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A título de resposta: verdade, conhecimento e o credo de Rumsfeld 1 Em 12 de fevereiro de 2003, o Secretário de Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld, deu voz a alguns distintos pensamentos filosóficos durante uma con- ferência para a imprensa sobre problemas relacionados ao plano de ‘libertação’, ‘ocupação’ ou ‘invasão’ do Iraque, a escolha do termo dependendo muito da visão particular que se tenha da questão. 1 Mais especificamente, a questão era se a guerra poderia ser justificada ou não com as razões anteriormente alegadas pelos seus protagonistas americano e britânico, ou seja, o tão propalado desen- volvimento de ‘armas de destruição em massa’ pelo Iraque. Na época em que ocorreu essa conferência, havia sinais de que a administração dos EUA estava prevendo certos problemas a esse respeito e preparando uma série de argumen- tos alternativos a serem apresentadas como justificativa. No entanto, o pro- nunciamento de Rumsfeld conseguiu manter as aparências ao mesmo tempo em que deixava espaço suficiente para voltar atrás, caso a invasão fosse levada adiante, a investigação fosse concluída e as tais armas não se materializassem. Assim foi que – em resposta a essa situação embaraçosa e desafiante – Rumsfeld propôs sua concisa ruminação sobre a verdade, o conhecimento e os seus limites. “Relatos que dizem que alguma coisa não aconteceu são sempre interessantes para mim, porque, como nós sabemos, existem conhe- cidos* que são conhecidos; existem coisas que nós sabemos que sabemos. Também sabemos que existem conhecidos que são desconhecidos; ou seja, sabemos que existem coisas que não sabemos; mas existem também desco- * N. de T. Em inglês known knowns. Ou seja, fatos, proposições, etc. conhecidos.

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A título de resposta:verdade, conhecimentoe o credo de Rumsfeld

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Em 12 de fevereiro de 2003, o Secretário de Defesa dos EUA, DonaldRumsfeld, deu voz a alguns distintos pensamentos filosóficos durante uma con-ferência para a imprensa sobre problemas relacionados ao plano de ‘libertação’,‘ocupação’ ou ‘invasão’ do Iraque, a escolha do termo dependendo muito davisão particular que se tenha da questão.1 Mais especificamente, a questão erase a guerra poderia ser justificada ou não com as razões anteriormente alegadaspelos seus protagonistas americano e britânico, ou seja, o tão propalado desen-volvimento de ‘armas de destruição em massa’ pelo Iraque. Na época em queocorreu essa conferência, havia sinais de que a administração dos EUA estavaprevendo certos problemas a esse respeito e preparando uma série de argumen-tos alternativos a serem apresentadas como justificativa. No entanto, o pro-nunciamento de Rumsfeld conseguiu manter as aparências ao mesmo tempo emque deixava espaço suficiente para voltar atrás, caso a invasão fosse levada adiante,a investigação fosse concluída e as tais armas não se materializassem.

Assim foi que – em resposta a essa situação embaraçosa e desafiante –Rumsfeld propôs sua concisa ruminação sobre a verdade, o conhecimento eos seus limites. “Relatos que dizem que alguma coisa não aconteceu sãosempre interessantes para mim, porque, como nós sabemos, existem conhe-cidos* que são conhecidos; existem coisas que nós sabemos que sabemos.Também sabemos que existem conhecidos que são desconhecidos; ou seja,sabemos que existem coisas que não sabemos; mas existem também desco-

* N. de T. Em inglês known knowns. Ou seja, fatos, proposições, etc. conhecidos.

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nhecidos que são desconhecidos – aquilo que nós não sabemos que não sabe-mos.” Essa declaração délfica foi amplamente debatida na época, mesmo entreos assinantes dos diversos sites filosoficamente orientados da Internet, osquais novamente tenderam a se dividir em diferentes posições politicamentemotivadas. Várias razões contribuíram para que o debate ficasse altamentecarregado, entre as quais o fato de Rumsfeld ser bem conhecido pelo hábitocomplacente de fazer declarações despretensiosas, embora tortuosas, sobrequalquer tema que despertasse a sua fantasia. Além disso, sua declaraçãonessa ocasião havia ganhado o primeiro prêmio no Foot in Mouth*, competi-ção de linguagem empolada – ou seja, de linguagem pomposa, porém confu-sa e obscura – promovida pela Society for Plain English** (britânica).2 Esseprêmio provocou a ira de comentaristas pró-guerra tais como um escritor doDaily Telegraph (britânico), que publicou sua coluna sob o título “RumsfeldTalks Sense, not Gobbledegook”*** e fustigou os juízes da competição portentarem impingir opiniões politicamente tendenciosas sob o disfarce de umasimples preocupação com os padrões corretos do discurso racional-comuni-cativo.3

Houve então toda espécie de interesses envolvidos na discussão sobrese Rumsfeld estava de fato troando em seu modo usual e lingüisticamentepolêmico, ou convertendo os problemas políticos em pretexto para enunciaralgumas verdades filosóficas básicas que precisavam ser urgentemente afir-madas, independentemente das diferenças de ponto de vista. Não pretendocomeçar aqui um novo debate (embora a tentação seja quase irresistível)sobre quais dessas hipóteses estavam mais perto da verdade. Tampouco pre-tendo desenvolver a questão relativa às armas de destruição em massa, cujasingular impalpabilidade – data do escrito: 23 de dezembro de 2004 –, ape-sar de EUA e Inglaterra alegarem ter obtido provas de sua existência median-te uma série de detalhados relatórios da inteligência, fornece, para dizer omínimo, alguma razão para o ceticismo a esse respeito. (Daí a sugestão deum cínico para o qual as iniciais ‘WMD’ seriam mais adequadamente inter-pretadas como estando por “‘Words of Mass Deception”.****) Em vez disso,minha opinião é que as observações de Rumsfeld, deliberadamente ou não,nos conduzem diretamente a alguns problemas centrais do debate epistemo-

*N. de T. A expressão idiomática puts ones foot in one’s mouth significa cometer uma gafe, dizer acoisa errada, dizer o que não se deve.

**N. de T. Literalmente, Sociedade para o Claro e Bom Inglês.

***N. de T. Tradução livre: “Rumsfeld fala com sentido e sem empolação”.

****N. de T. Trocadilho envolvendo weapons of mass destruction (armas de destruição em massa) ewords of mass deception (palavras de decepção/engano em massa).

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lógico. Servem também para enfatizar que essas questões não constituem odomínio exclusivo dos filósofos que têm um interesse especializado (comfreqüência, altamente técnicos) em diversos debates sobre verdade, conheci-mento e crença. Assim, como a pequena homilia de Rumsfeld deixa claro,essas são questões que muitas vezes podem ter uma estreita relação com aconduta, não somente aquela relativa a nossa vida intelectual como estudan-tes de filosofia, mas, também, a de nossas vidas moral e política como pessoascujo juízo ponderado sobre questões como a suposta justificação para a inva-são do Iraque deve sempre envolver a tentativa de distinguir a verdade dafalsidade, ou o conhecimento da ignorância.

Portanto, a primeira proposição de Rumsfeld – segundo a qual existem‘conhecidos que são conhecidos’, ou ‘coisas que nós sabemos que sabemos’ –é uma declaração de que a maior parte das pessoas provavelmente aceitaria,muito embora algumas delas (especialmente os filósofos) desejassem fazeruma ou duas ressalvas. Afinal de contas, a história da ciência apresenta inúme-ros exemplos de crenças que, em tempos passados, gozaram de amplo créditoentre aqueles que eram considerados os mais aptos a julgar, e que, no entanto,posteriormente se revelaram falsas, ou, em todo caso, tiveram somente umdomínio limitado (por exemplo, espaço-temporalmente restrito) de aplica-ções. Além disso, esse caráter transitório não atinge apenas as crenças empíricas,ou seja, crenças baseadas na observação e que estão sempre sujeitas à refuta-ção (igualmente empírica) futura, mas, também, supostamente, as verdades apriori – como as verdades da geometria euclidiana segundo a maioria dos filó-sofos até (e incluindo) Kant – as quais foram concebidas de modo a obter umaespécie de conjunção entre necessidade intuitiva e necessidade lógica comple-tamente independente de qualquer suposta evidência a favor ou contra. Taisforam outrora os ‘conhecidos que eram conhecidos’ ou ‘as coisas que nós sabía-mos que sabíamos’, mas que, posteriormente, provaram-se tanto falsas quan-to verdadeiras somente em relação a um certo quadro conceitual de referênci-as (por exemplo, o euclidiano). Ou seja, surgiram outras geometrias, que di-vergiram da de Euclides com respeito a um axioma fundamental – posto demaneira simples, o axioma que afirma a impossibilidade de linhas paralelas seencontrarem ou divergirem em algum ponto de sua trajetória infinita –, o que,no entanto, revelou-se pela primeira vez logicamente concebível, tornando,então (com o advento da teoria da relatividade de Einstein e do conceito decurvatura do espaço-tempo), essas outras, novas geometrias, modelos possí-veis para uma melhor descrição da realidade física.4 Daí o difundido debatesobre a existência ou não de quaisquer proposições que possam ser corretamenteconsideradas ‘sintéticas a priori’, no sentido kantiano do termo, ou seja, pro-posições que são auto-evidentes para a razão, embora estejam também

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conectadas a um objeto de conhecimento que pertence ao mundo físico ou àexperiência que temos dele. Alguns estenderiam essa dúvida até mesmo àsalegações de verdade a priori de qualquer tipo, ou a reduziriam gradualmente aum ponto de autoconfirmação puramente lógica (e trivial) em que somenteum candidato sobrevive, a saber, a sentença ‘Nenhuma proposição é ao mes-mo tempo verdadeira e falsa’.5 No entanto, tais formas extremas de ceticismoà parte, é claramente o caso que uma grande parte do que outrora passou por‘conhecimento’ não mais desfruta de qualquer direito a essa descrição,exatamente como – podemos seguramente inferir – uma grande parte do queatualmente pensamos ou acreditamos saber será progressivamente provado serfalso ou infundado.

Esse ponto da doutrinação de Rumsfeld precisa, então, ser corrigido demodo a acomodar a distinção entre, de um lado, ‘saber’ = ‘crer, sem questio-nar o melhor do nosso conhecimento ou das nossas capacidades de compre-ensão racional’, e, de outro, ‘saber’ = ‘crer correta e justificadamente combase nos melhores e mais confiáveis meios de obtenção da verdade’. Emoutras palavras, trata-se da diferença crucial entre conhecimento como esta-do mental ‘psicológico’ auto-imputado na primeira pessoa (‘Eu simplesmen-te sei que isto ou aquilo é o caso’) e conhecimento como um termo que seaplica propriamente apenas àquele subconjunto de crenças que satisfazem oduplo requisito da verdade e da garantia epistêmica ou justificatória. De ou-tro modo, não haveria nada de estranho – tanto semântica quanto filosofica-mente dúbio – em dizer que ‘Ptolomeu sabia que o Sol girava em torno daTerra’, ou que ‘Priestley sabia que a combustão envolvia a emissão de flogisto’,ou que ‘Kant sabia que a geometria euclidiana e a física newtoniana do espa-ço e do tempo eram válidas a priori para todos os propósitos matemáticos ecientíficos’. Ou, ainda, não surgiria nenhuma questão sobre o uso apropriadode ‘saber’ na sentença ‘Tony Blair sabia que o Iraque possuía armas de destrui-ção em massa* no momento em que levava o país à guerra’, muito embora –como parece claro agora – não houvesse qualquer evidência contundente dis-so e suas declarações a esse respeito fossem tanto mentirosas e mal-informa-das quanto o resultado de uma propensão ao auto-engano. No entanto, emcada um desses exemplos há algo errado – epistemologicamente confuso –,algo que está associado ao fracasso em distinguir, de um lado, casos nosquais se pode dizer propriamente que alguém sabe isto ou aquilo e, de outro,casos em que o pretendido ‘conhecimento’ não passa de afirmação precipita-da, convicção passional ou crença profundamente arraigada.

*N. de T. Doravante assinalado como ADMs.

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Conseqüentemente, disciplinas como a história e a filosofia da ciênciadificilmente poderiam pretender explicar como o progresso científico tornou-se uma realidade sem tomar por base essa distinção fundamental. Isso porque,a menos que considerem que o conhecimento verdadeiro sempre pode serseparado daquilo que vale como tal em algum dado momento, não estarão habi-litadas a oferecer qualquer explicação adequada, ou seja, racional e normativa,de como a ciência realizou avanços genuínos deixando para trás inúmeras cren-ças até então arraigadas, sob a pressão de resultados empíricos discrepantesou de deficiências teóricas indisfarçáveis.6 Além disso, o debate sobre as ADMsteria pouco interesse – e dificilmente alteraria as vigorosas diferenças de pontode vista – não fosse pela implícita aceitação por todas as partes (mesmo asmenos ansiosas para que a verdade seja conhecida) de que toda pretensão deconhecimento sobre essa matéria tem o seu valor de verdade fixado pelo fatoda sua existência ou não-existência, e não pela força da convicção (genuína ounão) expressa pelos partidários de ambos os pontos de vista. Ou seja, o pri-meiro axioma de Rumsfeld – ‘como sabemos, existem conhecidos que sãoconhecidos’ – é um que o epistemólogo talvez aceitasse endossar, embora nãosem levantar certas questões pertinentes com respeito ao que propriamente édefinido como conhecimento e ao que mais apropriadamente pode ser atribuí-do à propensão para o auto-engano, ao assentimento fabricado, ou ao desejode acreditar. Essa última frase contém o tópico de uma discussão célebre, hojecentenária, entre o filósofo pragmatista americano William James (que adotoua posição segundo a qual a ‘verdade’ poderia de fato ser convertida no que é‘bom no que diz respeito à crença’) e seu oponente realista Bertrand Russell(que considerou tal doutrina tanto filosoficamente confusa quanto moralmen-te repreensível).7 Essa querela repetiu-se muitas vezes desde então, com diferen-tes pretextos filosóficos ou vocabulários técnicos alternativos. Basta dizer –nesse contexto – que ela é formulada como a distinção entre, de um lado, umponto de vista a partir do qual a ‘verdade’ só pode aparecer sob essa ou aqueladescrição correntemente aceita ou em voga e, de outro, um ponto de vistasegundo o qual a verdade deve ser concebida (em termos realistas) como sem-pre potencialmente transcendendo os limites da melhor e mais atual crençaconsensualmente garantida ou socialmente desejável.8

É claro que há distinções importantes e filosoficamente relevantes aserem feitas a partir desses últimos três modos de construir o preceito segundoo qual valores de verdade não podem ou não deveriam ser concebidos comoultrapassando os limites da assertibilidade garantida.* A idéia de James –

*N. de T. Ver nota da p. 14.

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como a de Rorty depois dele – é que a justificação é sobretudo uma questãode fazer valer ‘o que funciona’ no sentido de promover os nossos melhoresinteresses psicológicos, sociais e ético-políticos.9 Posto de maneira simples,o argumento de Russell contra essa idéia é que ela ‘funciona’ somente namedida em que estimula uma atitude de plácida e irrefletida aquiescência ahábitos de pensamento e de crença dados como certos (e, portanto, tranqüi-lizadores). Há, no entanto, uma distinção válida a ser feita entre a ‘melhor emais atual’ opinião (ou seja, a opinião do especialista) e a ‘garantia comunal’em termos de consenso entre todos aqueles cujas opiniões possam ser apu-radas mediante uma ampla inspeção das crenças sobre o tema em questãono interior de uma cultura. Ainda assim, essas opiniões podem contrapor-seà idéia de James e Rorty segundo a qual a verdade é simplesmente tudo aquiloque tenha adquirido crédito – ou que muito ‘desejavelmente’ deveria adqui-ri-lo – conforme o critério pragmático do que promove o bem-estar psicoló-gico e social dos envolvidos. Na maioria dos debates sobre esse tema – nãosomente nos debates filosóficos, mas também nas controvérsias acerca dosproblemas referentes às armas de destruição em massa do Iraque – é dadocomo certo que existem valores de verdade objetivos para proposições quenão puderam até então ser verificadas (ou falsificadas), e que essas proposi-ções talvez ainda refutem a ‘melhor opinião’ na medida em que sejam con-firmadas por autoridades supostamente superiores e melhor posicionadas. Aresposta clássica de Russell a James tem origem no argumento realista fun-dado na verdade que afirma que ‘o desejo não pode fazer isso’, ou seja, quenenhum valor de utilidade social ou psicológico pode compensar o déficitnormativo implicado na redução da verdade a uma questão de benefício co-mum ou psicoterapêutico.10 Entretanto, permanece aí o desafio a ser enfren-tado pelas teorias epistemológicas – mais alinhadas com a posição anti-realista atual – que jamais endossariam essa visão abertamente pragmáticaou psicológica, mesmo que se contraponham a qualquer concepção realistaou objetivista que coloque a verdade além do alcance e dos limites da me-lhor opinião possível.11 Podemos prosseguir, então, com a segunda (maisoracular) declaração de Rumsfeld, isto é, que ‘nós também sabemos queexistem conhecidos que são desconhecidos... sabemos que existem algumascoisas que não sabemos’. À primeira vista, esse é exatamente o tipo de pro-posição que qualquer realista, quanto à verdade, poderia perfeitamente bemaceitar como indo ao encontro das suas mais rigorosas exigências, ou seja,qualquer defensor da existência de valores de verdade objetivos, enquantoopostos às noções de “verdade” que a definem como o que é evidencial ouepistemicamente condicionado. O que ele parece dizer (de fato diz, seconstruído de modo realista) é que, em princípio, a verdade não pode jamais

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ser reduzida aos limites da melhor crença atual ou da opinião oficialmenteautorizada. Portanto, a questão de saber se aquelas malditas armas existiamou não poderia muito bem ser um ‘conhecido que é desconhecido’, o que, noentanto, não estávamos aptos a afirmar, pois sabíamos apenas que elas ouexistiam ou não existiam, independentemente de não dispormos de evidên-cia em qualquer um dos casos. Contudo, pode-se suspeitar de que esse te-nha sido o motivo de Rumsfeld propor sua tese dos ‘conhecidos que sãodesconhecidos’. Em vez disso, essa tese referia-se à ausência das ADMs (cujaexistência era até então apenas uma suspeita) e à perspectiva de que elasjamais fossem descobertas, apesar dos melhores esforços de equipes alta-mente motivadas com esse propósito. Ou seja, Rumsfeld tomou ‘conhecidosque são desconhecidos’ como sinônimo de ‘algumas coisas que não sabe-mos’, sugerindo com isso que o problema permaneceria para sempre emdiscussão, mesmo que nenhuma arma tivesse sido encontrada na época emque os inspetores suspenderam suas buscas, e mesmo que – embora fossedifícil esperar que ele o declarasse – houvesse plena evidência (tal como o‘dossiê fictício’, preparado pelo governo e pelos serviços de inteligência bri-tânicos fazem presumir) de uma ampla campanha de desinformação duranteos meses que precederam à guerra.12

Portanto, o axioma dos ‘conhecidos que são desconhecidos’ tem seulugar no credo filosófico de Rumsfeld como um meio de induzir ao ceticismocom respeito a qualquer perspectiva de que o problema pudesse finalmenteser resolvido, ou que pudesse haver alguma verdade objetiva acerca da maté-ria, independentemente dessas perplexidades epistemológicas. Até agora, doponto de vista realista – de acordo com o qual o nosso desconhecimento emtodo caso não tem absolutamente nenhuma relação com a questão de saberou não se aquelas armas realmente existiam – a máxima de Rumsfeld funcionamais como uma sugestão de que a questão é sem interesse ou malconcebida,uma vez que simplesmente não estamos em posição de levantá-la. De fato,o que ele tinha em mente está muito mais próximo da posição anti-realista, asaber, que a verdade é o que é ‘epistemicamente condicionado’, ou seja, quenão pode fazer sentido supor a existência de valores de verdade objetivospara proposições – tais como ‘O Iraque possuía/não possuía ADMs’ – cujaverdade ou falsidade está para além dos nossos melhores meios de prova ouverificação.13 Essa impressão foi ulteriormente confirmada pelo último itemda ladainha de Rumsfeld, sua declaração de que ‘existem também desconhe-cidos que são desconhecidos – aqueles que não sabemos que não sabemos’.Aqui, novamente, há uma interpretação possível que o apresentaria fazendoas vezes daqueles realistas que sustentam, como Hamlet, que ‘existem maiscoisas no Céu e na Terra do que as que são sonhadas pela [nossa] filosofia’,

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ou seja, mais verdades objetivas relativas, por exemcplo, à física, à matemá-tica e à história do que poderíamos jamais vir a saber ou mesmo chegar aestruturar na forma de proposições suscetíveis de verdade (embora inveri-ficáveis). A tentativa de estabelecer qualquer lista compreensiva dessas coi-sas certamente excederia a capacidade máxima do conhecimento humano, assuas habilidades investigativas ou o tempo disponível para compilá-la.

No entanto – uma vez mais –, essa concepção realista da verdade parecenão ser a mensagem que Rumsfeld está interessado em transmitir quandofala de ‘desconhecidos que são desconhecidos’ ou de coisas que ‘nós nãosabemos que não sabemos’. Em vez disso, o seu ponto é nos persuadir deque a realidade das ADMs (ou a verdade das proposições que proclamamsua existência) não pode ser refutada ou legitimamente posta em questãovisto que a mera falta de evidência – o fato de elas não terem aparecido –nunca será uma razão adequada para estabelecer um veredicto negativo. Afi-nal, no conjunto dos ‘desconhecidos que são desconhecidos’ podem estartodo tipo de itens – tais como, por exemplo, uma prova definitiva da existên-cia de Deus ou uma fonte de evidência conclusiva, ainda que até agorainsuspeitada, da existência de ADMs em posse do Iraque – o que derrubariaum tal veredicto.* Assim, com essa variação final sobre o seu tema, Rumsfeldpretende sugerir que seria melhor adotar uma atitude de devida humildadeepistêmica e não levantar dúvidas – muito menos fazer acusações de fraude,mentira, falsa ‘evidência’, e assim por diante – em relação a fatos cuja verda-de está além do nosso melhor conhecimento presente, e, talvez (quem sabe?),ultrapasse mesmo o nosso melhor conhecimento alcançável no futuro.

IIEu insisti com mais veemência – de modo absurdo, alguns poderão pen-

sar – sobre essas seletas amostras da fala de Rumsfeld porque elas ajudam alançar luz tanto sobre a natureza complexa das questões epistemológicasquanto sobre sua relevância para problemas externos aos seminários de filo-sofia. É claro que uma posição ponderada acerca de fatos como a existênciaou a não-existência de ADMs e a relação entre conhecimento, evidência everdade na controvérsia que as envolve será afetada, em algum grau, pela

*N. de T. Conforme informação do próprio autor, a redação deste livro data de dezembro de 2004;a edição do texto usado na presente tradução data de 2005. Em agosto de 2006, o governo dos EUAadmitiu explicitamente a ausência de evidências que permitissem confirmar a existência de ADMsno Iraque.

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concepção filosófica particular daquele que reflete sobre a sua própria posi-ção filosófica. Ademais, isso se aplica mesmo aos debates relativamente ‘téc-nicos’ em epistemologia, os quais parecem ser conduzidos a uma grandedistância desses temas de interesse mais amplo, mas que, na realidade, têmimportantes implicações para o nosso avanço gradual na compreensão dasmesmas. Tome-se como exemplo a questão debatida atualmente entre rea-listas e anti-realistas sobre se as proposições da assim chamada ‘classe emdisputa’ – hipóteses, conjecturas, proposições especulativas, teoremas não-demonstrados e assim por diante – podem ser concebidas como portadorasde um valor de verdade objetivo, mesmo se não podemos determiná-lo pornenhum dos meios disponíveis.14 De acordo com os realistas, elas podem tere, de fato, têm um tal valor de verdade somente na medida que a proposiçãoem questão é bem formada e suscetível de verdade, isto é, somente na medi-da que ela faz alguma declaração definida sobre algum estado de coisas queexiste objetivamente. O que a torna verdadeira (ou falsa) é o modo como ascoisas estão na realidade, independentemente de qualquer problema relati-vo ao alcance e aos limites do nosso conhecimento a esse respeito. ‘Realida-de’, aqui, se estenderia desde os objetos físicos, as estruturas e as proprieda-des, em qualquer escala, até eventos históricos no passado remoto e tam-bém a entidades abstratas como as que têm o seu lugar na matemática, nalógica e nas ciências formais. Assim, existem ‘portadores-de-verdade’* (pro-posições) e ‘produtores-de-verdade’** (as porções da realidade às quais es-sas proposições se referem), e as proposições em questão são verdadeirassomente na medida em que são confirmadas – objetivamente – por algumfato relevante que é ‘independente do conhecimento’, ‘transcendente à veri-ficação’ ou ‘epistemicamente incondicionado’.15

Para um anti-realista como Michael Dummett, essa posição parece alta-mente problemática e mesmo (em alguns contextos) totalmente implausível.Assim, Dummett considera que o discurso sobre a verdade deveria ser subs-tituído pelo discurso sobre a ‘assertibilidade garantida’, e que essa últimadeveria ser restringida somente àquelas proposições para as quais possuímosmeios confiáveis de prova ou de verificação.16 De outra forma, estaremosdiante de uma declaração autocontraditória, no sentido de que sabemos quea proposição x é verdadeira ou falsa – isto é, que ela possui um valor de

*N. de T. No original, truth-bearers

**N. de T. No original truth-makers.

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verdade objetivo que está sujeito ao princípio lógico da bivalência* – muitoembora não possamos determinar sua verdade ou falsidade por meio do quesabemos ou mediante nossas capacidades investigativas. Dummett tem trêsargumentos básicos para sustentar essa posição anti-realista. O primeiro é o‘argumento da aquisição’, de acordo com o qual seria possível que nós nãoadquiríssemos um conhecimento efetivo da linguagem, senão mediante a com-preensão das condições de verdade (mais precisamente: das condições daassertibilidade garantida) que se aplicam às diversas proposições aceitas ouendossadas pelos membros da nossa comunidade lingüística. O segundo é o‘argumento da manifestação’, que sustenta que esse conhecimento deve po-der ser manifesto em nosso próprio comportamento lingüístico e, por meiodesse, exibir aquela compreensão eficiente – nosso entendimento dascondições relevantes – de um modo tal que capacita outras pessoas a inter-pretar corretamente os significados das nossas expressões e as nossas cren-ças. O terceiro é o ‘argumento do reconhecimento’, cuja premissa, resumida-mente, é que nenhuma sentença pode legitimamente ser verdadeira ou falsaa menos que sejamos capazes de reconhecer aquelas mesmas condições e, apartir disso, interpretá-la como restrita ao escopo do nosso melhor conheci-mento disponível do que se qualificaria como a base adequada para afirmarou negar a sua validade. Portanto, muito simplesmente, não pode fazer sen-tido – assim sustenta Dummett – afirmar a existência de valores de verdadeobjetivos para proposições que pertencem à ‘classe em disputa’, ou seja, pro-posições para as quais não dispomos de quaisquer meios de prova formal(em matemática ou lógica) ou verificação empírica (em história ou nas ciên-cias naturais). Isso equivaleria à declaração autocontraditória segundo a qualsabemos que algo é o caso apesar de não termos adquirido a capacidade dereconhecer as condições sob as quais essa proposição está garantida ou demanifestarmos nosso conhecimento daquelas mesmas condições de um modoaceitável para outras pessoas que estejam em posse dos critérios e padrõesrelevantes.

Considerados conjuntamente, esses argumentos equivalem a uma ver-são lógico-semântica mais sofisticada do Princípio de Verificação propostopelos positivistas lógicos do ‘velho estilo’ nos anos de 1930 e posteriormen-te submetido a refinamentos e à pressão de várias objeções bem conheci-das.17 O principal problema que apresentava esse princípio era que ele nãosatisfazia nem os seus próprios critérios para as proposições significativas,

*N. de T. Ver nota da p. 19.

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ou seja, que essas proposições deveriam ser, ou empiricamente verificáveis,ou auto-evidentes em virtude de sua forma lógica. Apesar dos melhores es-forços de paladinos como A. J. Ayer, provou-se impossível propor qualquerformulação alternativa que satisfaça uma ou outra dessas rigorosas exigências.Daí Dummett declarar ter transplantado o debate para uma base diferente emais fértil, remodelando o argumento em termos que não estão sujeitos aessas objeções de manifesta inconsistência e auto-refutação. Conforme suaopinião, o problema é muito mais adequadamente formulado como um tó-pico da filosofia da linguagem relativo à garantia (ou ausência dela) quetemos para adotar uma concepção realista de qualquer área particular dodiscurso. O que isso envolve, para reiterar, é um programa de teste paradiversos tipos de proposição – matemática, científica, histórica, etc. – tendoem vista determinar se elas são ou não candidatas à atribuição de valores deverdade objetivos, mesmo em casos (aqueles da ‘classe de proposições emdisputa’), onde sua verdade ou falsidade está para além dos nossos melho-res meios de prova ou verificação. Assim, um realista com respeito à mate-mática sustentaria que uma proposição bem formada, extensivamente testa-da e intuitivamente plausível tal como a Conjetura de Goldbach – segundo aqual todo número par maior do que dois é a soma de dois números primos –deve ser ou verdadeira ou falsa (objetivamente), apesar de não possuirmosnenhuma prova formal e de não estarmos habilitados a testá-la completa-mente, ou seja, contra a série inteira (infinita) dos números pares, mesmovalendo-nos das mais poderosas técnicas computacionais. O princípio debivalência aplica-se a esses casos, independente de estarmos agora ou denunca estarmos em condições – epistemicamente falando – de provar ouinvalidar a conjetura. Para o anti-realista dummettiano, em contrapartida,essas proposições não fazem nenhum sentido, envolvem o apelo a uma or-dem de verdade que é transcendente à verificação, e que, supostamente,ultrapassa os mais avançados limites da garantia assertórica ou epistêmica.A verdade matemática se estende somente até onde alcança o conhecimentomatemático e o próprio conhecimento matemático não vai além da classedas proposições que estamos habilitados a provar, demonstrar ou calcularsegundo o melhor das nossas habilidades.

Em seus últimos escritos, Dummett concede que essa restrição precisaser atenuada de modo a permitir que as proposições matemáticas sejam pro-priamente incluídas entre as proposições suscetíveis de verdade – ou comocandidatas à assertibilidade garantida – apenas na medida que possamosformar uma concepção adequada de como elas podem ser retiradas da ‘clas-se das proposições em disputa’, tendo em vista o advento de procedimentosde prova mais poderosos e sofisticados.18 Apesar disso, ele deixa claro que

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essa não é nenhuma grande concessão ao realista no que diz respeito aoprincipal ponto em questão, mas, antes, um modo de aceitar a possibilidadede progresso nesses debates, mantendo, ao mesmo tempo, sua posição emrelação à impossibilidade de que a verdade possa ser concebida como trans-cendente ao reconhecimento ou ‘independente de condições epistêmicas’.Portanto, apesar de suas ocasionais declarações de imparcialidade – de ten-tar simplesmente adjudicar a questão entre realismo e anti-realismo – a abor-dagem de Dummett é fortemente sectária e elabora-se de fato como umaexperimentação radical do argumento anti-realista em diversos domíniostemáticos. Entre eles, como eu disse, está o domínio do discurso histórico,em relação ao qual ele também adota a idéia de que não há nada – nenhumaverdade objetiva sobre o assunto – que possa de algum modo, embora denós desconhecido, decidir sobre o valor de verdade de qualquer conjetura ouproposição especulativa que ultrapasse os limites da melhor evidência dispo-nível. Aqui, novamente, essas elocuções podem ser bem formadas e, talvezpor isso, nos surpreendam (em todo caso, surpreendem o realista), na medi-da que fazem afirmações perfeitamente específicas com respeito a fatos –nesse caso, pessoas, eventos ou estados de coisas históricos – que simples-mente ocorre terem passado despercebidos, ou cuja evidência vem, desdeentão, se perdendo. Esses fatos talvez tenham sido demasiado triviais paraque alguém os registrasse na época (como o fato, se fato é, de que Napoleãocoçou seu ouvido esquerdo quando desembarcou em Santa Helena), ou ocor-reram sem testemunhas (como o fato, se fato é, de que Tony Blair murmu-rou sotto voce* uma prece por perdão pouco antes de declarar oficialmenteguerra ao Iraque). Ou, quem sabe, esses fatos tenham sido ações, eventosou decisões de grande importância histórica que – por algum acaso infeliz –não chegaram até nós por nenhum meio de transmissão confiável e conser-vador da verdade. Apesar disso, podemos formular conjeturas ou hipótesessobre eles, conjeturas que parecem possibilitar uma afirmação definida esuscetível de verdade, muito embora elas não possam ser verificadas oufalsificadas por quaisquer meios disponíveis.

Prosseguindo, há toda a vasta extensão da pré-história em relação a qual,por definição, não possuímos quaisquer fontes de documentação ou arqui-vos, domínio, portanto, em que os historiadores precisam confiar em váriasespécies de material, como por exemplo, na evidência arqueológica, em simesma lamentavelmente lacunar ou incompleta. Entretanto, o realista dirá

*N. de T. ‘Em voz baixa’.

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que toda proposição bem formada com respeito a cada tipo de caso mencio-nado anteriormente – por exemplo, ‘arqueópterix (o híbrido pássaro-réptil)efetivamente existente na região x na época pré-histórica y’ – terá seu valorde verdade fixado pelo modo como as coisas foram outrora na realidade,independente da ausência de certeza quanto (nesse caso) ao registro fóssilem questão. Afirmação à qual o anti-realista responderá dizendo que essasproposições não podem ter um valor de verdade, pois é estritamente inconce-bível que a verdade possa ultrapassar os limites da garantia assertórica. Con-seqüentemente, o realista está iludido – tanto lógica quanto epistemologi-camente confuso –, se alega saber que existem certas verdades transcendentestanto em relação ao reconhecimento quanto em relação à verificação. Em quepoderia consistir, então, esse conhecimento (questiona Dummett), senão emsua capacidade de reconhecer aquelas verdades na medida que sejam confir-madas por algum método de verificação experimentado e confiável? Alémdisso, a que poderia equivaler essa capacidade, não pudesse ela ser manifestaem termos de compreensão lingüística (ou seja, lógico-semântica) de exa-tamente quais proposições permaneceram dentro dos limites da garantiaassertórica e quais outras deixaram de satisfazer tal requisito, e deveriam,portanto, ser excluídas como candidatas à verdade ou à falsidade? Caso noqual – para expressá-lo de modo simples – não há quaisquer verdades histó-ricas que sejamos capazes de descobrir por algum meio disponível no conjun-to dos nossos métodos ou procedimentos investigativos. Supor que as coisassão de outro modo (como faz o realista), é atrair a objeção de autocontradiçãomanifesta, visto que isso envolve a pretensão de conhecer aquilo que estáalém do nosso máximo alcance epistêmico.

Para o realista, esse é somente mais um exemplo a advertir o quão de-sastrosamente tendem os filósofos a se equivocar quando exigem que nossasconvicções profissionais mais básicas sobre a relação entre verdade, conheci-mento e crença – para não mencionar todo o corpo de evidência obtido peloprogresso científico até a data –, sejam postas de lado sob o pretexto de levaradiante alguma tese especulativa em filosofia da linguagem.19 Ou seja, temosmuito melhores razões para confiar nos resultados do método científico (ouda historiografia disciplinada e rigorosa), do que para prosseguir com umprograma anti-realista lingüisticamente orientado que investe em mistériostais como “de que modo poderia a verdade ter enganado os melhores esfor-ços de investigadores especializados anteriores?”. O secretário Rumsfeld nãomirou tão longe do alvo – filosoficamente falando – quando opinou que“existem conhecidos desconhecidos” ou que “nós sabemos que existem coi-sas que não sabemos”. A primeira proposição é, de certo modo, infeliz, seufraseado atrai a objeção anti-realista habitual de autocontradição manifesta.

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A segunda, porém, está inteiramente correta ao sustentar que houve, aindahá, e, sem dúvida, sempre haverá verdades que estão para além do alcance donosso conhecimento. O anti-realismo distorce constantemente o problemaao confundir dois sentidos do verbo ‘conhecer’. De um lado, há o sentidoepistêmico no qual ‘conhecimento’ é definido – no estilo de Dummett –como co-extensivo às nossas máximas capacidades de prova, averiguação,verificação, falsificação e assim por diante. De outro, há o sentido realista/objetivista segundo o qual o ‘conhecimento’ se estende para além de tudoaquilo que estejamos racionalmente justificados a alegar conhecer porinferência tendo em vista o fato de a verdade tão freqüentemente haverenganado ou transcendido os melhores esforços da investigação anterior.Há, portanto, algo de absurdo – assim argumentará o realista – em umateoria que se recusa tão ferozmente a inferir da nossa compreensão presentedos pontos em que os pensadores do passado investiram contra os limites doconhecimento que nós próprios devemos estar em posição similar (ou seja,em um estado de ignorância) com respeito a inúmeras verdades matemáti-cas, científicas, históricas ou outras.20 Além disso, pode-se questionar seDummett foi bem-sucedido em sua defesa do caráter não-bivalente (nemfalso, nem verdadeiro) das proposições que pertencem à ‘classe em disputa’,isto é, daquelas às quais não estamos aptos a atribuir um valor de verdadepor razões relativas aos limites das nossas capacidades cognitivas ou epis-têmicas. Podemos, sim, produzir inúmeras proposições bem formadas, sus-cetíveis de verdade, embora inverificáveis – por exemplo, proposições refe-rentes à existência (ou não-existência) de corpos astrofísicos remotos de umacerta espécie e que se encontram fora do alcance máximo da detecçãoradiotelescópica – o que podemos, de fato, saber ser ou verdadeiro ou falso(ou seja, possuir um valor de verdade objetivo), a despeito de tais corposestarem fora do alcance não apenas dos nossos melhores meios atuais, mas,também, dos nossos melhores meios de averiguação alcançáveis no futuro.21

Negar essa afirmação em nome do estabelecimento de uma agenda filosóficaanti-realista é realmente inverter a ordem das coisas, privilegiando o aspectológico-semântico em detrimento do científico (bem como em detrimento doaspecto histórico e do senso comum).

No que concerne à história, Dummett insiste muito nessa direção e estámesmo disposto a endossar algumas conclusões anti-realistas bem extremas.Argumenta, nesse sentido, que quaisquer “lacunas em nosso conhecimento”de certos períodos históricos, pessoas ou eventos devem ser construídas tam-bém como “lacunas na realidade”, visto que, se formularmos uma proposiçãoconcernente a eles, essa proposição será epistemicamente vazia (isto é, in-

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compatível com os argumentos da aquisição, do reconhecimento e da mani-festação), ficando, assim, destituída tanto de um valor de verdade quanto deum conteúdo referencial genuíno.22 Desse modo, segundo a estranha lógicade Dummett, não é apenas uma questão de a ocorrência ou não-ocorrênciade algum evento x ser indeterminada “para o melhor do nosso conhecimen-to”, mas, antes, o fato de esse evento habitar uma espécie de limbo histórico,uma região do passado em que valores de verdade simplesmente não tinhamnenhuma aplicação rigorosa. De fato, há uma passagem curiosamente auto-reveladora em que Dummett contrasta, de um lado, a disposição do realistaem aceitar que “os efeitos de um evento passado podem simplesmente dissi-par-se” – embora, é claro, sem afetar o valor de verdade de qualquer proposi-ção referente a ele – com, de outro lado, a intolerância que o anti-realista temcom respeito à “incognoscibilidade em princípio”, e, por conseguinte, suatendência “a ver nossa evidência e memória do passado como constitutivadele”.23 E, ainda, enquanto “o realismo em relação ao passado implica a exis-tência de numerosas proposições para sempre incognoscíveis em princípio”,para o anti-realista “não pode existir um fato passado cuja evidência estejapor ser descoberta, porque é precisamente a existência de tal evidência quefaria dele um fato, se houvesse um fato”.24 Essa me parece uma passagemrealmente extraordinária, mesmo pelo seu teor psicomotivacional (e atéconfessional), ou seja, sua sugestão de que o anti-realismo nessa sofisticadaforma lógico-semântica é uma espécie de mecanismo de defesa desenvolvidocontra o conhecimento da nossa ignorância acerca dos eventos passados, co-nhecimento o qual, de outra forma, seria ‘intolerável’. Igualmente estranho –de qualquer ponto de vista anti-realista, exceto o mais radical – é a alegaçãode que nossa evidência (ou falta dela) é ‘constitutiva’, não apenas do nossoestado de conhecimento daqueles eventos em algum momento, mas, tam-bém, de sua própria realidade, isto é, do próprio fato de esses eventos teremrealmente acontecido ou não. Caso em que, completa e simplesmente, o pas-sado histórico deve ser concebido como uma projeção retrospectiva altamen-te seletiva de tudo o que atualmente somos capazes de descobrir e, portanto,incluindo lacunas – ‘fendas na realidade’, como diz Dummett – correspon-dentes às nossas áreas de ignorância.

IIIHá interpretações de Dummett – e passagens ocasionais em seu próprio

trabalho – que pareceriam aproximar-se dessa posição anti-realista extrema,permitindo à verdade histórica ultrapassar inteligivelmente o escopo e os li-

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mites do conhecimento. Contudo, elas são compensadas por outras passa-gens, mais características, que negam a possibilidade de verdades objetivas(isto é, transcendentes ao reconhecimento), e se insurgem firmemente contraa tese realista segundo a qual a realidade histórica estabelece as condições deverdade das diversas proposições que a ela se referem, em vez dela própriaser de algum modo ‘estabelecida’ por aquelas proposições ou pela garantiaepistêmica de que dispomos para elas.

Essa impressão é reforçada pela disposição, por parte de Dummett, depelo menos considerar a idéia de que eventos passados podem ‘resultar‘ dealguma mudança em nosso estado atual de conhecimento, ou em razão dealguma peça de evidência adquirida recentemente, a qual lança uma novaluz sobre o curso anterior dos acontecimentos.25 Um exemplo que ele dá é ode um homem que suplica para que seu filho não tenha sido morto embatalha, a despeito de seu conhecimento de que a batalha já ocorreu e quesuas conseqüências tiveram lugar (presumivelmente) antes que a súplica te-nha ocorrido.26 De um ponto de vista realista, isso pareceria perfeitamentecompreensível em termos psicológicos ou motivacionais, mas não faria ne-nhum sentido – incluindo todos os tipos bem conhecidos de paradoxos taiscomo ‘de volta ao futuro’ – se considerados seriamente como envolvendo aidéia de causação retroativa ou de ‘advento’ dos acontecimentos passadosatravés de alguma mudança na (suposta) justificação que temos no presentepara crer de uma ou de outra maneira. Uma leitura cuidadosa dos três ensai-os em que Dummett dedica-se mais atentamente a esse problema, eu creio,deixará o leitor convencido de que ele tem o estoque necessário de conside-rações que pesam fortemente contra essa idéia, mas que, contudo, ele insisteem sua inteligibilidade como uma questão de princípio filosófico.27 Ou seja,Dummett não vê nada de inerentemente absurdo na idéia de que “desejar(ou rezar) pode conseguir isso ou aquilo”, ou em que a ocorrência de algumacontecimento passado, para a qual ainda não possuímos nenhuma evidên-cia definida, possa ser decidida, de algum modo, pela posse ulterior da peçade informação relevante, a qual, até então, havia escapado ao nosso conheci-mento.

Não é importante (eu penso), para a nossa problemática aqui, que aposição de Dummett a esse respeito – bem como sua escolha do exemplomencionado acima para esclarecer o seu ponto – indique uma forte inclinaçãoteológica para a idéia de que está sob o poder de Deus afetar mesmo o desfe-cho dos acontecimentos passados (determinados conforme a perspectiva ‘rea-lista’) através de algum tipo de intervenção après-coup.* Em vez disso, é mi-

*N. de T. Termo francês que significa mais tarde, posteriormente, posterior.

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nha convicção que o anti-realismo dummettiano traz consigo um forte com-promisso com a tese segundo a qual todas as verdades concernentes ao pas-sado histórico são sempre revisáveis – abertas à confirmação ou à refutação –com o advento de uma nova evidência que decida retroativamente o proble-ma referente a este ou àquele ponto de crença até então disputado ou não-verificado. O que é simplesmente inadmissível, segundo Dummett, é a exis-tência de verdades – ou de valores de verdade relativos a certas proposiçõeshistóricas bem formadas – que possuam esse caráter somente em virtude decorresponderem ao modo como as coisas eram na realidade, e não ao modocomo elas eram de acordo com o nosso melhor conhecimento presente ou osnossos melhores meios de verificação presentes. Tal é, basicamente, o queDummett pretende quando contrasta a disposição que o realista tem de acei-tar que ‘os efeitos de um acontecimento passado podem simplesmente sedissipar’ com a resistência que o anti-realista tem à noção de ‘incognos-cibilidade em princípio’; daí o seu desejo ‘de ver nossa evidência e memóriado passado como constitutiva dele’.28

Esse desejo pode ter muito futuro em termos de psicologia motivacional,ou seja, como uma questão do que é ‘bom de um ponto de vista da crença’ou como a probabilidade de produzir o máximo benefício para alguém dis-posto a crer, por exemplo, que rezar pelo desfecho favorável de algum acon-tecimento passado pode, de algum modo, decidir retroativamente a questão.No entanto, ele está exposto ao mesmo tipo de argumento que Russell apre-sentou contra James – em resumo, que o desejo não tem o poder de fazer isso– e, também, à objeção mais básica segundo a qual o que distingue os domí-nios temporais do passado e do futuro é precisamente a fixidez, ou seja, ocaráter inalterável daquilo que já ocorreu não importa o muito ou pouco quepossamos saber a seu respeito enquanto distinto da contingência dos aconteci-mentos futuros, ou do valor de verdade ainda-por-ser-decidido* de todas aspredições que possamos fazer. Tal era a concepção de Aristóteles da questãoe tal é, segundo Dummet, o único modo de pensar que não gera todosaqueles problemas e paradoxos temporais que conhecemos. Há também aidéia de que um anti-realismo desse tipo favorece exatamente o jogo daque-les que negariam (talvez com propósitos propagandistas, histórico-revisionistas, ou para enganar as massas) que verdades relativas ao passadopodem ser concebidas como independentes de condições epistêmicas, ouseja, como sempre potencialmente transcendentes em relação ao nosso me-lhor conhecimento ou evidência atuais.29 Isso porque ele está, então, a umpequeno passo da posição cética – muito apregoada pelas fontes de governo

*N.de T. no original yet-to-be-decided.

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dos EUA e da Inglaterra – segundo a qual, visto que ninguém poderia provara não-existência daquelas armas de destruição em massa (a ausência de pro-va não é, afinal de contas, a prova da ausência), a questão relativa à realidadedas mesmas deveria permanecer então, e talvez para sempre, discutível.

O que tende a gerar confusão aqui é que esse ceticismo pode terminarsoando, de modo muito semelhante a um forte argumento em favor da posi-ção realista (objetivista). Conseqüentemente, é difícil imaginar um realistaque tenha problemas com os artigos 2 e 3 da doutrina de Rumsfeld, ou seja,com a declaração de que existem ‘conhecidos desconhecidos’ (proposiçõeshipotéticas com respeito às quais nós, sabidamente, não dispomos de ne-nhum meio para determinar o seu valor de verdade), e, também, ‘desconhe-cidos desconhecidos’ (proposições possíveis, ou, talvez, para nós impossí-veis, que até o momento excedem nossa capacidade de apreensão conceitualde um tal modo que não figuram sequer no reino da conjetura hipotética).Afinal de contas, é exatamente uma idéia realista a de que a verdade, emprincípio, pode sempre transcender não apenas as nossas melhores fontesatuais de evidência ou garantia epistêmica, mas, também, a nossa habilidadede formar qualquer proposição que se qualifique como suscetível de verdadeem um sentido pertinente. Aqui é onde o anti-realismo obtém uma base desustentação, ou seja, mostrando que a concepção realista (ou objetivista) daverdade produz uma decisiva vulnerabilidade ao ceticismo, na medida queconcede que a verdade pode existir independentemente as nossas melhorescondições de conhecimento ou dos nossos melhores meios de verificaçãoatuais.30 Ao fazer essa alegação, portanto, o anti-realista abre um abismoentre verdade – objetivamente concebida – e o que quer que sejamos capa-zes de conhecer por meio de nossas próprias e limitadas capacidades de com-preensão. Segue-se daí a linha de pensamento – especialmente proeminentena filosofia da matemática recente –, segundo a qual podemos tanto ter ver-dade no sentido de garantia objetiva, transcendente ao reconhecimento, quan-to conhecimento dentro do escopo e dos limites das nossas melhores capaci-dades epistêmicas, comprobatórias ou investigativas e, assim, satisfazer defato as condições requeridas para saber se isso ou aquilo é o caso.31 A partirdisso, os seus proponentes geralmente concluem que esse é um dilema estri-tamente insolúvel que deveria ser abandonado em favor de uma abordagemanti-realista que reformule a ‘verdade’ em termos de garantia epistêmica,reconduzindo-a de modo seguro aos limites da capacidade de conhecimentohumana. Tal é a concepção intuicionista que Dummett tem da verdade emmatemática: é tudo aquilo que somos capazes de provar ou verificar median-te os melhores métodos formais de nosso tempo, ou, talvez (em sua visãomais liberal), mediante nossas melhores capacidades racionalmente otimi-

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zadas ou disponíveis no futuro.32 Entretanto, isso deixa sem resposta a questãode saber como descobertas matemáticas poderiam jamais ter acontecido se-não através da comprovada capacidade que o pensamento tem de descobrirverdades que vão contra os padrões de prova ou de verificação correntemen-te aceitos. O que vale como garantia epistêmica, comprobatória ou assertivaem tais questões está sempre e em princípio sujeito à refutação por algo queultrapassa as nossas melhores capacidades atuais de prova ou de garantiaepistêmica.

Com freqüência, o ceticismo explora nessas questões um falso duplo-cego, ou, mais precisamente, um apelo injustificado ao princípio do tertiumnon datur.* Desse modo, ele dá por certo que se pode ter tanto a noção deverdades objetivas, transcendentes à verificação, (caso no qual, pela própriadefinição, elas não podem ser conhecidas) quanto uma concepção epistêmicamenos valorizada que redefine a ‘verdade’ mantendo o escopo e os limites dacognoscibilidade, mas, seguramente, não ambas, a não ser mediante umadissimulação imprópria do problema. Contudo, não há nenhuma boa razãopara que o realista ou objetivista quanto à verdade aceite a conjunção dasduas definições já nos primeiros sinais desse dilema artificialmente produzi-do. Como argumentei em outra ocasião, existem alternativas realistas viáveisem filosofia da matemática, lógica e ciências formais, que retêm inteiramenteo compromisso com a verdade objetiva, negando, ao mesmo tempo, que essecompromisso conduza ao impasse cético – o abismo intransponível entre ver-dade e conhecimento – que os anti-realistas habitualmente lhe atribuem.33

Essas alternativas incluem, por exemplo, o ponto de vista do realismogödeliano em relação a entidades abstratas tais como números, conjuntos eclasses, o qual sustenta que nós podemos realmente adquirir conhecimentodessas entidades, embora não o façamos através de um ‘contato’ epistêmicoquase-perceptivo que o cético está apto a desmascarar como uma invençãoda imaginação platônica. De fato, a principal lição filosófica do teorema daincompletude de Gödel é que certas verdades objetivas em matemática elógica – entre elas, a verdade do próprio teorema – podem ser conhecidas(isto é, inicialmente descobertas e, então, repetidamente testadas e prova-das), a despeito de estarem circunscritas aos limites de qualquer procedimen-to de prova computacional ou puramente formal. Assim, o fato de que umsistema suficientemente complexo para gerar os axiomas da aritmética ele-mentar deva conter um ou mais teoremas indemonstráveis dentro dele é umresultado que nós somos capazes de apreender ou reconhecer somente sob a

*N. de T. O mesmo que ‘princípio do terceiro excluído’. Ver nota da p. 19.

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condição de que tenhamos (contra Dummett) acesso a tais verdades rigoro-samente transcendentes em relação à verificação.34

Existem, é claro, importantes distinções a serem feitas entre os proble-mas que envolvem verdade, conhecimento e evidência no domínio das ciênciasformais, e a espécie de problemas, amplamente análogos, que surgem comrespeito a questões de fato empíricas (por exemplo, históricas). No entanto,um dos principais méritos do trabalho de Dummett é ter mostrado, atravésde ambas as áreas do discurso, como o debate entre realismo e anti-realismose desenvolve fundamentalmente em torno desse desacordo básico entre, deum lado, conceber o valor de verdade das proposições como epistemicamentecondicionado, ou, de outro, concebê-lo como determinado por fatoresobjetivos inteiramente independentes do alcance e dos limites do nossomelhor conhecimento, evidência ou das nossas melhores capacidades de apre-ensão conceitual. O fato de que a doutrina de Rumsfeld consiga tão habil-mente ofuscar o problema e promover uma perspectiva de ceticismo genera-lizado, ao mesmo tempo em que adota abertamente uma visão realista daquestão concernente à posse ou não de ADMs por parte do Iraque, é umexemplo de quão importante é ter uma compreensão correta sobre essesproblemas epistemológicos aparentemente herméticos. De modo que, em-bora seja correto dizer – como sugerido pela sua fala sobre ‘conhecidos des-conhecidos’ – que a ausência de prova não é a prova da ausência de ADMsno Iraque, ainda assim, estamos autorizados (em bases probabilísticas, po-rém racionais) a inferir uma conclusão negativa a esse respeito. Entre osargumentos que pesariam a favor dessa conclusão estão (1) as várias alega-ções conflitantes apresentadas pelos governos, pelas agências de inteligência,etc. dos EUA e da Inglaterra; (2) o crescimento evidente da desinformaçãopública, dos relatórios especializados, das confusões propagandistas, de pro-posições enganosas enviadas ao Congresso e ao Parlamento; e (3) – princi-palmente – o fato de as armas ainda não terem aparecido, apesar dos maisintensos esforços concentrados na tentativa de encontrá-las. Em outras pa-lavras, a forte probabilidade de sua não-existência pode ser justificadamentesustentada como uma questão de inferência em favor da melhor explicação,isto é, a explicação mais racional ou menos destituída de credibilidade.

Esse tipo de argumento certamente nos coloca em bases filosóficas dife-rentes daquelas utilizadas pelos participantes da disputa entre realismo e anti-realismo inspirada em Dummett. Minha opinião é que esse argumento mostraque se, por um lado, tais debates são importantes para o esclarecimento deproblemas fundamentais envolvendo o conhecimento e a verdade, por outro,eles tendem a confundir as coisas – a ter exatamente o efeito oposto – quandoprecisamos formar um juízo sobre questões complexas e específicas como as

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que surgem com a alegação referente às ADMs. De modo que, nesse contexto,é uma pressuposição necessária (uma que Rumsfeld aparentemente subscreveem suas observações sobre o assunto) a de que existem verdades que podemou não ser descobertas no curso de uma investigação diligente e que, alémdisso, sua existência de modo algum é afetada pela extensão do nosso conheci-mento, ignorância ou incerteza em relação a elas. Tal é o ponto de partida ou asuposição implícita de toda disputa – fora dos domínios da metafísica ou dafilosofia da linguagem – que envolva alguma controvérsia acerca de problemasbem específicos da verdade científica, histórica ou factual. Além disso, é umaquestão de avaliar racionalmente a evidência e tentar obter uma apreciaçãoinformada que se valha dessa evidência tanto quanto possível, com a devidaconsideração dos interesses motivadores daqueles cujos juízos (ou profissõesde fé manifestas) estão sempre, em graus variáveis, sujeitos à pressão do com-promisso ideológico ou do próprio interesse político.

Nesse estágio, o debate realismo/anti-realismo em sua forma dummettia-na pode parecer muito semelhante a uma distração – uma distração convenien-te em alguns contextos – que permite desviar o foco de outras preocupaçõesmais prementes. O fato de Rumsfeld ter conseguido focalizar de modo preci-so e certeiro esse tópico filosófico candente e atual é talvez uma indicação deque nem tudo está bem na espécie de debate que preocupa tantos pensado-res da tradição analítica contemporânea. Ou seja, esse fato revela algo nitida-mente perverso em uma agenda que poderia ter como sua principal preocu-pação a questão de saber se existem verdades que escapam às nossas melho-res ou máximas capacidades atuais de prova ou verificação. Que devem existirtais verdades – uma imensa variedade delas, em qualquer domínio, da mate-mática à física, à história e mesmo na controvérsia sobre a existência (ounão) de ADMs no Iraque – é, em si mesma, uma verdade que (novamentesegundo Dummett) não pode ser negada sem que se incorra em manifestoabsurdo. Essa é a razão de Rumsfeld ter obtido sucesso, de um ponto de vistarealista, com o seu discurso sobre ‘conhecidos desconhecidos’ (aquelas coi-sas que ‘nós sabemos que não sabemos’), e com a categoria ainda mais enga-nadora dos ‘desconhecidos desconhecidos’ (‘aquelas coisas que nós não sa-bemos que não sabemos’). Apesar de tudo, não há nenhuma boa razão paraconcluir – à maneira cética padrão – que o objetivismo quanto à verdade levadiretamente ao desfecho pirrônico no qual a verdade fica completamente sepa-rada do conhecimento e o conhecimento fica, conseqüentemente, privado dequalquer pretensão à garantia verídica, ou seja, objetiva. E essa é exatamentea versão do falso dilema anti-realista que resulta da confusão entre questõesontológicas e epistemológicas, isto é, entre questões que indagam o que é e oque não é objetivamente o caso, independentemente do alcance e dos limites

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do nosso melhor conhecimento atual e questões do seguinte tipo: o que po-demos justificadamente alegar conhecer com base na inferência racional apartir da melhor informação disponível?

É o último, e não o primeiro tipo de questão que oferece o maior auxíliono sentido de obter uma avaliação propriamente informada, raciocinada e ju-diciosa de argumentos e contra-argumentos como os propostos sobre a exis-tência ou não-existência de ADMs no Iraque. Por outro lado, o mais provávelefeito retórico das observações de Rumsfeld – a despeito do seu tom vaga-mente metafísico-realista – foi desviar a atenção das pessoas do questionamentosobre esse intricado problema, visto que, afinal de contas, nenhuma proposi-ção sobre a matéria – incluindo suas declarações anteriores e mais confiantes –poderia jamais ser conclusivamente falsificada por nenhuma bateria infrutífe-ra de investigações com esse objetivo. Entretanto, como eu disse, essa atitudeignora toda uma série de considerações pertinentes que contrariam fortemen-te a adoção dessa posição cética. Entre elas encontramos os fatos, agora bemdocumentados, dando conta de uma campanha de desinformação desencadeadapela ação conjunta das inteligências americana e britânica, patrocinada pelosgovernos de ambos os países, utilizada como um instrumento para ganhartanto o apoio congressista/parlamentar, quanto do público em geral, em ummomento crucial antes de a invasão ser levada a cabo. Em acréscimo a isso, háuma permanente desconfiança em relação a um grande número de afirmaçõesoutrora ‘confiáveis’, referentes a detalhes específicos do arsenal iraquiano –sua escala, natureza, estágio de desenvolvimento, capacidade de utilizaçãoimediata alcançando longas distâncias, etc. – as quais, desde então, revelaram-se ou falsas, ou excessivamente exageradas. Como a evidência pesou em favorda rejeição dessas afirmações – em qualquer avaliação racional – tornou-seprogressivamente um difícil problema de adesão doutrinal ou ideológica sus-tentar que a questão ainda é discutível (talvez para sempre), alegando que aausência de prova não é a prova da ausência.

De fato, como escrevi (24/12/2004), as continuadas profissões de fé deTony Blair na existência das armas no Iraque, apesar do abandono da fé porparte de quase todos – incluindo inspetores de armas e fontes bem posicio-nadas do governo dos Estados Unidos – assemelham-se a ‘argumentos’ queafirmassem a existência de Deus invocando a impossibilidade de provar queDeus não existe. Ele ainda não foi reduzido ao argumento desesperado deTertuliano: credo quia absurdum (‘creio porque é absurdo’), mas, apesar detodas as diferenças, seu ponto de vista fideísta aproxima-se ligeiramentedessa conclusão desesperada. Entretanto, esse é precisamente o tipo de falá-cia epistêmica – pôr o ônus da prova no lugar errado – que os teólogos explo-

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ram exemplarmente, pedindo que seu oponente ateu ofereça argumentosque demonstrem a não- existência de Deus, quando o mesmo tipo de argu-mento exigiria (por exemplo) que se provasse a não-existência de cangurusem Alfa Centauro ou de uma réplica da Disneylândia em algum lugar nasesferas exteriores do universo em expansão. É claro que é pouco concebívelque ADMs possam ainda aparecer no Iraque, ou, quem sabe – como o atualcenário de retirada das tropas faria presumir – na Síria, no Irã, ou em outrolocal próximo, para o qual elas foram transportadas antes da invasão. Ne-nhum realista pretenderia negar essa possibilidade, pois, afinal de contas, éum ponto crucial em qualquer ontologia realista digna desse nome que averdade possa sempre, em princípio, transcender os limites do nosso melhorconhecimento ou evidência. Ainda assim, o realista sustentaria que a nossaavaliação dessa evidência pode estar justificada, e reclamaria uma capacida-de de distinguir entre verdade e falsidade através de vários tipos de docu-mentários aplicados e de trabalhos crítico-investigativos.

Isso também traz à tona a questão, atualmente muito viva, do testemu-nho e seu papel naquilo que sabemos, ou naquilo que podemos justificadamente(com razão ou garantia adequada) pretender conhecer. Os filósofos – tantoracionalistas quanto empiristas – procuram explicar as ‘bases’ ou os ‘funda-mentos’ do conhecimento, freqüentemente com referência a ocorrências quetêm lugar na mente de um sujeito que pensa e se expressa na perspectiva daprimeira pessoa. No entanto, seguramente a maior parte do que alegamosconhecer é derivado de várias fontes de ‘segunda mão’ mais ou menosconfiáveis. Considere-se, por exemplo, os seguintes casos: pedir orientaçõesem uma cidade desconhecida; acreditar (ou saber?) que a água tem a estru-tura molecular H

2O; afirmar, como uma questão de fato – de ‘crença verda-

deira justificada’ – que César atravessou o Rubicão ou que Napoleão foiderrotado na Batalha de Waterloo. Com poucas exceções, os filósofos têmtratado o testemunho como uma fonte menos confiável de conhecimento, secomparada com o conhecimento direto obtido em primeira mão, ou comverdades que obtemos por meio de um raciocínio independente a partir deprimeiros princípios (auto-evidentes). Se nós devemos confiar no testemu-nho – assim segue o argumento – deveríamos ter sempre em mente que eleperde credibilidade ou se torna sempre mais dúbio com a passagem de uminformante para o outro (eis aqui um argumento que pode ser encontrado emLocke e Hume, entre outros.) Entretanto, não podem existir casos em queum especialista na área – por exermplo, um historiador especializado – estejahabilitado a comparar e criticar várias fontes e com elas produzir uma expli-cação mais acurada do que qualquer outra produzida por historiadores ante-

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riores, ou até mesmo por testemunhos diretos que podem ter tido uma im-pressão demasiado confusa ou parcial do que aconteceu?

Tome-se novamente o caso da matemática, na qual alguns filósofos ar-gumentariam que não podemos legitimamente pretender conhecer nenhumaverdade, a menos que possamos construir o procedimento de prova por nóspróprios e entender como foi obtido o resultado.35 Existem certos teoremas,no entanto, cuja prova está além das capacidades de um pensamento huma-no que faz cálculos, e que somente pode chegar a seu termo por meio do usode poderosos programas de computador, os quais ultrapassam em muito nos-sa capacidade de percorrer uma demonstração mental, etapa-por-etapa, emsuas várias operações. E, novamente: mesmo que um matemático tenha ela-borado sozinho uma prova complexa, muito provavelmente ele desejará veri-ficar os resultados comparando-os àqueles obtidos por outros trabalhadoresda sua área. É possível que ele encontre algo errado, caso no qual o peso dotestemunho conflitante pode ser suficiente para abalar sua confiança no re-sultado original, obtido em primeira mão. Ou, talvez, ele tenha obtido tudode um modo correto, mas deseja ainda uma confirmação independente antesde ir a público na próxima grande conferência de matemática. De qualquermodo – certo ou errado – a prova necessita da corroboração de um testemu-nho comprobatório ‘externo’. Considere-se também o caso das experiênciaspessoais (percepções, memórias, estados mentais auto-imputados, etc.), emque pode parecer óbvio que os indivíduos envolvidos são, de longe, a melhore mais confiável fonte de evidência. Ainda assim, esse parecer ignora várioscontra-exemplos e, entre eles, a distorção perceptiva, a síndrome da falsamemória (ou da memória artificialmente induzida), bem como os casos emque as pessoas podem ser eventualmente convencidas – talvez mediante apsicanálise – de que interpretaram mal os seus próprios sentimentos ou repri-miram a fonte real dos seus medos, ansiedades, períodos de agitação emocio-nal, etc.

Em cada um desses casos acima mencionados existe uma boa razão parase pensar que as crenças adquiridas com base no ‘conhecimento’ de testemu-nho ocular, ou em autoridade epistêmica afirmada na primeira pessoa, nãosão, ou nem sempre são, a melhor fonte de verdade, se comparadas a outrasafirmações mais imparciais ou impessoais. Desse modo, fica claro que diver-sos tipos de testemunho desempenham um papel importante e filosofica-mente subestimado em muitos aspectos do conhecimento e da experiênciahumana. Um notável defensor dessa concepção foi o filósofo iluminista es-cocês do século XVIII Thomas Reid, que adotou uma perspectiva de realis-mo ‘senso comum’ com respeito ao nosso conhecimento do (assim chamado)‘mundo exterior’, bem como no que se refere aos nossos modos de verificar

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as coisas através de vários meios indiretos, por exemplo, por meio do teste-munho de fontes documentais relevantes, ou, ainda, mediante uma boa ga-rantia testemunhal.36 Embora a epistemologia de Reid compartilhasse boaparte dos princípios empiristas do seu compatriota David Hume, ele rejeitouas conclusões céticas desse último e argumentou em favor de uma concepçãomuito mais robusta da capacidade que a mente tem de chegar à verdade basean-do-se apenas nessa evidência. Nesse sentido, um dos seus principais argu-mentos – e atualmente um tópico de renovado interesse – foi a afirmaçãosegundo a qual, muito freqüentemente, não apenas confiamos no testemunhopara obter muito do nosso suposto conhecimento, mas, também, que nóspodemos e deveríamos ter confiança em suas várias fontes e meios de transmis-são na medida em que elas resistam bem a um exame crítico e metodológicominucioso.37 E sobretudo quando – como com aquelas esquivas ADMs –trata-se de compensar de algum modo a falta de evidência ‘forte’ através deum processo de raciocínio que deve ponderar uma grande massa de informa-ção mais ou menos segura, especializada ou digna de confiança.

É tão-somente essa perspectiva que desaparece quando se aceita o dile-ma cético proposto por aqueles que dependem o anti-realismo em sua atualforma lógico-semântica dummettiana. No entanto – como eu argumentei –trata-se de um falso dilema, e um que ignora a ampla variedade dos procedi-mentos que conduzem de modo confiável ao conhecimento e que, sem dúvi-da, não constituem a verdade absoluta e indubitável, embora ofereçam basessuficientes para rejeitar a espécie de ‘solução’ anti-realista proposta em nos-sos dias. Ou seja, as proposições da assim chamada ‘classe em disputa’ nãopodem ser relegadas a uma espécie de limbo de indecidibilidade total paraalém dos mais remotos domínios do juízo racional. Endossar uma tal visão,com efeito, é declarar que nada menos do que uma prova, tal como estabelecidapelos melhores métodos das ciências formais, ou do que a verdade, tal comoautorizada pelos métodos mais seguros de verificação empírica, deve, ipsofacto, ser considerada fora dos limites no interesse de sua assertibilidade racio-nal ou de sua pretensão de representar o nosso melhor, mais ponderado ecuidadosamente elaborado juízo sobre a matéria. Afinal de contas, essa espé-cie nova e sofisticada de verificacionismo não é tão diferente daquela dovelho estilo de abordagem lógico-positivista, que enfrentou de maneira me-morável precisamente esses problemas ao procurar explicar o progresso cien-tífico ou o nosso conhecimento do aumento conhecimento.38 Para dizê-lomuito simplesmente, não existe a possibilidade dessa explicação se adotamosum tratamento (como o de Dummett) que parte das supostas deficiências dorealismo em filosofia da matemática, lógica e nas ciências formais, e continuaa atribuir o mesmo status problemático ao nosso pretendido conhecimento

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dos fatos ou eventos no domínio empírico. Entretanto, essa é tão somenteuma outra versão da falácia que John Stuart Mill detectou no argumentohumeano, e em outros argumentos céticos, contra a validade da indução, ouseja, o erro de se impor padrões inapropriados (dedutivos) de verdade a modosde raciocínio – assim como a inferência em favor da melhor explicação – queenvolvem fontes de conhecimento e evidência muito mais amplas e mais jus-tificáveis de um ponto de vista prático.39 É minha convicção que Mill acertouem cheio, e que o anti-realismo de tipo dummettiano (o qual deriva, emgrande parte, de suas alegações contra as filosofias objetivistas da matemáti-ca) se equivoca exatamente no que diz respeito a essas mesmas alegações.40

De modo que há muito mais a ser obtido em termos de conhecimento dessesassuntos – assim como, por exemplo, a respeito da nossa compreensão dasquerelas acerca de episódios ocorridos em um passado remoto – do que nasruminações metafisicamente intrigantes do Sr. Rumsfeld sobre o tema. NoCapítulo 2, apresentarei alguns dos argumentos e conceitos que os filósofosdesenvolveram ultimamente no intento de prover esses recursos adicionais.

NOTAS

1. Para mais informações sobre essa conferência à imprensa e sobre o debateque ela provocou tente-se uma busca no Google com o termo ‘Rumsfeld +known unknowns’.

2. Ver website em www.plainenglish.co.uk.3. Mark Steyn, ‘Rumsfeld Talks Sense, not Gobbledegook’, Daily Telegraph, 12

de setembro de 2003.4. Ver Paul Boghossian e Christopher Peacocke (eds.), New Essays on the A Priori,

Oxford, Clarendon Press, 2000; Albert Casullo (ed.), A Priori Knowledge,Aldershot: Ashgate, 1999; J. Alberto Coffa, The Semantic Tradition from Kant toCarnap: to the Vienna Station, Cambridge: Cambridge University Press, 1991;Hans Reichenbach, The Theory of Relativity and A Priori Knowledge, trad. MariaReichenbach, Berkeley e Los Angeles: University of California, 1965.

5. Hilary Putnam, ‘There Is at Least One A Priori Truth’, in Realism andReason, Cambridge: Cambridge Univesity Press, 1983, p. 98-114.

6. Ver, por exemplo, J. Aronson, R. Harré e E. Way, Realism Rescued: how scientificprogress is possible. London: Duckworth, 1994; Michael Devitt, Realism andTruth, 2a ed., Oxford: Blackwell, 1986; Jarrett Leplin (ed.), Scientific Realism,Berkeley e Los Angeles: University of California Press, 1984; Stahis Psillos,Scientific Realism: how science tracks truth, London: Routledge, 1999.

7. Bertrand Russell, ‘William James’s Conception of Truth’, in SimonBlackburn E Keith Simmons (eds), Truth, Oxford: Oxford University Press,1999, p. 69-82; William James, Pragmatism: a new name for some old ways ofthinking, New York: Longmans, 1907. A resposta de James a Russell podeser encontrada em seu The Meaning of Truth, Longmans, 1909.

8. Para uma discussão mais extensa ver Christopher Norris, Truth Matters:realism, anti-realism and response-dependence, Edinburgh: Edinburgh University

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Press, 2000 e Philosophy of Language and the Challenge to Scientific Realism,London: Routledge, 2004.

9. Ver especialmente Richard Rorty, Objectivity, Relativism, and TruthCambridge: Cambridge University Press, 1999 e Truth and Progress,Cambridge: Cambredge University Press, 1998.

10. Ver nota 7.11. Ver especialmente Michael Dummett, Truth and Other Enigmas, London:

Duckworth, 1978; também Dummett, The Logical Basis of Metaphysics, London:Duckworth, 1991 e The Seas of Language, Oxford: Clarendon Press, 1993;Michael Luntley, Language, Logic and Experience: the case for anti-realism, London:Duckworth, 1988; Neil Tennant, Anti-Realism and Logic, Oxford: ClarendonPress, 1987 e The Taming of the True, Oxford: Clarendon Press, 1997.

12. Ver, por exemplo, David Miller (ed.), Tell Me Lies: propaganda and media distortionin the attack on Iraq, London: Pluto Press, 2004.

13. Ver nota 11; também John Haldane e Crispin Wright (eds.), Realism,Representation and Projection, Oxford: Oxford University Press, 1993; Norris, TruthMatters; Crispin Wright, Realism, Meaning and Truth, 2a ed., Oxford: Blackwell,1993 e Truth and Objectivity, Cambridge, MA: Harvard University Press, 1992.

14. Ver notas 11 e 13.15. Ver, por exemplo, William P. Alston, A Realist Theory of Truth, Ithaca, NY:

Cornell University Press, 1996; Devitt, Realism and Truth; Jerrold J. Katz,Realistic Rationalism, Cambredge, MA: MIT Press, 1998; Scott Soames,Understanding Truth, Oxford: Oxford University Press, 1999.

16. Dummett, Truth and Other Enigmas.17. Ver A. J. Ayer (ed.), Logical Positivism, New York: Free Press, 1959 e Nicholas

Rescer (ed.), The Heritage of Logical Positivism, Lanham: University Press ofAmerica, 1985; também C. J. Misak, Verificationism: its history and prospects,London: Routledge, 1995.

18. Ver Dummett, The Logical Basis of Metaphysics e The Seas of Language (vernota 11).

19. Ver especialmente Devitt, Realism and Truth e Norris, Philosophy of Languageand the Challenge to Scientific Realism (ver notas 6 e 8).

20. Para discussão desses problemas do ponto de vista da historiografia, verJoyce Appleby, Lynn Hunt e Margaret Jacob, Telling the Truth About History,New York: Norton, 1994; Richard Campbell, truth and Historicity, Oxford:Oxford University Press, 1992; Richard Evans, In Defence of History, London:Granta Books, 1997; Christopher Norris, Truth and the Ethics of Criticism,Manchester University Press, 1994; Paul Ricoeur, History and Truth, trad.Charles A. Kelbley, Evanston, IL: Northwestern University Press, 1965.

21. Eu tomo esse exemplo de Soames, Understanding Truth (nota 15).22. Dummett, Truth and Other Enigmas.23. Dummett, The Logical Basis of Metaphysics, p. 7.24. Dummett, The Logical Basis of Metaphysics, p. 7.25. Ver Dummett, ‘Can an Effect Precede its Cause?’, ‘Bringing About the

Past’ e ‘The Reality of the Past’, in Truth and Other Enigmas, p. 319-332,333-50 e 358-74.

26. Dummett, ‘Bringing About the Past’.

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27. Ver nota 25; também Norris, Truth Matters e – para alguma discussão altamen-te relevante – Bernhard Weiss, Michael Dummett, Chesham: Acumen, 2002.

28. Dummet, The Logical Basis of Metaphysics, p. 7.29. Ver notas 12 e 20 supra; também Norris, New Idols of the Cave: on the limits of

anti-realism, Manchester: Manchester University Press, 1997 e Resources ofRealism: prospects for ‘post-analytic’ philosophy, London: Macmillan, 1997; GeraldVision, Modern Anti-Realism and Manufactured Truth, London: Routledge, 1988.

30. Sobre esse tópico ver especialmente Michael Williams, Unnatural Doubts:epistemological realism and the basis of scepticism, Princeton: NJ: PrincetonUniversity press, 1997; ver também Barry Stroud, The Significance of PhilosophicalScepticism, Oxford: Clarendon Press, 1984.

31. Ver especialmente Paul Benacerraf, ‘What Numbers Could Not Be’, inBenacerraf and Hilary Putnam (eds.), The Philosophy of Mathematics: selectedessays, 2a ed., Cambridge: Cambridge University Press, 1983, p. 272-294;ver também Putnam, Mathematics, Matter and Method, Cambridge: CambridgeUniversity Press, 1975.

32. Michael Dummett, Elements of Intuicionism, Oxford: Oxford University Press,1977.

33. Norris, Truth Matter.34. Ver especialmente Kurt Gödel, ‘What is Cantor’s Continuum Problem?’, in

Benacerraf e Putnam, The Philosophy of Mathematics, p. 470-85; tambémGödel, On Formally Undecidable Propositions of Principia Mathematica and RelatedSystems, trad. B. Meltzer, New York: Basic Books, 1962; Kats, RealisticRationalism; Ernest Nagel e James Newman, Gödel’s Proof, London: Routledge,1971; Roger Penrose, Shadows of the Mind: a search for the missing science ofconsciousness, London: Vintage, 1995; e S. G. Shanker (ed.) Gödel’s Theoremin Focus, London: Routledge, 1987.

35. Ver, por exemplo, Michael Detlefson (ed.), Proof and Knowledge in Mathematics,London: Routledge, 1992; W. D. Hart (ed.), The Philosophy of Mathematics,Oxford: Oxford University Press, 1996.

36. Thomas Reid, Inquiry and Essays, Indianapolis: Hackett, 1983; ver tam-bém Nicholas Wolterstorff, Thomas Reid and the Story of Epistemology,Cambridge: Cambridge University Press, 2001.

37. Ver especialmente C. A. J. Coady, Testemony: a philosophical study, Oxford:Clarendon Press, 1992.

38. Ver nota 17.39. J. S. Mill, A System of Logic, 2 vols, ed. M. M. Robson, London: Routledge and

Kegan Paul, 1974.40. Ver Dummett, Elements of Intuicionism.