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no fluxo da comunicação

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ChancelerDom Jaime Spengler

ReitorJoaquim Clotet

Vice-ReitorEvilázio Teixeira

Conselho EditorialAgemir BavarescoAna Maria Mello

Augusto Buchweitz Beatriz Regina Dorfman

Bettina Steren dos Santos Carlos Gerbase

Carlos Graeff TeixeiraClarice Beatriz da Costa Sohngen

Cláudio Luís C. FrankenbergElaine Turk Faria

Erico Joao Hammes Gilberto Keller de Andrade

Jane Rita Caetano da SilveiraJorge Luis Nicolas Audy – Presidente

Lauro Kopper FilhoLuciano Klöckner

EDIPUCRSJeronimo Carlos Santos Braga – DiretorJorge Campos da Costa – Editor-Chefe

Programa de Pós-Graduação em Comunicação – Universidade Municipal de

São Caetano do Sul (PPGCOM-USCS)

Conselho editorial da Coleção “Comunicação & Inovação”

Prof. Dr. Eduardo Vicente (Universidade de São Paulo – USP)

Prof. Dr. Henrique de Paiva Magalhães (Universidade Federal da Paraíba – UFPB)

Profa. Dra. Isaltina Maria de Azevedo Gomes  (Universidade Federal de Pernambuco – UFPE)

Prof. Dr. Jorge A. González (Universidade Nacional Autônoma do México – UNAM)

Prof. Dr. Micael Maiolino Herschmann (Universidade Federal do Rio do Janeiro – UFRJ)

Profa. Dra. Sônia Regina Schena Bertol (Universidade de Passo Fundo – UPF)

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no fluxo da comunicação

Arquimedes Pessoni e PriscilA FerreirA PerAzzo orgAnizAdores

Volume 1

Porto Alegre, 2013

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© 2013, EDIPUCRS; PPGCOM-USCS

DESIgn gRáfICo [CAPA] Shaiani DuarteDESIgn gRáfICo [DIAgRAmAção] Camila ProvenziREVISão DE TEXTo Silvia Carvalho de Almeida Joaquim

ImPRESSão E ACABAmEnTo

Edição revisada segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

APoIo Universidade Municipal de São Caetano do Sul

Publicação apoiada pela Capes. Programa de Apoio à Pós-Graduação, PROAP/CAPES-1438/2013.

Esta obra não pode ser comercializada e seu acesso é gratuito.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

ficha catalográfica elaborada pelo Setor de Tratamento da Informação da BC-PUCRS.

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos, videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibições aplicam-se também às características gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos direitos autorais é punível como crime (art. 184 e parágrafos, do Código Penal), com pena de prisão e multa, conjuntamente com busca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).

EDIPUCRS – Editora Universitária da PUCRS

Av. Ipiranga, 6681 – Prédio 33Caixa Postal 1429 – CEP 90619-900 Porto Alegre – RS – BrasilFone/fax: (51) 3320 3711E-mail: [email protected] - www.pucrs.br/edipucrs

N438 Neorreceptor no fluxo da comunicação [recurso eletrônico]/ org. Arquimedes Pessoni, Priscila Ferreira Perazzo.– Dados eletrônicos. – Porto Alegre : EDIPUCRS,2013.(Coleção Comunicação & Inovação ; v.1)

Modo de acesso: <http://www.pucrs.br/edipucrs>ISBN 978-85-397-0403-3

1. Comunicação e Cultura. 2. InovaçõesTecnológicas. 3. Interação Social. I. Pessoni,Arquimedes. II. Perazzo, Priscila Ferreira. III. Série.

CDD 301.161

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sumário

Apresentação ............................................................................. 7

Introdução .................................................................................. 9Dos organizadores

capítulo 1

Publicidade: possibilidades para um receptor interativo ...... 15Gino Giacomini Filho

capítulo 2

Uma nova ordem cidadã: práticas de comunicação política e governamental na interlocução com o eleitor informacional contemporâneo .............................................. 33

Roberto Gondo Macedo

capítulo 3

O papel da mídia-educação na configuração do novo receptor ....................................... 51

Mônica Pegurer Caprino

capítulo 4

Aluno 3.0: antigo personagem em nova comunicação ...... 67Elias Estevão Goulart

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capítulo 5

Heróis e Heroínas: a saga das narrativas em tempos digitais ............................ 89

Monica Martinez

capítulo 6

Sujeito social, memória e comunicação: a experiência hipermidiática do sistema HiperMemo ........ 107

Priscila F. PerazzoElias Estevão Goulart

capítulo 7

Reflexões sobre o papel do bookmarking social na divulgação científica ................. 123

Annibal Hetem Jr.

capítulo 8

Inovações na comunicação entre neopacientes e profissionais da saúde .................... 137

Arquimedes Pessoni

Sobre os autores .................................................................. 153

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apresentação

O livro Neorreceptor no fluxo da comunicação compõe a Coleção Comunicação & Inovação, que, entre outros volumes, pretende

discutir reflexões sobre processos e produtos comunicacionais cujos aspectos de inovação sejam marcantes nas interfaces com diversos conceitos e abordagens. A série de publicações que se tenciona aqui colecionar insere-se nas pesquisas do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (PPGCOM-USCS) e propõe-se a reunir estudos cujas reflexões voltem-se para a Comunicação Social contemplando aspectos que demarcam inovações e que mantenham relações com as comunidades. Incumbe-se, assim, de investigar processos e produtos comunicacionais mar-cados por perfis inovadores visando prospecção, análise, discussão e interpretação da inovação no contexto empírico da comunicação.

Dessa forma, a linha de pesquisa “Transformações Comunica-cionais e Comunidades” desse Programa organizou esta coletânea de textos de comunicação e inovação a partir de estudos que se voltam para a reflexão do novo papel do receptor, tendo em vista as transfor-mações sociais que perpassam a comunicação no século XXI.

Propomos que esse neorreceptor conquiste visibilidade tanto dos profissionais da comunicação como dos estudiosos desse campo, deixando de ser o último elemento do elo do processo linear de co-municação para ser, talvez, nesse novo contexto, o principal agente de relações: aquele que atua na interação de si, com a sua comunida-de e seus meios. Acreditamos que a leitura desta coletânea poderá proporcionar diversas reflexões para aqueles que se preocupam em pensar a atual sociedade contemporânea.

Boa leitura.

Arquimedes Pessoni e Priscila Ferreira PerazzoSão Caetano do Sul, outubro de 2013

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introdução

Dos organizadores

Podemos reconhecer as faces e interfaces inovadoras entre comu-nicação e sociedade, compreendendo “como a sociedade se apro-

pria das inovações trazidas pela tecnologia, que, por sua vez, também transforma os processos comunicacionais” (CAPRINO, 2008, p. 9).

O advento do indivíduo e da perspectiva individual na socie-dade globalizada trouxe o campo científico ao encontro das subjeti-vidades. O sujeito é o agente de suas ações e, consequentemente, temos um novo papel do sujeito-receptor nos processos de comuni-cação. Nessa sociedade, mediada constantemente pela presença das tecnologias “no mundo da produção econômica e das práticas de vida que definem o mundo da cultura” (SOUZA, 2006, p. 9), amplia-se a indagação de como compreender o movimento do sujeito-receptor no processo da comunicação.

O “novo receptor”, se assim podemos chamá-lo, não se apre-senta mais como um objeto passivo das atenções dos estudiosos, mas coloca-se no campo social como um agente participativo e co-laborativo em todo o processo de comunicação, transformando seu papel social e potencializando as possibilidades de transformação da comunidade onde se insere. Como nos coloca Maria Luiza Mendonça (2006), ao relacionarmos os processos comunicativos à constituição de sujeitos sociais, é preciso “superar as proposições teóricas que encaram a comunicação a partir de modelos construídos com base em fluxo emissor-canal-mensagem-receptor” (MENDONÇA, 2006, p. 28). Nesse fluxo linear, mais característico da sociedade industrial mo-derna do século XX, quando se dava ênfase ao receptor, este era en-

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carado como objeto da comunicação, e não como sujeito da ação; era como se fosse “‘receptivo’ a todo tipo de mensagem, o que lhe [negava] autonomia maior do que a de escolher entre a variedade de produtos culturais oferecidos” (MENDONÇA, 2006, p. 28).

Nessa concepção, a diversidade, a cultura, a cidadania e as novas tecnologias se encontram e compõem o universo comunicacio-nal. Diversos são os cenários em que se desenrolam as ações desse sujeito: desde sua interação com as novas mídias; nas redes sociais como espaço de expressão e comunicação do sujeito único; no olhar sobre a ética e a responsabilidade social das organizações para a comunicação social, num mundo de diversidade social; na memória como garantia de direitos individuais e exercício da cidadania, tendo expressão nos meios de comunicação.

Com esse conjunto de novos olhares, o sujeito emerge ao cen-tro das atenções, sobretudo o sujeito das ações. Segundo Beatriz Sarlo (2007), escritora argentina, nos tempos de hoje, a atual ten-dência da academia e do mercado de bens simbólicos se propõe a reconstruir a textura da vida e da verdade alojada na rememoração da experiência, revalorizando o ponto de vista da primeira pessoa e sua dimensão subjetiva, colocando-se a perspectiva de um sujeito e reconhecendo na subjetividade um lugar próprio na ciência. A ciência usa de forma inovadora recursos que, desde meados do século XIX, a literatura experimentou, trazendo a primeira pessoa do relato e do discurso indireto livre, possibilitando, assim, modos de subjetivação do narrado (SARLO, 2007, p. 21).

Nesse sentido, reconhecendo o lugar da subjetividade como um campo da inovação nos processos de comunicação, podem-se es-tudar as transformações nas comunidades e nos grupos focalizados que interagem no espaço que atuam, pois como Puerto (1999) nos lembra: “[...] inovação é a introdução de novidades, a alteração do que já está estabelecido e também é evolução” (PUERTO, 1999, p. 13) e complementa que, em parceria com a invenção, envolve normal-mente avanços técnicos no conhecimento do estado da arte de um campo específico (PUERTO, 1999, p. 30).

A presente obra traz à discussão diversos papéis do neorre-ceptor, empoderado, que, no novo ambiente comunicacional, pro-move um repensar dos estudiosos para o sentido das suas subjetivi-dades no processo comunicacional.

Esta coletânea reúne oito textos de acadêmicos com forma-ções diversas que se voltaram a estudar esse neorreceptor e suas

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comunidades de atuação. A visão que vem das bordas para o centro permite que o novo receptor, aquele presente de forma ativa nos pro-cessos comunicacionais do século XXI, possa ser visto de um ângulo inovador não só por parte da academia, mas também do mercado, que vai absorvê-lo em seus processos. Gino Giacomini Filho, autor do primeiro capítulo da coletânea, coloca o receptor no centro das atenções, principalmente no campo da publicidade e propaganda. O acadêmico lembra que a sociedade atual lança elementos novos para a criação em propaganda, até porque é a destinatária final dos serviços publicitários. As pessoas (ou consumidores) são o alvo da comunicação persuasiva, esforço esse que impacta sua qualidade de vida, suas decisões, seus relacionamentos. Para Giacomini, nada mais lógico e justo que essas mesmas pessoas, de forma individual ou co-letiva, também interfiram na construção publicitária.

O segundo capítulo, que discute as práticas de comunicação política e governamental na interlocução com o eleitor informacio-nal contemporâneo, é um convite de Roberto Gondo Macedo para refletirmos sobre um mundo integrado na sociedade da informação e do conhecimento e sobre a necessidade de estabelecermos uma compreensão de que o contexto digital norteia um novo modelo de comportamento social. Para o autor, o cidadão contemporâneo pos-sui representativo acesso informacional do cotidiano político, prin-cipalmente por intermédio das redes sociais, inspirando uma prática mais criteriosa na escolha e no acompanhamento de seus candidatos e mandatos. As ações de comunicação política e governamental são desenvolvidas compreendendo essa evolução e produzindo um elo comunicacional que fortalece e permite maior integração do eleitor com suas práticas representativas.

Na sequência, a pesquisadora Mônica Pegurer Caprino dis-cute o papel da mídia-educação na configuração do novo receptor. Caprino salienta que, com o incremento das tecnologias digitais a partir da década de 1990, o conceito de media literacy (termo origi-nal em inglês usado em documentos e estudos internacionais), que de início abarcava tão somente as competências que levavam ao co-nhecimento e à compreensão dos meios de comunicação, adquiriu outro elemento fundamental: a capacitação para a participação ativa na produção de mensagens comunicativas.

Ainda no campo da comunicação e educação, Elias Estevão Goulart aborda o novo receptor dentro da sala de aula, que ele chama

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de “aluno 3.0”. O autor acredita que a realidade da inserção das no-vas tecnologias de comunicação no ambiente escolar e seus impactos nos processos comunicativos e educacionais continuam a constituir desafios para os educadores, pois por um lado os potencializam, mas podem também ser fatores de desagregação, caso não sejam conhe-cidos a forma, os métodos, as técnicas e as possibilidades associados ao seu emprego.

No quinto capítulo, Monica Martinez, com o texto “Heróis e heroínas: a saga das narrativas em tempos digitais”, questiona o papel da mídia e, sobretudo, da interatividade da mídia digital em propiciar a difusão e a reflexão sobre a educação brasileira.

Elias Estevão Goulart e Priscila Ferreira Perazzo relatam a ex-periência hipermidiática do sistema HiperMemo, iniciativa pioneira da Universidade Municipal de São Caetano do Sul que busca acomodar a produção de material e pesquisas sobre histórias de vida e relatos orais de memórias. Tais registros são produzidos a partir das narra-tivas orais das lembranças dos entrevistados pelos pesquisadores do Núcleo Memórias do ABC, com base na metodologia das Narrativas Orais de História de Vida. Esse acervo se apresenta como um sistema de preservação da memória e dos sujeitos.

Annibal Hetem Jr., responsável pelo sétimo capítulo desta coletânea, coloca em discussão o papel da divulgação científica em tempos de muita produção acadêmica. Uma pergunta lançada pelo pesquisador convida o leitor a pensar: se “tudo” está na internet, à disposição para ser usado, qualquer coisa que não esteja lá então não existe? Para o autor, a internet representa, sem sombra de dúvida, uma aplicação tecnológica de dimensões planetárias, capaz de afetar e mudar nossas vidas e nosso modo de ver o mundo. Entretanto, apesar de tudo, é apenas isto: uma aplicação tecnológica. No outro extremo temos a arte de “escrever programas”, uma ciência.

Fechando a coletânea, Arquimedes Pessoni traz para o campo da comunicação e saúde a discussão do novo receptor, neste caso, o neopaciente. Tendo como base uma revisão de literatura internacio-nal, o autor discute o empoderamento do paciente quanto às novas tecnologias e como estas afetam o relacionamento entre pacientes e profissionais da saúde.

Não há dúvida de que as novas tecnologias transformaram e continuam transformando nossos meios de comunicação. Mas, muito mais que isso, vivemos tempos de profunda transformação social, em

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que a tecnologia e a comunicação não são mais nossos coadjuvantes, e nem mesmo os protagonistas. O que vivemos, atualmente, de forma inovadora, é a relação entre sujeito, tecnologia e comunicação. Nesse sentido, o sujeito, agente de sua própria história e de seu movimento social, surge na atualidade como o centro das atenções da ciência, e, por sua participação social, passou a ser o protagonista da comu-nicação, muito mais que os meios, técnicos ou tecnológicos. É esse agente da comunicação, que interage e coordena movimentos sociais e habilidades tecnológicas, que chamamos aqui de neorreceptor.

Referências

CAPRINO, Mônica Pegurer (Org.). Comunicação e inovação: reflexões contem-porâneas. São Paulo: Paulus, 2008.

MENDONÇA, Maria Luiza. Comunicação e cultura: um novo olhar. In: SOUZA, Mauro Wilton de (Org). Recepção mediática e o espaço público. São Paulo: Paulinas, 2006, p. 27-38. (Novos Olhares.)

PUERTO, Henry. Design e inovação tecnológica: coletânea de ideias para cons-truir um discurso. Salvador: IEL/Programa Bahia Design, 1999.

SARLO, Beatriz. Tiempo pasado. Cultura de la memoria y giro subjetivo. Una discusión. Buenos Aires: Siglo XIX Editores Argentinos, 2007, p. 21.

SOUZA, Mauro Wilton de. Novas linguagens. 2. ed. São Paulo: Salesiana, 2003.

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capítulo 1

Publicidade: possibilidades para um receptor interativo

Gino Giacomini Filho

No ano de 2000, John D. Leckenby e Hairong Li lançavam o Journal of Interactive Advertising. Em editorial intitulado “Por

que precisamos de uma revista de publicidade interativa”, os edi-tores do periódico científico americano da American Academy of Advertising explicaram que a iniciativa ocorreu em função de vários fatores. Presidentes de grandes agências publicitárias mundiais sina-lizavam a relevância que os procedimentos interativos teriam para a área, caso de Robert Schmetterer, CEO, Euro RSCG Worldwide: “Interatividade está no centro para onde a publicidade está indo”; ou Peter Georgescu, CEO, Young & Rubicam: “No mundo guiado pelos relacionamentos, o ingrediente-chave para o sucesso na mídia será a interatividade”. Os editores ainda justificaram que a edição inaugural do Journal of Interactive Advertising decorria de três fatores: primeiro, a nova mídia internet estipula a interatividade; segundo, essa nova mídia é um novo conceito que afeta a publicidade tanto na área aca-dêmica como profissional; terceiro, a interatividade afeta as práticas publicitárias convencionais a fim de acompanhar as verdadeiras ativi-dades humanas (LECKENBY; LI, 2000).

Outras revistas acadêmicas, caso de Interactive Marketing, Interactive Educational Multimedia e Journal of interactive marketing, além de várias publicações científicas e profissionais, mostram uma

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giacomini filho | publicidade: possibilidades para um receptor interativo

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parte da reflexão que se faz dessa dinâmica em que o receptor ocupa espaço privilegiado no âmbito da comunicação mercadológica.

Heeter (2000) destaca que interatividade é uma expressão gasta, um conceito indefinido, pois em tese qualquer pessoa pode interagir com outra ou com um objeto, no caso de um computador. O autor menciona que foi a partir de meados dos anos 1980 que os pes-quisadores começaram a considerar a interatividade, mediada pelos meios de comunicação, como algo que pode ocorrer entre usuários ou entre usuários e informação.

Salienta Heeter sete condições para a interatividade midiática: 1) A informação é sempre procurada ou selecionada, não meramen-te enviada; 2) Os sistemas de mídia requerem diferentes níveis de atividade de usuário, de forma que os usuários são ativos até certo ponto; 3) Algumas mídias são mais interativas que outras, o mesmo ocorrendo com receptores; 4) As interações pessoa-máquina são uma forma especial de comunicação; 5) O contínuo feedback é uma forma especial de resposta na qual o comportamento dos usuários pode ser mensurado; 6) A distinção entre emissor e receptor não está presente em todos os sistemas midiáticos; 7) Os sistemas midiáticos podem facilitar a comunicação massiva, interpessoal ou ambas.

O autor oferece um modelo teórico (figura 1) em que as ex-periências em interatividade demandam uma série de inter-relações do participante com outros atores e com ambientes/objetos a ele convenientes.

Figura 1 – Experiências em interatividade.Fonte: Heeter (2000).

Conveniências seriam valores buscados pelo receptor nas re-lações midiáticas, como informação e lazer. Nesse caso, o receptor é

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também participante do processo intermediado pelos canais midiáti-cos nos quais há uma vivência de experiências com um ou mais atores.

Rodgers e Thorson (2000) oferecem um modelo diretamente relacionado com a publicidade (figura 2).

Figura 2 – Modelo de publicidade interativa.Fonte: Rodgers e Thorson (2000).

Os autores concebem o modelo em função das esferas do consumidor (receptor) e da publicidade. O primeiro com motivações, comportamentos e procedimentos mutuamente influenciáveis. Tal conjunto recebe dos agentes publicitários variados tipos de anún-cios, formatos e conteúdos de peças, também concomitantemente trabalhados. Essa conjugação de consumidor e publicidade resulta em respostas e diálogos avaliados em relação ao mesmo consumi-dor. Rodgers e Thorson destacam que a interatividade, neste modelo, contempla tanto a publicidade tradicional como a derivada das novas tecnologias virtuais.

Pavlou e Stewart (2000) concordam que os propósitos da publicidade interativa são similares aos da tradicional. Porém res-saltam que a primeira oferece recursos e resultados especialmente relevantes no contexto da sociedade atual e para a indústria da

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giacomini filho | publicidade: possibilidades para um receptor interativo

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publicidade moderna. Alegam que os mecanismos virtuais possi-bilitam mensurar melhor a eficácia dos anúncios, além de oferecer meios para pesquisar, conhecer e se relacionar melhor com o recep-tor e o consumidor.

A publicidade interativa, segundo os autores, tem o potencial de incrementar a eficiência e a qualidade das decisões de consumi-dores em decorrência da credibilidade alcançada pela troca e reci-procidade de informações e interesses. O publicitário pode ajustar, melhorar, atualizar o conteúdo e os meios tendo em vista as reações e solicitações dos consumidores dos anúncios.

O modelo cibernético de comunicação publicitária proposto por Miles (2007) prevê intensa interatividade entre receptor e emis-sor. A interatividade plena requer envolvimento dos atores no pro-cesso de criação da mensagem, o que significa que o consumidor atual desempenha papel relevante tanto na criação como na recep-ção e interpretação, porém se trata de uma realidade que não pode ser generalizada para as campanhas em geral.

O autor, no entanto, destaca que se está caminhando para um receptor coletivo, visto que comunidades de consumidores formatam anúncios ao acionarem suportes tecnológicos virtuais como wikis, blogs, podcasts e websites customizados, movimento este acompanhado por agências e anunciantes no momento da oferta publicitária.

As práticas e os estudos no campo publicitário mostram gran-de variedade de formatos que contemplam o receptor: desde o pas-sivo que se sujeita à persuasão até o coautor do discurso.

Seria um risco categorizar ou eleger este ou aquele modelo como o predominante ou que fosse uma tendência, mas fica a opção deste texto em oferecer alguns olhares sobre um receptor mais ativo, atuante e até coautor da mensagem publicitária.

Nesse sentido, Sousa (2006) salienta:

Se a busca do novo é sempre instigante, ela é tanto mais complexa conforme a extensão de questões nela en-volvidas. A perspectiva de pesquisa de novos olhares para a análise das práticas de recepção aos meios de comuni-cação social, ou recepção midiática, está nesse contexto (SOUSA, 2006, p. 13).

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neorreceptor no fluxo da comunicação

As audiências, no contexto midiático, seriam grupos e pes-soas no papel de recepção de diferentes mídias, de forma que emis-sor e receptor estão copresentes no ato comunicativo (MOORES, 2000). Essa copresença pode motivar laços interativos com interes-ses de parte a parte, insumo relevante para uma recepção partici-pativa e construtiva.

A recepção não é mais um simples ato de rasgar a embalagem para obter o conteúdo, mas sim atitudes construtivas dos bens ofer-tados (HAGEN; WASKO, 2000).

Tornar-se produtor da oferta de uma marca a si mesmo ou fa-zer outros clientes a consumirem tem sido um dos desdobramentos da comunicação mercadológica interativa.

A comunicação mercadológica compreende o processo em que uma organização ou empresa empreende fluxos simbólicos e de informações persuasivas com clientes. Pode alcançar uma dimensão transformadora quando estabelece um diálogo interativo em que as necessidades e desejos dos clientes são conhecidos, modificados e satisfeitos em um grau possível (THORBJORNSEN et al., 2002).

Integram-se à comunicação mercadológica desde formatos tradicionais de propaganda comercial, marketing direto e venda pessoal até formatos alinhados com as novas tecnologias da infor-mação, caso da publicidade on-line, sistemas de promoção de ven-das em lojas virtuais, mídias sociais, websites personalizados e co-munidades de clientes.

Para Lehu (1997), a publicidade interativa pode permitir ao consumidor agir sobre a mensagem e até controlar seu desenrolar. Segundo o autor, dessa forma, a noção de manipulação da consci-ência, própria da publicidade, dissipa-se em parte. Um exemplo é a opção que anúncios oferecem ao internauta de escolher o idioma para o conteúdo. Ou então vários títulos da imprensa mundial, caso dos jornais Le Monde, La Tribune, Libération, Time, The New York Times, Fortune e Wired, cujas versões on-line possuem anúncios interativos nos quais o interessado pode obter detalhes das informações em que possui interesse.

Lehu (1997) admite que, embora seja uma realidade, a inte-ratividade do consumidor com o anúncio publicitário tem de passar por muitas etapas. Para ele, a publicidade interativa deve ultrapassar as fronteiras habituais e apontar ao consumidor informações com-plementares e vantagens não diretamente relacionadas ao produto e,

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talvez, uma associação entre os anunciantes para um uso conjugado de marcas, saindo, assim, de uma postura meramente mercantil; seria a forma de o consumidor indeciso aceitar a publicidade contemporâ-nea, processo que o autor denomina de “reencontro” da publicidade com o consumidor, ou novo consumidor.

Novas tecnologias da comunicação parecem favorecer esse novo receptor. Não só a internet e modelos participativos virtuais como as mídias sociais, mas também intensas e variadas platafor-mas (celulares, tablets etc.) facilitam esse quadro. A TV, grande veículo publicitário no Brasil, tem passado por grandes inovações, algumas exatamente na direção de possibilitar a participação do telespecta-dor (ou teleparticipante) da programação e do espaço publicitário.

Sendo assim, podemos dizer que a TV digital, as-sim como as novas mídias digitais ou, novas arenas da informação e da comunicação, vêm ao encontro dessa necessidade do telespectador, uma vez que elas vão ofe-recer outras possibilidades que não apenas a de assistir passivamente à programação oferecida, ou seja, o teles-pectador terá outras opções, podendo utilizar a TV para outras atividades em tempo real, incluindo-se o aprendi-zado ao longo da vida e o exercício da cidadania, além de poder escolher o que, como e quando irá assistir a determinado programa, assim como já faz na Internet (MONTRESOL, 2010, p. 34).

Os anúncios publicitários em sistemas de TV vêm ganhando frequentemente dispositivos interativos. Alguns tipos disponíveis no mercado europeu e americano: sistema de resposta impulsiva, em que a tela oferece um ícone que pode ser acionado pelo telespecta-dor via controle remoto, levando-o ao anúncio; anúncio com locali-zação dedicada, que permite, a partir de um ícone na tela, a abertura de janelas ou links, que, acionados, podem concretizar pedidos ou respostas do anunciante; anúncios telescópicos, que requerem ape-nas pausa na programação para o telespectador ter interação com a oferta publicitária (BELLMAN; SCHWEDA; VARAN, 2009).

Considerando apenas a TV digital, pode-se relatar algumas atividades de interação: compra on-line de produtos anunciados, compra instantânea de produtos vistos no comercial, diálogos com pessoas e ofertas publicitárias ligadas aos programas de TV, escolha

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de anúncios fora da programação corrente e comparação de ofertas em espaços especiais na TV (HEETER, 2000).

Os anúncios interativos na TV, segundo pesquisa de Bellman, Schweda e Varan (2009), aumentaram em 8% as intenções de compra em comparação aos comerciais convencionais, além de terem obtido mais lembranças positivas dado o caráter não invasivo.

Os serviços de publicidade interativa na TV podem ser ofe-recidos em combinação com outras plataformas, como internet, te-lefones celulares e aparelhos GPS, aumentando as possibilidades de interação e de prestação de serviços.

É preciso considerar que tal modelo participativo advém de um “novo” consumidor ou cidadão, que pode escolher seus forne-cedores de produtos e serviços consoante interesses atendidos, de maneira que a publicidade se insere nessa tentativa de estabelecer relacionamento eficaz e rentável. As inovações nas práticas publicitá-rias associadas às novas tecnologias também possibilitam expandir a “voz” do consumidor.

Com efeito, diante das novas tecnologias comunica-cionais, que geram a interação entre consumidores e a pu-blicação de conteúdo de forma mais simples e rápida pelo ciberespaço, além da característica comunicação entre con-sumidores atuais e potenciais de certos produtos e serviços, vemos o novo consumidor passar a ter uma importância sem precedentes na mídia on-line (PATRIOTA et al., 2007, p. 3).

Consumidores como agentes publicitáriosO Conar – Conselho de Autorregulamentação Publicitária –,

como principal entidade a zelar pela ética da publicidade no Brasil, tem tomado uma série de decisões, lastreadas em denúncias de con-sumidores, que implicam mudanças no conteúdo de anúncios. O có-digo do Conar prevê o exame de anúncios mediante queixa do con-sumidor, o que será exemplificado com o comercial Havaianas – Avó.

Tal anúncio de TV das sandálias Havaianas gerou processo ético conduzido pelo Conar em 2009, por meio da representação 238/09 “a partir de queixa de consumidor (grupo de consumidores)”, em que o anunciante Alpargatas teve que alterar o horário de veicu-lação da peça publicitária. Segundo o Conar:

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Dezenas de consumidores de diversos estados brasilei-ros reclamaram ao Conar do comercial “Havaianas – Avó”, veiculado em TV sob a responsabilidade da São Paulo Alpargatas. Em síntese, as queixas fazem referência ao fato de a avó estimular a neta à prática de ato sexual sem compro-misso e sem a menção da segurança necessária. Segundo a denúncia, o comercial seria inadequado por constituir apelo excessivamente malicioso e contrário aos valores socioedu-cativos (CONAR, Resumo das Decisões, nov. 2009).

O anunciante elaborou outra peça, mas, ainda fazendo referên-cia ao anúncio original, convidou os telespectadores a assisti-lo em seu site. Consultando as diversas manifestações de internautas nas mídias sociais, observou-se de maneira geral que houve uma certa po-larização, pois muitos defenderam a decisão do Conar e outros não.

A tabela 1 mostra a quantidade de casos instaurados pelo Conar a partir de queixa do consumidor, observando-se que apenas parte redundou em modificação ou sustação da campanha ou anúncio.

Tabela 1 – Quantidade de casos instaurados pelo Conar a partir de queixa de consumidor

Ano Casos instaurados

2011 127

2010 163

2009 83

2008 123

2007 107

2006 81

2005 112

2004 72

2003 164

2002 104

2001 62

2000 66

Fonte: CONAR. Website da entidade (www.conar.org.br), julho/2012.

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Como o próprio Conar registra em algumas de suas decisões, os consumidores formam contingente fundamental para aquilatar a pertinência ética de um anúncio. Essa atuação ativa do consumidor, em termos de marketing, também significa muito para o anunciante em termos de continuidade ou não como cliente de suas marcas, seja como comprador ou como agente que faz da propaganda boca a boca uma forma de comunicação que afeta outros consumidores e públicos interessados.

Os boatos, que antes ficavam restritos a uma comunidade, com as mídias sociais podem ganhar fórum global, caso de uma campanha publicitária polêmica. As ideias de consumidores geram uma mídia espontânea que serve de contrapropaganda para os conteúdos pagos ou “oficiais” gerados pelos anunciantes e outras organizações. Uma campanha publicitária do governo federal poderá receber reforços e contestações no mesmo espaço de veiculação. A antiga e sempre presente propaganda boca a boca concorre com a publicidade paga e adquire novos contornos, como a do conceito de consumer generated media (ou mídia espontânea), em que a velocidade e a proliferação de respostas conduzem a peça publicitária a patamares imprevisíveis de credibilidade e eficiência. Segundo Allen, Kania e Yaeckel (2002):

A comunidade on-line foi um dos primeiros usos da internet. Embora a maioria dessas comunidades não fos-se comercial ou mesmo anticomercial, os membros se re-fugiavam dentro dessas comunidades para compartilhar pensamentos e ideias, discutir controvérsias, obter con-selhos e socializar de maneira geral [...] Hoje, as empresas estão formando comunidades para atender melhor seus clientes (ALLEN; KANIA; YAECKEL, 2002, p. 179).

Talvez a melhor estratégia seja a de convidar o consumidor a ficar próximo do anunciante, de forma a obter indicadores de suas necessidades e opiniões.

Sterne (2001) defende a colocação de grupos de discussão nos serviços de atendimento a clientes como forma de relacionamento com as marcas. A Dell Computer criou o DellTalk em seu site, por meio do qual 200 mil clientes da Dell podiam perguntar e responder a perguntas em uma variedade de fóruns.

A Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon), or-ganização consumerista estatal que opera nos estados brasileiros, atua

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também contra casos de propaganda enganosa ou abusiva. Os consumi-dores podem direcionar sua insatisfação com um anúncio publicitário ao site1 do Procon e, se houver pertinência, tal manifestação fará parte do Cadastro de Reclamações. Qualquer pessoa pode acessar o cadastro dis-ponível no site, de forma que as empresas reclamadas em função de vei-cular propaganda lesiva tornam essa prática visível a toda a sociedade.

Existem também entidades consumeristas privadas no Brasil, caso do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e a Proteste – Associação Brasileira de Defesa do Consumidor.

O Idec elaborou pesquisa em 2009 mostrando que diversos la-boratórios farmacêuticos faziam propaganda irregular nos seus web-sites, o que redundou em ação da Anvisa para que sete desses labora-tórios tivessem a publicidade suspensa em suas páginas na internet.

A Proteste, por sua vez, conseguiu em 2012 que uma opera-dora de telefonia alterasse sua publicidade, na qual trazia caracterís-ticas não verdadeiras de um plano para celulares.

Para Fabio Coelho, presidente do Google no Brasil, as marcas pertencem cada vez mais a quem as usa, sendo necessário que as organizações ouçam e sejam ativas nos diálogos que ocorrem na we-bsfera, mas que façam uso de formas fundamentadas para responder ao consumidor (ROCHA, 2012).

Ainda a respeito de entidades consumeristas, há várias que se alocam apenas na internet e que interagem de forma mais intensa com consumidores. O site Reclame Aqui, que se intitula como “um ca-nal livre e independente para compartilhar sua experiência de consu-mo”2, oferece o espaço para o consumidor fazer sua reclamação, di-vulga a resposta ou solução dada pela empresa e disponibiliza novos espaços para as réplicas, inclusive sobre contestação de anúncios.

Os meios digitais oferecem recursos que motivam a partici-pação do anunciante a dar respostas sobre indagações das comuni-dades, agora em papel ativo, crítico, estabelecendo entendimentos – positivos e negativos – em rede.

Em agosto, o jornal O Estado de S.Paulo retirou um comercial do ar graças à pressão de blogueiros. Nele, brincava com a ideia de um macaquinho que copia e

1 Por exemplo, o site do Procon no estado de São Paulo é: www.procon.sp.gov.br.2 Disponível em: <www.reclameaqui.com.br>. Acesso em: 9 jul. 2012.

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cola informações na internet. Muitos internautas con-sideraram a peça ofensiva. No período de alguns dias, foram postados em blogs brasileiros mais de mil textos, a maioria deles com palavras de revolta e indignação. Como tudo que faz barulho na web, a polêmica extra-polou fronteiras e chegou ao blog americano de maior audiência, o Boing Boing. Enquanto a polêmica se de-senrolava, o comercial saiu do ar.

[...] Rodrigo Lara Mesquita, acionista da empresa e bisneto de Júlio Mesquita, fundador do jornal, fez circular na web uma espécie de manifesto pró-blogueiros. “Dou-me o di-reito de acreditar que os gestores do Estadão pisaram na bola sem querer. Ou, talvez, por falta de informação”. Com essa estratégia de autocrítica, o jornal conseguiu aplacar a fúria dos blogueiros. “Não vamos comprar briga com um público que, afinal, é importante para nós”, diz Antônio Hércules, diretor de marketing do jornal (SEGALLA; RIBEIRO; BARIFOUSE, 2007).

O receptor como criativo publicitário

O marketing with defende o envolvimento do consumidor na cocriação do produto ou serviço. Nessa perspectiva, a publicidade seria reorientada para o diálogo com o consumidor, este um agente construtor de conteúdos (VARGO, 2004).

Sasser (2008) entende que a crise de criatividade por que pas-sa a publicidade poderia ser superada em parte se a indústria da publicidade considerasse o consumidor como cocriador. Para ela, a criatividade é crítica, mas não ocorre no vácuo. Deve haver engaja-mento com o “consumidor cocriador” inclusive para entendê-lo, e as-sim o campo publicitário seria mais respeitado e reconhecido. Nesse caso, já teria chegado o tempo de a publicidade sair dos escritórios, agências e unir-se a um novo consumidor: empoderado e criativo.

Estudo de Bughin e outros (2008) aponta trabalhos de cocria-ção na área de marketing, caso da campanha que a Peugeot fez em 2007, em que convidou pessoas para contribuir com sugestões para o design do carro utilizando a internet como plataforma, ação esta que atraiu 4 milhões de page views. A pesquisa mostra que 60% dos

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entrevistados estariam dispostos a experimentar a cocriação e que a afinidade com a marca seria o fator mais importante para motivar esse procedimento criativo.

A cocriação faz parte da Gestão do Conhecimento, que am-bienta em uma de suas abordagens a Criação do Conhecimento. Há também a Gestão do Conhecimento do Consumidor, segundo a qual as empresas estimulam seus clientes para um grau de parceria ativa do conhecimento (PAQUETTE, 2006). Trata-se da busca de ideias fora do âmbito da organização.

A cocriação pode ocorrer não somente entre consumidor e empresa, mas também com fornecedores e parceiros, algo análogo que ocorre em uma agência de propaganda, em que redatores, dire-tores de arte, anunciantes e até fornecedores e intermediários parti-cipam da elaboração da peça publicitária.

Essa criação conjunta na área de marketing contaria com a participação ativa do consumidor na elaboração de serviços e produ-tos. Assim, as empresas tentariam criar mecanismos para envolver o consumidor na criação por meio do open innovation, ou seja, a busca de novas ideias fora das fronteiras da empresa, e do networking inno-vation, resultado de diferentes atividades envolvendo interação e tro-ca de conhecimento entre pessoas e organizações para a inovação.

Bertomeu (2002), baseando-se na rotina profissional de uma agência de propaganda, sustenta que a criação de um anúncio pu-blicitário é precedida de algumas etapas, entre elas o planejamento de marketing (oferece informações mercadológicas do anunciante/marca para a criação publicitária) e o briefing de criação (trabalho de planejamento da propaganda e informações específicas). Para essa construção criativa, estão envolvidos profissionais de diversas áre-as, tais como atendimento (faz a ponte entre agência e anunciante) e planejamento (elabora o plano e o briefing), de forma que essas etapas contam com a participação da agência e do anunciante, que oferecem assim as bases estratégicas para os anúncios:

Sendo assim, todos esses profissionais citados defi-nem o conteúdo do documento que irá também direcionar todas as outras atividades que farão parte da campanha de propaganda. Enquanto a criação cria a mensagem, o mídia é responsável pela reserva de espaços e futura veiculação da mensagem. O profissional de pesquisa alimenta com informações atualizadas todo o grupo e o atendimento

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aprovará com o cliente essa mesma propaganda, sempre direcionado pelo “foco” definido por todos os profissio-nais, inclusive, o cliente, no documento chamado briefing de criação (BERTOMEU, 2002, p. 31).

Portanto, a condução criativa de um anúncio é um trabalho de cocriação, que envolve também o anunciante: “O trabalho de criação na propaganda é em equipe [...] É um trabalho que envolve a parceria dos publicitários entre si e do cliente [...]” (BERTOMEU, 2002, p. 50). Completa o autor: “Quando se cria uma campanha, o fato de o cliente tê-la aprovado, coloca-o como coautor [...]” (BERTOMEU, 2002, p. 51).

Mas, atualmente, é possível agregar a essa coautoria o próprio consumidor. A internet permitiu que o consumidor influenciasse a criação de valor, desdobrando e propagando a criação de valor por toda a cadeia (PRAHALAD; RAMASWAMY, 2002). Porém, a responsa-bilidade continua sendo dos que fazem a propaganda em termos de relações comerciais, ou seja, anunciante, agência e veículos de comu-nicação. De forma mais específica, cabe aos criativos da publicidade (profissionais da criação) a elaboração estética da peça publicitária.

A agência Leo Burnett Worldwide, a partir de 2007, decidiu colocar o consumidor no centro da geração de ideias, pois estava claro que o sucesso das marcas ocorre quando elas colocam as pes-soas no coração do processo, desde as mensagens de marketing até os valores éticos da corporação. Assim, a agência reorientou-se para estipular uma organização de qualidade humana, em que há canais abertos para conhecer as reações e respostas dos consumidores (BERNARDIN; ROBERTSON-KEMP, 2008).

Erevelles et al. (2008) sugerem que a cocriação é um recur-so crítico na estratégia de criatividade publicitária, de forma que é necessário o agente publicitário agir de forma conjugada com seus clientes, consumidores, comunidades e até não consumidores. Para os autores, a teoria social cognitiva indica que a participação humana resulta da interação dinâmica entre fatores pessoais, comportamento e ambiente, de forma que no campo publicitário essa participação é relativa, mas dependente, em parte, de ações do próprio agente pu-blicitário na direção da clareza, da motivação e da facilitação.

A figura 3 ilustra a dinâmica proposta por Erevelles et al. (2008): publicitários, consumidores e stakeholders (clientes, fornece-dores, funcionários etc.) são fontes originais. Ao mesmo tempo, o agente publicitário precisa fazer um bom trabalho de gestão para

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fomentar a participação das pessoas no processo, tal como propor-cionar clareza de propósitos, fazer correta seleção/treinamento, re-compensar e estabelecer consistente rede de comunidades para fins colaborativos. São fontes e recursos que ajudam na geração de ideias e, assim, estabelecem a cocriação publicitária.

Figura 3 – Modelo de cocriação publicitária.Fonte: EREVELLES, Sunil et al. (2008).

Lopes (2007) também avalia positivamente o consumidor como agente publicitário, notadamente na web compartilhada pelas mídias sociais:

Além disso, as campanhas de mais sucesso trabalham com o conceito de web 2.0, em que o mundo virtual é uma plataforma rica e ilimitada para a interatividade e a cria-ção do conteúdo pelo próprio internauta, tal qual ocorre em sites como o youtube.com, blogs, fotologs e por aí vai. Quanto mais se evoca o consumidor a ser protagonista da campanha, mais ele irá participar (LOPES, 2007, p. 21).

João Batista Ciaco, diretor de publicidade e marketing da Fiat, entende que a publicidade deve ouvir todos e, de certa forma, todos são criadores:

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[...] já aconteceu de mudarmos e fazermos muitos ajustes durante o processo de criação e construção de uma nova campanha. Este processo dura meses e muitas pessoas es-tão envolvidas. Quando chega à fase final, muitas ideias pensadas no início já foram modificadas (AZEVEDO, 2009).

Considerações adicionais

A concepção criativa na publicidade tem sido atribuída aos agentes publicitários, basicamente representados pelos publicitários e anunciantes (dirigentes ou assessores de marketing da organização que paga pelo serviço publicitário).

A sociedade atual, porém, lança elementos novos para a cria-ção em propaganda, até porque é a destinatária final dos serviços publicitários. As pessoas (ou consumidores) são o alvo da comunica-ção persuasiva, esforço este que impacta sua qualidade de vida, suas decisões, seus relacionamentos. Nada mais lógico e justo que essas mesmas pessoas, de forma individual ou coletiva, também interfiram na construção publicitária.

Se antes os meios eram obstáculos a essa participação, hoje se mostram convenientes para que todos os stakeholders opinem, recla-mem, elogiem e até consigam mudanças em conteúdos publicitários.

As instituições sociais também estimulam tal participação; são entidades públicas e privadas, de caráter consumerista ou até mesmo publicitário, que oferecem meios, informações e estrutura interativa para que diálogo e ações se estabeleçam.

A formatação de anúncios consoante com a manifestação (sin-cera, justa, pertinente) de consumidores agregam qualidade técnica e legitimidade social ao trabalho publicitário. Portanto, o interesse do setor em aproveitar as contribuições do receptor não está no fato de essa iniciativa ser inovadora ou democrática, mas porque redunda em melhor qualidade para o processo publicitário.

Se os procedimentos de marketing buscam prioritariamente estabelecer relacionamentos duradouros com os clientes, a publici-dade não poderia, em tese, ficar à margem desse esforço, de for-ma que seus laços interativos também se compõem com os intentos mercadológicos e organizacionais.

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Outro subproduto da interatividade publicitária está em se associar aos interesses sociais, uma vez que o setor tem se ressen-tido da falta de credibilidade e até de aceitação, como mostra o comportamento de aversão que muitos têm em relação aos anún-cios, os quais insistentemente se mostram invasivos, consumistas, enganosos, abusivos.

Aceitar o consumidor como coautor publicitário não se justifi-ca, apenas, por possibilitar a “oxigenação” da propaganda, a quebra de paradigmas imitativos, a sintonia com a realidade atual e com aspirações customizadas, mas propiciar que esse receptor se sinta parte dessa dinâmica publicitária, área que ainda atrai muitos jovens para os cursos de publicidade e que, apesar dos problemas éticos re-correntes, conta com muitos admiradores. São consumidores ávidos em colaborar e fazer parte do mundo publicitário.

Em que pese todo esse teor construtivo, fica o desafio para o publicitário saber como aproveitar essa interação com os receptores criativos. Questões como insegurança profissional, narcisismo, direi-tos autorais e autoestima podem ser obstáculos à colaboração exter-na, além do que seria necessário edificar tal colaboração como uma obra e resultado coletivo manifestado por diálogos coletivos sequen-ciais, e não a simples soma de cada contribuição/sugestão individual.

Diálogos coletivos sequenciais constroem um entendimen-to holístico, semelhante ao que a física denomina de “harmônico e inarmônico múltiplo”, em que diferentes ondas provocam um fenô-meno especial e com efeitos potencializados. Seria a publicidade se aproximando de um modelo de construção coletiva, construção esta integrada por contribuições semelhantes e não semelhantes, conver-gentes e divergentes, demandando um trabalho de gestão do conhe-cimento por parte do agente publicitário.

Estaria o setor publicitário preparado para essa interação? O criativo da publicidade estaria disposto a assumir um novo papel (o de gerir a criação, não necessariamente sua)? É possível uma legítima interação, ou o que se desenha é a oferta manipulativa de espaço para aplacar o consumidor?

Talvez haja mais perguntas do que respostas para os caminhos que a publicidade percorrerá neste século, mas acredita-se num es-paço relevante e ativo para o receptor ou coletividade de receptores da propaganda comercial.

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capítulo 2

Uma nova ordem cidadã: práticas de comunicação política e governamental na interlocução

com o eleitor informacional contemporâneo

Roberto Gondo Macedo

Introdução

Em uma concepção analítica do processo evolutivo informacional, de modo mais acentuado nas duas últimas décadas, é notório

considerar o aumento da relação tecnológica e a dependência de seus recursos convergentes com a sociedade contemporânea.

Esse fator de dependência não se limita apenas ao uso tecno-lógico, mas também a como o indivíduo compreende o contexto em que vive e como lida com essa dinâmica social. Para Castells (1999), “as redes interativas de computadores estão crescendo exponencialmen-te, criando novas formas e canais de comunicação, moldando a vida e, ao mesmo tempo, sendo moldadas por ela” (CASTELLS, 1999, p. 40).

Essa evolução impacta principalmente o conceito interpre-tativo das gerações mais novas, que não são capazes de assimilar

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macedo | uma nova ordem cidadã: práticas de comunicação

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um viés social, sendo pessoal ou corporativo, isento de uma veloci-dade informacional acentuada e inter-relacionada. Essa velocidade tecnológica insere na sociedade um cenário complexo para acompa-nhamento das inovações e recursos, criando um senso entrópico no convívio das diversas gerações etárias presentes no computo social.

Obviamente não é viável caracterizar a evolução tecnológica somente como degradante e excludente, visto que suas ferramentas e recursos corroboram para inúmeros processos benéficos para a melhoria da qualidade de vida do indivíduo, principalmente o ur-bano, que possui maior acesso aos recursos oferecidos, na relação oferta e demanda.

De modo concomitante com o universo corporativo privado, o poder público deve se adequar a essa nova realidade de interação tecnológica. As estruturas públicas também devem propiciar para seus respectivos usuários os serviços: velocidade, base informacional e segurança das informações. Segundo Silva (2011, p. 123), desde os anos 1990, o desenvolvimento e a popularização de dispositivos digi-tais de comunicação têm desafiado as democracias contemporâneas a explorarem novas formas de conexão política com os seus cidadãos.

Com a alta evolução dos recursos de tecnologia, a popula-ção se torna mais exigente no que tange ao oferecimento de ser-viços públicos, cobrando dos governantes políticas públicas de Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) que otimizem processos e melhorem os serviços populacionais, favorecendo o senso democrático e cidadão.

É importante considerar o momento político e o cotidiano, marcados por um forte, rápido e global de-senvolvimento da comunicação, em que a economia e a crescente internacionalização do mercado são movimen-tos mundiais de transformação que acompanham tanto facilidades quanto dificuldades [...] o Estado e a cidade são lugares privilegiados para formar o cidadão global, num contexto social em que o poder vem sendo pautado, cada vez mais e somente, pelo saber e pelo conhecimen-to (ARAÚJO, 2011, p. 51).

Esses fenômenos tecnológicos contribuem para o fomento de-mocrático no sentido de melhorar os serviços públicos e alterar a ve-

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locidade de tomada de decisões com bases informacionais, antes reali-zadas em modelos decisórios letárgicos e com características manuais.

A comunicação política está nesse contexto do recorte da pes-quisa em dois momentos: na relação com o senso cidadão, nos direitos de uma sociedade mais amparada em modelos informacionais de maior velocidade e eficácia nas ações públicas; e na influência comportamen-tal do cidadão eleitor diante desse cenário convergente e integrador.

A comunicação de governo está presente nesta análise, prin-cipalmente no estudo das vertentes que podem ser trabalhadas em uma gestão de governo para fortalecer a imagem pública do mandato e propiciar uma maior aproximação com os eleitores regionais.

Utilizar os recursos multimídia presentes na atualidade para fortalecer os feitos de uma gestão é estratégico e promove uma base sólida para que demais ações comunicacionais presenciais se-jam aceitas pela população envolvida. Para Barba (2011, p. 32), as imagens proporcionam aos cidadãos comuns uma informação muito mais fidedigna que a palavra escrita.

O sistema eleitoral brasileiro também foi favorecido com a evolução tecnológica, ficando com uma estrutura mais eficiente e se-gura, comparada aos procedimentos tradicionais manuais, que nor-malmente são mais vulneráveis e propensos a fraudes.

E o perfil do eleitor, em sua grande maioria, mudou nos úl-timos dez anos, visto que o modo de fazer campanhas eleitorais também utiliza as ferramentas possíveis e autorizadas pela Justiça Eleitoral no universo web, fornecendo um maior arcabouço informa-cional para que seja possível uma também maior quantidade de com-parações para a tomada de decisão.

Isso modifica o modo de planejar e executar campanhas po-líticas, e também o acompanhamento dos eleitores depois do pleito eleitoral, fortalecendo bases para eleições futuras. O cuidado no tra-to das informações deve ser maior, decorrente da alta capacidade de disseminação, que, em muitos casos, torna mais complexo o controle de difusão, devido à sua topologia ser estruturada em rede.

Nova ordem social na era do conhecimento

Existe uma diferença fundamental no sentido interpretativo da era da informação e do conhecimento. Por séculos, a humanidade

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objetivou conquistar o poder da informação, vista por milhares de pessoas até poucos anos atrás como o único caminho exitoso para se manter ativo profissionalmente e também nas redes pessoais.

Todavia, com a potencialização do novo formato das redes so-ciais, aliada com uma abundante oferta de informações de todos os tipos e fontes, desenvolver a capacidade de filtrar essa base de dados diários e se concentrar apenas nos pontos mais relevantes para as atividades do cotidiano é um desafio inerente do cenário comporta-mental urbano.

Em uma visão crítica, Castells (2005, p. 58) propõe que as re-des sociais devem ser utilizadas com o objetivo de troca e ampliação do conhecimento, mesmo que seja para efeitos publicitários, regidos pelo ato da relação de estímulo de marketing e consumo.

A era do conhecimento pode ser aplicada tanto de modo indi-vidual como na extensão corporativa. Em uma realidade empresarial, as estratégias de posicionamento e desenvolvimento organizacionais são amparadas nesse modelo, denominado KM (knowledge manage-ment), visando potencializar ações e manter uma estrutura enxuta em detrimento da demanda de mercado.

De um prisma social de inclusão do cidadão nesses modelos digitais, é pertinente considerar que, apesar de representativa evo-lução tecnológica, ainda é necessária uma intensificação nos mo-delos de política pública que fomentem um real processo inclusivo do indivíduo na ordem social atual, com chances factuais de poder aprender o contexto digital e poder aplicar em suas atividades pro-fissionais e pessoais.

De acordo com Wurman (2009, p. 82), as pressões da infor-mação nos dias atuais são intensas, ocasionando muitos problemas para o indivíduo que não souber lidar com elas. A principal delas é a ansiedade, que está muito próxima da depressão informacional.

Isso posto, é pertinente apontar que o uso tecnológico deve ser equilibrado e não deve propiciar ao cidadão um processo inverso de uma melhoria comunicacional e de vida social, e que principal-mente o Estado possui limitação de promover preparação inclusiva digital de qualidade para os cidadãos regionais.

Nossos pesados Estados, difíceis de reciclar e de trans-formar, têm uma herança burocrática de vários séculos. Constitui um problema o fato de que consigam ser per-

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passados pelas novas tecnologias. O governo eletrônico não somente tem de transformar rígidos núcleos cultu-rais, de equipamentos e recursos para que diferentes ní-veis do Estado ofereçam aos cidadãos melhor comunica-ção, mas também deve transformar sua lenta burocracia (QUEVEDO, 2007, p. 68).

Vale considerar o papel estratégico que a comunicação possui hoje, principalmente na atual realidade de integração de meios, seja no poder público ou privado, porque deixa aos poucos de ser con-siderada uma área fim, com princípios operacionais e ferramentais, para migrar também para planejamentos de área início, tornando-se parte integrante de um planejamento estratégico.

No contexto democrático nacional, o processo de conver-gência midiática corrobora de modo direto na disseminação infor-macional; todavia é salutar observar que ainda é necessário um processo gradativo de maturidade dessa relação tecnológica com o comportamento social, permitindo que, ao longo do tempo, o cidadão potencialize ao máximo os benefícios da evolução da tec-nologia no cotidiano.

As redes digitais, hoje, são pensadas como uma pos-sibilidade de incremento das práticas democráticas. No entanto, a realidade nos mostra que essas práticas são limitadas e a questão que desponta é pensar em que me-dida as tecnologias de comunicação, disponibilizadas e ampliadas na era digital, podem modificar, aprimorar ou ampliar as possibilidades democráticas da sociedade con-temporânea (POZOBOM, 2011, p. 181).

Com a crise econômica global oriunda sobretudo dos países de foro desenvolvido, predominantemente presentes no hemisfério norte nos últimos quatro anos, ocorreu uma preocupação de manter otimizadas e enxutas todas as conjunturas sociais, visando redução de gastos para conter potenciais crises financeiras.

Nessa ordem econômica global atual, além das mudanças comportamentais do indivíduo diante da superexposição tecnoló-gica, existe o empenho dos poderes público e privado em utilizar ao máximo as possibilidades de interação das redes tecnológicas, interatuando mais com o cidadão contemporâneo e, na medida do

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possível, reduzindo gastos com antigos processos letárgicos e finan-ceiramente representativos antes do cenário da crise econômica.

Um exemplo dessa estratégia aplicada nos dois espaços so-ciais é a utilização cada vez mais estimulada dos canais multimídia para a realização de eventos, reuniões e demais atividades, que antes desse novo modelo eram possíveis somente presencialmente, ins-taurando gastos de deslocamento e desperdiçando tempo altamente valioso para a vida cotidiana repleta de múltiplas atividades.

As conferências eletrônicas são realidade e já são utilizadas globalmente, amparadas na rapidez e também na redução de custos. Um exemplo de adequação de paradigma presencial é o movimento em prol da realização de julgamentos criminais via rede eletrônica de conferência, reduzindo custos para o Estado e minimizando riscos de fugas no translado, como ocorre atualmente.

Por esses fatores que é sine qua non a promoção de inclusão di-gital para a população, visto que, de modo muito mais intenso atual-mente, compreender os fluxos comunicacionais e comportamentais contemporâneos não é somente um diferencial competitivo para o cidadão, mas uma necessidade inerente de sobrevivência na socieda-de convergente e on-line.

Cidadania, comportamento e democracia

A evolução tecnológica fomenta uma nova prática cidadã, sustentada no maior acesso às informações públicas, bem como na melhoria dos serviços inerentes aos deveres enquanto cidadão, como documentos, declarações de renda e propriedades, controle e paga-mento de impostos, entre outros.

É salutar afirmar que um dos princípios para avaliar mudanças sociais vinculadas ao senso de cidadania é a compreensão clara das possibilidades presentes no contexto espaço e tempo, descrito por Peruzzo (2011):

Como se pode observar, o status da cidadania se mo-difica, pois ela é construída ao longo da história e é, portanto, histórica. Ela avança em sua qualidade, já que os direitos se aperfeiçoam ou são ampliados. A percep-ção do que vem a ser um direito da pessoa, de grupos

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humanos, dos animais etc. varia no tempo e no espa-ço, tendendo a avançar em qualidade de acordo com o grau de organização e da força mobilizadora da socie-dade civil para forçar sua legitimação e consecução por parte do poder do Estado, do Legislativo e do capital (PERUZZO, 2011, p. 150).

Atualmente é possível perceber no Brasil uma preocupação gerencial no poder público em desenvolver estruturas que dinami-zem o contexto social público. Não somente pelo simples fato da me-lhoria da sociedade, mas também pelo interesse intrínseco em pro-piciar serviços à população com qualidade e refletir na credibilidade do governo, sendo uma estratégia de gestão e comunicação política.

Em contrapartida, é importante compreender que os recursos avançados tecnológicos isolados não propiciam um cenário demo-crático integrado.

Maia (2008) afirma que:

para fortalecer a democracia, são necessárias estruturas comunicacionais eficientes, ou instituições propicias à participação, mas também devem estar presentes a moti-vação correta, o interesse e a disponibilidade dos próprios cidadãos para engajar-se em debates (MAIA, 2008, p. 278).

Fortalecendo esse posicionamento, segundo Queiroz (2005):

a renovação da sociedade civil democrática não depende da quantidade de lugares que possuam um computador com acesso direto à internet, mas, em primeira instância, da qualidade da nossa formação política e das possibilida-des de refletir mais além do horizonte dos nossos interes-ses particulares (QUEIROZ, 2005, p. 166).

Seguindo esse princípio de essência democrática, é perti-nente compreender e analisar precisamente até onde determinado movimento originado por redes sociais isoladamente pode ser con-siderado legítimo ou induzido por interesses políticos não favorá-veis à democracia.

Um exemplo relevante em caráter internacional foi o movi-mento relacionado às manifestações populares para a instauração do

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regime democrático nos países árabes, como Egito, Tunísia e Líbia, destituindo do poder seus ditadores e promovendo uma nova or-dem política, replicando esse movimento para demais regimes, como Iêmen, Síria, Arábia Saudita, entre outros.

Conhecido como “Primavera Árabe”, foi um movimento com apelo popular e com intensa participação das redes sociais no sen-tido de promover estímulo organizacional para a centralização do movimento e dos respectivos manifestantes, fomentando, por inter-médio das redes tecnológicas, estímulo para participação no movi-mento político popular.

Um grande fator limitador é que, independente da conquista democrática em alguns dos países, a população não possui maturida-de política no sentido de promover uma implantação sustentável da democracia, gerando conflitos e disputas pelo poder, muitas vezes com intensa violência e afrontamento social.

No Brasil, a democracia se mostra consolidada, porém sofre diretamente com uma identidade comunicacional com a população de descrédito em seus representantes e no processo multipartidá-rio em si. Muito disso ocorre pela infeliz sequência de denúncias de corrupção e improbidade no poder público nos últimos anos, aliada com a baixa formação política de representativa parte da sociedade, incapaz de analisar os fatos de modo reflexivo e reivindicar soluções sustentáveis e plausíveis. Para Novelli (2011):

Percebe-se cada vez mais que as sociedades democrá-ticas têm compartilhado sentimento crescente de mal-es-tar em relação às suas instituições representativas. São recorrentes as avaliações negativas a respeito do desem-penho dos parlamentos e dos parlamentares por parte da população. [...] essa contradição política contemporânea, instituída pelo modelo de “representação que não repre-senta”, está no centro da reflexão sobre o papel e a função da comunicação na esfera pública das sociedades demo-cráticas (NOVELLI, 2011, p. 245).

Todavia, mesmo com esse descontentamento popular, que deve ser mais bem analisado e acompanhado pelos atores sociais interven-tores, o comportamento democrático melhorou em demasia compara-do com décadas passadas, o que reflete no posicionamento dos gesto-res públicos e nas eleições, porém ainda em caráter evolutivo.

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Estruturas eleitorais mais maduras corroboram para um am-biente democrático amparado em igualdade política. Para Lijphart (2008), “a igualdade política é um objeto básico da democracia, e, assim, o seu grau constitui um indicador importante de qualidade da democracia” (LIJPHART, 2008, p. 318).

Um caso pertinente é a evolução do sistema eleitoral brasilei-ro, propiciando maior rapidez e credibilidade na dinâmica eleitoral, fortalecendo o espírito democrático e caminhando ao encontro das demandas sociais relacionadas ao investimento tecnológico em prol de melhoria social e política.

O Brasil se encontra em uma situação de estabilidade tecnológica quando o assunto é o sistema eleitoral. Está conseguindo acompanhar os processos evolutivos dos anos e se manter em uma situação de vanguarda da apli-cação da tecnologia a favor da democracia. Nas eleições de 2008, com os mesmos cargos de 1996, implantou em modelo pequeno de amostragem de testes para a incorpo-ração biométrica, com o objetivo de combater possíveis fraudes na identificação dos eleitores, combatendo o voto em duplicidade e na votação ilegal de uma pessoa com o título de outro eleitor (NEVES, 2009, p. 153).

Um ponto crucial que deve ser levado em consideração é que a liberdade de expressão e a de imprensa são fundamentais para a continuidade evolutiva democrática, situação fundamental para promover o fortalecimento da nova ordem dos neofluxos comuni-cacionais. E esse cenário está presente e consolidado no Brasil, re-presentando, apesar das limitações, um campo político e social com grandes possibilidades de crescimento sustentável e melhoria social.

Comunicação política e governamental

A comunicação política conquistou nas duas últimas décadas um espaço estratégico dentro do cenário político global democráti-co. Para Maicas (1992, p. 14), a comunicação política vem adquirindo uma importância fundamental pelo papel-chave que a política ocupa na atual sociedade e, ainda mais, pela singular atenção que os meios de comunicação lhe concedem.

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Seu completo entendimento permite o planejamento e o desenvolvimento de ações sustentáveis no contexto político, propi-ciando uma funcional construção de imagem pública e de identidade regional para políticos e agremiações partidárias.

A compreensão da comunicação política é ampla e envolve grande parte das vertentes de estudo do universo político e comu-nicacional, como o viés governamental, desenvolvido no período de gestão do grupo político.

A comunicação política mediada na esfera pública pode facilitar processos de legitimação deliberativa em sociedades complexas somente se um sistema mediático autorregulador adquire independência com relação a seu ambiente social, e se audiências anônimas garantem um feedback entre o discurso informado da elite e uma socie-dade civil responsiva (HABERMAS, 2008, p. 10).

Outro posicionamento envolvendo também a opinião pública é dado por Wolton (1989), em que comunicação política “é o es-paço público no qual se intercambiam os discursos contraditórios dos três atores que têm a legitimidade de expressar-se publicamen-te sobre política: os políticos, os jornalistas e a opinião pública” (WOLTON, 1989, p. 30).

No Brasil e em grande parte dos países da América Latina, a comunicação política contemporânea se tornou mais evidente e forte com a conquista da redemocratização realizada por intermédio de manifestações legítimas populares, garantindo o direito da escolha de seus representantes pelo voto direto.

A competitividade saudável pelas vagas do poder público do Executivo e do Legislativo fomentou o crescimento e o amadureci-mento de grupos de consultores políticos e pesquisadores da área, que se empenharam para interagir com esse fenômeno social.

A profissionalização do campo no Brasil atualmente é repre-sentada pela Associação Brasileira de Consultores Políticos, denomi-nada ABCOP desde 1991. Essa proposta teve origem com o objetivo de propiciar maior controle na atuação dos profissionais de consul-toria política, evitando a atuação de pessoas com baixa qualidade consultiva (ABCOP, 2012).

O campo de pesquisa também é contemplado por dezenas de grupos de pesquisa distribuídos informalmente ou formalmente via

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agências de fomento à investigação, bem como por duas entidades brasileiras destinadas aos estudos dos conceitos e fenômenos da co-municação política, como a Sociedade Brasileira dos Pesquisadores e Profissionais de Comunicação e Marketing Político, denominada POLITICOM, e a Associação Brasileira de Comunicação e Política, in-titulada COMPOLITICA. O incentivo de novas premissas para o arca-bouço da comunicação política fica explicitado no posicionamento da POLITICOM (2012), no qual se descreve:

Caminhando de modo sustentável para o fomento do debate da temática de Comunicação e Marketing Político no Brasil, a Sociedade POLITICOM amplia suas perspecti-vas de crescimento para os próximos anos, acreditando na relevância do processo investigativo científico aliado ao contexto analítico das estratégicas pragmáticas de comu-nicação política aplicadas em todas as esferas públicas do país (POLITICOM, 2012).

A temática comunicação política ganha espaço e visibilidade por intermédio de novos pesquisadores também em debates presentes dentro da esfera da comunicação, em entidades de notória represen-tatividade, como a Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM), a Asociación Latinoamericana de Investigadores de Comunicación (ALAIC), entre outras.

Dentro do contexto da comunicação política, destaca-se a vertente da comunicação governamental, que pode ser definida por Vega (2011, p. 138) como um conjunto técnico de recursos técnicos e humanos organizados e destinados a realizar funções informativas e jornalísticas, capazes de contribuir com uma correta transparência e publicidade na execução de políticas públicas.

A comunicação de governo com os cidadãos é fundamental e deve ser bem elaborada, pois propicia maior contato com a popula-ção envolvida e permite uma construção de imagem pública diante das ações governamentais da gestão. Uma estrutura de comunicação eficaz consegue realizar análises com previsibilidade de potenciais crises de imagem públicas.

Para Elizalde (2004, p. 19), as crises no poder público devem ser controladas de modo profissional, com uma capacidade de análi-se e de todas as partes envolvidas no possível escândalo.

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A comunicação de governo deve se responsabilizar em promo-ver para a população o maior nível possível de transparência, evitan-do problemas posteriores, bem como potencializar por intermédio da propaganda de governo seus feitos públicos, construindo uma imagem pública positiva e com identidade com a população.

O uso tecnológico na dinâmica política também contribui para inibir potenciais fraudes, fortalece o senso de transparência (accountability) e combate grupos políticos ainda com caracterís-ticas coronelistas e de controle do poder público para os seus próprios interesses.

A integração dos sistemas, possibilitada pela conver-gência implementada, permitirá que dados e informações comuns fiquem disponíveis a todos, a partir de uma úni-ca captação, ou geração, para eliminar a necessidade de coleta múltipla, reduzir o volume de meios de armaze-namento, eliminar a inconsistência habitualmente decor-rente de critérios e métodos diferenciados de captação e geração, eliminar gastos paralelos com o desenvolvimen-to de aplicações afins e aumentar a produtividade dos próprios sistemas e da mão de obra envolvida (BRESSER PEREIRA, 1998, p. 305).

Em um viés governamental, na visão de Ferrari (2007), “um dos problemas da comunicação efetiva, principalmente no Brasil, provém da complexidade dos planos dos governos e de como suas ações são divulgadas à sociedade” (FERRARI, 2007, p. 143).

Deve-se monitorar e combater de modo não inibidor as ma-nifestações da população nos canais de comunicação interativos. O mais comum é o trânsito de descontentamento compartilhado nas redes sociais, praticamente em tempo real, com fotos, textos ou de-mais recursos que podem prejudicar a imagem organizacional se não for tratado de modo rápido e correto.

Outro ponto pertinente são os serviços públicos oferecidos aos cidadãos, que devem ser profissionais, eficazes e seguros, com-batendo a compreensão antiga do cidadão de que o sistema público é moroso e deficitário comparado com o segmento privado. Satisfazer um cidadão é garantir maiores oportunidades de crédito em pleitos futuros, além de ser gerencialmente correto.

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Alguns exemplos de estruturas bem-sucedidas e avaliadas positivamente pela população normalmente são utilizados em mo-mentos de campanha eleitoral, buscando reportar credibilidade ao candidato e ao partido, que foram responsáveis pela implantação do projeto.

Existem exemplos exitosos e bem avaliados em âmbito nacio-nal, normalmente embasados em serviço ao cidadão e tecnologia, como atividades relacionadas com a Receita Federal e a Previdência Social, que são realizadas quase que em sua predominância eletroni-camente. A Justiça Eleitoral, com o seu sistema de votação informati-zado, conseguiu otimizar o tempo do processo eleitoral e promover maior credibilidade para os eleitores.

Muitas cidades brasileiras já adotaram sistemas de nota fiscal eletrônica, combatendo a sonegação e permitindo maior eficácia nos processos operacionais. De modo resumido, centenas de processos, que antes eram demorados e com estrutura logística provinciana, fo-ram adequados para a sociedade da informação e do conhecimento, contribuindo para a democracia e o acesso aos serviços públicos.

Um ponto que deve ser citado é a implantação, desde 2011, da Lei da Transparência Pública, que obriga órgãos públicos a manter suas bases de dados e documentos disponíveis para a população, desde que respeitadas as pertinências dos conteúdos, que são dispo-nibilizados por ordem de sigilo. Mesmo depois de alguns anos, esses conteúdos devem ser publicados e disponibilizados pelos recursos disponíveis no período.

As mídias contemporâneas contribuem para o processo elei-toral, e uma parcela representativa da população já demonstra mu-danças comportamentais na escolha dos seus representantes. O am-biente eletrônico da web, seja em terminais de mesa (desktop) ou via aparelhos de mobilidade (smartphones, tablets e demais recursos tecnológicos), corrobora para a disseminação da informação, inclusi-ve em momentos de campanha.

Apesar de não ser predominante, o ambiente eletrônico da internet e das redes sociais certamente irá ocupar espaços mais rele-vantes nas próximas eleições, podendo contribuir tanto para o cres-cimento de popularidade do candidato quanto na exposição negativa deste, independente do seu cargo. Obviamente, é compreensível ob-servar que quanto maior o nível da disputa, maiores serão os riscos de controle da informação.

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Observando em conotação nacional, ainda é pequena essa realidade, principalmente pelos enormes desafios sociais ainda pre-sentes no país e pela baixa formação educacional e política dos brasi-leiros, incluindo também os desafios inerentes da operacionalização técnica dos serviços de telecomunicações no Brasil.

Atualmente em campanhas eleitorais, as redes sociais e a plataforma web são estratégicas para promover maior controle na coordenação de campanha, com maior gerenciamento de comitês e controle de material, tornando os orçamentos mais comprovados e controlados.

Não é correto afirmar que as redes sociais, de modo isola-do, elegem candidatos, principalmente os que postulam vaga no Executivo, como prefeituras, governos de estado e presidência, mas são canais que corroboram para o fortalecimento midiático desenvol-vido em outras mídias.

Por questões de viabilidade econômica e de mercado, focam apenas nos grandes centros urbanos, excluindo mercadologicamente representativa parte do país, com baixa população de poder aquisiti-vo pertinente ao consumo dos serviços oferecidos de mídias eletrô-nicas: TV por assinatura, acesso à internet em alta velocidade, entre outros. Diante desse conceito, Aggio (2011) complementa que

é fundamental observar que por mais que seja possível identificar ganhos democráticos a partir de possibilidades recursivas da internet na maneira de fazer campanha, ain-da se deve levar em consideração o papel de uma cultura política, tanto no modus operandi do sistema político quan-to nos valores, necessidades, interesses e reinvindicações dos cidadãos. Portanto, trata-se da cultura política, antes de tudo (AGGIO, 2011, p. 190).

É um processo evolutivo e de amadurecimento do eleitor cidadão em conhecer e acompanhar as atividades dos seus repre-sentantes. Nesse aspecto, é possível considerar que a base técnica para o acesso já existe; o grande ponto que deve ser trabalhado para essa viabilidade democrática é o fomento do hábito do indiví-duo em perceber sua importância no processo de controle, acom-panhamento e seleção dos políticos, distribuídos nas diferentes escalas do poder.

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Considerações finais

O novo modelo social amparado na sociedade do conhecimento exige em demasia dos cidadãos, principalmente no que tange ao cresci-mento profissional e aos envolvimentos sociais, decorrentes da intensa velocidade de informação e convergência dos canais de comunicação.

Esse reflexo está presente na esfera pública, que estimula esse novo modelo comportamental, principalmente no consumo de pro-dutos eletrônicos e tecnológicos, enaltecidos pelo arquétipo exitoso predefinido pelo mercado, com alta capacidade de inserção de redes on-line e de trânsito nas convergências tecnológicas.

Esse mesmo consumidor atual também direciona suas exigên-cias para o poder público, que deve considerar esses fatores e melho-rar suas bases de atendimentos e de serviços públicos, utilizando o aumento da credibilidade em favor da construção de imagem e identi-dade da gestão, bem como da agremiação partidária a qual representa.

A comunicação política é fundamental nesse processo, porque transita com ações em momentos eleitorais e pós-eleitorais. Na situ-ação de vitória no pleito eletivo, a preocupação é com relação aos processos comunicacionais governamentais, apresentando melhorias sociais e ampliando o contato com os cidadãos regionais.

O eleitor está em mudança no processo de escolha e acompanha-mento dos seus representantes, porém em escala gradativa de aceitação da real importância desse processo. O uso das redes sociais e demais recursos para acompanhamento da égide política e pública é factual, porém o cerne reflexivo é a capacidade de conscientização social do cidadão em realmente cobrar seus direitos de melhoria pública da sua cidade, estado ou país, controlando e utilizando a tecnologia como fer-ramental inibidor de práticas ilícitas, de improbidade gerencial, infeliz-mente presentes em grande parte das esferas do poder nacional.

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capítulo 3

O papel da mídia-educação na configuração do novo receptor

Mônica Pegurer Caprino

Desde a declaração de Grunwald, de 1982, quando um grupo de expertos de 19 nações se reuniu naquela cidade alemã sob

os auspícios da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), a educação para os meios (também chamada de letramento midiático, literacia mediática ou alfabetiza-ção midiática) tem sido preocupação constante e periódica de orga-nismos internacionais ligados à educação, às políticas relacionadas aos meios de comunicação e ao desenvolvimento global.

Com o incremento das tecnologias digitais a partir da déca-da de 1990, o conceito de media literacy (termo original em inglês usado em documentos e estudos internacionais), que de início abar-cava somente as competências que levavam ao conhecimento e à compreensão dos meios de comunicação, adquiriu outro elemento fundamental: a capacitação para a participação ativa na produção de mensagens comunicativas. Afinal, o desenvolvimento da internet e o aparecimento de outras inovações tecnológicas, como a grava-ção digital, as câmeras de vídeo, os aparatos móveis e as platafor-mas de computação, geraram “uma explosão de atividade criativa” (BOWMAN; WILLIS, 2003, p. 18).

Os ataques terroristas às torres gêmeas, em 2001, os atentados a bomba ao metrô de Londres, em 2005, e o tsunami na Indonésia,

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em 2004, foram somente alguns dos eventos recentes da história da humanidade que, ao serem registrados e divulgados ao mundo por cidadãos comuns, comprovaram um fenômeno que vinha sendo pre-visto por estudiosos da comunicação desde os anos 1990: usuários e criadores de informação podem exercer ambos os papéis. Aliás, as no-vas formas de produzir e consumir informação são uma das principais características do mundo no século XXI, da chamada “sociedade em rede” (CASTELLS, 2005, p. 69).

A produção de conteúdos midiáticos pela audiência não para de crescer, e esse crescimento é muito mais rápido e mais amplo do que se previa ao final dos anos 1990 (GILLMOR, 2006). Vários estudos realizados pelo Pew Internet & American Life Project têm mostrado que boa parte das pessoas conectadas à internet também é produ-tora de algum tipo de informação: mais da metade (57%) dos ado-lescentes estadunidenses que usam internet produz algum tipo de conteúdo, sejam fotos, vídeos ou histórias para blogs ou páginas web (LENHART; MADDEN, 2005). Uma vez que os dados são de 2005, com certeza outro estudo mais atualizado mostraria números ainda mais significativos. Outra pesquisa (RAINIE; BRENNER; PURCELL, 2012) do mesmo Pew Internet mostra que 46% dos usuários de internet nos Estados Unidos postam na rede fotos e vídeos originais, produzidos por eles mesmos.

Ainda que não tenhamos dados semelhantes para compa-rar com a situação brasileira, pode-se ter uma ideia do panorama dos novos produtores de informação verificando os números gerais sobre o uso da internet em nosso país. Dados sobre o acesso às Tecnologias da Informação e da Comunicação de 2011 (CETIC, 2011) apontam que 38% dos domicílios brasileiros dispõem de acesso à in-ternet. Esses números podem subir a 90% se considerarmos as clas-ses sociais economicamente mais favorecidas, e, se detalharmos por faixa etária, vemos que 75% dos jovens de 10 a 15 anos já usaram a internet de alguma forma, em suas casas ou em outros espaços, como as lan houses.

Visto que a produção de conteúdo por parte dos usuários já é uma realidade inquestionável, vale indagar de que maneira esse “novo receptor” produz conteúdos e até que ponto exerce esse pa-pel de maneira consciente, crítica e criativa. A partir desse primeiro questionamento, podemos perguntar em seguida: qual é o papel que a mídia-educação e o letramento midiático (tradução a partir do termo em inglês media literacy) podem exercer neste novo cená-

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rio midiático global? Qual pode ser sua relação com a participação dos usuários? A tentativa de responder a essas questões também nos leva a observar que papel tem exercido o letramento midiático ao longo do tempo e como os estudos e atividades relacionados a esse tema têm encarado a questão da participação dos usuários na produção de conteúdos.

Assim, este texto pretende discorrer sobre o papel da mídia-educação nas novas configurações dos processos comunicacionais, em que o receptor já não tem um papel passivo, e debater como o letramento midiático pode ajudar na transformação dos usuários dos meios de comunicação em sujeitos ativos e participantes.

Novo papel do receptor

Apesar de as tecnologias digitais e a internet serem o principal fator que impulsiona a comunicação participativa, não se pode deixar de destacar que diversas formas de participação existiam muito antes da web. Segundo Gillmor (2006, p. 29), os primeiros programas com pedidos dos ouvintes por telefone datam, nos Estados Unidos, de 1945. As cartas dos leitores, no caso da imprensa, também remontam a datas muito anteriores aos meios digitais. No Brasil, o atendimento a queixas e reivindicações do público por meio de cartas à redação já existia em vários jornais na década de 1950 (ABREU, 2003, p. 31).

As possibilidades de participação da audiência ganharam ter-reno no final dos anos 1980, principalmente nos Estados Unidos, quando muitos jornais começaram a convidar seus leitores a partici-par – por meio de grupos focais, entrevistas e pesquisas – sugerindo temas e pautas. Ainda que essas iniciativas – que passaram a ser co-nhecidas como jornalismo cívico ou público (TRAQUINA; MESQUITA, 2003, p. 19) – dessem voz à audiência, a produção das notícias conti-nuava a ser campo exclusivo dos jornalistas.

A participação do receptor ou usuário (sem entrar em deba-tes teóricos sobre o termo a ser utilizado) passa realmente a ganhar ênfase na última década do século XX. A partir desse momento, “não somos somente telespectadores, somos usuários e consumidores, fa-zemos mais do que interpretação, podemos interferir e interagir com o produto” (OROZCO, 2010, p. 16).

Ao falar da convergência midiática que caracteriza o século XXI, Jenkins (2009) alia a esse conceito a ideia de “cultura partici-

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pativa”, uma vez que a convergência de mídias permite aos novos consumidores exercer um papel ativo. Além disso, como receptor de informação, o indivíduo procura desempenhar seu papel de consumi-dor de maneira mais participativa e crítica.

Jenkins faz uma diferenciação interessante entre o conceito de interatividade e de participação: a seu ver, “interatividade é uma propriedade da tecnologia enquanto que participação é uma proprie-dade da cultura” (JENKINS, 2009, p. 8). Dessa maneira, ele alega que a cultura participativa é aquela que absorve e responde à explosão de novas tecnologias de mídia, e que torna possível aos consumido-res médios reelaborar e circular o conteúdo de mídia “em maneiras novas e poderosas”.

Assim, partindo desse ponto de vista, podemos afirmar que, mais do que nunca, é necessário que os cidadãos sejam letrados mi-diaticamente, pois não se trata apenas de acesso e manejo de ferra-mentas. Pode parecer sem sentido dizer que os usuários precisam ser educados para o seu novo papel nos processos comunicativos, pois se poderia pensar que o fato de serem “nativos digitais” (PRENSKY, 2001) já os deixaria aptos a exercer sua nova função de produtores de conteúdos e mensagens midiáticas. Devemos lembrar que Marc Prensky (2001) cunhou o termo “nativo digital” ao verificar que os es-tudantes do século XXI estão vivendo uma mudança radical, se com-parados aos jovens de outras gerações, devido à difusão da tecnolo-gia digital. O autor defende que os estudantes pensam e processam a informação de modo diferente de seus antecessores. A esses “novos estudantes”, os nativos digitais, Prensky contrapõe as gerações an-teriores, que necessitam atualizar-se para acompanhá-los e que são nomeadas por ele de “imigrantes digitais”.

Há, porém, alguns expertos que debatem as ideias de Prensky sobre os nativos digitais e defendem a necessidade do letramento midiático na sociedade do século XXI. David Buckingham (2009) acre-dita que muitos dos nativos digitais são apenas usuários mais inten-sivos de mídia digital que os imigrantes digitais. A ideia de que a imersão dos jovens nas novas tecnologias os faria aptos a lidar com a tecnologia e produzir conteúdos como usuários conscientes e ativos pode, assim, se revelar falsa. Seria, portanto, equivocado imaginar que os jovens que já são usuários competentes desses novos meios saibam necessariamente tudo o que precisam saber como produtores de conteúdo (BUCKINGHAM, 2009).

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Além disso, poderíamos listar pelo menos outros três motivos-chave para defender essas ações educativas: a existência de brechas digitais e, consequentemente, de distintos níveis de participação en-tre indivíduos de diferentes realidades socioculturais; a dificuldade de exercer uma reflexão crítica sobre a mídia, ainda que se saiba pro-duzi-la ou se domine as ferramentas tecnológicas; e a questão ética, pois muitas vezes os limites a serem impostos para a produção do usuário podem se tornar nebulosos (JENKINS, 2009, p. 19).

Esses, sem dúvida, já são motivos suficientes para discorrer sobre o papel da media literacy nos novos cenários comunicativos e como a mídia-educação tem encarado a questão da produção de con-teúdos por parte dos receptores.

Media literacy (letramento midiático)

A primeira questão que se debate ao introduzir o tema da media literacy é exatamente a nomenclatura e o conceito envolvi-dos. O termo original não tem seguido uma tradução ou adaptação única no Brasil, embora em Portugal se encontre certo consenso para a tradução “literacia mediática”. Também nos países de língua espanhola há quase unanimidade para a utilização do termo “alfa-betización mediática”.

No Brasil, alguns autores preferem o termo “letramento midi-ático”, estendendo às questões da mídia o uso da palavra letramen-to (já utilizada em estudos sobre leitura) em substituição à palavra alfabetização.1

Com origem nos anos de 1920, os estudos e atividades re-lacionados a media literacy limitavam-se, inicialmente, a uma “alfa-betização visual”, com vários projetos voltados à interpretação de imagens (HOBBS; JENSEN, 2009, p. 3). Assim, media literacy e media education eram entendidas com uma “defesa cognitiva” contra o sen-sacionalismo e muitas formas de propaganda abusiva nos meios de comunicação.

1 Autores como Magda Soares (SOARES, M. Letramento e alfabetização: as mui-tas facetas. Revista Brasileira de Educação, São Paulo, v. 25, 2003, p. 5-17) e Angela Kleiman (KLEIMAN, A. Os significados do letramento. Campinas: Mercado de Letras, 1995), entre outros, desenvolvem trabalhos sobre a diferença dos dois termos (letramento e alfabetização).

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Assim, durante muito tempo, a ideia de uma educação para a mídia, principalmente no meio escolar, foi a de proteger crianças e jovens do efeito nocivo dos meios de comunicação. Segundo Hobbs e Jensen (2009, p. 3), a partir dos anos 1970, a media education come-çou a ser reconhecida como “uma prática crítica da cidadania”.

O conceito de media literacy (que aqui traduzimos como “le-tramento midiático”) mais utilizado nos textos sobre o tema é a definição que foi redigida em 1992, durante a National Leadership Conference on Media Literacy, a qual afirma ser o letramento midiáti-co “a capacidade de acessar, analisar, avaliar e comunicar mensagens em uma variedade de formas” (Aufderheide, 1992). Esse conceito, com pequenas variações, foi assumido posteriormente por vários or-ganismos internacionais, como a UNESCO e a Aliança das Civilizações – UNAOC (organismo da ONU que ajuda a promover o entendimento e a cooperação entre as nações, que inclusive tem uma câmara2 que trata especificamente do tema).

De outra forma, podemos dizer também que

media literacy é o termo usado para descrever as compe-tências e habilidades requeridas para o desenvolvimento independente e consciente do cidadão no novo entorno comunicacional – digital, global e multimídia – da socie-dade da informação. A media literacy (o letramento mediá-tico) é considerada o resultado do processo de media edu-cation (mídia-educação) (PÉREZ-TORNERO, 2008, p. 103).

A partir da obra de Len Masterman, Ensinando a mídia (MASTERMAN, 1985), foram adotados também alguns conceitos-cha-ve sobre mídia-educação, resumidos pelos documentos do Center for Media Literacy (CML)3, dos Estados Unidos: todas as mensagens midiáticas são construídas; as mensagens midiáticas são construídas usando uma linguagem criativa com suas próprias regras; diferentes pessoas experimentam a mesma mensagem midiática de maneiras

2 Esse “departamento” é a Media & Information Literacy Clearinghouse, cuja pági-na web pode ser acessada no seguinte endereço eletrônico: <http://mil.unaoc.org/>.3 Veja no endereço: <http://www.medialit.org/reading-room/five-key-questions-form-foundation-media-inquiry>.

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diferentes; a mídia incorpora valores e pontos de vista; muitas men-sagens midiáticas estão organizadas para obter lucro ou poder.

No Brasil, os estudos de media literacy têm sido avaliados algu-mas vezes de forma negativa, pois se considera que ainda se referem somente a aspectos de leitura crítica da mídia ou a preocupações pro-tecionistas quanto aos efeitos negativos da mídia sobre o público in-fantil. Se isso existiu em um momento inicial do desenvolvimento dos estudos relacionados ao tema, já não é o principal aspecto destacado na media literacy. Hoje, capitaneados e patrocinados principalmente pela UNESCO, os projetos e ações de mídia-educação ampliaram o conceito utilizado para media and information literacy (quanto a acesso, tratamento e produção de todo tipo de informação pelos cidadãos), e uma das palavras-chave é o “empoderamento” (empowerment) e parti-cipação da cidadania em espaços/sociedades democráticas.4

Os estudiosos que mais têm se dedicado a trabalhar com as interfaces da comunicação e educação no Brasil, como Ismar de Oliveira Soares e seu grupo, do Núcleo de Comunicação e Educação da USP, preferem utilizar o termo Educomunicação (TAVARES JÚNIOR, 2007), pois acreditam que abarca um suporte teórico e de ação mais amplo, filiando-se aos aportes dos teóricos latino-americanos, prin-cipalmente Jesús Martín-Barbero.

Letramento midiático e participação

Ainda que durante um primeiro período, como já foi ante-riormente destacado, o letramento midiático tenha sido identificado como a educação sobre os meios e a leitura crítica, desde muito tem-po os documentos internacionais sobre o tema incluem a temática da participação e da produção comunicativa para a qual se deve capaci-tar o usuário, o cidadão.

4 Hoje, a UNESCO utiliza a noção unificada de media and information literacy, considerando que inclui o conhecimento essencial sobre as funções dos meios de comunicação, bibliotecas, arquivos e outros provedores de informação nas sociedades democráticas, além de “empoderar” as pessoas em todos os âmbi-tos da vida para buscar, avaliar, utilizar e criar a informação de forma eficaz sob qualquer formato (WILSON, C. et al. Media and Information Literacy Curriculum for Teachers. Paris: UNESCO, 2011. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/ima-ges/0019/001929/192971e.pdf>. Acesso em: 18 maio 2012).

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Das orientações protecionista (proteger as crianças do pe-rigo da mídia) e promotora (que pretende incentivar atividades que colaborem para a tomada de consciência crítica em relação ao universo midiático), o letramento midiático chega posteriormente a uma orientação participativa, que passa a enfatizar a produção social, a comunicação para o desenvolvimento do conhecimento, a interatividade e o diálogo. (PÉREZ-TORNERO; VARIS, 2012, p. 67). Hoje, quase todos os estudos e documentos sobre media literacy falam de empowerment, ou seja, de “empoderar” os cidadãos para uma participação ativa.

Para observar essa trajetória, é interessante analisar os princi-pais documentos internacionais relacionadas a media education e media literacy. A maioria está relacionada a ações da UNESCO e são declara-ções produzidas em encontros internacionais sobre educação e mídia.

Não há dúvida de que a Declaração de Grunwald sobre Mídia-Educação (Grünwald Declaration on Media Education) inicia um lon-go debate sobre as relações entre dois campos tão importantes para a sociedade contemporânea como a comunicação e a educação. Em 1982, um grupo de expertos se reuniu na cidade alemã de Grunwald, a convite da UNESCO, e elaborou um documento enfatizando a im-portância da comunicação no mundo da educação e a necessidade imperiosa de uma educação para os meios (UNESCO, 1982). Nesse documento, já se anteviam as novas possibilidades de comunicação com o desenvolvimento das tecnologias digitais.

O documento revelava que, “em um futuro próximo”, as pos-sibilidades comunicativas passariam a ser avassaladoras devido ao incremento das tecnologias relacionadas aos satélites, aos sistemas de cabo, à combinação de computador e televisão e outras tantas possibilidades que apenas se vislumbravam antes da era da internet. Numa postura extremamente visionária para o início dos anos 1980, os expertos que redigiram a Declaração de Grunwald reconheciam, acima de tudo, “a responsabilidade de preparar um jovem para vi-ver em um mundo dominado pelas imagens, as palavras e os sons” (UNESCO, 1982). Uma responsabilidade que, declaravam, devia ser compartilhada entre escola e família.

Além da questão da consciência crítica no entendimento e tra-to com os meios, a parte final da declaração fazia um chamamento à ação. Assim, em um momento em que ainda não se falava em comu-nicação colaborativa, jornalismo participativo ou conteúdos gerados por usuários e muito menos se poderia imaginar o protagonismo

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que tomariam blogs e páginas pessoais na internet, já se fazia men-ção à implantação de programas de educação em meios que não só abarcassem a questão da análise de conteúdo, mas também a “uti-lização dos canais disponíveis, baseada em uma participação ativa” (UNESCO, 1982). É claro que, nesse momento, a noção de participa-ção ativa estava muito mais distante da produção de conteúdos que se pode fazer hoje, com as ferramentas tecnológicas disponíveis.

Uma nova conferência promovida pela UNESCO em 1990, des-ta vez na cidade francesa de Toulouse, resultou em nova declara-ção: “Novas direções na mídia-educação” (New Directions in Media Education). Participaram 180 delegados de 40 países de um colóquio sobre o futuro da mídia-educação, patrocinado por UNESCO, British Film Institute e CLEMI (Centre de Liaison de L’Enseignement et des Moyen D’Information), organismo do Ministério da Educação da França que cuida da ligação entre educação e comunicação.

Além das discussões sobre os termos media education e media literacy e sobre a necessidade de implantação efetiva da mídia-edu-cação nos tempos contemporâneos, o documento enfatizava que os consumidores de mídia também eram agora produtores de sentido. “O objetivo educacional é agora o ‘empoderamento’ do espectador para processar as mensagens dos meios de comunicação de massa e produzir significados que são tanto pessoal como socialmente relevantes” (THOMAN, 1990). É nesse momento que se dá ênfase à palavra “empoderamento”, que se repetirá em futuros documentos da UNESCO sobre media literacy, tendo hoje especial destaque nos estudos da área.

O terceiro documento importante a ser considerado são as recomendações de outra conferência realizada pela UNESCO, desta vez em Viena, em 1999. A declaração “Educando para os meios e a era digital” (Educating for the Media and the Digital Age) ressalta os avanços tecnológicos vividos pela sociedade e as características da nova era que se passaria a viver com intensidade a partir da-quela virada de século. Esse documento voltava a enfatizar que a mídia-educação deveria permitir às pessoas não só compreender os meios de comunicação, como também adquirir ferramentas para usar a mídia para comunicar-se por meio de suas próprias mensa-gens e histórias (KRUCSAY, 1999). Assim, além da avaliação e lei-tura crítica, o aspecto de produção era destacado nessa declara-ção, que também delineava o papel fundamental da intervenção da UNESCO, com a criação de uma Câmara de Educação para a Mídia

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(International Clearing House for Media Education). Hoje, essa câ-mara tem o nome de Media and Information Literacy Clearinghouse.

A partir de um seminário realizado na cidade espanhola de Sevilha, em 2002, surge outro documento-chave da media literacy, intitulado Youth Media Education Seminar (BUCKINGHAM, D. et al., 2002). Nele é enfatizada a necessidade de criação de políticas públi-cas em várias áreas relacionadas à mídia-educação. Um dos pontos importantes também é fazer uma clara distinção entre educar para o conhecimento crítico dos meios de comunicação e utilizar os meios de comunicação como simples ferramenta didática para o ensino de temas ou conteúdos programáticos.

Outro documento ligado à UNESCO a que podemos fa-zer referência é a Agenda de Paris, também chamada de “12 Recommendations for Media Education”. Essas recomendações fo-ram redigidas em 2007, durante encontro comemorativo dos 25 anos da Declaração de Grunwald, e reafirmam a importância da educação para a mídia. As 12 recomendações destacam que a mídia-educação abarca todo tipo de mídia, independente da natureza e da tecnologia utilizada (UNESCO, 2007). O texto reforça os três eixos que já vinham sendo alvo das definições de media literacy: acesso, análise/avaliação e criação de conteúdos.

Em 2011, uma conferência na cidade de Fez, no Marrocos, intitulada The First International Forum on Media and Information Literacy, não só reforçou os conceitos que até então vinham sendo trabalhados pela UNESCO, como sugeriu a nomenclatura que passou a ser adotada desde então pelos organismos internacionais, media and information literacy, ou letramento midiático e informacional. Foi o primeiro encontro internacional que considerou letramento midi-ático e informacional como um conjunto combinado de competên-cias (conhecimentos, habilidades e atitudes). Na Declaração de Fez, os participantes do fórum decidiram aprovar a ideia de que a idade digital e a convergência de tecnologias de comunicação existentes na sociedade contemporânea exigem “a combinação de meios de alfabetização e letramento, a fim de que se alcance o desenvolvi-mento humano sustentável e se construam sociedades civis partici-pativas” (UNESCO, 2011).

A produção de conteúdos pelos usuários voltou a ser ressaltada como um aspecto importante do letramento midiático (e informacio-nal). O documento também passou a incluir como uma das metas da

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UNESCO no quadro geral do letramento midiático e informacional tan-to a produção quanto a distribuição dos conteúdos gerados pelos usu-ários (CGU), sobretudo os produzidos pelos jovens (UNESCO, 2011).

Livingstone (2004, p. 7) destaca, porém, que nem todas as definições de media literacy incluem esse aspecto da produção e da participação cidadã. Muitas vezes, essa ideia, que toma um caráter político, pois pretende dar voz e participação aos “sem voz”, pode encontrar posições contrárias. Mas esses argumentos contra a produ-ção de conteúdos por parte dos usuários poderiam ser combatidos com três ideias básicas: as pessoas aprendem melhor sobre a mídia tornando-se produtoras de conteúdo; quem tem habilidades em no-vas mídias está mais capacitado ao mercado de trabalho, sem dizer que os cidadãos têm o direito de autorrepresentação e participação cultural (LIVINGSTONE, 2004, p. 7).

A Declaração de Moscou sobre Letramento Midiático e Informacional (The Moscow Declaration on Media and Information Literacy), o mais recente documento originário de um encontro so-bre o tema patrocinado pela UNESCO, em 2012, aborda justamente as barreiras encontradas para a efetivação do letramento midiático nas sociedades contemporâneas, sobretudo no que diz respeito à participação do receptor como criador de mensagens midiáticas (UNESCO, 2012).

Segundo a Declaração de Moscou (UNESCO, 2012), questões como a censura, a comercialização e a monopolização da informação; a falta de respeito pela diversidade cultural e linguística; as excessivas e inadequadas barreiras legais ao acesso, distribuição e controle das informações; e a falta de colaboração intersetorial e interdisciplinar entre as partes interessadas fazem com que o letramento midiático e informacional nem sempre seja efetivo. Ainda assim, o encontro rati-fica que media and information literacy (MIL) é um pré-requisito para o desenvolvimento sustentável das sociedades do conhecimento, para que sejam abertas, plurais, inclusivas e participativas.

A partir dessa declaração, surge também uma definição mais ampla de letramento midiático e informacional:

MIL é definido como uma combinação de conhecimen-tos, atitudes, habilidades e práticas necessárias para aces-sar, analisar, avaliar, usar, produzir e divulgar informações e conhecimento de forma criativa, legal e ética, que res-

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peite os direitos humanos. Indivíduos letrados midiática e informacionalmente podem usar diversas mídias, fontes de informação e canais em sua vida privada, profissional e pública. Eles sabem quando e qual a informação precisam e para quê, onde e como obtê-la. Eles entendem quem criou essa informação e por quê, assim como os papéis, responsabilidades e funções dos meios de comunicação, fornecedores de informação e instituições responsáveis pela memória histórica (UNESCO, 2012).

Outro aspecto reforçado é que o letramento midiático e infor-macional aborda todos os tipos de meios de comunicação (oral, im-pressão, analógico e digital) e todas as formas e formatos de recursos.

Cidadania participativa

Hoje, a capacidade de criar comunicações em diversos contex-tos, como define o conceito já mencionado, é um dos aspectos fun-damentais do letramento midiático e informacional. Não são poucos os que falam nas novas abordagens da media literacy. Kellner e Share (2005), por exemplo, enfatizam esses “novos” aspectos da media lite-racy com a utilização do termo critical media literacy, afirmando que:

o letramento midiático crítico dá mais poder individual ao cidadão a respeito de sua cultura, além de permitir que as pessoas criem seus próprios significados e identidades, moldando e transformando as condições materiais e so-ciais de sua cultura e sociedade (KELLNER; SHARE, 2005, p. 381, trad. nossa).

Ou seja, o letramento midiático permite que os cidadãos se tornem indivíduos mais ativos e motivados, participando de maneira consciente da vida social.

Em um dos seus trabalhos, Renee Hobbs (2010, p. 18) utiliza o termo digital and media literacy, destacando cinco competências básicas, que “trabalham juntas” para o “empoderamento” dos cida-dãos na atividade de consumir e criar mensagens: acesso, análise e avaliação, criação, reflexão e ação, sendo estas duas últimas mais relacionadas à ação social.

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O letramento midiático e as ações de mídia-educação têm sido considerados um pré-requisito para a participação efetiva dos cidadãos nas sociedades tecnologicamente avançadas (O’NEILL, 2008, p. 3). As ações da UNESCO relacionadas com o letramento midiático e infor-macional fazem com que o tema também esteja no âmbito da esfera pública, com recomendações para a elaboração de políticas públicas referentes ao assunto. Considera-se, inclusive, que os aspectos da media literacy se relacionam com o exercício dos direitos humanos, expressos na Declaração Universal dos Direitos do Homem (O’NEILL, 2008).

Uma vez que estão ligados à cidadania, não devemos nos equivocar e imaginar que a mídia-educação e o letramento midiático e informacional sejam uma tarefa somente da escola, com conteúdos a serem vinculados aos currículos do ensino fundamental. Mesmo nesse aspecto da educação formal, as iniciativas quanto ao tema no Brasil ainda são modestas, seja na inclusão do assunto nos currículos escolares, seja na formação dos professores.

Quando falamos em letramento midiático e nos seus aspectos básicos, como acesso, análise/avaliação e produção, seria fácil apon-tar problemas em todas as áreas no que diz respeito ao nosso país. Não só o exercício da produção de mensagens ainda é pequeno por parte dos usuários, como o acesso à infraestrutura, às habilidades e competências necessárias ao seu uso ainda é precário. A má qualida-de das mensagens midiáticas exibidas pelos meios de comunicação e sua ampla aceitação mostram que a análise e a avaliação crítica dos meios também necessitam de maior impulso na sociedade brasileira.

Embora o crescente uso das ferramentas digitais, sobretudo a internet, poderia fazer supor um alto índice de letramento midiático na sociedade brasileira, certamente não é isso que concluiríamos se recordarmos que a media literacy implica competências e habilidades requeridas para o desenvolvimento independente e consciente do cidadão no novo entorno comunicacional. Segundo têm discutido os organismos internacionais, capitaneados pela UNESCO, o êxito do letramento midiático deve começar com a introdução da mídia-e-ducação nos currículos da educação formal, além do treinamento e suporte a professores. Aspectos, sem dúvida, que ainda não se con-cretizaram no Brasil.

São pautas que devem permanecer para o debate, principal-mente porque, quando se fala hoje em letramento midiático, está em causa, como destacou Masterman (1985), o “empoderamento” das maiorias e o fortalecimento das estruturas democráticas da sociedade.

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capítulo 4

Aluno 3.0: antigo personagem em nova comunicação

Elias Estevão Goulart

Introdução

A educação é um processo inato aos seres humanos; somos seres ‘aprendedores’. As outras espécies podem aprender e o fazem

dentro de suas limitações, contudo nossos cérebros parecem projeta-dos para constantemente absorver o mundo do entorno, numa busca frenética por desvendar seus mais diversos segredos.

A educação pode ser considerada como estruturada a partir de Jan Amos Comenius (UNESCO, 1993), com a designação do mentor ou professor, do estudante ouvinte, da sala de aula como ambien-te de se transmitir o ‘conhecimento’, onde os estudantes sentam-se voltados para a frente, do palco do mestre, da definição de conteú-dos organizados logicamente, enfim, na aurora do que atualmente se chama escola.

Estudada profundamente, analisada sob os mais diferentes ângulos, modelada em todos os aspectos de sua operacionalização, e até normatizada em seus subprocessos, a educação tem sua maior finalidade no desenvolvimento das melhores possibilidades de vida das pessoas, ou de seu elemento-fim, o aluno.

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Este elemento, diamante a ser lapidado, por sua extensa com-plexidade como um ser multifacetado, tem demandado análises, estudos, discussões e as mais variadas abordagens didático-peda-gógicas, no sentido de se conseguir sua melhor e mais adequada formação. Ao longo do desenvolvimento da ciência da educação, vá-rios modelos e processos formativos têm sido apresentados, avalia-dos e testados, porém mais do que uma disputa pelo pódio em uma competição, o objetivo maior dos educadores é compreender como ocorre a aprendizagem e como alcançá-la efetivamente.

Desde o início, é o aluno o centro das atenções, e suas neces-sidades formativas, que dependem dos contextos em que vive, sofre-ram alterações ao longo do tempo, pois as próprias sociedades têm passado por grandes e importantes transformações. Tais mudanças podem ser discutidas por vários pontos de vista, dada a complexi-dade e a concorrência dos inúmeros fatores que a elas estão asso-ciados. Um dos fatores com incontestável influência é a presença e evolução das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs).

As relações entre a adoção, formalizada ou não, das TICs e os estudantes no âmbito dos processos educacionais represen-tam objetos essenciais nas investigações tanto das próprias tecno-logias, para delas se extrair seu potencial, quanto pelo lado dos ambientes formativos e seus imbricados aspectos e processos. Embora esta breve reflexão não se proponha a explorar extensi-vamente os aspectos educacionais, entende-se que a obtenção da excelência na educação passa, indubitavelmente, em nossos dias, pela compreensão e correta aplicação das TICs em associação com os modelos e processos educacionais, largamente estudados e re-latados em outros estudos.

Ademais, entende-se que atualmente a importância das TICs se ressalta porque elas subsidiam os processos comunicacionais, que abarcam ou englobam outros mais específicos, como os edu-cacionais. A sociabilidade humana passa, necessariamente, pelas possibilidades comunicativas das pessoas, cuja vida em sociedade se manifesta no percurso de suas inter-relações, suas trocas, sua mutualidade de desejos, interesses e necessidades. Desde cedo, sabe-se dos registros deixados pelos antigos para expressar seus momentos e contextos, e, ao longo das épocas, a comunicação pode ser considerada mais um processo inato ao ser humano; so-mos seres ‘comunicantes’.

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Por esse ponto de vista, os processos comunicacionais po-dem ser considerados como essenciais e objeto de compreensão em sua associação com a educação. Dessa forma, o objetivo deste estudo é analisar as características do novo papel dos estudantes diante das transformações nos processos comunicacionais decor-rentes das inovações advindas das TICs digitais. Pretende-se tam-bém sugerir, nesse novo contexto educacional, a adoção e o uso de práticas comunicativas que potencializem os processos comu-nicacionais e, em decorrência, contribuam com a efetividade dos processos educacionais.

A mensagem é o meio

Parafraseando o famoso McLuhan (PRÖGLHÖF JÚNIOR; GOULART, 2011), em termos educacionais, a mensagem (ou o conteúdo) pode ser vista como o meio, um dos principais fatores envolvidos na aprendizagem, principalmente quando se trata da educação subsidiada pelas TICs, em que o papel do professor se modifica substancialmente.

O conteúdo passa a ser um dos locus focais dos processos de comunicação, pois sua apresentação e acesso, entre outros aspec-tos, possuem implicações diretas nos resultados de aprendizagem objetivados. As possibilidades da visualização dos conteúdos neces-sários, facilitadas pelos mecanismos de hipermídia; da navegabilida-de autônoma por entre seus objetos conectados por elos (links) em uma trama de caminhos alternativos que individualizam os processos cognitivos; e da interatividade propondo desafios motivadores e ins-tigadores das curiosidades fomentadoras da compreensão formativa potencializam a ‘nova educação’ centrada no indivíduo, o novo re-ceptor, detentor da maior responsabilidade pela sua aprendizagem.

Nesse contexto, entende-se que os processos comunicacio-nais devem ser analisados sob a luz das manipulações associadas às mensagens, ou aos conteúdos, na medida em que as demais ativida-des do aprender giram em torno da promoção de suas condições, por exemplo, as possibilidades de comunicação entre aprendizes deverão ser estabelecidas para que algum conteúdo seja trabalhado e assimilado. Dessa forma, propõe-se a análise dos processos comu-nicacionais associados aos conteúdos enfocados na educação como representados na figura 1.

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Figura 1 – Processos comunicacionais.

Cumpre ressaltar que o termo ‘conteúdo’, no conjunto desta reflexão, possui um significado amplo, que extrapola aqueles forma-tados nos materiais didáticos. Os conteúdos podem ser dos tipos: dados ou informações. Os dados são valores ‘brutos’ indicativos de fatos, fenômenos, grandezas, entes, organismos etc. Por outro se considera como ‘informações’ os dados processados, que receberam significado em determinado contexto, ou ainda como experiências pessoais, percepções, compreensões, comportamentos, sentimen-tos. Todos esses tipos de conteúdo resultam das relações pessoais com o mundo e os outros.

Por esse ponto de vista, os processos de comunicação seriam promotores ou sustentadores dos acessos e usos dos conteúdos pelos estudantes e das demais ações que compõem as relações humanas envolvidas nos processos educacionais, discutidas mais adiante. Em linhas gerais, os estudantes geram conteúdos para cumprir atividades designadas pelos seus instrutores1, para seu próprio uso ou para com-partilhar com outros. Essa criação pode ser metodizada ou não, con-forme a abordagem pedagógica, mas sua apresentação final requer a formatação, mesmo informal, segundo algum tipo de representação. No caso da entrega para o instrutor ou para seu compartilhamento, haverá sua distribuição, o que envolverá um determinado canal de comunicação, seja impresso ou via eletrônica, como a internet.

1 Termo mais genérico, pois a palavra ‘professor’ é empregada diferentemente conforme o tipo de educação discutida.

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O recebimento de conteúdos é fator relevante nos processos educacionais, pois eles constituem uma das bases para a aquisição de conhecimentos, objetivo precípuo, podendo ser realizados por meio de vários canais, até em simultaneidade, e escolhidos de acordo com a estratégia pedagógica adotada. Os conteúdos são transmitidos em formatos e representações definidos conforme o domínio de conhe-cimentos a que pertencem, em mídias apropriadas, e que promovam a sua compreensão, recebendo a significação objetivada nos proces-sos cognitivos. O estudante poderá realizar o armazenamento desse conjunto de informações recebidas para seu acesso em momento posterior ou mais adequado aos seus propósitos.

Um dos processos de comunicação com crescente complexi-dade é a recuperação de informações ou conteúdos. O que se re-alizava com certa facilidade há alguns anos por meio de livros ou apostilas, hoje basicamente se tornou uma tarefa de alta dificuldade, pois o volume de informações disponíveis de forma on-line cresce exponencialmente, e as capacidades de busca e filtragem são cada vez mais sofisticadas, exigindo do estudante a correta compreensão do funcionamento do sistema de armazenamento e o seu adequado treinamento nos mecanismos e ferramentas associados.

De posse dos materiais de interesse ou necessários, sua aná-lise e transformação podem ser estipuladas, em conformidade com os propósitos educacionais e seus métodos de estudo e compartilha-mento, resultando em sua posterior redistribuição aos demais parti-cipantes no conjunto de agentes educacionais.

Esse conjunto de processos comunicativos, obviamente, não é exaustivo, mas sua explicitação visa auxiliar na caracterização do papel e das funções dos estudantes nos novos contextos da educação com o suporte das TICs, conforme se pretende abordar neste estudo.

O estudante é o focoO papel do estudante mudou muito ao longo do tempo, es-

pecialmente quando se trata da educação a distância (EaD), ou ple-namente suportada pelas TICs, em que ele não mais compartilha do mesmo espaço físico com o instrutor e demais colegas, fazendo par-te de um espaço virtual integrado por ferramentas comunicacionais que sustentam todas os intercâmbios de informações e interações. Na verdade, vários estudos têm apontado a comunicação informal

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como a principal diferença entre o sistema educacional tradicional e os baseados em sistemas web (World Wide Web). Embora existam diferentes elementos envolvidos nos dois contextos mencionados, a comunicação informal se destaca pela relação pessoal estabelecida entre instrutor e aluno, baseada em trocas complexas de falas, ges-tos, posições, comportamentos etc., que ocorrem em tempo real, em ambientes controlados e com informações estáveis (DABBAGH; BANNAN-RITLAND, 2005).

O estudante, na prática, raramente foi associado a um recep-tor passivo, como teoricamente é possível se entender nos proces-sos de comunicação. Sua participação e envolvimento nos processos educacionais, por mais blindadas que algumas abordagens compor-tamentalistas (behavioristas) procurassem ser, é de fundamental im-portância, até porque o processo educativo ocorre entre pessoas.

A mediação da comunicação pelas TICs, o suporte computa-dorizado de tarefas e todas as possibilidades dos materiais multimí-dia para visualização e interatividade com conteúdos digitais poten-cializaram sua atuação e participação nos processos de comunicação, de forma que seu papel se aperfeiçoou, culminando atualmente no aluno-conectado, integrado em redes sociais, com autonomia e res-ponsável pela sua própria aprendizagem.

Dados de levantamentos internacionais e nacionais (CGI.br2) indicam que os computadores e sua conexão com a internet são uma realidade das sociedades contemporâneas, cujas demandas e impac-tos afetam todo o tecido das relações humanas, com especial cono-tação na educação. O novo aluno, que recebe informações ao clique do mouse – sejam elas corretas ou não, em quantidades maiores do que a capacidade das pessoas pode processar, com níveis de detalha-mento e correlações antes impensadas –, que possui programas de computador para compilá-las, transformá-las, redistribuí-las, passa a ser, em suma, um elemento completamente ativo, participativo no processo educacional.

Os processos de comunicação tornam-se imbricados pelas mo-dificações necessárias nos papéis dos participantes, pela complexida-de dos conteúdos acionados nas variadas abordagens pedagógicas e pelas diversas tecnologias digitais disponíveis, seja por meio dos com-putadores, smartphones, tablets ou demais dispositivos inebriantes.

2 Comitê Gestor da Internet no Brasil.

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As relações pessoais, fundamentais nos ambientes educati-vos, se amplificam em volume, extensão e diversidade temporal, oportunizando novas possibilidades para sua análise, compreensão e emprego estratégico para a promoção da aprendizagem. O novo aluno, que agora se torna um ser ‘conectante’, pode estabelecer contato enriquecedor e interativo em todas as dimensões requisi-tadas para a sua formação. A figura 2 resume os relacionamentos desse novo personagem.

Figura 2 – Relações do aluno.

O propósito nesta reflexão não é a construção de juízo sobre aspectos positivos, negativos, vantagens ou limitações das formas de relacionamento potencializadas pelas TICs, mas sim pontuá-las no contexto maior dos processos comunicacionais que as englobam, de forma que seja possível desenhar suas fronteiras e relacionar um le-que de alternativas para a proposição de um molde para sua análise.

Inicialmente, se por um lado a inexistência da presenciali-dade (a possibilidade da interação face a face) é apresentada como limitante por alguns, a relação virtualizada, seja na íntegra ou par-cial nos momentos de trocas entre aluno e instrutor, pode ser mui-to enriquecedora quando mediada pelas TICs, tendo em vista que novas formas de interatividade podem ser colocadas à disposição dos participantes.

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De maneira similar, as relações entre aluno-aluno podem so-frer incremento nos intercâmbios de ideias, discussões, percepções e raciocínios, pois as interações tecnologicamente amplificadas permi-tem que momentos assíncronos intercalem pesquisas, estudos e aná-lises mais completas, facilitando e enriquecendo as ‘falas’ individuais e o mútuo aprendizado. Igualmente, as relações aluno-grupo têm o potencial de se desenvolver em diferentes esquemas de proposições e discussões, contando adicionalmente com recursos multimidiáticos e comunicativos, como as redes sociais, facilitando e motivando os envolvidos de maneira ativa e criativa.

Além disso, pode-se ampliar esse novo universo relacional com a inclusão das possibilidades de apresentação, navegação e in-teração, típicas dos ambientes computacionais hospedados na web, que transformam os materiais didáticos de natureza ‘morta’, como os livros e revistas, em conteúdos vívidos, com movimentos, rea-ções, animados e respondentes a cliques, balanços do dispositivo móvel, acionados por geoposicionamento, sensíveis a tato, paladar, audição, visão e até olfato, como os seres vivos. Recursos de inte-ligência artificial poderão tornar esses materiais capazes de acom-panhar o ‘passo de aprendizado’ de cada indivíduo, em uma nova fronteira educacional.

Finalmente, esse esquema de relações do aluno deve contem-plar, também, as necessárias e cada vez mais sofisticadas interações com as próprias tecnologias digitais. Como muitos estudiosos têm pos-tulado, entre os quais se destaca Manuel Castells, os agentes sociais se apropriam das tecnologias e podem lhes dar destinações diferentes das originalmente projetadas. Esse “é um processo de transformação multidimensional, que é ao mesmo tempo includente e excludente...” (CASTELLS, 2006, p. 225). Especialmente em educação, essa apropria-ção pode alavancar os processos cognitivos, quando adequadamente ajustada aos métodos e técnicas pedagógicas. As tecnologias não pos-suem um fim em si mesmas, a não ser para os seus desenvolvedores, porém devem contribuir para a formação do estudante, abrir-lhe no-vos espaços, ampliar-lhe a visão, desafiá-lo a buscar, aprender, com-preender, enfim, torná-lo um indivíduo com as potencialidades para construir seu futuro e daqueles com quem convive.

Na sequência da caracterização desse novo personagem, re-quer-se a elaboração descritiva de dimensões analíticas que viabi-lizem a construção de um mapa comparativo de suas necessidades e capacidades.

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As dimensões de análise

As transformações ocorridas com o papel do aluno ao longo dos últimos 40 anos, diante das implicações resultantes do uso das TICs na educação, foram profundas e complexas em todos os mais diversos processos associados, sejam os educativos, comunicativos, tecnológicos, psicológicos etc. Se, por um lado, a compreensão das transformações requer uma abordagem multidisciplinar, em função da trama das mútuas influências das áreas do saber, por outro, a pro-positura de uma classificação dos aspectos envolvidos em processos específicos pode contribuir para sua clarificação.

A construção de uma classificação se fundamenta em critérios ou dimensões de análise e, para esta reflexão, serão adotados as indi-cados na figura 3. O ponto de vista deste estudo perpassa, principal-mente, os processos comunicacionais e tecnológicos, logo as dimen-sões aqui elaboradas ressaltam ações ou atividades necessárias para que o aluno disponha dos recursos e condições para a concretização de sua aprendizagem. Essas atividades deverão ser apoiadas por téc-nicas e métodos adequados.

Figura 3 – Dimensões de análise.

a) Comunicar: o aluno fala, se expressa, conversa, interage nas suas relações, genericamente, por meio da transmis-são de mensagens. Essas mensagens, as trocas de informa-

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ções, em todo o seu contexto de ocorrência, constituem o ato comunicativo, elemento fundamental em todo pro-cesso educativo, representado nas falas com colegas, nos questionamentos e explicações do instrutor e demais in-terlocuções, que necessariamente não têm a ver com con-teúdos de disciplinas. Os estudantes devem falar, ouvir, perceber, em suma, vivenciar para aprender, e a comuni-cação se realizará por várias formas em um ambiente edu-cacional, seja ele uma sala de aula presencial ou estando distanciados. De toda forma, alguma tecnologia deverá mediar o relacionamento não presencial ou virtual. O ato comunicativo estará presente em todas as relações que o estudante deve operacionalizar.

b) Criar: a criação, entendida aqui como uma produção inte-lectual e individual, é resultante de processos cognitivos do aluno e poderá ser externalizada por meio de repre-sentações ou construções que ele fará. O ambiente edu-cacional deverá ser organizado e estar disposto de forma a facilitar, prover e potencializar os processos cognitivos, proporcionando aos estudantes as condições para a re-alização do ato criativo. A criação dificilmente parte do ‘nada’; antes tem como subsídio os conhecimentos e expe-riências anteriormente obtidos e as relações estabelecidas pelo estudante. Assim, o acesso a acervos de informações, o usufruto de situações novas e a ampliação nos relaciona-mentos podem potencializar o ato criativo, e as tecnolo-gias digitais constituem um de seus alicerces.

c) Contribuir: a atividade de contribuição se caracteriza, basicamente, pela criação em grupo ou coletiva, em que um ou mais estudantes elaboram, preparam ou constroem produtos intelectuais em conjunto. De alguma maneira, todos os integrantes do grupo contribuem para que os resultados requeridos sejam alcançados e devem ter ‘em mãos’ os meios e condições necessários e suficientes, que serão facilitadores do estabelecimento e da condução das interações interpessoais pertinentes ao processo contribu-tivo. Dar a sua contribuição, ou o ato contributivo, tem o pré-requisito do estabelecimento prévio de relações pelo aluno, por meio das quais poderá oferecer sua participa-

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ção na construção coletiva. A qualidade das relações, em termos de vínculos mais fortes, seja de interesse, motiva-ção, curiosidade, entre outros, resultará diretamente em sua participação. A mediação das tecnologias digitais pode ser fator facilitador do ato contributivo.

d) Compartilhar: as produções intelectuais, ou as informa-ções associadas a elas obtidas no processo de estudo, po-derão ser disponibilizadas para que outras pessoas tenham acesso. A atividade de compartilhamento depende das es-truturas de comunicação providas pelo ambiente educacio-nal, seja o empréstimo de um caderno em uma sala de aula, que oportunizou o contato humano, ou a remessa de um texto via sistema de correio eletrônico. O ato de comparti-lhar, que aqui significa pôr à disposição, tem sido apontado como um dos fatores essenciais no processo de aprendiza-gem e deve ser incentivado e sustentado adequadamente. Atualmente, várias ferramentas eletrônicas facilitam e pro-movem o ato de compartilhar, empregadas principalmente nas atividades de entretenimento e lazer, mas também as-sociadas a tarefas profissionais e educacionais.

e) Cooperar: a atividade de cooperação é mais complexa e se caracteriza por uma atuação conjunta, coordenada, dos integrantes de um grupo, de tal forma que o resultado fi-nal, o todo, poderá ser maior que a soma das partes, ou das contribuições individuais. Ela implica a definição e a execução de papéis pelos integrantes do grupo, na inter-dependência positiva das pessoas, na promoção de meca-nismos de negociação e de decisão. O ato cooperativo é o oposto da competição, na qual se compreende que indivi-dualmente não será possível obter o resultado necessário e que se depende de outros no processo, pois as situações ou problemas são maiores do que apenas um indivíduo poderia dar conta. O grupo deverá construir maneiras para a resolução de conflitos, de mal-entendidos e de combater a falta de iniciativa de seus integrantes (CAMPOS et al., 2003), por exemplo. O suporte aos processos de comuni-cação e de estabelecimento de relacionamentos é essen-cial para que o ato cooperativo se realize em toda a sua potencialidade e, mais uma vez, as tecnologias digitais têm um papel fundamental nesse contexto.

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f) Coordenar: a gestão do tempo, a organização dos mate-riais e o controle de tarefas e suas prioridades são exem-plos de ações necessárias a quem desempenha uma ati-vidade, especialmente ao estudar. O ato de coordenar se relaciona, então, em justapor as tarefas em sequências corretas, analisar suas intercorrências e interdependên-cias, designar recursos e compromissos, enfim, preparar-se para o ato de estudar e gerar os resultados necessá-rios. Quando essas ações se relacionam a um grupo de pessoas, a complexidade delas aumenta. Portanto, para que obtenham um bom desempenho escolar, os alunos precisam desenvolver várias capacidades relacionadas ao ‘como estudar’ e, ainda, contar com mecanismos que os auxiliem, principalmente nos caso da educação não pre-sencial, ou a distância, na qual os atos realizados podem ser incompletos ou inadequados.

As dimensões anteriormente delineadas têm a finalidade de permitir a categorização de tipos de alunos, conforme as TICs foram introduzidas no contexto escolar, culminando nos aspec-tos que caracterizam o momento atual, em termos do perfil dos estudantes e suas demandas. Novamente, a ênfase não será nos processos educacionais, mas em como se entrelaçam as crescentes possibilidades tecnológicas com as necessidades relacionais dos alunos em suas situações de aprendizagem, dentro de um panora-ma histórico da disponibilização e da apropriação das tecnologias pela educação.

Retomando Comenius (UNESCO, 1993), a busca pela excelên-cia no preparo e formação dos indivíduos tem sido a aparente força motora do aperfeiçoamento educacional, em suas diversas proposi-turas. A apropriação tecnológica sempre ocorreu na educação, ainda que com algum atraso permeado por avaliações, preocupações e re-ceios naturais em processos não triviais e com importantes consequ-ências sociais, econômicas, políticas etc. Porém, desde a imprensa, a invenção da caneta esferográfica, da calculadora etc., os novos pro-dutos e sistemas têm sido integrados e adaptados ao fazer do ensino e da aprendizagem, contribuindo para a sua melhoria.

Dentro dessa ótica, o próximo tópico propõe uma categoriza-ção dos alunos, segundo as dimensões discutidas e as possibilidades a eles disponibilizadas.

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Perfis de alunos

O perfil de estudante atual é o com mais e melhores condi-ções de construir sua formação e se tornar agente transformador em uma sociedade dependente do conhecimento. Ele precisa de uma nova, ou ampliada, alfabetização que inclua as representações e ins-trumentos midiáticos colocados ao seu alcance por meio das TICs e dos processos por elas redefinidos; essa alfabetização tem sido cha-mada de media literacy.

Contudo, esse novo aluno não surge como produto de um laboratório de pesquisa, mas vem se transformando ao longo do tem-po, no bojo de uma sociedade que se transmuta sob a influência de fatores concorrentes, como a política, a economia, as inter-relações culturais etc., e, em especial, as novas tecnologias digitais, que po-tencializam os demais fatores.

Logo, tomando por base as dimensões apresentadas anterior-mente, os tipos de alunos podem ser caracterizados como segue.

1) Aluno 0.0:

Este é o perfil do ‘aluno em sala de aula tradicional’, que dis-punha de várias tecnologias, como lousa e giz, diversos materiais em papel, como cartazes, mapas etc., o retroprojetor para as trans-parências em material plástico, o projetor de slides fotográficos, ou mesmo vídeos ao vivo ou gravados apresentados em televisões. Ou seja, este seria o estudante pré-computador. A sala de aula tradicio-nal representava o domínio do educador sobre o educando, onde a ele pertenciam as definições do quê, como, quando, onde e sob que estratégias o ensino devia acontecer. Conceitualmente, o educador era o elemento ativo nos processos envolvidos, e os estudantes eram os receptores, elementos passivos sob a tutela do ‘mestre’.

Em termos das dimensões analisadas, poder-se-ia destacar para este caso:

a) Comunicar: O ato comunicativo se dava, essencialmente, no escopo da sala de aula. Eventualmente, os alunos se encontravam em outros locais e horários, por exemplo, na casa de algum deles para um trabalho em grupo. As rela-ções face a face predominavam e permitiam uma completa retroalimentação comunicativa (feedback) entre todos os

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participantes. As relações com os materiais eram basica-mente físicas, ou seja, pelo manuseio de livros, revistas e outros documentos impressos e, eventualmente, pela realização de experiências em laboratórios. Não havia o emprego das tecnologias digitais como apoio educacional, a não ser quando implementadas em calculadoras ou equi-pamentos nos laboratórios.

b) Criar: o ato criativo se fundamentava nos conhecimentos e experiências advindos da sala de aula, seja do e pelo ins-trutor, dos materiais didáticos, das interações promovidas presencialmente entre todas as pessoas envolvidas. Os ricos estímulos das relações sociais estabelecidas e man-tidas ao longo dos cursos promoviam importantes con-dições para a criação intelectual dos estudantes. Os pro-cessos cognitivos podiam ser acompanhados e mais bem avaliados pelos instrutores, uma vez que a presença física dos estudantes oferecia possibilidades para a aplicação de vários instrumentos pedagógicos.

c) Contribuir: o ato de contribuir, de criar conjuntamente, podia ser objeto das estratégias de ensino, em que a reu-nião de ideias, de ponderações, de textos ou outras pro-duções congregavam para o delineamento de conceitos, exemplos, situações ou fatos da natureza, que os torna-vam compreensíveis e de maior clareza para assimilação. A criação coletiva tem por finalidade a descrição completa e variada, sob diversas abordagens, de conteúdos a serem aprendidos e aplicados pelos alunos. A sala de aula é um local onde os recursos e a simultaneidade temporal corro-boram para a promoção do ato de contribuir.

d) Compartilhar: o ato de compartilhar ocorria na sala de aula dentro dos limites da produção intelectual individual ou coletiva e dos recursos disponíveis. Os estudantes po-diam compartilhar aquilo a que tinham acesso, seja fruto de seus trabalhos, seja das informações que haviam en-contrado. As formas de compartilhar eram, basicamente, realizadas nos encontros presencias nas salas de aula, ou na sua apresentação em momentos especiais de exposi-ção, em feiras ou eventos científicos. Dificilmente alguma outra forma de comunicação era empregada, além do for-mato impresso e pessoal.

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e) Cooperar: o ato cooperativo era, essencialmente, desenvol-vido na sala de aula, sob supervisão e controle do instrutor, mandatário no processo educacional. Por vezes, em estra-tégias pedagógicas, os alunos recebiam a liberdade de gerir parte do processo cooperativo, mas com direção e acom-panhamento do educador. O ambiente comum e sob condi-ções controladas inibia maiores alternativas na cooperação, principalmente em outras ocasiões extra sala de aula.

f) Coordenar: o ato de coordenar atividades praticamente não era necessário, uma vez que geralmente os proces-sos estavam todos organizados e geridos pelo instrutor. Eventualmente os estudantes eram guiados em tarefas de coordenação como parte do processo de aprendizado, mas sua autonomia era quase sempre limitada, até por não ser requerida naquele contexto.

2) Aluno 1.0:

Com o surgimento da era da microinformática, a partir da década de 1980 um novo universo tecnológico se descortina e, pau-latinamente, as tecnologias digitais são estudadas e empregadas no ambiente escolar, e muitos estudos, políticas e ações são empreen-didos para se alcançar o seu potencial, como também para democra-tizar o acesso a elas.

Um novo perfil emerge: ‘o aluno com computador’, que ago-ra carece de outras abordagens didático-pedagógicas para dar con-ta de conduzi-lo no processo de aprendizagem, e não apenas para entretê-lo.

Em especial, a informática na educação se consolida como disciplina nos cursos de formação de docentes, visando abarcar as mudanças concorrentes e rápidas nas escolas, bem como para apro-veitar as oportunidades de aprimoramento associadas. A multimídia adentra o espaço digital, com a integração de imagens e gráficos interativos, extensos conteúdos alocados em mídias portáteis, como os CD-ROMs, jogos e simulações dinâmicas e interativas com poder de mostrar fatos e fenômenos em uma tela colorida e ‘mágica’, de maneira antes impensável.

Segundo as dimensões propostas, as características associa-das ao tipo anterior de aluno continuam vigorando, até mesmo por-

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que a sala de aula não foi abolida, mas acrescida de recursos compu-tacionais integrados às práticas escolares correntes. Contudo, novas opções aparecem, conforme discutidas a seguir.

a) Comunicar: o ato comunicativo passa a receber a opção de transporte por meio de novas mídias, sejam elas baseadas em meios magnéticos, como os disquetes, ou em meios ópticos, como os CD-ROMs. O uso e a manipulação dos dispositivos que operam esses meios passam a ser objeto de aprendizado, sendo essas habilidades adicionadas ao re-pertório do estudante. As possibilidades de trocas de infor-mações se ampliam, bem como as facilidades para a promo-ção dos processos comunicativos, como o armazenamento de informações, sua recuperação, edição, distribuição etc.

b) Criar: a criação de conteúdos se torna fonte de maior en-volvimento e motivação dos estudantes pelo emprego de softwares educativos, uso de imagens, vídeos e dos jogos que atraem e possuem grande poder de construir conheci-mentos e significados. Investigações são realizadas na bus-ca do entendimento de que forma os processos cognitivos podem ser alterados, para melhor ou não, com a entrada dos computadores no cenário educacional.

c) Contribuir: a construção coletiva de conteúdos também se amplia com a ajuda do computador e de programas pro-jetados especificamente para essa finalidade. Atividades criativas parciais realizadas isoladamente podem, então, ser integradas em produtos finais com maior sofisticação visual e interacional. Por exemplo, jornais editados e dia-gramados digitalmente em classes ou escolas se tornam elemento integrador em projetos temáticos ou interdisci-plinares, com excelentes resultados na aprendizagem.

d) Compartilhar: as novas mídias facilitam a oferta de conte-údos e a partilha se amplia, pois os meios físicos logo são incluídos no contexto da vida escolar e profissional, tendo seu preço recebido em importante redução.

e) Cooperar: as opções de cooperação se ampliam no cenário da aplicação de novos softwares educativos, motivos de atra-ção e interesse por parte dos alunos. Contudo, o aumento de conflitos, e até a rejeição, surge pelo predomínio dos mais habilitados nas interfaces midiáticas ou pela multiplici-

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dade de caminhos decisórios na construção dos resultados esperados dos alunos. As novas ferramentas, necessaria-mente, demandam o ato cooperativo, uma vez que diversos programas são complexos em suas interações, bem como os produtos esperados passam a ter maior sofisticação, reque-rendo o partilhar de tarefas e responsabilidades.

f) Coordenar: originalmente produzidas para o ambiente empresarial, as ferramentas ou programas de computador para a gestão de equipes se integram aos processos edu-cacionais e promovem o trabalho em grupo, permitindo o gerenciamento de tarefas, a outorga de responsabilidades, o acompanhamento de cronogramas e atividades. Enfim, eles ajudam nos atos de coordenação que acrescentam melhores condições de comunicação e desenvolvimento de trabalhos conjuntos.

3) Aluno 2.0:

Este aluno aparece a partir da década de 1990 com a possibi-lidade do acesso gradativo e generalizado à internet e seus sistemas hospedados. Desde esse momento em diante, as tecnologias on-line passam a despontar como foco de atenção e interesse, diante da ex-plosão de sites e da amplitude das comunicações entre as pessoas e organizações.

Este perfil pode ser caracterizado como o ‘aluno em rede’, integrado a tantos outros, espacialmente distribuídos, ativos, críti-cos, cujo horizonte se amplia dos muros escolares para o Universo. Praticamente tudo se altera nesse contexto, primeiramente porque o instrutor deixa de ser a fonte quase exclusiva de saberes, e a ‘rede’ (web) se transforma no oceano das infindáveis navegações virtuais. Os dicionários e enciclopédias perdem seu status, e sites, como o Google, passam a representar a contemporaneidade da pesquisa acadêmica.

Em segundo lugar, porque surgem os ambientes virtuais de aprendizagem que vêm dar suporte para a educação a distância. Um novo paradigma educacional se concretiza contemplando a vida e de-mandas contemporâneas, que não têm mais tempo e espaços fixos para a ocorrência do aprendizado, da escola. Tema fora do escopo desta re-flexão, nesse novo paradigma os papéis se transformam na essência, e a escola de Comenius pode ser considerada como tendo os dias contados.

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Vários fatores surgem na preocupação dos gestores e docen-tes, desde como integrar essa nova realidade aos processos didático-pedagógicos, como instrumentalizar os estudantes para seu acesso e uso, como lidar com as exclusões advindas dessas tecnologias, a como auxiliar os alunos diante da sobrecarga cognitiva que brota inevitavel-mente, ou seja, as formas adequadas de receber, interpretar e assimi-lar o importante em um volume imensurável de informações. O olhar segundo as dimensões propostas para este perfil permite identificar:

a) Comunicar: o ato de comunicar se sublima, pois os estu-dantes podem agora manter suas comunicações mediadas pelas TICs a qualquer tempo, ou seja, dois ou mais alunos podem conversar virtualmente em um mesmo momento (forma síncrona), ou em momentos diversos mais apropria-dos a cada um e às tarefas envolvidas (forma assíncrona).

b) Criar: as múltiplas relações on-line oportunizam o acesso a uma enorme gama de fontes de informação e discussões sobre experiências vivenciadas pelos pares educacionais, ou demais pessoas em geral, que constroem um caldo germinativo e enriquecido para florescer novas criações. Conectar as pessoas é construir a estrada para a vida em todas as suas dimensões criativas.

c) Contribuir: além da criatividade individual que resulta em produções intelectuais mais complexas, o ato de contribuir fica pavimentado com o surgimento da web. A construção coletiva passa a fazer parte da própria rede, em uma nova mentalidade quase anticapitalista, na qual milhares de pro-gramadores constroem softwares pelo prazer de contribuir com um sistema, uma causa, uma visão de mundo. Na educa-ção surge a oferta gratuita de programas, e a mentalidade da contribuição toma corpo nas instituições, como as grandes universidades, que estimulam e promovem sua realização.

d) Compartilhar: os meios de comunicação e os sites são meios práticos e fáceis para a oferta do que se tem. Como postula o professor Nicholas Negroponte (2001), a vida digital se sedimenta em bits de informação, a mais perfei-ta commodity, que constitui praticamente todos os bens e serviços das sociedades atuais. O partilhar se torna uma das características da cultura digital, seja ela realizada de maneira legal ou não.

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e) Cooperar: a autonomia maior dos estudantes propicia con-dições para o ‘fazer junto’, para a troca de visões diferen-ciadas, de discussões aprofundadas, pois o pensamento pode se expandir à medida que o tempo se flexibiliza e o acesso às informações se amplia. O ato cooperativo re-quer maior cuidado em sua realização, também devido à própria flexibilização espaço-temporal das relações. Não obstante, ferramentas de apoio às atividades cooperativas surgem, o que facilita sua aplicação, desde que os estudan-tes as conheçam e dominem.

f) Coordenar: a complexidade das novas relações presenciais e virtuais sedimenta a adoção de softwares para o gerencia-mento das atividades em grupo. O aluno 2.0 coordenador de grupos de trabalho tem à sua disposição um repertório de sites e sistemas, programas e organizadores para fa-cilitar suas tarefas. À medida que crescem as facilidades de apoio tecnológicas, as demandas dos instrutores ficam mais difíceis em profundidade de conteúdos na sua com-preensão e aplicação. Pode-se perceber que o trabalho centrado no instrutor com uma sala de receptores-ouvin-tes muito se transforma, e o aluno participante, crítico, criativo e indagador induz alterações no contexto educa-cional. O aprendizado das tarefas de coordenação é essen-cial na escola e para a vida extramuros escolares, principal-mente nos cenários da educação a distância mediada por ambientes virtuais de aprendizagem.

4) Aluno 3.0:

Finalmente, após este longo percurso, chega-se ao perfil ob-jetivo desta reflexão. Este personagem atual, ‘o aluno em mídias so-ciais’, que convive integrado em comunidades de interesse ou por necessidade e que mantém relacionamentos importantes para si mesmo com a sustentação das TICs, faz parte de uma geração de estudantes cujos aspectos cognitivos, psicológicos, emocionais etc. fazem parte das recentes investigações acadêmicas.

O advento de dispositivos tecnológicos que permitem a co-nexão contínua com a web e, portanto, com as suas comunidades, amplifica os relacionamentos virtuais, inclusive podendo causar dis-

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torções nas relações presenciais com familiares e amigos. A disponi-bilização dos conteúdos para diversas mídias, como os smartphones, os tablets e os laptops, permite o estudo autônomo e em qualquer lugar e horário. A sua apresentação interativa e desafiadora, a na-vegação auto-organizada de acordo com a pessoa interagente, as interações sofisticadas por gestos, voz, áudio, vídeos, posição etc. determinam processos de aprendizagem inovadores.

Conforme descrito para os demais perfis, o aluno 3.0 possui as seguintes características:

a) Comunicar: as mídias sociais formam um ambiente de trocas de informações, mas também de pensamentos, opi-niões, críticas, enfim, são propícias para a construção de relacionamentos pessoais como os construídos presencial-mente. Obviamente, muitas restrições podem ser tecidas quanto aos aspectos de segurança, especialmente, mas esta é uma geração conectada, cujas falas e trocas virtuais fazem parte do seu cotidiano, da sua ‘forma de vida’.

b) Criar: os processos criativos parecem partilhados na e pela comunidade. Uma discussão, uma dúvida, uma ideia logo encontra repercussão, respostas ou sugestões nas mídias sociais. Todos se solidarizam e se comportam como um conjunto, no qual até mesmo a preocupação com a auto-ria perde sentido.

c) Contribuir: o ato contributivo é, assim, nato nesta gera-ção. Parecem aprender automaticamente a ajudar, a con-tribuir para que algo se realize; esforços e gastos parecem não limitar as necessárias, solicitadas ou não, contribui-ções. Aliás, por ser característica de uma cultura comuni-tária, quem não se dispõe a participar voluntariamente da prática contributiva logo é expurgado do cenário.

d) Compartilhar: esta geração de estudantes compartilha por natureza. Não foi por acaso que uma afamada mídia social escolheu e cresceu vertiginosamente depois de adotar esse termo como mecanismo de interação. Parece até que o ato de compartilhar cria certo êxtase, um sentimento de rea-lização, ainda que seja para aparecer perante os demais.

e) Cooperar: neste aspecto, em termos educacionais, as mí-dias sociais não têm sido largamente empregadas até o momento. Algumas escolas estadunidenses têm criado si-

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tuações de aprendizagem em mídias sociais controladas ou internas, uma vez que as questões de segurança dos es-tudantes as impedem legalmente de utilizar as mídias so-ciais abertas, o que implica reduzido sucesso. Talvez seja uma das razões pelo não emprego educacional extensivo, e, portanto, seu uso mais direcionado para a realização de tarefas em grupo seja dificultado.

f) Coordenar: de forma similar, a coordenação de atividades em grupo por meio das mídias sociais ainda é escassa, po-rém tem muito potencial de crescimento no ensino supe-rior, principalmente quando a nova geração de alunos-co-nectados chegar a ele.

O aluno 3.0 designa uma possível representação do novo per-fil dos estudantes que, como as tecnologias on-line não param de se autoaperfeiçoar, está em processo de evolução para enfrentar os desafios que o futuro lhe oculta.

Os aspectos de análise destacados não podem e não devem ser considerados individualmente; antes eles se imbricam e se re-constroem dentro de uma gênese fomentada pelas necessidades, capacidades e potencialidades do ser humano. Sua separação é re-sultado dos princípios metódicos das ciências, que, ao separá-los, permite uma investigação segmentada por componentes hipotéticos e a construção de um modelo de representação e explicação.

Considerações finais

Este novo papel do antigo personagem ‘aluno’ é carateriza-do pela multiplicidade de atividades simultâneas, pela agilidade das visualizações e pela habilidade das interações midiáticas, porém es-tudos parecem indicar sua dificuldade de concentração prolongada e sua superficialidade de argumentação, provavelmente resultantes da velocidade de tarefas ‘por fazer’, para as quais os dias não parecem ter apenas 24 horas.

O aluno, antigo personagem do foco educacional, é o indiví-duo promotor do desenvolvimento social, que, ao tornar-se profis-sional, deverá contribuir para seu bem-estar e dos seus associados. Essa tarefa básica será mais bem realizada quanto melhor for sua formação, de maneira que a compreensão e o domínio dos processos a ela associados têm sido alvo dos educadores de longa data.

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Em particular, a realidade da inserção das TICs no ambiente escolar e seus impactos nos processos comunicativos e educacionais continuam a constituir desafios para os educadores, pois se por um lado os potencializam, por outro, podem ser fatores de desagrega-ção, caso não sejam conhecidos a forma, os métodos, as técnicas e as possibilidades associadas ao seu emprego.

Como ‘seres aprendentes’ que somos, os processos educa-cionais estarão sempre presentes e requererão aperfeiçoamento en-quanto o ser humano existir, assim como os processos de comunica-ção, pois como ‘seres comunicantes’ que somos dependemos cada vez mais das tecnologias e dos benefícios que nos outorga.

Referências

BERNES-LEE, Tim. Semantic Web road map. World Wide Web Consortium (W3C), 1998. Disponível em: <http://www.w3.org/DesignIssues/Semantic.html>. Acesso em: 15 set. 2012.

CAMPOS, Fernanda C. A. et al. Cooperação e aprendizagem on-line. Rio de Janeiro, RJ: DP&A Editora, 2003.

CASTELLS, Manuel. Inovação, liberdade e poder na era da informação. In: MORAES, Dênis (Org.). Sociedade midiatizada. Rio de Janeiro, RJ: Mauad, 2006.

DABBAGH, Nada; BANNAN-RITLAND, Brenda. Online learning: concepts, stra-tegies and application. New Jersey, NY: Pearson Prentice Hall, 2005.

NEGROPONTE, Nicholas. A vida digital. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

PRÖGLHÖF JÚNIOR, Franz; GOULART, Elias Estevão. McLuhan e os perfis digitais: extensões dos internautas em ambientes virtuais. In: GONÇALVES, Elizabeth Moraes (Org.). Estudos de comunicação e linguagem: múltiplas experi-ências. São Caetano do Sul, SP: Editora Virgo, 2011.

UNESCO. Jan Amos Comenius. International Bureau of Education, v. XXIII, n. 1/2, p. 173-96, 1993.

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capítulo 5

Heróis e Heroínas: a saga das narrativas em tempos digitais

Monica Martinez

A revolução digital ocorrida na segunda metade do século XX, em particular na última década, teve impacto significativo na con-

cepção dos processos, bem como na elaboração, na realização e no recebimento dos produtos jornalísticos, alterando profundamente a forma como selecionamos, armazenamos e, principalmente, inter-cambiamos informação no âmbito midiático.

Por serem tão novas, há ainda muitas lacunas a serem preen-chidas nos estudos desse novo ambiente comunicacional, de forma a compreendê-lo profundamente. Contudo, pode-se dizer com toda a segurança que, desde o surgimento da internet, a relação entre os participantes do processo comunicacional nunca mais foi a mesma. Três parecem ser as palavras principais que resumem essa revolução: conectividade, interatividade e velocidade.

Já em 1999, o filósofo francês Pierre Lévy apontava o que talvez seja a essência da mudança do fluxo informacional represen-tada pela questão da conectividade: “Podemos distinguir três gran-des categorias de dispositivos comunicacionais: um-todos, um-um e todos-todos” (LÉVY, 1999, p. 63). Se a primeira, a comunicação um-todos, era clássica entre os meios de comunicação até então, a terceira categoria sugerida por Lévy, todos-todos, altera as próprias raízes do fazer jornalístico. A conectividade garante ao indivíduo a

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possibilidade de se tornar, em alguma medida, parte integrante do processo comunicacional. Ou seja: o processo comunicacional, que na fase um- todos tendia para o passivo, tornou-se potencialmente interativo. Contudo, esse ganho também trouxe seus revezes, como a síndrome de abstinência que uma parcela significativa de usuários das redes experimenta ao ficar off-line, seja em finais de semana, feriados ou mesmo nas férias.

O filósofo francês Paul Virilio foi um dos primeiros pensadores a apontar a questão da velocidade como um fato determinante dos novos processos comunicacionais. Em Velocidade e política, ele empre-ga o neologismo “dromologia”, que o tradutor Celso Parciornik, no prefácio da obra, explica ser tomado da palavra dromos – “corrida”, “curso”, “marcha”, em grego (VIRILIO, 1997, p. 10).

[...] a manutenção do monopólio exige que a toda nova máquina seja logo contraposta uma máquina mais rápi-da. Mas com o limite das velocidades se estreitando sem parar, fica cada vez mais difícil de conceber o engenho rápido. Ele frequentemente se torna obsoleto antes mes-mo de ser aproveitado; o produto está literalmente gasto antes de ser usado, ultrapassando, assim, na “velocida-de”, todo o sistema de lucro da obsolescência industrial! (VIRILIO, 1997, p. 56-57).

Mesmo nesse ambiente dominado pela conexão, pelo poten-cial de interatividade e pela velocidade, alguns pesquisadores como o brasileiro Norval Baitello Júnior. sugerem que a base do processo tem raízes profundas e continua transcendendo os limites e as fron-teiras dos bits e bites:

[...] Comunicar-se é criar ambientes de vínculos. Nos am-bientes de vínculos já não somos indivíduos, somos um nó apoiado por outros nós e entrecruzamentos, em uma operação denominada “nodação” (Eickhoff). Construir um ambiente e situar-se nele reduz a fragilidade do estar só. E, para os entrelaçamentos, somente corpos podem ser pontos de germinação dos ambientes. Corpos nar-rativizam tais entrelaçamentos que geram ambientes, e os ambientes são os pressupostos para a continuidade, para a sustentabilidade, para a sobrevida do corpo nos

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outros corpos e nos corpos-outros, na materialidade dos meios que facilitam a nodação entre os corpos (BAITELLO JÚNIOR, 2008, p. 100).

Nodare, em latim, significa “atar”, “prender com nós”. Essa liga-ção entre corpos que se comunicam se alinha com a proposta episte-mológica do conhecimento rizomático dos filósofos contemporâneos franceses Gilles Deleuse e Felix Guattari, pela qual não há um sistema hierárquico predominante. “Qualquer ponto de rizoma pode ser conec-tado a qualquer outro e deve sê-lo” (DELEUZE; GUATTARI, 1997, p. 15).

Ora, da mesma forma que os rizomas em botânica, os vínculos são elementos vivos que se formam, se enredam, se fortalecem e se mantêm por meio de afetos. “Como são vivos, pois emanam de cor-pos vivos, os vínculos carecem de alimentação constante, necessitam estar ativos, requerem cuidados, atenção e amor” (BAITELLO JÚNIOR, 2008, p. 102).

Para se manterem vivos, os ritmos da vida social (MENEZES, 2007) – mesmo daquela que ocorre nos ambientes digitais – depen-dem de uma mudança paradigmática que o psiquiatra colombiano Luis Carlos Restrepo chama de ecoternura. “Ao defender redes de dependência que não se oponham à emergência da singularidade, o chamado à ternura e à recuperação da sensibilidade adquire uma inegável atualidade ecológica (...)” (RESTREPO, 1998, p. 84).

A vinculação humana, evidentemente, não é um caminho pla-no. Ao contrário, ela é feita de altos e baixos, de curvas e retas. Nesse ambiente dinâmico, o especialista francês em etologia humana Boris Cyrulnik contribui com o conceito de resiliência:

A resiliência é a arte de navegar nas torrentes. Um trauma empurrou o sujeito em uma direção que ele gos-taria de não tomar. Mas uma vez que caiu na correnteza que o faz rolar e o carrega para uma cascata de feri-mentos, o resiliente deve apelar aos recursos internos impregnados em sua memória, deve brigar para não se deixar arrastar pela inclinação natural dos traumatismos que o fazem navegar aos trambolhões, de golpe em golpe, até o momento em que uma mão estendida lhe ofereça um recurso externo, uma relação afetiva, uma instituição social ou cultural que lhe permita a supera-ção (CYRULNIK, 2004, p. 207).

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Nesse contexto, o relato surge como um elemento organiza-dor das estruturas físicas e psicológicas. Se para Baitello Júnior a base do processo comunicativo não reside na troca de informação, mas no corpo – a mídia primária na concepção do cientista social alemão Harry Pross –, pode-se dizer que a forma mais consciente e elabora-da entre corpos estaria justamente no processo de tecer narrativas, como propõe a professora Cremilda Medina, da ECA/USP:

Uma definição simples de narrativa é aquela que a compreende como uma das respostas humanas diante do caos. Dotado da capaci dade de produzir sentidos, ao nar-rar o mun do, o sapiens organiza o caos em um cosmos. O que se diz da realidade constitui uma outra realidade, simbólica (MEDINA, 2006, p. 67).

Uma consequência desse poder estruturador é a capacidade do narrador de, ao reconstruir sua própria história, ressignificar e rearticular conteúdos, que podem ter sido corrompidos por traumas, como um programa de software faz com trechos danificados de uma unidade de processamento central. Como reflete Cyrulnik:

Para falar é preciso compor o corpo para captar a aten-ção do outro. Trata-se pois de uma interação. Mas é de si que se vai falar, dos acontecimentos que nos constituíram tecendo a trama de nossa história. O relato é um traba-lho de identificação consigo mesmo. Dizer enfim quem somos, o que nos aconteceu, o que pensamos e o que sentimos, isso sempre provoca um retorno muito forte de emoção que será preciso subordinar, a despeito de tudo, à intenção do outro. O relato constitui um esforço com-pleto de domínio das emoções, de busca de identidade, de articulação do pensamento e da relação com o outro. Não é pouco. E acresce-se a isso também um imenso efei-to tranquilizador [...]. Este efeito pode ser explicado pela dimensão afetiva da palavra, do fato de se partilhar a pró-pria intimidade, de se confiar (CYRULNIK, 1995, p. 206).

Essa relação entre narrativas e afetos, bem como o poder ar-ticulador dos relatos, pode ser observada no monomito ou na estru-tura narrativa mítica. No Ocidente, seus estudos remontam a 1949,

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quando o mitólogo norte-americano Joseph Campbell (1904-1987) lançou, pela Princeton University Press, o livro que marcaria sua car-reira como pensador contemporâneo: The Hero with a Thousand Faces, ou, na tradução literal feita para o português, O herói de mil faces. Hoje os direitos desta obra pertencem à Fundação Joseph Campbell.

Campbell, decerto, não foi o único a notar um padrão comum às fábulas, lendas, contos de fada e mitos, entre outras narrativas. Antes dele, na União Soviética, Vladimir Propp (1895-1970) analisou os elementos básicos de enredo dos contos populares em A morfolo-gia dos contos maravilhosos, publicado na Rússia em 1928 (1997).

Diferentemente de Propp, focado nos estudos do folclore de seu país, Campbell identificou um padrão que permeava as histórias de todo o mundo, que resultou na hoje conhecida ‘Jornada do Herói’. Outro diferencial foi o de não ficar restrito aos estudos da estrutura linguística, aproximando-se de outras áreas do conhecimento, nota-damente a psicologia, e, desta, em particular, do conceito de arquéti-pos e inconsciente coletivo proposto pelo psiquiatra suíço Carl G. Jung (1875-1961), fundador da psicologia analítica (JUNG, 2000). Arquétipo, nesse contexto, seria um elemento comum a toda espécie humana, e não adquirido no plano individual e biográfico. Residiria aqui, portan-to, a diferença em relação à concepção freudiana. Como diz Jung:

Uma camada mais ou menos superficial do incons-ciente é indubitavelmente pessoal. Nós a denominamos inconsciente pessoal. Este porém repousa sobre uma cama-da mais profunda, que já não tem sua origem em experi-ências ou aquisições pessoais, sendo inata. Esta camada mais profunda é o que chamamos de inconsciente coletivo. Eu optei pelo termo “coletivo” pelo fato de o inconscien-te não ser de natureza individual, mas universal; isto é, contrariamente à psique pessoal ele possui conteúdos e modos de comportamento, os quais são ‘cum grano salis’ os mesmos em toda parte e em todos os indivíduos. Em outras palavras, são idênticos em todos os seres humanos, constituindo portanto um substrato psíquico comum de natureza psíquica suprapessoal, que existe em cada indi-víduo (JUNG, 2000, p. 15).

Campbell nota que, antes de Jung, o etnólogo alemão Adolf Bastian (1826-1905), da Universidade Friedrich Wilhelm, de Berlim,

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já havia teorizado sobre essa unidade psíquica compartilhada pela espécie humana, que seria responsável por certas ideias elementares comuns a todos os povos (CAMPBELL, 1990).

Unidades da psique e da narrativa

Antes de seguir falando dos estudos de mitologia, cabe um parêntese sobre o autor. Campbell nasceu no dia 26 de março de 1904 em uma família de classe média alta de religião católica romana na pequena White Plains, no estado de Nova York, na costa leste dos Estados Unidos. Sua mãe, Josephine E. Lynch, era filha de emigrados da Escócia. O pai, Charles W. Campbell, descendia de irlandeses emi-grados para os Estados Unidos durante a “grande fome”. Como seus antepassados paternos, um milhão de irlandeses havia deixado a ilha entre 1845 e 1849 devido a uma praga no cultivo de batatas, que provocou a morte de um milhão de pessoas.

Campbell cresceu, portanto, num ambiente familiar imerso em mitos, mas foi somente na faculdade que teve consciência desse fato. “Quando comecei a avaliar realisticamente o que era a cons-ciência celta e a sorte de ter origens nesse reino de fantasia verbal tão rica e maravilhosa. Na verdade, o mundo de contos de fadas da Europa vem da Irlanda” (Cousineau, 1994, p. 35).

O fato de nascer no seio de uma família católica e de estudar até os 15 anos em externato de um convento nova-iorquino também teve implicações:

[...] quando se nasce em uma família e em um ambien-te de católicos irlandeses, passando toda a infância com freiras e ajudando na cerimônia da missa (eu fui coroi-nha), isso significa que você está estudando a doutrina católica o tempo todo, com uma profunda crença. Eu acho que alguém que não tenha sido católico dessa for-ma tão substancial não pode ter consciência desse am-biente religioso. É uma coisa poderosa, forte; dá uma base para toda a vida. E é bela. A religião católica é uma religião poética. Cada mês do ano tem a sua poesia e o seu valor espiritual. Aquilo entrou em mim. Tenho certeza de que o meu interesse pela mitologia vem daí (COUSINEAU, 1994, p. 38).

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No século XVII, White Plains, a terra natal de Campbell, aco-lheu uma colônia de imigrantes holandeses. Antes disso, era habitada pelos índios da nação moicana. Pelo censo de 2010, a cidade ainda é pequena, possuindo 60 mil habitantes. Dessa forma, Campbell cres-ceu em meio à natureza (a família costumava passar as férias nas montanhas Pocono, na Pensilvânia) e à cultura dos povos indígenas da América do Norte. Em 1910, aos 6 anos, viu no então recém-inau-gurado Madison Square Garden o espetáculo do Oeste Selvagem de Bufalo Bill – apelido pelo qual era mais conhecido o lendário matador de búfalos William Frederick Cody (1846-1917). E o pai o levou para ver as coleções de artefatos dos nativos no Museu de História Natural de Nova York. Ficou fascinado por ambos. E começou a ler.

Frequentei a escola e não tive problemas com os estu-dos, mas o meu entusiasmo estava centrado no dissidente reino da mitologia dos índios norte-americanos. Naquele tempo vivíamos em uma casa em New Rochelle (estado de Nova York) ao lado da biblioteca pública. Aos onze anos de idade eu já havia lido todos os livros sobre índios que havia na biblioteca infantil e consegui ser admitido na biblioteca de adultos. Lembro-me de voltar sempre para casa carre-gando pilhas de livros. Acho que foi aí que minha vida como estudioso se iniciou. Sei que foi. Todos os livros estavam ali: todos os relatórios do Departamento de Etnologia, os livros de (Frank H.) Cusshing e (Franz) Boas, e muitos ou-tros. Quando eu tinha treze anos já conhecia tanto sobre os índios norte-americanos quanto um grande número de an-tropólogos que tenho encontrado desde então. Eles conhe-cem todas as interpretações sociológicas sobre os índios, como são ou como eram, mas não sabem muito sobre os próprios índios. Eu já sabia (COUSINEAU, 1994, p. 35-36).

Foi essa paixão que o mitólogo carregou vida afora, procurando estudar sempre, de uma forma comparada – cujo objetivo principal era encontrar a unidade –, os mitos, as religiões e, por extensão, as culturas.

A Jornada do Herói...

O padrão narrativo observado por Campbell consiste no que ele chamou de monomito. “O percurso padrão da aventura mitoló-

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gica do herói é uma magnificação da fórmula representada nos ri-tuais de passagem: separação-iniciação-retorno – que podem ser considerados a unidade nuclear do monomito” (CAMPBELL, 1997, p. 36). Como declara, um “herói vindo do mundo cotidiano se aventura numa região de prodígios sobrenaturais; ali encontra fabulosas for-ças e obtém uma vitória decisiva; o herói retorna da sua misteriosa aventura com o poder de trazer benefícios aos seus semelhantes” (CAMPBELL, 1997, p. 36). O estudioso identifica 17 etapas nessa es-trutura, que estava centrada no estudo de mitos, contos e fábulas. Daí algumas delas terem nomes como “Auxílio Sobrenatural”, uma vez que é comum nessas narrativas uma ajuda sobre-humana para resolver os desafios da jornada.

Quase trinta anos depois, em 1977, inspirado pelas ideias de Campbell, o cineasta George Lucas filmaria uma série que entraria para a história do cinema: Guerra nas estrelas (Star Wars). Nessa época, o estadunidense Christopher Vogler estudava cinema na University of Southern California, onde numa das aulas também travou contato com as ideias de Joseph Campbell. “O encontro com Campbell, para mim e várias outras pessoas, foi uma experiência transformadora” (VOGLER, 1997, p. 13). “Aqui estava, explorado até o fim, o tal padrão que eu vinha intuindo. Campbell tinha decifrado o código secreto das histórias” (VOGLER, 1997, p. 13).

Naquele momento, ele tenta compreender o fenômeno cine-matográfico. “As pessoas iam rever estes filmes várias vezes, como se estivessem em busca de uma espécie de experiência religiosa” (VOGLER, 1997, p. 13). Aqui cabe uma ponderação: para Campbell, um mito é uma máscara, uma metáfora para mistérios que transcendem a compreensão humana e que jamais poderão ser explicados, seja pelas artes, pela filosofia, pela ciência ou pelos saberes tradicionais.

“Fiquei achando que esses filmes atraíam as pessoas dessa maneira porque eles refletiam os padrões universalmente satisfató-rios que Campbell encontrou nos mitos. Ou seja, eles tinham algo de que as pessoas precisavam” (VOGLER, 1997, p. 13). Inspirado em Campbell, em 1985, o então analista de roteiros dos estúdios Walt Disney elaborou um memorando de sete páginas no qual definia os itens fundamentais de uma história, intitulado Guia prático para o he-rói de mil faces, que compartilhou com seus colegas do estúdio.

O guia se tornou uma ferramenta popular para diagnosticar os problemas dos enredos e propor soluções. Mais tarde, ampliado, o memorando seria publicado em formato livro, com a proposta de

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11 etapas do autor, que atualizaria algumas etapas campbellianas e apresentaria algumas novas, como “Cotidiano”. Atualmente, Vogler é presidente da Storytech Literary Consulting, onde continua traba-lhando com o conceito, que sintetiza da seguinte forma:

A jornada do herói [...]: O herói é apresentado em seu mundo comum, onde recebe o chamado à aventura. Ele reluta em cruzar o primeiro limiar, onde ele finalmente encontra testes, aliados e inimigos. Ele chega à caverna profunda, onde suporta a provação suprema. Ele pega a espada ou o tesouro e é perseguido na estrada de volta para o seu mundo. Ele é ressuscitado e transformado pela sua experiência. Ele retorna ao seu mundo comum com um tesouro, dádiva ou elixir para beneficiar seu mundo (VOGLER, 2012).

Além do herói, Vogler ressalta seis personagens secundárias, baseadas em modelos arquetípicos:

O Mentor, que prepara o protagonista para a jornada; o Guardião do Limiar, que testa se a decisão de transfor-mação do herói é real; o Arauto, que anuncia as mudanças; o Camaleão, personagem dinâmico que intriga e confunde o protagonista; o Pícaro, que une irreverência e verdades ditas pelos antigos bufões. Um último tipo de persona-gem é definido por Vogler como Sombra, que engloba vilões, inimigos ou antagonistas (MARTINEZ, 2008, p. 60).

Em 1986, o veterano jornalista Bill Moyers entrevista o mitó-logo para o documentário O poder do mito, que foi editado em seis episódios e exibido em 1988 nos Estados Unidos pela emissora PBS. A série foi ao ar no Brasil pela primeira vez em 1991, pela TV Cultura. Em ambos os países, ela promove as ideias de Campbell, que havia falecido ao final das gravações, em 1987.

No início dos anos 1990, inspirado tanto em Campbell quan-to em Vogler, o pesquisador brasileiro Edvaldo Pereira Lima intro-duz o uso da estrutura narrativa mítica no jornalismo brasileiro. Ele propõe oito etapas, batizando os arquétipos (sete deles) com os seguintes termos: Mentor; Guardiões; Aliados; Vira-casaca; Inimigo; Adversários; Bufão.

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Finalmente, em 2002, em pesquisa realizada para tese de dou-torado, proponho o uso de 12 etapas, divididas em três atos: Partida – Cotidiano; Chamado à Aventura; Recusa do Chamado; Travessia do Primeiro Limiar; Iniciação – Teste, Aliados e Inimigos; Caverna Profunda; Provação Suprema; Encontro com a Deusa; Recompensa; Retorno – Caminho de Volta; Ressurreição; Retorno com o Elixir (MARTINEZ, 2008, p. 64). A percepção de que o relacionamento fe-minino é vital para a captação e redação da história de vida leva a uma parceria intelectual com o docente Ailton Amélio, do Instituto de Psicologia da USP, na produção do livro Para viver um grande amor (AMÉLIO; MARTINEZ, 2005), com as principais teorias contemporâ-neas sobre o assunto.

... e a Jornada da Heroína

Pela perspectiva biológica, o papel social feminino origina-se e desenvolve-se a partir de sua misteriosa habilidade em gerar vida. Para a psicóloga junguiana Lucy Penna (1947-2011), a anatomia, a fisiologia e a psicologia da mulher estão profundamente associadas à “organização fisiopsíquica que lhe permite gerar, gestar, parir filhos e cuidar deles” (PENNA, 1992, p. 41).

Do ponto de vista psíquico, contudo, e no contexto do in-consciente coletivo junguiano, essa divisão seria mais fluida, uma vez que o conglomerado de experiências ancestrais que a espécie compartilharia estaria expresso na anima – a contraparte psíquica de imagens femininas que todo homem guarda em seu inconsciente – e no animus – a porção masculina que toda mulher herda ao nascer (JUNG, 1989, p. 351-352).

Essas polaridades parecem se alternar de uma forma rítmica ao longo da pré-história e, mais tarde, da história. O antropólogo suíço Johann Jakob Bachofen (1851-1887), por exemplo, foi um dos primei-ros a defender a existência das sociedades matriarcais. Para ele, houve três estágios na sociedade europeia: bárbaro, matriarcal e patriarcal (Bierlein, 2003, p. 86). O culto à Deusa-Mãe e a marcação do tempo pelos ciclos lunares – que encontra paralelo no período menstrual feminino – são consideradas características desse segundo momen-to. Esculturas pré-históricas, como a Vênus de Willendorf, pequena em tamanho (pouco mais de 11 cm), mas grandiosa em idade (cerca de 25 mil anos), são entendidas como as primeiras representações

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desse símbolo ancestral da fertilidade. Seus seios e ventre volumosos podem ser atualmente vistos no Museu de História Natural de Viena.

Hoje, dois séculos depois dos estudos de Bachofen, eviden-temente se sabe que os estágios nunca foram assim tão demarca-dos. Contudo, a evidência de sociedades matriarcais como a experi-mentada entre vários povos, como minoicos e celtas, ainda pode ser encontrada nos mitos. Para Campbell, na aldeia neolítica, “a figura central de toda mitologia e adoração era a generosa deusa Terra, como a mãe nutridora da vida, receptora dos mortos para renasce-rem” (CAMPBELL, 2004, p. 16). A Grande-Mãe assume importância maior nos templos das primeiras civilizações mais desenvolvidas, como a sumeriana (3.500-2.350 a.C.). “Ela era um símbolo metafísico: a principal personificação do poder do Espaço, Tempo e Matéria, em cujo âmbito todos os seres nascem e morrem. A substância de seus corpos, configuradora de suas vidas e pensamentos, receptora de seus mortos” (CAMPBELL, 2004, p. 16). Para o mitólogo, até mes-mo a suprema criação humana – Deus – era entendida como parte integrante de seus mistérios. “E tudo o que tinha forma ou nome – inclusive Deus personificado como o bem ou o mal, compassivo ou irado – era seu filho, dentro de seu útero” (CAMPBELL, 2004, p. 16).

Os ecos que ressoam hoje dessas sociedades matriarcais enfa-tizam o aspecto nutridor feminino. Contudo, talvez o mito que me-lhor exemplifique essa dualidade e o aspecto castrador do feminino é o da deusa grega Deméter (Ceres, para os romanos), que, ao ter sua filha Perséfone (Proserpina) roubada por Hades (Plutão), o deus do mundo subterrâneo, provoca uma devastação em toda a Terra até haver a negociação na qual ela fica com a filha por nove meses (pri-mavera, verão e outono) e a compartilha – ainda que de má vontade – com o esposo dela por três (inverno).

No rastro da transição do ser humano nômade para o seden-tário, no período neolítico, e, como consequência, com o surgimento de sociedades cada vez mais complexas, mitos como o da morte do pastor Caim pelo agricultor Abel – este judaico, mas diferentes ver-sões podem ser encontradas em mitologias de várias civilizações – marcam a passagem gradual para a sociedade patriarcal. O panteão, cada vez mais masculino, passaria a ser decididamente androcêntrico nas então emergentes religiões judaico-cristã e islâmica.

Por milênios, as histórias serão contadas a partir de um prota-gonista masculino. Esta invisibilidade não é exclusiva do lado femini-no da espécie humana, mas compartilhada também com outros seg-

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mentos não dominantes nas estruturas sociais, como os socialmente empobrecidos. Seria necessária uma nova visão entre os historiado-res, no caso a Nova Escola Francesa, em meados da primeira metade do século XX, com sua metodologia da História Oral, para que a voz de minorias emudecidas passasse a compor aos poucos a trama do tecido social. “Ainda assim, somente a partir da década de 1970, o método foi vigorosamente revivido em relação à história dos índios, à história dos negros e ao folclore, e estendido a novos campos, tal como a história das mulheres” (THOMPSON, 1991, p. 89).

Apesar do aparente manto da invisibilidade documental, a saga feminina ocorre. A historiadora brasileira Mary Del Priore, por exemplo, aborda a adoção do “adestramento crescente de tantas mulheres na figura da mãe”, ocorrido nos primeiros séculos de co-lonização brasileira (DEL PRIORE, 1993, p. 105). Ao investigar docu-mentos da época, ela nota o fenômeno que chama de “fabricação da santa-mãezinha”. Contudo, também observa as estratégias formais ou, principalmente, informais de mulheres que se recusam a subme-ter-se à opressão. “Resistência, renúncia, fervor e potência marcaram a relação das populações femininas com a Igreja ou com os desígnios do Estado-português, explicitando em práticas sociais, discursos lite-rários ou reproduções de seu universo” (DEL PRIORE, 1993, p. 24-25).

No século XX, a partir da Primeira e, sobretudo, após a Segunda Guerra Mundial, há a crescente inclusão da mulher no mer-cado de trabalho, bem como as inovações tecnológicas – caso da pí-lula anticoncepcional –, os movimentos de contracultura e a gradual queda de barreiras religiosas que mudam o perfil da relação de gê-neros. A mulher não só começa gradualmente a aparecer nos relatos, mas ganha certo protagonismo em algumas áreas. A francesa Simone de Beauvoir (1908-1986), autora de O segundo sexo, e a estaduniden-se Betty Friedan (1921-2006), que escreveu A mística feminina, entre outras, vão fomentar o ativismo da segunda onda feminista. Mais tarde, nos anos 1990, ensaístas como a estadunidense Camille Paglia, autora de Personas sexuais, ampliam o leque da discussão feminista.

Num contexto socioeconômico agora globalizado, as condi-ções femininas melhoram, ainda que lentamente. Um especial fei-to pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para o Dia da Mulher de 2012, baseado em dados de 2011, mostra que a maioria da população brasileira com 10 anos ou mais (idade ativa) é constituída por mulheres (53,7%). Elas vivem mais, estão estudando mais e conquistando a cada dia mais espaço no mercado de traba-

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lho. Não obstante, ainda são menos remuneradas (desde 2009, em média 72,3% do salário masculino). Em consequência do aumento dos estudos, nota-se uma retração na participação em alguns seg-mentos, como o dos serviços domésticos (de 7,6% em 2003 para 6,9% em 2011).

Essa mudança de cenário social se reflete na representação da mulher feita pela mídia. No caso das revistas, por exemplo, se antes as histórias de vida femininas podiam ser observadas predominante-mente no jornalismo feminino, hoje elas também podem ser notadas em outros segmentos, como o econômico. O próprio fato de o país contar com uma presidenta, bem como com algumas lideranças do mesmo gênero em postos-chave, serve como matéria-prima para a esfera midiática.

Ainda assim, convém lembrar, se usarmos como exemplo a área de pensadores de comunicação social com projeção internacio-nal, ficamos restritos a poucos nomes. Em uma das obras mais recen-tes da área (MARTINO, 2009), a única teórica a ser citada é a cientista social alemã Elisabeth Noelle-Neumann (1916-2010), com sua teoria da espiral do silêncio em opinião pública.

De toda forma, esse cenário claramente em mutação coberto pela mídia sugere que a representação midiática feminina pode con-tribuir para a reflexão e a autorreflexão sobre o papel social femini-no. Como afirma o historiador inglês Paul Thompson:

Por meio da história, as pessoas comuns procuram compreender as revoluções e mudanças por que passam em suas próprias vidas: guerras, transformações sociais como as mudanças de atitude da juventude, mudanças tecnológicas como o fim da energia a vapor, ou migra-ção pessoal para uma nova comunidade. De modo espe-cial, a história da família pode dar ao indivíduo um forte sentimento de uma duração muito maior de vida pesso-al, que pode até mesmo ir além de sua própria morte (THOMPSON, 2002, p. 21).

O ex-diretor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, Dante Moreira Leite, chama a atenção para “a influência pode-rosa nos leitores” exercida pela literatura (LEITE, 1977, p. 117). A par-tir desta e de outras fontes, o ex-docente da ECA/USP Edvaldo Pereira

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Lima ressalta o poder transformador das narrativas: “um jornalismo e uma literatura real de transformação, que trabalham em prol da transformação individual e coletiva” (LIMA, 2000).

O avanço feminino sugere também que há em curso mudan-ças paradigmáticas da espécie humana que desembocam no que Gail Sheehy chama de “homem pós-patriarcal” (SHEEHY, 2002, p. 41), isto é, um padrão notado principalmente nos grandes centros urbanos que endossa o comportamento masculino menos agressivo e mais sensível. Curiosamente, o acolhimento desse novo modelo masculino passa pela Jornada da Heroína. A psicoterapeuta junguiana Maureen Murdock, autora de The Heroine’s Journey, propõe uma divisão da jor-nada feminina em dez passos:

1. Separação do feminino;2. A identificação com o masculino & Encontro de aliados;3. Caminho de provas, encontrando ogros e dragões;4. Encontrar o benefício de sucesso;5. Despertando para sentimentos de aridez espiritual: morte;6. Iniciação e descida para a deusa;7. Anseio urgente de se reconectar com o feminino;8. Curando a divisão mãe/filha;9. Curando o masculino ferido;10. Integração do masculino e feminino1.

A nona e décima etapas, que aqui ressaltaremos, estariam rela-cionadas com a regeneração do vínculo feminino-masculino na psique da própria mulher. No entanto, essas etapas também podem metafo-ricamente sugerir o caminho para o equilíbrio entre homens e mulhe-res. Como Jung indica, com o conceito de animus e anima, os novos papéis sociais estão a exigir do feminino uma atitude mais masculina, no sentido da competitividade, da objetividade e do trabalho por me-

1 Tradução da autora. Do original: 1. Separation from the feminine; 2. Identifi-cation with the masculine & Gathering of Allies; 3. Road of trials, meeting ogres & Dragons; 4. Finding the boon of success; 5. Awakening to feelings of spiritual aridity: death; 6. Initiation & descent to the goddess; 7. Urgent yearning to re-connect with the feminine; 8. Healing the mother/daughter split; 9. Healing the wounded masculine; 10. Integration of masculine & feminine.

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tas. Por outro lado, a sociedade também exige do homem contempo-râneo a manifestação de atributos comportamentais tipicamente fe-mininos, como a manifestação de emoções, a habilidade para cuidar de crianças e a realização de várias tarefas ao mesmo tempo.

Pode ser que um dos impactos das novas tecnologias seja jus-tamente fazer com que o gênero masculino aprenda a trabalhar de uma forma similar à que o feminino sempre atuou quando tradicio-nalmente tecia, tricotava ou olhava crianças: em grupos ou redes, sem um líder dominante, de forma inclusiva, compartilhando infor-mações e cuidados. Algo muito próximo de experiências colaborati-vas como a Wikipédia.

Essa demanda pelo compartilhamento das características de gêneros passa pela comunicação dialógica, estando expresso na re-lação que o filósofo vienense Martin Buber (1878-1965) chama de Eu-Tu. Nesse sentido, uma lenda que talvez possa simbolizar a im-portância da alteridade, bem como a de o jornalismo fazer pergun-tas apropriadas e interpretar de forma profunda a realidade, é a do Santo Graal (VON ESCHENBACH, 2002). Quando Parsifal encontra o rei ferido, por uma questão de decoro, ele não faz a pergunta: “What ails thee?” – “O que vos aflige?”. Por não tê-la feito, ele vaga por cinco anos e cruza com inúmeros testes até ter a oportunidade de retornar ao ponto onde estava, o castelo, e, por meio do diálogo, colocar fim ao sofrimento do rei Anfortas e de seus súditos. Somente quando o jornalista – mediador por excelência que tem licença pro-fissional para perguntar – exercer a contento seu papel, é que poderá exercitar a cultura do ouvir de tal forma a contar narrativas da con-temporaneidade que ajudem os leitores, ouvintes, telespectadores e internautas de fato a compreender melhor a si mesmos, aos outros, a sociedade, a natureza e o cosmos no qual estão inseridos.

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capítulo 6

Sujeito social, memória e comunicação: a experiência hipermidiática do sistema

HiperMemo

Priscila F. PerazzoElias Estevão Goulart

Introdução

Com a manipulação digital das informações, advindas das inova-ções tecnológicas, as sociedades contemporâneas vêm se trans-

formando. Essas inovações produzem alterações profundas nas rela-ções humanas nos mais diversos níveis e aspectos, especialmente nas sociedades com acesso a elas.

Atualmente, muito se discute o desenvolvimento das socie-dades contemporâneas do ponto de vista das mudanças sociais rela-cionadas com o espaço e o tempo. Tais estudos questionam o atual estágio das sociedades com as formas de interação humanas, poten-cializadas pelas novas tecnologias de comunicação e informação, que vêm promovendo uma nova forma de sociabilidade, alterando as re-lações interpessoais e os aspectos da vida local, levando a uma nova posição e atuação do sujeito na sociedade.

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No século XX, a comunicação referia-se, com mais frequência, aos meios de comunicação de massa, “impondo ao termo mídia [do latim media; plural de medium: meio] sua ligação com a tecnologia, práticas e técnicas profissionais” (VENÂNCIO, 2012, p. 14). Contudo, no sentido de modificar esses conceitos enraizados ao longo do tempo, Jesús Martín-Barbero propôs a desterritorialização do campo da comunicação, percebendo-o como transdisciplinar, ou seja, que atravessa e é atravessado por outras disciplinas, fazendo frente ao pensamento instrumental e linear, “para desenhar um novo mapa de problemas em que caiba a questão dos sujeitos e das temporalidades sociais” (MARTÍN-BARBERO, 2004, p. 212). Isso significa abordar a “co-municação para além do midiacentrismo, considerando as diferenças dos grupos sociais, a subjetividade dos indivíduos e os múltiplos dis-cursos, com suas constantes negociações” (VENÂNCIO, 2012, p. 14).

Propõe-se, então, ir além do paradigma clássico que considera a comunicação como um processo linear, com indivíduos em lugares fixos e uma função estabelecida no processo. Para Roseli Figaro, a comunicação deve, aqui, ser entendida como “a categoria de análise reveladora das relações e interações que se dão entre subjetividades” (FIGARO, 2010, p. 104).

Emerge, assim, nos estudos de comunicação, a perspectiva de tratar das subjetividades do sujeito e da necessidade de se pensar esse sujeito em sua relação com a sociedade. A comunicação passa a ser percebida como complexa e se torna uma relação de intera-ção em que sujeitos se “inter-relacionam a partir de um contexto, compartilhando sistemas de códigos culturais e, ao fazê-lo, atuam (agem), produzindo/renovando a sociedade” (FIGARO, 2010, p. 4).

Com os estudos que interligam comunicação e cultura, pode-se compreender as questões de identidades e comunidades, pois o sujeito busca lugares onde suas experiências, seus anseios e imagi-nários sociais se reativem, se reafirmem, e nesses lugares sociais a comunicação se torna uma questão de cultura e de reconhecimento (MARTÍN-BARBERO, 2009).

Assim, o fato de que as práticas culturais se modificam leva-nos à ideia de que a cultura se faz num

sistema de símbolos compartilhado pelos membros de uma comunidade e um esquema significativo capaz de conferir sentido a suas práticas e indissociável da ação

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social à qual atribui sentido. Isso representa conectar o ‘fazer’ cultural dos indivíduos com o processo de cons-tante construção dos sentidos (MENDONÇA, 2006, p. 31).

É nesse conjunto de símbolos compartilhados que estão con-feridos sentidos às práticas sociais. E nele podemos compreender o papel da memória no campo da comunicação e da cultura.

A memória representa um importante objeto de reflexão e uma das grandes preocupações culturais e políticas das sociedades contemporâneas. Segundo Jacques Le Goff (2003), pela memória te-mos a propriedade de conservar certas informações, que, por nos remeterem a um conjunto de funções psíquicas, permitem-nos atuali-zar impressões e informações passadas ou que representamos como passadas. O ato de rememoração requer um comportamento narra-tivo, pois se trata da “comunicação a outrem de uma informação, na ausência do acontecimento ou do objeto que constitui o seu motivo” (LE GOFF, 2003, p. 421).

Memória também é uma faculdade que alguns sistemas, sejam eles naturais ou artificiais, têm de conservar ou acumular informações com o objetivo de criar ou processar imagens (MACHADO, 2003).

A memória, relacionada às lembranças dos indivíduos, pode se expressar tanto de forma individual quanto coletiva (HALBWACHS, 1990). Essas lembranças ou informações traduzem-se em representa-ções ou símbolos, cuja expressão material se visualiza no patrimônio cultural: monumentos, edificações arquitetônicas, documentos pes-soais, fotografias etc.

Mas as memórias individuais também se dão pelo ato de con-tar histórias, que acompanha o homem desde o início das civilizações, antes mesmo da língua escrita. Dessa forma, a oralidade constituiu-se em elemento fundador para que os relatos orais – fonte de saberes – ficassem gravados na memória dos indivíduos, transmitindo de ge-ração em geração as crenças, as magias, os valores, a tradição.

O passado das gerações irrompe no presente e é compreen-dido à medida que é organizado por processos de narração. Para expressão e comunicação do passado, da lembrança e da memória, o sujeito não pode prescindir de uma forma de relato, que é o meio para recordar, narrar e se remeter ao passado (SARLO, 2007).

Nestas primeiras décadas do século XXI que estamos viven-ciando, encontramos diversas formas e suportes para relatos e nar-

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rativas. É assim que as narrativas orais, os relatos do passado e das histórias de vida sustentam-se por diferentes meios, a fim de serem compartilhados por um trabalho de multimídia globalizado, para que fiquem arquivados e disponíveis como recurso público (THOMPSON, 2006) e possam rearticular movimentos sociais em função das novas tecnologias de comunicação (SEVCENKO, 2006).

Considerando a importância das narrativas orais de histórias de vida, relatos das recordações produzidas pelos protagonistas, agentes de sua própria história, este capítulo tem como objetivo tratar do advento do sujeito na comunicação a partir da sua ação como agente social e de uma discussão sobre memória, narrativida-de, oralidade, subjetividade, todos articulados no contexto das no-vas tecnologias, tendo como exemplo o sistema HiperMemo: Acervo Hipermídia de Memórias, desenvolvido no Laboratório Hipermídias/Núcleo Memórias do ABC da USCS. Essa experiência hipermidiática representa o elemento de convergência entre as novas tecnologias digitais (a linguagem hipermídia), a memória e as subjetividades.

HiperMemo como sistema hipermidiático de comunicação cultural

O desenvolvimento do HiperMemo é parte das atividades do Núcleo de Memórias do ABC, do Laboratório Hipermídias da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS). O sistema visa acomodar a produção de dados hipermidiáticos que se constitui nas pesquisas de histórias de vida e relatos orais de memórias.

Os registros têm como ponto de partida as narrativas orais das lembranças das pessoas entrevistadas no Núcleo, com base na metodologia da História Oral. Dessa forma que esse acervo se apre-senta como um sistema de preservação da memória e dos sujeitos.

Constata-se a construção de uma nova ordem social baseada nessas tecnologias, como uma cibercultura: “conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pen-samento e de valores que se desenvolvem juntamente com o cresci-mento do ciberespaço” (LÉVY, 2000, p. 17).

Por sua vez, também podemos entender, como nos indica Jorge A. González, que cibercultura pode “designar e evocar, em pri-meiro lugar, uma zona de interesse teórica e prática da vida social”

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(GONZÁLEZ, 2012, p. 32). Da origem grega, cyber designou as pessoas que governam, guiam ou conduzem um barco ou que estavam no controle de algo. Cultura veio do latim e tinha a ver com cultivo pro-dutivo da terra, mas ganhou outros sentidos no universo das repre-sentações do mundo e da vida: “a cultura expressa a vida do sentido e o sentido das vidas. [Essa] natureza, cheia de símbolos, textos e metatextos que a espécie humana gera para sobreviver em socie-dade” (GONZÁLEZ, 2012, p. 31). Assim, cibercultura é uma zona de interesse da vida social por onde se guia a cultura, podendo ocorrer em espaços cibernéticos ou não.

A atual sociedade da informação valoriza o rápido, fácil e or-ganizado acesso a informações e conhecimentos, demandando novas formas de organização dos materiais e conteúdos digitalizados, bem como de sua disponibilização e acesso.

O valor de uma informação encontra-se em suas possibilida-des de acesso e na sua utilização, principalmente quando conside-rada elemento fundamental de uma estrutura de linguagem visual, viabilizando novas formas de comunicação. As formas digitais das informações permitem novas leituras, fruto do avanço tecnológi-co que as manipula, transforma e dissemina. Como menciona Lévy (2000), por exemplo, a pintura teve expressão máxima de represen-tação visual, porém, com o advento da tecnologia da fotografia, um novo formato, uma nova comunicação passou a existir com inúmeras possibilidades, ocorrendo na sequência o mesmo com o cinema, a televisão e os computadores.

O HiperMemo, acervo hipermídia de memórias, propõe-se como espaço virtual de conservação ou acúmulo de informações resgatadas nas lembranças de pessoas que narram suas histórias de vida, possibilitando a (re)construção do universo cultural dos sujei-tos, pois “cultura é memória ou gravação na memória do patrimô-nio vivencial da coletividade; enquanto tal, reporta-se ao passado” (MACHADO, 2003, p. 163).

Esse acervo é ampliado a cada pesquisa pela coleta e armaze-namento de “objetos” variados, como documentos pessoais, impres-sos, cartas manuscritas, fotografias, músicas, discos, vídeos, livros, jornais etc., cedidos pelos narradores entrevistados no âmbito das pesquisas desenvolvidas no Núcleo, considerados como narradores colaboradores. Pois acredita-se que “todo grupo, comunidade ou ins-tituição pode e deve, por si próprio, ser produtor, guardião e difusor da sua história” (WORCMAN, 2006, p. 12).

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A memória está sempre presente nos processos sociais, co-municacionais, coletivos, ou mesmo individuais. No processo de comunicação que se dá pelas possibilidades hipermidiáticas, crê-se na possibilidade de recuperar, entre seus vários sentidos de recobrar, reaver, encontrar, sinônimos ainda de resgatar e revigorar, as histórias de vida narradas pelos indivíduos. O HiperMemo, com sua linguagem da hipermídia, se propõe a não apenas reaver, na dimensão da ciber-cultura, essas histórias, narradas oralmente a partir das lembranças dos indivíduos, mas também a proporcionar o revigorar de lembran-ças muitas vezes esquecidas. Assim, o sistema digital permite “tirar do esquecimento”, “voltar a ter”, recuperar a história e a cultura do sujeito social, a fim de conservar, defender, preservar, proteger, recobrar, recuperar, salvaguardar, guardar sua cultura.

Pelo HiperMemo, obtém-se, também, a constituição das identi-dades coletivas a partir da memória social. O conceito de identidade indica semelhança a si próprio, pelo processo de reconhecimento do outro. A identidade coletiva de um grupo processa-se a partir de sen-timentos de pertencimento a esse grupo, garantidos por imagens ou símbolos que permitem o reconhecimento do outro como a si pró-prio. Por sua vez, a “identidade associa-se também aos espaços, onde está fixada a lembrança de lugares e objetos presentes nas memórias, como organizadores de referenciais identitários” (FÉLIX, 1998, p. 42). Por isso a memória acaba quando se rompem os laços afetivos e so-ciais de identidade.

Sabe-se que o homem se apropria do mundo por meio da lín-gua que lhe é acessível. Ou seja, a linguagem é um instrumento de existência e pertencimento e, como tal, é decifrável a partir de códi-gos culturais próprios (MACHADO, 2003). A existência de uma língua só é admissível se esta estiver inserida num contexto cultural, de tal forma que no século XXI a hipermídia se torna uma linguagem da qual a maior parte das pessoas tem se apropriado.

HiperMemo: o acervo de memória e cultura de uma comunidade

Contrapartida dos processos de globalização do mundo con-temporâneo, no seu advento, pensou-se que a diversidade cultural estaria uniformizada e homogeneizada com a supressão das frontei-

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ras nacionais e que as pessoas resistiriam ao processo de homoge-neização cultural a partir da relevância da própria diversidade, cuja sobrevivência “só pode ser tratada hoje numa nova institucionali-dade cultural mundial capaz de interpelar os organismos globais” (MARTÍN-BARBERO, 2010, p. 212).

Para esse processo, as novas tecnologias de informação e comunicação contribuíram de maneira singular, e o que se vê, atu-almente, é a indissociabilidade entre cultura e tecnologia, pois as novas tecnologias “estão sendo crescentemente apropriadas por grupos dos setores subalternos, possibilitando-lhes uma verdadeira ‘revanche cultural’...” (MARTÍN-BARBERO, 2010, p. 214).

Essa “revanche” é possível a partir de uma nova narrativa his-tórica, da qual as memórias individuais e coletivas tornam-se elemen-tos importantes, associadas a uma outra linguagem: a da hipermídia.

O hipertexto, de acordo com Patrick Bazin (1999), possui ele-mentos que extrapolam os limites do próprio texto em si, pois per-mite: a digitalização de textos completos; o exame, o arquivamento e a atualização de arquivos em tempo real; a conexão de qualquer sucessão de caracteres entre si; o acesso rápido por meio da internet às melhores fontes, qualquer que seja a sua localização; e o intercâm-bio de comentários em fóruns.

Essas são apenas algumas das inúmeras possibilidades apon-táveis ao hipertexto as quais proporcionaram uma significativa trans-formação na construção e na manipulação de informações nas socie-dades contemporâneas.

O conceito de hipertextualidade se expande com o aperfeiço-amento das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), mais especificamente com o surgimento da multimídia. Programas para computador que antes apenas manipulavam textos, os chamados processadores, passam a manipular e possibilitar a composição de “textos” com elementos adicionais, como figuras, imagens, sons, ví-deos etc. Assim, a criação de composições multimídia fornece novas possibilidades comunicacionais e potencializa o emprego de produ-ções altamente enriquecidas. O autor da narrativa eletrônica, espe-cificamente com a construção multimídia, é identificado por Janet Murray (1998) como um “coreógrafo que estabelece o ritmo, o con-texto e os passos da performance” (MURRAY, 1998, p. 153).

A sequencialidade passa a ser quebrada ao se aplicar à pro-dução multimídia os conceitos da hipertextualidade, produzindo-se,

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assim, composições hipermidiáticas nas quais cada nó passa a conter “objetos”, como textos, figuras, imagens etc., que no HiperMemo são objetos da memória individual e coletiva dos moradores das cidades do ABC paulista. Os vídeos das entrevistas gravadas, as fotografias e documentos digitalizados, os textos transcritos das entrevistas ou produzidos pelos próprios entrevistados, e, ainda, áudios de voz e música realizados por esses autores-colaboradores se interligam por links, resultando num emaranhado de caminhos, subsidiando uma na-vegabilidade complexa e desafiadora para aqueles que passeiam pelo universo cultural dos cidadãos do ABC.

No HiperMemo, os produtores de conteúdo hipermidiático são cidadãos com suas histórias de vida e pesquisadores da USCS. Os colaboradores (entrevistados ou depoentes) cedem seu patrimô-nio cultural – material ou intangível – por meio dos relatos orais de histórias de vida e de seus objetos de acervo pessoal (as relíquias que todos nós guardamos ao longo de nossas vidas devido aos sig-nificados pessoais que a elas atribuímos). Os pesquisadores coletam, identificam e organizam esse patrimônio de forma a relacioná-lo num sistema hipermidiático e de acesso ao público em geral.

No entanto, esses novos sistemas hipermidiáticos apresentam dificuldades, principalmente operacionais, pois a quantidade de in-formações conectadas (os nós e seus inúmeros links) cresce vertigi-nosamente, mesmo nos sistemas mais simples e pequenos, de forma que rapidamente os usuários tendem a vivenciar um cansaço, um stress intelectual durante longos períodos de uso dos sistemas, efeito conhecido como “sobrecarga cognitiva”.

É por isso que autores como Paul Thompson, com especialida-de no método da História Oral, que permite o trabalho relacionado às possibilidades de narrativas orais de histórias de vida, advertem quanto à necessidade de os acervos de história oral estarem disponí-veis ao público por meio das novas tecnologias da linguagem digital. Além disso, o pesquisador deve elaborar critérios que justifiquem a produção e difusão de dados, pois “há uma enorme quantidade de material sendo produzida e não se deve sobrecarregar as pessoas com excesso de informações” (THOMPSON, 2006, p. 39). Segundo o autor, os materiais devem ser guardados para contemplar um “cará-ter nacional em termos de cobertura” e compor “registros comple-tos de histórias de vida, ao invés de pequenas entrevistas temáticas” (THOMPSON, 2006, p. 39).

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No acervo de hipermídia, as inúmeras possibilidades navega-cionais oportunizadas pelas diversas ligações entre objetos, páginas e conteúdos impõem aos usuários a necessidade de um controle do seu “caminhar”, pois muito facilmente pode-se “ficar perdido” no emaranhado de informações. Tais aspectos requerem dos sistemas hipermídias uma organização adequada para tratar grandes volumes de informação, pois os projetos de história oral, em particular, po-dem gerar muitos dados, o que pode minar sua maior utilização se não forem bem organizados.

A internet e os programas de computador que viabilizam a comunicação e a interatividade abriram espaço para novas relações e novos valores entre as pessoas. Nesse novo meio de comunicação, há a convergência de várias mídias digitais que podem ser interligadas e elaboradas conjuntamente para expressões em uma nova lingua-gem (ROSENBERG, 2002). Os internautas, ao buscarem no sistema HiperMemo os elementos do patrimônio cultural ali organizado e re-gistrado, poderão fazer perguntas mais complexas e diversificadas, além daquelas que o pesquisador se fez ao longo de sua investiga-ção, pois, diante da diversidade cultural que apresentarem ao nave-gar pelos diversos sistemas da rede, cada um pode fazer perguntas e dirigir suas buscas de formas complemente distintas.

É assim que esse sistema permite a diversidade de questio-namentos e investigações tanto para os que se reconhecem nesse universo cultural quanto para tantos outros que ali navegam por di-ferentes motivos (HENRIQUES, 2006).

Dessa forma, sistemas computacionais dessa natureza podem ser construídos para explorar essa multiplicidade de mídias, que en-globam texto, som, gráficos ou desenhos, animações e vídeos – as hipermídias –, viabilizando a navegação por entre elas de forma não linear, cujos sistemas constituem-se em “bancos hipermídia” de in-formações digitais.

O HiperMemo é um instrumento social que possibilita a poten-cialização da capacidade de sobrevivência, de associação, de protesto e de participação do indivíduo no interior de seu grupo, comunidade ou sociedade na defesa de seus direitos, da sua existência cultural e da sua individualidade como sujeito da ação e da sua própria história. Como sistema informatizado, permite um processo de “irradiação cultural”, ou seja, representa a interculturalidade das pessoas que narram suas histórias, suas lembranças, seus sentimentos e suas vi-

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sões de mundo por meio de narrativas do “eu” como agente ativo e participativo do processo construtor da própria história. Pelas narra-tivas orais registradas no HiperMemo é possível compreender a diver-sidade cultural num processo horizontal de inter-relações pessoais e com a sociedade, num processo de intercâmbio entre culturas, pois, conforme Jesús Martín-Barbero:

A interculturalidade encontra na tradução seu para-digma tanto histórico quanto modelador [...]. Foi na tra-dução de línguas que aprendemos as verdadeiras possi-bilidades e também os limites de todo intercâmbio entre culturas. [...] A identidade narrativa [...] é a de que toda identidade é gerada e constitutiva no ato de ser narrada como história, no processo e na prática de ser contada aos demais (MARTÍN-BARBERO, 2010, p. 216).

Contar pode significar não só “narrar histórias”, como tam-bém “ser levado em conta” pelos outros indivíduos. A relação do contar histórias com o contar para os outros implica ser levado em conta. A conclusão decorrente é de que, para sermos reconheci-dos pelos outros, é necessário que contemos nosso relato. A nar-rativa, assim construída, poderá expressar o que somos, individual e coletivamente.

A narração da experiência, como define Beatriz Sarlo (2007), está unida ao corpo, à voz e à presença real do narrador à cena passada, pois “no hay testemonio sin experiencia, pero tampouco hay experiencia sin narración” (SARLO, 2007, p. 29). Dessa forma, pode-se considerar o sistema HiperMemo como uma expressão inovadora da narratividade contemporânea dos sujeitos e suas experiências vivi-das. Pelas lembranças e pelas narrativas da memória concentra-se a ideia de entender o passado e sua lógica, envolvendo-se na certeza de que esse passado é completamente possível de se reconstruir. O passado também é alcançado na perspectiva de um sujeito individu-al e da sua subjetividade, expressa por um relato na primeira pessoa do singular. O advento dessa concepção subjetiva pode ser visto de forma inovadora na contemporaneidade e vem sendo assumido tan-to na academia quanto no mercado de bens simbólicos, que estão preocupados em reconstruir a textura da vida e das experiências abrigadas na memória (SARLO, 2007). Assim, o HiperMemo se baseia na ideia de que “uma comunidade tem um capital cultural próprio”

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(MARTÍN-BARBERO, 2010, p. 217), que pode ser expresso nas narra-tivas orais das lembranças das experiências vividas pelos indivíduos:

[...] la revaloración de la primera persona como punto de vista, la reivindicación de una dimensión subjetiva, que hoy se expan-de sobre los estúdios del passado y los estúdios culturales del presente, nos resultan sorprendentes (SARLO, 2007, p. 21-22).

As experiências e memórias são elementos pelos quais se resiste, se negocia e se interage com a globalização. A riqueza das construções orais, em suas variadas formas, bem como as visuali-dades culturais, se entrelaçam agora para dar novo sentido e nova forma às tradições culturais. Esse parece ser o papel do HiperMemo.

Na América Latina, nunca antes o palimpsesto das memórias culturais múltiplas de seu povo teve maior possibilidade de se apropriar do hipertexto, no qual se entrecruzam e se interagem a leitura e a escrita, saberes e fazeres, artes e ciências, paixão estética e ação política (MARTÍN-BARBERO, 2010, p. 222).

No HiperMemo, os indivíduos, cidadãos ou grupos sociais têm acesso à informação não só como receptores, mas também como produtores. Ao serem os próprios narradores da história contada, ao serem os próprios produtores da memória e da sua identidade, tornam-se cidadãos e, como tal, ativistas da memória cultural do seu local, entorno ou comunidade.

Os modos como as culturas locais – municípios, et-nias, religiões – estão se apropriando das culturas virtuais, isto é, sobre as modalidades de interação com as redes de informação que as comunidades selecionam e desenvol-vem, sobre as transformações que seus usos introduzem na vida coletiva e os novos recursos técnicos e humanos necessários para tornar essas interações socialmente criativas e produtivas. Justamente porque o que as novas TIC produzem é a desancoragem das culturas territoriais e sua inserção nos ritmos e vitualidades do ciberespaço (MARTÍN-BARBERO, 2010, p. 229).

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O HiperMemo permite a inclusão do sujeito, como agente de sua própria história, na rede digital, além de oferecer uma possibili-dade estratégica, tanto de sua conservação como da democratização de seu uso, pelos caminhos digitais desta nova era da informação. Pensar a conservação digital de memórias, fatos e acontecimentos não só possibilita a proteção desses mesmos bens, como também sua análise e acesso permanentes. O registro digital de informações em seus mais variados formatos, por meio de recursos computacionais apropriados, é conhecido como processo de digitalização. Assim, a digitalização permite a visualização local e mundial de um patrimô-nio, e, de modo especial, seu usufruto comum. Trata-se de uma nova maneira pela qual as culturas podem estar presentes e preservadas no mundo, nas formas múltiplas possibilitadas pelo hipertexto: em imagens fixas e móveis, em sonoridades e músicas, em códices e tex-tos, mediante bancos de dados, narrações orais, fundos temáticos ou exposições virtuais, conforme postula Martín-Barbero (2010).

HiperMemo e o exercício da cidadania

Acompanhando a soberania do personagem singular, a im-portância das minorias e o destaque para os direitos e liberdades individuais, voltamo-nos para a subjetividade. Trata-se de algo muito importante na configuração da visão de mundo dos homens e mulhe-res do século XXI, determinando também a concepção de cidadão no mundo em que atualmente vivemos.

Assim, memória e patrimônio cultural se articulam à produção de subjetividade. Podemos compreender os motivos para resgatar e preservar a memória e o patrimônio da nossa cidade ou região, pois a memória e o patrimônio cultural nos definem como sujeitos em uma coletividade, sociedade ou localidade, além de indicar nossas identidades, sustentar nossos valores e nossas formas de pensar e conceber o mundo.

Outro elemento dessa reflexão diz respeito à constituição das identidades a partir do patrimônio cultural. O conceito de identidade indica semelhança a si próprio por meio de um processo de reconhe-cimento do outro. A identidade coletiva de um grupo se processa por sentimentos de pertencimento a esse grupo, garantidos por ima-gens ou símbolos que permitem o reconhecimento do outro como a si mesmo. Por sua vez, a “identidade associa-se também aos espa-

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ços, onde está fixada a lembrança de lugares e objetos presentes nas memórias, como organizadores de referenciais identitários” (FÉLIX, 1998, p. 42), e a memória acaba quando se rompem os laços afetivos e sociais de identidade.

A identidade coletiva é o sentimento de pertencimento a um grupo e, a partir do reconhecimento identitário, se dará a ação ges-tora do espaço. Nessa perspectiva, a memória aparece como elemen-to importante a ser considerado na vida social, trazendo à tona os elementos culturais característicos do ambiente onde o sujeito se relaciona com os outros e age.

Nesse sentido, a memória pode se transformar em instrumen-to de empoderamento para o cidadão, uma vez que haja

uma memória que nós gestamos, para além daquela que é gestada em nós. Aqui não se trata de uma memória institucionalizada – aquela dos saberes estratificados; e tampouco de uma contra-memória como tentativa de des-construção de um passado imposto, mas de uma memória do futuro, na medida em que comporta uma possibilidade de criação (GONDAR; BARRENECHEA, 2003, p. 35).

Assim, a memória pertence ao indivíduo, ao sujeito ou ao ci-dadão – como quisermos nominá-lo –, sendo intransferível e parte integrante das suas experiências vividas. Por meio da memória o su-jeito atesta sua continuidade temporal, resgatando seu passado a partir de sentimentos, visões de mundo e experiências presentes, compreendendo a passagem do próprio tempo de vida de forma que possa retomar caminhos para o futuro. Nesse sentido, a memória torna-se uma possibilidade de exercício da cidadania.

Assim, mais do que garantir a preservação do que pas-sou, a memória pode ser uma aposta no porvir. [...] Dessa maneira, a memória – ou, talvez fosse melhor dizer as me-mórias – como superfícies pulsantes, capazes de reverter o poder em potência, tornam-se ferramentas necessárias para construir futuros diferenciados num espaço global (GONDAR; BARRENECHEA, 2003, p. 42).

Pelo resgate da memória construímos nossa identidade e exerci-tamos a cidadania, pois atribuímo-nos existência como sujeitos, agentes

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históricos e sociais. Assim, a preservação do patrimônio cultural intangí-vel do Grande ABC, digitalizado no sistema HiperMemo da USCS, possibi-lita o exercício da cidadania tanto para a comunidade da região do ABC – que, ao acessar seu patrimônio, encontrará suas crenças, seus costumes, suas práticas, seus fazeres e saberes, suas formas de pensar e imaginar – quanto para os depoentes/entrevistados/colaboradores, que, ao narra-rem suas histórias de vida, posicionam-se como agentes de sua própria história. E, ainda, para nós, os pesquisadores, que passamos a entender mais profundamente o papel social de diferentes grupos ou indivíduos na nossa sociedade e o processo de comunicação da cultura nesse espaço.

Considerações finaisO registro e a guarda do patrimônio, seja pessoal ou de gru-

pos, comunidades, sociedades, permitem a construção das suas pró-prias identidades. Esse fato impõe a necessidade do cuidado com os objetos e informações que lastreiam nossas histórias.

Nossas vidas trilham caminhos particulares, mas que podem contribuir com os caminhos dos nossos próximos (ainda que estes estejam fisicamente distantes), e, dessa forma, o surgimento e a cons-tituição do “mundo virtual”, com todas as suas conexões e possibili-dades de trocas, interações e acesso aos mais diversificados acervos, potencializam a riqueza da humanidade, construída e a construir.

O advento da informatização e as potencialidades por ela dis-ponibilizadas aos seres humanos fornecem, na sociedade contempo-rânea, as necessárias condições para a preservação dos valores huma-nos ligados à construção das memórias e suas identidades. Portanto, a construção de sistemas hipermídia para a organização sistematizada de documentos, imagens, produção intelectual e narrativas amplia nos-sa ação social e nosso exercício da cidadania. Além disso, tais sistemas podem oportunizar a viabilização de acesso mais democrático e livre ao acervo digital, aproximando as pessoas, as sociedades e as culturas.

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capítulo 7

Reflexões sobre o papel do bookmarking social na

divulgação científica

Annibal Hetem Jr.

Introdução

Toda noite, ao olharmos para cima, não vemos mais as estrelas e constelações que nossos antepassados distantes tanto apre-

ciavam, a ponto de lhes imputar nomes, lendas e poderes. Foi-se há muitas décadas o contato íntimo entre o homem e as coisas da na-tureza, e não se pode dizer que esta tenha insistido em recuperar a antiga adoração. O mundo natural, tal como o concebemos hoje, tem, obrigatoriamente, uma posição passiva nesse relacionamento. Se o homem moderno não busca mais inspiração e iluminação na natureza, não será esta que insistirá em retomar o relacionamento. Hoje em dia, uma imensa fração da humanidade ao olhar para cima à noite vê lâmpadas elétricas acesas. Nosso “medo do escuro” (este sim, uma das poucas heranças de imemoriais milênios desde o iní-cio da história) nos leva a sempre deixar pelo menos uma “luzinha acesa”. O ambiente noturno das nossas ruas impõe que sempre haja potente iluminação pública, que penetra em nossos quartos. Durante o sono, estamos cercados de pequenas fontes de luz: um relógio, um rádio, ou outro aparelho – nossas noites não são mais acompanhadas pelas estrelas distantes, que um dia já foram seres mitológicos divi-nos. Hoje, nossas crianças têm suas noites veladas por leds.

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Não se pode negar que vivemos imersos em um mundo tecno-lógico. A luz elétrica, que muito além de transformar a noite em dia, nos permite trabalhar, estudar e produzir 24 horas por dia, é só o pri-meiro exemplo. Hoje nos comunicamos instantaneamente com o ou-tro lado do planeta, armazenamos nossos dados pessoais em bancos de dados em outro continente e temos à nossa disposição todos os produtos do mundo pela internet. O grande progresso chega a todos os níveis das nossas vidas: medicina, transporte, entretenimento, re-lacionamento, produtividade, ensino etc. Não há campo do conheci-mento ou da vida humana que não tenha sido tocado profundamente pelo avanço da tecnologia e suas aplicações em várias formas.

Porém, mesmo dentro dessa imersão explicitamente tecnoló-gica (tão intensa que muitos de nós não sabemos que existe outro modo de viver – basta lembrarmo-nos das crianças que não sabem da curiosa relação entre vacas e leite), ainda restam certos mistérios que afetam a própria tecnologia e suas descendências. Uma questão bá-sica surge quase imediatamente quando se demanda sobre produção de “novas” tecnologias. Recentemente, um aluno em um curso que envolvia programação de computadores, ao ser solicitado para escre-ver um programa (relativamente simples, mas que demandava uma pequena dose de criatividade), queixou-se de não encontrar nada semelhante na internet. Na conversa que se seguiu, eu o questionei se ele tinha ideia de como novos programas eram feitos, ao que ele, embaraçado, respondeu perguntando: “Novos?”.

Concluí, depois de muito refletir, que existe uma abismal lacu-na entre os conceitos de tecnologia e ciência. Consideremos que tec-nologia é um termo genérico para designar metodologias aplicadas. Cada área tecnológica tem suas ferramentas e métodos próprios, in-cluindo-se ainda jargão e fraseologia. Um excelente exemplo vem da área de aeronáutica: é impossível para um leigo compreender uma conversa entre o piloto de uma aeronave e a torre de controle do ae-roporto. Caso o caro leitor tenha passado por essa experiência, deve compreender o que estou dizendo. O mesmo se passa em qualquer área – a especialização tecnológica vem acompanhada de novidades léxicas, gramaticais e semânticas. Esta primeira conclusão nos leva imediatamente a outra: as novidades nas formas de comunicação de cada especialidade criam barreiras entre os nichos tecnológicos que tendem a se intensificar com a evolução de cada um. Esse isolamento devido ao jargão e aos termos técnicos não é proposital, como já o foi em outras sociedades (como a utilização do latim como língua no

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catolicismo), mas causa o mesmo efeito: não somente uma “tribo” tecnológica está isolada das outras, como também o acesso aos lei-gos é deveras dificultado.

Daí a pergunta do aluno: “Novos?”. Seria possível conceber que novos programas possam ser criados do nada num mundo de onipresença da informação? Se “tudo” está na internet, à disposição para ser usado, qualquer coisa que não esteja lá então não existe? Compreendi que, segundo algumas mentes simples, todos os progra-mas possíveis estão na internet em algum site obscuro, apenas es-perando para ser baixados. Logo, se um determinado programa não foi encontrado, não é pelo motivo de que ninguém ainda o escreveu, mas porque sua mera existência deve certamente ser uma impossibi-lidade de caráter universal.

E aqui chegamos a um dos pontos interessantes desta discus-são: a internet representa, sem sombra de dúvida, uma aplicação tec-nológica de dimensões planetárias, capaz de afetar e mudar nossas vidas e nosso modo de ver o mundo. Entretanto, a internet, apesar de tudo, é apenas isto: uma aplicação tecnológica. No outro extremo temos a arte de “escrever programas”, uma ciência.

Esses dois campos do conhecimento, ciência e tecnologia, es-tão ligados com uma intimidade e dependência tais como criador e criatura. Eles se retroalimentam incessantemente: a ciência fornece os meios de existência da tecnologia, e esta a necessidade de perpetua-ção da ciência (PINCH; BIJKER, 1984). Tenho certeza de que muitos dos leitores usaram fitas magnéticas, nas quais gravávamos nossas músi-cas favoritas e armazenávamos nossos discos para ouvi-los mais tarde. Esta tecnologia, as fitas, tiveram décadas de inabalável sucesso: eram usadas em automóveis, vendidas já gravadas ou virgens, evoluíram para gravar televisão na forma do VHS e Betamax. A demanda por mais qualidade e praticidade levou a uma evolução ininterrupta por mais de meio século, com melhorias dos substratos de metais e ligas ferrosas em plástico, reprodução estereofônica e implementação do sistema Dolbi. Contudo, chegou-se a um ponto em que as demandas do merca-do ultrapassaram os limites da tecnologia. Foi necessário apelar para o lado científico, solicitando uma nova maneira de se fazer a mesma coisa. O resultado, todos conhecemos bem, foi a introdução de uma nova tecnologia, a gravação digital a laser em substratos de alumínio, representada pelos compact discs (CDs). Agora observamos a mesma característica evolução: o aumento de densidade e velocidade, primei-ramente com a tecnologia DVD, e, mais recentemente, o Blu-ray.

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Este exemplo demonstra claramente o papel da ciência no desenvolvimento tecnológico. Todas as áreas de aplicação de co-nhecimentos passam por esse processo de “redesenho” tecnológi-co periódico, e o ciclo ciência-tecnologia-ciência faz parte do nosso mundo, podendo até mesmo ser planejado e administrado, ficando, em muitos casos, livre das descobertas serendipitas e ocasionais. A ciência faz parte do dia a dia do homem moderno e urbano, estan-do presente em todos os níveis de sua vida através das aplicações tecnológicas. A figura 2 mostra uma representação esquemática das interações entre ciência e tecnologia. Observe que a sociedade é o ponto central desse relacionamento, gerando as demandas e se apro-veitando dos resultados.

Figura 1 – O ciclo ciência-tecnologia, tendo como figura central as demandas da sociedade.

Concluímos que ciência e tecnologia são os dois lados da mes-ma moeda, e que andam juntas de mãos dadas, fazendo parte do nosso dia a dia urbano tecnológico. Então, por que, quando falamos de ciência, as primeiras imagens que nos vêm são dos laboratórios de filmes hollywoodianos dos anos 1960? Até imagino os estereo-tipados cientistas, de jaleco branco e tubos de ensaio com líquidos coloridos fumegantes, discutindo “como podemos melhorar a fita de ferro-cromo?”.

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O grande abismo está no isolamento. A comunidade científico-acadêmica, como qualquer outra “tribo” moderna, isola-se numa es-fera fechada. A produção de artigos e textos científicos, tão valorizada nas carreiras acadêmicas, é hermética e endógena. A terminologia e o jargão científico exigem anos e anos de prática para ser aprendidos, e as descobertas científicas são cada vez mais difíceis de ser explicadas. Por outro lado, o avanço científico – que caminha a passos largos e firmes – é repassado para a população como curiosidades inócuas e sem propósito. Não é raro o homem comum perguntar “Mas para que serve isso?”, mesmo estando diante de uma descoberta que mudará completamente um (e até mesmo vários) dos aspectos de sua vida.

Os órgãos de divulgação, presos ao obscurantismo da infor-mação imediata e superficial, não enfatizam os passos e as motiva-ções da ciência, mas apenas imagens e infográficos sem conteúdo. Ou pior: com conteúdos diluídos e mal explicados. As pessoas não sabem como e de onde veio uma possível nova tecnologia e não têm a mínima ideia de como ela foi concebida. Como resultado, o abismo se aprofunda entre cidadão e ciência, e, quando surge a oportuni-dade de participar da criação, o cidadão, principalmente o jovem, se pergunta “Novo?”. Assim chega-se à premente necessidade da divulgação científica. Apresentar os resultados dos laboratórios vai muito além das simples notícias da mídia-padrão, que está presa a uma letargia de novidades ocas, passando à população nada mais do que uma pálida sombra dos assuntos que realmente podem vir a ter algum valor. É comum a mídia, principalmente a televisiva, dissemi-nar fatos pseudocientíficos, apoiá-los em inúmeras reapresentações e depoimentos de personalidades da moda (bons exemplos são o apocalipse maia e as técnicas de emagrecimento milagroso). Tudo isso contribui para o enfraquecimento do conhecimento verdadeiro, que, abandonado pelos geradores e distribuidores da informação, recolhe-se às academias ascetas.

Logo, cabe ao cientista e acadêmico, verdadeiro e legítimo possuidor das informações, divulgar seus resultados junto ao públi-co. O papel do cientista divulgador vai além da simples informação. Depois de tanto tempo sem bases concretas ou referências, a po-pulação leiga em ciência urge em ser reeducada, principalmente no sentido de valorizar os resultados científicos. A ciência deve ser leva-da aos lares e bares, sendo discutida como qualquer outro tema da vida cotidiana. O preço a ser pago caso isso não ocorra é a volta ao obscurantismo medieval, quando o que hoje chamamos de realidade científica era imputado à ação de bruxas e dragões.

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A ciência em propaganda e seu papel vocacional

Por muito tempo, a divulgação das realizações científicas, mesmo as de ciência pura, serviu de propaganda – mesmo em níveis de nações. É impossível desvincular a imagem dos ônibus espaciais da imagem dos Estados Unidos. Cada foto ou filme dessas astronaves traz bem evidente as bandeiras daquele país, de tal forma que, ape-sar de ser um aparato tecnológico que serviu a tantos outros países, a sua silhueta está ligada ao poderio científico estadunidense em todas as mentes do mundo.

A corrida espacial dos anos da Guerra Fria estava bem longe de servir a propósitos de busca e pesquisa tecnológica. Os interes-ses políticos e hegemônicos dominaram grande parte das motiva-ções (e emprego de recursos) dos países dominantes daqueles tem-pos. Cada novo lançamento das missões Apollo era acompanhado detalhadamente pela mídia, e os jovens do mundo todo decoravam os nomes dos astronautas que deixavam suas marcas no solo lunar. Conheço pessoalmente muitos amigos que, na infância, tinham o sonho de ir à NASA e “ser astronauta”. A opção de vida como cien-tista ou pesquisador do espaço parecia viável e acessível a todos. Paradoxalmente, hoje existem muitos jovens que não acreditam que andamos na Lua, apesar dos equipamentos que foram instalados em nosso satélite natural ainda estarem em operação. Em apenas uma geração, passamos da certeza da ciência à descrença passiva dos entediados (“Onde erramos?”).

O uso da ciência como forma de propaganda nacional vem de muito mais tempo do que pensamos. Desde o século 2 a.C., a Grande Muralha da China serviu, além de óbvia proteção contra invasores, como arauto da capacidade tecnológica dos chineses. A mensagem era clara: aqueles que viviam “do lado de lá” estavam protegidos por um imperador que dispunha da tecnologia necessária para construir esse imenso e duradouro muro. A Grande Muralha da China tem cer-ca de 8.850 km, podendo ser vista da Lua a olho nu. O mesmo pode-mos dizer das pirâmides do Egito. Essas obras serviram de arautos do opulento poder dos faraós, das riquezas e perenidades do país, e da sabedoria que os engenheiros egípcios detinham. Ao longo da história, muitos turistas deixaram de sê-lo e tornaram-se imigran-tes aos pés dessas construções. A impressionante Grande Pirâmide, erguida para ser a tumba de Quéops, é a maior das três pirâmides presentes em Gizé. Sua pedra mais alta está a cerca de 140 metros do

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solo, e é composta de 2.500.000 metros cúbicos de arenito cortados precisamente e transportados por vários quilômetros. Uma fabulosa demonstração de domínio tecnológico que perdura por séculos.

Existem inumeráveis exemplos de uso da ciência como pro-paganda nacional. O uso da ciência em marketing também não pre-cisa ser questionado: muitas peças promocionais (de dentifrícios ou lubrificantes, por exemplo) baseiam seus argumentos em frases e imagens pseudocientíficas na esperança de convencer seus poten-ciais consumidores.

Talvez a mais importante e nobre função da divulgação cientí-fica esteja junto aos jovens, pelo seu poder de despertar vocações. Os computadores potentes e rápidos, automóveis longilíneos, conquis-tas da química, novos materiais etc. têm o invejável poder de atrair a juventude. Por trás da foto de uma galáxia distante existe um grupo de pessoas que se dedicaram por anos a fio ao exercício da busca da verdade. Um resultado de pesquisa científica é uma conquista pes-soal, institucional e nacional – os três níveis ficam eternizados pelos esforços conjuntos e harmonizados. As belas imagens astronômicas obtidas pelo telescópio espacial Hubble exercem o mesmo fascínio que uma vitória esportiva: ambas ligam o jovem ao imponderável e invejável mundo das conquistas por mérito próprio.

Curiosamente, observa-se uma crescente carência de estudan-tes em ciências exatas na atualidade. Esse é outro paradoxo, pois a demanda por profissionais dedicados ao desenvolvimento científico está se intensificando com o tempo. Novamente surge a pergunta: “Onde foi que erramos?”.

Para perenizar as conquistas científicas e tecnológicas de uma empresa, um instituto ou um país, não bastam bibliotecas e acervos de patentes ou artigos. É preciso renovar a cada geração o potencial humano investido em cada área. O conhecimento no papel (ou em PDF, para ser atual) não serve para absolutamente nada se não houver alguém que o leia. A matéria escrita não passa de matéria, e mesmo a língua em que está escrita pode um dia morrer. A única esperança para a continuidade do conhecimento é perpetuá-lo em cérebros ati-vos. Por esse motivo, a divulgação científica como instigadora voca-cional passa a ser a mais importante e desejada de todas.

E, pasme, caro leitor, é a mais fácil de ser feita. A divulga-ção científica vocacional não precisa se aprofundar em detalhes; ela precisa ser apenas correta. O detalhamento pode ser deixado para

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aqueles que ouvirem o chamado da profissão e vierem a estudar suas leis, teoremas e inter-relacionamentos com outras áreas. As mentes jovens são ávidas pela verdade. Toda criança em desenvolvimento procura aprender por correlações. Daí a importância de as informa-ções serem precisas, pois, como bem sabemos, um tema científico não admite estanqueidade e permeia sobre outros temas, colaboran-do ou contrapondo-se. A precisão e a correção das informações são fundamentais para que a mensagem seja bem compreendida e, por-tanto, absorvida. O divulgador deve ser sincero e correto. Qualquer tema, acredito, é digno de ser divulgado – principalmente os bons resultados de pesquisas recentes. Não há risco algum em associar-se com especialistas em comunicação para melhor divulgar um tema científico: para aquele que se sente uma voz que clama no deserto, é sempre bom ter companhia...

O uso da mídia social digital na divulgação científica

Recentemente, observa-se na internet um grande número de novos aplicativos que proporcionam métodos para organizar, arma-zenar, gerenciar e pesquisar bookmarks de recursos on-line. Em par-ticular, os aplicativos de descoberta e busca social caracterizam-se como plataformas de software implementados para usuários que se dedicam à procura de outros usuários, ou por localização física ou por outros critérios como idade, nome, interesses, sexo etc. Podemos dizer que as plataformas sociais são uma ferramenta de descoberta para se construir redes sociais.

De forma simplificada, em um sistema ou rede de bookmarking social, os usuários armazenam listas de recursos da web (links) consi-derados de potencial utilidade no futuro. Evidentemente, essas listas ficam disponíveis aos usuários em uma rede ou site, e sua visualiza-ção é em alguns casos disponível a outros utilizadores com interes-ses semelhantes, que podem ver os links de outrem classificados por assunto, categoria, tag etc. É possível encontrar serviços especiali-zados em um tema específico (comida e vinho, livros, vídeos, e-com-merce, mapeamento...). Alguns desses serviços são destinados à co-munidade científica, mas também utilizados por pessoas fora desse subgrupo. Alguns desses serviços de gerenciamento de recursos de

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bookmark on-line surgiram concomitantemente com aplicativos espe-cializados, e (como não poderia deixar de ser) novos termos foram cunhados, como “social bookmarking” e “tagging”.

Esse revolucionário conceito de listas compartilhadas de mar-cadores on-line teve seu primeiro representante criado em abril de 1996, com o aparecimento do site itList.com. Durante os três anos seguintes, novos sites semelhantes (mas diferentes...) foram dispo-nibilizados. Podemos citar Backflip, BlinkList, clip, hotlinks, Quiver, entre outros. Contudo, uma vez que a competição e o mercado tam-bém são regra no ecossistema da internet – muitas vezes por falta de modelos economicamente viáveis –, a maioria desses sites pre-cursores de bookmarking social desapareceu com o estouro da bo-lha da internet, cujo apogeu ocorreu em março de 2000. Em 2005 e 2006, os sites de bookmarking social como Delicious, StumbleUpon ou Mister Wong alcançaram grande popularidade. Sites como Reddit, Digg, Newsvine e o novo portal da Netscape aplicaram os princípios de bookmarking social para seus novos serviços. As pequenas ondas surgidas no final dos anos 1990 transformaram-se em tsunami quan-do, em 2005, a gigante IBM anunciou a sua intenção de entrar no mercado de software social (Millen; Feinberg; Kerr, 2005). Isso era um indicativo de que as ideias por trás do bookmarking social haviam alcançado a glória de serem aplicadas mundialmente.

O que se percebe é que o conceito de “marcação” foi amplia-do para bem além do site de bookmarking, e serviços como Flickr, YouTube e Odeo (para fotografias, vídeos e podcasts, respectivamen-te) permitem a criação de uma imensa variedade de artefatos digitais para serem socialmente marcados. Empresas de telecomunicação, como a BBC News e seu projeto experimental Tags4, permitem que os membros do público marquem itens (BBC BACKSTAGE, 2005). Um exemplo particularmente importante no contexto do ensino superior é o CiteULike1, um serviço gratuito para ajudar os acadêmicos a ar-mazenar, organizar e compartilhar os trabalhos acadêmicos que es-tão estudando. Esse serviço permite ao acadêmico, ao deparar com um documento que possa lhe interessar, adicioná-lo à sua biblioteca pessoal e obter, via extração automatizada, os detalhes de citação.

Como se vê, a ideia genérica de marcação foi ampliada para abranger o que são chamados de nuvens de tags (ou grupos de tags,

1 Disponível em: <http://www.citeulike.org/>. Acesso em: 16 out. 2012.

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ou conjuntos de tag) de um número de diferentes usuários de um serviço de marcação, que reúne informações sobre a frequência de tags particulares. Uma criativa e interessante forma de apresentação de conjuntos de tags é como uma nuvem de tags (figura 3). Essa infor-mação de frequência é muitas vezes apresentada graficamente como uma “nuvem” em que tags com maior frequência de uso são exibidos em texto maior (ANDERSON, 2007).

Figura 2 – Modelo de tag cloud oferecido em: <http://danoefa.blogspot.com.br/2011/05/how-do-i-create-tag-cloud-in-blogger.html>.

Acesso em: 20 dez. 2012.

Um interessante fenômeno ocorreu com o uso das tags em nível mundial: os termos e jargões (aparentemente) estão se auto-ajustando espontaneamente com a evolução dos bookmarks sociais (Robu; Halpin; Shepherd, 2009). Eventualmente, “tribos” isoladas possam vir a ultrapassar as barreiras léxicas e unificarem-se virtual-mente – este é um dos papéis da internet.

Agora nos parece evidente que, para os profissionais de ciência interessados em divulgação científica, esse novo fenômeno oferece uma oportunidade importante de atingir seu público. Uma vez que é permitido aos usuários, agora no papel de receptores ativos, orga-nizar seus links e tags em formas flexíveis e desenvolver vocabulários compartilhados (conhecidos como folksonomias), cabe ao cientista di-vulgador inserir-se nesse contexto e participar do movimento, ofere-cendo tags, links e conteúdo aos seu potenciais leitores e usuários.

O cientista pode aproveitar as vantagens que essa nova tec-nologia tem sobre os motores de busca de classificação de sites e localização tradicionais. A possibilidade de fornecer tags científicos ligados a seu trabalho semanticamente classificados é virtualmente

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impossível com os motores de busca hoje, dado que estes tendem a ser amplamente genéricos, tendo como escopo a rede mundial. Deve-se considerar ainda que, nos bookmarkings sociais, aos usuários é permitido adicionar os recursos dos links de divulgação científica que considerar úteis. Assim, o sistema será capaz de classificar os recursos em função do número de vezes de utilização.

Divulgue a sua ciência

O que fazer agora? E quais são os primeiros passos? O cientista de hoje, dada sua formação e pressões inerentes

da carreira, sente-se pouco à vontade com a divulgação científica. Durante muitas conversas sobre o assunto, percebi majoritariamente o sentimento de que a divulgação científica é perda de tempo, sem re-conhecimento das instituições e prejudicial para o trabalho principal.

É preciso admitir que a nova realidade social em que vivemos traz consigo vários questionamentos que forçam a mudança. Todos desejam, e este é também um sentimento que vem de tempos ime-moriais, que a próxima geração de seres humanos seja melhor do que a nossa. Não é correto (e aqui uso os conceitos de consciência e moralidade) impedir que os jovens de hoje não tenham a oportunida-de de entrar na carreira acadêmica. Deve existir em algum lugar uma mente brilhante apenas esperando a chance de brilhar.

Assim, o cientista deve assumir o papel de divulgador tão logo tenha resultados para apresentar. O conteúdo das mensagens é de extrema importância, pois mensagens vazias não vão gerar o desejo de se trabalhar pela ciência. Como foi colocado anteriormente, o cien-tista divulgador deve se preocupar em ser correto e sincero, e não ter reservas quanto a usar a linguagem mais adequada, mesmo que para isso deva se associar com profissionais especializados em divulgação.

Nossa experiência demonstra que o primeiro passo é a criação da peça de divulgação. Esta é a principal parte do trabalho, e, como tal, deve ser levada a sério. Uma vez definido o projeto, este deve ser seguido, em todas as etapas e detalhes. O site http://www.hqas-trorock.iag.usp.br (HETEM; GREGORIO-HETEM, 2012) concentra os resultados e as peças de divulgação recentemente produzidas.

O primeiro trabalho é um livro intitulado Ombros de gigan-tes: a história da astronomia em quadrinhos (Hetem; Gregorio-Hetem;

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Tenório, 2009). Esta obra conta de forma lúdica os episódios mar-cantes na vida de astrônomos, matemáticos e físicos, como Galileu, Kepler e Newton, entre outros (figura 4). O objetivo é promover o aprendizado, de forma atrativa e estimulante, de conceitos básicos da ciência entre os estudantes do ensino médio. O objetivo subja-cente é o despertar de vocações para a carreira científica e estimular o espírito crítico, que advém de uma cultura científica aprofunda-da. O livro foi produzido para o Ano Internacional da Astronomia (Edital MCT/CNPq/SECIS no 63/2008 – “Popularização da Astronomia” – Processo No 577609/2008-4), tendo sido distribuído gratuitamen-te nas escolas participantes da Olimpíada Brasileira de Astronomia (OBA). Dessa forma, graças ao projeto do CNPq, e a colaboração de colegas de várias instituições, foram produzidos 16.500 exemplares do livro para professores e público em geral, participantes dos even-tos do Ano Internacional de Astronomia.

Figura 3 – Uma das passagens do livro Ombros de gigantes (Hetem; Gregorio-Hetem; Tenório, 2009).

A ideia de promover a divulgação científica na área da quími-ca, usando a astronomia como atrativo e adotando o dinâmico for-mato das animações, foi o passo natural depois da experiência com o livro Ombros de gigantes. Com o apoio financeiro do CNPq, foi realiza-do um projeto destinado a divulgar e despertar entre os estudantes o interesse pelos conceitos básicos de química, aproveitando as come-

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morações do Ano Internacional da Química, em 2011. Para a próxima peça de divulgação, decidiu-se fazer uma série de três animações curtas com a temática mista química-astrofísica. O público-alvo são os adolescentes cuja idade (e maturidade) lhes permite avaliar sua futura carreira profissional. Foi criado um personagem adolescente (guitarrista, de cabelos longos e gênio questionador). Os enredos são escritos de forma a responder questões fundamentais, do tipo “Qual é a origem dos átomos?”, “Como as moléculas foram formadas?”, “E como vieram para a Terra?”.

O personagem é levado a entender a origem dos metais pe-sados, como o ferro. Estão presentes também aspectos emocionais, como quando o personagem se surpreende ao ficar sabendo que os elementos químicos são produzidos no interior das estrelas, desco-brindo a importância da evolução estelar na origem das espécies quí-micas. Foi tomado um especial cuidado com a coloração dos ambien-tes e músicas (figura 5). Foi ainda disponibilizado um livreto (coleção “A Química e os Astros”, volume 1, 19 páginas), que fornece detalhes aprofundados sobre os conceitos apresentados na animação, tais como: reações termonucleares, produção de energia no interior do Sol, evolução estelar etc.

Figura 4 – Abertura da animação Rockstar e a origem do metal, que trata da origem dos átomos e evolução estelar. Disponível em: <ww.hqastrorock.

iag.usp.br>. Acesso em: 15 out. 2012.

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hetem jr. | reflexões sobre o papel do bookmarking social

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capítulo 8

Inovações na comunicação entre neopacientes e profissionais

da saúde

Arquimedes Pessoni

Introdução

A realidade do relacionamento de pacientes e profissionais de saúde tem sido modificada paulatinamente nos últimos anos.

Por mais que os responsáveis pela saúde pública tentem ressuscitar a prática do médico de família, com programas de visita domiciliar, a comunicação do médico, assim como dos demais profissionais de saúde, passou a ser fortemente modificada com o surgimento de pa-cientes mais organizados e mais bem informados. A figura do pa-ciente passivo, que aguarda as informações e orientações do profis-sional de saúde detentor do saber, numa ação puramente bancária, segundo o conceito de Paulo Freire (1970, p. 65)1, começa a dar lugar a um tipo de paciente mais atento aos males de seu próprio corpo. Esse novo paciente busca informações em outras fontes e propõe um relacionamento mais direto com os responsáveis por sua saúde,

1 Paulo Freire (1970) denominava o modelo tradicional de prática pedagógica de “educação bancária”, pois entendia que ela visava à mera transmissão passiva de conteúdo do professor, assumido como aquele que supostamente tudo sabe, e o aluno, como aquele que nada sabe.

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alterando a relação vertical, de cima para baixo, para um contato horizontalmente desenhado, num perfil mais colaborativo, em que as opções de tratamento e a eventual cura de seus males são mais bem discutidas, afinal o mais interessado nestas é primeiramente o doente e, depois, o profissional que o atende.

O velho paradigma, no qual os profissionais de saúde eram vistos como os exclusivos detentores da sabedoria e do conhecimen-to, está gradualmente dando lugar a uma nova era da informação, em que a visão de mundo de pacientes, cuidadores e os sistemas de informação e relacionamento entre esses atores passam a ser vistos como muito importantes. Emerge o mundo do paciente-expert, tam-bém chamado e-patient (o neopaciente), ator que busca informações sobre saúde e doença com o auxílio da internet e, dessa forma, se mostra mais preparado para discutir com os profissionais de saúde sobre seu próprio tratamento.

Garbin et al. (2008) ressaltam que, independente do segmen-to social que mais acesse a internet ou da qualidade e veracidade da informação disponível, o paciente-expert é alguém que busca in-formações sobre diagnósticos, doenças, sintomas, medicamentos e custos de internação e tratamento. O fato de ter acesso à quantidade de informações disponíveis na internet, independente de sua veraci-dade, pode fazer com que esse paciente seja potencialmente menos disposto a acatar passivamente determinações médicas. Segundo Garbin et al. (2008), o paciente-expert é um consumidor especial de serviços e produtos de saúde, pois detém informações que devem ser, pelo menos, levadas em consideração. Para os autores:

O paciente expert não é apenas um paciente infor-mado. Ele se sente, de alguma forma, um entendido em determinado assunto. Em linhas gerais, a literatura sobre o assunto considera que ele seja fruto da melhoria do nível educacional das populações, do acesso às informa-ções técnico-científicas e da transformação da saúde em um objeto de consumo. O paciente-expert tem, portanto, condições potenciais de transformar a tradicional relação médico-paciente baseada na autoridade concentrada nas mãos do médico (GARBIN et al., 2008).

Essa busca por informações usando a internet como uma das fontes acaba o colocando em contato com outras pessoas que têm

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a mesma enfermidade. É uma prática bastante nova (e comum) para pacientes com doenças crônicas essa troca de informações via inter-net e redes sociais, reunindo-os em comunidades e áreas de interes-se comum, fora do ambiente hospitalar, para discutir tratamentos, medicações, avanços da ciência e dividir suas angústias e dores com aqueles que vivem a mesma realidade. Nesse sentido, essas comu-nidades virtuais acabam ganhando uma força, um papel social im-portante, dando aos enfermos e cuidadores um elevado índice de empoderamento diante de suas dificuldades. Como lembra Maria Luiza Mendonça (2006), “trata-se de novos sujeitos sociais, entendi-dos aqui como atores, empenhados mais em produzir do que consu-mir normas sociais e identificados com as lutas por mais liberdades e direitos” (MENDONÇA, 2006, p. 23), neste caso, a própria saúde.

O cenário da comunicação para a saúde, com a inclusão de novas tecnologias no campo informacional, ganha outros contornos a partir da chegada da internet, sobretudo na etapa da web 2.0. O termo web 2.0 foi introduzido em 2004, sendo definido por O’Reilly como um conjunto de conteúdos econômicos, sociais e tecnológicos que coletivamente formam a base para a próxima geração da inter-net, mais madura; um meio distinto, caracterizado pela participação do usuário, com abertura e efeitos de network (BELT et al., 2010). Para os autores, quando as tecnologias da web 2.0 são adotadas no cui-dado da saúde, o termo Saúde 2.0 pode ser aplicado. Outros autores usam o termo Medicina 2.0, que combina a Medicina e a Saúde 2.0.

Com os pacientes indo à rede, assumindo um novo papel no relacionamento com os profissionais de saúde que os atendem, eles deixam de lado a atitude reativa para tornarem-se proativos. Com isso, o sedimentado conceito de processo de comunicação “emissor-canal-mensagem-receptor” muda de forma substancial no novo rela-cionamento, dando ao receptor uma nova responsabilidade, privile-giando mais a mediação no processo comunicativo do que a própria produção de conteúdo do emissor supostamente qualificado.

Esse novo espaço de discussão fica ainda maior a partir do mo-mento em que os pacientes se reúnem em grupos e trocam entre si informações, tendo os cuidadores e profissionais de saúde apenas como outros tipos de atores envolvidos nesse novo desenho de re-lacionamento. A horizontalidade do discurso, comumente presente nas redes sociais e na associação de pacientes reunidos no não lugar, no ciberespaço, ganha força e proporciona sinergia entre todos os envolvidos na solução de problemas de saúde de um grupo específico.

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É interessante salientar que mais um fator positivo nessa for-ma de organização dos pacientes em redes sociais é a produção de capital social derivada dos grupos de relacionamento virtual. Matos (2009, p. 37), citando Coleman e Bourdier, acredita que o capital so-cial seja produtivo, pois permite atingir certos objetivos que não se-riam alcançados sem a sua presença, além de existir em dois tipos de estrutura, sendo uma delas as redes sociais que funcionam num espaço fechado. Também pode o capital social assumir diversos for-matos, sendo um deles as redes de comunicação nas quais trafegam as informações que facilitam a circulação das ações coletivas, como no caso dos pacientes reunidos em comunidades de interesse e aju-da. Conforme lembra Matos (2009, citando Alejandro Portes):

Para possuir capital social, um indivíduo precisa se re-lacionar com outros, e são estes – não o próprio – a ver-dadeira fonte de seus benefícios. Na prática, o “volume” de capital social seria identificado com o nível de envolvi-mento associativo, ou seja, os vínculos de pertencimento participativo em uma comunidade civicamente engajada (MATOS, 2009, p. 48).

Ferguson (2007) lembra que a visão médica do século XX não reconhecia a legitimidade e a competência do leigo e que os neopa-cientes podem ser encarados como um novo recurso renovável de in-formações, auxiliando muito na própria recuperação e ajudando os profissionais a melhorar a qualidade de seus serviços mediante colabo-ração e participação em pesquisas médicas. O autor ressalta que os pa-cientes-experts fazem pesquisas on-line para suplementar ou verificar as informações dadas pelos médicos em seus encontros presenciais, servindo como uma segunda opinião no tratamento das enfermidades.

O que o novo quadro que se desenha na área da comunicação e saúde indica é que, cada vez mais, parte-se para uma medicina com-partilhada, em que os pacientes têm outras opções de informação, além da tradicional consulta médica. O que a internet proporciona nesse novo quadro da saúde é uma grande janela de possibilidades, que vai fazer com que ambos, paciente e profissional de saúde, re-pensem seus papéis até então encenados. Não só informações cien-tíficas capazes de embasar os chamados pacientes-experts (ou e-pa-tients) estão sendo oferecidas na ponta dos dedos, mas também as redes sociais virtuais propiciam a troca de informações entre cuida-dores e pacientes que comungam a mesma enfermidade.

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Empoderamento

O termo “empoderar” (adaptado de empowerment) é reconhe-cido como um neologismo e serve para exprimir a ideia do poder, da força que os agentes vulneráveis socialmente devem exercer para ser capazes de decidir sobre suas próprias vidas. Segundo Wilma Madeira da Silva (2006), também é compreendido como a garantia dos meios e instrumentos para que os agentes vulneráveis social-mente consigam mudar fatos, costumes e normas que causam desi-gualdade de poder (SILVA, 2006, p. 118). No caso da saúde, a autora salienta que o compartilhamento do poder do médico é elemento essencial sem o qual não ocorrerá um reequilíbrio na relação e com-plementa que, para que o poder seja compartilhado, é necessário que haja, de alguma forma, de parte a parte, disposição para tal. Essa tarefa não é fácil, uma vez que quem está no poder não quer deixá-lo, ou seja, não costuma praticar o compartilhamento de poder; e quem está fora do poder, em função do compartilhamento estar baseado numa formação especializada, não se enxerga em condições ou capa-cidade de participar dele.

Quem também aborda o tema empoderamento no campo da saúde são Andrade e Vaitsman (2002). As autoras relatam que o con-ceito de empowerment tem sido examinado em diversas disciplinas e campos profissionais, recebendo larga variedade de definições e cobrindo diferentes dimensões: individual, organizacional e comuni-tária. O empowerment, como processo e resultado, é visto como emer-gindo em um processo de ação social no qual os indivíduos geram pensamento crítico em relação à realidade, favorecem a construção da capacidade social e pessoal e possibilitam a transformação de re-lações de poder. No nível individual – como exemplificamos anterior-mente com os pacientes crônicos –, refere-se à habilidade das pesso-as em ganhar conhecimento e controle sobre forças pessoais, sociais, econômicas e políticas para agir na direção da melhoria de sua situa-ção de vida. As autoras citam o caso da aids como representativo na busca de empowerment pela mobilização dos pacientes, profissionais e familiares. Do ponto de vista coletivo, Andrade e Vaitsman (2002) assim exemplificam:

No contexto dos usuários de saúde, empowerment sig-nifica os pacientes passarem a conformar uma voz na or-ganização, a adotarem postura mais ativa no tratamento,

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discutindo e fazendo perguntas ao médico, buscando in-formação, assumindo também a responsabilidade por sua própria saúde, além de serem informados sobre decisões tomadas durante o período de tratamento (ANDRADE; VAITSMAN, 2002, p. 928).

Korp (2006, p. 79) relata que a definição do termo empower-ment remete ao conceito de promoção de saúde derivado da carta de Ottawa, documento da Organização Mundial de Saúde de 1986 que replica a ideia de processo que permite às pessoas aumentar o controle sobre si para melhorar sua saúde. Segundo Korp, esse ar-gumento baseia-se na ideia de que a preocupação fundamental para a promoção da saúde é alterar as estruturas de poder na sociedade, as quais impõem limites na capacidade de indivíduos e grupos de controlar e gerenciar suas vidas de acordo com as necessidades e interesses que eles próprios definem. Isso, por sua vez, implica uma análise do conceito de poder.

A revisão de literatura sobre o tema empowerment feita pe-las autoras Andrade e Vaitsman (2002) mostra que os pacientes que têm acesso às informações, via internet, tornam-se potencialmente poderosos (ou “empoderados”), o que pode influir ou transformar a relação dos profissionais de saúde e seus pacientes.

Em termos gerais, acreditam que é fundamental que os profissionais procurem trabalhar com o paciente, ao invés de para ele, usando mais tempo para escutar, absorver e valorizar as necessidades cognitivas, sociais e emocionais de seus pacientes. O médico deve valorizar a vida do pa-ciente, e não somente o seu corpo. Assim, deve fornecer in-formações, de boa qualidade, discutir questões referentes ao diagnóstico, tratamento e resultados, respeitando os desejos do paciente em relação à tomada de decisões. Para tal, é fundamental que os próprios médicos se mantenham informados e atualizados (Andrade; VaiTsman, 2002, 929).

Ahmad et al. (2006) contam que pesquisas de médicos têm explorado o impacto da informação de saúde baseada na internet sobre as relações médico-paciente. Em um estudo nos EUA envol-vendo uma amostra nacionalmente representativa de 1.050 médicos, Murray et al. relataram que 38 profissionais acreditavam que o uso

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de informações da internet pelos pacientes tem um efeito benéfico sobre a relação médico-paciente, enquanto 54 achavam que não ha-via efeito algum. Uma minoria de médicos (8) relatou uma piora da relação devido ao fato de se sentirem “desafiados” pelos pacientes. Da mesma forma, outro estudo citou uma pesquisa on-line por Potts et al. com 800 médicos de Web-Alfabetizado e concluiu que os bene-fícios aos pacientes advindos do uso da internet superam os danos, apresentando mais problemas do que benefícios para os médicos. Tais estudos demonstram que alguns médicos experimentam dificul-dades com os pacientes-experts.

Vasconcellos-Silva et al. (2010) fazem um alerta para esse tipo de relação, salientando os riscos do ponto de vista do médico. Para os autores, neste novo formato de relação compartilhada, o médico, esvaziado de alguns valores éticos que lhe governam o ofício, assu-miria um papel estritamente técnico, de parecerista, ao abandonar seu papel de conselheiro nos pactos terapêuticos:

Parece-nos que o consumismo tem se tornado campo fértil para as crescentes tensões entre necessidades (por vezes conflitantes) de sua clientela, além de incitar às te-merárias práticas de autodiagnóstico de eficácia questio-nável (VASCONCELLOS-SILVA et al., 2010, p. 1465).

Stevenson et al. (2007), em pesquisa utilizando grupos focais com pacientes, também identificaram riscos diante da alteração do re-lacionamento médico-paciente com o advento das redes sociais virtu-ais. Para as autoras, apesar das evidências do aumento dos pacientes ativos em busca de informações e do potencial para desafiar a posição do médico, os resultados de nenhuma maneira sugerem o desejo de perturbar o equilíbrio existente de poder, ou funções, na consulta. Os pacientes parecem ver que a internet é um recurso adicional para ajudar no relacionamento com os médicos. Os médicos, entretanto, precisam não se sentir desafiados ou ofendidos quando os pacientes trazem informações médicas da internet durante a consulta. Melhor seria ambos verem isso como parte do trabalho na busca pela saúde.

Saúde em redeA internet abre um novo espaço de busca por informações

sobre doenças e saúde por parte dos pacientes. Belt et al. (2010)

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lembram que os pacientes estão usando mecanismos de busca como o Google e o Bing para encontrar informações relacionadas à saú-de. No Google, 5% de todas as buscas estão ligadas à saúde. Metade dos americanos que possuem aplicativos de atualização de notícias em seus smartphones tem um tópico de saúde entre seus preferidos. Susannah Fox (2012) relata que uma pesquisa da Pew Internet Project (2011) mostrou o quanto as pessoas estão dependentes das novas tecnologias, sobretudo as de caráter móvel, e o quanto isso impacta a vida dos indivíduos, sobretudo na saúde.

Outra descoberta dessa pesquisa do Pew Internet Project su-gere que as pessoas que têm algum mal crônico gostam de buscar informações com outras que padecem da mesma enfermidade, e, nesse quesito, a internet é um facilitador. Um em cada cinco usuários vai à rede para encontrar outros indivíduos com problemas de saúde similares ao seu. E esse percentual se eleva – um em cada quatro – entre os que têm doenças crônicas, os mais carentes de atenção e os que tiveram alguma alteração significativa em sua saúde física, por exemplo, ganho ou perda de peso, gravidez ou ter parado de fumar.

Diversos estudos têm registrado a relevância da internet no campo da comunicação e saúde, chegando a proporções que variam entre 80% dos adultos dos Estados Unidos e 66% dos europeus a con-sumir informações sobre saúde na grande rede, conforme relatam Vasconcellos-Silva et al. (2010, p. 1473). Para os pesquisadores, pro-liferam os estudos que apontam a internet como um valioso recurso ao autocuidado, provendo informações e interação entre profissio-nais, cuidadores e usuários na condição de padecimentos crônicos ou de simples interessados nas questões da saúde humana.

Como um grande consultório virtual, a internet oferece infor-mações de todo tipo e nem sempre com qualidade. Como é um espa-ço onde tudo pode ser publicado, os pacientes precisam estar aten-tos às fontes. Conforme salienta Vargas (2010), embora os usos da internet na saúde coletiva sejam ainda pouco estudados, esse tema tem emergido de forma crescente tanto entre pesquisadores interes-sados na tematização da popularização da ciência e da divulgação científica quanto entre os que dedicam sua análise à obtenção de informações, ao autocuidado em saúde e ao impacto dos meios e das mediações nas relações médico-paciente. Vargas também lembra que alguns dos autores assinalam a diversidade de repertórios e informa-ções disponíveis na internet, caracterizando-a como um espaço de popularização da ciência e de promoção da saúde. Para a pesquisa-

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dora, outras análises apontam as possibilidades do uso da rede como instrumento de ação de empoderamento, compreendidas a partir da problematização do caráter autônomo das mediações na relação do homem com o corpo e a mente (VARGAS, 2010).

Estudo realizado pela London School of Economics and Political Science, denominado Bupa Health Pulse 2010, com 12.262 pessoas entre 12 países (inclusive o Brasil), registra como e por que as pessoas procuram informação sobre saúde na rede e como lidam com profissionais de saúde com base nessas informações. Os dados apontam que 46% dos pesquisados estão procurando conhecer a ex-periência de outros pacientes e que, pelo menos, 6 em 10 pesqui-sados fazem algum uso da internet para buscar informações sobre saúde, medicamentos ou orientações médicas. A pesquisa sugere, também, que há muitos benefícios econômicos com o aumento do acesso a informações de alta qualidade on-line, o que, particularmen-te, pode ajudar a reduzir o número inapropriado de consultas aos profissionais de saúde, uma vez que os pacientes em potencial estão aptos a procurar pelos sintomas usando informações mais confiáveis. Isso acarreta num potencial empoderamento por parte de pacientes para fazer escolhas mais conscientes sobre sua saúde e cuidados, ha-bilitando-os a ajudar grupos de população que não poderiam fazer o contato face a face com profissionais de saúde (McDAID; PARK, 2010).

A internet desempenha um papel importante para as pessoas que precisam do apoio dos outros devido às aflições da sociedade. Segundo Wright e Bell (2003), grupos de apoio mediados por com-putador oferecem um fórum para as pessoas que se sentem estig-matizadas por suas condições de saúde para divulgar informações pessoais com uma sensação de segurança. Essa sensação de segu-rança é devida, em parte, ao anonimato (ou pelo menos o uso de pseudônimo) da comunicação on-line, que oferece às pessoas uma oportunidade de falar sobre seus problemas com outras pessoas que lidam com as mesmas preocupações, sem todas as complicações das relações face a face.

Esse papel do paciente pode ser expandido enormemente e facilitado pelo uso de tecnologia baseada na web em associações de doentes. O uso da internet para a saúde permite que os pacientes sejam mais bem informados e envolvidos no seu processo de cuida-dos de saúde, certificando-se de que uma utilização mais adequada dos recursos da saúde seja feita. É evidente que os pacientes ten-dem a ficar mais informados, engajados, envolvidos e no controle

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com a utilização crescente da internet. Com isso, a sociedade se move além do conceito de um e-patient como uma pessoa que é apenas informada sobre a sua saúde pela web (o paciente-expert ou neopaciente) para alguém que também está comprometido, capaz e habilitado. Isso muda o papel de profissionais e pacientes e como eles interagem uns com os outros. Os pacientes agora podem se envolver em ações individuais, dirigidas, contínuas e participativas (GUILLAMON et al., 2010).

Winzelberg et al. (2003), ao estudarem um grupo de ajuda na internet para pacientes do sexo feminino com câncer de pulmão, ve-rificaram que os membros usavam o grupo para trocar informações, providenciar ajuda social e promover empoderamento pessoal e do grupo. As participantes reportavam que o fato de estarem juntas fa-cilitava a mudança no foco de preocuparem-se apenas com a própria saúde para pensarem coletivamente. Em 2004, também tendo pacien-tes com câncer como sujeitos de pesquisa, Ziebland et al. verificaram que os pacientes usavam a internet para procurar uma segunda opi-nião, buscar ajuda e informações de experiências de outros pacientes, interpretar sintomas, procurar informações sobre testes e tratamen-tos para interpretar exames, identificar perguntas para os médicos, fazer perguntas anônimas e conhecer melhor sobre o câncer.

Esse fato também foi percebido em outro estudo (STEELE, 2011), que relatou a categorização para os usos da mídia social na área de saúde. Para o autor, as categorias versam sobre interações de pacientes com pacientes; médicos e pacientes; saúde pública e usuá-rios; pesquisadores e pacientes; e, por fim, corporações e pacientes. Na primeira, que é objeto deste capítulo, a relação entre pacientes na rede sugere que esse relacionamento oferece suporte emocional e divisão de informações entre pacientes que tenham condições de saúde parecidas, facilitando a troca de experiências e acompanhando outros tipos de tratamento.

A base de serviços oferecidos pela maioria das comunidades virtuais de saúde é um mix de suporte emocional e divisão de infor-mações gratuitas oferecidas aos usuários desses grupos. Swan (2009) acredita que algumas redes sociais de saúde podem enfatizar uma ou outra dessas áreas, como informações de pesquisa ou conexões com serviços sociais de apoio. A pesquisadora ressalta que o suporte emocional e social e o empoderamento dos pacientes são compo-nentes importantes nessas redes, que se traduzem aos pacientes in-ternautas em uma frase: “Você não está sozinho”.

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Fan et al. (2010) tentam discutir a razão pela qual as pessoas confiam em comunidades virtuais de saúde. Para as pesquisadoras, o computador conecta pessoas com as mesmas condições de saú-de, promovendo um círculo de amigos virtuais que buscam supor-te emocional e compreensão mútua que não é possível obter fora do ambiente virtual. Outra singularidade é a questão do anonimato das pessoas que têm algum sofrimento físico e que, nesses espa-ços, podem dividir suas dores e preocupações. Também, conforme salientam as pesquisadoras, há aqueles que estão descontentes com os profissionais de saúde que os atendem ou que precisam verificar informações dadas por eles com os amigos da rede social, como uma segunda opinião. Fan et al. acreditam que as pessoas geralmente se sentem mais confiantes quando pensam que os demais do grupo são parecidos com elas, o que acontece nas redes sociais virtuais, cuja ênfase se dá nas experiências pessoais dos participantes. As mensa-gens trocadas nos grupos virtuais são quase histórias de vida, que ajudam a todos que aprendem com as experiências alheias.

Tendo como base comunidades virtuais de saúde em Portugal, Moreira e Pestana (2012, p. 52) verificaram que a partilha da vivência de situações idênticas é sinônimo de solidariedade e de compreensão entre as pessoas, que nesses casos são os doentes, os seus familiares, os seus cuidadores informais e também profissionais de saúde. A par-tilha dos sentimentos, emoções, de informações sobre a medicação e os efeitos secundários dos tratamentos são fatores que contribuem para uma melhor aceitação da doença e uma diminuição dos níveis de ansiedade. Os autores acreditam que o fato de os doentes serem informados pelos seus pares sobre a sua doença, os efeitos secun-dários dos tratamentos e as alterações no seu modo de vida fazem com que estes se tornem mais participativos e questionem, com um maior conhecimento de causa, os profissionais de saúde, o que aca-ba empoderando os pacientes. Os pesquisadores identificaram que, para todos os participantes do estudo português, é consensual que essas comunidades são “geradoras de conhecimento” e “um veículo importante para a disseminação da informação e do saber”. Moreira e Pestana relatam que o estudo permitiu afirmar que as comunidades virtuais de doentes representam uma extraordinária oportunidade para o desenvolvimento da comunicação no âmbito de promover uma maior literacia (capacidade de cada indivíduo em compreender e usar a informação escrita, contida em vários materiais impressos, de modo a desenvolver seus próprios conhecimentos) em saúde e comprovam

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ser a nova era de empowerment dos doentes e de um sistema de saúde centrado nos doentes. Os pesquisadores trazem até uma ilustração do mundo real e do mundo virtual de uma comunidade que discute saú-de, descrita pelos próprios sujeitos de pesquisa portugueses (p. 53):

Fonte: Moreira e Pestana, 2012.

Gómez-Zuñiga et al. (2012) acreditam que, usando a informa-ção e tecnologias de comunicação, como sites sociais, os pacientes podem dividir seu conhecimento implícito sobre suas doenças:

Participando de comunidade e fóruns, blogando ou tuitando, estas são algumas das atividades dos então cha-mados ‘e-pacientes’, indivíduos que são equipados, aptos, empoderados e engajados em sua saúde e decisões de cui-dado sobre sua saúde” (GÓMEZ-ZUÑIGA et al., 2012, p. 1).

Considerações finais

O estudo desse novo relacionamento de emissor, destinatário, mensagem e receptor, tendo os pacientes e profissionais de saúde como atores, tem sido objeto de estudo na academia. Como o co-nhecimento é algo cuja construção é lenta, ainda há várias lacunas a serem estudadas e, consequentemente, acrescentadas ao que vem sendo pesquisado sobre o tema.

Eysenbach (2008) acredita que um novo campo de pesquisa esteja emergindo na área da comunicação e saúde, principalmente

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aos que se interessam por ferramentas colaborativas e empodera-mento de usuários. Nesse segmento há boas perspectivas para os pesquisadores. É claro que há vida além da internet e que nem to-dos os enfermos têm acesso às redes, entretanto, num cenário em que a conexão aumenta a cada dia, a força dos neopacientes tende a crescer, exigindo mais preparo dos profissionais de saúde no que-sito comunicação, que se fará além dos consultórios e dos horários fixos de consulta.

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Sobre os autores

Annibal Hetem Jr. Possui bacharelado em Física pela Universidade de São Paulo (1982), mestrado (1992) e doutorado em Astronomia pela Universidade de São Paulo (1996). É docente da Universidade Federal do [email protected]

Arquimedes PessoniJornalista, mestre e doutor em Comunicação Social e docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (PPGCOM-USCS)[email protected]

Elias Estevão GoulartPossui graduação (1981) e mestrado em Engenharia Elétrica pelo Centro Universitário da FEI (1992), doutorado em Engenharia Elétrica pela Universidade de São Paulo (1998) e pós-doutorado pela University of British Columbia do Canadá (2012). É docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (PPGCOM-USCS) e da graduação do Centro Universitário Fundação Santo André[email protected]

Gino Giacomini Filho

Possui graduação em Publicidade e Propaganda pela Universidade de São Paulo (1979), mestrado em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (1986), doutorado (1989) e livre-docência (1995) em Publicidade e Propaganda pela Universidade de São Paulo. É professor nos cursos de graduação em Comunicação e do Programa

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| sobre os autores

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de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (PPGCOM-USCS). É docente da graduação na Universidade de São [email protected]

Monica Martinez

Possui pós-doutorado em Narrativas Digitais pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Faculdade de Comunicação da Universidade Metodista de São Paulo (2009), doutorado em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (2002), mestrado em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (1994) e graduação em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo (1987). É docente do Programa de Mestrado em Comunicação e Cultura da [email protected]

Mônica Pegurer Caprino

Doutora em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo, é graduada em Jornalismo e em Letras pela Universidade de São Paulo, além de Magister en Comunicación y Educación pela Universitat Autònoma de Barcelona. É docente colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (PPGCOM-USCS)[email protected]

Priscila Ferreira Perazzo

Mestre (1997) e doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (2002), é docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (PPGCOM-USCS). É coordenadora do Laboratório Hipermídias da USCS e do Núcleo Memórias do ABC/[email protected]

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neorreceptor no fluxo da comunicação

Roberto Gondo Macedo

Pós-doutorando em Comunicação pela Universidade de São Paulo, doutor em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo, mestre em Administração e Regionalidade pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul. É docente dos cursos de pós-graduação lato sensu da Universidade Metodista de São Paulo e da Universidade Presbiteriana Mackenzie e de graduação na FAMA e no [email protected]

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