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CARTA PASTORAL Ao Clero Aos Religiosos(as) Aos Consagrados(as) Aos Leigos Aos Serviços Diocesanos e Movimentos Apostólicos Às Pessoas de Boa Vontade Da Diocese de Angra No final da Visita Pastoral à Diocese de Angra «Jesus percorria cidades e aldeias, ensinando e caminhando para Jerusalém» (Lc. 13,22). Ao longo dos últimos cinco anos, desde o mês de Janeiro de 2017 até ao mês de Janeiro de 2021, Deus deu-me a graça de visitar todas as comunidades cristãs da diocese de Angra. A par do contacto com as diversas estruturas, grupos e movimentos da comunidade paroquial, correspondendo ao apelo do Concilio Vaticano II para que a Igreja esteja atenta ao mundo, escute os seus apelos e lhe ofereça, em diálogo sincero, a força do Evangelho que salva, procurei conhecer e conversar com as diversas instituições de serviço público, governo, autarquias, associações, grupos, escolas, IPSS, forças militares, de segurança, protecção das populações… Tal como todos os cidadãos, fui surpreendido pela pandemia do Covid/19 que forçou à interrupção da visita pastoral, tal como a muitas actividades, inclusivamente religiosas. As nossas comunidades sofreram e alteraram os seus hábitos; os serviços de saúde e de protecção civil foram pressionados perante a necessidade de respostas para acudir às situações graves de doença; os governantes foram ensaiando respostas para articular a saúde com as diversas realidades da vida social e económica. Enfim, no

No final da Visita Pastoral à Diocese de Angra€¦ · Janeiro de 2021, Deus deu-me a graça de visitar todas as comunidades cristãs da diocese de Angra. A par do contacto com as

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CARTA PASTORAL

Ao Clero

Aos Religiosos(as)

Aos Consagrados(as)

Aos Leigos

Aos Serviços Diocesanos e Movimentos Apostólicos

Às Pessoas de Boa Vontade

Da Diocese de Angra

No final da Visita Pastoral à Diocese de Angra

«Jesus percorria cidades e aldeias,

ensinando e caminhando para Jerusalém» (Lc. 13,22).

Ao longo dos últimos cinco anos, desde o mês de Janeiro de 2017 até ao mês de

Janeiro de 2021, Deus deu-me a graça de visitar todas as comunidades cristãs da

diocese de Angra.

A par do contacto com as diversas estruturas, grupos e movimentos da

comunidade paroquial, correspondendo ao apelo do Concilio Vaticano II para que a

Igreja esteja atenta ao mundo, escute os seus apelos e lhe ofereça, em diálogo sincero,

a força do Evangelho que salva, procurei conhecer e conversar com as diversas

instituições de serviço público, governo, autarquias, associações, grupos, escolas, IPSS,

forças militares, de segurança, protecção das populações…

Tal como todos os cidadãos, fui surpreendido pela pandemia do Covid/19 que

forçou à interrupção da visita pastoral, tal como a muitas actividades, inclusivamente

religiosas. As nossas comunidades sofreram e alteraram os seus hábitos; os serviços de

saúde e de protecção civil foram pressionados perante a necessidade de respostas

para acudir às situações graves de doença; os governantes foram ensaiando respostas

para articular a saúde com as diversas realidades da vida social e económica. Enfim, no

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meio do sofrimento e do medo, despertou muita generosidade e confiança num futuro

que nos mobiliza a todos para que seja verdadeiramente humano.

Colhi na esperança o enorme esforço que se está a realizar na Região dos

Açores, a disponibilidade e generosidade de grande número de pessoas, o sacrifício e

dedicação de muitos que se entregam pelo engrandecimento da dignidade humana e

pela edificação do bem comum.

Para todos fica a minha palavra de gratidão, de reconhecimento e de apoio ao

seu esforço.

Cumpre-me oferecer aos cristãos da diocese e a todos os homens e mulheres

de boa vontade algumas reflexões que ajudem a progredir na tarefa comum de

edificarmos uma comunidade cristã cada vez mais à maneira de Jesus Cristo,

interpelada pela doutrina conciliar e aberta ao mundo de hoje para lhe oferecer o

dinamismo renovador do Evangelho.

Parte da visita pastoral desenvolveu-se a par com a caminhada sinodal que

convida à participação activa de todos os baptizados na Eucaristia e, a partir do

encontro com Jesus Cristo vivo, reconhecerem a sua integração efectiva na

comunidade cristã e de forma determinada assumirem a responsabilidade de

testemunharem a Boa Nova de Jesus Cristo na Igreja e no mundo.

Simultaneamente, perante todos os açorianos que procuram comprometer-se

na causa da edificação de uma sociedade mais justa e digna do ser humano, ofereço

também o meu contributo para em conjunto alcançarmos aquilo que todos

ambicionamos e que está patente na aspiração de sermos uma humanidade nova

promotora dos verdadeiros valores, do bem, da justiça, da paz, da fraternidade, na

verdade e no amor.

1. Igreja em diálogo com a cultura

A primeira preocupação que apresento tem a ver com a cultura actual e a

dificuldade de abertura quer da comunidade cristã à cultura de hoje quer da cultura

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aos valores essenciais e fundamentais da pessoa humana que lhe são dados pela

Revelação.

Neste contexto importa começarmos por definir o que se entende por cultura.

O Concilio Ecuménico Vaticano II, na Constituição Gaudium et Spes, nº53, ao

referir-se à cultura diz: «a palavra “cultura” indica, em geral, todas as coisas por meio

das quais o homem apura e desenvolve as múltiplas capacidades do seu espírito e do

seu corpo; se esforça por dominar, pelo estudo e pelo trabalho, o próprio mundo;

torna mais humana, com o progresso dos costumes e das instituições, a vida social,

quer na família quer na comunidade civil; e, finalmente, no decorrer do tempo,

exprime, comunica aos outros e conserva nas suas obras, para que sejam de proveito a

muitos e até à inteira humanidade, as suas grandes experiências espirituais e as suas

aspirações».

S. Paulo VI, fazendo eco desta definição de cultura, na Exortação Apostólica

Evangeli Nuntiandi, referindo-se à evangelização da cultura diz que se trata «de chegar

a atingir e como que a modificar pela força do Evangelho os critérios de julgar, os

valores que contam, os centros de interesse, as linhas de pensamento, as fontes

inspiradoras e os modelos de vida da humanidade, que se apresentam em contraste

com a Palavra de Deus e com o desígnio da salvação» (nº 19).

Embora reconhecendo que o Evangelho e as culturas não se confundem, no

entanto «o reino que o Evangelho anuncia é vivido por homens profundamente ligados

a uma determinada cultura, e a edificação do reino não pode deixar de servir-se de

elementos da civilização e das culturas humanas» (nº 20).

Deste modo, apresenta-se «a ruptura entre o Evangelho e a cultura» como «o

drama da nossa época, como o foi também de outras épocas» (nº 20).

Então, convida-nos o Santo Padre, realçando que «importa envidar todos os

esforços no sentido de uma generosa evangelização da cultura, ou mais exactamente

das culturas» (nº 20). Aliás, «estas devem ser regeneradas mediante o impacto da Boa

Nova. Mas um tal encontro não virá a dar-se se a Boa Nova não for proclamada» (nº

20).

Ainda no âmbito da relação da Igreja com a cultura, voltando-nos para o

contexto europeu, no qual nós nos integramos, deve despertar-nos para uma nova

evangelização a denuncia que S. João Paulo II faz no texto da Exortação Pos-Sinodal

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«Ecclesia in Europa», ao afirmar que «no continente europeu, certamente não faltam

prestigiosos símbolos da presença cristã, mas, com a afirmação lenta e progressiva do

secularismo, correm o risco de reduzirem-se a meros vestígios do passado» (nº 7).

Aliás, «muitos já não conseguem integrar a mensagem evangélica na

experiência diária; aumenta a dificuldade de viver a própria fé em Jesus num contexto

social e cultural onde é continuamente desafiado e ameaçado o projecto de vida cristã;

em vários sectores públicos, é mais fácil definir-se agnóstico do que crente; dá a

impressão de que o normal é não crer, enquanto o acreditar teria necessidade de uma

legitimação social não óbvia nem automática» (nº 7).

Dada a verificação de que estamos perante «a tentativa de fazer prevalecer

uma antropologia sem Deus e sem Cristo», surge uma «nova cultura, influenciada em

larga escala pelos mass-media, com características e conteúdos frequentemente

contrários ao Evangelho e à dignidade da pessoa humana» (nº 9).

É deveras preocupante e interpelante o facto de nos depararmos com a cultura

europeia que «dá a impressão de uma “apostasia silenciosa “ por parte do homem

saciado, que vive como se Deus não existisse» (nº 9).

Já o Papa Francisco, na alocução aos Cardiais da Cúria Romana, no Natal de

2019, afirmava num dado passo que «efectivamente as populações que ainda não

receberam o anúncio do Evangelho não vivem apenas nos Continentes não ocidentais,

mas habitam em toda parte, especialmente nas enormes concentrações urbanas,

requerendo também elas uma pastoral específica».

E acrescenta, sublinhando que «nas grandes cidades, precisamos de outros

“mapas”, outros paradigmas, que nos ajudem a situar novamente os nossos modos de

pensar e as nossas atitudes: já não estamos, irmãos e irmãs, na cristandade»! Mais

ainda, alerta o Santo Padre, «hoje, já não somos os únicos que produzem cultura, nem

os primeiros nem os mais ouvidos».

A partir desta constatação, reconhece-se que «precisamos duma mudança de

mentalidade pastoral, o que não significa passar para uma pastoral relativista». De

facto, «já não estamos num regime de cristandade, porque a fé – especialmente na

Europa, mas também em grande parte do Ocidente – já não constitui um pressuposto

óbvio da vida habitual; na verdade, muitas vezes é negada, depreciada, marginalizada

e ridicularizada».

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Ao trazer, no contexto da visita pastoral, esta reflexão sobre a necessidade

imperiosa de atender à cultura dominante, deve-se precisamente ao facto de estarmos

perante uma realidade de relevância impar para a evangelização.

Tal como alertei em todas as comunidades cristãs, exige-se de cada

comunidade, de todos os agentes pastorais, nomeadamente das estruturas de

corresponsabilidade e comunhão, como é o Conselho Pastoral, e cada um dos grupos e

movimentos apostólicos, que dediquem tempo para a análise do contexto cultural em

que vivemos e, com verdadeira sabedoria cristã que brota da intimidade com Jesus

Cristo, captar as linhas de força de actuação para responder evangelicamente ao

tempo em que vivemos.

Este é sem dúvida uma tarefa pastoral prioritária sob pena de não

encontrarmos ambiente capaz de acolher a evangelização.

a) A Comunicação Social ao serviço da Evangelização

As comunidades cristãs dão pouco valor à comunicação social. Sobretudo é

preocupante a falta de discernimento no que diz respeito a quem recebe a

comunicação. Esta realidade torna-se ainda mais premente dado que hoje a

comunicação social faz-se não só pelos meios tradicionais, mas sobretudo pelas redes

sociais.

Todos os anos, O Papa publica uma mensagem sobre temáticas de relevo na

comunicação social para proporcionar uma reflexão séria para o bom uso dos diversos

meios.

Também na nossa diocese, iniciámos uma proposta de valorização da

comunicação social ajudando todos os educadores na sua utilização tornando-a meio

de valorização pessoal, social e de evangelização. Lamentavelmente, tem tido pouca

receptividade. É uma tarefa que se pede ao serviço diocesano para a comunicação

social de modo a continuar a promover uma autêntica comunicação social, segundo as

orientações da Igreja.

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O Concilio Vaticano II dedicou parte da sua reflexão a esta problemática e

exorta os cristãos dizendo que «a Igreja católica, fundada por Nosso Senhor Jesus

Cristo para levar a salvação a todos os homens, e por isso mesmo obrigada a

evangelizar, considera seu dever pregar a mensagem de salvação, servindo-se dos

meios de comunicação social, e ensina aos homens a usar rectamente estes meios»

(IM. 3).

E, acrescenta, «à Igreja, pois, compete o direito nativo de usar e de possuir toda

a espécie destes meios, enquanto são necessários ou úteis à educação cristã e a toda a

sua obra de salvação das almas; compete, porém, aos sagrados pastores o dever de

instruir e de dirigir os fiéis de modo que estes, servindo-se dos ditos meios, alcancem a

sua própria salvação e perfeição, assim como a de todo o género humano» (IM. 3).

Se é impossível, hoje, prescindir das redes sociais para uma comunicação mais

eficaz, sobretudo entre os jovens, requer-se uma atenção privilegiada por parte das

comunidades cristãs para uma verdadeira pastoral das comunicações sociais, tal como

nos indica o documento conciliar atrás citado.

b) Os bens culturais ao serviço da Evangelização

Tendo percorrido todas as comunidades cristãs da nossa diocese, fica-se com

uma noção mais exacta da riqueza do património cultural e religioso que integram as

diversas igrejas e outros templos sagrados e as belíssimas tradições cristãs que

continuam a animar o povo das nossas Ilhas.

Se é verdade que a arte sacra e outro património fazem parte de uma história

riquíssima de manifestação religiosa e são a expressão mais genuína da cultura de um

povo, também é verdade que nos cumpre, hoje, perseverar e valorizar este

património, colocando-o no lugar certo e para o qual foi criado, conservando-o e

cuidando dele, segundo as normas que a Igreja propõe para a sua dignificação.

A par com uma boa conservação e recuperação do património religioso, em

muitas paróquias, verifica-se também algum desleixo, abandono e más práticas na

recuperação e conservação.

É obrigação da diocese de zelar pelo cumprimento das regras da boa edificação,

conservação e restauro e, para isso, dispõe de um serviço diocesano com competência

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e generosamente dedicado para avaliar, ajudar e dar o seu parecer sobre tudo o que

diga respeito ao património.

É absolutamente necessário que todos os párocos e conselhos económicos

paroquiais se sintam obrigados a submeter qualquer projecto de edificação, restauro

ou conservação ao mencionado serviço diocesano.

Também neste domínio importa reconhecer o que nos diz o Concilio Ecuménico

Vaticano II. Na Constituição Sacrosanctum Concilium, num dado passo, referindo-se à

arte sacra, afirma que «entre as mais nobres actividades do espírito humano estão, de

pleno direito, as belas artes, e muito especialmente a arte religiosa e o seu mais alto

cimo, que é a arte sacra» (SC, 122).

Na verdade, «elas tendem, por natureza, a exprimir de algum modo, nas obras

saídas das mãos do homem, a infinita beleza de Deus, e estarão mais orientadas para o

louvor e glória de Deus se não tiverem outro fim senão o de conduzir piamente e o

mais eficazmente possível, através das suas obras, o espírito do homem até Deus» (SC.

122).

Aliás, «é esta a razão por que a santa mãe Igreja amou sempre as belas artes,

formou artistas e nunca deixou de procurar o contributo delas, procurando que os

objectos atinentes ao culto fossem dignos, decorosos e belos, verdadeiros sinais e

símbolos do sobrenatural» (SC, 122).

De facto, «a Igreja julgou-se sempre no direito de ser como que o seu árbitro,

escolhendo entre as obras dos artistas as que estavam de acordo com a fé, a piedade e

as orientações veneráveis da tradição e que melhor pudessem servir ao culto» (SC.

122).

Por isso, recomenda o Concilio que «para emitir um juízo sobre as obras de

arte, oiçam os Ordinários de lugar o parecer da Comissão de arte sacra e de outras

pessoas particularmente competentes, se for o caso (SC.126) E, acrescenta-se, «os

Ordinários vigiarão com todo o cuidado para que não se percam nem se alienem as

alfaias sagradas e obras preciosas, que embelezam a casa de Deus» (SC. 126).

Certamente reconhece-se que as exigências da diocese encontram o seu

fundamento nas normas emanadas do Concilio Vaticano II.

Sob a orientação do Serviço Diocesano dos Bens Culturais, as paróquias devem

promover o restauro, a conservação e recuperação dos bens culturais degradados,

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bem como promover acções de formação para as pessoas que estão mais relacionadas

com o seu uso.

Permito-me aqui sublinhar a importância de as Igrejas estarem abertas para

que as pessoas possam aí rezar, visitar ou simplesmente entrar para nelas encontrar

alguém que as acolha.

Normalmente, dá-se como desculpa para ter as Igrejas fechadas o facto de o

património não estar seguro e ser roubado. Embora compreendendo esta possível

situação, ela terá de encontrar uma solução, que hoje é muito fácil, para que as Igrejas

estejam abertas.

2. Igreja que serve a pessoa e a sociedade

Cada comunidade cristã deve tomar consciência do papel de serviço que é

chamada a prestar à pessoa e à sociedade.

À imagem de Jesus de Nazaré que «veio para servir e não para ser servido»

(Mc. 10,45) o baptizado, discípulo de Cristo é chamado a imitar e a seguir o Mestre.

O mundo é o palco não só da vida dos homens mas também onde cresce o

Reino de Deus que procura atingir todos homens e mulheres.

Por isso, tal como Jesus afirmou perante Nicodemos dizendo que «tanto amou

Deus o mundo, que lhe entregou o seu Filho Unigénito, a fim de que todo o que nele

crê não se perca, mas tenha a vida eterna», assim a Igreja tem de ter o mesmo olhar

perante o mundo de hoje. E, acrescenta o Evangelho, «de facto, Deus não enviou o seu

Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele (Jo.

3, 16-17).

Respondendo a este apelo para o nosso tempo o Concilio Vaticano II convida a

comunidade cristã a sintonizar com as realidades que emanam do mundo actual

quando diz: «as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de

hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e

as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade

alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração» (GS, 1).

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E, num outro passo, exortam-se os baptizados a decifrarem os Sinais dos

Tempos para melhor evangelizarem. Na verdade, «para levar a cabo esta missão, é

dever da Igreja investigar a todo o momento os sinais dos tempos, e interpretá-los à

luz do Evangelho; para que assim possa responder, de modo adaptado em cada

geração, às eternas perguntas dos homens acerca do sentido da vida presente e da

futura, e da relação entre ambas» (GS, 4).

Torna-se necessário, sem dúvida, «conhecer e compreender o mundo em que

vivemos, as suas esperanças e aspirações, e o seu carácter tantas vezes dramático» GS,

4).

Prosseguindo este caminho pastoral, S. João Paulo II interpela os cristãos a

colocarem-se perante no mundo em atitude de serviço. Diz ele que «para animar

cristãmente a ordem temporal, no sentido que se disse de servir a pessoa e a

sociedade, os fiéis leigos não podem absolutamente abdicar da participação na

“política”, ou seja, da múltipla e variada acção económica, social, legislativa,

administrativa e cultural, destinada a promover orgânica e institucionalmente o bem

comum» (ChL, 42).

Na verdade «o respeito pela pessoa humana ultrapassa a exigência de uma

moral individual e coloca-se como critério de base, quase como pilar fundamental, na

estruturação da própria sociedade, sendo a sociedade inteiramente finalizada para a

pessoa» (ChL,39).

Contudo, acrescenta-se que «intimamente ligada à responsabilidade de servir a

pessoa põe-se a responsabilidade de servir a sociedade, qual tarefa geral daquela

animação cristã da ordem temporal a que os fiéis leigos são chamados segundo as

modalidades próprias e específicas» (ChL, 39).

São grandes os desafios e os debates pelos quais passa a sociedade de hoje. A

Igreja deve estar onde estão as pessoas humanas colocando-se sempre na defesa da

dignidade humana e da edificação do bem comum.

Tal como fui verificando e alertando ao longo da visita pastoral a par com

muitas actividades de carácter de intervenção social, com diversas instituições de cariz

cristão que acutuam na sociedade ao lado dos mais excluídos nota-se um deficit de

consciência comunitária e de participação cristã nos lugares e domínios onde se

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decidem os projectos para a vida das pessoas, na dimensão politica, social, cultural,

educativa, laboral, …

Deixo uma palavra de estimulo à Comissão Diocesana Justiça e Paz de modo a

que continue a oferecer a sua reflexão segundo a doutrina social da Igreja, iluminando,

deste modo, as diversas realidades do mundo e oferecendo a luz do Evangelho aos que

anseiam pela sua dignidade e pela promoção do bem comum.

Escutar os Sinais dos Tempos, dialogar com o mundo actual, colocar-se

evangelicamente no meio dos dramas por passa o homem de hoje, é algo de

fundamental para a vida e missão de uma comunidade cristã que em todos os seus

membros se sente interpelada por Jesus de Nazaré à missão de ser testemunha da Boa

Nova para o mundo de hoje.

3. A Comunidade Cristã como primeiro agente evangelizador

Logo no inicio da Igreja e correspondendo ao desejo expresso de Jesus de

Nazaré, a fé cristã vivia-se, testemunhava-se e transmitia-se em comunidade. Isto está

muito patente no Livro dos Actos que diz o seguinte: «eram assíduos ao ensino dos

Apóstolos, à união fraterna, à fracção do pão e às orações. Perante os inumeráveis

prodígios e milagres realizados pelos Apóstolos, o temor dominava todos os espíritos.

Todos os crentes viviam unidos e possuíam tudo em comum. Vendiam terras e outros

bens e distribuíam o dinheiro por todos, de acordo com as necessidades de cada um».

E, continua o texto, «como se tivessem uma só alma, frequentavam

diariamente o templo, partiam o pão em suas casas e tomavam o alimento com alegria

e simplicidade de coração. Louvavam a Deus e tinham a simpatia de todo o povo. E o

Senhor aumentava, todos os dias, o número dos que tinham entrado no caminho da

salvação (Act. 2, 42-47).

Durante vários séculos, as comunidades cristãs mantiveram este rosto e

dinamismo comunitária. Contudo, com o passar do tempo, esta configuração

comunitária ficou reservada aos mosteiros e conventos e as paróquias transformaram-

se num espaço onde os fiéis dependiam dos serviços religiosos do clero.

O Concilio Ecuménico Vaticano II, no propósito de renovar a Igreja para a

colocar no objectivo único da sua missão que é evangelizar, colheu das suas origens, na

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Escritura e no período dos Padres da Igreja, a melhor configuração e dinamismo para a

acção evangelizadora, recuperando a sua fisionomia comunitária.

Neste sentido, a Igreja é denominada de Povo de Deus. A este Povo todos são

chamados. Segundo a doutrina conciliar, «na verdade, os baptizados, pela regeneração

e pela unção do Espírito Santo, são consagrados para serem casa espiritual, sacerdócio

santo, para que, por meio de todas as obras próprias do cristão, ofereçam oblações

espirituais e anunciem os louvores daquele que das trevas os chamou à sua admirável

luz (cfr. 1 Ped. 2, 4-10)» (LG. 10).

E, acrescenta-se, «por isso, todos os discípulos de Cristo, perseverando na

oração e louvando a Deus (cfr. Act., 2, 42-47), ofereçam-se a si mesmos como hóstias

vivas, santas, agradáveis a Deus (cfr. Roma 12,1), dêem testemunho de Cristo em toda

a parte e àqueles que lha pedirem dêem razão da esperança da vida eterna que neles

habita (cfr. 1 Ped. 3,15)» (LG.10).

Importa, então, promover verdadeiras comunidades cristãs. Sem elas não é

possível evangelizar.

A comunidade cristã é formada pelos baptizados que escutam a Palavra de

Deus e por ela se deixam renovar, que celebram a Eucaristia de forma plena,

consciente e activa (SC, 14) e nela encontram o alimento para uma vida que se

expressa na comunhão e partilha fraterna e prepara para a missão evangelizadora no

meio do mundo.

Eu diria que, dada a pouca relevância comunitária das nossas comunidades

cristãs, esta é sem dúvida uma das principais tarefas de todos os responsáveis pela

vida das nossas paróquias.

Temos forçosamente de passar de um rosto de paróquia enquanto local de

serviços religiosos para uma expressão de verdadeira comunidade.

Neste sentido, a par com muitas actividades de que se reveste a acção

evangelizadora nas paróquias, deve atender-se a um núcleo comunitário formado por

todos os baptizados que participam de forma activa, consciente e plena na eucaristia,

dedicar-lhes acções de formação e de vivência cristã que favoreça os laços

comunitários.

Neste grupo estão os membros do Conselho Pastoral e todos os que integram

os diversos grupos, movimentos e sectores da vida da paróquia.

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A exemplo de Jesus Cristo, a comunidade cristã é chamada a edificar-se através

do anuncio, da celebração litúrgica e da partilha fraterna. Estes sectores da vida

comunitária devem merecer o máximo de atenção e de valorização pastoral.

a) Sector do anuncio – valorização dos catequistas; integração dos pais; cuidar da homilia

e promover a Palavra de Deus. Pede-se aos párocos o acompanhamento e formação

dos catequistas e a clareza na idoneidade cristã de quem se dispõe a realizar este

serviço na Igreja.

A proclamação do Kerigma, a catequese sistemática, a formação bíblica, a lectio

divina e a preparação da homilia são fundamentais para a edificação de uma

verdadeira comunidade cristã, com a participação de cristãos conscientes.

Quanto à catequese, auscultemos o que nos diz o Papa Francisco quando

sublinha que «voltámos a descobrir que também na catequese tem um papel

fundamental o primeiro anúncio ou querigma, que deve ocupar o centro da actividade

evangelizadora e de toda a tentativa de renovação eclesial. O querigma é trinitário»

(EG, 164).

E acrescenta que «outra característica da catequese, que se desenvolveu nas

últimas décadas, é a iniciação mistagógica, que significa essencialmente duas coisas: a

necessária progressividade da experiência formativa na qual intervém toda a

comunidade e uma renovada valorização dos sinais litúrgicos da iniciação cristã» (EG,

166).

No que respeita à homilia realça o Santo Padre que «um pregador é um

contemplativo da Palavra e também um contemplativo do povo» (EG, 154». De facto,

«a preparação da pregação é uma tarefa tão importante que convém dedicar-lhe um

tempo longo de estudo, oração, reflexão e criatividade pastoral» (EG. 145).

Aliás, a homilia deve proclamar-se em contexto litúrgico e, deste modo, «não

pode ser um espectáculo de divertimento, não corresponde à lógica dos recursos

mediáticos, mas deve dar fervor e significado à celebração» (EG. 138). Realmente, «é

um género peculiar, já que se trata de uma pregação no quadro duma celebração

litúrgica; por conseguinte, deve ser breve e evitar que se pareça com uma conferência

ou uma lição» (EG. 138).

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Na verdade, «a homilia pode ser, realmente, uma experiência intensa e feliz do

Espírito, um consolador encontro com a Palavra, uma fonte constante de renovação e

crescimento» (EG. 135).

A renovação das comunidades cristãs depende do cuidado e da preparação, do

itinerário e do zelo que se colocar em todas as formas de anuncio.

Pede-se a cada paróquia e a cada Ouvidoria que articule a formação de

catequistas com o serviço diocesano de catequese.

b) Sector Litúrgico – promover os diversos serviços para uma digna e frutuosa celebração

– Leitores, Acólitos, Coro, Ministros Extraordinários da Comunhão; cuidar da beleza da

liturgia e do espaço litúrgico. A pastoral dos doentes exige que se promova o serviço

eclesial da distribuição da comunhão.

A celebração litúrgica é espelho da comunidade cristã. Começa por ser a

celebração da Igreja. Não está á mercê dos caprichos de cada um, pelo contrário, a

comunidade reúne-se para celebrar os mistérios da fé segundo as orientações da

Igreja.

Como afirma o Concilio Ecuménico Vaticano II, «a Liturgia, pela qual,

especialmente no sacrifício eucarístico, “se opera o fruto da nossa Redenção”,

contribui em sumo grau para que os fiéis exprimam na vida e manifestem aos outros o

mistério de Cristo e a autêntica natureza da verdadeira Igreja, que é simultaneamente

humana e divina, visível e dotada de elementos invisíveis, empenhada na acção e dada

à contemplação, presente no mundo e, todavia, peregrina, mas de forma que o que

nela é humano se deve ordenar e subordinar ao divino, o visível ao invisível, a acção à

contemplação, e o presente à cidade futura que buscamos» (SC. 2).

Na verdade, «a Liturgia, ao mesmo tempo que edifica os que estão na Igreja em

templo santo no Senhor, em morada de Deus no Espírito, até à medida da idade da

plenitude de Cristo, robustece de modo admirável as suas energias para pregar Cristo

e mostra a Igreja aos que estão fora, como sinal erguido entre as nações, para reunir à

sua sombra os filhos de Deus dispersos, até que haja um só rebanho e um só pastor

(SC, 2).

Deste modo, «qualquer celebração litúrgica é, por ser obra de Cristo sacerdote

e do seu Corpo que é a Igreja, acção sagrada por excelência, cuja eficácia, com o

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mesmo título e no mesmo grau, não é igualada por nenhuma outra acção da Igreja»

(SC.7).

Dado que «para assegurar esta eficácia plena, é necessário, porém, que os fiéis

celebrem a Liturgia com rectidão de espírito, unam a sua mente às palavras que

pronunciam, cooperem com a graça de Deus, não aconteça de a receberem em vão»;

recomenda o Concilio que «devem os pastores de almas vigiar por que não só se

observem, na acção litúrgica, as leis que regulam a celebração válida e lícita, mas

também que os fiéis participem nela consciente, activa e frutuosamente» (SC. 11).

Para esta consciente, activa e frutuosa participação dos fiéis, não só se exige

que se manifestem na celebração litúrgica a riqueza dos ministérios sejam ordenados

sejam laicais com os quais o Espirito Santo enriquece o Povo de Deus, como também

uma adequada formação litúrgica. Assim, convido o serviço diocesano de liturgia e a

comissão diocesana de musica sacra a colocarem todos os seus esforços em

articulação com as comunidades cristãs, nomeadamente os responsáveis por este

sector pastoral, na promoção da formação litúrgica.

c) Sector da partilha fraterna – é o que se apresenta mais enfraquecido. Conta-se com a

Cáritas de Ilha e com algumas experiências de Conferências Vicentinas, Centros Sociais

e Misericórdias.

Não poderá haver qualquer dúvida de que é uma área pastoral absolutamente

necessária para a identidade de cada comunidade cristã. Por isso, pede-se um esforço

por promover a partilha fraterna em cada paróquia.

A Igreja de Jesus Cristo, como Seu Corpo, desenvolve em si mesma as

dimensões que estão presentes no Mestre. Jesus de Nazaré revelou-se como profeta,

sacerdote e servidor.

São três áreas da vida pastoral essenciais para que a Igreja seja

verdadeiramente testemunha do Ser de Cristo.

Neste sentido, a par com a dimensão do anuncio e da liturgia, é fundamental a

dimensão da partilha fraterna e do serviço aos pobres e excluídos.

Porque Evangelizar é tornar o Reino de Deus presente no mundo, «a partir do

coração do Evangelho, reconhecemos a conexão íntima que existe entre evangelização

e promoção humana, que se deve necessariamente exprimir e desenvolver em toda a

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acção evangelizadora» (EG. 178). Aliás, «a aceitação do primeiro anúncio, que convida

a deixar-se amar por Deus e a amá-Lo com o amor que Ele mesmo nos comunica,

provoca na vida da pessoa e nas suas acções uma primeira e fundamental reacção:

desejar, procurar e ter a peito o bem dos outros» (EG. 178).

Na verdade, «como a Igreja é missionária por natureza, também brota

inevitavelmente dessa natureza a caridade efectiva para com o próximo, a compaixão

que compreende, assiste e promove» ( (EG. 179).

Estejamos certos de que a credibilidade da Igreja, de cada comunidade cristã e

de cada cristão, está no modo como se acolhe e se partilha com os pobres e excluídos.

De facto, «cada cristão e cada comunidade são chamados a ser instrumentos de

Deus ao serviço da libertação e promoção dos pobres, para que possam integrar-se

plenamente na sociedade; isto supõe estar docilmente atentos, para ouvir o clamor do

pobre e socorrê-lo» (EG. 187).

Uma vez animados pelos seus Pastores, os cristãos são chamados, em todo o

lugar e circunstância, a ouvir o clamor dos pobres, este imperativo faz-se carne em

nós, quando no mais íntimo de nós mesmos nos comovemos à vista do sofrimento

alheio (cfr. EG. 193).

Uma comunidade cristã missionária, evangelizadora e renovada pela acção do

Espirito terá de incorporar em si mesma a atenção aos mais pobres e de modo

organizado responder às exigências das exclusões que se vivam no seu seio.

Muito bom trabalho tem realizado o serviço diocesano da pastoral social e a

comissão diocesana da pastoral da saúde, contudo, dadas as continuas emergências

sociais, exige-se uma permanente atenção e mobilização de todas as comunidades

cristãs para responderem às situações de pobreza e exclusão social.

O mesmo apelo faço à comissão da mobilidade humana, dado que estamos

numa Região de muita emigração.

Finalmente, referirmo-nos à comunidade como agente evangelizador

forçosamente temos de mencionar o itinerário de iniciação cristã como absolutamente

imprescindível para formar o cristão, discípulo de Jesus Cristo, com a consciência plena

da sua participação na Eucaristia e através dela na comunidade cristã e na

evangelização do mundo.

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4. A renovação da paróquia

A par com edificação de uma comunidade cristã consciente e activa está o

apelo à renovação da paróquia.

Na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, o Papa Francisco, ao referir-se à

paróquia, diz que esta «não é uma estrutura caduca; precisamente porque possui uma

grande plasticidade, pode assumir formas muito diferentes que requerem a docilidade

e a criatividade missionária do Pastor e da comunidade» (nº 28).

Aliás, «embora não seja certamente a única instituição evangelizadora, se for

capaz de se reformar e adaptar constantemente, continuará a ser “a própria Igreja que

vive no meio das casas dos seus filhos e das suas filhas”.

E, acrescenta-se, «isto supõe que esteja realmente em contacto com as famílias

e com a vida do povo, e não se torne uma estrutura complicada, separada das pessoas,

nem um grupo de eleitos que olham para si mesmos» (nº 28). Na verdade, «a paróquia

é presença eclesial no território, âmbito para a escuta da Palavra, o crescimento da

vida cristã, o diálogo, o anúncio, a caridade generosa, a adoração e a celebração» (nº

28).

De facto, «através de todas as suas actividades, a paróquia incentiva e forma os

seus membros para serem agentes da evangelização» (nº 28).

Em síntese, «é comunidade de comunidades, santuário onde os sedentos vão

beber para continuarem a caminhar, e centro de constante envio missionário» (nº 28).

Lança-se, então a advertência, sublinhando que «temos, porém, de reconhecer que o

apelo à revisão e renovação das paróquias ainda não deu suficientemente fruto,

tornando-as ainda mais próximas das pessoas, sendo âmbitos de viva comunhão e

participação e orientando-as completamente para a missão» (nº 28).

No processo de renovação da paróquia é imperativo que se constituam

devidamente homologados o Conselho Pastorais Paroquial e o Conselho Económico

Paroquial. Esta é uma exigência conciliar e um direito de todos os fiéis cristãos a

participarem activamente na vida da comunidade cristã.

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Sendo a paróquia o espaço de vivência cristã mais próximo das pessoas, este

apelo que nos vem do Papa no sentido de renovação das paróquias é da máxima

urgência na nossa diocese.

5. A integração dos Movimentos Apostólicos na missão evangelizadora da

paróquia

Se é certo que as paróquias têm capacidade de se renovarem à luz da doutrina

conciliar e através da sua iluminação transformarem-se em verdadeiras comunidades

cristãs, também é verdade, que o Espirito Santo, ao longo do tempo e também hoje,

oferece à sua Igreja dinamismos comunitários e evangelizadores que devem ser

acolhidos pelas paróquias a que chamados de Movimentos Apostólicos, associações de

fiéis ou pequenas comunidades.

No texto do Papa Francisco, atrás citado, refere-se que «as outras instituições

eclesiais, comunidades de base e pequenas comunidades, movimentos e outras

formas de associação são uma riqueza da Igreja que o Espírito suscita para evangelizar

todos os ambientes e sectores» (EG, 29).

Aliás, «frequentemente trazem um novo ardor evangelizador e uma capacidade

de diálogo com o mundo que renovam a Igreja» (EG, 29). Contudo, sabiamente deve

estabelecer-se a relação entre paróquias e estas instâncias evangelizadoras dado que

«é muito salutar que não percam o contacto com esta realidade muito rica da

paróquia local e que se integrem de bom grado na pastoral orgânica da Igreja

particular» (EG, 29).

Na verdade, «esta integração evitará que fiquem só com uma parte do

Evangelho e da Igreja, ou que se transformem em nómadas sem raízes» (EG, 29).

Poderíamos ficar por esta citação que de algum modo sintetiza o pensar da

Igreja sobre a relação da paróquia e os movimentos apostólicos e que para a nossa

realidade diocesana é uma urgência. Porém, ajuda-nos a consciencializarmo-nos sobre

este contributo evangelizador o que S. João Paulo II nos refere na Exortação Pos-

sinodal Christifideles Laici. Neste texto sublinha-se que se devem favorecer «as

pequenas comunidades eclesiais de base, também chamadas comunidades vivas, onde

os fiéis possam comunicar entre si a Palavra de Deus e exprimir-se no serviço e no

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amor; estas comunidades são autênticas expressões da comunhão eclesial e centros

de evangelização, em comunhão com os seus Pastores» (nº 26).

E, num dado passo, realça-se que a par com outros factores, «a razão profunda

que justifica e exige o agregar-se dos fiéis leigos é de ordem teológica: uma razão

eclesiológica, como abertamente reconhece o Concílio Vaticano II, ao apontar o

apostolado associado como um «sinal da comunhão e da unidade da Igreja em Cristo»

(nº 29).

Deveras, «é um “sinal” que deve manifestar-se nas relações de “comunhão”,

tanto no interior como no exterior das várias formas agregativas, no mais vasto

contexto da comunidade cristã» (nº 29).

Aliás, «é a própria razão eclesiológica apontada que explica, por um lado o

“direito” de agregação próprio dos fiéis leigos e, por outro, a necessidade de

“critérios” de discernimento sobre a autenticidade eclesial das suas formas

agregativas» (nº 29).

Verificamos que os movimentos de apostolado estão muito enfraquecidos e

por isso a necessitar de um novo impulso nas diversas paróquias da diocese; mas é

igualmente necessária uma renovada consciencialização e empenho dos responsáveis

das comunidades cristãs, nomeadamente dos sacerdotes.

6. Comunidades Cristãs promotoras de serviços e ministérios eclesiais –

comunhão orgânica, participativa e corresponsável pela missão

O Papa Francisco define a Igreja como comunidade de discípulos missionários.

Deste modo, «a evangelização é dever da Igreja». Na verdade, «este sujeito da

evangelização, porém, é mais do que uma instituição orgânica e hierárquica; é, antes

de tudo, um povo que peregrina para Deus». Prioritariamente, «trata-se certamente

de um mistério que mergulha as raízes na Trindade, mas tem a sua concretização

histórica num povo peregrino e evangelizador, que sempre transcende toda a

necessária expressão institucional» (EG.111).

Realmente, «em todos os baptizados, desde o primeiro ao último, actua a força

santificadora do Espírito que impele a evangelizar» (EG, 119).

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Deste modo, «em virtude do Baptismo recebido, cada membro do povo de

Deus tornou-se discípulo missionário (cf. Mt 28, 19)» (EG. 120). Mais ainda, «cada um

dos baptizados, independentemente da própria função na Igreja e do grau de instrução

da sua fé, é um sujeito activo de evangelização, e seria inapropriado pensar num

esquema de evangelização realizado por agentes qualificados enquanto o resto do

povo fiel seria apenas receptor das suas acções» (EG. 120). Aliás, «a nova

evangelização deve implicar um novo protagonismo de cada um dos baptizados» (EG.

120).

Sempre no contexto de promoção da comunhão eclesial e na edificação de uma

comunidade em que todos os baptizados são chamados a participar activamente na

vida e na missão da Igreja, urge intensificar o apelo que vem do Concilio Vaticano II

desenvolvendo os carismas e serviços eclesiais de modo a que a comunidade cristã

corresponda à vontade expressa por Jesus de Nazaré e renovada na doutrina conciliar

para um testemunho missionário no mundo de hoje.

Na maior parte das nossas paróquias, estamos ainda numa dinâmica religiosa

com pouco rosto comunitário e em consequência também muito limitada na

corresponsabilidade de todos os baptizados na missão da Igreja.

Na verdade «a comunhão dos cristãos com Jesus tem por modelo, fonte e meta

a mesma comunhão do Filho com o Pai no dom do Espírito Santo: unidos ao Filho no

vínculo amoroso do Espírito, os cristãos estão unidos ao Pai» (ChL, 18).

Daí que «a comunhão eclesial configura-se, mais precisamente, como uma

comunhão “orgânica”, análoga à de um corpo vivo e operante: ela, de facto,

caracteriza-se pela presença simultânea da diversidade e da complementariedade das

vocações e condições de vida, dos ministérios, carismas e responsabilidades» (ChL, 20).

Se atendermos que esta concretização é obra do Espirito Santo, teremos de nos

colocar em atitude escuta e de saborear a verdadeira sabedoria para sermos dóceis ao

que o Espírito de Deus quer para a nossa Igreja nos nossos tempos. Aliás, «a comunhão

eclesial é, portanto, um dom, um grande dom do Espírito Santo, que os fiéis leigos são

chamados a acolher com gratidão e, ao mesmo tempo, a viver com profundo sentido

de responsabilidade» (ChL, 20). Assim, tomemos consciência que «isso é

concretamente realizado através da sua participação na vida e na missão da Igreja, a

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cujo serviço os fiéis leigos colocam os seus variados e complementares ministérios e

carismas» (ChL, 20).

Urge promover os ministérios e serviços, sejam os ordenados, sejam os laicais,

e ainda promover o carisma de consagração na vida religiosa e na vida laical.

6.1. A Promoção e renovação do ministério dos Presbiteros

O Concilio Vaticano II dedicou parte significativa da sua reflexão ao ministério

dos presbíteros. Posteriormente, são muitas as intervenções do Magistério da Igreja a

ajudar a renovar o seu ser e o seu agir, culminando num notável documento de S. João

Paulo II «Pastores Dabo Vobis» que recolhe as preocupações que se levantam sobre

este ministério, tendo em conta a realidade do mundo actual, oferece um rosto

evangélico ao presbítero na Igreja e no mundo.

Sendo o ministério com maior visibilidade na Igreja, reconhece-se o seu

carácter profético logo a partir do ser do sacerdote. Quanto mais o mundo se afasta de

Deus e se envolve no materialismo, tanto mais a configuração do presbítero com a

pessoa de Jesus Cristo, pobre, casto e obediente, se torna sinal de contradição.

Os presbíteros da nossa diocese são chamados a serem no meio do mundo

profetas de realidades novas e não ter medo de serem sinal de contradição perante o

mundo que oferece outros critérios e valores para a vida do homem de hoje.

O presbítero é chamado a viver continuamente na comunhão presbiteral com

os seus irmãos no sacerdócio. «Não há presbíteros, há presbitério». Esta é uma meta

nunca alcançada plenamente mas urgente de ser percorrida pelo presbitério

diocesano.

Ainda somos muito «presbíteros», pessoas a viver e a trabalhar isoladas dos

outros; tantas vezes em atitude de rivalidade, de maledicência, de

autoreferencialidade e criticismo. É urgente e primordial para um verdadeiro

testemunho de comunhão eclesial, à maneira dos Apóstolos, que progridamos na

edificação de um presbitério a viver na comunhão e na unidade.

De facto, «não se pode definir a natureza e a missão do sacerdócio ministerial,

senão nesta múltipla e rica trama de relações, que brotam da Trindade Santíssima e se

prolongam na comunhão da Igreja como sinal e instrumento, em Cristo, da união com

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Deus e da unidade de todo o género humano» (PdV, 12). Aliás, «neste contexto, a

eclesiologia de comunhão se torna decisiva para explicar a identidade do presbítero, a

sua dignidade original, a sua vocação e missão no seio do Povo de Deus e do mundo»

(PdV, 12).

Tal como nos refere o Papa S. João Paulo II, «a prioritária tarefa pastoral da

nova evangelização, que diz respeito a todo o Povo de Deus e postula um novo ardor,

novos métodos e uma nova expressão para o anúncio e o testemunho do Evangelho,

exige sacerdotes, radical e integralmente imersos no mistério de Cristo, e capazes de

realizar um novo estilo de vida pastoral, marcado por uma profunda comunhão com o

Papa, os Bispos e entre si próprios, e por uma fecunda colaboração com os leigos, no

respeito e na promoção dos diversos papéis, carismas e ministérios no interior da

comunidade eclesial» (PdV. 18).

O presbítero é pastor à imagem do Bom Pastor. Na verdade, «os presbíteros

são, na Igreja e para a Igreja, uma representação sacramental de Jesus Cristo Cabeça e

Pastor, proclamam a Sua palavra com autoridade, repetem os seus gestos de perdão e

oferta de salvação, nomeadamente com o Baptismo, a Penitência e a Eucaristia,

exercitam a sua amável solicitude, até ao dom total de si mesmos, pelo rebanho que

reúnem na unidade e conduzem ao Pai por meio de Cristo no Espírito» (PdV. 15).

Conclui-se, deste modo, que «os presbíteros existem e agem para o anúncio do

Evangelho ao mundo e para a edificação da Igreja em nome e na pessoa de Cristo

Cabeça e Pastor» (PdV. 15).

A realidade do Bom Pastor, com a qual Jesus de Nazaré se quis identificar

dizendo «Eu sou o Bom Pastor» deve impregnar todo o ser e agir do presbítero.

O Bom Pastor tem uma intimidade de vida com Jesus Cristo para receber d’Ele

a vida que se caracteriza pela entrega total; despojando-se a si próprio; afastando-se

das riquezas deste mundo para viver na liberdade que proporciona a vivência do amor

total a Deus e aos irmãos; valorizando a fidelidade a Jesus Cristo vivida na obediência e

com coração indiviso vive a castidade com alegria e profunda realização para a entrega

total do seu ser a Cristo e à Sua Igreja.

Deste modo, encontra-se com a sua verdadeira identidade e situa-se nas

condições necessárias para viver na alegria, na simplicidade, com humildade, na

partilha e em comunhão com os seus irmãos.

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De facto o presbítero, antes de qualquer tarefa e através de todas as tarefas, é

o «é o homem de Deus, aquele que pertence a Deus e faz pensar em Deus». Daí que

«os cristãos esperam encontrar no sacerdote não só um homem que os acolhe, que os

escuta com todo o gosto e lhes testemunha uma sincera simpatia, mas também e

sobretudo um homem que os ajuda a ver Deus, a subir em direcção a Ele» (PdV, 47).

Deste modo, «é necessário, portanto, que o sacerdote seja formado para uma

profunda intimidade com Deus». Aliás, «aqueles que se preparam para o sacerdócio

devem compreender que todo o valor da sua vida sacerdotal dependerá do dom que

souberem fazer de si mesmos a Cristo e, por meio de Cristo, ao Pai» (PdV,47).

Para que tal aconteça, teremos de caminhar em presbitério para dispor de

condições materiais, pela partilha económica entre os presbíteros, meios espirituais e

de formação permanente, tendo em conta a dimensão humana, espiritual, intelectual

e pastoral. Então, podemos responder ao apelo do Santo Padre o Papa Francisco

quando denuncia os chamados «presbíteros funcionários» agarrados às suas

seguranças e transformando a sua vida pastoral numa burocracia.

Ao querermos presbíteros, à imagem do Bom Pastor, estamos a apresentar a

fisionomia pastoral do sacerdote de hoje que coloca toda a sua vida na entrega aos

fiéis que lhe estão confiados; está próximo dos excluídos e pobres e, por isso, a sua

vida revela austeridade, modéstia e sobriedade, escolhe o caminho da pobreza à

maneira de Jesus Cristo; acolhe a todos e sabe discernir os caminhos que levam à

edificação de uma comunidade integradora e evangélica; assume o papel de

presidente da comunidade mas para fomentar os serviços e ministérios; visita as

famílias e os doentes e na alegria que transparece da sua vida provoca nos jovens o

desejo de se entregarem a Jesus Cristo no sacerdócio; sabe atribuir responsabilidades

e anima todos os cristãos na sua missão própria na Igreja e no mundo; dedica o seu

tempo à formação dos cristãos e a preparar bem as celebrações litúrgicas; está

disponível para atender no sacramento da reconciliação e para esclarecer as

consciências.

Pela sua formação intelectual e fortaleza interior sabe estar atento às situações

do mundo actual, sabendo dialogar com todas as pessoas sem vacilar na denuncia do

mal.

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Dando graças a Deus pelos nossos sacerdotes, não posso deixar de lançatr este

apelo a que todos caminhemos para uma identificação mais nítida a Jesus Cristo o Bom

Pastor.

6.2. Fomentar as vocações – nomeadamente as sacerdotais

O processo evangelizador deve conduzir o cristão à sua participação activa e

consciente numa comunidade cristã e nela encontrar-se com Jesus Cristo vivo que

interpela, chamando e enviando. Por isso, o papel das famílias cristãs, do pároco e

outros sacerdotes, dos catequistas, dos educadores católicos e de todos os agentes de

pastoral, nomeadamente junto dos adolescentes e jovens, é de orientar a pessoa que

lhe está confiada para se encontrar com Jesus Cristo e ajudar a discernir os sinais pelos

quais Ele chama cada um a uma vocação e consequentemente à missão.

É urgente e absolutamente necessário orientar toda a formação cristã com este

objectivo e ordenar todas as actividades evangelizadoras nesta direcção.

Na verdade, constatamos que «os jovens de hoje, com a força e a pujança

típicas da idade, são portadores dos ideais que fazem caminho na história: a sede da

liberdade, o reconhecimento do valor incomensurável da pessoa, a necessidade da

autenticidade e da transparência, um novo conceito e estilo de reciprocidade nas

relações entre homem e mulher, a procura sincera e apaixonada de um mundo mais

justo, solidário e unido, a abertura e o diálogo com todos, o empenho a favor da paz»

(PdV, 9).

Aliás, «o desenvolvimento, tão rico e vivo em muitos jovens do nosso tempo,

de numerosas e variadas formas de voluntariado presente nas situações mais

esquecidas e difíceis da nossa sociedade, representa hoje um recurso educativo

particularmente importante, porque estimula e ajuda os jovens a um estilo de vida

mais desinteressado, aberto e solidário com os pobres» (PdV. 9).

De facto, «isto pode facilitar a compreensão, o desejo e o acolhimento de uma

vocação para o serviço estável e total aos outros, no caminho da plena consagração a

Deus por uma vida sacerdotal» (PdV. 9).

Usando as palavras da Exortação pos-sinodal, Pastores Dabo Vobis, teremos de

afirmar que «sim, a dimensão vocacional é conatural e essencial à pastoral da Igreja».

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Isto significa que «a razão está no facto de que a vocação define, em certo sentido, o

ser profundo da Igreja, ainda antes do seu operar» (PdV. 34).

Realmente, «no próprio nome da Igreja, Ecclesia, está indicada a sua íntima

fisionomia vocacional, porque ela é verdadeiramente "convocação", assembleia dos

chamados: "A todos aqueles que olham com fé para Jesus, como autor da salvação e

princípio da unidade e da paz, Deus convocou-os e constituiu com eles a Igreja, para

que seja para todos e cada um o sacramento visível desta unidade salvífica"» (PdV. 34).

Importa edificar nas comunidades cristãs uma verdadeira cultura vocacional

com a qual se criem as condições para que cada um possa escutar, viver e explicitar o

chamamento de Jesus Cristo e responder-lhe com generosidade.

6.3. Promoção do ministério do Diácono Permanente

A nossa diocese conta com um pequeníssimo grupo de diáconos permanentes.

Passados mais de cinquenta anos do Concilio Vaticano II que renovou e recuperou este

ministério para o ser da Igreja, importa dar-lhe importância e escutar o que o Espirito

de Deus quer para a nossa Igreja diocesana.

Sem dúvida que é uma lacuna no rosto de uma Igreja que se quer ministerial e

que está atenta ao querer de Deus para si mesma.

A Constituição Conciliar Lumen Gentium, ao referir-se aos diáconos

permanentes afirma que «fortalecidos com a graça sacramental, servem o Povo de

Deus em união com o Bispo e o seu presbitério, no ministério da Liturgia, da palavra e

da caridade». Mais ainda, «é próprio do diácono, segundo for cometido pela

competente autoridade, administrar solenemente o Baptismo, guardar e distribuir a

Eucaristia, assistir e abençoar o Matrimónio em nome da Igreja, levar o viático aos

moribundos, ler aos fiéis a Sagrada Escritura, instruir e exortar o povo, presidir ao culto

e à oração dos fiéis, administrar os sacramentais, dirigir os ritos do funeral e da

sepultura» (LG. 29).

Tratando-se de um ministério ordenado, o candidato deve revelar sinais do

chamamento divino para este serviço. Compete ao Bispo e aos seus presbíteros,

nomeadamente o pároco, reconhecer os sinais respectivos e estabelecer o diálogo

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com o candidato e com a sua família, se for casado, para o orientar para a adequada

formação e posterior ordenação.

Teremos de dar passos firmes em ordem a dotarmos a nossa diocese com este

ministério ordenado que oferecerá à comunidade um rosto mais evangélico e de

serviço.

6.4. Valorização da Vida Religiosa

A diocese de Angra, em todas as suas ilhas, não se compreende sem a

riquíssima história que conta com a presença da vida religiosa.

Ao longo do tempo, devido a diversas vicissitudes, na maior parte dos institutos

religiosos ficaram a ruina dos seus mosteiros. Hoje é muito reduzida a presença dos

religiosos na diocese.

O carisma religioso é a alma de uma comunidade cristã. Por isso, é uma grande

falta na evangelização o reduzido número de religiosos(as) com presença activa na

nossa Igreja particular.

Como refere o Concilio Vaticano II, «os conselhos evangélicos de castidade

consagrada a Deus, de pobreza e de obediência, visto que fundados sobre a palavra e o

exemplo de Cristo e recomendados pelos Apóstolos, pelos Padres, Doutores e Pastores

da Igreja, são um dom divino, que a mesma Igreja recebeu do seu Senhor e com a Sua

graça sempre conserva» (LG. 43).

Atendendo a este dom divino, «a autoridade da Igreja, sob a direcção do

Espírito Santo, cuidou de regular a sua prática e também de constituir, à base deles,

formas estáveis de vida» (LG. 43).

No decurso da história tal sucedeu, «como em árvore plantada por Deus e

maravilhosa e variamente ramificada no campo do Senhor, surgiram diversas formas

de vida, quer solitária quer comum, e várias famílias religiosas, que vêm aumentar as

riquezas espirituais, tanto em proveito dos seus próprios membros como no de todo o

Corpo de Cristo» (LG. 43).

A Igreja define o serviço dos religiosos dizendo que «a profissão dos conselhos

evangélicos aparece assim como um sinal, que pode e deve atrair eficazmente todos os

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membros da Igreja a corresponderem animosamente às exigências da vocação cristã»

(LG. 44).

E, uma vez que «o Povo de Deus não tem na terra a sua cidade permanente,

mas vai em demanda da futura, o estado religioso, tornando os seus seguidores mais

livres das preocupações terrenas, manifesta também mais claramente a todos os fiéis

os bens celestes, já presentes neste mundo; é assim testemunha da vida nova e

eterna, adquirida com a redenção de Cristo, e preanuncia a ressurreição futura e a

glória do reino celeste» (LG. 44).

De facto, «o mesmo estado religioso imita mais de perto, e perpetuamente

representa na Igreja aquela forma de vida que o Filho de Deus assumiu ao entrar no

mundo para cumprir a vontade do Pai, e por Ele foi proposta aos discípulos que O

seguiam» (LG. 44).

E, conclui-se dizendo que «finalmente, o estado religioso patenteia de modo

especial a elevação do reino de Deus sobre tudo o que é terreno e as suas relações

transcendentes; e revela aos homens a grandeza do poder de Cristo Rei e a potência

infinita com que o Espírito Santo maravilhosamente actua na Igreja» (LG. 44).

Fica bem enunciada a importância da vida religiosa na comunidade cristã.

Exige-se uma atenção particular para que se integrem cada vez mais as comunidades

religiosas na vida pastoral seja da diocese seja das paróquias, e estas devem

empenhar-se na promoção das vocações à vida religiosa.

6.5. Responsabilidade dos Leigos na vida da Igreja

A participação dos leigos na vida e na missão da Igreja tem merecido atenção

doutrinal, mas não foi acompanhada pela sua legitima responsabilização.

A nossa diocese contou com um marco muito importante na consciencialização

do papel dos leigos na vida da Igreja que foi o Congresso Diocesano de Leigos. Soma-se

ainda a numerosa participação de leigos que orientam diversos serviços diocesanos e

movimentos de apostolado; são variadíssimos os leigos que têm responsabilidades na

catequese, na liturgia, no serviço aos doentes e nos diversos organismos de partilha

fraterna; acresce o elevado número de leigos que leccionam a disciplina de Religião e

Moral Católica nas escolas e em outras funções.

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Este facto leva-nos a uma actitude acção de graças a Deus e de reconhecimento

pela formação e promoção do laicado que se tem vindo a fazer na diocese.

Contudo, temos que reconhece que há ainda uma longa caminhada para que os

leigos tenham o lugar que lhes é devido na sua participação activa e consciente na

comunidade cristã.

Pelo baptismo, os leigos participam a seu modo do sacerdócio, da profecia e do

serviço de Jesus Cristo e «exercem, pela parte que lhes toca, a missão de todo o Povo

cristão na Igreja se no mundo» (LG. 31).

Afirma ainda o Concilio que «é própria e peculiar dos leigos a característica

secular» (LG, 31).

De facto, «por vocação própria, compete aos leigos procurar o Reino de Deus

tratando das realidades temporais e ordenando-as segundo Deus» (LG. 31). Assim,

«vivem no mundo, isto é, em toda e qualquer ocupação e actividade terrena, e nas

condições ordinárias da vida familiar e social, com as quais é como que tecida a sua

existência»(LG. 31).

E, deste modo, «são chamados por Deus para que, aí, exercendo o seu próprio

ofício, guiados pelo espírito evangélico, concorram para a santificação do mundo a

partir de dentro, como o fermento, e deste modo manifestem Cristo aos outros, antes

de mais pelo testemunho da própria vida, pela irradiação da sua fé, esperança e

caridade» (LG. 31).

Realmente, «a eles compete especialmente, iluminar e ordenar de tal modo as

realidades temporais, a que estão estreitamente ligados, que elas sejam sempre feitas

segundo Cristo e progridam e glorifiquem o Criador e Redentor» (LG. 31).

Aos leigos pertence por autoridade própria evangelizar, pela palavra e pelo

testemunho, o mundo da família, da profissão, da politica e sindicatos, das associações

e colectividades, nas escolas e na cultura, isto é, tudo o que diz respeito à actividade

humana no mundo.

Mas se a dimensão secular é própria e peculiar dos leigos, estes são chamados

também a participar activamente nos diversos ministérios seja no anuncio, seja na

liturgia, seja sobretudo na partilha fraterna e na caridade, em comunhão e respeitando

o que é próprio do ministério ordenado.

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As comunidades cristãs terão de caminhar decididamente para a valorização

dos serviços e do papel que os leigos são chamados a realizar para a evangelização do

mundo de hoje.

Podemos afirmar que sem a responsabilização dos leigos, a evangelização ficará

muito limitada e mesmo truncada em muitos sectores da nossa sociedade.

Mas os leigos são ainda chamados a participar nos organismos de comunhão,

participação e corresponsabilidade na comunidade, nomeadamente os conselhos

paroquiais de pastoral e económico. Aí são convidados a enriquecer com a sua reflexão

os planos e orientações que se afiguram mais aptas para edificar uma comunidade

cristã evangelizadora.

Alguns sectores a valorizar pastoralmente:

a) Pastoral familiar. Já ninguém duvida da necessidade de atender à família e

encontrar respostas para as suas diversas situações. Torna-se necessário

promover mais a pastoral familiar. Em cada Ouvidoria e mesmo em cada

paróquia exige-se uma equipa dinamizadora da Pastoral Familiar que articule o

seu trabalho pastoral com o serviço diocesano da Pastoral Familiar. A partir da

Exortação Amoris Laetitia do Papa Francisco, temos acesso a um programa

completo para o que deve ser a pastoral familiar.

b) Pastoral de Jovens. As comunidades cristãs necessitam da integração dos

jovens e estes necessitam de pertença e protagonismo na comunidade. Nas

paróquias mais pequenas, dada a escassez de jovens, deve-se promover, a nível

da Ouvidoria, algumas acções de formação e de acompanhamento dos jovens,

ao longo do ano. Também no domínio da pastoral juvenil, o Papa Francisco, na

Exortação Christua Vivit, oferece um itinerário de formação, de integração

comunitária, de promoção vocacional e da importância dos jovens na missão da

Igreja.

Seja na preparação das Jornadas Mundiais, Lisboa/2023, seja na sua integração

na caminhada sinodal diocesana, muito se espera dos jovens e do serviço

diocesano da pastoral de jovens com o seu contributo para a renovação da

nossa Igreja diocesana.

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7. Promover a Formação Cristã dos Fiéis Leigos

É da máxima importância e urgência o cuidar da formação cristã de todos os

baptizados, incluindo os fiéis leigos.

Quando se exige aos baptizados que se sintam integrados e participantes

activos e conscientes de uma comunidade cristã, corresponsáveis pela missão da Igreja

e com uma presença no meio do mundo à maneira do fermento, terá forçosamente de

se assentar numa formação adequada e ajustada às exigências da responsabilidade

que competem aos leigos.

No texto da Exortação Christifideles Laici, já citado, afirma-se que «a formação

dos fiéis leigos tem como objectivo fundamental a descoberta cada vez mais clara da

própria vocação e a disponibilidade cada vez maior para vivê-la no cumprimento da

própria missão» (ChL. 58).

Verdadeiramente, «Deus chama-me e envia-me como trabalhador para a Sua

vinha; chama-me e envia-me a trabalhar para o advento do Seu Reino na história: esta

vocação e missão pessoal definem a dignidade e a responsabilidade de cada fiel leigo e

constitui o ponto forte de toda a acção formativa, em ordem ao reconhecimento

alegre e agradecido de tal dignidade e ao cumprimento fiel e generoso de tal

responsabilidade» (ChL. 58).

E, acrescenta o referido texto que «para poder descobrir a vontade concreta do

Senhor sobre a nossa vida, são sempre indispensáveis a escuta pronta e dócil da

palavra de Deus e da Igreja, a oração filial e constante, a referência a uma sábia e

amorosa direcção espiritual, a leitura, feita na fé, dos dons e dos talentos recebidos,

bem como das diversas situações sociais e históricas em que nos encontramos» (ChL.

58).

A formação dos leigos deve atender a todos os aspectos da sua vida e por isso

deve ser integral. Aliás «ao descobrir e viver a própria vocação e missão, os fiéis leigos

devem ser formados para aquela unidade, de que está assinalada a sua própria

situação de membros da Igreja e de cidadãos da sociedade humana» (ChL. 59).

A diocese conta com a Vigararia para a formação que lhe compete animar,

coordenar e oferecer itinerários de formação adequados às realidades das diversas

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comunidades cristãs; com a reinstalação do Instituto Católico da Cultura, reconhece-se

que muito proveito se poderá colher na formação e no diálogo entre a fé e a cultura; e

sobretudo as escolas de Ouvidoria que graças a Deus vão-se fomentando e

promovendo em todas as Ouvidorias e a elas compete organizar e concretizar as

diversas acções necessárias à formação dos leigos das suas comunidades cristãs.

Sem dúvida teremos também de mencionar o que é de riqueza formativa o

facto de contarmos com o Seminário Maior como Escola Superior de Teologia.

As estruturas estão criadas e definidas. Muitas acções de formação cristã se vão

desenvolvendo em toda a diocese, mas é preciso ir mais longe e com maior

coordenação. Teremos de avançar com um itinerário coerente e abrangente de todas

as áreas de formação integral para que possamos responder satisfatoriamente às

exigências de uma formação cristã que capacite os leigos para assumirem as suas

responsabilidades na missão evangelizadora da Igreja no mundo de hoje.

8. A Igreja diocesana em dinamismo Sinodal

A diocese está empenhada em promover um novo estilo de vida pastoral que

se caracteriza pela participação activa de todos os baptizados na vida da Igreja.

Convocam-se todos os organismos, todos os movimentos e todos os grupos, conselho

pastoral paroquial e mesmo grupos da sociedade que ajudem a reflectir os caminhos

que devem ser percorridos pela Igreja para melhor evangelizar nestes tempos de

mudança cultural e social.

Não estamos perante um acontecimento solto da vida das comunidades cristãs,

muito pelo contrário somos interpelados por um novo rosto da Igreja na qual cada

baptizado tome consciência da sua participação na Eucaristia e na comunidade e

reconheça que tem um papel activo na missão da Igreja.

Este dinamismo proposto pelo Papa Francisco para toda a Igreja assenta na

realidade da Igreja como Povo de Deus, no reconhecimento da igual dignidade de

todos os baptizados em Cristo, na edificação de comunidades cristãs edificadas na

comunhão e na corresponsabilidade e que conta com a participação de todos os

baptizados, ministros ordenados, consagrados e fiéis leigos, para discernir os caminhos

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por onde deve passar a evangelização do mundo de hoje e se empenham na missão

comum de testemunhas dos Evangelho no mundo actual.

Esta é a hora que ninguém deve negligenciar sob pena de se afastar dos

desígnios que Deus revela para a Igreja de hoje.

Certamente, estamos perante um itinerário que exige desinstalação,

humildade, capacidade de escuta, de atenção aos Sinais dos Tempos, de

aprofundamento da Palavra de Deus e de intimidade com Cristo, de discernimento e

de coragem para propor o Evangelho de Jesus Cristo.

9. Valorizar pastoralmente a Piedade Popular

A piedade popular manifesta uma grande riqueza religiosa do povo açoriano e

torna-se num meio importante para a evangelização.

Já S. Paulo VI afirma que se a religiosidade popular «for bem orientada,

sobretudo mediante uma pedagogia da evangelização, ela é algo rico de valores» (EN.

48). E acrescenta-se dizendo que «assim ela traduz em si uma certa sede de Deus, que

somente os pobres e os simples podem experimentar; ela torna as pessoas capazes

para terem rasgos de generosidade e predispõe-nas para o sacrifício até ao heroísmo,

quando se trata de manifestar a fé; ela comporta um apurado sentido dos atributos

profundos de Deus: a paternidade, a providência, a presença amorosa e constante,

etc.» (EN. 48).

Finalmente, «ela, depois, suscita atitudes interiores que raramente se

observam alhures no mesmo grau: paciência, sentido da cruz na vida cotidiana,

desapego, aceitação dos outros, dedicação, devoção, etc.» (EN. 48). Aliás, «em virtude

destes aspectos, nós chamamos-lhe de bom grado "piedade popular", no sentido

religião do povo, em vez de religiosidade» (EN. 48).

Acompanhando o Papa Francisco no que refere sobre a piedade popular na

Exortação Evangelii Gaudium, reconhecemos que «quando o Evangelho se inculturou

num povo, no seu processo de transmissão cultural também transmite a fé de maneira

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sempre nova; daí a importância da evangelização entendida como inculturação» (EG.

122).

De facto, «cada porção do povo de Deus, ao traduzir na vida o dom de Deus

segundo a sua índole própria, dá testemunho da fé recebida e enriquece-a com novas

expressões que falam por si» (EG. 122). Daí se poder dizer que «o povo se evangeliza

continuamente a si mesmo» (EG. 122).

Na verdade, «aqui ganha importância a piedade popular, verdadeira expressão

da actividade missionária espontânea do povo de Deus» (EG. 122). Para o Santo Padre,

«trata-se de uma realidade em permanente desenvolvimento, cujo protagonista é o

Espírito Santo» (EG. 122).

Entendida deste modo a piedade popular, nela «pode-se captar a modalidade

em que a fé recebida se encarnou numa cultura e continua a transmitir-se» (EG. 123).

O apreço pela força evangelizadora da piedade popular leva o Papa Francisco a

dizer que «as expressões da piedade popular têm muito que nos ensinar e, para quem

as sabe ler, são um lugar teológico a que devemos prestar atenção particularmente na

hora de pensar a nova evangelização» ( EG. 126).

Com tudo isto, não se sendo alheio a que em tempos passados foi vista por

vezes com desconfiança, porém constatamos que a piedade popular foi objecto de

revalorização nas décadas posteriores ao Concílio.

A partir deste convite que vem da Igreja temos o dever de prestar a devida

formação de modo que a piedade popular se torne agente de evangelização; suscita-

nos o esforço necessário para acompanhar pastoralmente a piedade popular de modo

que ela conduza à integração comunitária e à centralidade da Eucaristia dominical.

10. Pastoral Urbana e Pastoral Rural

Os primeiros séculos da vida da Igreja foram marcados por uma vida cristã

vivida exclusivamente em ambiente urbano. Progressivamente, com a instalação de

aglomerados populacionais fora das cidades, inicia-se a evangelização em contexto

rural.

Com o passar do tempo, chegou até nós a fisionomia das nossas comunidades

cristãs exclusivamente rurais. Por isso, mesmo reconhecendo que as populações se

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foram deslocando para as grandes cidades, continuamos a ignorar este facto e a

manifestar alguma incapacidade de responder ao novo fenómeno urbano.

A nossa diocese não conta com cidades de grande dimensão, contudo, à sua

medida, o fenómeno da desertificação das aldeias e a deslocação para as cidades

também marcam a nossa demografia.

Neste contexto exige-se que se reflicta e se implemente uma pastoral que

responda não só ao meio rural mas sobretudo que vá ao encontro das novas

realidades a que assistimos nas cidades.

O Papa Francisco, na Exortação Post-sinodal Evangelii Gaudium, ajuda-nos a

reflectir sobre a pastoral urbana dizendo que «precisamos de identificar a cidade a

partir dum olhar contemplativo, isto é, um olhar de fé que descubra Deus que habita

nas suas casas, nas suas ruas, nas suas praças» (nº 71). E, acrescenta, sublinhando que

«a presença de Deus acompanha a busca sincera que indivíduos e grupos efectuam

para encontrar apoio e sentido para a sua vida» (nº 71).

Aliás, «Ele vive entre os citadinos promovendo a solidariedade, a fraternidade,

o desejo de bem, de verdade, de justiça» (nº 71). Na verdade, «esta presença não

precisa de ser criada, mas descoberta, desvendada» (nº 71). Na certeza de que «Deus

não Se esconde de quantos O buscam com coração sincero, ainda que o façam

tacteando, de maneira imprecisa e incerta» (nº 71).

Após, delinear este objectivo geral, prossegue afirmando que «na cidade, o

elemento religioso é mediado por diferentes estilos de vida, por costumes ligados a

um sentido do tempo, do território e das relações que difere do estilo das populações

rurais» (nº 72). De facto, «na vida quotidiana, muitas vezes os citadinos lutam para

sobreviver e, nesta luta, esconde-se um sentido profundo da existência que

habitualmente comporta também um profundo sentido religioso» (nº 72).

Assim, «novas culturas continuam a formar-se nestas enormes geografias

humanas onde o cristão já não costuma ser promotor ou gerador de sentido, mas

recebe delas outras linguagens, símbolos, mensagens e paradigmas que oferecem

novas orientações de vida, muitas vezes em contraste com o Evangelho de Jesus» (nº

73).

Dado que «uma cultura inédita palpita e está em elaboração na cidade» e

apelando ao dinamismo de uma nova evangelização, «torna-se necessária uma

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evangelização que ilumine os novos modos de se relacionar com Deus, com os outros e

com o ambiente, e que suscite os valores fundamentais» (nº 74). Para tal, «é

necessário chegar aonde são concebidas as novas histórias e paradigmas, alcançar com

a Palavra de Jesus os núcleos mais profundos da alma das cidades» (nº 74).

Aliás, «não se deve esquecer que a cidade é um âmbito multicultural». Deste

modo, «nas grandes cidades, pode observar-se uma trama em que grupos de pessoas

compartilham as mesmas formas de sonhar a vida e ilusões semelhantes, constituindo-

se em novos sectores humanos, em territórios culturais, em cidades invisíveis» (nº 74).

Num olhar atento descobre-se que «na realidade, convivem variadas formas culturais,

mas exercem muitas vezes práticas de segregação e violência» (nº 74).

Focado na exclusão que as cidades podem gerar, o Papa realça que «não

podemos ignorar que, nas cidades, facilmente se desenvolve o tráfico de drogas e de

pessoas, o abuso e a exploração de menores, o abandono de idosos e doentes, várias

formas de corrupção e crime» (nº 75).

Realmente, «ao mesmo tempo, o que poderia ser um precioso espaço de

encontro e solidariedade, transforma-se muitas vezes num lugar de retraimento e

desconfiança mútua» (nº 75). Assim, «as casas e os bairros constroem-se mais para

isolar e proteger do que para unir e integrar» (nº 75).

Daí que «a proclamação do Evangelho será uma base para restabelecer a

dignidade da vida humana nestes contextos, porque Jesus quer derramar nas cidades

vida em abundância (cf. Jo 10, 10)» (nº 75). Estamos convictos que «o sentido unitário

e completo da vida humana proposto pelo Evangelho é o melhor remédio para os

males urbanos, embora devamos reparar que um programa e um estilo uniformes e

rígidos de evangelização não são adequados para esta realidade» (nº 75).

Por fim, «viver a fundo a realidade humana e inserir-se no coração dos desafios

como fermento de testemunho, em qualquer cultura, em qualquer cidade, melhora o

cristão e fecunda a cidade» (nº 75).

Após esta lúcida e oportuna descrição que o Papa nos lança sobre a pastoral

urbana que se torna um forte desafio, todos os agentes pastorais que se integram nos

órgãos de participação e corresponsabilidade nas paróquias urbanas deverão reflectir

sobre novos modelos de actuação pastoral, como nos interpela a nova evangelização,

para responder à evangelização das nossas cidades.

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Esperamos que a caminhada sinodal, a seu tempo, possa ajudar a encontrar

resposta a estes desafios pastorais.

De igual modo nos deparamos com a necessidade de articular a vida pastoral

com a realidade das paróquias rurais, tantas vezes desertificadas, com falta de gente

activa, muito idosa, onde já não há estruturas sociais e de expressão de vida

comunitária, presas a tradições muito válidas mas com dificuldade de renovação.

11. Edificar uma sociedade de amizade cuidando da casa comum

Neste último ano fomos agraciados por um notável texto do Papa Francisco,

«Fratelli Tutti», que oferece os fundamentos de uma nova ordem social, económica e

cultural e, sem dúvida interpela fortemente a comunidade cristã.

O apelo a edificar uma sociedade de irmãos obriga os cristãos a reconhecerem

o seu contributo imprescindível não só pela proclamação do Evangelho das Bem

Aventuranças mas sobretudo pelo testemunho coerente da sua vida.

Quantas desavenças, injustiças, injurias, calúnias e maledicências, exclusões,

domínio, exploração, senão mesmo ódios e guerrilhas entre cristãos e grupos de

cristãos, que em nada ajudam a testemunhar a verdadeira fraternidade na promoção

de uma sociedade de amizade, na qual seja perceptível a igualdade, a partilha, a

interajuda, a promoção do mais débil, a inclusão, o perdão, a justiça, a misericórdia e a

paz.

Esta Enciclica do Papa Francisco faz eco de uma outra «Laudato Si» que apela à

ecologia integral, à promoção de uma verdadeira teologia da criação e a

comportamentos que ajudem a cuidar da natureza como a csa comum.

As Ilhas que compõem a Região Autónoma dos Açores são de rara beleza

natural que importa preservar, defender e cuidar. Esta exigência á colocada aos

poderes públicos, mas também a cada comunidade e a cada cidadão, a começar por

cada cristão.

Estamos perante o que de mais genuíno nos interpela a doutrina social da

Igreja perante a qual todos nós somos chamados a conhecer e a actuar.

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Na verdade, «a estatura espiritual duma vida humana é medida pelo amor, que

constitui “o critério para a decisão definitiva sobre o valor ou a inutilidade duma vida

humana”» (FT, 92).

Estas duas Enciclicas do Papa Francisco, a par com todos os outros escritos, são

de aprofundamento obrigatório da todos os cristãos que se coloquem na auscultação

dos Sinais dos Tempos e a partir do Evangelho se propunham responder aos desafios

mais profundos da humanidade de hoje.

De facto, «a promoção da amizade social implica não só a aproximação entre

grupos sociais distanciados a partir dum período conflituoso da história, mas também

a busca dum renovado encontro com os sectores mais pobres e vulneráveis» (FT, 233).

Como afirma o Papa, «as várias religiões, ao partir do reconhecimento do valor

de cada pessoa humana como criatura chamada a ser filho ou filha de Deus, oferecem

uma preciosa contribuição para a construção da fraternidade e a defesa da justiça na

sociedade» (FT,271).

Que os planos de formação cristã não descurem estas exigências que são

colocadas pela Igreja na pessoa do Papa Francisco.

12. Acompanhamos o sonho missionário do Papa Francisco

O Papa Francisco ao referir-se à paróquia, à sua renovação e a capacidade para

que esta possa responder pastoralmente aos tempos em que vivemos apresenta o que

ele chama de sonho.

Diz ele: «sonho com uma opção missionária capaz de transformar tudo, para

que os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda a estrutura eclesial se

tornem um canal proporcionado mais à evangelização do mundo actual que à auto-

preservação» (EG. 27).

Aliás, «a reforma das estruturas, que a conversão pastoral exige, só se pode

entender neste sentido: fazer com que todas elas se tornem mais missionárias, que a

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pastoral ordinária em todas as suas instâncias seja mais comunicativa e aberta, que

coloque os agentes pastorais em atitude constante de “saída” e, assim, favoreça a

resposta positiva de todos aqueles a quem Jesus oferece a sua amizade» (EG, 27).

Faço votos que este sonho seja o mesmo de todos os agentes da vida pastoral

das nossas comunidades cristãs, presbíteros, diáconos, religiosos (as) e fiéis leigos e

que se concretize com o contributo lúcido e corajoso de todo o Povo de Deus.

13. A promoção de comunidades evangelizadoras

Comunidade cristã, nos diversos serviços e carismas, que assume a

evangelização como finalidade de toda a sua acção.

O Concilio Vaticano II colocou a Igreja na sua missão essencial, podemos dizer

única, de ser evangelizadora. Isto significa que em todas as suas acções não tem outro

objectivo que não seja anunciar e testemunhar a Boa Nova de Jesus Cristo ao mundo

de cada época da história.

A refontalização e a renovação teológica e pastoral que emergem da doutrina

conciliar oferecem a cada comunidade cristã e à comunidade diocesana o modelo e a

fisionomia de ser Igreja de modo que em atitude de serviço à pessoa e à sociedade

possa ser testemunha dos mesmos gestos de Jesus de Nazaré.

14. Maria de Nazaré, Estrela da Evangelização

Jesus de Nazaré fez o seu percurso em direcção a Jerusalém. Aí se cumpririam

as promessas e aí, através do mistério pascal de Jesus Cristo, se manifestaria o mistério

de Deus na Sua profundidade e o Seu infinito amor pela humanidade.

Maria de Nazaré, Mãe de Jesus, acompanha-O neste seu itinerário e, uma vez

junto à cruz, é entregue à Sua Igreja na pessoa do discípulo e recebe todos os

discípulos do Seu Filho no Seu colo de Mãe.

Estamos conscientes desta constante presença da Virgem Maria na Igreja

acompanhando-nos permanentemente na tarefa de oferecer ao mundo de hoje a Boa

Noticia que é o Seu Filho, Jesus Cristo.

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Por isso, a evocamos nesta hora de sofrimento, perplexidade mas de

esperança:

Maria Santissima, Mãe de Jesus Cristo e nossa Mãe,

Mãe e Rainha dos Açores,

Lança o teu olhar sobre o Povo de Deus desta diocese de Angra

e inspira-o com o teu cântico de louvor a Deus

que faz em nós maravilhas

e pela acção do Espirito Santo que transforma a face da terra

abençoa e protege os mais pobres e excluidos.

Intercede junto do teu Filho por nós

para que sejamos uma comunidade de discípulos missionários

empenhados na evangelização do mundo de hoje.

Que o Beato João Baptista Machado, nosso Padroeiro,

nos alcance a graça de crescermos na comunhão e na unidade,

na participação e na missão de testemunhas do Evangelho no mundo actual.

Amen.

Angra do Heroismo, 21 de Janeiro (Festa da Mártir Santa Inês) de 2021

+João Lavrador, Bispo de Angra