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A diferença entre robôs e seres humanos está se tornando tênue. Shutterstock Como assim? Os robôs estão nos tornando obsoletos? Ou se trata dos primeiros indícios de que nossos futuros senhores lentamente se erguem sobre os rodízios que lhes servem de pés? Será que oferecem perigo? Será que esta- mos construindo algo que acabará nos destruindo? O que é, de fato, um robô? O que significa, ao menos, essa palavra?
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Houve época em que parecia que não tínhamos
com o que nos preocupar. Os robôs costumavam
ser coisa de fi cção científi ca das antigas – latas-
velhas que carregavam mulheres de biquíni, lançavam
raios laser e eram de Marte ou da Lua. Pertenciam a um
futuro remoto. Às vezes, pareciam-se com a gente, como
Roy ou Pris, de Blade Runner, o Caçador de Androides,
mas os desse tipo também eram do futuro. E, embora O
Exterminador do Futuro também parecesse humano, o fi l-
me saiu em 1984; por isso, não era motivo de preocupação.
Então, cerca de dez anos atrás, as coisas começaram a fi -
car esquisitas. Robôs começaram a andar – robôs reais,
como o ASIMO, andando de verdade. Depois, já havia ani-
mais de estimação robóticos nas casas das pessoas, como o
Aibo, e robôs aspiradores de pó chamados Roomba começa-
ram a zanzar por nossas salas de estar, recolhendo migalhas.
Recentemente, as coisas fi caram ainda mais loucas. Há
robôs por todos os lados. Soube de um robô em San Diego
que pode sorrir para o próprio refl exo no espelho, e outro,
em Tóquio, que carregou uma idosa até a ambulância que
aguardava por ela. Ouvi falar de robôs que podem subir
escadas e escalar paredes, e de um que pode se enfi ar
dentro de um coração, como um verme mecânico, para
realizar uma cirurgia. E também de robôs lançados em di-
reção ao Afeganistão (embora controlados de sua base em
Nevada), e robôs enviados a Marte (embora controlados da
Terra). Em 2010, soube de um robô no mundo on-line do
Second Life que estava vendendo sexo virtual, ao passo
que outro, no mundo da jogatina de Las Vegas, estava ven-
dendo sexo de verdade. Bem... sexo robótico de verdade.
Temos agora robôs operando como soldados, bombei-
ros, condutores de trem, colhedores de frutas, vendedores,
compradores, bilheteiros. Temos também manobristas, pin-
tores, cortadores de grama, esfregadores de pisos e chefs
de cozinha, e robôs que guardam efi cientemente a louça
que foi limpa na lavadora de pratos robótica de última ge-
ração. Isso se você estiver com preguiça, pois há também
robôs que podem interpretar seu estado de espírito a partir
de seus gestos e tom de voz. Temos até pequenos robôs com
formato de foca que se tornaram muito populares como te-
rapeutas. Se você o acarinhar, a coisinha o encara com
seus grandes e brilhantes olhos de bebê foca, contorce-se
um pouco e solta uma espécie de miado arrepiante.
Há agora robôs virtuais, ciborgues, fembots (robôs fê-
meas), chatbots (programas de computador que procuram
simular um ser humano numa conversação), slutbots (ro-
bôs para sexo), androides, ginoides (outra designação
para fembots; contraparte de androide, embora esse termo
designe robôs com aparência humana dos dois sexos), ge-
minoides (robôs criados à imagem de seu criador), warbots
(robôs usados em guerras) e hybrots (robôs híbridos, cons-
tituídos de elementos eletrônicos e biológicos). Em 2009, um
robô em Tóquio simulava os sintomas da gripe suína, en-
quanto outro vigiava pica-paus no Arkansas. Agora, pode-
mos controlar robôs a distância, apenas com o pensamen-
to (e um capacete bastante volumoso). O que é cha mado de
“interface cérebro-robô”. Então, robôs são, hoje em dia,
uma espécie de avatar. E há próteses robóticas que aju-
dam defi cientes físicos a andar, ou robôs que ajudam as
equipes de resgate a salvar pessoas após um desastre.
Shutterstock
A diferença entre robôs e seres humanos está se tornando tênue.
Como assim? Os robôs estão nos tornando obsoletos?
Ou se trata dos primeiros indícios de que nossos futuros
senhores lentamente se erguem sobre os rodízios que lhes
servem de pés? Será que oferecem perigo? Será que esta-
mos construindo algo que acabará nos destruindo?
O que é, de fato, um robô? O que signifi ca, ao menos,
essa palavra?
Fui a Tóquio para descobrir.
Ao chegar lá, supunha que soubesse o que era
um robô, mas suposições são aquelas coisas que
acontecem quando você não está prestando atenção.
Quando você se pega parado diante de um cadáver de
silicone enquanto os olhos dele o seguem pelo aposento,
você começa a se questionar – sobre suas suposições, não
sobre os robôs. Durante certo tempo, eu acreditava que
um robô era uma coisa que substituía um ser humano; de-
pois, passei a achar que era algo que podia fazer as mes-
mas coisas que um ser humano faz, só que melhor; então,
li um ensaio de Bruno Latour e fi quei realmente confuso
sobre o que é um robô.
Em Tóquio, tive a oportunidade de perguntar às pessoas
de projeção no país o que achavam. Depois de visitar três
cidades e mais de duas dúzias de laboratórios e compa-
nhias, ver perto de 150 robôs e conversar com inúmeros
inventores, é com alívio que informo que os robôs de hoje
estão mais para marionetes do que para pes soas. Descobri
que os robôs não são tão avançados quanto imaginava.
Encontrei enormes avatares de plástico; nada de inteligên-
cia artifi cial, e jamais coisa alguma que lembrasse a Sky-
Net, a rede fi ctícia de computadores da série O Extermina-
dor do Futuro. Que eu saiba, não há nenhuma grande
inteligência artifi cial – pelo menos, não num futuro próxi-
mo. Os robôs são, e continuarão a ser, guiados por seres
humanos, e seres humanos continuarão a tomar as deci-
sões-chave.
Os robôs, em última análise, somos nós – e ainda que
tal informação seja passada com certo alívio, é causa,
também, de algumas preocupações. Nós estamos nos tor-
nando robóticos, já que tecnologia robótica vem sendo uti-
lizada para reconstruir corpos humanos: olhos, braços,
pernas, corações e orelhas. Mentalmente, também, os ro-
bôs estão nos ajudando a tomar decisões nas esferas fi -
nanceira, política e familiar. Robôs e cérebros já podem
ser conectados, química e eletricamente. Então, em termos
tanto de corpo como de mente, estamos nos tornando mais
semelhantes aos robôs, e eles a nós.
Atualmente, há cerca de nove milhões de robôs em
operação. A Associação Japonesa de Robôs prevê que em
meados de 2021 a indústria de robôs pessoais crescerá
mais de 35 bilhões ao ano no mundo, em comparação com
os aproximadamente 6 bilhões de hoje. O Ministério da
Informação Sul-coreano planeja ter um robô pessoal em
cada residência daquele país até 2020.
Em minha viagem ao Japão, decidi que um robô é algo
parte mito, parte ferramenta. É uma ferramenta que assu-
miu proporções míticas. Embora este livro ofereça defi ni-
ções, também fornecerá certo contexto em termos das mu-
danças à nossa volta, informação sobre o que podemos
esperar e, acima de tudo, servirá como um lembrete de
que nós somos nossos robôs e vice-versa.
Robôs-avatares em teleconferência no Museu Nacional de Ciência Emergente e Inovação.
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Nós, Robôs vai apresentar ao leitor as mais recentes
descobertas em robótica e inteligência artifi cial. Exami-
nando o universo da fi cção científi ca (Blade Runner, o Ca-
çador de Androides; Guerra nas Estrelas; Battlestar Galac-
tica etc.) e robôs residentes (Homem de Ferro, O
Exterminador do Futuro e HAL 9000, para mencionar al-
guns), o livro mostra até que ponto eles estão perto de se
tornar realidade e, em alguns lugares, como a realidade
já superou o passado. Discutindo os robôs amados e os
odiados por milhões de pessoas, a obra fornece informa-
ção, entretenimento e, muitas vezes, uma visão surpreen-
dente do que se pode esperar para o próximo ano e tam-
bém para os dez anos seguintes. O livro é estruturado em
duas partes paralelas (os dias de hoje e a próxima déca-
da), com quatro capítulos sobre emoção, interação, inteli-
gência e corpo.
Nós, Robôs é sobre como, descontada a fachada, pode-se
descobrir um ser humano por trás dos robôs e, ao mesmo
tempo, se puxarmos o nariz de alguém, achá-lo surpreen-
dentemente metálico debaixo da pele fl exível.
É como se estivéssemos formando uma nova classe de
escravos. Milhões de novos sr. Fuller logo irão surgir.
Acontecerá outro 1863, quando essa classe servil exigirá
igualdade de direitos? Irão querer cerimônias fúnebres?
Casaremos ou faremos sexo com eles? Seremos capazes
de considerá-los à parte de nós?
Nós, Robôs examina tais questões (e, irresponsavel-
mente, levanta outras), apresentando as pessoas e os ro-
bôs que se encontram a meio caminho hoje em dia. Neste
livro, estendi o signifi cado da palavra robô, descobri algu-
mas estranhas criaturas, perdi-me algumas vezes, e me
encontrei pelo menos uma. A obra não constitui uma série
de argumentos a serem provados, mas um certo número
de estações a se visitar, e, embora eu faça previsões, não
sei o que irá acontecer – são tão somente minha própria
fi cção científi ca. Do começo ao fi m há apenas uma certe-
za: todos nós seremos afetados pelos robôs. E isso é parte
do que faz esse tema ser tão interessante.
Nossa história começa no mágico reino dos robôs...
Parte um
Hoje
Sobre robôs que caçam humanos, têm rosto e por que temos tanto medo deles – Emoção, parte 1
“Alô?... Rá rá. Enganei você. Está falando com uma máquina.
Mas não seja tímido, máquinas também precisam de amor.”
– Secretária eletrônica de Sarah Connor,
O Exterminador do Futuro, 1984
DESÇO DO TREM NA PLATAFORMA DA ESTAÇÃO DE metrô Shinjuku, em
Tóquio. Estou no futuro.
Essa estação é um labirinto de lojas, uma torre de Ba-
bel, uma explosão urbana de anúncios em neon, carrinhos
de bagagem, escrita vertical, confusão, pessoas apressa-
das, maletas de notebooks, e eu, um completo ignorante,
no meio de tudo isso. Só consigo balbuciar com péssima
pronúncia palavras em japonês para obrigado, olá e com
licença. Desnorteado, sem coisa alguma para me guiar e
mal conseguindo distinguir as coisas – e não devido à fa-
diga do voo, mas porque estou em Tóquio.
Enquanto fi co parado ali, do lado errado dos trilhos do
metrô, tentando descobrir qual parte do meu mapa indica
Capítulo 1: O Exterminador do Futuro
o norte, um senhor idoso carregando uma brilhante mala
azul, com olhos igualmente brilhantes e azuis, me pergun-
ta se eu preciso de ajuda, em “ingrês”, e eu aceito sofrega-
mente, agradecendo-lhe. Orgulho-me da minha capaci-
dade de me virar, mas pela primeira vez em seis ou sete
anos não sou capaz de entender uma letra sequer, que
dirá pronunciar uma palavra. Ele me ajudou a me orien-
tar e eu o ajudei com a mala, e, cinco minutos depois, fi nal-
mente consegui deixar para trás os aeroportos e estações
de trem que vinham dominando minha vida nos últimos
(vários) dias.
Subo a escada rolante, espremido por entre as pessoas,
passo por fast-foods de macarrão tipo lámen e máquinas
automáticas de lanches, sob as luzes fosforescentes, pelo
portão de controle, e saio na ampla esplanada da estação
Shinjuku-Nishiguchi, no ar fresco da noite, e o inverno me
atinge o rosto como um saco de gelo. Há mais fast-foods de
lámen, um McDonald’s próximo a eles, esquisitos e pontu-
dos edifícios ao longe, uma explosão de luzes alegres por
todos os lados, a escrita cobrindo tudo: estranhos caracteres
de uma gramática desconhecida a dançar em outdoors e
letreiros e mais letreiros luminosos computadorizados. As
pessoas são bem vestidas, muito asseadas. Tão estilosas e
sólidas como os prédios guardiões que protegem a rua do
mundo além deles.
Eu, caçador de robôs
TÓQUIO É GRANDE, MOVIMENTADA E RÁPIDA. DECIDIDAMENTE, preciso
de um táxi neste exato minuto, e há uns poucos estacio-
nados em fi la ao longo da esplanada. Procuro meus en-
dereços, aproximo-me do táxi da frente, inclino-me en-
quanto caminho em sua direção (em parte para ver o
motorista, em parte para ele saber que estou ali), e esten-
do a mão para a porta. A coisa estala e golpeia meus
dedos. Recuo, achando que o motorista a abriu pelo lado
de dentro. Mas, não: a maldita porta continua a abrir e
bate em meu joelho, e dou mais um passo para trás para
não ser empurrado por ela. É automática, e eu me recor-
do, tarde demais, que um amigo havia me prevenido
dessa surpresinha automatizada.
Todo empolgado com minha caçada aos robôs, deslizo
para dentro do carro, ansioso para conhecer meu pri-
meiro ciborgue chofer. Terá ele a cabeça prateada? Um
olho vermelho?
Não, claro que não. Um ser humano normal se vira
para mim com um sorriso. Mas sua expressão amável rapi-
damente se transforma numa de confusão, quando eu tento
mostrar a ele a localização do meu hotel no meu mapa já
todo amarrotado.