da entrada de nossos produtos.

As exportações dos EUA para a América Latina aumentaram de

US$ 35 bilhões em 1987 para US$ 92,6 bilhões em 1994. A

decorrência dessa política foi que a América Latina passou a

ser na época a única região do globo em que os EUA conseguiam

superávit comercial. Vendiam para a América Latina e Canadá,

conforme declaração do então presidente Bill Clinton na Cúpula

das Américas, realizada no Chile, em abril de 1998, 42% do

conjunto de suas exportações.

E, com isso, promoviam a rápida deterioração das contas

externas latino-americanas: o déficit em transações correntes

da região (comércio, serviços e remuneração do capital) subiu

de US$ 35 bilhões em 1996 para US$ 60 bilhões em 1997, chegando

a US$ 65 bilhões quando se excluía a Venezuela, que exporta

petróleo (ONU-CEPAL, 1998). Em 1998, já havia ultrapassado os

US$ 90 bilhões.

Isso sem contar a amortização de dívida externa. Se

tomarmos só o caso do Brasil, quando se incluía a amortização,

o déficit externo explodia: aumentou de US$ 29,11 bilhões em

1995 para US$ 38,79 bilhões em 1996 e para US$ 62,20 bilhões em

1997 (BANCO CENTRAL DO BRASIL, vários números).

A criação da Alca reforçaria ainda mais essa tendência.

Segundo estudo do IPEA, órgão do Ministério do Planejamento do

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Brasil, se as tarifas aduaneiras fossem zeradas entre os países

das Américas, as exportações dos EUA para o Brasil cresceriam

duas vezes mais do que as do Brasil para aquele país.

Mesmo antes da Alca, esse processo de abertura comercial

já havia destruído indústrias e empregos na América Latina. No

caso do Brasil, segundo o IBGE, o emprego industrial caiu 34,2%

de 1989 a 1996. O encolhimento da indústria também foi muito

forte: de acordo com estudo da OIT já citado, a participação do

produto industrial no PIB, que, em média, esteve na faixa de

40% na década de 1980, atingindo 44% em 1986, caiu para 34% em

1994. A participação do emprego industrial no emprego total,

que sempre aumentou desde a Revolução de 30, caiu de 22,8% em

1990 para 19,6% em 1995 (dados do IBGE).

Isso revela o nível a que chegou a desindustrialização do

país. Setores inteiros foram fortemente afetados, como

autopeças, calçados, roupas, brinquedos etc.

A chamada precarização das relações de trabalho, isto é, o

lançamento de milhões de trabalhadores no subemprego, foi outra

conseqüência desse processo de destruição da indústria em nossa

região. Segundo dados do Banco Interamericano de

Desenvolvimento (BID), os trabalhadores “informais”, que já

representavam a enorme cifra de 51,6% da força de trabalho da

América Latina em 1990, subiram para 57,4% em 1996.

Enquanto uma parte das indústrias da região era destruída,

outra era absorvida por grupos estrangeiros. O exemplo do

Brasil é, mais uma vez, sintomático. Segundo levantamento da

consultoria KPMG, 73% dos capitais envolvidos em fusões e

Page 16: Nilson Cap 10 Con Senso Washington

aquisições no Brasil, de 1994 a 1996, tinham procedência

estrangeira, índice que não passava de 14% em 1992.

Relatório da UNCTAD3, por sua vez, mostra que praticamente

todo o chamado investimento direto estrangeiro na América

Latina em 1999, no valor de US$ 97 bilhões, destinou-se à

aquisição de empresas nacionais, nada acrescentando à

capacidade produtiva da região.

Ao mesmo tempo, avançou bastante o processo de

privatização de empresas estatais da região, com destaque para

os setores de minérios, petróleo, aço, energia e

telecomunicações. Nunca houve tanta desnacionalização, em tão

pouco tempo, como ocorreu na década de 1990 na América Latina.

Em grande medida, os mercados da região, as fontes de matérias-

primas e os setores tecnologicamente mais avançados (como os de

bens de capital e de telecomunicações) foram absorvidos e

monopolizados pelo capital estrangeiro.

Além da desnacionalização e da desindustrialização, o

aumento do endividamento externo foi outra conseqüência desse

processo de avanço econômico externo na América Latina na

década de 1990. Segundo a Cepal, a dívida externa da região

aumentou de US$ 500 bilhões em 1992 para US$ 800 bilhões em

2000.

3 Sigla em inglês para Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento.

Page 17: Nilson Cap 10 Con Senso Washington

Isso ocorreu, em grande medida, porque as políticas de

abertura comercial provocaram déficits comerciais, que eram

cobertos, em boa parte, com a tomada de empréstimos no

exterior.

Para levar adiante a política do Consenso na região, o

governo dos Estados Unidos utilizou como instrumento de

pressão, além de sua “diplomacia da força” e do tradicional

FMI, o Banco Mundial (BIRD) e o Banco Interamericano de

Desenvolvimento (BID). Se antes essas instituições combinavam o

papel de instrumento de intervenção do governo dos EUA na

região com a promoção e financiamento de políticas regionais de

desenvolvimento, a partir da década de 1990 passaram a cumprir

exclusivamente o primeiro papel.

Foi isso que ficou claro com a divulgação de documentos

tidos como secretos desses bancos em relação ao Brasil. Os

documentos “Estratégia de Assistência ao País”, do BIRD, e

“Documento de País”, do BID, que tiveram a concordância do

governo brasileiro, estabeleciam com detalhe a política

econômica que deveria ser posta em prática no Brasil nos anos

de 1990. E isso coincidiu com um período em que, em lugar de

receber recursos dessas instituições, o Brasil realizava

transferências líquidas para elas. No caso do BIRD, a remessa

líquida do Brasil chegou a superar a cifra de US$ 1 bilhão por

ano no período de 1993 a 1996 (MINEIRO et alii, 1998)

O Mercosul como instrumento de defesa do cone sul da

América do Sul

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Na segunda metade da década de 1980, os países do cone sul

da América do Sul - Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai -,

haviam deflagrado um processo com vistas a criar um mercado

comum na região, que receberia o nome de Mercado Comum do Sul -

Mercosul. Essa iniciativa, capitaneada pelos presidentes que

estavam governando na fase de redemocratização do Brasil (José

Sarney) e da Argentina (Raúl Alfonsin), visava enfrentar a

realidade adversa provocada pelo longo período de estagnação

econômica que atravessavam esses países.

A implantação do Mercosul, no entanto, já se deu sob as

administrações de Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique

Cardoso, no Brasil, e de Carlos Menen, na Argentina.

Influenciados pelas idéias neoliberais, corporificadas no

Consenso de Washington, mudaram, na prática, os objetivos

iniciais do bloco. Em lugar da integração produtiva prevista

nos acordos iniciais, praticou-se a integração comercial.

De área de integração com vistas à defesa das nossas

economias diante de um cenário internacional adverso,

destacando-se a disputa entre os “três grandes” pela redivisão

do mercado mundial, tornou-se um mercado ampliado para as

mercadorias de fora da área, oriundas principalmente dos EUA.

Pois, ao lado da redução das tarifas intra-regionais, também

reduzia-se a chamada tarifa externa comum (TEC) e se

Page 19: Nilson Cap 10 Con Senso Washington

valorizavam as moedas locais, em verdadeiro subsídio aos

produtos estrangeiros.

Depois da criação do Mercosul, as exportações dos EUA para

a região aumentaram significativamente. O caso do Brasil é mais

uma vez exemplar, não apenas por ser o país mais importante do

bloco, mas também por possuir a economia mais forte. De 1991 a

1994, o Brasil teve um superávit comercial médio de US$ 1,7

bilhão por ano com os EUA, mas em 1995 já havia se convertido

num déficit de igual montante, que subiu em 1996 para US$ 2,5

bilhões e em 1997 para US$ 5,5 bilhões - cerca de 60% de todo o

déficit comercial brasileiro no ano. As importações brasileiras

com origem nos EUA, que estiveram em torno de US$ 5 bilhões

anuais nos três primeiros anos da década de 1990, já haviam

atingido US$ 12 bilhões em 1996 (BANCO CENTRAL DO BRASIL, 1992-

96).

Se considerarmos o conjunto da América do Sul, as

exportações estadunidenses quase dobraram de 1991 para 1995,

passando de US$ 15,9 bilhões para US$ 28 bilhões, conforme

dados do Departamento de Comércio dos EUA.

Mas as corporações estadunidenses não se contentavam com

esse crescimento de suas exportações. Queriam um espaço maior

no mercado latino-americano. A lógica dos monopólios é

monopolizar. Não aceitam compartilhar o mercado com outros

concorrentes. O Mercosul, apesar de estar servindo mais a seus

Page 20: Nilson Cap 10 Con Senso Washington

interesses, também abria algum espaço para o empresariado da

região.

Por isso, na luta do governo e das corporações

estadunidenses para criar a Alça, colocavam como objetivo

primordial a quebra do Mercosul. A secretária de Estado da

administração Clinton, Madeleine Albright, declarou: “o

Mercosul é nocivo aos interesses dos Estados Unidos”.

Reforçando essa opinião, a então representante do

Escritório Comercial dos EUA, Charlene Barshefsky, depois de

classificar o Mercosul como “uma unidadezinha de comércio ou

sisteminha de regras próprias”, acusou-o de ter “um claro

objetivo estratégico de expansão comercial e fortalecimento nos

negócios mundiais”, o que, para ela, seria totalmente

inaceitável, porque representaria uma ameaça aos interesses

comerciais e à “liderança” dos EUA no hemisfério. Daí, concluiu

que o Mercosul devia dissolver-se no Nafta, como caminho para

formar a Alca.

A implementação desse projeto, ao liberalizar o comércio

da região, poderia comprometer seriamente o processo de

industrialização em curso na América Latina, fazendo-a regredir

aos antigos modelos primário-exportadores. Mas, sem

agricultura, já que os Estados Unidos, com base nos subsídios,

protegem fortemente sua produção agrícola.

Page 21: Nilson Cap 10 Con Senso Washington

Estados Unidos, União Européia e Japão nunca foram tão

protecionistas como naquela época na área de cereais. Segundo o

FMI, o subsídio efetivo nessa área nos Estados Unidos era de

27%, na União Européia de 38% e no Japão de 72% (FMI, set.

1990).

Estimava-se que as diversas formas de subsídios nesses

países chegassem então a US$ 585 bilhões, sendo US$ 160 bilhões

só na área da agricultura. Se considerarmos o conjunto dos

países da OCDE, os subsídios à agricultura aumentaram de US$

329 bilhões em 1997 para US$ 361 bilhões em 1999 (FMI-BIRD,

2000).

Por sua vez, estudo da Fundação Getúlio Vargas indicou que

essas barreiras impediam que as vendas de produtos agrícolas e

alimentares brasileiros para o exterior aumentassem em 50%.

Ao mesmo tempo, o Brasil transformou-se na época num

grande importador de produtos agrícolas: essas importações não

passavam, em média, de US$ 2,7 bilhões por ano no período

1991/1993, mas, no primeiro ano do Plano Real (1994), subiram

para US$ 4,2 bilhões, avançando para uma média anual de US$

6,25 bilhões de 1995 a 1997 (BANCO CENTRAL DO BRASIL, jan.

1998).

Nesse quadro de deterioração econômica da América Latina,

a intensa pressão do governo dos EUA para criar a Alca terminou

produzindo efeito contrário na região. Despertou entre o

empresariado e governos da região um movimento de resistência à

formação do bloco. Exemplo disso foi a Cúpula de Santiago,

realizada em maio de 1998. Prevista para estabelecer os

Page 22: Nilson Cap 10 Con Senso Washington

critérios para a criação da Alca, não conseguiu chegar a acordo

algum.

Isso era uma indicação das dificuldades que enfrentavam os

EUA para levar adiante sua estratégia de dominação da região. E

essa resistência se manifestava de diversas formas e em

distintos fóruns:

- os EUA não conseguiram impor a criação de uma força

militar interamericana para intervir na região nem evitar

a “descertificação” da Colômbia;

- prosseguiam as denúncias de sua prática discriminatória

no comércio;

- os governos latino-americanos e caribenhos mantinham o

repúdio à lei Helms-Burton, que havia reforçado o bloqueio

econômico a Cuba;

- a Assembléia Geral da OEA aprovou no Panamá resolução em

aberto desafio à delegação dos Estados Unidos;

- prosseguiam as tensões nas reuniões de ministros de

Comércio e das Relações Exteriores das Américas, sobretudo

em oposição à Alca.

A reação européia: acelerar a integração regional

Em reação à ofensiva adotada pelo governo dos EUA desde os

anos de 1980, tendo como instrumento a forte desvalorização do

dólar, a Europa, sob a liderança da Alemanha, procurou acelerar

seu processo de unificação. Entre as medidas utilizadas nesse

Page 23: Nilson Cap 10 Con Senso Washington

processo de unificação, recorreram-se às propostas pelo

Consenso, particularmente no que diz respeito à diminuição das

barreiras alfandegárias e dos direitos trabalhistas.

Nesse processo, as corporações alemães, que eram mais

poderosas, passaram a absorver e, em alguns casos, a destruir

as estruturas produtivas do Leste Europeu, principalmente na

antiga Alemanha Oriental. Além disso, destruía-se a indústria

das regiões mais atrasadas da Europa Ocidental, como Portugal,

Espanha e Grécia. Em face disso, o desemprego na Espanha chegou

a atingir a faixa dos 20% da força de trabalho e o do conjunto

da Europa ultrapassou os 11%.

Esse processo de unificação européia enfrentou grandes

resistências, pois havia a compreensão de que beneficiaria

principalmente as economias mais fortes, sobretudo a alemã. Na

maioria dos casos, os governos deixaram de consultar a

população (através de plebiscito) sobre a unificação, com

receio de não ser aprovada, sendo a decisão tomada em nível do

executivo ou, no máximo, do parlamento.

Onde houve plebiscito, o resultado revelou uma nítida

divisão da população e houve casos, como o da Dinamarca, em

que o “não” chegou a vencer numa primeira votação. A Inglaterra

seguiu resistindo e não participou da unificação monetária em

1999, ao lado de outros três países, como a Suíça, onde o “não”

ganhou em plebiscito com 77% dos votos.

Page 24: Nilson Cap 10 Con Senso Washington

As resistências foram maiores na política de quebra dos

direitos trabalhistas, isto é, de extinção do Welfare State

(“Estado de Bem-Estar”). Trata-se, na realidade, de direitos

conquistados ao longo de séculos pelos trabalhadores europeus,

que se expandiram depois da II Guerra Mundial. A quebra desses

direitos passou a ser uma condição “sine qua non” para a

unificação européia sob hegemonia da Alemanha.

O objetivo era diminuir os custos trabalhistas a fim de

melhorar a capacidade de a Europa competir no mercado

internacional. Buscava-se competir, não com a melhoria da

tecnologia e, portanto, da produtividade, mas, mais uma vez,

com base na redução do custo do trabalho. Os trabalhadores

europeus realizaram grandes mobilizações e movimentos grevistas

com o objetivo de garantir seus direitos históricos.

Mas o processo de unificação européia e de quebra do

“Estado de Bem-Estar” seguiu avançando. A 1o. de janeiro de

1999, a união monetária, através da moeda única, o euro, deu um

passo decisivo nesse processo de unificação.

No entanto, as contradições continuaram:

- ficaram de fora da união monetária quatro dos quinze

países-membros da União Européia, entre eles a

Inglaterra

- estabeleceu-se uma disputa acirrada, em maio de 1998,

entre a Alemanha e a França, durante a escolha do

presidente do novo Banco Central europeu, que se

responsabilizaria pela emissão da nova moeda, bem como

Page 25: Nilson Cap 10 Con Senso Washington

pelo conjunto da política monetária, cambial e de

juros.

A disputa entre a França e a Alemanha expressava a

resistência dos franceses a serem enquadrados na política

expansionista da Alemanha, que implicava a quebra dos direitos

sociais em toda a Europa.

Estimava-se, na época, que o euro, depois que se tornasse

uma moeda corrente, e não apenas moeda de conta como

inicialmente, teria condição de competir com o dólar na divisão

do mercado financeiro internacional: o economista-chefe do

Deutsche Bank, Norbert Walter, estimou que o euro dominaria 35%

das transações comerciais do mundo, além de desafiar a

supremacia do dólar como moeda de reserva dos bancos centrais.

O economista Fred Bergsten, diretor do Instituto de

Economia Internacional e ex-secretário-adjunto do Tesouro dos

Estados Unidos, avaliava que “o dólar e o euro provavelmente

acabarão, cada um deles, dominando cerca de 40% das finanças

mundiais, restando cerca de 20% para o iene, o franco suíço e

outras moedas mais fracas” (BERGSTEN, 2000).

Na década de 1990, as duas economias (EUA e Europa) se

equivaliam: enquanto a União Européia era responsável por 31%

da produção mundial e 20% do comércio, os EUA respondiam,

respectivamente, por 27% e 18%. O PIB europeu, em 1996, era um

Page 26: Nilson Cap 10 Con Senso Washington

pouco superior ao dos EUA: US$ 8,4 trilhões contra US$ 7,2

trilhões (Ibid.).

Mesmo que a Europa não seja uma nação, mas um aglomerado

de nações, cujas corporações empresariais têm conflitos entre

si e cujos povos resistem ao domínio de uma potência com

pretensões hegemônicas, como a Alemanha, é evidente que o peso

desse país na disputa econômica com os EUA seria maior do que

antes da criação da União Européia, ainda que esta, em face das

resistências nacionais, não se submetesse inteiramente à

supremacia germânica.

Isso significa que a polarização entre os EUA e a União

Européia tenderia a crescer no futuro, ao lado do acirramento

dos conflitos internos na própria Europa. Havia a tendência de

que essa redivisão do poder monetário se daria em meio a

enormes conflitos, podendo desencadear uma violenta guerra

comercial, com o conseqüente recrudescimento do protecionismo.

Japão tentou constituir um bloco informal com os “tigres

asiáticos”

No caso do Japão, a situação era mais delicada. Procurou

adotar em relação aos seus parceiros comerciais da Ásia (os

chamados “tigres asiáticos”) o mesmo programa preconizado pelo

Consenso. Não precisou buscar quebrar os direitos sociais,

porque eles quase inexistem na região.

Page 27: Nilson Cap 10 Con Senso Washington

O que as corporações japonesas queriam era facilidade para

aplicar seus capitais excedentes no mercado financeiro ou nas

empresas desses países, além de abrir suas fronteiras para a

entrada de seus produtos ou usá-los como plataforma de

exportação de produtos baratos para o resto do mundo.

Necessitados de capitais para produzir para o mercado

mundial (dada sua “vantagem comparativa” de custos salariais

mais baixos), os governos dessas nações fizeram uma espécie de

troca com o Japão: abriram seus mercados em troca de novos

capitais. Contribuiu para isso a valorização de suas moedas que

resultara dos enormes superávits comerciais e, portanto, das

reservas em dólar que haviam acumulado anteriormente.

Começava a mudar a história de protecionismo dos “tigres”

e, com essa mudança, se preparava o seu colapso. As exportações

do Japão para os chamados países emergentes do Sudeste da Ásia

aumentaram de 24% de sua pauta total de exportações em 1985

para 44% em 1997.

A pressão que o governo dos EUA, por meio do FMI e do

BIRD, exerceu por uma maior abertura comercial e financeira

nesses países, a fim de procurar ocupar seus mercados, terminou

por ajudar o Japão na sua investida na região. O fato de os

“tigres” dependerem demasiado do mercado estadunidense para

escoar suas exportações os havia deixado muito vulneráveis a

essas pressões. Desde 1987, adotaram-se nesses países medidas

Page 28: Nilson Cap 10 Con Senso Washington

tais como desregulação das taxas de juros e dos mercados de

câmbio, privatização de bancos estatais (como o Banco de

Desenvolvimento da Coréia), abertura de seus mercados etc.

De superavitárias que eram antes, essas economias passaram

a ter enormes déficits em suas contas correntes com o exterior.

Por ocasião da crise de 1997, chegaram a ter déficits externos,

sem contar a amortização de dívida, que variaram de 4% a 8% do

PIB.

Registre-se que os especuladores costumam fugir em massa

de um país quando seu déficit externo se aproxima dos 5% do

PIB, pois avaliam que começa a comprometer-se a possibilidade

de resgatar suas aplicações no futuro. O déficit comercial dos

“tigres” era basicamente com o Japão: aumentou de US$ 5 bilhões

em 1985 para US$ 84,5 bilhões em 1994.

Para cobrir esses déficits, tomavam cada vez mais dinheiro

emprestado no exterior, sobretudo do Japão, que usava para isso

não apenas o superávit que obtinha com os EUA, mas o que

conseguia nesses mesmos países: nos anos de 1980, a dívida

externa total dos países asiáticos, excetuando o Japão,

triplicou. Na década de 1990, o endividamento continuou: a

dívida externa coreana, por exemplo, aumentou de US$ 50 bilhões

em 1994 para US$ 150 bilhões em 1997.

Tomavam dinheiro emprestado, mas não tinham campo de

investimento produtivo suficiente para absorvê-lo, já que, com

suas moedas supervalorizadas, além da pressão da concorrência

japonesa e chinesa, enfrentavam cada vez maiores dificuldades

para exportar seus produtos. Boa parte do dinheiro ia,

Page 29: Nilson Cap 10 Con Senso Washington

portanto, para a especulação em títulos, ações, terrenos,

imóveis, como já ocorrera com o Japão.

Além de dependerem cada vez mais dos capitais

especulativos japoneses para financiar seus déficits em conta-

corrente, os tigres exportadores da Ásia foram tomados pela

especulação interna. Nessa onda especulativa, empresas tomavam

dinheiro fácil emprestado sem a menor garantia de poderem pagar

porque não tinham mais garantia de vender seus produtos no

mercado internacional. Era uma situação evidentemente

insustentável. A pradaria estava seca e poderia pegar fogo à

primeira faísca que fosse ateada.

Esse processo de formação de “regiões”, isto é, de

tentativa de redivisão do mundo entre as grandes potências,

prejudicou seriamente as nações mais débeis. Foi o que ocorreu

na Europa do Leste e na parte mais pobre da Europa Ocidental,

na América Latina e na Ásia. A expansão das economias dos

países centrais passou a demandar a destruição do que havia se

construído na periferia ao longo de dezenas de anos.

A continuar aquele processo, as regiões mais pobres teriam

suas indústrias devastadas e voltariam a ser meros mercados das

indústrias dos países centrais, bem como fornecedores de

matérias primas e força de trabalho baratas, como na época da

antiga divisão internacional do trabalho – ou que se

transformassem em meros centros turísticos, como no caso da

Espanha, Portugal e Grécia.

Page 30: Nilson Cap 10 Con Senso Washington

Globalização: “política de avanço econômico em outros

países”

A doutrina neoliberal começou a difundir nos anos de 1990

que estaria em curso no mundo um processo de globalização.

Globalização, segundo eles, seria a abolição das fronteiras

econômicas entre as nações, o que permitiria a livre mobilidade

de capitais, mercadorias, tecnologia e força de trabalho em

nível mundial.

Mostramos anteriormente que o reforço do protecionismo

pelos “três grandes”, a partir da década de 1980, dificultou

ainda mais a mobilidade internacional de mercadorias. A

mobilidade passou a ser cada vez mais uma mobilidade de mão

única: dos países centrais para as nações mais débeis

integrantes da “região” que queriam construir sob seu domínio4.

E mesmo isso tinha seus limites. Num primeiro momento,

quando se realizou a abertura comercial dos países

subdesenvolvidos, o comércio mundial cresceu em níveis

inéditos. No entanto, ao destruir parte da capacidade produtiva

desses países, processo também destruía seu poder de compra. E,

por isso, começaram a cair os ritmos de crescimento do comércio

mundial: foi de 10% em 1994, 8% em 1995 e 5% em 1996

4 Documento do Grupo dos 24 (que reúne os 17 principais países ditos em desenvolvimento, mais os integrantes do G7), divulgado em fins de abril de 2001, em Washington, revelou que os países pobres perdiam US$ 100 bilhões de exportação por ano graças às barreiras protecionistas dos países ricos.

Page 31: Nilson Cap 10 Con Senso Washington

(RICUPERO). Dados da OMC revelam que esse ritmo havia baixado

para 3,5% em 1998.

Ao perderem o emprego na periferia, os trabalhadores

passaram a tentar migrar para os países do centro a fim de

recuperar seus empregos, mas ali encontravam enormes

dificuldades de acesso. Até o Brasil, que tem sido conhecido

mundialmente pela generosidade com que recebe há séculos

migrantes estrangeiros, começou a ver seus cidadãos tentarem

migrar, na maioria das vezes temporariamente, para outros

países em busca de emprego. O Decassegui, retorno temporário de

filhos de japoneses para servirem de mão-de-obra barata no

Japão, é apenas indicação mais antiga desse fenômeno.

Mas o exemplo mais simbólico dessa transmigração é o da

fronteira entre o México e os Estados Unidos. O governo desse

país começou a construir na década de 1990 de uma muralha de

3.140 km para separar os dois países e, assim, impedir a

migração dos mexicanos que perderam o emprego em seu país

devido à entrada indiscriminada de produção estadunidense.

O muro é patrulhado diuturnamente pela Border Patrol

(Patrulha de Fronteira), cujos métodos truculentos tem sido

largamente denunciados na imprensa dos dois lados da fronteira.

Segundo estudo da Universidade de Houston, entre 1994 e 1997,

1.185 mexicanos morreram tentando atravessar a fronteira

(MANIFESTO, dez. 1997).

Page 32: Nilson Cap 10 Con Senso Washington

A União Européia também começou a construir um muro no sul

da Espanha a fim de evitar a imigração de trabalhadores de

origem árabe. O Acordo de Schengen limita seriamente a

imigração na Europa. Em face desse acordo, chegou, inclusive, a

ser abalada a tradicional amizade entre brasileiros e

portugueses (como ocorreu no rumoroso “caso dos dentistas”),

depois que Portugal ingressou na União Européia e, por isso,

começou a limitar o ingresso de brasileiros no país.

Na área de tecnologia, também não há livre movimentação

internacional. Cada vez mais, as descobertas tecnológicas são

feitas por grandes estruturas de pesquisas, financiadas direta

ou indiretamente pelos distintos governos nacionais, mas que

são apropriadas e monopolizadas pelos grandes conglomerados

empresariais.

Em face da disputa que se abriu entre as corporações dos

“três grandes”, as empresas passaram a disponibilizar para o

Terceiro Mundo, cobrando regiamente seus royalties, as

tecnologias mais antigas, mas conservam para si as tecnologias

de ponta. Para reforçar esse monopólio tecnológico, o governo

dos EUA pressionou os países da periferia a aprovar “leis de

patentes”, que permitem o patenteamento, por empresas

estrangeiras, inclusive de descobertas feitas com materiais

genéticos desses países.

A mobilidade internacional de capitais é a única área em

que há algo com a aparência do que se chama de globalização.

Não que esteja havendo remessa de capitais dos países centrais

Page 33: Nilson Cap 10 Con Senso Washington

para investir na produção dos países subdesenvolvidos ou em

desenvolvimento, como já ocorreu no passado.

Os capitais dos países centrais intensificaram, na década

de 1990, sua movimentação pelo mundo para adquirir, a baixo

preço, patrimônios públicos e privados das nações mais débeis;

ou, sob a forma líquida, financeira, para especular e obter

ganho fácil, rápido e seguro nos distintos mercados financeiros

do mundo, num volume infinitamente maior do que a parte que

busca a aquisição de patrimônios produtivos.

Em apenas sete anos, de 1990 a 1997, essa massa de

capitais especulativos cresceu quase 13 vezes, passando de US$

5 trilhões para US$ 63,7 trilhões. Para que isso ocorresse,

realizou-se, por pressão dos EUA e da força do dólar, a

desregulamentação cambial e financeira de quase todo o planeta;

esta se completou, no fundamental, até 1992.

Esses capitais especulativos se movimentam pelo mundo

literalmente na velocidade da luz5. No começo dos anos 2000,

estimava-se que o movimento diário era da ordem de US$ 1,9

trilhão, 100 vezes o volume diário das transações

internacionais de mercadorias6. Quando os teóricos do início do

século XX escreveram que, na época, as exportações de capitais

5 As ordens de aplicação são feitas através dos modernos sistemas de telecomunicações, que usam a fibra ótica e o raio laser como meio de transmissão.6 Seu movimento diário havia subido de US$ 75 bilhões em 1979 para US$ 500 bilhões em 1990 e US$ 1,8 trilhão em 1998 (TOUSSAINT, 2001: 90).

Page 34: Nilson Cap 10 Con Senso Washington

passaram a preponderar sobre as de mercadorias jamais

imaginaram que a proporção seria essa.

A especulação que passou a vicejar na década de 1990 era

infinitamente mais irracional do que em qualquer outra época

anterior. Os derivativos, que compõem a imensa massa dos

capitais especulativos e que são títulos emitidos com base em

outros títulos ou em meros indicadores da economia, passaram a

assumir literalmente o caráter de aposta.

Os apostadores emitem, compram ou vendem títulos com base

na expectativa do comportamento futuro de determinados

indicadores econômicos. Quem acertar ganha a aposta. A melhor

designação desse mundo da especulação não poderia ser outra

senão a de cassino global, onde, até que sobreviesse o colapso,

só ganhavam os grandes apostadores, os chamados

megaespeculadores.

Com essa massa de capital especulativo circulando pelo

mundo, a economia mundial capitalista passou a se expor a um

grau de vulnerabilidade que nunca teve antes. A crise mexicana

ou a quebra do Banco Bering na Inglaterra ou as sacudidas nas

bolsas da Ásia ou na Rússia e no Brasil foram suficientes para

abalar seriamente o conjunto da economia mundial.

A razão disso é simples, e quem o demonstra é o banco dos

bancos centrais, o BIS7: segundo seus cálculos, uma alteração

de apenas 1% na composição das aplicações internacionais dos

chamados investidores institucionais do G-7 equivaleria a 27%

7 Bank for International Settlements. Em português, Banco Internacional de Compensações.

Page 35: Nilson Cap 10 Con Senso Washington

dos mercados acionários da Ásia e a 66% de todos os mercados

acionários da América Latina.

Isso significa que uma mera mexida na carteira de alguns

grandes especuladores pode derrubar as bolsas de vários países.

Quando um especulador tem prejuízo em qualquer parte do mundo,

pode retirar recursos que tem aplicado em qualquer outra parte,

deflagrando aí uma crise financeira e cambial, que, a depender

da profundidade, pode repercutir na economia real. Pode também

promover ataques especulativos contra um país ou outro com o

objetivo de pressioná-lo a desvalorizar sua moeda ou elevar

suas taxas de juros e assim aumentar seus ganhos especulativos.

Além disso, quanto mais cresce essa massa de capital fora

da esfera produtiva, mais ela tem de se apropriar de valor

gerado no processo produtivo (já que na especulação não se

produz valor algum), esmagando, de forma crescente, a base da

acumulação capitalista e, portanto, as possibilidades futuras

de desenvolvimento do sistema.

Se a estagnação da economia capitalista desde os anos de

1970, decorrente da queda das taxas de lucro e da emergência

dos conflitos econômicos no seio da “tríade”, foi a responsável

pelo recrudescimento da especulação financeira, esta, por sua

vez, ao crescer em bola de neve, esmaga mais ainda a economia

real.

Os elevados níveis de desemprego, que se tornaram crônicos

desde o início da crise estrutural e que, segundo a OIT,

Page 36: Nilson Cap 10 Con Senso Washington

chegaram a atingir a 1 bilhão de trabalhadores no mundo no

final da década de 1990 (computados o desemprego aberto e o

subemprego), resultam dessa estagnação econômica, e não de uma

suposta revolução científico-técnica. É evidente que, num

quadro de estagnação econômica crônica, qualquer tímido avanço

tecnológico é capaz de provocar demissões em massa.

Assim, sobram capitais de um lado e trabalhadores de

outro. Por aí, se pode perceber o grau de irracionalidade a que

chegou esse sistema. Qualquer sistema minimamente racional,

dispondo de recursos financeiros e força de trabalho em

abundância, os colocaria para produzir bens e serviços para

atender à população.

Mas, a economia mundial contemporânea não pode fazer isso,

pois, se produzir, não tem para quem vender, já que reduziu os

salários nos países centrais e o poder de compra das economias

mais débeis.

O único aspecto da economia mundial que aparenta uma

“globalização” – a desenfreada especulação global - nada mais é

do que expressão da profunda fragilidade e irracionalidade

desse sistema.

Diz-se que esses capitais especulativos que circulam pelo

mundo são “capitais globais”, “sem pátria”. O mesmo é dito

acerca de movimentos de fusões que têm ocorrido entre capitais

monopolistas de distintos países. É também nesse sentido que

certos autores usam o termo “transnacionalização do capital”.

Page 37: Nilson Cap 10 Con Senso Washington

A crise das bolsas e das moedas da Ásia, em 1997, revelou,

na superfície, a falta de fundamento dessas afirmações. A crise

começou porque os bancos e corporações japoneses, mergulhados

em profundas dificuldades financeiras, começaram a se desfazer

de seus títulos naqueles países, a fim de recuperar dinheiro

líquido e procurar sanar seus prejuízos, pouco se importando

com as dificuldades que esse ato poderia acarretar nas

economias de seus “parceiros”.

Por sua vez, os especuladores estadunidenses, que tiveram

perdas com a queda das bolsas e, portanto, de suas aplicações

na Ásia, tentaram compensá-las vendendo suas posições no

mercado financeiro de outros países, levando de volta parte dos

recursos neles aplicados, pouco se importando com os problemas

que isso poderia provocar em suas economias.

O processo de discussão que ocorreu nos anos de 1990, no

âmbito da OCDE8, do Acordo Multilateral sobre Investimentos

(AMI) também indicou claramente que as grandes corporações,

ainda que internacionalizadas, têm claramente um vínculo com

sua origem. O AMI teria como objetivo, não apenas abrir espaço

em todo o mundo, sem qualquer restrição, para os investimentos

estrangeiros (leia-se: dos países centrais), mas também

garantir punição para as nações que viessem a tomar qualquer

medida contra esses investimentos.

Na reunião da OCDE realizada no começo de 1998, houve

forte reação de representantes de vários governos contra o

8 Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico, que, na década de 1990, reunia os 29 países mais industrializados.

Page 38: Nilson Cap 10 Con Senso Washington

estabelecimento do AMI. O delegado francês declarou

explicitamente que “não havia mais apoio social” para um acordo

desse tipo. Na mesma época, o Parlamento Europeu condenou, por

480 votos a 8, os termos contidos no esboço de acordo.

Esses fatos indicam, claramente, que, apesar da circulação

internacional do capital especulativo ou das fusões

internacionais de alguns grandes grupos econômicos, o que segue

predominando é a base nacional dos capitais. Até porque eles

necessitam dessa base, particularmente de seus Estados

Nacionais, para garantir, inclusive com o uso da força, sua

projeção em nível mundial.

Foi o que demonstraram, respaldados em farta documentação

e fonte de dados, livros escritos por autores estadunidenses.

Os autores Paul Hirst e Grahame Thompson (1998) mostraram que:

- o mercado interno seguia absorvendo uma parcela

largamente preponderante da produção;

- a poupança interna seguia financiando a parcela mais

expressiva da formação bruta de capital fixo;

- o mercado de trabalho local é que aportava o principal

da força de trabalho explorada pelas grandes empresas.

Por isso, as empresas, inclusive as que operavam

intensamente no mercado internacional, não se desvinculavam de

Page 39: Nilson Cap 10 Con Senso Washington

seus países de origem e tinham um centro de gravidade nacional

claramente definido.

Um outro grupo de oito economistas, liderados por Paul N.

Doremus (1988), demonstrou que:

- não havia convergência entre os comportamentos das

transnacionais dos distintos países;

- as semelhanças eram apenas superficiais;

- na raiz, suas estratégias continuavam altamente

dependentes da situação nacional, que variava muito de um

país para outro.

Para esses economistas, são os Estados nacionais que

moldam o ambiente em que essas empresas atuam. Um fato que

provava isso dizia respeito à fonte dos recursos que

financiavam os investimentos em Pesquisa & Desenvolvimento. No

caso dos EUA, apenas 10% vinham do estrangeiro, Reino Unido

15%, França 12%, Alemanha 3% e Japão 0,1%, segundo dados do

National Science Board, reproduzidos no livro.

Outro economista, R. Gilpin (1987), também demonstrou que,

ainda que as transnacionais espalhassem sua produção por vários

países do mundo, a montagem do produto final (que coincide com

as tarefas mais importantes técnica e economicamente) se dava

na sua economia nacional, mesmo que exportassem uma parcela

depois.

Na mesma linha de raciocínio, seguiram os autores alemães

Hans Peter Martin e Harald Schumann (1998). Em livro repleto de

Page 40: Nilson Cap 10 Con Senso Washington

dados e informações, demonstraram que, sob o disfarce da

“globalização”, as corporações dos países centrais absorveram

patrimônios, ocuparam mercados e obtiveram volumosos ganhos em

várias regiões do mundo, sobretudo nos países da periferia.

Em síntese, as fontes de recursos para a formação de

capital, o investimento tecnológico e as tarefas produtivas

mais relevantes das transnacionais são essencialmente nacionais

e elas vendem seus produtos basicamente para o mercado interno

de seus países, ainda que também inundem o mercado mundial. Que

há de “global” nisso?

Os fatos que vêm ocorrendo na economia mundial desde a

década de 1980, mas, sobretudo, a partir da de 1990, após a

desagregação da União Soviética, indicam que, ao contrário da

globalização, o que estaria ocorrendo seria, de um lado, a

tentativa de os EUA promoverem uma “nova ordem mundial” sob sua

hegemonia, conforme foi proposto pelo presidente George Bush,

e, de outro, a forte disputa entre as três grandes potências

por redividir o mercado mundial.

Nessa disputa, cada Estado de um país central se

“transnacionaliza”, não no sentido de que perde sua base

nacional, mas no de que passa a defender em nível internacional

os interesses de seus próprios capitais nacionais. A tentativa

de formar regiões sob o domínio de cada potência se enquadra

nessa lógica. A formação de uma região nesses moldes, ao mesmo

Page 41: Nilson Cap 10 Con Senso Washington

tempo em que poderia fortalecer ainda mais o Estado do país

hegemônico, implicaria uma maior fragilização dos Estados

nacionais mais débeis da região.

Leia-se, a respeito, a declaração feita pelo ex-presidente

dos Estados Unidos, Bill Clinton, em discurso proferido em 14

de setembro de 1998: “Nada menos de 30% de nosso crescimento,

considerando apenas o período desde que me tornei presidente,

se deve a nosso envolvimento positivo e cada vez maior na

economia global [grifo nosso]”. Por “envolvimento positivo”, o

ex-presidente entende como sendo “um sistema global que nos tem

beneficiado mais do que a qualquer outra nação”.

É muito ilustrativa a declaração de um dos mais renomados

economistas estadunidenses, John K. Galbraith, ex-assessor dos

Presidentes Roosevelt e Kennedy: “Globalização não é um

conceito sério. Esse é um termo que nós, os americanos,

inventamos para dissimular nossa política de avanço econômico

em outros países e para tornar respeitáveis movimentos

especulativos de capital”.

A posição de Galbraith foi secundada por um ex-conselheiro

do GATT e antigo defensor da “globalização”, o economista

Jagdish Bhagwati. Em seu artigo “O Mito do Capital”, publicado

na revista Foreign Affairs, levanta-se contra o que ele chama

Conexão Wall Street-Tesouro: “A conexão apregoa em benefício

próprio por um mundo ideal de livre circulação de capital,

Page 42: Nilson Cap 10 Con Senso Washington

enquanto o FMI cumpre o papel de socorrer e garantir seu

status”.

Essas opiniões também foram expostas por ninguém menos que

o todo-poderoso ex-secretário de Estado dos Estados Unidos e,

na época, conselheiro de importantes transnacionais do país,

Henry Kissinger, em conferência realizada em Dublin em 1999: “O

desafio básico é que o que se chama de globalização é na

verdade outro nome para a posição dominante dos Estados

Unidos”.

Há, ainda, os que afirmam que a chamada globalização

corresponderia a uma nova onda de internacionalização da

economia. Ao contrário, conforme examinamos nos capítulos 7,

8 e 9, a economia mundial vive desde a década de 1960 um

processo de decadência da onda de internacionalização que

ocorreu depois da II Guerra Mundial, baseada na hegemonia dos

Eua e tendo as transnacionais como ponta de lança.

Durante a fase de expansão daquela onda, as

transnacionais, na busca do lucro máximo, exploravam

predatoriamente os mercados, os recursos naturais e a força

de trabalho do mundo, mas tinham como resultado a produção de

bens e serviços. No entanto, nessa fase de decadência, passou

a preponderar a especulação financeira, a fuga de massas

incomensuráveis de capitais do processo produtivo.

EUA não praticaram receituário neoliberal em sua própria

economia

Page 43: Nilson Cap 10 Con Senso Washington

As políticas neoliberais do Consenso de Washington

deixaram um rastro de destruição e crise no mundo

subdesenvolvido. Mas isso não garantiu que as economias dos

“três grandes” pudessem se levantar.

A economia japonesa continuou mergulhada em profunda

crise; a da Alemanha seguia às voltas com o processo de

anexação da parte oriental e de unificação européia e não

conseguia retomar o crescimento; a economia dos Estados Unidos

foi a única que experimentou um certo crescimento em parte

daquela década, mas, na virada de século, voltou a entrar em

recessão.

A economia dos EUA aparentou ter tido a melhor performance

na década de 1990, mas não foi muito diferente das demais

economias centrais. Depois da recessão de 1990 a 1992, os

índices oficiais indicaram uma taxa média de crescimento do PIB

em torno de 3% anuais de 1993 a 1999, conforme dados do FMI.

Nada muito diferente da média dos países do G-7 e da OCDE nos

últimos anos da década.

Mas foi o suficiente para desencadear uma campanha na

mídia mundial baseada no bordão: “É o novo milagre norte-

americano”. E o então subsecretário do Tesouro dos EUA,

Lawrence Summers, por ocasião da cúpula de Denver, que reuniu

em 1997 o “grupo dos sete”, completou: “Somos a única

superpotência econômica. Somos a economia mais dinâmica e

flexível do mundo”. Estaria se concretizando, sob a presidência

de Bill Clinton, a “nova ordem mundial” sob domínio dos EUA

sonhada por George Bush em fins dos anos de 1980.

Page 44: Nilson Cap 10 Con Senso Washington

É bem verdade que crescer a 3% ao ano foi um avanço

importante para uma economia que vinha há vinte anos crescendo

a uma taxa anual de pouco mais de 1%. Mas, convenhamos que

mudar do patamar de 1% para 3% não é nenhum milagre. A economia

brasileira cresceu a uma taxa média anual de 7% durante 50

anos, de 1930 a 1980, sendo que, em alguns momentos, ela

superou os 10%. A China vinha crescendo a uma taxa média de 8%

ao ano desde 1949, também por cinco décadas, sendo que, a

partir de 1979, o ritmo de crescimento subiu para a faixa de

10%.

O estranho seria se, depois de haverem, desde a década de

1980, absorvido os recursos do resto do mundo, como vimos no

capítulo anterior, e, na década de 1990, terem invadido, com

suas exportações, os mercados das Américas, os Estados Unidos

não houvessem conseguido melhorar um pouco sua performance

econômica.

Suas exportações haviam estagnado durante quase toda a

década de 1980 (em torno de uma cifra média de US$ 225 bilhões

por ano de 1980 a 1987), mas de 1988 em diante passaram a

crescer a um ritmo elevado, até atingirem o montante de US$ 612

bilhões em 1996, quase três vezes mais (FMI, 1995 e 1996;

CEPAL, 1997), tendo ultrapassado os US$ 800 bilhões em 1998 e

US$ 1 trilhão em 2000.

Page 45: Nilson Cap 10 Con Senso Washington

Esse forte crescimento das exportações se deveu à

combinação da violenta desvalorização do dólar deflagrada por

Reagan (baixou de 250 ienes em 1985 para 80 ienes dez anos

depois) com a pressão pela derrubada das barreiras

protecionistas de outros mercados (incluindo a sobrevalorização

de suas moedas), particularmente dos países da América Latina.

Além disso, essa aparente melhoria da economia

estadunidense se deveu à adoção, pela administração Clinton, de

uma política econômica interna que se opõe, no essencial, à que

o Consenso de Washington propugnou para os demais países do

mundo, em particular para o resto das Américas.

Em lugar da abertura de sua economia para a entrada de

produtos estrangeiros, como pregam para os outros, o que os EUA

fizeram foi criar cada vez maiores empecilhos para essa

entrada, desde a fixação de cotas e subsídios até o uso de

cláusulas ambientais, sociais, direitos humanos, direitos

indígenas etc. como instrumento de proteção externa. No final

dos anos de 1990, 67 produtos brasileiros estavam afetados por

essas limitações.

E assim foi que, enquanto de 1989 a 1996 foram destruídos

34,2% dos empregos industriais brasileiros (dados do IBGE),

estima-se que de 1992 a 1997 criaram-se 12 milhões de novos

empregos nos EUA. Graças a isso, os EUA eram então o único país

em que, num mar de desemprego que se alastrava pelo mundo,

Page 46: Nilson Cap 10 Con Senso Washington

houve uma queda da taxa oficial de desemprego: baixou de 6,9%

da força de trabalho no começo do governo Clinton para 4% no

final, enquanto na União Européia aumentava de 7,8% em 1990

para 9,1 no fim da década (tendo se situado na faixa dos 11% no

período 1993-1997) e no Japão subia de 2,1% para 4,7% (OCDE,

2001)9.

A queda do índice oficial de desemprego nos EUA mostra que

o desemprego que grassava o mundo não decorria, como alguns

economistas sugeriam, de eventuais avanços tecnológicos, pois,

mesmo experimentando um crescimento econômico baixo, os EUA

conseguiram diminuir seus níveis de desocupação.

É bem verdade que esses índices oficiais não dão a

verdadeira dimensão dos níveis de desemprego real nos EUA.

Segundo estudo de um economista dos Estados Unidos, o professor

do MIT Lester Thurow,

aos 7 milhões à procura de emprego, oficialmente declarados em

1995, deveriam ser adicionados mais 6 milhões dos que

necessitariam de trabalho, mas desistiram de procurá-lo.

Ademais, existem aproximadamente 4,5 milhões de pessoas que, a

contragosto, estão trabalhando como temporários. Somando apenas

esses três grupos, realmente está faltando trabalho regular a

14% da população economicamente ativa. O exército de

subempregados sobe a 28%, se considerados também os grupos que

não têm trabalho constante: 10,1 milhões de temporários, bem

9 Os sindicatos japoneses denunciavam, na época, que o desemprego real no Japão era mais do que o dobro do índice oficial.

Page 47: Nilson Cap 10 Con Senso Washington

como 8,3 milhões de autônomos, a maioria dos quais com formação

acadêmica, mas sem carteira assinada” (cit. in MARTIN &

SCHUMANN, 1998: 171).

Pode-se imaginar a que nível teria chegado o desemprego

nos EUA se não houvessem inundado nossos países com suas

mercadorias.

Em lugar de cortar os gastos públicos, como os

formuladores do “Consenso” propuseram, o que o governo Clinton

fez, ao iniciar seu mandato, foi baixar um pacote de

investimentos de US$ 1 trilhão, alavancado pelo setor público.

Seguindo Batista Jr., “nos EUA, o gasto público passou de 31,2%

do PIB entre l978-82 para 33,6% em 1991-95%” (BATISTA JR, 1998:

45).

Além de aumentarem os gastos públicos, parte desse aumento

foi reorientada para investimentos produtivos, o que contribuiu

para a elevação da taxa de investimento (investimento em

relação ao PIB) de 15% em 1992 para 17% em 1995.

Aliás, os demais países ricos adotaram caminho

semelhante: “No G7 (...) a média ponderada da relação despesa

pública/PIB aumentou de 36,3% para 39,4%. Nos países do G7, a

média ponderada da carga tributária cresceu de 33,5% em 1978-

82 para 35,9% em 1991-95” (BATISTA JR, 1998: 48).

Page 48: Nilson Cap 10 Con Senso Washington

Cabe registrar que parcela expressiva desse aumento de

gasto público foi canalizada para o pagamento de encargos

financeiros da divida pública. Isso fica evidente ao se

acompanhar a evolução dessa dívida nas principais economias,

conforme se pode observar pela tabela 10.1.

Tabela 10.1

Principais países: dívida pública como percentagem do PIB

(%)

Países 1980 1990 1999

Países do G-7 41,5 58,3 73,2

Países da OCDE 40,2 57,1 71,1

Estados Unidos 37,0 55,5 59,7

Alemanha 31,1 45,5 64,2

Japão 51,2 65,1 99,5

Fonte: BEINSTEIN, 2001, com base em dados da OCDE.

Houve quem se apressasse em atribuir esse crescimento

econômico dos EUA a uma suposta revolução tecnológica10 -

designada de revolução científico-técnica -, que estaria

melhorando a produtividade de sua economia e dando, portanto,

base para um crescimento duradouro e sustentado, que estaria

formando uma “nova economia”.

10 Seria a terceira revolução tecnológica. A primeira foi a revolução industrial, com base na máquina a vapor e no carvão mineral, ocorrida entre 1770 e 1840 na Inglaterra; a segunda, com base no motor a explosão, na eletricidade e no petróleo, realizou-se entre o final do século XIX e começo do XX, tendo como palco, principalmente, a economia dos EUA.

Page 49: Nilson Cap 10 Con Senso Washington

Se isso fosse verdade, não estaria diminuindo o

desemprego, pois crescer a cerca de apenas 3% ao ano como

decorrência de um substancial progresso técnico e, ainda assim,

gerar novos empregos é algo impossível de ocorrer, a não ser

que estivesse havendo uma significativa redução da jornada de

trabalho, coisa que não aconteceu. Ao contrário, como veremos

adiante, a jornada de trabalho aumentou.

Vejamos os fatos acerca da suposta ocorrência de uma

revolução científico-técnica nos EUA. Comecemos pelo estudo de

dois renomados economistas daquele país, Stephen Oliner e

William Wascher, ambos assessores do Departamento de

Governadores da Reserva Federal (Banco Central), em Washington.

Em trabalho publicado em 1995, demonstraram que os incrementos

de produtividade do setor não-agrícola, nos anos de 1990, eram

tão insignificantes quanto os verificados nas décadas de 1970 e

de 198011.

Esse estudo foi reforçado por um outro, de Doug Henwood,

editor do boletim Left Business Observer. Demonstrou o autor

que o PIB por empregado nos EUA ficava em 12o lugar entre 14

países estudados.

Que “nova economia” era essa se os setores de tecnologia

de ponta não representavam mais que ridículos 4% do PIB,

podendo chegar, no máximo, a 8% se se incluísse a internet?12

11 Já vimos que, nesse período, o PIB estadunidense cresceu, em média, a 1% ao ano; o PIB per capita, expressão da produtividade, teve, portanto, crescimento zero.12 Cf. artigo escrito por Hamish Micrae para o jornal The Independent, de janeiro de 2000.

Page 50: Nilson Cap 10 Con Senso Washington

O investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) é o

fundamento do progresso técnico. Segundo relatório que a OCDE

publicou em 1998 sobre indústria, ciência e tecnologia, os

gastos em P&D, como percentagem do PIB, declinaram entre 1985 e

1996 nos EUA, no Japão e em todos os países integrantes desse

organismo. Além disso, na década de 1990, diminuiu o número de

pesquisadores no conjunto da OCDE.

Os que defendem a existência de uma revolução científico-

técnica dizem que sua característica fundamental é o avanço dos

computadores. Vejamos o que dizem sobre o tema os autores

Oliver e Wascher:

Os computadores não são ainda tão presentes na economia

para justificar aumentos significativos na produtividade (...)

Parece que o foco de redução de custos concentrou-se mais no

emagrecimento das estruturas administrativas do que nas

mudanças de produção. Além disso, mesmo quando a reestruturação

eleva a produtividade da firma, o efeito para o conjunto da

economia é negativo quando, por exemplo, o trabalhador da

indústria é deslocado para o balcão do MacDonald’s.

De fato, avanços da produtividade em algumas empresas

existiam, mas não devido, principalmente, ao avanço

tecnológico. Os termos outsourcing (terceirização) e

Page 51: Nilson Cap 10 Con Senso Washington

reengineering (reestruturação interna) indicam bem o que estava

ocorrendo. A combinação de ambos os processos significa

“enxugar” os quadros próprios da empresa e recontratar os

serviços dos ex-funcionários, agora vinculados a “empresas

terceirizadas”, sob condições semi-escravas: salários mais

baixos e maior jornada de trabalho.

A gigante Caterpillar, por exemplo, nos EUA, vinha impondo

jornada de trabalho de até 12 horas, inclusive nos fins de

semana. O resultado da terceirização foi que, nos EUA, os

maiores empregadores já não eram a General Motors, AT&T ou IBM,

mas a Manpower, fornecedora de mão-de-obra temporária. No final

dos anos de 1990, já eram 10 milhões de trabalhadores

estadunidenses em trabalhos temporários, repetindo na maior

economia do planeta o fenômeno típico do meio rural brasileiro,

o do “bóia-fria”.

Segundo Martin e Schumann, “a mudança abrangeu

praticamente todo o universo do trabalho. A maioria dos 43

milhões de americanos que perderam seu emprego entre 1979 e

1995 logo encontrou emprego. Mas em dois terços dos casos

precisaram aceitar salários e condições piores” (MARTIN &

SCHUMANN, 1998: 168).

Expressão do aumento da jornada de trabalho era o fato de

que, ao final da década de 1990, em média, uma família

estadunidense trabalhava por ano 185 horas a mais do que no

começo da década, levando a que a jornada de trabalho comum nos

Page 52: Nilson Cap 10 Con Senso Washington

EUA subisse para 60 horas por semana, um retorno à situação

anterior às lutas do século XIX que conquistaram a jornada

diária de 8 horas.

Na verdade, o fundamento da melhora que experimentou a

economia estadunidense na década de 1990 era falso, que não

tinha como se sustentar por muito tempo: era o endividamento

público e externo dos EUA e o aumento da drenagem de recursos

do Terceiro Mundo.

O endividamento, isto é, a antecipação de renda futura

para financiar o presente, crescia de maneira incontrolável

desde a década de 1980. Havendo iniciado na época de Reagan,

levou não apenas a que os EUA se transformassem nos maiores

devedores líquidos do mundo, mas a que essa dívida passasse a

crescer a um ritmo acelerado: de uma dívida pública de US$ 1,6

trilhão em 1985, já chegara a US$ 5,2 trilhões em 1996,

equivalentes a 72% do PIB do país.

Nesse último ano, a dívida externa líquida já ultrapassava

US$ 1 trilhão e vinha crescendo de 15% a 20% ao ano. O conjunto

dos compromissos externos chegava então a US$ 4 trilhões, que

subiram para US$ 6,5 trilhões no final da década.

Recorde-se da confusão que houve em 1997 entre o executivo

e o Congresso, por ocasião da votação do orçamento, quando se

tratava de elevar o limite de endividamento. Depois de várias

paralisações da administração do país, Clinton teve que aceitar

imposição do Partido Republicano de reduzir os gastos públicos,

Page 53: Nilson Cap 10 Con Senso Washington

sobretudo os sociais, para ver autorizada a ampliação desse

limite. A prosseguir o corte de gastos públicos, poderia ser

eliminada uma das principais alavancas adotadas no período

Clinton para tentar recuperar a economia.

Mas o problema maior era a dificuldade crescente de

financiar os déficits interno e externo provocados pelos juros

decorrentes desse endividamento. Esses financiamentos tinham

origem basicamente externa, sobretudo no Japão13, mas também na

Alemanha. Esta, às voltas com as próprias dificuldades e as

dificuldades do processo de anexação da parte oriental e de

unificação européia, teria que se concentrar, cada vez mais em

sua própria economia e na Europa, os recursos de que dispunha.

Questionário

1. Quais os pontos principais do Consenso de Washington?2. Faça um resumo do ideário neoliberal e mostre sua relação com o Consenso de Washington.3. Quais os objetivos dos EUA ao propugnar a implementação do Consenso de Washington?4. Indique as conseqüências do Nafta para a economia mexicana.5. Mostre as conseqüências na América Latina da implementação das medidas propostas pelo Consenso de Washington.6. A criação do Mercosul era do interesse do governo dos EUA? Por que?7. Por que a Europa resolveu acelerar o processo de unificação na década de 1980 e quais as contradições desse processo?8. Por que o Japão tentou criar um bloco informal na Ásia e quais suas conseqüências sobre os “tigres asiáticos”?9. Defina globalização, indicando as contradições do conceito com a realidade.10. Analise o processo de expansão da especulação financeira mundial.

13 30% dos títulos do Tesouro dos EUA estavam em mãos japonesas.

Page 54: Nilson Cap 10 Con Senso Washington

11. Mostre as contradições entre o discurso e a prática dos EUA em relação ao receituário neoliberal.12. Analise o significado dos avanços tecnológicos na década de 1990.13. Mostre as contradições do processo de crescimento econômico dos EUA na década de 1990.

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