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Harold Pinter por Peter Stein Peter Stein esperou cinquenta anos para encenar a peça de Pinter que traz a Lisboa. Conse- guiu finalmente quando o elenco de I Demoni, o espectáculo que apresentou anteriormente, lhe sugeriu montar um texto do dramaturgo inglês. “Muito bem. Então fazemos o melhor: O regresso a casa”. O espectáculo estará amanhã e Domingo no Teatro Nacional D. Maria II. Nº 7 – 10 de JULHO de 2015 T ive a oportunidade de acompanhar, desde os primeiros momentos, o TMJB. Neste 10.º aniversário devemos lembrar, com sauda- de, o saber e a persistência do Joaquim Benite, que sabia que todos teriam a ganhar com este projeto: as pessoas, a cidade e a cultura. Também, a perseve- rança da então Presidente da Câmara, Maria Emília de Sousa e, finalmente, a visão do então Ministro da Cultura, Manuel Maria Carrilho. Ao fim de dez anos, cumpriu-se um projeto cultural que é único no país, pela qualidade da produção cultural, pela relação de proxi- midade e diálogo com os públi- cos, pelas linguagens estéticas que se têm vindo a desenvolver, pelas equipas artísticas, pelos criadores e pelos técnicos que têm sido a alma deste Teatro. Desenvolveu-se um projeto cultural que tem ajudado a consolidar a nossa comunidade, pelo acesso à (in)formação, pelo espaço de pensamento crítico, aprendizagem coletiva, afir- mação da cultura como meio indispensável ao progresso. Cumpriu-se, sem dúvida, a importância que o TMJB tem hoje na rede de equipamentos culturais do país, por não ceder à superficialidade de uma linha programática de mero entrete- nimento e pelo modo como tem conseguido, mesmo com meios escassos, afirmar-se como um centro artístico e cultural de referência. É muita coisa para tão pouco tempo. Parabéns a toda a equipa da CTA. No ano em que o TMJB comemora dez anos, publicamos 15 textos de artistas, dirigentes e amigos ligados ao percurso deste teatro. 10 anos TMJB Por Domingos Rasteiro* * Foi até 11/05/2015, Director Muni- cipal de Desenvolvimento Social da CMA. Foi nessa qualidade que acom- panhou a construção do TMJB. D epois de três dias de conversa com Peter Stein na Casa da Cerca, em Almada, é chegado o momento em que a palavra se transforma em ac- ção. Amanhã e Domingo, na Sala Garrett do Teatro Nacional D. Maria II, vai ser possível as- sistir à sua encenação daquele que considera ser “o melhor tex- to de Pinter”. O desejo de o fazer remonta à década de 60, altura em que assistiu à primeira apre- sentação londrina do texto, com encenação de Peter Hall. Uma das justificações que dá para nunca antes ter levado o texto à cena é de natureza prática: Quando dirigia a Schaubühne tinha um elenco de 18 ou 20 ac- tores, portanto não podia escolher uma peça com apenas seis papéis”. Em vez de se deter em conside- rações artísticas, Stein prefere uma abordagem que privilegie a compreensão do texto, defen- dendo um modelo de teatro que tem origem na tragédia grega – um teatro falado, que procura manter vivos os grandes textos do passado e que não se preo- cupa com conceitos como “ino- vação” ou “contemporaneidade”. Numa entrevista recente a Ana Sousa Dias, o encenador ale- mão chega mesmo a comparar algumas das abordagens actu- ais no teatro – que partem de textos de Shakespeare, Corneil- le ou Tchecov e lhes adicionam outros textos, coisas bizarras, notícias de jornais” – ao gesto de pôr barba na Gioconda”. O pro- blema, a seu ver, parece consis- tir no facto de muitos encena- dores não assumirem o papel de intérpretes dos textos, mas sim de verdadeiros autores. Stein, por sua vez, assume que “os escritores são os verdadeiros au- tores”, e que, se pode ser consi- derado um criador, talvez o seja apenas “em segunda mão”. Em Portugal, é apenas a se- gunda vez que O regresso a casa sobe aos palcos, pouco mais de um ano depois da encenação de Jorge Silva Melo ter sido apresentada igualmente na A prestação dos actores tem sido bastante elogiada pela crítica. Sala Garrett. O texto de Harold Pinter permite-nos observar o interior de uma família na qual não existe, a início, nenhum ele- mento feminino. São homens que parecem partilhar a solidão num quotidiano sem desígnio. Subitamente o filho que aban- donara o lar para se dedicar a uma carreira académica nos Es- tados Unidos, Teddy, regressa a casa acompanhado pela sua mu- lher, Ruth. E é a entrada dessa mulher que, qual súbita rajada que escancara a porta e faz voar pelos ares tudo o que não está devidamente seguro, vem per- turbar aquilo que parecia desti- nado a continuar para sempre. Ao centro da cena, na ampla sala da “velha casa no Norte de Londres” que serve de cenário a toda a acção, encontra-se o cadeirão do patriarca – é este o centro de gravidade desta famí- lia. No final, este cadeirão con- tinua exactamente no mesmo sítio. Porém, por essa altura, quem nele se senta é a mulher que ainda agora chegou. © Pino Le Pera

Nº 7 – 10 de Julho de 2015 No ano em que o TMJB comemora ... · Harold Pinter por Peter Stein Peter Stein esperou cinquenta anos para encenar a peça de Pinter que traz a Lisboa

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Page 1: Nº 7 – 10 de Julho de 2015 No ano em que o TMJB comemora ... · Harold Pinter por Peter Stein Peter Stein esperou cinquenta anos para encenar a peça de Pinter que traz a Lisboa

Harold Pinter por Peter SteinPeter Stein esperou cinquenta anos para encenar a peça de Pinter que traz a Lisboa. Conse-guiu finalmente quando o elenco de i Demoni, o espectáculo que apresentou anteriormente, lhe sugeriu montar um texto do dramaturgo inglês. “Muito bem. Então fazemos o melhor: O regresso a casa”. O espectáculo estará amanhã e Domingo no Teatro Nacional D. Maria II.

Nº 7 – 10 de Julho de 2015

T ive a oportunidade de acompanhar, desde os primeiros momentos, o

TMJB. Neste 10.º aniversário devemos lembrar, com sauda-de, o saber e a persistência do Joaquim Benite, que sabia que todos teriam a ganhar com este projeto: as pessoas, a cidade e a cultura. Também, a perseve-rança da então Presidente da Câmara, Maria Emília de Sousa e, finalmente, a visão do então Ministro da Cultura, Manuel Maria Carrilho. Ao fim de dez anos, cumpriu-se um projeto cultural que é único no país, pela qualidade da produção cultural, pela relação de proxi-midade e diálogo com os públi-cos, pelas linguagens estéticas que se têm vindo a desenvolver, pelas equipas artísticas, pelos criadores e pelos técnicos que têm sido a alma deste Teatro. Desenvolveu-se um projeto cultural que tem ajudado a consolidar a nossa comunidade, pelo acesso à (in)formação, pelo espaço de pensamento crítico, aprendizagem coletiva, afir-mação da cultura como meio indispensável ao progresso. Cumpriu-se, sem dúvida, a importância que o TMJB tem hoje na rede de equipamentos culturais do país, por não ceder à superficialidade de uma linha programática de mero entrete-nimento e pelo modo como tem conseguido, mesmo com meios escassos, afirmar-se como um centro artístico e cultural de referência. É muita coisa para tão pouco tempo. Parabéns a toda a equipa da CTA.

No ano em que o TMJB comemora dez anos, publicamos 15 textos de artistas, dirigentes e amigos ligados ao percurso deste teatro.

10 anos TMJBPor Domingos Rasteiro*

* Foi até 11/05/2015, Director Muni-cipal de Desenvolvimento Social da CMA. Foi nessa qualidade que acom-panhou a construção do TMJB.

Depois de três dias de conversa com Peter Stein na Casa da Cerca, em Almada,

é chegado o momento em que a palavra se transforma em ac-ção. Amanhã e Domingo, na Sala Garrett do Teatro Nacional D. Maria II, vai ser possível as-sistir à sua encenação daquele que considera ser “o melhor tex-to de Pinter”. O desejo de o fazer remonta à década de 60, altura

em que assistiu à primeira apre-sentação londrina do texto, com encenação de Peter Hall. Uma das justificações que dá para nunca antes ter levado o texto à cena é de natureza prática: “Quando dirigia a Schaubühne tinha um elenco de 18 ou 20 ac-tores, portanto não podia escolher uma peça com apenas seis papéis”. Em vez de se deter em conside-rações artísticas, Stein prefere uma abordagem que privilegie a compreensão do texto, defen-dendo um modelo de teatro que tem origem na tragédia grega – um teatro falado, que procura

manter vivos os grandes textos do passado e que não se preo-cupa com conceitos como “ino-vação” ou “contemporaneidade”. Numa entrevista recente a Ana Sousa Dias, o encenador ale-mão chega mesmo a comparar algumas das abordagens actu-ais no teatro – que partem de textos de Shakespeare, Corneil-le ou Tchecov e lhes adicionam “outros textos, coisas bizarras, notícias de jornais” – ao gesto de

“pôr barba na Gioconda”. O pro-blema, a seu ver, parece consis-tir no facto de muitos encena-dores não assumirem o papel de intérpretes dos textos, mas sim de verdadeiros autores. Stein, por sua vez, assume que “os escritores são os verdadeiros au-tores”, e que, se pode ser consi-derado um criador, talvez o seja apenas “em segunda mão”. Em Portugal, é apenas a se-gunda vez que O regresso a casa sobe aos palcos, pouco mais de um ano depois da encenação de Jorge Silva Melo ter sido apresentada igualmente na

A prestação dos actores tem sido bastante elogiada pela crítica.

Sala Garrett. O texto de Harold Pinter permite-nos observar o interior de uma família na qual não existe, a início, nenhum ele-mento feminino. São homens que parecem partilhar a solidão num quotidiano sem desígnio. Subitamente o filho que aban-donara o lar para se dedicar a uma carreira académica nos Es-tados Unidos, Teddy, regressa a casa acompanhado pela sua mu-lher, Ruth. E é a entrada dessa

mulher que, qual súbita rajada que escancara a porta e faz voar pelos ares tudo o que não está devidamente seguro, vem per-turbar aquilo que parecia desti-nado a continuar para sempre. Ao centro da cena, na ampla sala da “velha casa no Norte de Londres” que serve de cenário a toda a acção, encontra-se o cadeirão do patriarca – é este o centro de gravidade desta famí-lia. No final, este cadeirão con-tinua exactamente no mesmo sítio. Porém, por essa altura, quem nele se senta é a mulher que ainda agora chegou.

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Page 2: Nº 7 – 10 de Julho de 2015 No ano em que o TMJB comemora ... · Harold Pinter por Peter Stein Peter Stein esperou cinquenta anos para encenar a peça de Pinter que traz a Lisboa

RestauRante da esplanada

- Massa c/ legumes e camarão- Coq au vin

Hoje

amanhã

- Salada de atum c/ grão- Almôndegas c/ puré

No ano passado foi o novíssimo teatro ar-gentino que esteve em análise. O Encon-

tro da Cerca desse ano mostrou que a realidade de Buenos Aires era bem distinta da europeia, não só porque nessa cidade chegavam a registar-se cerca de 1000 estreias por ano, mas também porque, muitas vezes, as estruturas de criação funcio-navam sem apoios, em salas im-provisadas, estabelecendo-se e desfazendo-se com a mesma ra-pidez. Por causa destes factores, um espectáculo podia facilmen-te estar em cena durante quatro anos consecutivos.Este ano, dedicar-se-á uma ma-nhã inteira à realidade teatral do país vizinho. Convidar-se-ão os jovens criadores presentes

– que conta com a participação dos dramaturgos Iván Mora-les, José Manuel Mora e José Ramón Fernandez, e dos ence-nadores Carlota Ferrer, David Ojeda e Diego Palacio Enríquez – será moderada pelo crítico José Gabriel Lopez Antuñano, que, numa recente entrevista concedida à Folha Informativa, destacava sobretudo a amplitu-de temática do novíssimo teatro espanhol: a sua proximidade com um teatro da memória, a sua atracção por questões de cariz pessoal e/ou existencial, a sua abertura a mundos de fan-tasia. Mas, no fim de contas, como se harmoniza o gosto de um público maioritariamen-te conservador com esta ânsia criativa de “sentir tudo de todas as maneiras”?

Encontro da Cerca com sotaque espanhol

neste Festival a pronunciarem- -se sobre os processos de criação e de produção que privilegiam e sobre o modo como, conscien-te ou inconscientemente, se inscrevem na tradição que os precede – e onde avultam os no-mes de José Sanchis Sinisterra, Fermín Cabal, Ignacio Amestoy ou Alonso de Santos. Apostará esta nova geração numa lógica de continuidade ou de ruptura? Que dificuldades têm condicio-nado o seu trabalho e o finan-ciamento dos seus projectos? Terão as adversidades sido res-ponsáveis pelo desenvolvimen-to do espírito prático patente, por exemplo, no recurso a cam-panhas de crowdfunding? Qual o papel das instituições públicas na promoção dos novos talen-tos dramatúrgicos? A iniciativa

Três dias, três textos

Ficou claro, neste mini- -curso de três dias, que Peter Stein tem no teatro da Antiguidade

Clássica uma das suas principais referências. Ontem, ao pronun-ciar-se sobre as características do espaço cénico, o encenador alemão voltou uma vez mais a recuar até à antiga Grécia para falar dos elementos que compu-nham o palco, do sistema de en-tradas e saídas dos intérpretes, das mudanças que ocorreram em virtude da perda de impor-tância do coro (sensível a partir de Eurípides e plena com os Ro-manos, aqueles a quem chama “os americanos da Antiguidade”). Por um lado, o espaço mereceu comentário como edifício, lugar de representação a que são ine-rentes um palco e uma plateia,

e, por outro lado, como cenário construído de propósito para uma determinada peça. Stein le-vou os participantes numa visi-ta ao teatro à italiana, aos pátios de comédias dos séculos XVII e XVIII, ao Globe Theatre – e, no final, atribuiu ao progressivo aburguesamento do teatro, à sua lógica repetitiva e apres-sada, a banalização dos mode-los de organização do espaço. Afirma que tentou contrariá-la durante toda a sua carreira. “Acho que consegui”, acrescenta,

sublinhando que passou já por 22 teatros. Como encenador, insiste na ideia de que o actor deve ter consciência do corpo e do espaço e que, em cena, só deve estar aquilo que será útil à representação. Mas também reconhece que a invenção do en-cenador é “um sinal de decadên-cia na História do Teatro”, com origem no momento em que “os actores deixam de ser capazes de compreender uma peça sozinhos e precisam de uma espécie de polícia para controlar o trânsito”.

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No final Peter Stein ficou à conversa com os participantes nos jardins da Casa da Cerca.

Amanhã, pelas 10h30, decorrerá na Casa da Cerca, em Almada, o primeiro Encontro da Cerca deste Festival, dedicado ao ciclo O novíssimo teatro espanhol. Os criadores presentes falarão sobre a realidade teatral do seu país, numa conversa moderada pelo crítico espanhol José Gabriel Lopez Antuñano.

TeaTro meTasTasio sTabile...

aGenda de amanHã

TeaTro do vesTido

música na esplanada

arTisTas unidos

TeaTro do bairro

mala voadora

10h30 O novíssimo teatro espanholCasa da Cerca

12h00 Um museu vivo...Teatro-Estúdio António Assunção

16h00 Os acontecimentosTeatro da Politécnica

20h00 Residual GurusRua Cândido dos Reis

20h00 La Bottega di FigaroEscola D. António da Costa

21h00 O regresso a casaTeatro Nacional D. Maria II

21h30 Your Best GuessCulturgest

21h30 Quatro santos em três actosTeatro do Bairro

especTáculos de rua

colóquio

22h00 Norberto LoboEscola D. António da Costa

música na esplanada

drafT.inn

18h00 Os nadadores nocturnosCentro Cultural de Belém

Se és honesta e bonita, a tua honestidade não deve admitir nenhuma relação com a tua beleza. Hamlet, II, 1.