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1 NO TRAJETO DAS ÁGUAS, SOBRE OS SULCOS DOS RIOS. O PROTAGONISMO FEMININO NA GRAVURA CONTEMPORÂNEA AFROAMAZÔNICA 1 Glauce Patrícia da Silva Santos (PPGARTES-UFPA/Brasil) Resumo Em meio a tantos trajetos fluviais, rios, igarapés, travessias de baías, encontros de águas, nasceu o projeto “No trajeto das águas, sobre os sulcos dos rios”, que propõe reflexão sobre a produção visual da região norte, em especial o trabalho da artista plástica Glauce Santos, a qual tem estreita ligação com os rios, já que morou em cidades ribeirinhas no arquipélago de Marajó, no Estado do Pará. A artista apresenta impressões de um itinerário percorrido sobre as águas, trajetos que se estendem até uma outra margem, do rio até o oceano, no encontro das águas doces e salgadas. Nos proporciona a vivência com a temática da água, na atualidade considerado “o bem mais precioso da humanidade”, e para quem não vive de fato essa realidade, não imagina a importância e a força que vem das águas, o que significa em termos culturais, religiosos, estéticos e ambientais. “Força feminina”, que é representada por nossa ancestralidade africana, a pesquisa em arte, faz uma homenagem aos orixás africanos das águas, os quais são: Oxun, Yemonja, e Aje Shalunga, divindades estas cultuadas no Brasil, em religiões de matriz africana, e que de alguma forma guiaram todo o percurso desta instalação artística. É um trabalho que aborda a religiosidade afro-brasileira, através de uma visão artística delicada, feminina, e contemporânea, em forma de instalação, utilizando objetos que representam as divindades das águas, xilogravuras, sonoridade (sons de maré), um vídeo-arte com poesia e imagens das águas, captadas pela artista em pesquisa de campo, em suas diversas viagens de barco, enfrentando maresias nos encontros do rio com o oceano, lagos, lama, enchentes, vazantes, marés altas, e pororocas. Palavras-chave: Trajeto. Águas. Encontro. Divindades. 1 Trabalho apresentado no III Encontro de Antropologia Visual da América Amazônica, realizado entre os dias 19 e 21 de setembro de 2018, Belém/PA.

NO TRAJETO DAS ÁGUAS, SOBRE OS SULCOS DOS RIOS. O ... · diferentes águas, doces e salgadas, os quais são: Oxun, Yemonja, Ajé Shalungá, Olokun e Nanã, elas são protagonistas

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NO TRAJETO DAS ÁGUAS, SOBRE OS SULCOS DOS RIOS. O

PROTAGONISMO FEMININO NA GRAVURA CONTEMPORÂNEA

AFROAMAZÔNICA1

Glauce Patrícia da Silva Santos (PPGARTES-UFPA/Brasil)

Resumo

Em meio a tantos trajetos fluviais, rios, igarapés, travessias de baías, encontros de águas,

nasceu o projeto “No trajeto das águas, sobre os sulcos dos rios”, que propõe reflexão

sobre a produção visual da região norte, em especial o trabalho da artista plástica Glauce

Santos, a qual tem estreita ligação com os rios, já que morou em cidades ribeirinhas no

arquipélago de Marajó, no Estado do Pará. A artista apresenta impressões de um itinerário

percorrido sobre as águas, trajetos que se estendem até uma outra margem, do rio até o

oceano, no encontro das águas doces e salgadas. Nos proporciona a vivência com a

temática da água, na atualidade considerado “o bem mais precioso da humanidade”, e

para quem não vive de fato essa realidade, não imagina a importância e a força que vem

das águas, o que significa em termos culturais, religiosos, estéticos e ambientais. “Força

feminina”, que é representada por nossa ancestralidade africana, a pesquisa em arte, faz

uma homenagem aos orixás africanos das águas, os quais são: Oxun, Yemonja, e Aje

Shalunga, divindades estas cultuadas no Brasil, em religiões de matriz africana, e que de

alguma forma guiaram todo o percurso desta instalação artística. É um trabalho que

aborda a religiosidade afro-brasileira, através de uma visão artística delicada, feminina, e

contemporânea, em forma de instalação, utilizando objetos que representam as divindades

das águas, xilogravuras, sonoridade (sons de maré), um vídeo-arte com poesia e imagens

das águas, captadas pela artista em pesquisa de campo, em suas diversas viagens de barco,

enfrentando maresias nos encontros do rio com o oceano, lagos, lama, enchentes,

vazantes, marés altas, e pororocas.

Palavras-chave: Trajeto. Águas. Encontro. Divindades.

1 Trabalho apresentado no III Encontro de Antropologia Visual da América Amazônica, realizado entre os dias 19 e 21 de setembro de 2018, Belém/PA.

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1.Sigo no trajeto das águas

Através da observação, a natureza sempre me atraiu, as viagens de barco, o rosto

do nosso povo afro-amazônico, as memórias de infância, as visitas ao terreiro de umbanda

ainda criança, para tratamento espiritual, a imagem de uma Iemanjá que ficou guardada

na mente por vários anos, e principalmente o elemento água, e o feminino que nele habita,

a cidade de Belém e a paisagem dos rios, universo ao qual estamos inseridos desde

pequenos e ao nos locomover de barco, aprendemos a lidar com o tempo das marés,

respeitando e observando o movimento natural de enchente e vazante das águas que nos

cercam.

O protagonismo feminino na gravura amazônica, se dá através de um processo muitas

vezes solitário, trazendo junto o diálogo da produção artística com o meio em que

vivemos, com a natureza, sua sonoridade, seu tempo, pois a vivência com a temática da

água, na atualidade considerado “o bem mais precioso da humanidade”, nos faz repensar

a vida nos rios, a importância e a força que vem das águas, o que representa de fato em

termos culturais, artísticos, religiosos e ambientais.

Falo de uma gravura feminina, de minhas gravuras, de meus processos criativos, de uma

visão artística delicada e contemporânea, que perpassa por uma instalação denominada

“no trajeto das águas, sobre o sulco dos rios”, nos mostra memórias do feminino através

de imagens das águas, de objetos, sons, xilogravuras em grande escala, e linóleo-gravuras

em pequenos formatos, palavras escritas em um diário, vídeo com imagens das águas,

captadas em diversas viagens de barco, vivenciada nas maresias proporcionadas pelos

encontros do rio com o oceano, na calmaria dos lagos, na lama, na observação das

enchentes e vazantes, marés altas, pororocas e tudo o que a natureza nos oferece, trajetos,

processos, memórias, e descobertas de uma artista.

2.Belém do Pará, região insular

A bacia hidrográfica do Estado do Pará abrange uma área de 1.253.164 km², sendo

1.049.903 km² é pertencente à bacia Amazônica, e 169.003 km² pertencentes à bacia do

Tocantins. Formada por mais de 25 mil quilômetros de rios, como o Amazonas que corta

o estado no sentido oeste/leste e deságua num grande delta marajoara, ou rios Tocantins

e Guamá que formam bacias independentes. Estão também no Pará alguns dos mais

importantes afluentes do Amazonas como o Tapajós, Xingu e Curuá pela margem direita,

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Trombetas, Nhamundá, Maicuru e Jari pela margem esquerda. Os rios principais são: rio

Amazonas, rio Tapajós, rio Tocantins, rio Xingu, rio Jari e rio Pará. Esta rede hidrográfica

garante duas vantagens importantes, as quais são: facilidade de navegação fluvial, e

potencial hidroenergético. O rio Pará é situado no estado brasileiro homônimo, ao canal

sul do rio Amazonas (na região de seu delta) que o liga ao rio Tocantins, este é o limite

natural sul da ilha de Marajó. Considera-se que o rio Pará é o braço do rio Amazonas que

corre ao sul da ilha de Marajó, recebendo as águas do Tocantins, a continuação do rio

Amazonas seria apenas o canal norte, que corre a oeste da ilha, banhando a cidade de

Macapá.

Belém do Pará, é a principal capital da região norte, é quase uma ilha, foi

construída de costas para o rio, é região insular, formada por 42 ilhas, e uma altitude de

dez metros ao nível médio do mar, sob um clima quente e úmido, com temperatura média

de 30ºC. A hidrografia é rica, com furos, igarapés, rios e baías, tanto em sua parte

continental quanto na insular. Existem a Baía do Guajará, baía do Marajó, baía de Santo

Antônio, baía do sol, rio Guamá, rio Murubira, rio Mari-Mari, igarapé do Tucunduba são

alguns dos recursos que compõem a península.

Em meio a tantas baías, rios, igarapés, marés, floresta amazônica, trajetos fluviais

e urbanos, nasce o projeto “No trajeto das águas, sobre os sulcos dos rios”, que propõe

reflexões sobre a produção visual da região norte, em especial o trabalho que faço

enquanto artista-pesquisadora de poéticas e processos de atuação em artes2. Pesquisa que

surgiu após ter retornado de um longo período em que morei no Marajó, onde estive em

contato com os rios, vilas, e cidades ribeirinhas da região insular do Estado do Pará.

Mergulhando nas águas da memória para sentir, pensar, vislumbrar, escrever,

desenhar, gravar, fotografar, filmar, e refletir sobre a paisagem. “Debater sobre suas

presenças ausentes, captar os usos e sentidos” (SARRAF-PACHECO, 2015). Percorrer

lugares onde flutuam inquietações sociais e culturais típicas da atual realidade local,

apresentando impressões que oferecem uma vista panorâmica sobre um itinerário

percorrido sobre as águas, trajetos que se estendem até uma outra margem. Criando

circunstancias favoráveis ao diálogo da produção artística com o meio, mostrando uma

instalação de objetos, gravuras, matrizes de xilos, vídeo, poema, e o processo da pesquisa,

2 Linha de pesquisa 1- Poéticas e Processos de Atuação em Artes, do Mestrado Acadêmico em Artes da Universidade Federal do Pará-PPGARTES-UFPA.

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onde os estudos e análises são guiados pelo desdobramento do trabalho realizado em

ateliê.

A pesquisa também nos proporciona a vivência com a temática da água, na

atualidade considerado “o bem mais precioso da humanidade”, nos faz repensar a vida

nos rios, e o que é jogado nele, e o que nós cidadãos brasileiros e amazônicos estamos

fazendo com a grande quantidade de água doce que temos. “Paisagem cultural, processo

criativo, fazer e cotidianidade estão intertecidos e interferem diretamente no fazer

artístico dessas mulheres” (SARRAF-PACHECO e ROSE-JARDIM, 2015). E para quem

não vive de fato essa realidade, não imagina a importância e a força que vem das águas,

a representação em termos culturais, artísticos, religiosos e ambientais, a vivência artística

ao alcance do olhar das pessoas sobre seu espaço, rios, e a diversidade de saberes que

circulam nestes locais.

2.Memórias de infância e Pertencimento

Jan Assmann sintetiza as principais contribuições dele e de Aleida Assmann, ao

desmembrarem o conceito de “memória coletiva” de Maurice Halbwachs, em memória

cultural e memória comunicativa, dois modos diferentes de lembrar, abrangendo a longa

memória cultural, sendo tema de muitos de seus estudos sobre religião.

Memória é conhecimento dotado de um index de

identidade, é conhecimento sobre si, quer dizer, é a

identidade diacrônica própria de alguém, seja como

indivíduo ou como membro de uma família, uma geração,

uma comunidade, uma nação ou uma tradição cultural e

religiosa (ASSMANN, 2008).

O universo das águas retratado nas obras, que gira em torno do “protagonismo

feminino”, que se dá tanto no fato de uma mulher estar produzindo gravuras, quanto no

tema motivador da pesquisa estar ligado a mulheres-divindades, ao sagrado. Trata-se de

uma homenagem que fiz aos orixás das águas, divindades africanas que habitam as

diferentes águas, doces e salgadas, os quais são: Oxun, Yemonja, Ajé Shalungá, Olokun

e Nanã, elas são protagonistas e estão representadas através das obras, as forças da

natureza, a ancestralidade que move essa pesquisa em arte.

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Para entender melhor esse processo, durante a infância frequentei um terreiro de

umbanda para tratamento espiritual, devido a perturbações durante o sono, um tratamento

que foi obtendo resultado. Este terreiro ficava ao lado da minha casa, localizada no bairro

do Marco, em Belém, era um terreiro familiar, composto por membros da própria família

da esposa e do marido, e com poucas pessoas de fora do eixo familiar, e todos juntos

formam a família de santo.

Devido as constantes visitas da polícia, alvo de intolerância religiosa por parte de

vizinhos e moradores da rua, que denunciavam o “barulho” que vinha do som dos

tambores nas noites de batuque, a casa onde funcionava o terreiro foi vendida e mudaram-

se para o município de Santa Bárbara, distante uma hora e trinta minutos de Belém.

Lembro-me de ainda na infância ter ido uma só vez na nova casa, ficava em uma área de

muitas árvores, um sítio com um igarapé que atravessava os fundos do terreno, com uma

casa de madeira, muito aconchegante, a parte do terreiro ficava uns metros atrás, estava

pronta, tinham construído um barracão, e os preparativos para a inauguração do novo

terreiro estavam sendo feitos.

Essa foi a última vez que fui lá, eu tinha 10 anos, meus pais se separaram, eu e

meu irmão ficamos morando por um longo tempo com minha avó paterna, e perdemos o

contato com a família do terreiro.

Muitos anos depois, já adulta e artista, minha arte começa a refletir as minhas

vivências, minhas memórias, minhas viagens de barco, e já não consigo esconder a minha

religiosidade, e isso começa a ficar evidente nas obras que estava produzindo,

principalmente no processo artístico que estava desenvolvendo. Atualmente, já fazendo

parte como abiã3 e suspensa4 para Ekedi, de uma casa de axé do candomblé da nação Jeje

3 Aquela pessoa que se interessou pelo culto afro-brasileiro, mas que ainda não cumpriu os rituais de iniciação. Não participa de rituais internos, só das festas públicas. Nesse período terá oportunidade de conhecer as pessoas e o funcionamento da casa, se não gostar de algo, poderá sair e procurar outra casa que seja do seu agrado e confiança. Ao abiã, é permitido ajudar em quase todos os serviços da casa, sempre orientado por um mais velho que diga o que pode ou não fazer, essa fase é muito importante para se aprender ver e ouvindo, observar e saber ouvir é a melhor maneira de se aprender. Quando um mais velho se dispor a falar e contar, é recomendado se abaixar e prestar a atenção. 4 Quando uma mulher é suspensa como Ekedi, foi porque o orixá da casa escolheu, viu que aquela pessoa tem o cargo e quer que ela faça parte de seu axé. Uma mulher não ocupa esse cargo porque deseja apenas, traz consigo desde seu nascimento. Ekedi é antes de tudo mãe, e como tal deve ser respeitada. Ekedi é traduzida como mãe que o orixá escolheu.

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Savalu em Ananindeua-PA, participei do II Encontro Jeje Savalu realizado nos dias 03,

04 e 05 de novembro de 2017, no município de Santa Bárbara-PA.

Durante o evento, reencontrei a família do terreiro de umbanda que frequentei na

infância, agora já sendo um terreiro de candomblé, no mesmo lugar, as mesmas árvores,

o igarapé, a antiga imagem da senhora Iemanjá, e também as imagens dos caboclos, índios

e encantados que foram mantidos e cultuados até hoje, as crianças, meus amigos de

infância hoje são os membros e zeladores da casa de santo.

Me deparei com um universo de lembranças, marcado por percepções, emoções,

de certezas e sentimento de pertencimento. ASSMANN afirma que a “memória cultural

é uma forma de memória coletiva, no sentido de que é compartilhada por um conjunto de

pessoas, e de que transmite a essas pessoas uma identidade coletiva, isto é, cultural”,

sendo assim, uma pessoa precisa lembrar para ter pertencimento.

3.Processo Artístico: No trajeto das águas, sobre o sulco dos rios.

As divindades africanas homenageadas no processo artístico “no trajeto das águas,

sobre o sulco dos rios”, são os orixás: Oxun, Yemonjá, Aje Shalunga, e na sequência

como complementação e por considerar necessário, incluí também ao processo artístico,

mais dois orixás, um ligado às águas dos mares, e o outro aos mangues, onde a acontecem

encontro da água de rio com o mar, sob a ação diária das águas das marés salgada ou

salobra são: Olokun e Nanã.

Na mitologia yoruba, Oxun em yoruba Osun, é a deusa do rio Oxun que fica no

continente africano, na Nigéria, representa sabedoria e o poder feminino, reina sobre a

água doce, rainha das cachoeiras, é a deusa da beleza, do amor, muito ligada à riqueza, é

representada como uma deusa cercada de ouro, espelhos, é a responsável pela criança

ainda no ventre da mãe. Cultuada nos terreiros de Umbanda, Mina, e Candomblé, É a

segunda esposa de Xangô, dona do jogo de búzios.

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Fotos: 01 e 02-Oxun-instalação artística na sala Gratuliano Bibas-Museu Casa da 11 Janelas, Belém, 2015.

Amarelo dourado representando o ouro. Fotos de Glauce Santos.

Iemanjá em yoruba Yemonjá, divindade feminina, é filha de Olokun, cultuada no

Brasil nos terreiros de Umbanda, Mina e Candomblé, a mãe cujos filhos são peixes, mãe

das águas dos povos Iorubanos no Daomé-África. Conhecida como Dandalunda, Inaé,

Janaína, rainha do mar, sereia, padroeira dos pescadores, é ela quem decide o destino de

quem entra no mar.

Fotos: 03 e 04-Iemanjá-instalação artística na sala Gratuliano Bibas-Museu Casa da 11 Janelas, Belém,

2015. Azul claro representando a cor do mar. Fotos de Glauce Santos.

Ajé Shalungá, irmã mais nova de Yemonjá, também filha de Olokun, representa

a riqueza, a prosperidade, a abundância, boa sorte, saúde, longevidade, sucesso, seu culto

é restrito no Brasil, e na África é fortemente cultuada nos mercados, padroeira de todas

as transações comerciais. Divindade muito importante para o povo Yorubá, simboliza o

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poder de ganhar e obter dinheiro, de viver uma vida com menos dificuldades, com

prosperidade extensiva a toda a família. Cultuada tanto na África quanto no Brasil.

Fotos: 05 e 06-Ajé Shalungá-instalação artística na sala Gratuliano Bibas-Museu Casa da 11 Janelas,

Belém, 2015. Azul escuro apenas para diferenciar da irmã Iemanjá. Fotos de Glauce Santos.

Olokun, no Benin é considerado do sexo masculino, e em Ifé (Nigéria) é do sexo

feminino, é andrógino, é pai e mãe, divindade do mar, é dono dos oceanos, senhor dos

mares, metade homem-metade peixe, compulsivo, misterioso e violento, tem a

capacidade de transformar, na natureza é simbolizado pelo mar profundo, representa os

segredos.

Fotos: 07 e 08-Olokun-instalação artística na sala Gratuliano Bibas-Museu Casa da 11 Janelas, Belém,

2015. O branco representa a espuma das ondas do mar. Fotos de Glauce Santos.

Nanã, orixá das chuvas e da garoa, o banho de chuva é uma lavagem do corpo,

reina nos mangues, no pântano, na lama, senhora da morte, e responsável pelos portais de

entrada e saída, pelo elemento barro, que deu forma ao primeiro homem e todos os seres

viventes da terra, da continuação da existência humana e também da morte. Nanã faz o

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caminho inverso da mãe da água doce, é ela quem reconduz ao terreno astral, as almas

que Oxun colocou no mundo real. É a deusa do reino da morte, a senhora do reino da

morte é como elemento, a terra fofa, que recebe os cadáveres, os acalenta e esquenta,

numa repetição do ventre, da vida intrauterina, e por isso cercada de muitos mistérios no

culto.

Fotos: 09 e 10-Nanã-instalação artística na sala Gratuliano Bibas-Museu Casa da 11 Janelas, Belém, 2015.

Cor lilás representada no Brasil. Fotos de Glauce Santos.

A pesquisa acontece com a seleção do acervo de imagens (fotos, vídeos), captados

durante o período das viagens de barco pelo arquipélago do Marajó. Depois são

observados os procedimentos técnicos, específicos das técnicas de gravura que foram

utilizadas no processo, como se deu a gravação, ferramentas utilizadas, o manuseio, e

impressão das matrizes no papel.

Durante o processo, foram editadas as imagens para o vídeo-arte, com as palavras,

anotações, poesias feitas nesse processo, gravação de som das marés, imagens e som,

movimentos sonoros e visuais que a água faz, os quais foram utilizados no vídeo e

apresentado na exposição “No trajeto das águas, sobre o sulco dos rios”, na galeria de arte

Gratuliano Bibas, localizada no Museu-espaço cultural Casa das Onze Janelas, em Belém

no ano de 2015, como resultado de um prêmio-bolsa de pesquisa em arte, financiado pelo

Instituto de Artes do Pará, através da Fundação Cultural do Estado do Pará, e a partir daí

teve vários desdobramentos em outros espaços de arte em Belém e Rio de Janeiro, nos

anos de 2016 e 2017.

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A pesquisa com os processos de gravação das matrizes de gravura é realizada no

ateliê Obatalá Nilá5, os procedimentos técnicos, específicos das técnicas de gravura que

foram utilizadas no processo são: Xilogravura (gravura em madeira), linóleo-gravura,

utilizando os formões e goivas (ferramentas de gravar) para fazer as gravações dos

desenhos vislumbrados no papel, através de desenhos. Através de incisões e cortes feitos

tanto na madeira quanto no linóleo, as imagens vão surgindo, após a gravação, inicia-se

o processo de impressão da matriz gravada (madeira ou linóleo). Esse processo consiste

na entintagem da matriz, com tinta gráfica e papel apropriado para cada técnica, a

impressão pode ser feita manualmente com uma colher de madeira ou na prensa de

impressão.

Fotos: 11, 12 e 13. Artista: Glauce Santos. Série de Linóleo-gravuras impressas no papel. Título: As águas.

Ano: 2016-2017. Fotos das gravuras: Jean Ribeiro.

As linóleos-gravuras foram impressas no papel com tinta gráfica preta, processo

que permite ver o resultado da gravação na matriz, existem vária tonalidades de cinza e

preto na gravura, de acordo com a gravação, os claro e escuro, ou luz e sombra do desenho

ou imagem gravada. Particularmente gosto muito do resultado em tons de preto aveludado

que a gravação no linóleo permite enquanto resultado.

5 Ateliê de gravura, fundado pela artista Glauce Santos juntamente com o artista e sócio Jean ribeiro. Coletivo com 16 anos de existência, desenvolve cursos e oficinas de xilogravura, gravura em metal, linóleo-gravura, estamparia em tecido com carimbos de madeira com aplicabilidade em moda afro, recebe alunos e alunas para estágio de gravura, realiza atividades de curadoria, textos de processos artísticos de artistas, e projetos afros na área cultural de Belém.

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Foto: 14. Artista: Glauce Santos. Série de Xilogravuras impressas no papel oriental (conhecido como papel

de arroz) Título: Água de rio. Ano: 2015. Foto: Jean Ribeiro.

A xilogravura é uma técnica que nos proporciona resultados incríveis, você nunca

sabe como será o resultado da estampa impressa no papel, o artista trabalha com a

imaginação, faz um desenho na matriz de madeira, grava esse desenho, e só vai saber

como será a xilogravura, quando a imagem for impressa, trabalha-se vislumbrando a

estampa. Geralmente nos surpreendemos e gostamos da imagem final, a xilogravura

sempre nos mostra algo diferente, é sempre um aprendizado novo, uma jamais é igual a

outra, o traço pode ser o mesmo, mas as texturas adquiridas nas áreas gravadas são

diferentes. É como se você estivesse gravando no escuro, só que não está escuro, e o

momento de enxergar é quando terminamos de imprimir, e você tira o papel e a imagem

está impressa nele. Algo extremamente de entrega entre uma artista-gravadora e a matriz

gravada.

4. Considerações de um trajeto percorrido sobre as águas

Os processos de gravação vividos nessa pesquisa, mostram os desdobramentos

dessa relação da mulher com a gravura, de pensar a imagem a ser gravada, e de vivenciar

as técnicas, e o manuseio com as ferramentas, com a matriz, e com a impressão. No meu

caso é também uma relação com a natureza, principalmente com o elemento água, com

as divindades das águas, as quais são homenageadas, a quem dediquei essa pesquisa, é a

minha forma de agradecer por tudo que sou, pela intuição, percepção, insights, e também

por estar viva, após muitos trajetos perigosos percorridos nos rios e nos encontros com o

oceano, nas idas e vindas turbulentas dentro das embarcações. Momentos onde eu me

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sentia como um marinheiro que vai para o mar, a trabalho, percorrendo outras cidades,

em busca do sustento, conhecendo pessoas, lugares, paisagens, e quantas vezes em meio

ao desespero das pessoas diante das maresias fortes nos encontros das águas doce e

salgada, quase quebrando o barco, eu pedia proteção para as senhoras das águas.

Fotos: 15 e 16. Frames do vídeo-arte-instalação artística projetado na sala Gratuliano Bibas-Museu Casa

da 11 Janelas, Belém, ano: 2015. Versos/Fotos/Filmagem: Glauce Santos e Jean Ribeiro. Edição: Evna

Moura.

Sigo no trajeto das águas,

Sobre o sulco dos rios,

Remando até uma outra margem,

Navegando por entre rios e mar,

Ao encontro das águas.

Glauce Santos

Foto: 17. Artista: Glauce Santos. Série: Barcos do Marajó

Técnica: Xilogravura. Ano: 2011. Foto de Glauce Santos.

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