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Nós, o crack e os outros

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Nós, o crack e os outros traz relatos sobre alguns personagens, além da própria autora, que tiveram suas vivências marcadas de alguma forma pelas pedras. A escrita dessas histórias é apenas um pequeno movimento por um recorte jornalístico mais aproximado (e humanizado) sobre a temática do crack, com foco nos usuários. O local retratado é o Vale do Aço. Lembro que este é apenas um recorte que se ocupa de histórias de vida, não há nesse trabalho a intenção de esgotar nenhuma discussão sobre o assunto, nem a finalidade de apresentar novos dados. Desejo a todos uma boa - e incômoda - leitura.

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Page 1: Nós, o crack e os outros

Eveline Xavier

As histórias que as pedras nos contam e as histórias que as pedras não contam

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As histórias que as pedras nos contam e as histórias que as pedras não contam

Eveline Xavier

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Eveline Souza Xavier

Este livro foi desenvolvido como Trabalho de Conclusão de Curso para habilitação em jornalismo, do curso de comunicação social da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal

de Minas Gerais.

Orientador: Projeto gráfico e diagramação:

Monotipias:Diagramação:

Prof. Nísio TeixeiraBruna Lubambo e Tomás GermanBruna LubamboTomás German

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Minhagratidãosemfimaosmeuspais,queacreditaramqueeupodia,mesmo

quandoeutinhacertezaquenão.Eeupude.Quemeapoiaramemminhasdiversaspassa-

gensporcomunidadesterapêuticasemeacompanharamnosNarcóticosAnônimos.Que

seemocionaramcomestetrabalho,tantoquantoeumesma.

MinhaternagratidãoàGilvaneeaoMoisésquemeconduziramemmeuspri-

meirospassosporessasemuitasoutrashistórias.

MinhagratidãocarinhosaaoOsvaldoeàLenaqueabriramasportasdaMonte

Moriáedesuaprópriacasa,queacolherammeuprojetoemeofereceramcafezinhosquan-

doeueraaindaumadesconhecida.Tornaram-me“decasa”,“bem-vinda”.

MinhaprofundagratidãoaoNísio,àBruna,àMarcelaeaoTomás,quemesmo

comosdiasecabeçasimplesmentelotados,abraçaramestetrabalhocomtamanhagene-

rosidade,dedicaçãoealegria,quemeemocionavamtodavezquecompartilhávamosalgo

sobreestelivro.

EminhaeternagratidãoaoPoderSuperior,quemeguiouesusteveaolongode

todaessacaminhada,quemeensinouaolhardemododiferente,quemeinspirou.

Meugrandedesejoéqueeleilumineocaminhodevoltadetantospais,mães,

cônjuges,filhoseirmãos.

Agra

deci

men

tos

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Sumário

Eu, o crack e os outros8

192633384459

Por onde as pedras me levaram

Caminhando

Domingo, 09 de setembro

Viajante

Inquietude

Histórias que as pedras não contamApêndice: Quando se ouviu fa-lar das pedras

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Eu, o crack e os outros

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Meus pais ainda vivem na mesma casa em Ipa-

tinga onde vivi 20 anos de minha vida. Meu

avô materno se mudou para aquele mesmo

número há cerca de 40 anos. Na época, a ci-

dade ainda estava em fase de organização em torno da siderúrgica

Usiminas (Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais S.A.). A rua onde

foram viver quase não tinha casas, foi habitada aos poucos. Vizi-

nhança sempre tranquila e rostos sempre conhecidos.

Quase quatro décadas depois, ao longo de todo o ano

2011, minha mãe insistiu que a rua em que sempre vivemos - re-

sidencial e tranquila - não era a mesma. As portas e portões de

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nossa casa, que antes permaneciam abertos ao longo de todo o dia, agora estavam sempre

trancados. Difícil acreditar, já que passei a infância inteira jogando bola naquele asfalto e

me escondendo naquelas árvores. Na adolescência, ficava até tarde jogando conversa fora na

calçada.

Depois de passar no vestibular e me mudar para a capital mineira, nos feriados e

férias, minha grande alegria era estar de volta à casa de meus pais, o que me impedia de ter

qualquer percepção negativa sobre aquele lugar. Eu só entendi a preocupação de minha mãe

na primeira manhã de 2012.

A rua onde morei termina num trecho da BR381 que corta Ipatinga. Por volta das

sete e meia da manhã, voltávamos para casa após as comemorações do réveillon. Ao sair da

BR e pegar a rua, qual não foi minha surpresa: era quase impossível discernir os humanos

por trás dos cachimbos, das chamas e da sujeira. Os últimos quarteirões daquela rua em que

brinquei durante minha infância haviam se tornado boca de fumo.

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Naquele dia 1°, entrei em meu quarto e me deitei completamente atônita, estava

exausta depois da virada, mas o sono não vinha. Mais um pouco de insônia e percebi um

paradoxo: há algum tempo ouvia sobre o crack, mas só percebi a que distância estava da re-

alidade daqueles corpos apinhados nas calçadas, quando ela se instalou bem ao lado da casa

de meus pais. Aquelas pessoas passaram a ficar ali todos os dias, assentadas no fim da rua,

pela manhã, durante a tarde e à noite, longe o suficiente para me serem indiferentes enquanto

pessoas, mas tão perto para se tornarem incômodas como dependentes.

Dependentes de quê?

Qualquer identificação de minha parte com o fenômeno era totalmente – e equi-

vocadamente - impensável, até aquela manhã. Então percebi que, mesmo sem traficar, con-

sumir ou sequer ter visto um cachimbo se acender assim tão perto antes daquele dia, com

aquela cena tão concreta e tão próxima, eu também era parte dessa realidade.

Foi então que decidi que precisava conhecê-los.

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Por onde as pedras me

levaram

Segura o B.O., moleque!Segura o B.O.!A casa caiu pra você, você é de menor e não vai ficar só.Ia o moleque crescendo, com a perca no seu dia a dia.Hoje ele porta oitão, é linha de frente da periferia.Ele sofria demais. Ele não tinha oportunidade. Pois era de menor e não tava incluído na sociedade.Um dia ele se revoltou, pegou sua peça e partiu pra missão:Dizia que ia matar, que seu problema não tem solução.Ia o moleque bolado arrumando treta por causa de pó.Só que o bicho pegou, ele não agüentou segurar o B.O.(Segura o B.O. - MC Avatar, Caput1)13

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Acompanhada por uma antiga conhecida, assistente social em Ipatinga, saí em busca de histórias que as pedras não contam, mas que logo

descobri: estão sempre presentes.

Nossa primeira parada foi num distrito de Ipatinga, Barra Alegre, que pertence ao município desde sua emancipação, em

1964. Entramos numa estrada cercada por matas e ribeiros, quando a assistente social me apontou o lugar. De um lado da estrada um

portão cinza e do outro um campo de futebol. Ela explicou que aquele campo pertencia à Missão Resgate, a instituição que desejávamos visitar.

A Missão Resgate recebe adolescentes usuários de drogas com idades entre 12 e 17 anos, residentes no Vale do Aço e municípios vizinhos.

O local tem capacidade para 20 rapazes. Geralmente eles são fichados pela polícia por envolvimento com tráfico, ou outros crimes relacionados ao con-

sumo de drogas ilícitas. Em geral, são réus primários que o juiz opta por encaminhar para tratamento. A maioria deles teme por sua própria segurança e

a dos familiares e vêem na instituição uma oportunidade de se manterem a salvo.

Na época, a Missão lidava com uma série de dívidas e estava prestes a fechar as portas. Colocou parte de seu terreno à venda e desenvolveu

várias ações na tentativa de levantar a renda necessária. O governo municipal havia alguns meses não repassava as verbas destinadas à manutenção do

lugar. A administração pública se tornara um verdadeiro caos desde 2010, quando o então presidente da Câmara Municipal, Robson Gomes, em eleição

extemporânea, foi eleito prefeito de Ipatinga. Por falta de planejamento, diversos recursos repassados pelos governos federal e estadual não foram uti-

lizados, funcionários públicos em atividade e aposentados passaram meses sem receber pagamento, além disso, o Ministério Público ajuizou ações de

improbidade administrativa contra o prefeito e secretários do governo municipal.

Assim como a Missão Resgate, diversos projetos sociais em Ipatinga sofreram com os atrasos nos repasses e fecharam suas portas, os

próprios serviços públicos de saúde, educação e limpeza urbana estavam ameaçados.

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Buzinamos e, depois de alguns minutos, um rapaz moreno abriu o portão. Ele era franzino, tinha uma cicatriz no rosto, um ar desinibido e

o jeito de olhar ainda guardava uma curiosidade infantil. Entramos com o carro numa espécie de quintal bem amplo e ele fechou o portão atrás de nós.

Quando descemos do carro ele já havia se juntado a outros dois adolescentes, sentados na cabeceira de um tosco banco de madeira, em

baixo de uma árvore frondosa. A assistente social desceu do carro primeiro, com um sorriso simpático no rosto foi puxar assunto com os garotos. Curtos

e diretos, eles respondiam às perguntas tentando devolver a simpatia, mas sem muito sucesso, estavam entediados e tinham todos um olhar desconfiado.

A pedido da assistente, um deles foi chamar o encarregado dos garotos naquela Sexta-Feira da Paixão. Junto a ele veio um outro adoles-

cente, de aparência muito infantil, era o menor e mais novo, tinha doze anos. O mais velho dos quatro tinha quinze. Enquanto o responsável nos dava as

boas vindas, percebi que éramos avaliadas pelos quatro assentados ali. De minha parte também observava-os e, imaginando as histórias por trás de suas

cicatrizes e desconfiança, não pude deixar de concluir o óbvio: são tão jovens!

Em pleno feriado, com todos os afazeres da comunidade já cumpridos e um campo de futebol a lhes esperar, nada tão desinteressante quanto

ficar ouvindo conversas de adultos. Mas o horário do almoço se aproximava e eles só poderiam jogar bola depois da refeição.

Pensei em tornar a nossa presença um pouco mais agradável, tentei me aproximar. As primeiras tentativas foram frustradas, eles conti-

nuavam respondendo a tudo monossilabicamente, até que o jovem que nos abriu o portão, num gesto compreensivo, resolveu valorizar meu esforço.

Começou a contar-me como eram as partidas de futebol na Missão. É interessante como o gosto por essa atividade pode, tão facilmente, promover

aproximação. Pronto. Não parou mais de falar, era o mais extrovertido. Lembrou com empolgação das aulas de circo e capoeira que tivera, gabava-se

de suas inúmeras habilidades, tinha talento pra tudo.

A capoeira parecia ser uma outra paixão compartilhada entre aqueles garotos, tanto que fez com que o mais velho (e mais sisudo) entrasse

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na conversa. Ele me disse que gostaria muito de voltar às rodas, ainda que não conseguisse lutar como antes. Na verdade até “bater uma bola” era penoso,

ele me explicou, mostrando uma cicatriz comprida abaixo do joelho esquerdo.

- Ainda bem que foi de 22 e foi de raspão, se fosse 38 eu tava sem a perna. Tava fugindo. Hospital? Que hospital... Não tinha como. Tratei

foi no mato mesmo, fiquei passando planta aqui. Eu fiquei foragido, escondido no meio do mato, uai!

A conversa com eles fluía trazendo as mesmas contradições inerentes às histórias contadas por qualquer adolescente. Revelavam-se dividi-

dos entre relatar com o ar juvenil de quem ainda não se deu conta da seriedade e do peso de suas aventuras com armas, pó e pedras e encarar com pesar

as consequências das escolhas que fizeram, antes mesmo de aprenderem a separar com clareza a realidade da ilusão, a grande fronteira da adolescência.

- Era pra eu ser mestre de capoeira hoje, se eu não tivesse seguido o caminho errado... Meu irmão chegou a ser mestre, mas teve que parar

pra trabalhar, ele joga capoeira bem demais! Todo mundo fala que a gente é muito parecido.

É, de fato, muito pesado para alguém tão jovem ter de decidir entre uma realidade de necessidades, de desigualdade e de faltas e a ilusão

gerada pelo fascínio do poder que o tráfico e a violência promovem.

Descobri que eles tinham em comum ainda mais uma paixão: a família. Não temiam pela própria vida, mas quando se tratava da família

venciam a timidez, erguiam a cabeça e afirmavam serem capazes de matar e morrer por suas mães e irmãos. Foi o único momento em seus relatos que

percebi medo em seus olhos.

- A minha mãe. Eu tô com muita saudade dela... Dos meus irmãos também. Eu não tenho medo pela minha vida não, mas se ameaçar minha

mãe, se for pro lado da minha família, eu viro o bicho, sou capaz de... É, foi por isso que eu resolvi parar, pra não dar mais problema pra minha família.

Sentiam falta dos parentes, que lhes visitavam de 15 em 15 dias na Missão. Aqueles adolescentes haviam perdido muito: o circo, a capoeira,

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a ilusão, até mesmo a liberdade de ir e vir sem o risco de retaliações. Mas a ameaça de perder os familiares lhes trazia verdadeiro pavor.

Fortemente apegados aos vestígios de infância que lhes restaram, vivendo num mundo que não lhes ofereceu nem tempo, nem o espaço ou a

atenção que todas as crianças necessitam para se desenvolverem, no fim da aventura eles foram impelidos a uma decisão adulta: escolher entre continuar

a ilusão, ou proteger a família e preservar a própria vida.

- Mexo com isso mais não. Isso num é vida.

Como será a vida fora dali?

Nota 1 Durantes os meses de novembro e dezembro de 2012, o grupo de pesquisa Som e Sentido do curso de comunicação social da UFMG em parceria com a Asso-

ciação Imagem Comunitária (AIC) realizou uma oficina de rádio junto aos jovens atendidos pelo Centro de Atendimento e Proteção ao Usuário de Tóxicos (Caput) de

Belo Horizonte. “Segura o B.O.” é um dos raps de autoria desses jovens gravados em uma das atividades da oficina.

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Caminhando

Decidi continuar a busca, com a companhia de minha antiga conhecida. Dessa vez visitaríamos

uma Comunidade Terapêutica que recebe homens adultos na cidade de Santana do Paraíso. Com-

binamos de nos encontrar no caminho, no centro de Ipatinga.

Era feriado e as ruas do centro, sempre muito agitadas pelo comércio, estavam deser-

tas. Encontrei minha acompanhante conversando com um rapaz. Tinha 17 anos, era alto, boa aparência, cabelos

bem curtos, pintados de vermelho sob um boné velho, mas bem conservado. A roupa combinava com o boné,

camisa e bermudão bem gastos, mas limpos. Um piercing na sobrancelha.

A assistente social me chamou para fora do carro e nos apresentou. Arrisquei um aperto de mãos, que

ele consentiu um pouco desconfortável. Falava pouco. Tentou sorrir, mas parecia uma tarefa muito árdua, então

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desistiu. Antes de nos despedirmos, ela perguntou onde poderia encontrá-lo para tomarmos um suco qualquer dia, ele respondeu

que estava morando nas redondezas da rodoviária e que estava sempre por lá. Despedimos-nos. Ele novamente ensaiou um sorriso

mal-sucedido, mas dessa vez dedicou um último olhar atencioso, quase terno para ela. Atravessou a rua, virou à primeira esquerda

e não o vimos mais.

A assistente social explicava de onde conhecia o garoto, a voz transmitia certa calma, mas os olhos vermelhos falhavam

ao tentar conter as lágrimas. Ela fora responsável por uma Casa de Passagem que recebia garotos em risco pessoal ou social, por

curtos períodos de tempo. Um desses garotos era o rapaz que ela encontrou - ele passou por diversas Casas Abrigo, mas não perma-

neceu em nenhuma delas. Fazia um bom tempo que não se viam.

Sem nunca ter conhecido o pai, vivia um relacionamento conturbado com a mãe em casa. As coisas se tornavam ainda

mais complicadas quando ela trazia um novo parceiro. Depois de sofrer uma série de abusos dentro da própria casa, ele resolveu

fugir, foi morar na rua. Não demorou muito para conhecer as drogas, se tornou usuário e aviãozinho para sobreviver. Ali na rua

continuou sofrendo todo tipo de violência, até que um dia foi recolhido pelo Conselho Tutelar e, numa medida protetiva, foi enca-

minhado a Casa de Passagem.

No começo, a comunicação com ele foi difícil, era muito fechado, e agressivo. A agressividade era resultante, também,

da abstinência da droga. Depois de um tempo na Casa, tornou-se mais sociável, companheiro, já se aproximava, era prestativo, aos

poucos foi se adaptando à rotina. Tornou-se o defensor dos menores e das cuidadoras. Apesar de não ter conhecido muito afeto em

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sua vida, sabia ser carinhoso e depois de tudo, não parecia guardar consigo nenhuma raiva de seus agressores.

Minha acompanhante desistiu, deixou as lágrimas virem e com elas a sensação de impotência. O garoto saiu da Casa de

Passagem de volta para a mãe e depois disso, o garoto e a assistente social nunca haviam se reencontrado, até aquele dia.

- Algumas pessoas não dão conta de ficar num lugar fechado, limitado, numa casa. Elas estão tão feridas, tão trauma-

tizadas que preferem correr o risco de sofrer alguma violência na rua, do que sofrer as mesmas violências dentro de casa.

Aquele rapaz, de volta a casa da mãe, não agüentou muito tempo. Voltou para as ruas.

- Mas dá pra ver que, mesmo morando na rua, usando pedra, ele continua aquele mesmo menino respeitoso, atencioso

que a gente recebeu lá na Casa de Passagem. Eu preciso fazer alguma coisa por ele, mas o quê?

Nós já chegávamos a Santana do Paraíso.

Chegamos à Comunidade Terapêutica Monte Moriá, à procura de Osvaldo, o coordenador do projeto. Um dos recupe-

randos que nos recebeu ao portão informou que ele havia saído havia alguns minutos, mas logo estaria de volta. Ele nos acompanhou

até o refeitório, onde poderíamos aguardá-lo.

Tudo era muito simples ali. Logo ao lado do portão de entrada um cômodo pequeno coberto por um telhão funcionava

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como dormitório, à direita e à frente duas construções igualmente simples e antigas. À direita, uma pequena casa abrigava o coor-

denador, sua esposa e três filhos, à frente um outro dormitório tão modesto quanto o primeiro, onde os beliches se multiplicavam e

davam a impressão de que o lugar era ainda menor. A alvenaria por todo o espaço da Comunidade revelava as marcas do tempo que

passou desde que os primeiros grupos se recuperaram ali.

O refeitório e a cozinha, com seu fogão à lenha bem rústico, eram anexos ao segundo dormitório. Três mesas grandes

e improvisadas se espalhavam pelo espaço, rodeadas de cadeiras de plástico e de madeira.

Sentamos para esperar por Osvaldo. Enquanto isso, o rapaz que nos recebeu puxou conversa. Disse de onde era e falou

um pouco sobre a obra que se erguia lentamente ao lado do refeitório.

- É o novo dormitório. Nós mesmos é que estamos construindo - contou com orgulho.

De fato a obra era promissora. Com ela também se erguia uma expectativa em todos ali, parecia a promessa de um novo

tempo, ainda que alguns deles não fossem desfrutar das novas instalações, viam-se como parte importante daquela obra. Depois de

perderem tanto, a sensação de estarem novamente construindo algo era recompensadora.

A conversa continuou e ele nos contou sobre a horta que cercava os fundamentos do “novo dormitório” ao fundo e

à esquerda, mas não era a área dele. Quem entendia melhor era o cozinheiro. Apontou para um homem na faixa dos quarenta que

acabava de sair da cozinha.

- Esse aí é cozinheiro mesmo. Faz umas comidas boas demais pra gente!

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O cozinheiro se apresentou. Era, na verdade, padeiro e confeiteiro. Sentou-se próximo a nós. Tinha um sorriso imenso

num rosto redondo e pequeno. De repente um menino veio correndo e o abraçou. Era dia de visita e o homem recebia o pai e o filho

naquele feriado. A criança assentou-se próxima, o sorriso já não cabia naquele rosto pequeno. Descreveu-se como um apaixonado

pela profissão, sabia fazer de um tudo na cozinha, “até bolo de casamento”, mas também era um bom pedreiro e marceneiro.

- Na vida a gente tem que saber de tudo um pouco. A gente não sabe o dia de amanhã, não sabe o que vai precisar

fazer pra sobreviver.

A campainha tocou e um carro atravessou o portão. Era Osvaldo. Seguimos para a casa do coordenador, que nos rece-

beu na varanda, junto à esposa. Ela nos viu e tratou de ir passar um café. Um dos filhos saiu de dentro da casa e nos cumprimentou.

Era apenas um dos trigêmeos do casal. Eu me perguntava como todos eles se distribuíam naquela morada tão pequena. A esposa

nos servia o café elogiando o filho, que nos deixara para jogar bola com os recuperandos no campinho desajeitado da instituição.

- Esse aí diz que quando o pai for bem velho, é ele quem vai cuidar aqui do projeto. Ele vive no meio dos homens aí,

dá conselho pra eles... Agora mesmo foi jogar bola com eles.

Osvaldo me explicou como funcionava a Monte Moriá em meio às dificuldades e contou um pouco de sua história. A

Comunidade Terapêutica foi fundada pela Igreja Assembleia de Deus de Ipatinga. Ali, a Assembleia é uma igreja grande, que tem

em sua convenção várias igrejas filhas, é bem estruturada física, organizacional e financeiramente. Ela fundou o projeto há mais de

20 anos.

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Osvaldo também passou pelo processo de recuperação ali. Era jovem, família bem estruturada, tinha um emprego

promissor e um bom salário. Começou com o baseado, seguiu para a cocaína, que logo ocupou todo o seu tempo, suas forças e seus

planos. Passou pela Monte Moriá e conseguiu deixar as drogas. Trabalhou um tempo fora, mas voltou e coordena o projeto há cerca

de 18 anos.

Atualmente, a Comunidade sobrevive em parte com um apoio financeiro da Igreja, mas também conta com doações.

Aos internos não é cobrado nada pelo tempo que passam ali (nove meses para a recuperação). Os familiares com condições contri-

buem como podem, mas a maioria deles chega apenas com a roupa do corpo.

A recuperação naquela instituição segue a proposta tradicional de uma comunidade terapêutica fundamentada no tripé

trabalho, fé e disciplina. De acordo com essa filosofia, o dependente deve permanecer ocupado boa parte do tempo, o que ajuda a

superar os momentos de fissura e a reabilitação do organismo sem fazer uso de remédios.

- Se o cara vem pra cá é porque ele quer sair daqui limpo. A terapia aqui ó (apontou para a obra), é trabalho. O

cara chega aqui tem dificuldade pra dormir, a gente “taca” trabalho nele. Pronto. Ele dorme a noite inteira. Agora, na hora do

desespero, não tem remédio, não tem ocupação, não tem médico, nem psicólogo que segura o cara não. Só Jesus é que liberta. Se

o cara não tiver muito decidido e não tiver muita fé, ele não permanece aqui não. Nem aqui, nem em clínica nenhuma. O que o

sujeito mais precisa é esperança.

Depois dos primeiros dois meses, os recuperandos podem sair aos finais de semana e feriados para visitar a família, mas

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essa saída é sempre orientada e precisa ser permitida pelo coordenador.

Perguntei se muitos deles vieram para a Monte Moriá por problemas com o crack:

- Ah! Praticamente todos aí. Na minha época não existia isso não, fui ouvir falar de crack muito depois de recuperado,

mas hoje é um ou outro só que “tá” aqui por problema com alcoolismo, ou outra coisa. A maioria usou crack. Começa com um

baseado achando que não vai viciar, que é natural, não faz mal nenhum... Até não vicia mesmo, mas daí um dia dá uma cheirada,

no outro fuma uma pedra achando que não vai viciar também... Aí acabou.

Encerramos a conversa com o sol já se pondo. Deixamos que Osvaldo continuasse sua rotina e fomos assistir a “pelada”

no campinho nos fundos da Comunidade. A todo o momento a campainha soava e um visitante diferente entrava. Eram rapazes da

vizinhança que vinham religiosamente jogar uma bola com os recuperandos. O jogo corria com muitos “frangos”, pouca técnica,

nenhuma grande revelação e muitas gargalhadas.

Eu me senti estranhamente à vontade ali. Decidi então que iria contar as histórias daquele lugar.

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Domingo, 09 de setembro

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- O povo vê viciado na rua, até desvia pra não encontrar com eles na calçada, porque acham que a gente já vai

roubar. Às vezes a gente tá lá fumando e num tá nem prestando atenção nas pessoas passando, nem tá vendo

que o cara tá vindo e eles desviam com medo. - Mateus conta isso como a constatação de um fato comum

e recorrente, mas não é difícil perceber a decepção em sua voz, que ele carrega, aliás, desde os dias em que

fumava pedra nas calçadas.

A capacidade que as crianças têm de brincarem alheias a qualquer adversidade, penso, é uma dádiva. Não quer dizer que não

sofram com os efeitos, mas sua capacidade de julgamento, felizmente, não lhes impõe as rígidas limitações dos preconceitos e não lhes

mantêm presas às circunstâncias.

Naquela tarde de domingo quente e árida, por onde passavam, duas crianças levantavam muita poeira, rolando pelo mato seco

que restou de um inverno praticamente sem chuvas. Uma menina nos seus seis anos de idade e o irmão aos quatro.

Crianças se divertem das maneiras mais simples e estranhas. No campinho de futebol, com um gramado marrom muito ralo e

castigado, eles jogavam terra em suas cabeças às gargalhadas como se tomassem banho. O pai era um rapaz esguio de pele clara com um

rosto colorido por sardas, e semblante juvenil. Ele assistia a tudo incrivelmente satisfeito, com um sorriso bobo no rosto. Era possível ver

aquele mesmo sorriso nas faces de mais oito outros recuperandos que, vez ou outra, interrompiam o bate-papo no refeitório da Comunidade

Terapêutica para assistir a cena.

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Mateus revelou ter mais um filho, um bebê que ainda não havia completado um ano de idade, era difícil acreditar

sendo ele tão jovem, 27 anos.

Ele lembra com prazer de suas melhores memórias da infância, sempre passadas junto do pai. Ele ensinou Mateus

a pescar e andar de moto ainda muito novo. Parecia que nada no mundo seria capaz de separar aqueles dois, sempre que podiam

estavam juntos.

- Eu ia até trabalhar com ele.

Mas um dia a adolescência chegou e Mateus começou a acreditar que estava perdendo muito tempo com seu pai.

- Meu pai era meu herói. Só que aí eu cresci. Ele me corrigia e eu pensava: “Nossa meu pai é um careta”, aí eu fui

me afastando e esse foi meu problema maior. Eu não devia ter me afastado dele.

Mateus tinha 12 anos quando começou a trabalhar. Dividiu-se, então, entre os estudos e o trabalho. Terminava sua

rotina bem tarde, quando já não havia outras crianças para brincar, logo passou a andar com gente mais velha.

- Eu chegava tarde, não tinha mais ninguém brincando de birosca, jogando videogame... Não sei fazer nada disso,

não sei fazer um papagaio.

Mateus parou de pescar com seu pai e foi pescar com outras pessoas que faziam coisas que seu pai nunca fizera.

Quando se deu conta, nem pescava mais.

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Aos quatorze aprendeu a beber, logo depois a fumar. Apresentaram-lhe um baseado e uma profissão, foi trabalhar

como mecânico, e como mecânico conheceu o crack.

Aos 16, ele desmontava carros e preparava-os para pessoas que buscavam a pasta base de cocaína em Belo Horizonte.

Conseguia grandes quantias de dinheiro fácil, mas não fazia ideia da degradação que o crack poderia causar. Com a proposta de

ganhar ainda mais dinheiro, passou a ajudar no preparo das pedras.

- Eu misturava na maconha e experimentava pra ver se tinha ficado boa. Ganhava muito dinheiro, minha vida era

boa demais! Só que depois veio o lado ruim do crack, que é a realidade. O quê que o crack é na realidade, eu só conheci depois:

o crack só destrói. Você vive num mundinho ali afastado, só da droga.

Mateus já não conseguia conviver com o pai, com mais ninguém. Com o uso constante, ele experimentou longos

períodos de ausência na família, na vida dos filhos, nele mesmo. Logo descobriu como é ser tratado como uma pedra no meio do

caminho das pessoas que percorrem as calçadas. Perdeu o controle de si mesmo.

- Domínio próprio. Eu não conseguia me dominar. Eu tinha um compromisso com a minha família, não queria dar

desgosto pra eles, mas eu não conseguia me dominar. O dinheiro ia todo pra droga, eu não conseguia me controlar.

Mas ser viciado nem sempre significa ser esquecido, nem esquecer.

É a segunda vez que ele passa pela Monte Moriá. E a família nunca se afastou de fato. Naquele domingo vieram o

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pai, a irmã, o cunhado e os dois filhos maiores. Os parentes conversavam com os outros internos e caminhavam pela comunidade

terapêutica aparentando bastante familiaridade, afinal, tornaram-se visita frequente para as refeições do fim de semana nos últimos

meses.

Os almoços durante os finais de semana ali não diferem muito das refeições dominicais de boa parte das casas bra-

sileiras, a não ser pelo fato de reunirem sempre mais de uma família. Todos que aparecem para a refeição são muito bem vindos.

Mateus se apresenta orgulhoso como um dos cozinheiros.

As visitas são esperadas com grande ansiedade, a essa altura dos acontecimentos o apoio de parentes e amigos é o que

há de mais importante para os usuários em tratamento, por vezes é a única importância que lhes resta.

- Ah! Meu pai é meu melhor amigo. Meu único amigo. Ele me apóia, quer ver meu bem, ele quer que eu tenha uma

vida normal. É tão simples, mas é tão difícil ao mesmo tempo.

Não há quem possa garantir que os nove meses que passará na comunidade terapêutica serão, enfim, suficientes para

que Mateus supere os problemas com a dependência. Ele acredita firmemente que sim. Mas o olhar dele para os filhos naquele

refeitório chega a ser capaz de calar essa incógnita e fazer as cobranças e angústias do futuro esperarem em seu devido lugar.

Aquele olhar é um olhar diferente dos que vemos nas calçadas, olhar de quem é aceito, de quem sabe que é aguarda-

do, de quem está redescobrindo que faz parte de algo muito maior que ele próprio.

Page 31: Nós, o crack e os outros

É o mesmo olhar que tem seu pai, um senhor grisalho na faixa dos sessenta, alto como Mateus, semblante tranquilo,

divertido, conversa fácil, o mesmo sorriso do filho. Olhar bobo que têm os pais que olham por seus filhos, enquanto eles brincam

muito mais preocupados com suas peraltices, que com o futuro, ou com os motivos que levam os adultos a desviarem nas calçadas.

A simplicidade das crianças é, de fato, uma dádiva!

- As pessoas têm preconceito até com quem tá aqui na recuperação, acham que aqui só tem marginal, não passam

nem na porta, porque acham que vão entrar aqui e encontrar uns monstros. Você veio aqui um dia que meus filhos vieram me

visitar, eles ficam o tempo todo correndo aqui pelo espaço afora, brincando no meio do pessoal totalmente à vontade, você acha

que se nós fossemos monstros eles estariam fazendo isso?

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Viajante

- M inha mãe chegava de tarde do serviço, aí sobrava sempre um suco, um chup-chup ou um salgado. Ela

falava: “Não! Vocês não tavam trabalhando, vocês tavam brincando”... Daí eu falei pro meu irmão:

“Oh Junin, vamos catar rebite de carreta pra gente vender, aí quando chegar de tarde, se sobrar algum

salgado da mãe a gente compra dela”.

33

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Flávio é um viajante. Mineiro, nos primeiros anos de vida perdeu o pai e a família precisou se mudar para o Rio de Janeiro. Lá a mãe

fazia quitandas e as vendia na rua. Aos nove, ele começou a ajudá-la nas vendas, percorrendo ruas e vielas da cidade. Apesar da imensa vontade de

passar seus dias brincando, já entendia a importância das quitandas na sobrevivência da família e viu nos rebites de alumínio um meio de ajudar na

renda e investir no trabalho da mãe.

Catando rebites de carreta, chamaram o Junior, seu irmão mais velho, para trabalhar numa oficina de caminhões. Flávio, seu fiel segui-

dor, teria de vir junto.

- Lá todo mundo fumava um baseado, só que eu não queria mexer com isso não.

Aos 15 apareceu uma oportunidade e os dois irmãos montaram sua primeira oficina. Flávio me mostrou a foto antiga de quando coloca-

ram a mecânica para funcionar. Trabalhavam apenas com carretas e as marcas deixadas nelas pelas longas jornadas que faziam:

- Esse aqui é o meu maior orgulho! - Ele dizia apontando para a foto da oficina.

Flávio carrega a melhor parte de sua história naquele álbum de papel velho, que aos poucos está cedendo com o peso de tantas fotos.

Tem até da primeira namorada, que ele deixou no Rio quando abriu sua segunda oficina, em Aparecida do Norte, São Paulo. Para mim soou como

uma daquelas paixões inesquecíveis.

Fico olhando para ele e pensando: como o corpo humano, tão pequeno e tão frágil, dá conta de trazer consigo toda a complexidade do

ser e o peso de tantas histórias e de tantos caminhos. Flávio é a materialização disso, não que ele seja muito pequeno, ou pareça muito frágil, mas, a

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cada conversa, eu era levada a um lugar diferente de sua vida e a um lugar diferente dentro dele mesmo.

- No começo do ano agora eu vim lá de Penaforte [Ceará] a pé e de carona em carreta, pegando um pedacinho aqui, outro ali... E hoje

eu tô aqui.

Ainda me lembro da primeira vez que nos vimos: ele havia chegado há apenas dez dias na Monte Moriá. Um rapaz moreno de cabeça

raspada, bem magro, que aparentava estar em seus 20 e poucos anos (mais tarde me surpreendi por serem na verdade 32). Ficou sentado num canto

do refeitório, sisudo, silencioso, cabeça baixa, mas olhos espertos, atentos.

Depois de deixar sua primeira impressão, veio sentar-se perto de mim. De sisudo passou a questionador. Estava investigando. Fez-me

dezenas de perguntas, sorriu para todas as minhas respostas como se não fossem suficientes. Inclinou-se um pouco na cadeira para parecer relaxado,

tentando esconder a tensão de quem ainda não sabia se estava em terreno amigo, testava a mim e a todos ali. Resolvi jogar o mesmo jogo, Flávio não

demorou a perceber e baixou a guarda, achou engraçada minha tentativa desastrada de imitá-lo, começou a compartilhar suas histórias e não parou

mais de falar.

Em Aparecida do Norte, bem próximo à basílica, o mecânico fumou sua primeira pedra. Tinha 19. Aos 12, seus colegas da oficina lhe

ensinaram a cheirar tíner. Depois de relutar por um tempo, também experimentou alguns baseados. A mãe logo percebeu e ele desistiu daquelas

viagens curtas, preferiu não se envolver com mais nada. Dos 15 aos 19 ficou por conta apenas de suas carretas, a oficina - seu “maior orgulho” - e

sua namorada. Mas nunca havia sonhado em ganhar tanto como em Aparecida. Naquela época, uma viagem pelo mundo das pedras lhe pareceu uma

boa ideia.

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Consumiu-se tanto com as novas “viagens” que já não conseguia parar por um tempo na realidade. Logo viu seu “maior orgulho”

evaporar junto à fumaça de seus cachimbos. No ano 2000, pegou a estrada de volta a Minas para reencontrar seu irmão, mas as pedras pareciam

acompanhá-lo e começaram a ser traficadas também no interior.

Flávio não tinha mais oficina, não tinha mais orgulho, não tinha mais paixão, não tinha mais a mãe. Restou-lhe uma tia distante, um

irmão – que ele quer bem como a um pai – e três irmãs já casadas. Todos tentavam compreendê-lo, mas suas viagens só tinham lugar para um.

- Meu irmão um dia me chamou e falou: “Flávio, você quer morrer? Por que se você quiser morrer, você pode continuar assim”. Um

pastor me ofereceu uma oportunidade de ir para um centro de recuperação, mas eu não queria saber de mais nada.

Depois de me mostrar as fotos, contou-me envergonhado que deu “muito serviço pra polícia” da cidade onde vivia no interior de Minas.

Preso 17 vezes acusado por furto, sempre saía da cadeia, pois nunca conseguiram ligá-lo aos crimes. A família acreditava que em breve o encontra-

riam morto, mas ele não queria mesmo saber de mais nada.

Cinco dias depois de ouvir a proposta do pastor, um traficante com quem tinha dívidas mandou matá-lo. Quando se deu conta da situa-

ção, Flávio fugiu. Na perseguição, seu algoz tropeçou e deixou cair a arma. Ele aproveitou a oportunidade para pular um muro, sair da mira e nova-

mente colocar o pé na estrada rumo a uma história diferente. Procurou o irmão e o pastor e pediu ajuda, os dois acompanharam-no à Monte Moriá.

Em nosso segundo encontro, Flávio me esperava ansiosamente, guardava uma novidade que já não cabia nele: pela primeira vez rece-

bera a visita de Junior. Dessa vez não era mais o rapaz magro, desconfiado e desconfortável que chegou à comunidade terapêutica, se portava como

um velho conhecido de todos ali, tão familiarizado com o local que já me recebia com certo sentimento de pertença. Convidava-me a sentar e me

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dizia para ficar à vontade.

- Depois de muita espera esse fim de semana eu recebi visita. Veio meu irmão e o pastor que me trouxe pra cá. Eles passaram o dia aqui

comigo... Se eu fiquei? Fiquei alegre demais, mais de um mês aqui e eu ainda não tinha recebido nenhuma visita. Todo mundo recebia, menos eu.

É claro que aqui é uma família, a visita dos outros a gente recebe pra gente também, mas meu irmão... Nossa! A gente precisa muito desse apoio.

Na semana em que me mostrou as fotos, ele completou três meses de sua primeira passagem pela recuperação. Na primeira passagem,

geralmente a maioria mostra bastante firmeza ao longo dos primeiros dias, mas a fissura, a dependência psicológica e a falta de uma resolução pessoal

mais profunda sobre a situação, normalmente fazem com que essa firmeza na decisão de “ficar limpo” se esvaia ao longo das semanas. No entanto,

sempre encontro Flávio cada vez mais resoluto diante da possibilidade da recuperação, mesmo com as dificuldades que encontra e do pouco apoio

que recebe da família ali – até aquela data o irmão lhe fizera apenas duas visitas. Ele diz que o maior incentivo para concluir os nove meses vem da

amizade dos companheiros da Monte Moriá.

- Uma mão lava a outra, as duas lavam o rosto e vamo embora! Eu não quero voltar aqui pra me recuperar mais, eu quero voltar aqui

pra trazer um futuro pra eles. Nem que seja de bicicleta eu volto aqui.

Flávio continua viajando, em nossas conversas viaja para o futuro, compartilha seus sonhos e faz planos com a segurança de quem já

começou a vivê-los. Ele escolheu continuar sua caminhada por uma realidade em que ele não esteja sozinho, em que possa perceber o mundo a sua

volta, afinal sempre gostou mesmo é de viajar com os pés no chão.

- Porque eu sou simplesmente um ex-doido... Eu não sou doido mais, beleza?!

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Inquietude 38

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- Eu não me arrependo de ter passado

por tudo que eu passei. Eu aprendi a

ser humilde, eu deixei de ser egoísta,

aprendi a ajudar as pessoas. Antes eu

era muito nariz em pé, achava que eu precisava ter muita coisa

pra ser alguém. Depois de tudo que eu passei, eu vi que a gente

num precisa de nada disso pra viver. Quando eu tava lá viciado

na pedra é que eu aprendi a ajudar os outros.

Durante as longas conversas que tinha com os re-

cuperandos da Monte Moriá, um deles não conseguia se conter.

Sempre cheio de perguntas e pontos de vista, confrontava a to-

dos nós, ora alternado as posições dos braços apoiados na mesa,

ora balançando-se na cadeira, ora caminhando até o bebedouro.

Jason tem um daqueles espíritos inquietos, além de ser grande

apreciador da curiosidade.

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Nos anos memoráveis de sua juventude, a característica que o definia era a capacidade de não se deter em nada, vivia

para desfrutar as aventuras do dia seguinte, saía sempre a sua procura, em qualquer lugar, e não parava até encontrá-las. Em suas

próprias palavras, ele “necessita de adrenalina”.

Ainda bem criança, deu um grande susto na mãe quando ela estava prestes a dar a luz a seu irmão: ele foi atropelado

– segundo ele mesmo - porque estava “fazendo arte” na rua. Esse episódio da infância foi o primeiro de uma série de pequenos

acidentes e atropelamentos.

Perambulava pelas ruas até a madrugada em busca da tal adrenalina, pegava carona em traseiras de ônibus, parti-

cipava de competições de skate, mountain bike e patins, experimentava tudo que pudesse lhe trazer aquela sensação. Jovem de

classe média, tudo o que tinha nunca era suficiente, ele não conseguia parar por nada, em lugar algum, por ninguém. O pai bem

que tentou, chamou-lhe à atenção um dia e disse que com uma vida tão cheia de riscos iria acabar morrendo. Jason encarou como

um novo desafio.

Uma noite, de volta para casa depois de suas habituais aventuras, deu carona para algumas moças. Elas lhe oferece-

ram uma miscelânea de substâncias, entre elas, uma que nunca havia provado. Gostou.

- Eu não sabia o que eu tava usando, depois que eu fui saber. Na minha época não tinha conscientização igual tem

hoje. É uma droga nova, apesar de ser muito falada, mas as pessoas hoje em dia não sabem com o quê que elas estão lidando. A

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cada dia que passa, eu percebo mais que é muito difícil, não de parar, mas de compreender o poder que ela tem.

A droga o parou. O consumo crônico de crack fez seu ritmo diminuir, bem como seu interesse por aventuras. Arran-

jou um substituto de peso para a adrenalina. Com a dependência o corpo parou de reagir como de costume, já não conseguia pensar

com tanta clareza, não conseguia sequer fazer as perguntas de que tanto gostava, viu sua insaciável curiosidade se calar. Passou

a depender do tempo e da atenção das pessoas pelas quais ele nunca se deteve. Logo ele, tão dono de si e senhor das situações

mais arriscadas, foi perdendo a consciência dele próprio. O crack fez Jason parar para ver o mundo de um ângulo que ele nunca

pensou em conhecer.

Não suportou perder o próprio controle. Com a ajuda da mãe foi procurar tratamento.

- Minha mãe ficava me mostrando as fotos das viagens dela pelo mundo inteiro e falando assim: “Tanto lugar baca-

na pra você ir e você fica aí gastando rios de dinheiro de esquina em esquina. Nossa! Você é careta demais!”.

Ao todo, foram três internações em hospitais psiquiátricos e cinco passagens por comunidades terapêuticas. Esta é a

sexta e pela primeira vez ele vai concluir o período de tratamento. As idas e vindas eram justificadas pela falta de interesse. Jason

já não gostava do crack, sua falta de controle sobre a dependência fazia-o sentir-se num verdadeiro inferno - “independente de

estar em chamas ou não” - mas, para a inquietude de seu espírito, isso ainda não era suficiente, faltava-lhe uma motivação maior

para permanecer. A motivação apareceu três meses antes de entrar na Monte Moriá.

Page 42: Nós, o crack e os outros

- Eu nunca levei tratamento a sério. Eu só fui levar agora, porque a minha filha nasceu... Ela vai fazer um ano agora

em dezembro, quando ela tinha três meses eu vim pra cá. Eu tenho muito medo de frustrá-la à toa, né! Porque droga é à toa...

Acabou a diversão na verdade.

À medida que o crack deixava seu organismo e sua mente, a necessidade pela adrenalina retornava. Sua antiga

curiosidade também voltou e com ela as múltiplas, incansáveis e adoradas perguntas que povoam sua consciência. Os colegas da

Monte Moriá o chamam de psicólogo, quando cisma com um deles inicia uma maratona de questões que só se encerra em dois

ou três dias.

- No início a recuperação era só pela minha filha, agora eu tô curioso em parar, a verdade é essa. Entrou na minha

mente: “Você não vai conseguir ganhar disso não?”. Eu quero conseguir vencer, porque pra mim é um desafio. Eu preciso co-

nhecer o outro lado da droga que é a recuperação.

Jason não se intimida em responder questões complicadas. Ele me explicou que dessa vez vai concluir os nove meses,

pois aprendeu a fazer as perguntas certas em seu estudo sobre seu próprio vício, acredita que são elas que vão conduzi-lo para

longe da dependência. Elas e o curso de paraquedismo que pretende fazer com a mãe quando deixar a Monte Moriá.

- Pode perguntar mesmo! Não tenha vergonha. Eu me sinto muito a vontade com perguntas difíceis.

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- Muitas clientes falam comigo: “Não acredito que você passa por tudo isso e con-

tinua rindo, continua brincando”. Não é nem tão sofrido pra te falar a verdade,

não é tão sacrificante, tão pesado, não é tão assim... A gente vive.

Adélia é uma jovem microempresária de Ipatinga que trabalha com atendimento ao público. A re-

lação com seus clientes facilmente se torna uma relação de amizade graças à sua extroversão, seu carisma e suas

gargalhadas altas e divertidas que representam, pelo menos, 50% das conversas com ela. A profissional da beleza

Histórias que as pedras não contam

44

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é capaz de tornar engraçados os assuntos mais complexos, até as mazelas parecem perder todo seu peso quando contadas por ela.

Casada há nove anos com Carlos, um homem igualmente jovem, menor que a esposa e bem mais magro, há oito tiveram

o carinhoso e hiperativo Davi. Quem é atendido pela esfuziante Adélia, dificilmente imagina que seu relacionamento familiar se

confunde com os caminhos das pedras em Ipatinga. Na verdade, é difícil imaginar muito mais por seu estado de espírito, que pela

atual situação do consumo de crack na cidade.

- Eu procuro segurar a onda pra não deixar ele mais nervoso, pra ele não sair e usar o crack, porque o crack tá aqui

na praça, ele tá aqui do lado. É que nem eu te falei: é tão maquiado, é tão tampado que eu achava que eu era a única mulher casada

que tinha um marido que usava crack, aí conversando com um, conversando com outro... As minhas clientes: ou é um irmão, ou é

um primo, ou é o tio, ou é um pai. Todas com poder aquisitivo bom, num é pobre, sabe? Aqui na rua tem cinco - eu fiquei de boca

aberta! - tudo com dificuldade assim. Uma vizinha nossa, o neto apareceu lá e quebrou a casa toda... É muito difícil!

Certa vez, numa busca pelo marido, Adélia visitou diversas bocas de fumo e alguns dos traficantes conhecidos da

cidade. Era aniversário de Davi. Carlos pediu um adiantamento do salário para comprar um presente para o filho. Ele saiu do traba-

lho, foi ao centro comercial comprar o presente e depois disso Adélia não soube mais do marido. À noite, a festa aconteceu sem a

presença do pai. Ao aniversário de Davi se seguiram três dias sem notícias do marido. Adélia, então, ligou para o cunhado e os dois

saíram à procura de Carlos.

A busca começou pelo bairro onde moravam antes de Adélia abrir sua empresa, lá disseram que ela deveria procurar

pelo “Psicopata”, com quem Carlos costumava fumar. O apelido provocou a curiosidade da empresária, que descobriu sua razão: os

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pais de Psicopata foram trabalhar em Portugal - de onde nunca voltaram - e deixaram o filho com a avó, uma senhora enferma que

depende de ajuda até mesmo para tomar seus remédios. O rapaz logo se tornou adicto. Desesperado por se livrar do vício, um dia

trancou-se dentro de casa e jogou a chave pela janela, mas a fissura foi tão violenta que ele ateou fogo no próprio corpo.

- Ele se queimou todo, ele é todo deformado... Foi pra não usar droga. Ele tentou... Mas ele tentou de uma forma

errada.

Na casa de Psicopata informaram que o Carlos não passara por lá, indicaram o nome de outro usuário e Adélia bateu de

porta em porta, até chegar à casa de um traficante apelidado de “Foguinho”.

- E eu achando que o traficante era um homem mais velho, o Foguinho não deve ter nem 17 anos.

Foguinho lhe deu o endereço de uma propriedade usada como boca de fumo. Quando chegaram, Adélia e o cunhado

precisaram pular o muro. Dentro da propriedade o cheiro era pútrido, os usuários urinavam e defecavam naquele mesmo chão onde

se multiplicavam latas, sujeira e corpos.

- Aí eu perguntei pra eles onde tava o Carlos: “Ah! Ele já foi embora”.

Adélia seguiu quase sem esperanças para a região central da cidade, que havia algum tempo, concentrava grande

número de usuários. Ela sabia que quanto maior o período que o usuário passa consumindo, menores são as chances de ele voltar.

Procurou o marido debaixo de uma ponte que liga o Centro a um bairro vizinho. Lá, uma mulher grávida com os seios à mostra,

fumava de cócoras observada por duas crianças assentadas num sofá velho. Mais abaixo, vários homens vestidos com uniformes de

Page 47: Nós, o crack e os outros

diferentes empresas da cidade, como a Usiminas e a Sankyu, acendiam seus cachimbos e latas, assentados à beira do rio.

- Eu chegava pra eles e perguntava: Você viu um rapaz assim e assado?

“Aqui? Não. O quê ele tá fazendo aqui?”.

É que ele usa drogas.

“Nossa! Ele usa drogas?”.

O cara com a boca toda queimada! Ele vira pra mim e fala que tá indignado porque o outro tá usando droga... O quê

que esse cara tá fazendo ali? E são pessoas normais, não são marginais não, são pessoas que trabalham e parece que passam o

resto do dia ali. O crack alastrou, pegou todo mundo. Se a gente não vigiar, pega até a gente.

Carlos ficou sabendo que a esposa o procurava e voltou para casa. Apesar de estar sujo e faminto, nunca admitiu por

onde andou durante aqueles dias. Voltou trazendo os presentes que comprara para o filho.

Adélia casou-se sem saber da adicção do marido, os sinais só apareceram nos primeiros meses da gravidez de Davi.

Carlos ficava constantemente alterado, pupilas muito dilatadas e quantias de dinheiro começaram a sumir do caixa da loja do casal,

sem motivo aparente. A esposa começou a procurar uma causa, então achou um pequeno embrulho com maconha.

Um tempo depois do nascimento de Davi, Carlos começou a guardar latas vazias, Adélia estranhou:

- Pra quê que precisa de lata de refrigerante. Você sabe pra quê? Pois é, eu não sabia. Quê que esse cara tá fazendo

com lata? E nisso eu fui pesquisando, pesquisando, pergunta aqui, pergunta ali... Aí eu comecei a perceber que os valores que su-

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miam eram mais altos, ele ficava mais alterado do que de costume. Aí começou a mentir, começou a não dormir em casa, pra ficar

na loja, falar que tava trabalhando até mais tarde, na verdade ele tava consumindo droga até tarde com os colegas dele.

Em alguns meses a loja faliu, Adélia foi trabalhar num salão de beleza, Carlos estava desempregado e as discussões

eram constantes. Aos sumiços de Carlos, somaram-se pequenos furtos dentro da própria casa. Ele costumava voltar das idas às bo-

cas tarde da noite e encontrar a casa fechada, então pegava o que estivesse do lado de fora para transformar em pedra, um dia foi o

botijão de gás, num outro uma bicicleta do casal. O curioso é que ele nunca mexeu nas coisas de Adélia. Geralmente, antes de sair

para o trabalho, ela deixava dinheiro bem à vista para uma eventual despesa da casa, ele nunca tocou no dinheiro.

Os conhecidos sempre questionam o motivo de a empresária manter o casamento, ela me contou isso antecipando

minha pergunta, que agora me soava um pouco óbvia. A possibilidade foi cogitada diversas vezes, mas quando Adélia finalmente

explicou a lógica que a mantém unida a Carlos, fiquei constrangida com meu questionamento.

- Eu não quero ter na minha mente que eu poderia fazer alguma coisa por ele e não fiz. Tantas pessoas carregam

problemas de outras pessoas, que nem são da mesma família e eu não vou fazer isso pelo meu marido? Se eu não consigo fazer isso

por alguém que tá dentro da minha casa, eu não vou fazer isso por ninguém. É muito fácil você amar quem tá bem, vai amar quem

tá mal... Ele é digno disso. Eu acho que ele não é digno de ficar na rua, porque se eu me separar dele, vai ser mais um.

Adélia e Davi são a única família de Carlos. Aos doze anos, ele e os dois irmãos assistiram um processo de divórcio

conflituoso entre os pais. Nenhum deles tinha casa, os três filhos, então, de mês em mês migravam entre as casas dos tios e dos avós.

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Logo após a separação, a mãe começou a namorar um rapaz bem mais jovem, o pai casou novamente e construiu outra família, cada

um foi viver sua vida e os filhos ficaram perdidos e sem referência com a separação.

A mãe de Carlos divorciou do pai por causa do problema dele com alcoolismo. Não demorou muito e o filho começou

a se consolar com baseados e muito pó. A família só se deu conta no fim do ano letivo, quando foram avisados que o garoto não

apareceu na escola durante meses. Mas cada um dos pais seguia envolvido com sua própria vida, sem dar muita atenção aos conflitos

dos filhos.

A mãe faleceu aos 42 anos, pouco mais de uma década depois da separação. O pai é vivo. Ainda alcoólatra, ele dorme

nas ruas e calçadas do bairro onde sempre morou em Vitória - cidade natal de Carlos - vive de favor dos outros. Por se tratar de um

bairro de moradores mais antigos, todos o conhecem e ajudam, dão comida, roupa, banho.

Os outros dois filhos tomaram seus rumos para fora daquela história. Casaram-se, constituíram suas próprias famílias,

mantém pouco contato e preferem não falar sobre o passado.

Quando começaram a namorar, Adélia não tinha muitas perspectivas, foi Carlos quem a incentivou a estudar. Sua

família não tinha condições de pagar um curso, ou uma faculdade, então o namorado descobriu uma instituição que oferecia cursos

técnicos gratuitamente e estimulou Adélia até que ela se inscrevesse. Depois do nascimento de Davi, o marido se ocupava do bebê

para que a mãe pudesse assistir às aulas.

- Embora ele usasse, consumisse a droga, a pessoa dele não me afetava. Comigo ele é super carinhoso, com o Davi ele

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é super carinhoso. É um bom marido, se eu adoeço, se eu passo mal, ele limpa, passa, cozinha... Fica o dia inteiro te servindo: você

quer isso, você quer aquilo... Acompanha, incentiva. Eu acho que tudo que ele gostaria de ser, ele quer que eu seja.

Ao chegar a casa/empresa de Adélia para nossa conversa, ela e o marido estavam envolvidos com alguns afazeres de

uma reforma que iriam começar aquela semana. Carlos continuou preparando o local sozinho, enquanto sua esposa conversava co-

migo. Durante a conversa com Adélia, ele se dividiu entre os afazeres da reforma, conferir se estávamos confortáveis - oferecendo-

-nos água gelada e suco - e trocar alguns dedos de prosa e algumas risadas com a irmã de sua esposa, que se ocupava da recepção da

empresa. Ela me explicou que o marido é sempre assim: prestativo, preocupado com todos ao redor.

Atualmente a família de Adélia sabe do problema de Carlos, apesar de ele ainda insistir em acreditar que não. Por muito

tempo sua mãe e irmãos desconfiaram, mas ela teve de lidar com tudo sozinha. Quando a empresária confirmou as suspeitas, as

opiniões se dividiram, mas hoje eles respeitam sua decisão de permanecer ao lado de Carlos e sua esperança em vê-lo no caminho

de volta. Na verdade, a sogra e os cunhados se afeiçoaram ao marido de Adélia, valorizam o cuidado que ele tem com a mulher e

principalmente seus esforços para proteger Davi, que ainda não entende as ausências repentinas do pai.

- Ele não sabe que o Carlos usa droga e eu não falo isso pra ele. Por exemplo, nesses dias que o Carlos some, ele

pergunta: “Cadê meu pai?”, daí eu falo que ele tá trabalhando. Aí o pai dele chega e ele vai dar um abraço no pai: “Nossa pai,

você trabalha tanto!”. Isso quebra o Carlos, ele se sente mal pra caramba.

Adélia diz amar muito o marido, um sentimento que é claramente diverso de uma paixão cega. Há cerca de cinco meses,

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Carlos não anda em companhia das pedras. Ele sabe que pode contar com a esposa mesmo em tempos de crise, já ela sabe que não

pode contar com a aparente estabilidade dele.

- É um milagre ele consumir, consumir, ainda voltar pra casa e estar bem até hoje.

Em nossa conversa, a profissional, especialista em cuidar de aparências, falou sobre os percalços de seu relacionamento

em profundidade e sem constrangimento. Os olhos brilhavam de lágrimas discretas e muita fé. As gargalhadas divertidas enchiam a

sala, intercalando os relatos detalhados das circunstâncias mais complicadas que ela encarou por causa do vício do pai de seu filho

e do homem que ela escolheu amar.

A princípio, pensei que toda aquela extroversão fosse um artifício, uma fuga, depois de uma tarde inteira de confissões,

descobri ser, de fato, a essência de Adélia e a forma como ela conduz tudo mais em sua vida. Há muito ela abriu mão do conto de

fadas com o qual sonhou na adolescência, da mesma forma precisou abrir mão de vários planos e projetos, no entanto, ela me diz

isso não como mártir, mas com a paz de espírito e a firmeza de quem sente que tomou a decisão mais acertada.

- A minha meta agora é a cura do Carlos.

Ela escolheu o ser humano com todas as dificuldades da realidade que o cerca.

- Na verdade eu sempre quis contar isso, eu sempre falei que eu ia fazer um livro com tudo que eu já passei (risos).

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“Não necessitam de médico os que estão sãos, mas, sim, os que estão enfermos”.

(Evangelho segundo Lucas, capítulo 5)

Adélia citou-me essa passagem ao falar sobre o amor que sentia pelo marido. A passagem remete a um episódio em que

Jesus participou de um grande banquete oferecido pelo publicano Mateus em sua casa, que mais tarde deixou o ofício para se tornar

apóstolo. Na época a nação de Israel era dominada pelo Império Romano e os publicanos eram homens escolhidos entre o próprio

povo dominado, para cobrar imposto de seus pares para o Império. Por esse motivo eram detestados pelos judeus e, geralmente, se

envolviam em corrupção, a fama que lhes ocorria era de desonestidade e eram repudiados e considerados inferiores, principalmente

pela casta religiosa dos fariseus.

Há algum tempo Jesus estava sendo perseguido por fariseus e mestres da lei judaica, pois há cada oportunidade o Cristo

os confrontava pelas ações legalistas e discursos hipócritas que eles apresentavam. Por ocasião do banquete, eles questionaram as

intenções de Jesus e seu próprio caráter, uma vez que ele comia e bebia com “publicanos e pecadores”. De acordo com a bíblia, ele

respondeu às críticas com a passagem citada por Adélia. Ela concluiu a reflexão sobre seu relacionamento com o marido, dizendo:

“Nós temos que estar para os enfermos”.

Logo que comecei minhas viagens pelas histórias que as pedras contam e pelas histórias que elas não contam, presen-

Page 53: Nós, o crack e os outros

ciei um assalto na Avenida Antônio Carlos, em Belo Horizonte. Eu aguardava um ônibus para a região hospitalar no ponto, no meio

de uma tarde de sábado. Um adolescente vestido com roupas bem gastas e sujas, calçando tênis velhos e portando uma mochila preta

rasgada, se aproximou. Manteve-se bem próximo a mim e andava de um lado para o outro, como se reparasse em cada detalhe. Uma

moça e um rapaz também aguardavam no mesmo ponto, um pouco mais distantes. Eu me senti incomodada com a movimentação

do adolescente e mantive minha bolsa bem junto ao corpo. Ele atravessou a Avenida, sumiu por alguns minutos e retornou ao ponto,

dessa vez se distanciou. Quando me dei conta, ele estava assaltando a moça, o rapaz que a acompanhava fugiu a tempo e eu assistia

à cena sem conseguir reagir. O garoto sacou do bolso da bermuda uma pequena faca artesanal, não era maior que a palma de sua

mão. Assustada, a moça pedia calma, enquanto tirava um porta-níquel da bolsa, dali ela retirou algum dinheiro e deu ao adolescente,

depois atravessou rapidamente as faixas de ônibus para encontrar seu acompanhante, que aguardava no ponto de ônibus, no sentido

contrário da Avenida. O adolescente, por sua vez, também atravessou rapidamente a faixa dos carros e novamente sumiu de vista,

dessa vez não retornou. Ele não tomou a bolsa, nem o porta-níquel, nem o iPod que ela segurava bem a vista antes do assalto. Ele

esperou que a moça retirasse qualquer valor da bolsa e lhe entregasse.

Alguns segundos depois o ônibus chegou, dei sinal e entrei. Foram 25 minutos até o local em que precisava chegar,

fiquei completamente atônita ao longo de todo o percurso, por alguns minutos foi pela sensação de impotência por não conseguir

ajudar a moça que estava sendo assaltada, seguidos de muitos e muitos minutos e depois noites em que eu ia dormir com a imagem

daquele adolescente, sentindo uma impotência ainda maior pela realidade que nos separa, por saber que ele não deve ter tido muitas

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alternativas e oportunidades para seguir um caminho diferente daquele.

A moça ainda tinha algum dinheiro, sua bolsa, seu iPod, seu companheiro e a solidariedade das pessoas no outro ponto

de ônibus. Para o garoto, logo que chegasse ao viaduto da Lagoinha não lhe restaria nada, nem o valor roubado.

Cerca de um mês e meio depois, eu me encaminhava para a rodoviária para uma viagem de campo deste Trabalho de

Conclusão de Curso, quando, ao passar pelo viaduto da Lagoinha avistei o adolescente vestindo as mesmas roupas, os mesmos tênis

e portando a mesma mochila. Ele caminhava aparentemente sem rumo, entre uma dezena de outros usuários de crack. Alguns grita-

vam para o nada, outros pareciam dançar numa coreografia sem sentido algum, outros gargalhavam, outros ainda apenas tragavam

e observavam as vias. Um casal dormia bem abraçado, em meio ao lixo, ao barulho e ao frio. O trânsito estava lento, então pude ver

o garoto se juntar aos outros naquela viagem para fora do caos do centro urbano.

Perguntei-me se seria capaz de sentar-me ali, ao lado daquele adolescente e conversar com ele, sem ser conduzida pelas

pedras, conclui que elas claramente estabeleciam uma barreira entre ele e eu, entre nós dentro dos carros e os outros por trás dos

cachimbos.

Cheguei à Ipatinga e comecei a caminhada pelas histórias de Mateus, Flávio, Jason, Joaquim, Igor, Jairo, Éderson,

Wéverton, Evaldo, Carlos e mais outros. Impossível não imergir nessas histórias, com o tempo senti que se tornavam um pouco

minhas também.

A maioria deles furtou, frustrou expectativas e planos, gastaram muito de seu tempo prostrados nas bocas e calçadas

Page 55: Nós, o crack e os outros

sujas. No entanto, eu ainda os encontrei sendo pais, filhos, irmãos, amigos, profissionais, humanos com planos, sonhos, alguma

esperança e a complexidade inerente a toda humanidade. Nem anjos, nem monstros, vítimas ou culpados. Talvez apenas homens

enfermos.

Pude concluir algo totalmente novo, que Adélia definiu muito bem em seu relato e sua citação: não há, de fato, nenhuma

barreira a não ser aquela que nós próprios alimentamos entre nós e os outros de nós que estão enfermos. Somos, na verdade, uma

sociedade enferma, que não dá muita oportunidade para quem já não consegue tratar sozinho de suas próprias chagas, muito menos

escondê-las. Os usuários estão dentro de nossas casas, de nossas famílias, cresceram no mesmo bairro que a gente, são nossos vizi-

nhos, estão no fim de nossas ruas, são nossos amigos, não são os zumbis dos noticiários, compomos a mesma sociedade, a mesma

nação.

Não tenho com esses relatos a ilusão pretensiosa de transformar a realidade que muito se coloca entre mim e o garoto da

Avenida Antônio Carlos, entre mim e as vidas apinhadas nas calçadas. Tenho sim, uma imensa alegria em poder compartilhar desse

mergulho em que me lancei e mostrar que essa aproximação é possível e importante, assim como contar essas histórias bem de perto.

Tenho também imensa gratidão pelas pessoas que permitiram que eu caminhasse por suas histórias e me sentisse mais

próxima daqueles corpos que estavam no fim da rua, onde ainda vivem meus pais. “Estavam”, não estão mais. Os moradores pro-

testaram contra aquele “problema de segurança pública” e a polícia dispersou os usuários de lá. Ninguém sabe dizer ao certo para

onde foram... Nem para onde vão.

Page 56: Nós, o crack e os outros
Page 57: Nós, o crack e os outros

Essa vai para aqueles que nunca tomam partido na guerra,Preocupam-se mais com os erros dos outros e não percebem o quanto erram.

Fazem pose de boa gente,Na sua frente te dão boas notas,

Como num ritual macabro te apunhalam pelas costas.Não importa como seja, as aparências sempre enganam.

Lobos em pele de cordeiro podem até dizer que te amam.Situação, oposição, não importa em que lado esteja,

Quando se é desse tipo todos sabem que você fraqueja.É difícil batalhar na guerra onde não se conhece o inimigo.

A central de guerra avisa: Há risco de fogo amigo!Cuidado com o que plantam na terra em que vocês aram,

As tempestades sempre devastam as terras daqueles que menos plantaram.Aproveitem a bonança, porque as tempestades vêm chegando.Contra falsos como vocês, existe um exército marchando.

A anedota nessa história, digo a vocês: são eles.Lobo em pele de cordeiro é tosquiado duas vezes.

(Rap sem nome - MC Digow1, Caput)

Page 58: Nós, o crack e os outros

Nota 1 Durantes os meses de novembro e dezembro de 2012, o grupo de pesquisa Som e Sentido do curso de comunicação social da UFMG em parceria com a As-

sociação Imagem Comunitária (AIC) realizou uma oficina de rádio junto aos jovens atendidos pelo Centro de Atendimento e Proteção ao Usuário de Tóxicos (Caput) de

Belo Horizonte. MC Digow foi um dos educadores que ministrou atividades na oficina.

Page 59: Nós, o crack e os outros

Apêndice: Quando se ouviu falar das

pedras

59

Page 60: Nós, o crack e os outros

Crack.

Foi como os norte-americanos nomearam a cocaína

reinventada: cristais feitos da pasta base de cocaína misturada a

bicarbonato de sódio, que rapidamente se espalharam por áreas

marginalizadas de Nova Iorque, Miami e Los Angeles, no início

dos anos 1980. O nome deriva do verbo to crack, quebrar em

inglês. Chamaram assim pelos estalos que as pedras produzem

quando são queimadas.

Já em 1988, nas ruas pobres da periferia de São Pau-

lo, as pedras de um branco encardido e os cachimbos feitos de

antena de carro, copos de iogurte e água mineral indicaram a

presença de uma nova droga que, como nos Estados Unidos,

se disseminou rapidamente. O crack tem seu próprio modus

operandi, ele reconfigurou a dinâmica de tráfico, consumo e

dependência de substância que o Brasil e os países nos quais se

instalou conheceram até então.

Os primeiros registros de comercialização das pe-

dras em Minas Gerais ocorreram em Belo Horizonte, em

1994. A porta de entrada era a Pedreira Prado Lopes, que

abastecia a região do Baixo Lagoinha, onde se concentravam

os usuários. As ações policiais empreendidas na tentativa de

conter o crack na capital mineira dispersaram as cenas de uso,

que hoje não estão mais restritas às proximidades de favelas,

mas se espalham pelos viadutos das principais avenidas, nas

proximidades da estação rodoviária, praças e calçadas da re-

gião central.

A primeira década do século XXI se encerrou

com a conclusão preocupante de que o crack chegara a pe-

quenos municípios no interior de Minas. Durante o mês de

novembro de 2010, a Confederação Nacional de Municípios

(CNM) desenvolveu uma pesquisa sobre o consumo de crack

nas cidades brasileiras, esse levantamento deu origem a um

Mapa do Consumo de Crack2 no país. Em Minas Gerais, dos

853 municípios, 748 participaram da pesquisa e 679 (70%)

Page 61: Nós, o crack e os outros

admitiram apresentar problemas com a droga.

Política sobre drogas em Ipatinga

Ipatinga nunca teve a tradicional

aparência das pequenas cidades mineiras de

interior. Talvez por seu histórico industrial,

sempre recebeu pessoas de diversos lugares do

Brasil e do mundo. A cidade com mais de 230

mil habitantes faz parte da Região Metropoli-

tana do Vale do Aço, juntamente com Coronel

Fabriciano, Timóteo e Santana do Paraíso. De

acordo com o Censo do IBGE de 2010, o Vale

do Aço conta com um PIB per capita de mais de

R$20 mil.

A potencialidade econômica da

região sempre foi um atrativo para atividades

legais e ilegais. O tráfico e consumo de drogas

sempre esteve presente, mas ficava isolado a

áreas específicas, aos bairros mais humildes e

periféricos. A chegada do crack ao Vale do Aço

mudou essa configuração, o mercado da droga

se constituiu na região há aproximadamente

10 anos. Atualmente as cenas de uso não estão

mais isoladas a periferia, os grupos de usuários

se espalham pelas pontes e viadutos das cida-

des, por praças e ruas mal iluminadas dos cen-

tros comerciais e bairros residenciais.

De acordo com o Mapa do Consu-

mo de Crack, a situação dos municípios do Vale

do Aço e cidades circunvizinhas é preocupante.

O estudo criou três classificações para o nível

de consumo: Alto, Médio e Baixo. No Mapa,

Ipatinga e Santana do Paraíso apresentam nível

de consumo Alto, enquanto que em Coronel Fa-

briciano e Timóteo o consumo foi classificado

como Médio.

É impossível pensar o quadro de

tráfico e consumo de crack em Ipatinga, sem

levar em consideração a situação das cidades no

entorno. O que se percebe é que o fenômeno é

compartilhado. Há traficantes que operam em

mais de uma cidade da região, bem como usuá-

rios que migram de outras cidades e constituem

cenas de uso em Ipatinga. Da mesma forma,

dependentes dos outros municípios do Vale do

Aço e municípios vizinhos buscam tratamento

ali.

No dia 29 de junho de 2012, o go-

Page 62: Nós, o crack e os outros
Page 63: Nós, o crack e os outros

vernador de Minas, Antônio Anastasia, assinou

um termo de cooperação junto ao Governo Fe-

deral para aderir ao programa Crack, é possível

vencer. O pacto tem como objetivo o aumento

da oferta de tratamento de saúde e atenção aos

usuários de drogas, o fortalecimento de ações

para enfrentar o tráfico e as organizações crimi-

nosas e ampliação de atividades de prevenção.

A adesão dos governos estaduais

ao programa é apenas uma parte do processo.

É necessária também a adesão das prefeituras e

a criação de propostas de planos de ação muni-

cipais que sejam consoantes às normas do pro-

grama.

Em fevereiro de 2012, o então pre-

sidente da Câmara de Ipatinga, vereador Nar-

dyello Rocha, encaminhou ao Governo Federal

a Indicação 15/2012, solicitando a adoção de

providências para a participação de Ipatinga no

programa de combate ao crack. Os outros muni-

cípios da região também procuram se mobilizar,

seja através de ações do governo público, ini-

ciativa privada ou do terceiro setor, mas essas

iniciativas ainda são pontuais.

No mês de abril, teve início na cida-

de o Fórum Intersetorial sobre Álcool e outras

Drogas. Com o objetivo de construir, implantar

e acompanhar a política municipal sobre álco-

ol e drogas, que é inexistente em Ipatinga. O

Fórum consiste numa série de encontros entre

representantes do poder público, setor privado

e sociedade civil que estejam, de alguma forma,

relacionados à temática.

Atualmente, Coronel Fabriciano e

Ipatinga contam, cada um dos municípios, com

um Centro de Atenção Psicossocial II (CAPS

II). Entretanto o propósito dessa instituição não

é o usuário de drogas, mas o portador de patolo-

gia psíquica. Além disso, Ipatinga também con-

ta com uma Unidade de Acolhimento Institucio-

nal para Adultos e cinco Centros de Referência

em Assistência Social (CRAS), que podem atu-

ar no suporte a usuários e suas famílias. Mas o

CAPS AD, instituição pública especializada no

tratamento de dependentes químicos, ainda não

foi instalado na região. O tratamento de usuá-

rios é realizado no Vale do Aço, majoritaria-

mente, por comunidades terapêuticas dirigidas

por entidades religiosas.

Um dos objetivos específicos do Fó-

rum Intersetorial sobre Álcool e outras Drogas

Page 64: Nós, o crack e os outros

é exigir a implementação da Rede de Atenção

Psicossocial para usuários de saúde mental e

dependentes químicos, incluindo CAPS - AD,

CAPS-I, Unidades de Acolhimento, leitos psi-

quiátricos em Hospital Geral e equipes de Con-

sultório na Rua3.

Mas a realidade que as cidades do

Vale do Aço enfrentam com os problemas gera-

dos pelo tráfico e adicção e a estrutura que apre-

sentam para lidar com o fenômeno, se mostram

ainda muito distantes das perspectivas do Fó-

rum e das propostas do Programa do Governo

Federal de enfrentamento ao crack.

Sobre drogas e discursos Toda relação entre substância e usu-

ário que constitui uma situação de abuso atra-

vessa o indivíduo, ultrapassa-lhe. Na verdade,

basta o uso de substância considerada ilícita

para tornar a condição do indivíduo um fenô-

meno social. Por vezes, esse ser humano passa a

ser apresentado destituído de particularidades e

se torna número, geralmente utilizado em esta-

tísticas classificadas como preocupantes.

Venda e consumo de drogas lícitas

e ilícitas constituíram um mercado que foge às

estimativas e é crescente. Por onde se instala,

esse mercado traz consigo um rastro de degra-

dação. De acordo com o Relatório Brasileiro

sobre Drogas, de 2010, elaborado pela Secre-

taria Nacional Antidrogas (Senad), de 2001

a 2007, 44.326 brasileiros morreram devido a

transtornos associados ao uso de drogas. Desse

total, 92,9% são de mortes decorridas devido

ao uso de bebida alcoólica e tabaco, enquan-

to 0,6% correspondem a mortes decorridas do

uso de cocaína. Por certo, as mortes causadas

por drogas ilícitas ultrapassam as porcentagens

apresentadas no Relatório, já que seu caráter ile-

gal impede uma coleta de dados mais completa,

ainda assim os números não ultrapassariam as

porcentagens de mortes associadas ao uso das

drogas lícitas. Apesar disso, é crescente na so-

ciedade brasileira a glamuralização e o estímulo

ao consumo de álcool, de um lado, e de outro

lado, a marginalização dos usuários de drogas

ilícitas, principalmente dos dependentes de cra-

ck.

Page 65: Nós, o crack e os outros

Desde o início do século passado,

o governo brasileiro vem declarando guerra

às drogas ilícitas, pregando a eliminação des-

se mercado. É de 1921 a primeira lei que prevê

penas de multa e prisão para o porte e venda de

cocaína e outras drogas.

Milhões são investidos em pesqui-

sas, estatísticas e planos na tentativa de mapear

o “submundo das drogas”, com a perspectiva

de desbaratá-lo de maneira efetiva. Ainda as-

sim o mercado continua crescendo. De acordo

com o Relatório Mundial sobre Drogas 2012 do

Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e

Crime (UNODC), o consumo de cocaína apre-

sentou aumento no Brasil de 2004 para 2010 e

as apreensões da droga triplicaram chegando a

27 toneladas.

O Governo, o Direito, os profissio-

nais da saúde, as comunidades terapêuticas, os

hospitais psiquiátricos, todos eles desenvolve-

ram discursos na tentativa de lidar com a de-

gradação. Internação voluntária, involuntária,

compulsória, liberação do consumo, redução

de danos, a cura pela fé, pelos remédios, pelo

trabalho. Os discursos por vezes se antagoni-

zam, procuram dar conta das falhas nos outros

discursos. Mas, na prática, todo profissional que

trata do uso e abuso de substâncias acaba perce-

bendo a necessidade de estar aberto às diversas

possibilidades.

Quando o usuário deixa de ser es-

tatística para se tornar novamente indivíduo,

quando ele é visto de perto a ponto de ter suas

particularidades percebidas, as generalizações e

os discursos ficam em segundo plano. A droga

não destitui o humano de sua complexidade.

A politização do fenômeno

No Brasil a opção do discurso ofi-

cial foi pela repressão. Em geral, pouca refle-

xão, pouco debate e uma postura enrijecida.

As políticas públicas de prevenção e combate

ao comércio colocaram a droga no lugar de su-

jeito da degradação social e o usuário seria sua

marionete, ambos deveriam ser combatidos. O

posicionamento do governo se torna um pouco

mais flexível a partir da década de 1970, quando

a concepção médico-psiquiátrica passa a dividir

espaço com a justiça penal na compreensão do

Page 66: Nós, o crack e os outros

Estado sobre o fenômeno das drogas. O usuário

passa a ser entendido como doente e os hospi-

tais psiquiátricos ganham relevância numa ten-

tativa de reabilitar o dependente, mas os portes

para consumo e tráfico permanecem criminali-

zados.

Em 1998, o ex-presidente Fernando

Henrique Cardoso criou a Secretaria Nacional

Antidrogas (Senad) e o Conselho Nacional An-

tidrogas (Conad). Atualmente essas instituições

dividem o cenário político-ideológico oficial

com o Ministério da Saúde: as leis e políticas

públicas relativas ao fenômeno das drogas são

elaboradas no contexto dessas instituições.

Senad e Conad sustentam os pre-

ceitos de conscientização da sociedade e pre-

venção ao uso, combate ao tráfico no território

nacional, avaliação das iniciativas terapêuticas,

abstinência como única forma de tratamento

do usuário e o estabelecimento de redes inter-

setoriais entre órgãos públicos e privados que

garantam assistência aos indivíduos. Permanece

o viés antidrogas focado na segurança pública e

defesa social.

Por outro lado, o Ministério da Saú-

de se pauta pelo direito dos indivíduos de aces-

so à saúde e à assistência social. A instituição,

em seu discurso, defende a pluralidade e flexibi-

lidade de tratamentos, para além da internação e

abstinência, e a importância de se considerar o

contexto social do sujeito.

Ao Senad e Conad estão vinculadas

as comunidades terapêuticas que operam com

programas terapêutico-educativos sistematiza-

dos. O usuário deve permanecer internado du-

rante um período de nove meses, e o objetivo é

a libertação do dependente químico através da

mudança de seu estilo de vida. As comunidades

funcionam com base em três elementos terapêu-

ticos principais: disciplina, trabalho e fé.

Essa estrutura metodológica de

tratamento, fundamentada desde 1960, vem re-

cebendo diversas críticas, principalmente de ór-

gãos ligados ao Ministério da Saúde. O modelo

das comunidades seria rígido e inadequado, já

que ele é o mesmo para todos os indivíduos e,

por isso, não daria conta das especificidades de

cada caso. Além disso, algumas correntes afir-

mam que uma libertação real do dependente é

impossível porque, nessa dinâmica terapêutica,

ele seria orientado a “substituir” um vício por

Page 67: Nós, o crack e os outros

outro: as drogas pela fé.

Há ainda a questão da irregulari-

dade de diversas comunidades terapêuticas e

clínicas de recuperação, que apresentam grande

defasagem nas estruturas de atendimento ao de-

pendente.

Vinculados ao Ministério da Saúde

estão os hospitais psiquiátricos e os Centros de

Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS

AD) - unidade de saúde municipal especializa-

da no atendimento de dependentes, que oferece

atendimento diário. Aqui o foco nem sempre

está na abstinência, mas na qualidade de vida

do viciado e na redução dos problemas à saúde

pública gerados pelas situações de abuso.

Nessa linha, em 1994 o Ministério

da Saúde adotou ações de redução de danos,

como distribuição de preservativos e seringas

entre a população de rua, com o intuito de con-

ter os casos de DSTs e hepatites. A redução

de danos seria uma maneira de intervenção na

condição de uso e abuso em defesa da vida, res-

peitando as singularidades e a vontade do su-

jeito sem colocar a abstinência como objetivo

principal.

Por sua vez, a redução de danos

também vem recebendo críticas, uma delas

defende que, com ações como a distribuição

de cachimbos e seringas, o governo não estaria

atuando para reduzir o número de pessoas em

situação de uso, mas incentivando o consumo.

Se por um lado o Ministério da

Saúde em seu discurso prega princípios de as-

sistência mais flexíveis, o atendimento de de-

pendentes em redes, o compartilhamento de

responsabilidades e compactua do princípio de

intersetorialidade pregado por Senad e Conad,

por outro defende, rigidamente em suas diretri-

zes, o atendimento pelo CAPS AD como única

forma de tratamento ao dependente, renegando

as outras formas e instituições – como a rea-

bilitação em comunidades terapêuticas - que

apresentam resultados importantes e não podem

ser ignorados. Atualmente, entretanto, em todo

o território brasileiro estão em funcionamento

258 unidades de CAPS AD, esse número seria o

necessário para atender apenas o estado de São

Paulo. Além disso, por falta de profissionais

especializados e estrutura de atendimento, boa

parte dessas unidades não opera 24h por dia.

Page 68: Nós, o crack e os outros

A Guerra às Drogas

Na contramão do que, com a redu-

ção de danos, parece ser sinal de flexibilização

ao se tratar o fenômeno das drogas, diversos

governos estaduais e municipais endureceram o

discurso ao lidar com a questão das cracolân-

dias.

Episódio memorável em 2012 foi

protagonizado pelo prefeito do Rio de Janeiro,

Eduardo Paes, no momento em que a cidade

discutia a internação compulsória de usuários

de crack. A discussão surgiu paralelamente à

preparação do Rio para a Copa do Mundo em

2014 e as Olimpíadas de 2016.

A ocupação pela polícia das favelas

de Manguinhos e do Jacarezinho provocou a

migração dos usuários e cenas de uso para um

espaço em obras na Avenida Brasil, próximo

ao Complexo da Maré. No Complexo do Ja-

carezinho, traficantes chegaram a afixar placas

informando que a venda do crack estava proi-

bida. Uma ação de recolhimento teve início no

mês de outubro. Por determinação do prefeito,

a Polícia Militar e agentes da Secretaria Muni-

cipal de Assistência Social, enfrentando muita

resistência, deslocaram os usuários da Avenida

Brasil para abrigos. Entretanto, sem uma ordem

de internação específica emitida por um juiz,

os usuários adultos não eram obrigados a per-

manecer nesses abrigos e logo boa parte deles

retornou às cenas de uso.

Eventos semelhantes ocorrem na

Cracolândia na região central da cidade de São

Paulo, desde meados da década de 1990. O cra-

ck chegou à cidade no final dos anos 1980 e o

mercado se instalou inicialmente nos bairros de

periferia. A dinâmica de consumo própria da

droga e a condição de dependência mantinham

os usuários próximos aos locais de produção e

venda das pedras, a presença dos “nóias” - como

ficaram conhecidos esses usuários - chamava a

atenção da polícia e desagradava à população

local e os próprios traficantes, o que tornou co-

mum o extermínio de nóias nesses locais.

A região próxima à antiga rodovi-

ária no centro da cidade - onde o processo de

consolidação da Cracolândia teve início ainda

nos dois primeiros anos da década de 1990 -

era historicamente conhecida como a “boca do

Page 69: Nós, o crack e os outros

lixo” de São Paulo: zona de baixo meretrício,

degradada e ignorada pelo poder público e pela

polícia. Os usuários de crack, então, fugindo

das ameaças e da truculência dos traficantes,

migraram para a região central, onde a venda da

droga era mais fácil, não estava associada aos

locais de produção e eles poderiam consumir

“tranquilamente” sem serem perturbados por

batidas policiais. Os grupos de nóias, que se es-

palhavam pelos prédios vazios, terrenos baldios

e calçadas, cresceram com o passar dos anos e

se tornaram uma realidade inegável e incômo-

da.

Em 1997, o então governador do

estado de São Paulo, Mário Covas, encabeçou

a primeira grande ação policial a prender usu-

ários na Cracolândia, a Operação Tolerância

Zero. Ao longo dos anos, diversas incursões po-

liciais à Cracolândia se seguiram, mas nenhuma

se mostrou bem sucedida. Elas provocavam a

migração dos usuários para áreas vizinhas e

logo os mesmos espaços voltavam a ser ocupa-

dos por grupos de dependentes, que só faziam

aumentar. Os usuários apreendidos logo eram

liberados e voltavam às cenas de uso.

Em janeiro de 2012, a Polícia Mili-

tar deu início a uma nova operação no centro de

São Paulo com o objetivo de desarticular o trá-

fico na região. A ação acabou por disseminar o

comércio: se antes os usuários ficavam concen-

trados nas bocas de fumo em áreas específicas,

com a operação, os grupos de nóias se tornaram

ambulantes avançando sobre novas áreas em

busca de fornecedor.

Algumas correntes do Direito ba-

seiam a legitimidade de ações como as dos go-

vernos e polícias do Rio e de São Paulo no De-

creto-Lei 891, de 25 de novembro de 1938, que

regulamenta a fiscalização de entorpecentes.

Essa lei remete ao dever do Estado de atuar em

defesa da vida. O texto diz que é obrigação do

Estado interferir na vida do dependente através

da internação obrigatória, quando for provado

que há necessidade de tratamento adequado, ou

quando for conveniente à ordem pública. Mas

a internação só ocorre com a determinação do

juiz e após análise do quadro do sujeito. Entre-

tanto, caso os governos resolvam “cumprir seu

dever” e adotar compulsoriamente a internação

obrigatória, não haveria estrutura suficiente

para atendimento de dependentes, nem no Rio

Page 70: Nós, o crack e os outros

de Janeiro ou em São Paulo, assim como em

todo o Brasil. A estrutura existente não dá conta

da demanda atual, muito menos de realizar os

atendimentos com a qualidade que as circuns-

tâncias requerem.

A defesa da vida é um dos argu-

mentos sobre os quais se fundamenta a versão

brasileira da War on Drugs, iniciada em 1971,

pelo ex-presidente dos EUA, Richard Nixon. A

política de Guerra às Drogas foi adotada por boa

parte dos governos latino-americanos em seus

territórios, entre outras razões, por temerem re-

presálias norte-americanas. A guerra completou

40 anos e, em 2011, um relatório da Comissão

Global de Políticas sobre Drogas, instituída pela

ONU e chefiada pelo ex-presidente Fernando

Henrique Cardoso, declarou: “A guerra global

contra as drogas fracassou, deixando em seu

rastro conseqüências devastadoras para pessoas

e sociedades em todo o mundo1”.

Fernando Henrique, que durante

a presidência foi grande defensor da política

antidrogas, logo após o fim de seu mandato, se

constituiu no cenário brasileiro como voz im-

portante em favor da descriminalização. No re-

latório da Comissão de Políticas sobre Drogas,

os discursos de descriminalização, liberação do

consumo e regularização do mercado pelo go-

verno são apontados como única maneira eficaz

de enfraquecer o narcotráfico e acabar com a

violência advinda do crime organizado.

Os posicionamentos contrários de-

fendem que a liberação no Brasil promoverá

um aumento no número de usuários, gerando

um cenário de caos, e que a sociedade ainda

não está preparada para lidar com essa realida-

de, principalmente quando se pensa a situação

de marginalização enfrentada pelos usuários de

crack.

Alguma saída?

Cada um dos discursos e institui-

ções que tratam do fenômeno das drogas em

nossa sociedade existe quase como negação dos

outros, mas na prática nenhum deles, isolada-

mente, dá conta da complexidade do fenômeno.

Claro é que esses discursos se em-

basam em densos argumentos, propostos a par-

tir de longos períodos de observação e interação

Page 71: Nós, o crack e os outros

com o problema. Entretanto, boa parte deles

não chega à sociedade brasileira, ou chegam

já em forma de ações e intervenção. Em geral,

à sociedade não são propostas reflexões sobre

o tema, não há um movimento consolidado

no sentido de promover conscientização sobre

esse fenômeno que faz parte dela. Essa inte-

ração com a população se mostra importante,

não apenas para discutir os efeitos das drogas

na sociedade, bem como toda a dinâmica que as

acompanha, mas também para pensar a consti-

tuição das causas que alimentam o fenômeno e

promover a ideia de responsabilidade social na

contramão de processos marginalizantes.

Antes de tomar qualquer dos dis-

cursos como solução para as complicações

oriundas do fenômeno das drogas, faz-se neces-

sária uma chamada à reflexão, ao debate, a uma

mudança no olhar, em especial no olhar para o

indivíduo, o usuário como sujeito do fenôme-

no e como dependente que carece de suporte

em todas as dimensões de sua vida. Pois nes-

se cenário tão complexo em que as diferenças

ideológicas ainda se sobrepõem às conclusões,

parece haver apenas uma resposta consistente:

quem ensina a saída para o problema não são

os profissionais, políticos, discursos ou institui-

ções que lidam com o fenômeno, a saída quem

aponta é o próprio usuário.

Page 72: Nós, o crack e os outros

Notas1 Texto do relatório da Comissão Global de Políticas sobre Drogas na íntegra em: http://www.globalcommissionondrugs.org/reports/

2 Mapa do Consumo de Crack disponível em: < http://www.cnm.org.br/crack/

3 FONTE: Projeto Final para o Fórum Intersetorial sobre Álcool e outras Drogas do Município de Ipatinga

Referências AGÊNCIA BRASIL. Sem prevenção e repressão eficiente, crack avança em capitais e cidades médias brasileiras. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/

noticia/2009-03-11/sem-prevencao-e-repressao-eficiente-crack-avanca-em-capitais-e-cidades-medias-brasileiras. Acesso em: 23 de nov. de 2012.

COMISSÃO GLOBAL DE POLÍTICAS SOBRE DROGAS. Organização das Nações Unidas. Relatório. Rio de Janeiro, 2011.

COSME. Glauciane Vieira. O uso do crack: um problema social restrito às metrópoles?. 2012. Trabalho acadêmico (Graduação em Assistência Social) – Curso de

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DUARTE, P.; STEMPLIUK, V.; BARROSO, L. Relatório brasileiro sobre drogas. Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas. 2009. Brasília, DF.

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FEDERAÇÃO BRASILEIRA DE COMUNIDADES TERAPÊUTICAS. Comunidades Terapêuticas. Disponível em: < http://www.febract.org.

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Page 73: Nós, o crack e os outros

Este livro foi composto com as famílias tipográficas

Kokila, Kankin e Prestige Elite Std.

Miolo impresso em papel sulfite 90gr;

capa papel supremo 250 gr com laminação fosca.