No Centro Da Arena - a história do Teatro de Arena de São Paulo

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Fundado em 1953, o Teatro de Arena logo se tornaria um dos mais importantes grupos de sua geração e marcaria definitivamente a história da dramaturgia brasileira. De proposta esquerdista e popular, o teatro buscou a criação de autores nacionais e o uso de uma linguagem própria para a arte cênica do país, que refletisse criticamente aspectos sociais e políticos. Com a Ditadura Militar, a partir de 1964, o Arena se tornará palco de resistência, se posicionando contra a censura e a repressão.//Founded in 1953, the Teatro de Arena (Arena’s Theatre, which uses the theatre-in-the-round format) soon became one of the most important groups of its generation and permanently marked the history of Brazilian drama. With popular and leftist proposal, the theatre sought the creation of national authors and use their own language for the country's scenic art, critically reflecting social and political aspects. With the military dictatorship, from 1964, the Arena will become the stage of resistance, standing against censorship and repression.

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Universidade de So Paulo Escola de Comunicaes e Artes Departamento de Jornalismo e Editorao Trabalho de Concluso de Curso

NO CENTRO DA ARENAA histria do Teatro de Arena de So Paulo

Guilherme Dearo

Guilherme Dearo

No Centro da ArenaA histria do Teatro de Arena de So Paulo

Livro-reportagem apresentado como Trabalho de Concluso de Curso Escola de Comunicaes e Artes da Universidade de So Paulo, para obteno do diploma de bacharel em Jornalismo, sob a orientao do Professor Doutor Claudio Tognolli.

Novembro de 2011

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BANCA EXAMINADORA

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Aos meus pais. queles que vivem as artes cnicas.

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RESUMOFundado em 1953, o Teatro de Arena logo se tornaria um dos mais importantes grupos de sua gerao e marcaria definitivamente a histria da dramaturgia brasileira. De proposta esquerdista e popular, o teatro buscou a criao de autores nacionais e o uso de uma linguagem prpria para a arte cnica do pas, que refletisse criticamente aspectos sociais e polticos. Com a Ditadura Militar, a partir de 1964, o Arena se tornar palco de resistncia, se posicionando contra a censura e a represso.

PALAVRAS-CHAVETeatro, artes cnicas, Teatro de Arena, arena, So Paulo, anos 1950, anos 1960, cultura popular, poltica, esquerda, dramaturgia brasileira, censura, Praa Roosevelt.

ABSTRACTFounded in 1953, the Teatro de Arena (Arenas Theatre, which uses the theatre-inthe-round format) soon became one of the most important groups of its generation and permanently marked the history of Brazilian drama. With popular and leftist proposal, the theatre sought the creation of national authors and use their own language for the country's scenic art, critically reflecting social and political aspects. With the military dictatorship, from 1964, the Arena will become the stage of resistance, standing against censorship and repression.

KEYWORDSTheatre, performing arts, Arenas Theatre, theatre-in-the-round, So Paulo, 1950s, 1960s, popular culture, politics, left, Brazilian drama, censorship, Roosevelt Square.

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CONTEDO

A histria De 1953 a 1972, a histria do Teatro de Arena de So Paulo. Do embrio na Escola de Arte Dramtica aos ltimos dias na Rua Teodoro Baima. __ pgina 10

O poltico e o popular Uma reflexo sobre a busca do Arena por um teatro popular com o povo representado no palco e tambm sentado na plateia e que pensasse, com o vis da esquerda, as questes sociopolticas brasileiras. __pgina 59

A censura Da censura prvia em nome da moral e dos bons costumes censura poltica da Ditadura Militar, uma anlise da represso sobre o Teatro de Arena. __pgina 69

Praa Roosevelt, do Arena ao sculo 21 Um paralelo entre o Teatro de Arena das dcadas de 1950 e 1960 e a cena atual da Praa Roosevelt, no centro da cidade. __pgina 90

Entrevistas Artistas que viveram o Arena contam suas histrias e experincias marcantes, quase seis dcadas depois; Estudiosos do teatro brasileiro analisam o seu papel na dramaturgia nacional; Diretores, atores e dramaturgos do teatro contemporneo pensam sobre a ligao entre o Arena da dcada de 1950 e a cena da Praa Roosevelt nos anos 2000. __ pgina 98

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Recentemente encontrei meu espectador. Na rua poeirenta Ele segurava nas mos uma mquina britadeira. Por um segundo Levantou o olhar. Ento abri rapidamente meu teatro Entre as casas. Ele Olhou expectante. Na cantina Encontrei-o de novo. De p no balco. Coberto de suor, bebia. Na mo Uma fatia de po. Abri rapidamente meu teatro. Ele Olhou maravilhado. Hoje Tive novamente a sorte. Diante da estao Eu o vi, empurrado por coronhas de fuzis Sob o som dos tambores, para a guerra. No meio da multido Abri meu teatro. Sobre os ombros Ele olhou: Acenou com a cabea. (Bertolt Brecht Meu Espectador)

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Capa do programa de Revoluo na Amrica do Sul, 1960

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INTRODUOFoi em uma pequena rua no centro de So Paulo, em frente Igreja da Consolao e Praa Franklin Roosevelt, que a histria de um teatro comeou. Teodoro Baima era o nome da rua. Um pequeno teatro numa pequena rua, escondida entre alguns arranha-cus e a agitao que j comeava a tomar conta da cidade. Virando a esquina, passando o Bar Redondo, dava-se de cara com o Copan e, mais para frente, com o Edifcio Itlia. J seguindo pela Rua da Consolao sem topar com o ainda no construdo Elevado Costa e Silva e subindo a Maria Antnia, se chegava Faculdade de Filosofia e Universidade Mackenzie. E, distncia de algumas quadras daquele teatro, tambm estavam a Biblioteca Municipal, o Cine Bijou e a Faculdade de Sociologia e Poltica. Era a histria paulistana rodeando o nmero 94 da tal Rua Teodoro Baima naquele novembro de 1954 de um pas sem ditadura e sem cinco Copas do Mundo. O que ningum suspeitava que mais um captulo da tal histria estava para ser escrito ali.

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A HISTRIA DO TEATRO DE ARENA DE SO PAULO

O que acontecia no teatro paulista antes do Arena? A histria do Teatro de Arena de So Paulo tem sua base no contexto do teatro paulista dos anos 1940, onde coexistiam companhias tradicionais centradas na figura do primeiro ator, teatros amadores e at mesmo operetas e teatros de revista. Ao mesmo tempo em que as grandes companhias tinham sucesso comercial e popularidade, sofriam crticas por estarem pouco compromissadas com a qualidade artstica dos espetculos e mais preocupadas com o lucro. Comentrios negativos sobre a cena brasileira, alis, vinham desde o sculo 19, com Machado de Assis falando sobre a decadncia das apresentaes nacionais. Com a criao de universidades no pas, principalmente a Universidade de So Paulo, e o fortalecimento de uma elite paulistana interessada em ter maior atuao cultural e artstica, ir surgir um grupo de intelectuais dispostos a pensar criticamente o teatro brasileiro e apoiar renovaes no meio.

Grupos amadores de teatro logo surgiro dentro do ambiente acadmico e adotaro a ideia de se fazer um teatro experimental, como o Grupo de Teatro Experimental (GTE), do diretor Alfredo Mesquita, e o Grupo Universitrio de Teatro (GUT), do crtico Dcio de Almeida Prado. Neste momento, chegam ao pas novas teorias teatrais vindas da Europa, principalmente da Itlia e da Frana. Diretores e encenadores europeus, fugindo da Segunda Guerra, vm para o Brasil trabalhar com as novas companhias. Nesse contexto, criado o Teatro Brasileiro de Comdia (TBC), em 1948, justamente a partir do GTE e do GUT, com apoio do empresrio Franco Zampari.

O TBC, com sede prpria em um prdio reformado no bairro da Bela Vista, passa a encenar em um amplo palco italiano para uma plateia de 365 lugares. Com seus diretores italianos, como Adolfo Celi e Ruggero Jacobbi, o grupo trouxe uma renovao cnica ao consolidar o teatro moderno no pas, profissionalizar os atores e firmar a viso de espetculo centrado na figura do diretor, no mais na do ensaiador ou do primeiro ator.

O diretor Augusto Boal concorda que o TBC ajudou a trazer para o Brasil o sentido de teatro como arte, fazendo com que a qualidade das produes desse um grande salto, mas faz uma ressalta quanto proposta cnica. Diz em um artigo de 1981:

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Essa elite financeira, aliada a intelectuais jovens e estudiosos, desejava criar no Brasil um teatro que em tudo se assemelhasse e procurasse igualar os padres estticos ento em vigor nas grandes capitais. Para, rapidamente, atingir esse objetivo, optaram pela contratao de diretores estrangeiros de categoria. (...) Eram espetculos traduzidos, obedecendo a critrios e tendo razes em meios sociais que no os nossos. Ora, cada sociedade elabora suas formas particulares de arte, teatro, interpretao, e selecionava a sua temtica necessria. A nossa sociedade j era economicamente alienada: o nosso teatro tornou-se. No houve um trabalho de pesquisa sobre o nosso espectador, procurando estabelecer nossas formas e selecionar os nossos temas. (...) O TBC veio satisfazer a plateia para o qual fora criado, plateia que enfeitava as noites de gala que marcavam cada estreia.

J Alfredo Mesquita decide investir na formao de jovens, que j se desenvolveriam com o pensamento de renovao e trabalhariam em um espao mais de experimentao e menos de reproduo dos modelos consagrados na cena brasileira. Em 1948, cria a Escola de Arte Dramtica (EAD), que por um tempo ocupou o mesmo prdio do TBC, no andar de cima.

Na EAD, o embrio do Arena

Foi o grupo da Escola de Arte Dramtica que pela primeira vez encenou uma pea no formato arena no Brasil, em 1951. Como conta o crtico e estudioso de teatro Sbato Magaldi em Um Palco Brasileiro, foi Dcio de Almeida Prado, que era professor na escola, quem um dia, em 1951, levou certo texto para a aula. O artigo era de Margo Jones, diretora e produtora norte-americana, publicado na revista Theatre Arts, e falava do chamado theatre-in-the-round. No texto, Jones narrava sua experincia com o Theatre50, em Dallas, no vero de 1947, um teatro de arena. Mas, segundo a autora, a tal novidade era, a rigor, a mais antiga forma de teatro conhecida, surgida na Grcia, quando j se encenavam peas em arenas circulares.

Jones tambm escreveu sobre as vantagens do formato arena em um artigo na primeira edio da revista Le Thatre dans le Monde. Para ela, o objetivo bsico era estabelecer mais intimidade entre ator e espectador: Pour tablir um thtre-en-rond, tout ce quil faut matriellement parlant, cest une salle, ou une tente, de dimensions suffisantes pour que les spectateurs puissent s'asseoir tout en laissant libre une aire de jeu. Em uma traduo livre: Para estabelecer um teatro de 11

arena, tudo que voc precisa, fisicamente falando, uma sala ou uma tenda, para que o pblico se sente e deixe uma rea livre para a cena. Era naquele texto de Jones que estavam os fundamentos tericos do teatro de arena, que dispensava aparato de salas especializadas e produo complexa. Como exerccio de aprendizagem, um dos alunos, Jos Renato Pcora, decide levar aquela ideia adiante. Em 1951, a EAD encena uma pea no formato arena, em um palco de 12 metros quadrados e no mesmo nvel do pblico. O Demorado Adeus, de Tennessee Williams, foi apresentada no Museu de Arte Moderna de So Paulo, que naquela poca ainda funcionava na Rua Sete de Abril, nmero 230, no prdio dos Dirios Associados.

O teatro de arena no requeria grandes espaos, podendo um pequeno galpo ser adaptado para receber a pea. O palco ficava na altura da plateia, que o rodeava, ou um pouco acima, para melhorar a visibilidade. O cenrio precisava ser simples, sem atrapalhar a viso do pblico. Todas as particularidades do formato criavam uma intimidade e mais proximidade entre atores e pblico.

Nos Estados Unidos, o formato ficou conhecido como playbox. Na Itlia, teatro della pista. No Brasil, Dcio de Almeida Prado e Jos Renato perceberam facilmente que o teatro de arena no se limitava a uma inovao puramente esttica. Sua estrutura era tambm uma grande vantagem econmica, j que diminua muito o custo da produo. Cenrio, roupas, maquiagem, estrutura fsica: tudo era mais simples e menos dispendioso. Assim, grupos sem dinheiro puderam encenar suas primeiras peas e se desenvolver, ainda que com poucos recursos. Era a chance de amadores e estudantes se organizarem. Com as mudanas estticas do novo formato, os atores comearam a se preocupar mais com os detalhes das expresses faciais, j que eram observados de muito perto e de vrios ngulos. O tempo para descansar tambm desaparece, pois, como se est sempre em primeiro plano, se est representando o tempo todo.

Havia tambm uma limitao dos gestos e uma reduo no volume da voz. J o diretor tinha de se preocupar com os lados da atuao, pois os atores eram vistos por todos eles, e pensar em cada pormenor, j que detalhes eram suficientes para desviar a ateno da plateia.

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Em um artigo da Revista Anhembi, que noticiava a apresentao da EAD no MAM, teorizase: A marcao feita sobre quatro lados em vez de trs torna o trabalho da direo dificlimo. Aos atores compete concentrar a interpretao, purific-la de possveis elementos excessivos, reduzi-las ao fundamental. J para Margo Jones, lacteur ne doit jamais faire un movement destine surement varier se position et changer la perspective chaque movement doit tre imprieusement exig par laction. Numa traduo livre: O ator jamais deve fazer um movimento para variar a posio e para mudar a perspectiva, cada movimento deve ser imperativamente determinado pela ao. O artigo sobre a encenao da EAD arremata: Qual o futuro do teatro de arena? Acreditamos que, no Brasil, ser dos mais promissores. No h limites para essa nova tcnica de representao. Qualquer pea serve.

O formato arena contribuiu, tambm, para resolver a falta de boas casas de espetculo em So Paulo. Graas facilidade de adaptao, espaos antes considerados indevidos se tornam ideais e suficientes. O palco da EAD para O Demorado Adeus, por exemplo, media 4 metros de comprimento por 3 metros de largura. O palco onde encenava Margo Jones, por sua vez, media 7 metros por 8 metros. Em um contexto onde a cena se restringia a grandes salas como as do Teatro Brasileiro de Comdia e do Teatro Municipal, o formato arena deu liberdade para os pequenos grupos.

Ainda na revista Anhembi, noticia-se: O teatro de arena a novidade no Brasil. Coube aos alunos da Escola de Arte Dramtica de So Paulo a honra de realizar, entre ns, a primeira incurso nesse campo inexplorado e rico de possibilidades. E a experincia no podia ter sido melhor sucedida. Sob a direo de um moo de coragem e talento, Jos Renato, a companhia da EAD lavrou um tento, surpreendendo homens de pouca e de muita f. Dos debates que se seguiram representao de O Demorado Adeus (The Long Good-bye), de Tennessee Williams, saiu definitivamente firmado o prestgio da escola que Alfredo Mesquita, em poucos anos, soube transformar num dos mais ativos centros de atividades teatrais do Pas.

O incio foi um tanto improvisado, pois, no MAM, o palco fora precariamente montado s pressas e com adaptaes, j que o local no era o mais adequado, e atraiu somente pessoas ligadas s artes. Lugares reservados s autoridades, como Jnio Quadros, poca prefeito da cidade, e Lucas Nogueira Garcez, governador do estado, ficaram vazios.

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No MAM, a primeira apresentao do Arena

Aps a apresentao do MAM com a EAD, Jos Renato conclui o curso em 1953 e decide montar uma companhia que se dedicasse exclusivamente ao formato arena. A ele se unem outros alunos: Geraldo Matheus, j formado, e Srgio Sampaio e Emlio Fontana, ainda estudantes da escola.

O momento era favorvel ao surgimento de uma nova companhia. O TBC, com cinco anos de existncia, firmara sua posio na cena paulista de teatro de vanguarda esttica e conquistara um pblico fiel. Graas a uma estabilidade financeira, o grupo monta textos com regularidade e cria na populao o hbito de se frequentar teatro. As pessoas no iam mais atrs somente de uma pea espordica ou de determinado ator, a grande estrela. Agora, o teatro, enquanto instituio e grupo, era o centro das atenes. Assim, Jos Renato percebe que aquele era o momento certo de se criar uma nova companhia, que at mesmo pudesse dar conta do fluxo de novos atores que eram formados pela EAD. Funda, ento, a Companhia Teatro de Arena.

A pea escolhida para inaugurar os trabalhos do grupo foi Esta Noite Nossa, de Stafford Dickens. A estreia se deu em 11 de abril de 1953, tambm no MAM. No elenco estavam Srgio Britto, Renata Blaustein, John Herbert, Mohan Delacy e Henrique Becker. Antes da apresentao, Jos Renato, diretor da pea, explicou aos presentes no que consistia aquele novo formato de palco e plateia. No jornal O Estado de S. Paulo daquele dia, o evento noticiado. O ttulo: Estreia de Esta Noite Nossa, de Stafford Dickens. Direo de Jos Renato. Diz o texto: A estreia de hoje no MAM reveste-se de especial importncia porque introduz no nosso teatro profissional uma nova tcnica de apresentao, em que os atores so colocados no centro da sala de exibio como nos circos, ficando circundado pelos espectadores. Referimo-nos naturalmente, ao chamado teatro de arena, ideia que nasceu nos Estados Unidos, por motivos de ordem econmica, mantendo-se e desenvolvendo-se, contudo, por motivos tambm artsticos, isto , pela intimidade, pela comunicao que estabelece entre o pblico e os atores. Alm de Esta Noite Nossa, o grupo encena outras duas peas no formato ao longo de 1953 e 1954: O Demorado Adeus, com direo de Jos Renato e elenco formado por John Herbert, Srgio Sampaio, Henrique Becker, Eva Wilma, Benjamin Steiner, Lulo Rodrigues e 14

Renata Blaustein; e Judas em Sbado de Aleluia, de Martins Pena, com direo de Srgio Britto e elenco composto por Aracy Cardoso, Eva Wilma, Srgio Sampaio, Lulo Rodrigues, John Herbert e Jos Renato. No iderio daquele grupo, estava a ideia de se deslocar para onde o pblico estivesse, diminuir gastos e adaptar facilmente as localidades para a cena. Por fim, o principal objetivo: acabar com a relao desigual entre pblico e palco. Ali, no formato arena, eles estavam prximos, ntimos, quase dentro da pea. Em busca de uma sede fixa

O desejo de ver peas nacionais montadas no formato arena j se concretizara, mas a companhia de Jos Renato queria oferecer uma nova casa de espetculos para a cidade, que, em 1953, contava com poucos espaos, entre eles o Teatro Municipal, de uso extremamente restrito, o Teatro Santana, o Teatro Colombo, o Teatro So Paulo, o Teatro Cultura Artstica, o Teatro Maria Della Costa e o TBC.

Em 8 de abril de 1954, o grupo estreia a pea Uma Mulher e Trs Palhaos, de Marcel Achard. Com texto traduzido por Esther Mesquita, tinha direo de Jos Renato e, no elenco, Eva Wilma, Srgio Britto (logo substitudo por Jorge Fischer), Jos Renato e Vicente Silvestre.

Uma Mulher e Trs Palhaos / Z Renato, Eva Wilma e Jorge Fischer / 1954

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As apresentaes aconteciam em lugares aleatrios, enquanto o grupo pensava em uma maneira de levantar fundos suficientes para constituir sede prpria. Uma das estratgias adotadas se inspirava no modelo das associaes artsticas. Assim, a Companhia Teatro de Arena torna-se, em 1954, Sociedade Teatro de Arena. Ao final daquele ano, Jos Renato consegue uma sede fixa para a companhia, numa pequena construo no nmero 94 da Rua Teodoro Baima, no centro da cidade. No jornal O Estado de S. Paulo de 19 de novembro: O diretor-empresrio Jos Renato apresentar imprensa na segunda-feira, s 18hr, o local onde ser instalado o Teatro de Arena. Est sendo adaptado rua Theodoro Baima, no 94, em frente Igreja da Consolao. Ter capacidade para 170 pessoas - que ocuparo bancos estofados individuais. O palco ter 4.5m x 5.50m. O teatro ter dois camarins, aparelhagem de luz e uma pequena sala de espera onde haver exposies permanentes de pintura e escultura. Os scios individuais pagaro uma quota de 40 mensais; casais, 60. Todos os scios podero utilizar o teatro s segundas-feiras. As propostas podero ser encontradas no Museu de Arte Moderna, na Livraria Jaragu, no Nick Bar e no prprio local. Para os atores foi estabelecido um sistema de quotas, sem salrio fixo. O ingresso custar 50. No elenco esto: Eva Wilma, Renata Blaustein, Rachel Moacyr, John Herbert, Fbio Cardoso, Vicente Silvestre, Henrique Becker, Jorge Fisher Jnior e ainda provavelmente Jorge Andrade. Alm de Jos Renato, Emilio Fontana ser convidado a dirigir e tambm o diretor Adolfo Celi.

No trreo do prdio havia um pequeno hall, seguido da bilheteria e da sala de apresentao. No segundo andar funcionava a administrao do grupo, alm de ter banheiros e salas com divisrias postas para uso de diretores, ensaios e outras atividades.

A companhia funcionava, inicialmente, como uma cooperativa, com a bilheteria sendo dividida igualmente entre todos. O espao da Teodoro Baima era tambm utilizado para exposies, msicas e oficinas. A estreia definitiva do Teatro de Arena no espao se d em 1 de fevereiro de 1955, com a pea A Rosa dos Ventos, de Claude Spaak. No elenco, Rachel Moacyr, Renata Blaustein e Fbio Cardoso. Ao mesmo tempo, o grupo encenava, em outros dias da semana, Uma Mulher e Trs Palhaos e Esta Noite Nossa. Em um comentrio no Estado de S. Paulo de 1 de fevereiro de 1955: "O conjunto do Arena o mais jovem da cidade: pouqussimos de seus componentes, incluindo no s os atores, mas tambm os encenadores e empresrios tero atingido os 30. (...) Trs peas sero 16

representadas simultaneamente, cada uma, dois dias por semana. A estreia dar-se- hoje s 21hs com A Rosa dos Ventos, alternando-se com Uma Mulher e Trs Palhaos e Esta Noite Nossa. (...) No haver salrios, mas repartio de lucros. Cada ator receber uma quota, correspondente a uma determinada parte do total da bilheteria. Assim a estabilidade econmica da empresa parece garantida. Sero quatro as companhias estveis [na cidade], com a inaugurao do Teatro Bela Vista: Teatro Brasileiro de Comdia, Teatro Maria Della Costa, Arena e Bela Vista. Naquele ano, o prestgio do Teatro de Arena j ultrapassava as fronteiras da cidade, chegando at o Rio de Janeiro. No dia 11 de abril, Uma Mulher e Trs Palhaos apresentada no Palcio do Catete, sendo que, dias antes, representantes do Arena tinham se encontrado pessoalmente com o presidente Caf Filho para pedir apoio. O grupo j contava com cerca de 400 scios e tentava segurar uma quantidade fixa de espectadores para se estabilizar financeiramente. Ainda em 1955, vrias estreias acontecem no Arena sem causar muita agitao. Em 3 de maio, estreia Escrever Sobre Mulheres, escrita por Jos Renato e com atuaes de Eva Wilma, John Herbert, Brbara Fazio e Vicente Silvestre. Em 16 de maio, h uma apresentao batizada de Os Jograis de So Paulo, com versos de Fernando Pessoa. No dia 31, o Teatro Paulista do Estudante faz sua primeira apresentao no palco do Arena para encenar A Rua da Igreja, de Lennox Robinson, com direo de Sophia Rosenhaus.

O Arena fecha o segundo semestre com O Prazer da Honestidade, de Pirandello, em 14 de julho; No Se Sabe Como, tambm de Pirandello, em 25 de agosto; e Margem da Vida, de Tennessee Williams, em 25 de outubro.

A proposta cnica, pelo formato arena, trazia ao grupo um diferencial em relao ao restante do teatro que se fazia na cidade, mas as peas encenadas no diferiam muito das de outras companhias, como o TBC. Contudo, para o ator e dramaturgo Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha, que entraria no Arena a partir da fuso com o Teatro Paulista do Estudante, j havia diferenas claras entre a proposta do Arena e a de outros grupos:

O Teatro de Arena apareceu com outro jeito desde o incio. Comeou como o simptico teatrinho da Rua Teodoro Baima. Essa simpatia era expresso de seu esforo, de sua caracterstica inslita dentro do panorama empresarial de teatro. Mesmo sem uma linha cultural definida, o Arena surgia mais adequado s condies econmicas e sociais. Sem 17

poder se apoiar em figuras de cartaz, em cenrios bem feitos, em peas estrangeiras de sucesso (o avaloir alto), o Teatro de Arena, mais cedo ou mais tarde, teria que apoiar sua sobrevivncia na parcela politizada do pblico paulista, identificada com aquelas condies econmicas. A chegada do TPE e de Boal

Duas chegadas, em 1956, marcam uma nova fase do Teatro de Arena, alando o trabalho do grupo a um novo patamar de qualidade e proposta: a fuso com o Teatro Paulista do Estudante (TPE) e a chegada de Augusto Boal.

O TPE, que j tinha se apresentado na Teodoro Baima, havia se destacado em apresentaes tais como O Impetuoso Capito Tici, de Eugne Marin Labiche, em dezembro de 1955, e Um Inspetor Nos Procura, de J. B. Priestley, em janeiro de 1956, na inaugurao do Teatro Novos Comediantes.

Aps acordo, o TPE aceita se fundir ao elenco do Arena. Com essa unio, chegam jovens estudantes empenhados na luta poltica e de esquerda, influncia que ser decisiva para o Arena. Entre eles estavam Vianinha e Gianfrancesco Guarnieri, este considerado o melhor ator no 1 Festival de Teatro Amador, em 1955. Jos Renato conhecera o trabalho de Guarnieri por meio de Ruggero Jacobbi, diretor que trabalhava com o TPE. Raul Cortez e Vera Gertel tambm faziam parte da nova leva de atores agregados ao Arena. Em 1 de fevereiro, entra em cartaz Escola de Maridos, de Molire. No elenco, estreia de Waldemar Wey, vindo do TBC, e Guarnieri. A partir daquela pea, h uma aproximao fsica intencional com a plateia. Os figurantes interagem com os espectadores, sentando ao lado deles, rindo, aplaudindo, comentando atravs de reaes gestuais. Em 2 de maio, o grupo estreia Julgue Voc, de Pierre Conty; em 5 de junho, Dias Felizes, de Claude Puget; e, em 21 de junho, Essas Mulheres, de Max Regnier. no programa dessa pea que o Arena torna pblico o acordo com o TPE:

Tendo por objetivo a formao de um amplo movimento teatral de apoio e incentivo ao autor e s obras nacionais, visando formao de um numeroso elenco que permita a montagem simultnea de duas ou mais peas, o que permitir levar o teatro a fbricas, escolas, faculdades, clubes da capital e do interior do estado, sem prejuzo do 18

funcionamento normal do teatro, contribuindo assim para a difuso da arte cnica em meio s mais diversas camadas de nosso povo, esperando auxiliar na divulgao terica dos problemas do teatro, atravs de conferncias, debates cursos etc., o Teatro de Arena e o Teatro Paulista do Estudante firmaram um acordo.

Escola de Maridos / Oduvaldo Vianna Filho / 1956

O texto explicava que o TPE iria fundir seu elenco ao do Arena sob a denominao de Elenco Permanente do Teatro de Arena, sem por isso perder as suas caractersticas de grupo amador nem mesmo a sua vida artstica. Ambas as companhias permaneceriam com administraes independentes, sendo que Jos Renato seria o diretor artstico do TPE. As entidades que subscrevem o presente acordo o fazem no firme propsito de batalhar pelo incremento do teatro nacional, unindo suas foras e auxiliando-se mutuamente. O Teatro Paulista do Estudante compromete-se a fornecer elementos artisticamente qualificados para integrar o Elenco Permanente do Teatro de Arena, bem como se responsabiliza pelo amplo trabalho de difuso terica acima exposto. Por sua vez, o Teatro de Arena auxiliar o TPE em todos os sentidos, ministrando cursos especiais destinados a seus elementos, proporcionando-lhes permanente contato com o palco, orientando-se artisticamente, alm de preocupar-se com a formao de novos valores, encerra.

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O TPE no s contribuiu para o Arena em termos de proposta de teatro poltico e de qualidade de novos atores, do nvel de Guarnieri e Vianinha, como resgatou uma antiga possibilidade sua: a de ser um teatro itinerante. Desde que se instalara numa sede fixa, o Arena perdera um pouco o carter de teatro mvel que chegava democraticamente em lugares diversos, de escolas e sindicatos a pequenas cidades do interior. J com o elenco do TPE, o Arena rene pessoal suficiente para montar dois grupos e permitir dois espetculos ou mais ao mesmo tempo. Enquanto o elenco principal era estvel e ficava na Teodoro Baima, o segundo elenco era volante. Em fevereiro de 1956, na revista Teatro Brasileiro, Sbato Magaldi entrevista Jos Renato, que revela alguns detalhes da experincia do Arena at ali. Diz, por exemplo, que adaptar o nmero 94 da Teodoro Baima para abrigar o teatro custou-lhe 250 mil cruzeiros e que levou a ideia do formato arena adiante, de incio, estritamente por questes econmicas. Ainda revela que queria 6 metros de comprimento para o palco no 5,5 metros, como foi feito e uma distncia maior entre o palco e a primeira fila da plateia.

Jos Renato ainda fala sobre certas questes estticas atreladas s questes prticas. Com as condies tcnicas precrias, por exemplo, acreditava que era preciso compensar psicologicamente o espectador. Este no podia notar a ausncia de cenrios. Assim, os efeitos de luz e som ajudavam a criar o tom do ambiente. Sobre os atores, defendia que era preciso concentrao absoluta, j que ele estava sempre em primeiro plano para algum da plateia. Em relao a questes financeiras, contou que o espectador avulso pagava as contas do teatro e que o fluxo de pessoas, naquela poca, no permitia que se montassem peas com mais de oito atores. J a chegada do diretor Augusto Boal se d a partir da necessidade de se encontrar algum para dividir as montagens com Jos Renato, diminuindo a sobrecarga sobre ele. Em So Paulo, havia Flvio Rangel e Antunes Filho entre os encenadores. Mesmo assim, Jos Renato decide pedir indicaes para Sbato Magaldi, que sugere Geraldo Queiroz, Paulo Francis, Joo Bethancourt e Lo Jusi, alm do prprio Boal. Sbato sabia que Boal se interessava em trabalhar em So Paulo e que acabara de voltar de um perodo de estudo de dois anos na Universidade de Colmbia, nos EUA, no curso de Dramaturgia e Direo, tendo como principal professor o crtico John Gassner. Jos Renato opta por Boal, que aceita o convite e muda-se para So Paulo em junho de 1956. Com isso, estavam concretizadas as duas mudanas daquele ano que moldariam de 20

forma definitiva o futuro do Teatro de Arena. Do TPE viriam atores excelentes, entre eles Guarnieri, que se mostraria um dos pilares fundamentais do teatro pelos prximos anos. Alm disso, os jovens estudantes traziam as aspiraes esquerdistas e o interesse pela temtica social, o que seria essencial no papel inovador do teatro no cenrio artstico brasileiro. J Augusto Boal traria um amadurecimento na proposta esttica e tcnica, alinhando o Arena com o que havia de mais vanguardista no teatro mundial.

Entre as novas ideias, estava o mtodo de Stanislavski, tirado do Actors Studio da escola norte-americana, que trabalhava com a questo da veracidade psicolgica na atuao. O mtodo seria aplicado no Arena na encenao Ratos e Homens, de John Steinbeck. Com Boal pela primeira vez na direo do grupo, a pea estreia em 26 de setembro com elenco formado por Gianfrancesco Guarnieri, Jos Serber, Nilo Odlia, Taran Odach, Salomo Guz, Geraldo Ferraz, Riva Nimitz, Nello Pinheiro, Srgio Rosa e Milton Gonalves.

Ratos e Homens / Guarnieri, Salomo Guz e Srgio Rosa / 1956

Se, antes de Boal, o formato arena era defendido por permitir um teatro econmico, que podia ser feito com poucos recursos e em qualquer sala, com a chegada do diretor vir uma srie de justificativas para o modo do Arena de fazer teatro. Uma contradio do formato, por exemplo, era uma interpretao realista, mas um espao abstrato. A interpretao era verossmil, mas em um cenrio nu e mnimo. Para superar isso, Boal falar do realismo seletivo, onde os detalhes essenciais dariam a ideia do todo, a 21

simplicidade criaria o essencial de cada cena, sem deixar de engrandecer as interrelaes humanas na pea. No caso do Arena, Boal defender um despojamento intencional na atuao. As novas propostas de Boal deram consistncia ao grupo e uma forte base artstica para as novas preocupaes vindas com Guarnieri e Vianinha, como o engajamento, o esquerdismo e o foco na realidade nacional. Como explica Dcio de Almeida Prado, no foi, todavia, a forma teatro de arena, embora ela obrigasse a uma reformulao completa das relaes quer entre os atores em cena, quer entre estes e o pblico, que deu prestgio ao conjunto. A projeo s lhe veio quando se juntaram a Jos Renato trs jovens homens de teatro destinados a revolucionar a dramaturgia brasileira.

Ratos e Homens / Guarnieri / 1956

Curso prtico de dramaturgia Em 14 de outubro, inaugurado o ncleo de teatro infantil do Arena, sob direo de Fausto Fuser. A estreia se d com O Rapto das Cebolinhas, de Maria Clara Machado. Na mesma poca, Boal idealiza, no teatro, um curso prtico de dramaturgia.

O curso, voltado para os membros do grupo, era dividido em Introduo, Teorias, Estrutura Teatral e Dinmica Dramtica, Caracterizao Psicolgica e Dilogo e Anlise de 22

Peas. Com uma formao de atores mais sistemtica, o Arena reforava sua proposta de teatro: contra o estrelismo na interpretao; contra os dilogos pomposos e rebuscados que no expressavam a linguagem popular; contra o acabamento pormenorizado do espetculo, o luxo; a favor da classe mdia e de sua representao no palco. Em janeiro de 1957, h novo curso no teatro, tendo como responsveis Sadi Cabral (Interpretao), Bernardo Blay (Psicologia), Dcio de Almeida Prado (Esttica), Sbato Magaldi (Histria do Teatro) e Beatriz Toledo Segall (Improvisao). A partir do curso, o Arena comea a pensar mais em sua ideia de ser um teatro transformador. Se antes se preocupava com sua consolidao e reconhecimento, agora j via novas possibilidades, dessa vez de interferncia na realidade da dramaturgia nacional.

A primeira questo levantada sobre o desenvolvimento do autor nacional e da existncia desses autores e textos. A partir disso, o grupo organiza um concurso de adaptao de contos da literatura brasileira, cujo texto vencedor seria encenado. Quatro contos so escolhidos: A Missa do Galo, de Machado de Assis; O Plebiscito, de Artur de Azevedo; O homem que Sabia Javans, de Lima Barreto; e A Caolha, de Jlia Lopes de Almeida. Mesmo com a adaptao dos contos, o Arena no se satisfaz com o resultado da busca por um teatro que trouxesse um texto nacional e expressasse o que era, afinal, a dramaturgia notadamente brasileira.

Ao longo de 1957, o projeto de alternncia na direo por Boal e Jos Renato se firma. Em 5 de janeiro, estreia Marido Magro, Mulher Chata, com texto e direo de Boal. Em 10 de abril, Jos Renato dirige Enquanto Eles Forem Felizes, de Vernon Sylvaine. Em 5 de junho, a vez de Boal dirigir Juno e o Pavo, de Sean OCasey. A pea no atrai grande pblico, saindo rapidamente de cartaz. Em 20 de julho, estreia mais um texto brasileiro: S o Fara Tem Alma, de Silveira Sampaio, com direo de Jos Renato. Naquele ano ainda estreiaria, em 30 de outubro, Paris 1900, projeto dirigido por Alfredo Mesquita, com as peas A Falecida Senhora Sua Me, de Georges Feydeau, e Casal de Velhos, de Octave Mirbeau.

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Enquanto Eles Forem Felizes / Riva Nimitz, Flvio Migliaccio, Ma Marques / 1957

O comeo da crise e a salvao com Eles No Usam Black-Tie Mesmo com o relativo sucesso da encenao de S o Fara Tem Alma, as coisas no vo bem para o Arena em termos econmicos. Na seo Teatro do Estado de S. Paulo de 18 de janeiro de 1958, escrevem: Ningum desconhece que o Teatro de Arena atravessa uma crise pelo malogro das ltimas apresentaes. Deve o grupo, para reencontrar a fase anterior de prestgio e aceitao, recompor com urgncia o elenco e no temer o risco de grandes textos - nico caminho capaz de justificar-lhes o lugar entre as primeiras companhias de So Paulo.

Em 15 de janeiro de 1958, em meio crise, estreiam A Mulher de Ouro, de Sidney Howard, com direo de Boal. O grupo continua na ativa, mas sob a ameaa de fechar as portas. Jos Renato decide, ento, apostar numa pea escrita pelo jovem Guarnieri, de apenas 23 anos, chamada Eles No Usam Black-Tie. O sucesso ou o fracasso daquela pea determinaria de vez as questes econmicas do grupo. O nome original do texto, alis, era O Cruzeiro L do Alto, mas logo Jos Renato aponta que o ttulo no era bom e que Guarnieri deveria pensar em mud-lo.

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A pea, que fora escrita em pouco menos de um ms, ambientada no morro carioca e conta a histria de Tio, operrio de fbrica que, com mulher para sustentar e filho para nascer, tem de decidir entre apoiar ou no uma greve. Seu pai, Otvio, tambm operrio e lidera o movimento grevista. Guarnieri inovava ao usar uma linguagem coloquial e colocar a classe baixa no palco, no como elemento pitoresco como fora feito anteriormente em outras peas do teatro brasileiro, mas sim como protagonista e centro do drama. Eles No Usam Black-Tie estreia em 22 de fevereiro daquele ano, aps um ms de ensaio, com direo de Jos Renato e elenco com Guarnieri, Miriam Mehler, Llia Abramo, Xand Batista, Flvio Migliaccio, Celeste Lima, Henrique Csar, Riva Nimitz e Milton Gonalves. O sucesso foi imediato, com sesses lotadas e crticas muito positivas nos jornais, fazendo com que a pea ficasse at o final daquele ano em cartaz, com algumas mudanas de elenco no meio do caminho. Vera Gertel e Vianinha, por exemplo, substituram Miriam Mehler e Guarnieri como o casal Maria e Tio, no final de 1958.

Eles No Usam Black-Tie / Gianfrancesco Guarnieri e Miriam Mehler / 1958

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Os elogios iam tanto para a consistncia da atuao dos atores e da direo de Boal quanto para o texto inovador e ousado, que propunha uma anlise crtica e dos problemas do pas. O sucesso veio, mas no sem preocupaes. Guarnieri conta que a vspera da estreia fora desastrosa: O ltimo ensaio antes da estreia de Black-Tie foi terrvel, desanimador. Todo mundo errava o texto, todas as marcaes, era uma coisa assustadora. Eu dizia apenas: a gente precisa estrear. Mas tambm sentia uma espcie de conforto no resultado daquele trabalho.

Eles No Usam Black-Tie / Eugnio Kusnet, Llia Abramo, Francisco de Assis, Riva Nimitz, Flvio Migliaccio, Celeste Lima, Miriam Mehler, Gianfrancesco Guarnieri e Milton Gonalves / 1958

No jornal O Estado de S. Paulo, em 26 de fevereiro, a notcia j boa: "Aps diversos malogros, ora artsticos, ora financeiros, o Teatro de Arena apresenta, com Eles No Usam Black-Tie, um espetculo perfeitamente equilibrado, que dispe de interesse para fazer longa carreira. O excelente resultado do conjunto do espetculo se explica pela identificao que os atores puderam sentir com o texto, e que deveria animar os empresrios a uma escolha melhor das peas brasileiras.

Eles No Usam Black-Tie trouxe uma srie de novas significaes, colocando o proletariado como protagonista de uma pea teatral. Guarnieri os dotar de cenrio, psicologia, ideologia e sentimento. Espetculo de tese, trouxe a descrio realista dentro do engajamento de uma cultura ideolgica. O sucesso da pea abriu as portas do Arena para a dramaturgia nacional e acabou influenciando toda a cena paulista. 26

Dcio de Almeida Prado escreve em 8 de junho de 1958 no Estado de S. Paulo: "No espao de dois ou trs anos, So Paulo perdeu quase todos os seus melhores atores. (...) Intil pretender que tal debandada no tenha afetado o nvel de nossos espetculos. Mas para alguma coisa serviu ela. Tendo de comear tudo de novo, fomos obrigados a rejuvenescer. O nosso teatro, em 1958, tem a mesma idade, a mesma fisionomia que tinha em 1948: os mesmos rostos juvenis, o mesmo fervor e, por parte do pblico, a mesma excitao e boa vontade com que sempre sadam os nomes que comeam apenas a despontar. (...) Flvio Rangel mais uma dessas gratssimas revelaes de que tem sido prdigo o ano corrente, comparvel estreia de Gianfrancesco Guarnieri como autor, ou de Antunes Filho, ou ainda Fernanda Montenegro, como intrprete.

Eles No Usam Black-Tie / Llia Abramo e Flvio Migliaccio / 1958

O programa original da pea bem esclarecedor. Primeiro, Guarnieri escreve sobre seu trabalho, no texto Algumas palavras sobre Eles No Usam Black-Tie:

A ideia de escrever Eles No Usam Black-Tie surgiu de uma necessidade. Necessidade de escrever sobre minha gente. com profundo reconhecimento que me recordo daqueles que me proporcionaram os primeiros contatos com gente do morro, l no Rio de Janeiro. nesse ambiente de favela carioca que situei minhas personagens operrios e mulheres de

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operrios, gente que se aboleta em favelas tristes, dando com seus amores, sentimentos e anseios, seus sambas e suas lutas, caractersticas fundamentais do povo brasileiro. Turistas, e muitos brasileiros tambm, costumam contemplar as favelas. Contemplam-nas como coisa estranha e misteriosa, espcie de Casbah nacional. O barraco tornou-se tradio. O morro esconderijo de malandros perigosos, ladres, gente m. O samba e a escola de samba dariam uma cor toda especial favela. Poucos se lembram do operrio cansado, o verdadeiro morador do barraco. dele que falo. No esqueo os gente m que surgem na figura de um Granfino e de um Carmelo, mas muito de relance. O drama da favela vivido pelo verdadeiro morador de barraco. Concordo com Tio No acho favela bonita Se existe beleza, se existe poesia nos morros espetados de barracos, no est no seu aspecto exterior, mas sim na solidariedade que une seus habitantes, na esperana, na constncia, de luta, no modo de ser dos verdadeiros moradores de barraco. No procuro enaltec-los ou romantiz-los, apenas mostr-los como personagens altamente dramticos que so.

Um conflito central move minhas personagens a luta entre duas formas de pensar. De um lado a falta de perspectivas, o desajustamento, o medo da vida de um Tio. Do outro, a ideologia de Otvio, o sentimento profundamente proletrio de Romana, Maria e dos verdadeiros moradores de barraco.

Nos dilogos preferi a simplicidade, procurando no esquecer a beleza de certos modismos da linguagem popular; nas personagens, alm de seu contedo humano, pretendi sintetizar uma maneira toda particular de ser. Sem dvida, algum com maior experincia de vida, extrairia mais de ambiente to rico em contedo dramtico. Creio, no entanto, que minha juventude atuou como fator positivo no sentido de observar esses personagens sem preconceito algum. possvel que vejam no ttulo da pea uma tomada de posio. Pois uma tomada de posio. Numa poca de supervalorizao do ambiente high society, da exagerada importncia dada aos granfinos de black-tie, no escondo que com certo desabafo que dou como ttulo minha primeira pea Eles No Usam Black-Tie. Essas as palavras que tinha a dizer... Se tive alguma pretenso em minha pea, foi a de impregn-la de amor e de transmitir esse amor... no somente o amor entre dois jovens, mas amor de um pai por um filho, de um 28

amigo por outro, de duas crianas, amor de gente de um morro inteiro por esse mesmo morro, e, sobretudo, o grande amor que dedico a essa minha gente... Agora que entrego Eles No Usam Black-Tie tendo satisfao de v-la montada no teatro em que iniciei minha carreira, dirigida por Jos Renato, a quem devo os primeiros passos em teatro, contando no elenco com novos colegas que tanto me incentivam, alm dos velhos companheiros da poca do amadorismo quero fazer um pedido: se a histria desse pedao de favela, com seu cruzeiro de pedra espetado l no alto, de Romana, Otvio, Tio, Maria, Brulio, Chiquinho, Terezinha, Jesuno e todos eles que me so caros, no conseguir despertar compreenso, solidariedade, simpatia e amor, no os culpem, pois a culpa s minha....

Depois, a vez de Jos Renato falar da pea que dirigiu e escolheu sabiamente para montar, no texto A Propsito de Eles No Usam Black-Tie: O Teatro de Arena vai apresentar ao pblico do Brasil um novo autor. E temos a certeza de estar apresentando um moo de possibilidades reais, que consegue, j na sua primeira pea, colocar-se na vanguarda entre as rarssimas verdadeiras vocaes para a difcil tarefa de escrever teatro. Revelar um autor com as qualidades de Gianfrancesco Guarnieri no cumprir nenhuma lei de obrigatoriedade de apresentao de peas nacionais, mas justificar e dignificar os trs anos de luta de nosso teatro. Somente esse fato, a encenao dessa pea, bastaria, temos a certeza, para considerarmos o nosso objetivo plenamente atingido, e, do ponto de vista cultural e artstico, a maior contribuio do Teatro de Arena para o desenvolvimento de uma autntica vocao em nossa terra. Com seu primeiro trabalho consegue Guarnieri retratar um ambiente nosso, com relativa fidelidade, porm com emoo autntica; sua obra revela o carinho intenso que ele tem pelas personagens e pelo ambiente que o inspirou; construtiva porque confia, e sua mensagem de compreenso e justia. Confia nos homens, acredita nas suas motivaes: cada um de ns sincero consigo mesmo e segue sempre sua prpria conscincia; assim agem todas as personagens de Guarnieri, e, por isso mesmo, se estabelece o conflito entre elas. As convices de Tio e de Otvio (em ltima anlise: o orgulho) formam o tema principal; a conscincia de si mesma que Maria possui; a fora, a clareza de ideias e a conscincia do real valor das coisas que existe em Romana completam o quarteto principal de criaturas que, sem usar black-tie, esto to intimamente ligadas nossa vida e aos nossos problemas. 29

Na encenao desse espetculo procuramos colaborar com todo o carinho e esforo para que a pea d o melhor de si, e ns, dentro das nossas possibilidades atuais, o melhor de ns mesmos. Estamos sendo to sinceros quanto qualquer das autnticas personagens de Eles No Usam Black-Tie. Em nossa opinio, no poderamos comemorar de maneira mais honrosa nosso terceiro ano de vida.

Black-Tie marcava pelo intenso conflito vivido pelo protagonista Tio, dividido entre dois polos: o individual e o coletivo. Com Black-Tie eu nunca procurei defender nenhum tipo de tese, comunicar alguma verdade absoluta. Voc pode examinar o texto ainda hoje, com olhos crticos, e no vai encontrar nele qualquer sinal de panfletagem. Eu coloquei no personagem Tio as dvidas que eram minhas. (...) Acho que ao rechear o Tio de coisas to positivas, eu estava tentando defend-lo. E, com isso, tentando me defender tambm. (...) Eu nunca tive dvidas a respeito desta pea. Podia ser at uma atitude inconsciente, mas tudo naquele texto era to autntico, to integrado com as propostas de dramaturgia que estavam em curso no Arena, que no tinha como dar errado. No havia nada naquela pea que tivesse sido tomado emprestado de outro autor, de outra situao, era tudo por demais integrado realidade brasileira. Foi isso que segurou a minha barra aps o desastre que foi o ltimo ensaio geral. Eu disse para a companhia: ns precisamos estrear at para salvar o Teatro de Arena da falncia. E seja o que Deus quiser. Ento veio a estreia, que correspondeu exatamente s minhas expectativas, explica Guarnieri.

Fachada do Teatro de Arena no dia da estreia de Eles No Usam Black-Tie, 22 de fevereiro de 1958

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O Seminrio de Dramaturgia

Com o sucesso de Black-Tie, as preocupaes desaparecem do Arena, e Boal, que no participara da montagem da pea, traz, em 10 de abril, a ideia de fundar um seminrio. A proposta do diretor consistia em encontros que estimulassem o aparecimento de novas obras de autores brasileiros, a exemplo do que tinha feito Guarnieri, a fim de alimentar a pauta do Arena apenas com peas nacionais. A ideia foi levada adiante e o Seminrio de Dramaturgia comeou em 12 de abril de 1958, com coordenao de Boal. Os encontros ainda aconteceriam por mais dois anos.

Dividido entre prtica (anlise e debate de peas e tcnica de dramaturgia) e teoria (problemas estticos do teatro, caractersticas e tendncias do teatro brasileiro e estudo da realidade artstica e social brasileira), o seminrio tambm contou com entrevistas, debates e conferncias. Os membros fundadores foram, oficialmente: Boal, Barbosa Lessa, Beatriz Segall, Flvio Migliaccio, Francisco de Assis, Guarnieri, Jos Renato, Maria Thereza Vargas, Manoel Carlos, Miguel Fabregas, Milton Gonalves, Nelson Xavier, Vianinha, Roberto Freire, Raymundo Duprat, Roberto Santos, Sbato Magaldi e Zulmira Tavares. A primeira pea oriunda do Seminrio a ser encenada pelo Arena Chapetuba Futebol Clube, de Vianinha, em 1959. Escrita antes do encontro, apenas durante os debates ele apresentar a pea a todos e far profundas alteraes no texto. Sob direo de Boal, Chapetuba estreia em 17 de maro de 1959. No elenco, Nelson Xavier, Chico de Assis, Flvio Migliaccio, Xand Batista, Arnaldo Weiss, Riva Nimitz, Edmundo Mogadouro, Vianinha, Milton Gonalves e Henrique Cesar. Antes da estreia na capital, houve uma primeira apresentao fracassada em Marlia, no interior de So Paulo. O palco fora montado precariamente em uma quadra de basquete, a acstica era pssima e os espectadores foram escassos.

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Chapetuba Futebol Clube / Oduvaldo Vianna Filho, Xand Batista, Francisco de Assis e Arnaldo Weiss / 1959

No programa do espetculo, Vianinha escreve: Chapetuba F.C. encara o futebol ligado a todo um processo humano e social de hoje. a histria do futebol suas cores, sua dana, os gritos, a ciranda enorme ao lado do comrcio puro e simples, da barganha, do interesse pequeno, do suborno negado e difuso. Essa coexistncia dramtica que mente a pureza do futebol explode na vida de um punhado de homens. De um lado Durval, Maranho, Pascoal, Benigno, cticos, deturpados, comidos por suas prprias vidas. Gente que aceita o estabelecido, que admite o antecipado. Luta, se revolta, mas partiu, iniciou aceitando. Do outro lado Cafun, Zito, Fina, Bila, pesados de sonhos, comeando hoje, que, puros, simples, no sabem ver. Desesperam, procuram e choram. Nunca pretendi fazer de Chapetuba F.C. uma pea esttica que imobilize o homem na sua fragilidade e na sua desconfiana. Talvez Chapetuba seja esttica e s amargue. defeito, ento. Gostaria de transmitir com esta pea exatamente o transitrio, o eterno para frente, o condicionamento destas vidas a todo um processo de realidade de hoje. Pretendi que fossem os personagens de Chapetuba F.C. os sem-caminho. No o autor.

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Chapetuba Futebol Clube/ Flvio Migliaccio, Xand Batista e Oduvaldo Vianna Filho / 1959

No jornal Folha da Manh de 19 de maro, noticiava-se: Assim se expressa Augusto Boal, o diretor de Chapetuba F. C., pea de Oduvaldo Vianna Filho que o atual cartaz do Teatro de Arena: Chapetuba F.C. enquadra-se nos objetivos simples do Seminrio de Dramaturgia: transcreve, em forma de teatro, um setor de nossa realidade. Tem duas caractersticas fundamentais: uma anlise psicolgica de alguns personagens e uma denncia. No meio do futebol, Vianna escolheu as personagens mais ricas: Durval, Maranho, Cafun, Pascoal. No escolheu a esmo, pelo que tm de pitoresco: para servir uma ideia procurou os mais tpicos, e procurou p-los em conflito. O colono Cafun o esporte simples, puro, e primitivo. Pascoal a Federao, a poltica, o futebol dos escritrios. Pascoal e Cafun so estados de coisas; Durval e Maranho so as reaes possveis. Um se vende, o outro se humilha e bebe. E ambos esto errados. Essa caracterizao por contraste evidencia sempre a ideia temtica: a importncia crescente do futebol sacrifica os homens que o praticam, condiciona-os pelo prestgio, pelo dinheiro, pela burocracia. A pea no oferece nenhuma soluo para o problema, mas toda denncia positiva. Chapetuba denuncia ao mesmo tempo em que analisa. A ideia e emoo esto conjugadas e no podem ser compreendidas isoladamente.

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A pea de Vianinha era encenada justamente em um momento no qual o Arena acreditava na total valorizao da dramaturgia brasileira, em uma brecha criada pelo sucesso que continuava sendo Eles No Usam Black-Tie, que trazia a inspirao tanto da linguagem quanto da temtica, da proposta de discutir questes sociais. O prprio Vianinha escreve sobre isso no programa da pea: O Teatro de Arena de So Paulo apoia a sua existncia na concretizao de um objetivo perseguido exaustivamente, uma dinmica e autntica forma brasileira para um teatro alerta fixao dos pontos motores da trajetria humana. Somente assim ele deixa sua histria ligada a de um povo. Nem sempre o Teatro de Arena preenche as condies materiais e intelectuais exigidas pela imensa tarefa, mas participa decisivamente, ao lado de tantas organizaes, no processo de amadurecimento da conscincia renovadora que desperta e se instala. Eles No Usam Black-Tie inicia a sedimentao de ideias ainda anrquicas que vo se catalogando. O Seminrio de Dramaturgia de So Paulo, gestado no Teatro de Arena, mesmo incipiente, de calas curtas, aquele tmido incio que pode resultar na deflagrao do salto qualitativo. E espetculos em praa pblica, em sindicatos, tantas outras experincias, tantas outras vitrias vo somando confiana. A certeza do caminho escolhido d flego vivo ao espinhoso autodidatismo e desenvolve a capacidade autocrtica. Para Augusto Boal, o Teatro de Arena sempre norteou suas atividades no sentido da criao e do desenvolvimento de um teatro que fosse popular na forma e no contedo. O Seminrio de Dramaturgia facilitou o aparecimento de inmeros novos autores preocupados com os problemas do nosso povo. Ele ainda afirma que o Seminrio de Dramaturgia coincidiu com o nacionalismo poltico, com o florescimento do parque industrial de So Paulo, com a criao de Braslia, com a valorizao de tudo nacional. As peas tratavam do que fosse brasileiro: suborno no futebol interiorano, greve contra os capitalistas, adultrio em Bag, vida sub-humana dos empregados em ferrovias, cangao no Nordeste e a consequente apario de Virgens e Diabos".

Sobre o Seminrio, dizem os artistas do Teatro de Arena e os crticos:

Chico de Assis: A partir do seminrio, passou a haver um respeito quanto ao pensamento do autor paulista. Durante as discusses, houve um enfoque grande na realidade brasileira. Se Eles No Usam Black-Tie tivesse sido discutida l, teria sido considerada como falseadora da realidade brasileira e, com certeza, reprovada. 34

Maria Thereza Vargas: A ideia do seminrio nasceu, sem dvida, do entusiasmo despertado pelo sucesso de Eles No Usam Black-Tie e, sobretudo, das preocupaes nacionalistas de Guarnieri e Vianinha. Jos Renato: "Surgiu o Seminrio da necessidade - ns assim o achvamos - de encontrar uma linguagem brasileira no teatro. Ns j havamos pesquisado uma maneira de representar que, segundo a nossa opinio, naturalmente, j se aproximava mais da nossa verdade, dos nossos maneirismos, da nossa lngua, do nosso jeito. E essa maneira de representar era utilizada at em espetculos que no apresentavam peas brasileiras. Ns tentvamos colocar uma maneira nossa mesmo na interpretao de peas estrangeiras.

Gianfrancesco Guarnieri: O Seminrio e o Teatro de Arena provaram a viabilidade de se fazer um teatro nacional. Durante o Seminrio, foram estudados aspectos culturais e esttico-formais do nosso teatro. As discusses salientavam a importncia de colocar o autor diante da problemtica brasileira e eram sempre muito acaloradas. (...) Essa fase do Arena demonstrou tambm que o teatro brasileiro era vivel financeiramente para os produtores. Ainda em 1959, o Arena estreia o horrio das segundas-feiras, com peas que ficariam sob a superviso de Fausto Fuser. Em 25 de maio, estreia Quarto de Empregada, de Roberto Freire, junto com Bilbao, Copacabana, de Vianinha. Logo em seguida, aparece Gente Como a Gente, tambm de Roberto Freire e direo de Boal, em 7 de julho. Todas eram produtos do Seminrio. Naquele final de 1959, Gente Como a Gente no traz bons resultados e o dinheiro rareia novamente, fazendo com que Jos Renato opte por voltar com Eles No Usam Black-Tie em viagens ao interior de So Paulo e ao Rio de Janeiro. Enquanto isso, no teatro da capital, Jos Celso, do Teatro Oficina, tem espao para montar A Incubadeira. No Rio, o grupo leva Black-Tie e Chapetuba F.C. e ambas alcanam sucesso de pblico e crtica, apesar da precariedade do espao: um teatro ainda em construo no shopping center de Copacabana.

Aps a excurso, o grupo volta capital com A Farsa da Esposa Perfeita, de Edy Lima, com direo de Boal, em 23 de outubro. Todas as peas apresentadas so nacionais e ditam o novo caminho do Arena. Escreve Boal: O caminho est se impondo: escrever brasileiro, sobre nossos temas. Interpretar brasileiro, peas nossas. No se trata de um caminho 35

alvitrado, mas do nico necessrio evoluo de nosso teatro. Tem bases tericas e liga-se ao desenvolvimento do nacionalismo poltico. Nova dcada e Revoluo na Amrica do Sul O Teatro de Arena estreia nova pea, em 1960, somente em 19 de abril. Fogo Frio, de Benedito Ruy Barbosa, com direo de Boal, tinha produo conjunta entre o Arena e o Oficina. poca, Boal tinha se aproximado do Oficina ao orientar, no teatro, um curso de interpretao e ao dirigir A Engrenagem e Um Bonde Chamado Desejo. A companhia ainda encenara um texto de Boal, Jos, do Parto Sepultura.

De Boal ainda viria, naquele ano, a pea considerada o produto final do Seminrio de Dramaturgia: Revoluo na Amrica do Sul. O diretor sintetizava todo o seu conhecimento desenvolvido com o Arena at ento naquela pea. Estreia inicialmente no Rio de Janeiro, em 11 de maio, no Teatro Super Shopping Center de Copacabana. J na sede do Arena, estreia em 15 de setembro, com direo de Jos Renato e elenco formado por Xand Batista, Flvio Migliaccio, Dirce Migliaccio, Srgio Belmonte, Luiz Alberto Conceio, Alfredo Barreiros, Hugo Carvana, Nelson Xavier, Milton Gonalves, Arnaldo Weiss, Percival Ferreira, Carlos Miranda, Joel Barcelos, Maria Pompeo, Vera Gertel, Vianinha, Celeste Lima e Riva Nimitz. A msica era de Geny Marcondes.

A pea coloca Boal no posto de um dos melhores dramaturgos brasileiros. O texto, com aparente falta de estrutura, trazia dilogos anrquicos, caticos, e misturava farsa, comdia, teatro de revista e circo-teatro. O noticirio da cidade ressaltava que era a primeira pea musicada que o Arena apresentava. No jornal O Estado de S. Paulo, descrevem a miscelnea de formatos que Revoluo trazia: Comdia, farsa, stira, revista, circo e mesmo chanchada, pensaro muitos. Talvez tudo isso mais alguma coisa. Mais, muito mais: documento e protesto, grito de alarma, brutal e crua denncia contra nossos polticos, contra um estado de coisa que tende a se eternizar em nosso pas.

Com Revoluo, deixa-se de lado, por hora, o realismo e entra-se no farsesco. A realidade brasileira imediata claramente discutida, mas atravs de caricaturas, tipificaes e abstraes. A pea marcava tambm o incio da influncia de Bertolt Brecht no teatro brasileiro, com o teatro pico.

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Revoluo na Amrica do Sul / Afrnio Barreiros, Flvio Migliaccio, Lus Alberto Conceio e Xand Batista (Rio de Janeiro) / 1960

Mudanas no Arena

Em 1961, Guarnieri se afasta temporariamente do Arena para trabalhar em montagens junto a outras companhias. Primeiro monta A Semente, no TBC, seu novo texto aps Eles No Usam Black-Tie e Gimba, Presidente dos Valentes, que montara no Teatro Maria Della Costa. A Semente, que falava abertamente de movimento operrio, greve e comunismo, passa por grande censura aps mobilizao de setores conservadores da sociedade. Nesse mesmo ano, ainda no TBC, Guarnieri participa de duas montagens de Flvio Rangel: Almas Mortas, de Gogol, e a primeira montagem de A Escada, de Jorge Andrade.

Almas Mortas foi, alis, um grande fracasso, como conta Juca de Oliveira: [Almas Mortas] acabou por enriquecer substancialmente as nossas biografias, como o maior fracasso do teatro brasileiro de todos os tempos. Guarnieri fazia genialmente um hilariante mujique homossexual, mas no adiantou: a pea estreou numa tera (naquela poca s havia folga na segunda) e no sbado encerrou por falta de pblico. Para se ter uma ideia da catstrofe, os trs atos da pea s foram representados na ntegra no dia da estreia. Quarta e quinta

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no houve pblico para o terceiro ato, sexta s teve gente at o primeiro e no sbado no apareceu ningum para nenhum dos atos. Nos jornais, as montagens nacionais que tomavam conta da cena paulista com Arena, Oficina e TBC ganhavam mais destaque. No jornal O Estado de S. Paulo, em 8 de janeiro: Desde que se iniciou a renovao no teatro paulista, 1960 foi o primeiro ano em que os originais brasileiros despertaram maior interesse que os estrangeiros, tanto junto crtica quanto junto ao grande pblico. Em 23 de janeiro, estreia Pintado de Alegre, de Flvio Migliaccio, com direo de Boal. Em 7 de julho, mais um texto de um membro do Arena, dessa vez de Chico de Assis: O Testamento do Cangaceiro. No programa do espetculo, Assis explica sua proposta: Desde que o Teatro de Arena se empenhou em ir revirando ideias na busca de um teatro brasileiro, muita experincia se fez. Partimos de um realismo quase naturalista, enveredamos no encalo de uma autenticidade de dramaturgia e espetculo: mergulhamos a fundo em busca do homem brasileiro e da realidade brasileira. Depois de Revoluo na Amrica do Sul, na qual Boal se desliga de uma hora para outra daquele realismo no qual estvamos empenhados, outros caminhos se mostraram com possibilidades muito largas. Fizemos no Rio A Mais Valia Vai Acabar, Seu Edgar, do Vianna. Uma pea de dramaturgia cheia de descobertas e sugestes. Nada de realismo. O que acontece que na busca de um meio de expresso novo somos obrigados a mudar, quase que de um momento para outro, todo o nosso aparato artesanal. Ainda no sabemos comequifazpraquefique da melhor maneira. Mas como a teoria s pode nascer do trabalho prtico, no hora de engavetar a experincia e ficar esperando que um dia ela salte da gaveta pronta para a prtica (...). O Testamento apenas mais uma experincia. O que se procura uma forma popular de espetculo. Fomos buscar nossas bases na literatura popular e, principalmente, no beletrismo nortista. O objetivo de fortalecer a dramaturgia nacional poderia estar sendo alcanado, mas a qualidade dos textos no era unanimidade. Dcio de Almeida Prado, no jornal O Estado de S. Paulo de 2 de fevereiro de 1961, questiona: " preciso chamar a ateno sobre os problemas brasileiros. Mas preciso tambm que as nossas peas no se envergonhem de serem somente peas, e as nossas farsas de serem somente farsas, quando por acaso isso ocorrer. Ningum contesta que salvar o Brasil tarefa de alta magnitude. Mas se algum permanece no teatro, se no abandona o palco e vai para a praa pblica fazer comcio, no ser porque sente confusamente que o teatro, sem ser a cogitao mais alta ou 38

premente da humanidade, a nica forma de expresso, que ele reconhece legitimamente como sua?". Para alm do palco na Teodoro Baima, o grupo encena O Pagador de Promessas, no TBC, e A Falecida e Boca de Ouro, no Teatro Rio e no Teatro Ziembinski. Na excurso carioca de Eles No Usam Black-Tie, Vianinha e Milton Gonalves se desligam do Arena e participam da criao do Centro Popular de Cultura, iniciativa ligada Unio Nacional dos Estudantes. Sem Vianinha e, ainda que temporariamente, sem Guarnieri, o teatro comea a repensar sua proposta, mesmo porque as crticas no estavam sendo das melhores.

Sbato Magaldi, no suplemento literrio do jornal O Estado de S. Paulo de 18 de maro, critica as ltimas montagens, apontando texto, direo e desempenho fraqussimos em Pintado de Alegre, e diz que as novas peas do Arena, tentando se basear em Eles No Usam Black-Tie, estavam se tornando por demais panfletrias e com vergonha de serem somente peas. Aps a estreia de O Testamento do Cangaceiro, que chegou a ser proibida em Santos e Bauru, Sbato escreve no Suplemento Literrio: Desde Black-Tie, o Arena montou algumas das melhores peas e tambm algumas das piores da cena brasileira. A sada de Jos Renato

Depois da sada de Vianinha e Milton Gonalves, a vez do criador do Arena, Jos Renato, buscar novos rumos. Antes, no comeo de 1962, o diretor partira para um estgio na Frana, no Thtre National Populaire. Ao retornar ao pas, traz ideias fortemente influenciadas por Bertolt Brecht e procura pr em prtica a noo de nacionalizao dos clssicos, que consistia em encenar grandes peas da dramaturgia mundial a partir de enfoque renovado e com os elementos nacionais. Antes de sair definitivamente do Arena e se mudar para o Rio de Janeiro, onde iria dirigir o Teatro Nacional de Comdia, encena Os Fuzis da Me Carrar, de Brecht, e A Mandrgora, de Maquiavel.

Em 7 de fevereiro daquele ano, estreia Os Fuzis da Me Carrar. No programa do espetculo, Jos Renato explica: Encenar esta pea, para ns, representa o desejo de aceitar a nossa poca, com a nossa arte; significa corajosamente um desafio redao... Sem querer fazer do branco, preto, e do preto, branco, desejaramos que o teatro no tivesse mais os olhos vendados. (...) A sra. Carrar teve seus olhos definitivamente abertos, somente depois do sacrifcio de seu filho. O teatro de hoje j sacrificou seu prestgio, est sacrificando seu pblico... O que faltar? (...) O teatro, nesta encruzilhada, ou domina o seu medo joga a 39

sua sobrevivncia na conquista de um pblico novo e a oficializao dos teatros se imporia sensibilidade dos governantes que ainda no existem ou continuar a se arrastar teimosamente at terminar seus dias na melancolia de um estilo de Dom Quixote. Naquele ano, em 1 de julho, o Arena anuncia nova estrutura administrativa. Como scios do teatro, entram Augusto Boal, Juca de Oliveira, Paulo Jos, Gianfrancesco Guarnieri e Flvio Imprio. Em 12 de setembro, a vez de estrear A Mandrgora. Na sede do Arena aconteciam tambm apresentaes espordicas de outros interessados, como o teatro universitrio da FAU, o cantor Fernando Lbeis e o mmico Ricardo Bandeira.

Em um teste que, de certa forma, mediu a aceitao do pblico quanto proposta do Arena, o Grupo Deciso realizou, em 1962, uma enquete, feita entre universitrios. Para a pergunta Autor nacional interessa?, o resultado foi: 65,5% sim; 5,2% no; e 29,3% indiferentes. Para a pergunta Prefere autores de corrente social?: 47,1% sim; 44,8% indiferentes; e 8,1%, que responderam no, foram classificados como individualistas. Por fim, quando se perguntou qual era o autor nacional preferido, Guarnieri ganhou disparado ao ser citado por 21,1% dos entrevistados. Mais atrs, apareciam Dias Gomes, Augusto Boal, Ariano Suassuna e Jorge Andrade.

Os Fuzis da Me Carrar / Lima Duarte, Yvonete Vieira, Arnaldo Weiss, Paulo Jos e Dina Lisboa / 1962

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O ano de 1963 passa com trs novas peas. Em 30 de janeiro, estreia O Novio, de Martins Pena, com direo de Boal. Em 6 de abril, a vez de Repouso no Telhado, de Valentin Katayev. A pea montada pelo grupo paralelo Studio Arena, comandado por Eugnio Kusnet. Por fim, em 26 de agosto, a adaptao de Boal, Guarnieri e Paulo Jos para o clssico espanhol O Melhor Juiz, o Rei, de Lope de Vega, sobe ao palco. No jornal, noticiam um balano do ano anterior: (...) Por outro lado, a vaga de autores nacionais que subira to alto em 1960 e 1961, recuou nitidamente. No mais de trs peas brasileiras foram estreadas em So Paulo, em 1962. Parece que o pblico de cansou de determinadas constantes da dramaturgia nacional nos ltimos tempos.

O comeo da Ditadura e O Filho do Co

O ano de 1964 passaria com peas de pouca expresso no Teatro de Arena, no fosse pelo Show Opinio. Havia dois anos o grupo se valia da estratgia de alternar as peas entre duas vertentes: as nacionais, escritas pelo elenco; e as estrangeiras, montadas no esquema nacionalizao dos clssicos. Mas nenhum resultado era to expressivo a ponto de o grupo reviver os tempos ureos de Eles No Usam Black-Tie. Estrearam O Filho do Co, de Guarnieri, com direo de Paulo Jos; Tartufo, de Molire, com direo de Boal; e, na Paraba, O Soldado Fanfarro, de Plauto. A experincia dessa pea, alis, resultaria, futuramente, na criao do Ncleo 2 do Arena.

O Filho do Co marcava a volta de um texto de Guarnieri ao palco do Arena. A pea fora escrita a pedido de Boal, que queria algo ambientado no Nordeste. Mas se antes Guarnieri acertara em cheio com Black-Tie, por conhecer de perto o ambiente do morro e da classe operria, no serto nordestino o autor j no se sentia to em casa, fazendo com o que o texto ficasse carregado de clichs e retratos no to claros daqueles personagens sertanejos. Aps o golpe militar, a pea imediatamente saiu de cartaz e Guarnieri se viu obrigado a sair por um tempo do pas.

Em entrevista a Srgio Roveri, Guarnieri conta sobre a censura de O Filho do Co: Na noite de 31 de maro a pea foi apresentada normalmente. Depois da apresentao eu comecei a coordenar um debate com vrios estudantes de Medicina, ali na USP da Maria Antonia. (...) Entrou um cara correndo e disse: Foi dado o golpe, a revoluo, a revoluo. Foi aquele zum-zum-zum no teatro, eu tinha certeza que o golpe viria. (...) No dia seguinte ns resolvemos fechar o Arena. Ns apenas nos antecipamos, porque o teatro seria fechado de

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qualquer jeito. Eles viriam por cima mesmo. Ns tiramos O Filho do Co de cartaz, fechamos o teatro e ficamos por l, dando uma de panaca. O Arena parou.

O Filho do Co / Isabel Ribeiro, Juca de Oliveira, Joana Fomm, Ana Maria Cerqueira Leite, Antero de Oliveira, Gianfrancesco Guarnieri / 1964

Guarnieri chegou a ficar alguns dias refugiado em um stio perto de So Paulo. Depois, procurou o cengrafo Cyro Del Nero, seu amigo, que o ajudou a traar uma fuga: O plano dele foi esse: colocou a mim e ao Juca de Oliveira dentro de um Fusca e nos levou at a cidade de Trs Lagoas, no Mato Grosso do Sul. Ele nos emprestou algum dinheiro e disse: agora o esquema o seguinte vocs vo pegar um trem para Corumb e, de l, outro trem para Santa Cruz de La Sierra. Guarnieri, que tinha mulher e dois filhos, ficou trs meses com Juca de Oliveira na Bolvia, at ter certeza de que poderiam voltar em segurana e o Arena no seria fechado. O Arena no resistiu represso gerada aps o golpe militar de 1964. O regime no apenas torturava ou tirava as pessoas de circulao, ele fechava todas as possibilidades de trabalho para o teatro. Eles impediam que a gente tivesse qualquer patrocnio. Eles secaram o grupo, estrangularam o Arena. Fazer parte do Arena passou a representar um perigo nossa integridade fsica. No faltaram ameaas. O grupo no poderia sobreviver naquelas condies. Como o tempo se encarregou de provar, no sobreviveu mesmo, conta Guarnieri.

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O Show Opinio

O grande destaque de 1964 s apareceu em 11 de dezembro, com a estreia do Show Opinio, no teatro do Shopping Center Copacabana, no Rio de Janeiro. O momento poltico seria outro a partir dali, assim como a forma com que o teatro passaria a ser tratado pelo governo e pelos censores. Nascido a partir de uma ideia de Boal, o show trazia apresentaes de Joo do Vale, Nara Leo e Z Ketti, e contava com uma produo conjunta entre o Arena e o Teatro Oficina. Era preciso repensar o repertrio, j que peas brasileiras realistas e por vezes bvias poderiam ser alvos fceis para a censura. Na pea, os trs atores-cantores intercalavam suas composies com narraes que falavam dos problemas sociais do pas. Armando Costa, Vianinha e Paulo Pontes assinavam o texto.

Show Opinio / Nara Leo, Joo do Vale, Z Ketti e Roberto Nascimento / 1964

Os trs autores escreveram no programa da pea: Este espetculo tem duas intenes principais. Uma a do espetculo propriamente dito: Nara, Ketti e Joo do Vale tm a mesma opinio: a msica popular tanto mais expressiva quanto mais tem uma opinio, quando se alia ao povo na captao de novos sentimentos e valores necessrios para a evoluo social; quando mantm vivas as tradies de unidade e integrao nacionais. A msica popular no pode ver o pblico como simples consumidor de msica; ele fonte e 43

razo de msica. (...) A segunda inteno do espetculo refere-se ao teatro brasileiro; uma tentativa de colaborar na busca de sadas para os problemas do repertrio do teatro brasileiro que est entalado: atravessando uma crise geral que sofre o pas e uma crise particular que, embora agravada pela situao geral, tem, claro, seus aspectos mais especficos.

Boal, em uma entrevista para o jornal O Estado de S. Paulo, em 13 de abril, analisa: Uma supervalorizao intelectual, entre outros motivos, tem anulado o poder criativo do intrprete brasileiro. Da a falta de comunicao de muitas das nossas montagens: o teatro l, o pblico c. Vrias tentativas tm sido feitas para reestabelecer o teatro de autoria brasileira no somente o teatro do dramaturgo brasileiro o espetculo do homem brasileiro. E Opinio nasceria, assim, desse estmulo, aproveitando as composies e o talento musical de intrpretes como Maria Bethnia, Z Ketti e Joo do Vale. Arena Conta Zumbi

Mesmo com a ditadura, o Teatro de Arena permanece aberto. O sucesso do Show Opinio se transfere para So Paulo, estreando em 13 de abril. Maria Bethnia substitua Nara Leo no espetculo. Desde o ano anterior, entretanto, o Arena j preparava aquela que seria a mais emblemtica e bem-sucedida de suas peas, ao lado de Eles No Usam Black-Tie: Arena Conta Zumbi.

Guarnieri conhece o compositor Edu Lobo em 1964 e a ele explica a ideia de um musical que falasse de um personagem brasileiro. A proposta inicial era fazer algo nesse sentido naquele ano, mas talvez o impacto causado pelo incio da ditadura, em um momento que no se sabia ainda ao certo como as coisas evoluiriam e qual o grau de represso que poderia recair sobre o Arena, tenha feito com que o projeto fosse adiado alguns meses e se transferisse para 1965.

Guarnieri conta: Foi um projeto completamente integrado. O Edu Lobo no era um compositor de fora que chegou apenas para fazer um trabalho, sem compromisso. Ao contrrio, ele participou mesmo, mergulhou no nosso processo de produo e entrou para o time. Boal traz sua experincia do Show Opinio, ao perceber que era possvel criar um musical brasileiro, um espetculo que misturasse o texto dramtico com a msica brasileira. Ele e 44

Guarnieri dividem a autoria do texto, que conta a histria de Zumbi dos Palmares e da luta dos quilombolas e sua resistncia ao jugo portugus. De certa forma, era uma metfora, um modo de discutir a ditadura e a falta de liberdade do tempo presente. Ao invs de falar claramente do regime militar dos anos 60, optou-se por colocar no palco outro episdio brasileiro de represso e injustia.

O espetculo estreia em 1 de maio. No elenco, Anthero de Oliveira, Chant Dessian, David Jos, Dina Sfat, Guarnieri, Lima Duarte, Marlia Medalha e Vnya SantAnna, Com msicas de Edu Lobo. Os msicos eram Anunciao, Carlos Castilho e Nen. A direo musical ficou por conta de Carlos Castilho.

A inovao de Zumbi era tambm esttica: Boal inaugurava o Sistema Coringa, modelo dramtico que viabilizava encenaes com muitos personagens mesmo com um elenco reduzido. Os oito atores se revezavam nas aes das pequenas cenas focadas sobre o ponto principal da trama. No estava tambm vinculada a figura de um determinado ator a um determinado personagem: cada personagem era interpretado por todos ao longo da pea. Cabia ao coringa, o nico ator com personagem fixo, interligar cenas e processos atravs de discursos e falas diretas com o pblico.

Zumbi era um musical nitidamente brasileiro que se distanciava dos musicais norteamericanos de entretenimento. Novamente, assim como na poca do surgimento do Arena e de seu formato inovador de encenao, a questo prtica se aliava a um aspecto terico: o Arena no tinha condies econmicas de montar uma pea de 100 atores e 30 cenrios. Era preciso, ento, contar a histria de uma maneira satisfatria mesmo com elenco, produo e espao reduzidos. A soluo foi o Sistema Coringa de Boal.

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Arena Conta Zumbi / Lima Duarte, Dina Sfat, Izaas Almada, Gianfrancesco Guarnieri, Anthero de Oliveira e Vnya SantAnna / 1965

Boal e Guarnieri no programa do espetculo: Vivemos num tempo de guerra. O mundo todo est inquieto. Em todos os campos da atividade humana esta inquietao determina o surgimento de novos processos e formas de enfrentar os novos desafios. Menos no teatro. (...) Nessa etapa do seu desenvolvimento o Arena desconhece o que o teatro. Queremos apenas contar uma histria segundo nossa perspectiva, (...) Para fazer uma pea assim precisaramos (se fssemos convencionais), de mais de 100 atores, 30 cenrios. (...) Destes fatos concretos surgiram as novas tcnicas que estamos usando em Arena Conta Zumbi: personagens absolutamente desvinculados do ator (todo mundo faz todo mundo, mulher faz papel de homem sem dar bola para essas coisas etc.), narrao fragmentada sem cronologia, fatos importantes misturados com coisa pouca....

O crtico Dcio de Almeida Prado, no livro Exerccio Findo, explica a pea: O ttulo perfeito: a histria no vivida, mas apenas narrada pelos atores. Estes no se apresentam como personagens, mas como narradores, atuando sempre coletivamente. A mesma pessoa - Zumbi, por exemplo - representada por este ou aquele intrprete, dependendo das circunstncias e sem nenhum prejuzo para a clareza do espetculo. uma tcnica original e bastante efetiva dramaticamente. O cenrio compe-se somente de dois ou trs acessrios e um opulento tapete vermelho, que faz as vezes de pano de fundo; Boal, como encenador, tende cada vez mais a projetar os atores sobre o cho. No h nomes a destacar 46

no elenco, a no ser o de Dina Sfat, entre as mulheres, todas elas particularmente jovens e bonitas, e, entre os homens, Gianfrancesco Guarnieri, um prodigioso ator de farsa que, neste terreno, ainda no foi devidamente explorado. (...) Arena Conta Zumbi lembra frequentemente um comcio poltico cantado e danado: um frenesi de movimentos, de rumor, com muito poucas perspectivas realmente novas, Sound and fury - ser esse por acaso o novo ideal do nosso teatro de esquerda?.

Arena Conta Zumbi / Izaas Almada e Gianfrancesco Guarnieri / 1965

O sucesso da pea foi estrondoso, ficando por dois anos sendo encenada e excursionando por diversos pases do globo. As canes do espetculo chegaram a ser regravadas por outros artistas e tocar exausto nas rdios. Era o momento em que o Teatro de Arena chegava mais perto de algo que pudesse ser chamado de popular, a exemplo da MPB.

O ano de 1965 se encerraria com outras apresentaes: em 5 de agosto, Esse Mundo Meu, de Chico de Assis; em 8 de setembro, pr-estreia de Arena Canta Bahia, com texto e direo de Boal e direo musical de Caetano Veloso e Gilberto Gil (foi encenada no TBC); e, em 23 de outubro, Tempos de Guerra, pea de Boal e Guarnieri que usava poemas de Brecht e que estrou no Teatro Oficina.

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O Ncleo 2 e Arena Conta Tiradentes

O ano de 1966 comea, paralelamente s encenaes bem-sucedidas de Arena Conta Zumbi, com discusses sobre um segundo seminrio teatral. O novo Seminrio de Dramaturgia teve sua primeira reunio em maro e, entre seus presentes, estavam Augusto Boal, Antunes Filho, Walter George Durst, Anatol Rosenfeld, Renata Pallotini, Carlos Murtinho e Walter Negro. O projeto, de vida efmera, teve um manifesto assinado por Osman Lins, Renata Pallotini, Roberto Freire, Walter George Durst, Guarnieri, Boal, Muniz e Ablio Pereira de Almeida. Jorge Andrade telefonou depois para manifestar apoio. Dizia:

Ns, dramaturgos brasileiros, residentes em So Paulo, todos com servios prestados ao teatro nacional, denunciamos as tendncias, cada vez mais ostensivas de certos empresrios e pseudo empresrios, que valorizam sistematicamente, em suas atividades profissionais, o autor aliengena em detrimento do escritor brasileiro, transgredindo inclusive e usando para isso vrios artifcios, o dispositivo da Lei n 1.565, de 3 de fevereiro de 1952, regulamentada pelo Decreto n 50.631, de 19 de maio de 1961, que estabelece a obrigatoriedade de representao pelas companhias teatrais de peas nacionais. Vimos protestar junto ao pblico contra essa perniciosa atitude.

Em 13 de maio, estreia O Inspetor Geral, de Gogol. Naquele ano, Arena Conta Zumbi continuava a ser o centro das atenes da cena brasileira. Em entrevista de 15 de maio ao jornal O Estado de S. Paulo, Boal fala da proposta atual do grupo: Nos ltimos anos, a etapa de desenvolvimento dos textos musicais vem sendo alternada com a de nacionalizao dos clssicos universais. Esta ltima linha baseia-se no pressuposto de que nenhuma pea pode ser considerada universal a menos que se prove eminentemente brasileira.

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O Inspetor Geral / Em primeiro plano, de costas: Fauzi Arap / De frente: Luiz Nagib Arnani, Gianfrancesco Guarnieri, Eloy Arajo, Danilo Gregol e Sylvio Zilber / 1966

Em 1967, o Arena inicia oficialmente as atividades do Ncleo 2, um grupo parte do elenco principal de atores. Era um teatro de experincia, a cargo de novos diretores. Os objetivos do grupo so esclarecidos ao pblico com um texto publicado no programa da pea Farsa com Cangaceiro, Truco e Padre, de Chico de Assis. Dizia: Os vrios elencos do Ncleo 2 Arena esto empenhados numa tarefa que este ano constar em trs etapas: montagem de textos que queremos fazer, mas que no se enquadram nas etapas do Arena aproveitamento de atores, diretores e cengrafos, na sua maioria estreantes. (...) Reavaliao de estilos ou de certas convenes geralmente aceitas sem discusso. (...) O que estaro fazendo os dramaturgos de pases semelhantes ao Brasil? Pases em vias de desenvolvimento, perdoando-se o eufemismo. O Ncleo 2 do Arena pretende descobrir e mostrar esses autores.

O ncleo encena, em 1967, A Farsa com Cangaceiro, Truco e Padre, de Chico de Assis; O Processo, de Franz Kafka; A Granada, de Rodolfo Walsh; e Escola de Mulheres, de Molire, com direo de Izaas Almada.

Naquele ano, viria a segunda pea surgida da proposta que comeou com Zumbi. Dessa vez a liberdade a falta dela, melhor dizendo seria discutida atravs da histria dos inconfidentes mineiros. Era Arena Conta Tiradentes. 49

A pea estreia em 21 de abril e tinha como subttulo Coringa em dois tempos e cinco episdios, pois se valia do Sistema Coringa de Boal para contar a histria. No elenco estavam Guarnieri, Renato Consorte, David Jos, Jairo Arco e Flexa, Claudio Pucci, Sylvio Zilber, Dina Sfat e Vnya SantAnna. Cenrios e figurinos eram de Flvio Imprio. Msicas de Tho de Barros, Sidney Miller, Caetano Veloso e Gilberto Gil. Iluminao por Orion de Carvalho. Direo musical de Tho de Barros e direo-geral de Boal.

Arena Conta Tiradentes / Clia Helena, Renato Consorte, Cludio Pucci, Jairo Arco e Flexa, David Jos, Sylvio Zilber e Vnya SantAnna / 1967

No programa do espetculo, Boal direto: O principal objetivo de Tiradentes a anlise de um movimento libertrio que, teoricamente, poderia ter sido bem-sucedido. Era a anlise de um movimento de sculos atrs em um momento sociopoltico onde a sociedade tambm se engajava, em parte, na criao de seu movimento libertrio.

Sbato Magaldi analisa o uso do Coringa pela segunda vez, depois de Zumbi, j observando uma metodologia: A pea ilustra o primeiro sistema nacional de montagem, ou que o mtodo de representao foi motivado pelas exigncias especficas do texto. Quatro tcnicas adotadas: desvinculao do ator e personagem, atores agrupados sob a perspectiva de narradores, o ecletismo de gnero e de estilo e a presena de msica. E o mtodo de encaixa no espao fsico limitado, na verba limitada. Ficou ali no apogeu. Mas seria estranho repeti-la e comear a ser adotada por qualquer teatro indiscriminadamente. 50

No tinha como repetir o processo do coringa de novo sem ser insuportvel. Por felicidade, Boal trilhou outros caminhos.

Arena Conta Tiradentes / Jairo Arco e Flexa, David Jos e Sylvio Zilber / 1967

O uso do Sistema Coringa em Tiradentes colocava a questo de Brecht sobre a mscara dentro do prprio espetculo, no s na preparao das personagens durante os ensaios. Enquanto as outras personagens eram compostas coletivamente por todos os atores, a figura de Tiradentes, o heri, tinha um ator fixo, a fim de criar empatia e reconhecimento do pblico.

Naquele ano, o Arena ainda levaria para o palco duas experincias consideradas frustradas: O Crculo de Giz Caucasiano, de Brecht; e La Moschetta, de Angelo Beolco. Giz Caucasiano tem uma nica apresentao no teatro A Hebraica, em 24 de outubro. A pea cancelada, sob o argumento de Boal que todos os atores estavam esgotados. A pea s voltaria em 1971, nos ltimos momentos do Arena, com direo de Luiz Carlos Arutin. J La Moschetta estreia em 17 de novembro com Guarnieri, Slvio Zilber, Miriam Muniz e Antnio Fagundes, recebendo fortes crticas, salvo a interpretao de Guarnieri.

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Feira Paulista de Opinio

Em 1968, o Arena comea suas atividades com a pea Srgio Ricardo na Praa do Povo, estreando em 1 de fevereiro, com texto e direo de Boal. No programa do espetculo, Boal afirma: Muitas renovaes e revolues foram feitas no teatro e na msica nos ltimos anos. O teatro partiu da sua total alienao da fase urea do TBC para a busca de autenticidade e passou a mostrar as nossas coisas tais como elas so, nossa realidade. (...) Depois evoluiu para a nacionalizao dos clssicos. Depois para a destruio de todos os velhos valores, para o questionar de todas as convenes aceitas, de todas as tradies, mtodos e processos.

Logo depois, o teatro se empenha em levar adiante uma ideia que surgira ainda no ano anterior. Em outubro, o deputado Jos Felcio Castellano (ARENA), secretrio do governo do estado, havia oferecido um jantar aos autores paulistas premiados no concurso de peas do Servio Nacional de Teatro. Ali conversaram Boal, Jorge Andrade, Lauro Csar Muniz, Plnio Marcos e Sbato Magaldi, entre outros. no jantar que surge o projeto de se fazer uma montagem que discutisse aquele momento poltico do pas e mostrasse a oposio da arte frente ditadura. Nascia a ideia para a 1 Feira Paulista de Opinio.

A Feira estreou em 7 de junho, no Teatro Ruth Escobar, com textos de vrios autores. Guarnieri trazia Animlia; Lauro Csar Muniz trazia O Lder; Plnio Marcos vinha com Verde Que Te Quero Verde; Brulio Pedroso com O Senhor Doutor; Jorge Andrade com A Receita; e Boal com A Lua Muito Pequena e A Caminhada Perigosa. A direo era de Boal e as msicas foram compostas por Caetano Veloso, Gilberto Gil, Edu Lobo, entre outros. No elenco: Renato Consorte, Miriam Muniz, Araci Balabanian, Ana Mauri, Luiz Carlos Arutin, Antnio Fagundes, Rolando Boldrin e Edson Soler.

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1 Feira Paulista de Opinio / Antnio Fagundes e Aracy Balabanian / 1968

No programa do espetculo, Boal escreve o artigo O que pensa voc da arte de esquerda? e discute a poltica do pas e o delicado momento da ditadura: "Os caminhos da esquerda revelaram-se becos diante do maniquesmo governamental. J nada vale autoflagelar-se realisticamente, exortar plateias ausentes ou vestir-se de arco-ris e cantar chiquita bacana e outras bananas. Necessrio, agora, dizer a verdade como . E como diz-la? E mais: como sab-la? Nenhum de ns, como artista, rene condies de, sozinho, interpretar nosso movimento social. Conseguimos fotografar nossa realidade, conseguimos premonitoriamente vislumbrar seu futuro, mas no conseguimos surpreend-la no seu movimento. (...) necessrio pesquisar nossa realidade segundo ngulos e perspectivas diversas: a estar seu movimento. Ns, dramaturgos, compositores, poetas, caricaturistas, fotgrafos, devemos ser simultaneamente testemunhas e parte integrante dessa realidade. Seremos testemunhas na medida em que observamos a realidade e parte integrante na medida em que formos observados. Esta a ideia da 1 Feira Paulista de Opinio.

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1 Feira Paulista de Opinio / Renato Consorte em Verde Que Te Quero Verde / 1968

Ainda que se valesse de metforas e alegorias, as crticas Ditadura eram escrachadas e diretas. Numa das peas, por exemplo, a personagem que representava o chefe da censura era feita por um ator fantasiado de macaco. A censura caiu com fora sobre a pea. Primeiro no estreou no dia previsto, pois o atestado liberatrio no foi enviado a tempo. O Arena decide que, mesmo assim, a pea seguiria adiante, com liberao da censura ou no. Finalmente, quando o parecer foi enviado, descobriram que 84 cortes foram exigidos no texto. Mediante voto entre todos da equipe, se decidiu que o texto seguiria sendo apresentado sem cortes. Logo a Polcia Federal barra o espetculo, o que faz com que a classe teatral reclame pessoalmente com o ministro da Justia Gama e Silva. Por fim, um juiz concede uma liminar que permite as apresentaes, sendo que o grupo passa a acatar alguns cortes apontados anteriormente. Para encerrar o ano, a ltima estreia em 15 de outubro no Teatro Ruth Escobar, com Mac Bird, de Barbara Garson, com direo de Boal. Elenco com Etty Fraser, Francisco Martins, Renato Consorte, Ana Mauri, Ceclia Thumin, Luiz Carlos Arutim, Zanoni Ferrite, Luiz Serra, Umberto Magnani, Edson Soler e Paco. Jlio Medalha na direo musical, figurino de Nelson Leirner. 54

O sucesso de Arena Conta Zumbi no exterior

Em dezembro de 1968, decretado o Ato Institucional nmero 5 pelo regime militar, iniciando a fase de maior represso e arbitrariedade da Ditadura. Teatros conhecidos pela temtica social e pelo envolvimento com a esquerda, principalmente Oficina e Arena, passam cada vez mais a serem alvos diretos.

O ano de 1969 comea com a estreia Chiclete e Banana, em 8 de maio. A pea tinha texto e direo de Boal e direo musical de Nelson Ayres. Musicado, o espetculo trazia Zezinha Duboc e Vera Regina, entre outros. Aps convite do Theatre of Latin America, o Arena faz uma excurso pelos EUA com Arena Conta Zumbi. Era a chance de apresentar comunidade internacional o trabalho da principal companhia teatral brasileira at ali, mas tambm uma maneira de o grupo principal deixar o pas e tentar acalmar um pouco os nimos. A apresentao inaugural de Arena Conta Zumbi acontece em 18 de agosto, no Saint Clement's Theatre, em Nova York. No elenco: Rodrigo Santiago, Lima Duarte, Renato Consorte, Antonio Pedro, Ceclia Thumin, Tho de Barros, Vera Regina, Germano Batista, Antonio Anunciao, Jos Alves e Zezinha Duboc.

O noticirio estrangeiro tambm d ateno ao grupo. No jornal The Record, em 19 de agosto: This is an exciting young theatre group, using dance, mime, music and a variety of techniques to create a new drama style. Even with this language gulf, the Arena Theater comes across as a company of fiery passion, noble commitment and enormous skill. J no jornal The New York Times do mesmo dia: Three low-key Brazilian instrumentalist and eight singing actors tried out the Afro-bossa nova on their first American audience last night, wondering if the rock-obsessed generation had left any room for the jazz-tinged variant of the samba. They hardly expected to duplicate the kind of frenzy generated by the raucous rock and soul music that drew more than 400,000 youths to the Woodstock Festival last weekend. Modestly, they chose to appear at the 150-seat St. Clement's Episcopal Church at 423 West 46th Street. But the capacity audience, including many longhaired and beaded youths, moved happily with the syncopated rhythms of th