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Marta Barbosa 2013 Teste de Psicologia B "Não existe uma regra de ouro que se aplique a todos: todo homem tem de descobrir por si mesmo de que modo específico pode ser salvo." Sigmund Freud.

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"Não existe uma regra de ouro que se aplique a todos: todo homem tem de descobrir por si mesmo de que

modo específico pode ser salvo."

Sigmund Freud.

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CÉREBRO

1. Elementos estruturais e funcionais do sistema nervoso

O sistema nervoso é constituído por um conjunto de estruturas que, integradas, são responsáveis

pelos nossos comportamentos.

Grande parte dos processos inicia-se nos órgãos dos sentidos que captam informações do meio.

Estas informações são interpretadas e tratadas pelo sistema nervoso que coordena, processa e determina

as respostas aos estímulos que receberam. São sobretudo os músculos e as glândulas que efetuam as

respostas:

- mecanismos de receção ou recetores: são os órgãos que recebem os estímulos do meio externo ou

interno. São, entre outros, os órgãos dos sentidos (visão, tato...).

- mecanismos de coordenação ou de processamento: são o sistema nervoso central e o sistema nervoso

periférico. Formados por um conjunto complexo de estruturas que coordenam a informação recebida

pelos recetores e determinam as respostas concretizadas pelos efetores.

- mecanismos de reação ou efetores: são sobretudo os músculos e as glândulas, que são responsáveis por

efetuarem as respostas, isto é, concretizam a reação aos estímulos.

Neurónio – elemento estrutural básico do sistema nervoso

O sistema nervoso é constituído por células, cujas principais são:

- células gliais: facultam os nutrientes aos neurónios (oxigénio, glicose). Se lesionadas, podem

reproduzir-se. Controlam o desenvolvimento dos neurónios ao longo da vida. Influenciam de forma

decisiva a comunicação cerebral, o funcionamento das sinapses e outras funções que afetam o

funcionamento do sistema nervoso. Têm um papel fundamental no desenvolvimento do cérebro no

período fetal, bem como a maturação dos neurónios. Determinam também quais os neurónios que estão

aptos a funcionar corretamente e asseguram a manutenção do ambiente químico que rodeia os neurónios.

- neurónios: são células especializadas responsáveis por grande parte das funções do sistema nervoso;

não mantêm contactos físicos entre si; a transmissão da informação entre as células nervosas procede-se

de um modo muito específico; não se reproduzem.

- Constituição do neurónio

Nos neurónios podemos distinguir três componentes distintas:

- corpo celular: contém o núcleo, que é o armazém de energia da célula. Fabrica proteínas sob o controlo

do ADN presente no núcleo celular. Dirige e fabrica as substâncias que o neurónio usa para se sustentar.

- dendrites: graças às dendrites, o neurónio apresenta uma maior superfície de reação e emissão de

mensagens. São a parte recetora do neurónio e a sua função é recolher e orientar a informação nervosa

para o corpo celular.

- axónio: transmite as mensagens de um neurónio a outro ( ao corpo celular ou às dendrites) ou entre um

neurónio e uma célula efetora muscular ou glandular. Há axónios que estão envolvidos por uma bainha

de mielina (substância branca de matéria gorda, que permite que os impulsos nervosos viagem mais

rapidamente), outros são só constituídos por substância cinzenta. O axónio e certas dendrites de um

neurónio constituem uma fibra nervosa. Ao conjunto de fibras nervosas envolvidas por uma membrana

dá-se o nome de nervos. O tamanho dos axónios é muito variável, assim como a velocidade da

transmissão de informação.

Receção Coordenação Reação

Mecanismos de receção mecanismos de coordenação mecanismos de reação

Axónio + dendrites fibra nervosa nervos

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As três estruturas do neurónio estão interligadas. A interatividade é o princípio essencial

subjacente à forma e à autonomia celular dos neurónios.

- Tipos de neurónios

Geralmente distinguem-se três tipos de neurónios, quanto às suas funções:

- neurónios aferentes ou sensoriais: recolhem e conduzem as mensagens da periferia para os centros

nervosos (espinal medula e encéfalo).

- neurónios eferentes ou motores: transmitem as mensagens dos centros nervosos para os órgãos

efetores, isto é, órgãos responsáveis pelas respostas, que sãos os músculos e as glândulas. A sua função é,

pe, que um músculo se contraia ou que uma glândula modifique a sua atividade (resposta a um estímulo).

Sem eles não realizaríamos as respostas enviadas pelo cérebro.

- neurónios de conexão ou interneurónios: interpretam as informações e elaboram as respostas. Realizam

a maior parte das tarefas do sistema nervoso. Estabelecem a ligação entre a receção sensorial e a resposta

motora. São os neurónios que existem em maior quantidade no sistema nervoso.

- Comunicação nervosa

Para retratarmos uma cena mentalmente, milhões de neurónios, organizados em redes, trocam

informações sobre a forma de descargas elétricas e químicas que atravessam biliões de pontos de

comunicação. A cada elemento da cena corresponde uma combinação de descargas elétricas e químicas

específica.

O papel do sistema nervoso consiste em transmitir sinais, mensagens de um grupo de neurónios

para outro: os neurónios são células especializadas em receber e em transmitir sinais às células vizinhas.

A informação que circula ao longo dos neurónios designa-se por influxo nervoso.

Processo que ocorre quando há uma informação a ser transmitida:

1. Entrada: as dendrites captam o estímulo, os sinais que podem ter origem nos neurónios vizinhos

2. Os sinais são integrados

3. Gera-se o influxo nervoso / impulso nervoso

4. O impulso nervoso é transmitido ao axónio e conduzido às ramificações axónicas

5. Saída: as ramificações dos axónios aproximam-se das dendrites do neurónio vizinho, transmitindo

o sinal através da sinapse.

- Sinapse e comunicação nervosa

Não existe uma relação física entre os neurónios: é através da

sinapse que as mensagens são transmitidas:

- sinapse: é uma junção funcional em que ocorre a transmissão de

informação entre dois neurónios ou entre um neurónio e uma célula

(recetor sensorial, célula muscular...). Na sinapse estabelece-se uma

comunicação entre um prolongamento do axónio do neurónio, que se

designa por “pré-sináptico” ou neurónio emissor, com a membrana

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ou a dendrite de outro neurónio que se designa por “pós-sináptico” ou neurónio recetor. As membranas

dos dois neurónios estão separadas por uma fenda, que se designa por fenda sináptica. A sinapse põe em

comunicação três componentes fundamentais:

- botão pré-sináptico: a terminação axónica do neurónio emissor

- membrana pós-sináptica: localizada na dendrite ou corpo celular do neurónio recetor

- fenda sináptica: espaço cheio de líquido compreendido entre os neurónios.

A energia nervosa é de dois tipos: elétrica e química. Ao nível das dendrites a energia é elétrica.

Ao nível da sinapse, o impulso nervoso transforma-se em energia química por efeito das moléculas que se

designam por neurotransmissores. As mensagens nervosas ocorrem, portanto, por processos

eletroquímicos.

As vesículas sinápticas contêm substâncias químicas que, sob o efeito da atividade elétrica do

axónio, se libertam na fenda sináptica: são os neurotransmissores – atravessam a fenda sináptica e são

captados pelos recetores situados na superfície do neurónio pós sináptico.

2. O funcionamento global do cérebro

Compreender o funcionamento do cérebro passa por o integrar no sistema a que pertence e do qual

depende. Podemos distinguir dois subsistemas:

Sistema Nervoso

Sistema Nervoso Central

Espinal Medula

Cérebro

Sistema Nervoso

Periférico

Sistema Nervoso Somático

Nervos Sensoriais

Nervos motores

Sistema Nervoso

Autónomo

Divisão simpática

Divisão parasimpática

Sistema Nervoso Central

Processa e coordena as informações

Sistema Nervoso Periférico

Conduz a informação da periferia para os centros nervosos e as

respostas destes para a periferia

Sem este sistema de comunicação o cérebro ficaria isolado do meio

externo e interno

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Sistema Nervoso Central

É constituído pela espinal medula e pelo encéfalo todos os nossos comportamentos são

controlados por estas duas estruturas.

- Espinal medula

É constituída por substância branca no exterior (formada por neurónios com bainha de mielina) e

cinzenta no seu interior. Estruturalmente é um prolongamento do cérebro, desempenhando duas funções

fundamentais:

- função de coordenação: tem a responsabilidade de coordenar a atividade reflexa (ato reflexo: resposta

imediata, involuntária e automática a um estímulo).

- função de condução: transmite mensagens do cérebro para o resto do corpo e vice versa. A dor, a

temperatura e o toque recebidos pelos órgãos recetores são transportados pelos nervos sensoriais à espinal

medula, que por sua vez os conduz ao cérebro, que processará estas informações em áreas específicas. Em

direção oposta, a espinal medula conduz as respostas processadas pelo cérebro, por exemplo, aos

músculos para produzirem o movimento.

- Encéfalo

É constituído por um conjunto de estruturas especializadas que funcionam de forma integrada para

assegurar unidade ao comportamento humano.

Estruturas mais importantes que constituem o encéfalo:

Funcionamento sistémico do cérebro

O cérebro é o órgão que domina grande parte dos nossos comportamentos e que é a sede do

pensamento e da consciência (ideia relativamente recente).

O cérebro humano apresenta características estruturais muito próprias que o distinguem do cérebro

dos outros animais. Para além da distinção de estrutura, o cérebro humano organiza-se segundo

determinadas funções que lhe conferem um carácter único.

Hemisférios cerebrais

O ser humano apresenta um cérebro dividido em dois hemisférios, separados por uma fissura

longitudinal e ligados por um sistema de fibras nervosas chamado corpo caloso. O córtex cerebral é a

camada cinzenta com cerca de 4 a 3 milímetros de espessura, que cobre os hemisférios cerebrais e onde

residem as capacidades superiores dos seres humanos.

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Os dois hemisférios desempenham funções diferentes. Os hemisférios cerebrais controlam a parte

oposta do corpo, porque os feixes nervosos que conduzem as instruções até aos músculos cruzam-se no

percurso. Enquanto nos animais as duas estruturas têm funções semelhantes, nos seres humanos cada um

dos hemisférios especializou-se em funções diversas: é o que se designa por lateralização hemisférica:

- hemisfério direito: controla a formação de imagens, as relações espaciais, a perceção das cores, das

formas, das tonalidades afetivas e o pensamento concreto (associa as ideias). Dele brota a imaginação e a

arte. Não produz a informação verbal, ficando silencioso.

- hemisfério esquerdo: é responsável pelo pensamento lógico (separa as ideias) e sequencial (um passo a

seguir a outro), pela linguagem verbal e escrita, pelo discurso, pelo cálculo e pela memória. Faculta ao

Homem a ciência e a tecnologia.

O funcionamento do cérebro é muito complexo. Apesar de os dois hemisférios terem funções

especializadas, o seu funcionamento é complementar. É graças ao funcionamento integrado dos dois

hemisférios que, pe, atribuímos significado a uma expressão verbal, a uma conversa. Quase nada é

regulado só pelo hemisfério direito ou só pelo hemisfério esquerdo.

Lobos cerebrais

Cada hemisfério cerebral é composto por quatro lobos

(frontal, parietal, occipital e temporal) que são responsáveis por

funções específicas. Cada um dos lobos integra áreas corticais

com funções determinadas. Apesar da sua especialização, estas

áreas atuam de forma coordenada e complementar para

realizarem determinados processos.

- Lobos occipitais

Esta área é também designada por córtex visual, porque

processa os estímulos visuais. Há zonas especializadas em

processar a visão da cor, do movimento, de profundidade, da distância, etc. Depois de percebidas por esta

área (área visual primária), estes dados passam para a área visual secundária ou área visual de

associação. Aqui a informação recebida é comparada com os dados anteriores e que permite identificar o

que estamos a ver.

A área visual, ou córtex visual, comunica com outras áreas do cérebro que dão significado ao que

vemos tendo em conta a nossa experiência passada, as nossas expectativas. Por isso é que o mesmo objeto

não é percepcionado da mesma forma por diferentes sujeitos. Para além disso, muitas vezes o nosso

cérebro é orientado para discriminar determinados estímulos (pe, quando procuramos um amigo entre a

multidão que sai de um comboio).

Uma lesão nesta área provoca a agnosia, que consiste na impossibilidade de reconhecer objetos,

palavras e, em alguns casos, as caras das pessoas conhecidas ou de familiares.

- Lobos temporais

Os lobos temporais estão localizados na zona por cima das orelhas, tendo como principal função

processar os estímulos auditivos. Os sons produzem-se quando a área auditiva primária é estimulada. É

a área auditiva secundária que recebe os dados e que, em interação com outras zonas do cérebro, lhes

atribui um significado permitindo-nos reconhecer o que ouvimos.

É na zona onde convergem os lobos occipital, temporal e parietal que se localiza a área de

Wernicke, que desempenha um papel muito importante na produção do discurso. É esta área que nos

permite compreender o que os outros dizem e que nos faculta a possibilidade de organizarmos as palavras

em frases sintaticamente corretas.

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- Lobos parietais

Os lobos parietais são constituídos por duas subdivisões: a anterior e a posterior. A zona anterior

designa-se por córtex somatossensorial e tem por função possibilitar a receção de sensações (pe, tato,

dor, temperatura do corpo). Nesta área primária, que é responsável por receber os estímulos que têm

origem no ambiente, estão representadas todas as áreas do corpo. São as zonas mais sensiveis que ocupam

mais espaço nesta área, porque têm mais dados para interpretar (lábios, língua, garganta)

A área posterior é uma área secundária que analisa, interpreta e integra as informações recebidas

pela área anterior ou primária, permitindo-nos a localização do nosso corpo no espaço, o reconhecimento

dos objetos através do tato, etc.

- Lobos frontais

Os lobos frontais são responsáveis pelas atividades cognitivas que requerem concentração, pelos

comportamentos de antecipação, planificação de atividades, pelo pensamento abstrato, pela memória de

trabalho, pelo raciocínio complexo; intervêm também na regulação das emoções.

Os lobos frontais são constituídos por diferentes partes. O córtex motor é responsável pelos

movimentos da responsabilidade dos músculos. Tal como acontecia com a área somatossensorial, também

aqui as diferentes partes do corpo têm uma representação que é proporcional ao tipo de movimentos que

têm de processar (os lábios e a língua ocupam uma grande área, porque a linguagem falada exige um

conjunto muito grande de movimentos).

Por trás do córtex motor, fica uma zona designada por área de Broca, que é responsável pela

linguagem falada, pela produção do discurso. Existe uma relação entre esta e a área de Wernicke: antes

de se produzir qualquer discurso, a forma e as palavras adequadas são selecionadas pela área de Wernicke

e depois passadas para a área de Broca que as traduzirá em sons que serão transformados em movimentos

adequados a produzir o discurso.

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Funções do córtex e o efeito das lesões nas diferentes áreas:

O papel das áreas pré-frontais

O córtex pré-frontal (ou áreas pré-frontais) é responsável pelas principais funções intelectuais

superiores que distinguem a espécie humana de todas as outras. As áreas pré-frontais estão intimamente

relacionadas com a memória, permitindo-nos recordar o passado, planear o futuro, resolver problemas,

antecipar acontecimentos, refletir, tomar decisões, criar o próprio mundo. Estas áreas são o grande

organizador do pensamento reflexivo e da imaginação. Também permitem tomar consciência destas

funções.

Especialização e integração sistémica

Apesar de haver zonas cerebrais especializadas em determinadas funções, esta especialização não

nos pode conduzir a uma perspetiva que defende uma localização de forma compartimentada.

A evolução dos conhecimentos conduziu à identificação de funções desconhecidas, bem como à

redistribuição das que já estavam identificadas. Modificou-se a ideia de funcionamento: o cérebro

funciona como um todo, como uma rede funcional.

Constata-se que uma função perdida devido a uma lesão pode ser recuperada por uma área vizinha

da zona lesionada. É o que se designa por função vicariante ou de suplência do cérebro.

A plasticidade, a redundância das funções cerebrais, explicam o facto de outras regiões do

cérebro poderem substituir as funções afetadas pelas lesões cerebrais resultante de um coma, por

exemplo.

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O cérebro funciona de uma forma sistémica: é um conjunto complexo de elementos em que as

componentes especializadas que o constituem são interdependentes, funcionam de forma integrada. O

cérebro é um sistema unitário que trabalha como um todo de forma interativa com uma dinâmica própria.

- Auto-organização permanente

Corticalização: construção do córtex cerebral. Dá-se através da divisão das células.

Ao nascer, o bebé tem todas as áreas corticais formadas, mas o desenvolvimento cerebral continua

a fazer-se de forma acelerada nos primeiros meses de vida. Nos primeiros 6 meses de vida produzem-se

mais modificações na estrutura do córtex do que em qualquer outro período do desenvolvimento.

Tanto o meio intrauterino, como o meio exterior são fundamentais para o desenvolvimento

saudável do cérebro. Depois do nascimento, os estímulos que são assimilados conduzem a processos de

adaptação que se refletem na formação do cérebro. O efeito dos genes e dos estímulos do meio ambiente

atua de forma concertada no sentido do desenvolvimento cerebral. Este é um processo auto-organizado.

- Estabilidade e mudança nos circuitos sinápticos

A morte de neurónios e a eliminação de muitas sinapses é uma das formas de seleção das redes

neuronais. É um processo de seleção em que se anulam as conexões que não são necessárias e se retêm

as eficazes: umas são eliminadas, outras consolidam-se. As funções do organismo, os comportamentos,

assentam nestas redes neuronais, daí a sua importância.

Para além do fator aleatório na formação das redes neuronais, estas dependem de fatores

epigenéticos que decorrem da relação com o meio e que refletem a história pessoal de cada indivíduo.

Esta história pessoal, que envolve elementos afetivos, sociais e culturais, define o carácter único da

estrutura das redes neuronais, isto é, dos circuitos sinápticos.

Há um processo de moldagem que ocorre ao longo da vida, sempre que os neurónios se

modificam quanto à forma e dimensão em resposta à estimulação ambiental.

3. O cérebro e a capacidade de adaptação e autonomia do ser humano

Lentificação do desenvolvimento cerebral

No ser humano, o processo de desenvolvimento do cérebro desenrola-se de forma muito mais

lenta que noutras espécies. É precisamente esta lentidão que lhe vai trazer vantagem ao possibilitar a

influência do meio e, portanto, uma maior capacidade de aprendizagem.

É precisamente o carácter embrionário do cérebro, o seu inacabamento, que permite a adaptação

biológica do indivíduo, mesmo no estado adulto.

- Individuação cerebral

O cérebro é um órgão que apresenta múltiplas configurações, não havendo nenhum cérebro igual

a outro, nem mesmo os dos gémeos homozigóticos.

As pessoas distinguem-se pela estrutura das suas aptidões mentais, porque os seus cérebros têm

formas diversas:

- diferente expressão dos genes que conduzem a diferentes desenvolvimentos dos tecidos nervosos

- são influenciados pelas experiências dos indivíduos (intrauterinas e as que decorrem ao longo da vida).

Processo de Individuação

Distinção que ultrapassa as definições genéticas

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O principal motor da individuação é a plasticidade do cérebro, a sua capacidade para se

modificar ao longo da vida por efeito das experiências vividas pelo sujeito.

Nos seres humanos, as instruções genéticas deixam espaço à variação individual. O

desenvolvimento individual é um processo histórico, na medida em que a experiência do sujeito

influencia, modifica, várias estruturas físicas.

Plasticidade e aprendizagem

O cérebro é muito maleável, modificando-se sob o efeito da experiência, das percepções, das

ações, dos comportamentos. Isto significa que a relação que o ser humano estabelece com o meio produz

modificações no sentido de uma adaptação cada vez mais eficaz, ocorrendo, principalmente, nos

primeiros meses de vida, quando o córtex está a organizar-se e em crescimento acelerado.

A plasticidade cerebral é a capacidade do cérebro em se remodelar em função das experiências do

sujeito, em reformular as suas conexões em função das necessidades e dos fatores do meio ambiente. As

redes neuronais modificam-se em função das experiências vividas. É a plasticidade fisiológica que

permite a aprendizagem ao longo de toda a vida.

Esquema-Síntese

DESENVOLVIMENTO

CEREBRAL

Programa genético - Meio intrauterino

- Meio ambiente Experiência do

sujeito

Processo

auto-organizado

Plasticidade do

cérebro

Individuação –

variações individuais

Modificação ao

longo da vida

Resposta às

necessidades do meio

APRENDIZAGEM

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CULTURA

1. Fatores no processo de tornar-se humano

Há uma ligação entre a participação em contextos sociais e culturais particulares e modos como

nos tornamos humanos. Tornamo-nos humanos através da aprendizagem de formas partilhadas e

reconhecíveis de ser e de nos comportarmos.

A capacidade humana de continuamente transformar o meio em que vive, adaptando-se a ele e

adaptando-se a si, de aprender formas de lidar com o ambiente e de inventar novas maneiras de o fazer,

aumentou, ao longo do tempo, as hipóteses de sobrevivência dos seres humanos. A prática destas

capacidades criou necessidades de coordenação e de cooperação entre humanos, bem como o

desenvolvimento de novas capacidades para o fazer (pe, capacidade de comunicar através de linguagens

complexas, escrita, pintura, ornamentação do corpo, etc o exercício destas capacidades conduziu ainda

à criação de modos particulares de ser e de vier em conjunto).

Pode dizer-se que a História assistiu, e assiste, à construção de um mundo inter-humano: casas,

cultivo de alimentos, meios de transporte, etc. Este mundo construído, embora em permanente relação

com o mundo natural, constitui o ambiente de suporte e proteção dos seres humanos e das suas formas de

vida. Os seres humanos organizam sociedades e criam cultura.

É a cultura que confere ao indivíduo características humanas.

Noção de cultura

(Edward B. Tylor) A cultura é uma totalidade, um todo: mais do que uma soma de crenças,

artefatos, valores, regras e costumes, a cultura é uma totalidade onde se conjugam estes diversos

elementos materiais e simbólicos.

Exemplos de elementos culturais:

- Crenças: religiões, ideologias políticas, ideias acerca da natureza humana.

- Teorias (corpos de conhecimentos): ciência moderna e as suas disciplinas, diversas astrologias e

medicinas alternativas.

- Construções e objetos produzidos: casas, estradas, computadores, roupa, etc.

- Valores: comportamentos, qualidades e/ou objetos.

- Leis e normas: importantes para regular a vida em sociedade.

- Artes: modos próprios de expressão de uma sociedade.

- Costumes: modos convencionais de interagir socialmente, de se comportar relativamente a outros e de

se apresentar em sociedade. É uma categoria muito ampla, inclui desde modos de vestir e saudações a

preparação dos alimentos.

Todos estes elementos, simbólicos e materiais, encontram-se organizados de forma dinâmica no

todo cultural, isto é, mudam e influenciam-se mutuamente a cada momento.

Na totalidade cultural, os diversos elementos estão profundamente interligados. Os elementos

simbólicos, como as crenças, os valores e as normas, encontram expressão, isto é, materializam-se nas

múltiplas produções culturais. Mas, ao mesmo tempo, são estas mesmas práticas e modos de fazer, são

estes comportamentos, relações e objetos, que são simbolizados, construídos simbolicamente, nas teorias,

nos valores ou nas leis de uma determinada cultura.

A cultura é um elemento inescapável do ambiente de qualquer pessoa, pelo que, ao longo da vida,

se traduz em múltiplas e variadas consequências na forma como cada um pensa, sente e se comporta.

Nem o que somos, nem os nossos processos psicológicos resultam apenas da influência moldadora da

cultura. Para além de produtos da cultura, somos também os seus produtores. A influência entre os

processos psicológicos e a cultura é mútua, dinâmica e permanente.

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- As “crianças selvagens”

O termo “crianças selvagens” é utilizado para referir as crianças que cresceram privadas de todo o

contacto humano, ou cujo contacto com outros seres humanos foi mínimo. Abandonadas, perdidas ou

vítimas de situações de abuso, estas crianças sobreviveram em isolamento ou na companhia de animais

até terem sido encontradas ou recolhidas por outros seres humanos.

As crianças selvagens, no momento em que são encontradas, possuem uma linguagem sobretudo

mímica, em alguns casos imitativa dos sons e gestos dos animais com que conviveram. A sua linguagem

verbal é quase sempre nula ou muito reduzida. O seu comportamento social não é, em geral, orientado

para outros seres humanos. As crianças selvagens não choram, nem riem, manifestam dificuldades no

controlo emocional e têm de aprender a exprimir as suas emoções e a reconhecer emoções no rosto das

pessoas com quem interagem.

Nem sempre é fácil reconhecer a humanidade destas crianças.

Culturas

A cultura varia no tempo e no espaço, varia com as épocas e momentos históricos, assim como

varia de lugar para lugar, pelo que não há nunca uma única cultura, mas múltiplas culturas.

Todas as comunidades humanas possuem cultura. As diferentes culturas refletem as diferentes

maneiras como as diversas comunidades organizaram e integraram, em formas de viver em conjunto, os

acontecimentos da sua História, as suas necessidades de sobrevivência e as exigências do meio onde

vivem. A resposta às várias necessidades e situações não é uniforme: não há uma cultura, mas culturas.

Fatores que ajudam a perceber como emergem as diferentes culturas:

- constrangimentos geográficos e ecológicos (habitat)

- criações que vão desenvolvendo

- o que acontece ao longo do tempo

- contactos que vão estabelecendo com outras culturas

Todos estes fatores concorrem para que as diversas culturas se transformem e adquiram especificidades próprias

Diversidade Cultural

Padrões culturais

A cultura de cada comunidade ou grupo social especifica formas particulares e padronizadas de

ser e de viver.

Conjunto de comportamentos, práticas, crenças e valores comuns aos membros de uma determinada

cultura

(vestuário, forma de cumprimentar, alimentação)

Padrão Cultural

Os padrões culturais desempenham um papel muito importante no enquadramento da construção

de significados em muitos domínios da vida social. Ao influenciarem as atividades, os modos de

relação entre as pessoas e os significados que lhes estão associados, ajudam a determinar, para um dado

grupo cultural, quais são as experiências comuns e o que estas experiências podem significar.

Por vezes, os padrões passam despercebidos por estarem tão presentes na vida das pessoas e não

temos consciência da sua existência. A cultura a que pertencemos exerce uma grande influência na

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forma como pensamos e agimos e nos nossos valores, definindo o que achamos normal e anormal. Por

isso, devemos ter os padrões culturais em conta, para que, quando virmos algo/alguém que não nos é

familiar, não julguemos negativamente.

Contudo, não podemos considerar os padrões culturais realidades estáticas. Cada padrão cultural

muda permanentemente, não só pela ação criadora, produtora de cultura, de cada um dos seus membros,

como também através do contacto com outras culturas, com elementos culturais até aí estranhos.

- Conceito de aculturação

A aculturação refere-se aos processos que decorrem do contacto entre elementos culturais, ou

entre pessoas, pertencentes a diferentes culturas. A aculturação diz respeito ao conjunto dos fenómenos

resultantes do contacto contínuo entre grupos de indivíduos pertencentes a diferentes culturas, assim

como às mudanças nos padrões culturais de ambos os grupos que decorrem desse contacto.

Muitas vezes dá-se o aparecimento de criações culturais novas (hábitos, matérias primas,

alimentos, formas de fazer e de compreender o mundo), mas também o desaparecimento e a destruição

de elementos culturais. A História está cheia de exemplos de processos de aculturação.

Este processo é particularmente sentido nos nossos dias, em que se pode falar de uma sociedade

global (resultante das viagens, do turismo, das migrações, das comunicações, etc). A aculturação é um

fenómeno que leva a mudanças culturais, quer as culturas sejam maioritárias, quer sejam minoritárias.

Tanto umas, como outras têm permanentemente que reagir e adaptar-se àquilo que de novo as desafia.

Socialização

A socialização é o processo através do qual cada um de nós aprende e interioriza os padrões de

comportamento, normas, práticas e valores da comunidade em que se insere. Esta interiorização permite,

não apenas a integração individual no grupo sociocultural, mas também assegura a reprodução deste

mesmo grupo e das suas formas de organização.

Enquanto parte de um determinado grupo sociocultural, cada pessoa adquire estes modos de fazer

e de se comportar que são os tidos como próprios, que são os esperados, dentro do grupo a que pertence.

No entanto, cada pessoa não se limita a integrar as práticas, normas e valores do seu grupo. Enquanto

membro desse grupo, participa ativamente na produção, recriação e transmissão dos seus padrões de

cultura e de socialização.

É neste processo dinâmico de aquisição e de produção que se pode compreender o processo de

socialização. A socialização acontece enquanto a pessoa participa, age e se comporta em diversas

relações, práticas e instituições.

- Socialização primária e secundária

A socialização ocorre ao longo de toda a vida e divide-se em dois tipos de socialização:

- socialização primária: aprendizagens básicas da vida em comum (comportamentos

considerados adequados e reconhecidos como formas de pensar, sentir, fazer e exprimir próprias de um

determinado grupo social). Ocorre com muita intensidade durante os períodos de crescimento, com as

pessoas que nos são mais próximas (família, grupo de pares, vizinhos, jardins de infância, etc) grupos

primários.

- socialização secundária: ocorre sempre que a pessoa tem de se adaptar e integrar em situações

específicas, novas para o indivíduo (mudança de escola, primeiro emprego, passagem à reforma,

casamento, divórcio, etc). Exigem, de cada um, a criação de novas formas de ser que se adequem aos

novos contextos socioculturais e experiências de vida que neles surgem grupos secundários.

Dependendo das experiências sociais de cada um e das oportunidades de mudança que estas

proporcionam, a forma como cada um de nós se comporta, assim como o meio sociocultural em que age e

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atua, torna a integração dos diferentes acontecimentos, aprendizagens e significados culturais na história

pessoal de cada um, única e flexível.

2. A história pessoal: fatores internos e externos

O ser humano, enquanto ser com capacidade de autodeterminação, escapa à determinação

biológica e sociocultural.

História pessoal

Desde o nascimento, integrada numa comunidade, cada pessoa acumula um conjunto de

experiências vividas com os outros (pais, irmãos, familiares, amigos, etc). Essas experiências, a que se

atribui cada vez mais importância, marcam cada um de nós, tornando-nos únicos e distintos de todos os

outros. Essas experiências deixam marcas na nossa forma única de ser que nos distingue dos outros e que

fazem parte integrante da nossa história pessoal.

Cada um tem uma história pessoal, uma história de vida singular que nos individualiza.

Reconhecemo-nos como humanos, fazemos parte de uma cultura, de uma sociedade e temos uma história

de vida que marca a nossa identidade pessoal.

O mundo em que cada um se insere não é apenas seu: os seres humanos tornam-se humanos no

seio das relações sociais.

Papel dos significados

As experiências vividas (experiências do mundo, experiências dos outros, e de nós mesmos)

constituem um elemento fundamental da nossa vida psíquica, que marcam a história de cada um de forma

única, sendo que uma mesma situação é encarada de forma diferente por diferentes indivíduos.

A ligação que cada um estabelece com estas experiências faz-se através dos significados que cada

um lhes atribui. É no significado que se realiza a síntese entre a singularidade que cada pessoa e a sua

situação ou contexto, quer biológico, quer sociocultural.

Experienciamos o mundo enquanto seres biológicos e sociais. Enquanto sujeitos ativos,

encontramos significados para as nossas ações, pensamentos e emoções. Desta forma, participamos na

determinação de nós próprios e na determinação dos contextos onde videmos.

O ser humano, ao construir os significados para as suas experiências, integra a sua forma pessoal

de ver, sentir, agir sobre o mundo – daí o carácter subjetivo da forma como as situações e

acontecimentos são vividos e encarados.

Há em todos estes processos um movimento do sujeito para o exterior – o sujeito atribui

significados pessoais às experiências que vive – e um movimento em sentido oposto dado que as

experiências vividas são interiorizadas e integradas na individualidade de cada um.

A história pessoal desenrola-se, portanto, na relação entre fatores internos, entre o que é

objetivamente percebido e o que é subjetivamente construído. A história pessoal escreve-se num diálogo,

único para cada um, entre o que se é, o que acontece e o que se experiência. É neste diálogo que a

experiência adquire significados pessoais.

Auto-organização e criação sociocultural

No nosso encontro com o mundo construímos significados pessoais. Mas o mundo que

encontramos não é um mundo vazio. Existem nele todo o tipo de significados culturais (histórias

preexistentes, instituições, regras, etc).

O ser humano é uma criação sociocultural, pois, no encontro com tudo o que se constitui como a

nossa experiência, ordenamos e organizamos a nossa história, pensamos, sentimos e atuamos nela, através

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da ação dos nossos esquemas organizadores. É esta ação que integra e organiza as experiências e as torna

compreensíveis.

Os seres humanos agem de forma a criar ordem e sentido a partir do conjunto das suas

experiências: são seres auto-organizados. Através da ação dos processos de auto-organização sobre o seu

fluxo de experiências, os seres humanos constroem-se agindo no mundo, organizando-se no seu

envolvimento com o mundo. A capacidade que temos de integrar as experiências na nossa história

pessoal, de as organizar e de lhes atribuir um significado, permite-nos construir permanentemente a

continuidade e a coerência de um sentido de nós próprios no mundo.

Cada um de nós age no seu ambiente de forma a manter a continuidade do seu sentido de si e a

compreensibilidade da nossa experiência faz com que seja possível, dia após dia, reconhecer que

continuamos a ser a mesma pessoa e que o nosso mundo é ainda o nosso mundo.

Através dos processos de auto-organização, as diversas experiências são integradas na história

pessoal adquirindo significado. Enquanto ser auto-organizado, o ser humano adquire um sentido de

coerência e continuidade a partir da diversidade de experiências e significados. Os significados e as

histórias pessoais criadas, as formas de nos compreendermos a nós, aos outros e ao mundo em que

vivemos, mantêm-se, mudando continuamente num mundo que muda conosco e no qual participamos.

Enquanto seres capazes de agir sobre os seus contextos e as suas experiências de vida, enquanto

seres dotados de autonomia e capazes de auto-organização, os seres humanos não só criam, em parte, a

sua própria história pessoal como também transformam o seu ambiente físico e sociocultural. Atuam

sobre o seu corpo e sobre a sua situação. Ao fazê-lo, alteram os acontecimentos possíveis, as suas

experiências prováveis e os seus significados, participando na definição do seu percurso pessoal e daquilo

que o envolve.

- Adaptação e autonomia

Os seres humanos são seres capazes de autonomia, isto é, seres capazes de participar dos

processos de transformação e determinação de si e dos seus ambientes socioculturais. Apesar de capazes

de autonomia, esta não existe no vazio. Faz parte de uma teia de outras opções, outras histórias, outras

situações, outros significados que circunscrevem determinadas possibilidades e favorecem outras.

A adaptação é frequentemente entendida como uma resposta do indivíduo ao seu contexto. Face

ao seu contexto, os indivíduos desenvolvem formas de responder às pressões e aos desafios que se

colocam à sua sobrevivência. Contudo, não podemos encarar este processo de uma forma mecânica

considerando os seres vivos como organismos meramente reativos que apenas respondem às condições

ambientais, às pressões de um contexto que existe antes deles e perante eles.

As características que emergem e se desenvolvem dependem sempre da forma como organismo e

ambiente interagem. Nessa integração atuam os processos de auto-organização e de autonomia de que os

seres humanos são capazes.

A adaptação processa-se na interação entre o indivíduo e o seu meio, resultando uma evolução.

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Esquema-Síntese

Independência de várias dimensões

Património cultural de significado

Atribuição de significados sociais

Atribuição de significados pessoais

ADAPTAÇÃO

3. Riqueza da diversidade humana

Todos partilhamos das características comuns que nos tornam distintos de qualquer outra espécie.

Mas, ao mesmo tempo, todos somos diferentes.

Diversidade biológica

Os seres humanos partilham características humanas que nos tornam distintos de qualquer outra

espécie, mas, ao mesmo tempo, somos todos diferentes (diversidade física, cultural, psicológica). Os seres

humanos manifestam uma diversidade biológica: a sua pele apresenta diferentes colorações. Os traços

fisionómicos variam também: o desenho dos olhos, a configuração do rosto, o desenho do nariz, a

espessura dos lábios, a cor dominante dos olhos, etc.

A descodificação do genoma humano mostrou que a constituição genética dos seres humanos é

muito semelhante: cerca de 6 mil milhões de seres humanos que partilham entre si 99,9% de código

genético, o que remete 0,1 % para as diferenças individuais (é possível encontrar maiores diferenças

genéticas entre duas pessoas que vivem no mesmo país do que entre um africano e um europeu do Norte).

Nos seres humanos, o programa genético não define de forma determinista o indivíduo. É, antes, um

conjunto de instruções que favorecem a variação individual.

SER HUMANO

SER AUTO-ORGANIZADO

Dimensão

específica

Dimensão

sociocultural Dimensão

individual

Componente

social Experiências

vividas

História

pessoal

Componente

genética

Reorganização

permanente das

experiências

vividas

Auto-organização constante de todos os elementos numa síntese pessoal que constitui a

individualidade de cada um.

Processo

aberto

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Enquanto pertencentes à espécie humana, todos temos um cérebro, que apresenta as características

e funcionalidades comuns. Contudo, esta estrutura do sistema nervoso central não é igual em todos os

indivíduos.

Se a hereditariedade específica assegura um conjunto de características comuns que nos tornam

humanos, a hereditariedade individual assegura-nos que somos únicos. Mesmo os gémeos homozigóticos

apresentam diferenças. O desenvolvimento, desde o embrião, envolve uma progressiva alteração. Nos

seres humanos, o programa genético não define de forma determinista o indivíduo. É, antes, um conjunto

de instruções que favorecem a variação individual. O processo de desenvolvimento que ocorre em

contexto social vai aprofundar as diferenças que a hereditariedade já se encarregava de assegurar.

Diversidade cultural

Aquilo que trazemos escrito no nosso código genético não é suficiente para crescermos como

humanos.

Sem a cultura, sem as possibilidades de desenvolvimento que nos proporciona crescermos num

contexto cultural particular, seríamos seres incompletos, inacabados. Nascemos, crescemos e vivemos em

contextos socioculturais muito variados. É nestes que se desenvolve, em interações uns com os outros e

com os diferentes ambientes e situações de aprender, a capacidade de criar e de transformar subjacente ao

processo de adaptação.

Somos, mesmo biologicamente, seres sociais e culturais. O processo de integração numa

sociedade e cultura particular (processo de socialização), indispensável para todos nós, faz com que a

diversidade cultural, dos contextos socioculturais onde nos inscrevemos, se traduza em formas distintas

de estar, de ser e de nos comportarmos.

Todos somos seres diferentes e semelhantes. Não só diferem os nossos corpos como o que neles se

inscreve à medida que crescemos num determinados lugar, numa determinada comunidade com as suas

culturas específicas. Mas também nos assemelhamos: todos os povos, todas as comunidades, têm cultura.

A cultura tem um impacto muito poderoso naquilo que somos.

Diversidade individual

A cultura, aliás como acontece relativamente às nossas características físicas e cerebrais, tem um

papel importante, mas não determina aquilo que somos. Somos produtos da nossa cultura, mas também

somos produtores de cultura. Agimos sobre o nosso corpo e com ele nos diversos contextos em que

existimos. E é aí que se compõe a nossa singularidade, é aí que se reflete a diversidade de cada um.

Neste lugar de encontro entre cultura e biologia, o ser humano, autónomo e capaz de auto-

organização, inscreve-se enquanto singular. Embora os códigos genéticos sejam parte constitutiva de si,

cada um ordena a sua experiência e organiza os significados daquilo que lhe acontece, tornando-se um ser

diferente e particular. Construir a sua história pessoal implica encontrar significado para o que se vai

sucedendo, para a maneira como acontece, para as suas ações e as dos outros, para aquilo que pensa e

sente relativamente a tudo isto. Ao fazê-lo, cada pessoa torna parte de si, utiliza e recria não só o seu

corpo e o seu cérebro, mas também o seu património cultural e as suas aprendizagens e vivências sociais.

É necessário estarmos abertos a ver e a escutar as múltiplas diferenças dos outros. É necessário o

esforço de conhecer e compreender não só a nossa, mas também as suas perspetivas. E é necessário que

sejamos capazes de apreciar a diversidade e de criticamente refletir e agir de forma que aos outros não

seja retirado o espaço de serem e de resistirem que define as suas possibilidades de autonomia e

liberdade.

- Vantagens da diversidade humana

Há muitos exemplos de desrespeito pela diversidade, mas a psicologia participou na construção

social das categorias da diferença, como o género, a idade, a etnia, a classe social, a orientação social, etc,

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muitas vezes racionalizando e legitimando as conceções dominantes e dominadoras de determinados

grupos com mais poder e visibilidade.

Mulheres, crianças, imigrantes, homossexuais, minorias étnicas, pessoas com doença mental,

pobres, pessoas com deficiência, reclusos, são alguns dos exemplos de grupos que foram sendo alvo, ao

longo da História da psicologia, deste tipo de desrespeito pela diferença.

A pouco e pouco, a preocupação com o valor da diferença no estudo e na prática da psicologia tem

vindo a ganhar terreno.

A especificidade de cada grupo ou pessoa deve ser valorizada.

Para desenvolvermos as nossas capacidades e potencialidades enquanto seres humanos autónomos

e livres, necessitamos de crescer e de viver em meios que nos permitam exercer e praticar as capacidades

de autonomia e liberdade; precisamos de nos sentir apoiados e desafiados, compreendidos e respeitados,

estimulados nas nossas capacidades de aprender e de transformar, quer a nós mesmos, quer às relações e

aos contextos onde vivemos.

É, por isso, importante que todos nos tornemos mais atentos às diferenças, mais dispostos a

escutá-las e a percebê-las: para que se promova um mundo mais justo, mais integrador e mais rico; para

que seja possível uma compreensão mais abrangente de nós e dos outros, dos problemas e soluções que os

seres humanos encontram; para que sejamos capazes de apreciar de forma mais lúcida e mais crítica as

possibilidades, desafios e responsabilidades que nos apresentam. Para que nos possamos desenvolver de

forma mais completa, mais humana e mais digna.