89
Notas de Análise Complexa Ricardo Mamede Departamento de Matemática, Faculdade de Ciências e Tecnologia Universidade de Coimbra 2015

Notas de Análise Complexa

  • Upload
    lamminh

  • View
    262

  • Download
    3

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Notas de Análise Complexa

Notas de

Análise Complexa

Ricardo MamedeDepartamento de Matemática, Faculdade de Ciências e Tecnologia

Universidade de Coimbra2015

Page 2: Notas de Análise Complexa
Page 3: Notas de Análise Complexa

Índice

1 Números Complexos 11.1 O corpo dos números complexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11.2 A forma polar dos complexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41.3 Subconjuntos de C . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8

2 Sucessões e séries numéricas 112.1 Sucessões de números complexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112.2 Séries de números complexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 202.3 Critérios de convergência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

3 Séries de Fourier 33

4 Funções Analíticas 414.1 Funções complexas e continuidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 414.2 Diferenciabilidade e condições de Cauchy-Riemann . . . . . . . . . . . . . . 464.3 Funções elementares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51

5 Integração de Funções Complexas 595.1 Integração de funções complexas de variável real . . . . . . . . . . . . . . . . 595.2 Integrais de caminho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 605.3 Teorema de Cauchy-Goursat . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 645.4 Fórmulas integrais de Cauchy . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68

6 Séries de Potências 716.1 Série de potências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 716.2 Série de Taylor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 736.3 Série de Laurent e o teorema dos resíduos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 766.4 Classificação das singularidades isoladas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78

Bibliografia 85

Page 4: Notas de Análise Complexa
Page 5: Notas de Análise Complexa

Capítulo 1

Números Complexos

1.1 O corpo dos números complexos

Um par (G, ?), constituído por um conjunto não vazio G e por uma operação binária? : G×G −→ G, diz-se um grupo se satisfaz as seguintes propriedades:

1. Associatividade: para quaisquer a, b, c ∈ G,

(a ? b) ? c = a ? (b ? c).

2. Existência de elemento neutro: existe e ∈ G tal que para todo o a ∈ G,

a ? e = e ? a = a.

3. Existência de inverso: para todo o a ∈ G existe a′ ∈ G tal que

a ? a′ = a′ ? a = e.

Um grupo (G, ?) diz-se abeliano ou comutativo se para quaisquer a, b ∈ G, se verifica

a ? b = b ? a.

Exemplos familiares de grupos abelianos incluem (Z,+), os números inteiros sob a adi-ção usual; (R,+), os números reais sob a adição usual; (Rn,+), o conjuntos dos n-úplosde números reais sob a adição vetorial; ou (R \ {0}, ·), os números reais não nulos sob amultiplicação. Como exemplo de um grupo não abeliano temos o grupo das matrizes nãosingulares.

Um corpo (K,+, ·) é constituído por um conjunto não vazio K e duas operações binárias+ e · em K, designadas resp. por adição e multiplicação, tais que (K,+) e (K\{0}, ·) são gru-pos abelianos, onde 0 denota o elemento neutro da adição, e a multiplicação é distributivaem relação à adição: para quaisquer a, b, c ∈ K,

a · (b+ c) = (a · b) + (a · c).

1

Page 6: Notas de Análise Complexa

1.1. O CORPO DOS NÚMEROS COMPLEXOS

O conjunto dos números reais R munido da adição e multiplicação usuais (R,+, ·) é umcorpo. Alem disso é um corpo ordenado mediante a relação de ordem usual entre númerosreais. Isto significa que existe uma relação < definida em R tal que:

1. Se x, y ∈ R, então exatamente uma das condições x < y, y < x e x = y é verdadeira.

2. Somas e produtos de números positivos (i.e. > 0) são igualmente positivos.

Consideremos o conjunto R2 = {(a, b) : a, b ∈ R} dos pares ordenados, munido dasseguintes operações:

(a, b) + (c, d) = (a+ c, b+ d)

(a, b) · (c, d) = (ac− bd, ad+ bc)

Estas operações são comutativas, associativas e a multiplicação é distributiva relativamente àadição. Além disso, os pares (0, 0) e (1, 0) são os elementos neutros da adição e multiplicação,respetivamente. Deste modo, (R2,+, ·) é um corpo que se designa por corpo dos númeroscomplexos e se denota por C.

O subconjunto {(a, 0) : a ∈ R} de C identifica-se com o conjunto dos reais R através dabijecção (a, 0)→ a. Denotando então o par (a, 0) com o real a e o par (0, 1) com a letra i,obtemos a representação algébrica dos números complexos

(a, b) = (a, 0) + (0, 1) · (b, 0) = a+ bi.

O símbolo i é a unidade imaginária. Notemos que i2 = −1. Se z = a+ bi ∈ C, chamamosa a a parte real de z e escrevemos a = Re(z). Chamamos a b a parte imaginária de z eescrevemos b = Im(z). Quando Re(z) = 0 o número complexo z diz-se um imaginário puro.

Notemos que sendo C um corpo, a multiplicação é comutativa, pelo que podemos tambémescrever (a, b) = a+ ib.

Ao contrário do que ocorre com os números reais, em C não existe qualquer relação deordem compatível com as operações. De facto, notemos que se supusermos i > 0 ou −i > 0,seremos forçados a concluir que −1 = ii > 0. Mas também temos 1 = 12 > 0. Logo,obtemos 1 > 0 e 1 < 0. Portanto, não faz sentido usar os símbolos < ou ≤ entre númeroscomplexos a menos que se trate de números reais.

Calculando as sucessivas potências de expoente natural im da unidade imaginária, obtêm-se os valores i,−1,−i, 1, consoante os restos da divisão de m ∈ N por 4 seja 1, 2, 3 ou 0:

in = i4k+r = (i4)kir = ir =

1, r = 0

i, r = 1

−1, r = 2

−i, r = 3

.

2

Page 7: Notas de Análise Complexa

1.1. O CORPO DOS NÚMEROS COMPLEXOS

O módulo do número z = a + bi é o número real não negativo |z| =√a2 + b2, e o

conjugado de z é número z = a− bi.

Proposição 1.1. Sejam z e w números complexos. Então:

1. z + z = 2Re(z) e z − z = 2iIm(z).

2. z = z se e só se Im(z) = 0 se e só se z ∈ R.

3. z = z.

4. z ± w = z ± w, zw = z w e, se w 6= 0,( zw

)=z

w.

5. zz = |z|2 = (Re(z))2 + (Im(z))2.

6. |z| = 0 se e só se z = 0.

7. Se z 6= 0, z−1 =1

z=

z

|z|2.

8. |zw| = |z||w| e∣∣∣ zw

∣∣∣ = |z||w| se w 6= 0.

9. ||z| − |w|| ≤ |z ± w| ≤ |z|+ |w|.

Demonstração. Vamos provar apenas a propriedade 9. As restantes ficam a cargo do leitor.Começamos pela desigualdade |z+w| ≤ |z|+ |w|, conhecida por desigualdade triangular.Da definição de módulo de um número complexo resulta

−|z| ≤Re(z) ≤ |z|−|z| ≤Im(z) ≤ |z|. (1.1)

Pelas propriedades 5, 4 e 1, podemos escrever

|z + w|2 = (z + w)(z + w)

= zz + (zw + zw) + ww

= |z|2 + (zw + zw) + zw + |w|2

= |z|2 + 2Re(zw) + |w|2

Usando agora (1.1) obtemos

|z + w|2 ≤ |z|2 + 2|zw|+ |w|2 = |z|2 + 2|z||w|+ |w|2 = (|z|+ |w|)2

donde segue a desigualdade triangular. Uma vez que | − w| = |w|, obtemos igualmente

|z − w| = |z + (−w)| ≤ |z|+ | − w| = |z|+ |w|.

3

Page 8: Notas de Análise Complexa

1.2. A FORMA POLAR DOS COMPLEXOS

Da desigualdade triangular resulta ainda

|z| = |(z − w) + w| ≤ |z − w|+ |w|,

ou equivalentemente,|z| − |w| ≤ |z − w|.

Analogamente,|w| − |z| ≤ |z − w|,

donde se conclui que||z| − |w|| ≤ |z − w|.

A mesma estimativa pode ser aplicada a |z + w|, obtendo-se igualmente

||z| − |w|| ≤ |z + w|.

A desigualdade triangular pode ser estendida para somas com um número arbitrário deparcelas

|z1 + z2 + · · ·+ zn| ≤ |z1|+ |z2|+ · · ·+ |zn|.

Ocorre igualdade se e só se a razão entre dois quaisquer números não nulos for positiva.Se k e n são inteiros positivos tais que mdc(k, n) = 1, definimos ainda

z−k =

(1

z

)k, z

kn =

(zk) 1n .

1.2 A forma polar dos complexos

Uma vez que o conjunto dos números complexos coincide com o conjuntos dos pontos doplano, um número complexo z = a + bi pode ser identificado com o ponto (a, b) no planocartesiano, que vulgarmente se designa por afixo de z. Neste caso, é usual designar o planocartesiano por plano complexo ou plano de Argand.

Podemos ainda identificar o número z com o vetor com inicio na origem (0, 0) e pontofinal o afixo (a, b). O comprimento de z é a distância de z à origem, i.e., é |z| =

√a2 + b2.

Nesta representação, o módulo |z − w| representa a distância de z a w.A interpretação geométrica da adição de vetores já nos é familiar, uma vez que corres-

ponde à adição de vetores no plano. Para termos uma visualização geometrica da multipli-cação vamos introduzir um sistema de coordenadas polares no plano do seguinte modo.

Se z 6= 0 então z/|z| está situado algures sobre o circulo unitário e, portanto, existe umângulo θ tal que z/|z| = cos(θ) + i sin(θ). Podemos então escrever z na forma polar

z = |z|(cos(θ) + i sin(θ))

4

Page 9: Notas de Análise Complexa

1.2. A FORMA POLAR DOS COMPLEXOS

x

y

z

z

x

y

z

w

z + w

Figura 1.1: Interpretação gráfica do conjugado e da soma de complexos

onde θ é designado por argumento de z e denotado por arg(z). É importante ter presenteque arg(z) NÃO é univocamente determinado por z; adicionando qualquer múltiplo de2π a θ dá origem a outro valor para arg(z), igualmente válido. Quando nos referimos‘ao’ argumento de um número complexo, queremos dizer um de entre os infinitos possíveisvalores do argumento. Portanto,

arg(z) = {θ ∈ R : z = |z|(cos(θ) + i sin(θ))}.

Ao (único) argumento de z pertencente ao intervalo ]− π, π], chamamos argumento prin-cipal de z e representamo-lo por Arg(z). Uma outra ambiguidade é relativa ao número 0,pois não definimos qualquer argumento para este número, sendo vulgar considerar qualquerreal como um argumento válido para 0.

É frequente utilizar-se as formas abreviadas

z = rcis(θ) = reiθ,

onde r = |z| e cis(θ) = cos(θ)+i sin(θ) = eiθ. Esta última igualdade designa-se por fórmulade Euler e será justificada mais à frente.

x

y

z = reiθ

r cos(θ)

r sin(θ)

r

θ

Figura 1.2: Forma polar de um número complexo

5

Page 10: Notas de Análise Complexa

1.2. A FORMA POLAR DOS COMPLEXOS

Designando por θ um valor do argumento de z = a+ bi e sendo r = |z|, obtemosRe(z) = r cos(θ)

Im(z) = r sin(θ).

Portanto, o argumento de z 6= 0 é determinado pelas equações

cos(θ) =Re(z)

re sin(θ) =

Im(z)

r.

Exemplo 1.1. O argumento do número complexo z = i é o conjunto

arg(i) = {2kπ +π

2, k ∈ Z},

e o seu argumento principal é Arg(i) = π2. Tem-se portanto i = cis(π/2).

Proposição 1.2 (Multiplicação e divisão de complexos na forma polar). Sejam z = r1cis(θ1)e w = r2cis(θ2) números complexos. Então:

1. zw = r1r2cis(θ1 + θ2).

2. z = r1cis(−θ1).

3.1

z=

1

r1cis(−θ1).

4.z

w=r1r2cis(θ1 − θ2).

5. (z)n = rn1 cis(nθ1), n ∈ Z - Fórmula de De Moivre.

Demonstração. Usando as fórmulas trigonométricas da adição do seno e do cosseno, obtemos

zw = r1(cos(θ1) + i sin(θ1))r2(cos(θ2) + i sin(θ2))

= (r1r2)(cos(θ1 + θ2) + i sin(θ1 + θ2))

= (r1r2)cis(θ1 + θ2).

A propriedade 2 resulta das definições e a 3 segue de 2 e da igualdade 1/z = z/|z|2. Apropriedade 4 resulta de 1 e de 3 e a última propriedade obtém-se por indução sobre n.

Concluímos que se multiplicam número complexos multiplicando os respetivos módulose somando os argumentos. Em particular, multiplicar um número complexo z por outrocom módulo 1 é equivalente a rodar z por um ângulo igual ao do argumento do segundonúmero. Notemos que apesar de arg(z1z2) = arg(z1) + arg(z2), em geral

Arg(z1z2) 6= Arg(z1) + Arg(z2),

6

Page 11: Notas de Análise Complexa

1.2. A FORMA POLAR DOS COMPLEXOS

como se pode comprovar fazendo z1 = −1 = cis(π) e z2 = 5i = 5cis(π2). O argumento

principal de z1z2 = 5cis(−π2) é Arg(z1z2) = −π

2, mas Arg(z1) + Arg(z2) = π + π

2.

A fórmula de De Moivre pode ser usada para determinar as raízes índice n (n ∈ N) deum número complexo. Seja z 6= 0 um número complexo. Dizemos que w é a n-ésima raizde z se wn = z, onde n é um inteiro positivo.

Dois números complexos escritos na forma polar são iguais se e só se têm o mesmomódulo e os argumentos diferem entre si num múltiplo de 2π. Assim, se w = |w|cis(φ) ez = |z|cis(θ), são tais que wn = z, temos

wn = z se e só se

|w|n = |z|

nφ = θ + 2kπ, com k ∈ Z

se e só se

|w| = n√|z|

φ = θ+2kπn

, k = 0, 1, . . . , n− 1.

Para cada k = 0, 1, . . . , n− 1, obtemos n raízes distintas, todas com o mesmo módulo n√|z|

mas com diferentes argumentos. Devido à periodicidade do seno e do cosseno, para k ≥ n

obtemos as mesmas raízes, visto que se k = n+m, com m = 0, 1, . . . , n− 1, obtemos

φ =θ + 2(n+m)π

n=θ + 2mπ

n+ 2π

esin(φ) = sin

(θ + 2mπ

n

), cos(φ) = cos

(θ + 2mπ

n

).

Recapitulando, as raízes de índice n de z 6= 0 são

wk =n√|z|cis

(θ + 2kπ

n

), k = 0, 1, . . . , n− 1,

ou seja,n√z = z1/n = {w0, w1, . . . , wn−1}.

Geometricamente, as raízes de índice n de um número complexo z 6= 0 estão situadassobre a circunferência de centro na origem e raio n

√|z|. Além disso, a diferença entre os

argumentos de duas raízes consecutivas é2π

n.

Em particular, a raiz quadrada de um número complexo z = rcis(θ) 6= 0 tem doisvalores, w1 =

√2cis(θ/2) e w2 =

√2cis(θ/2 + π). Na forma algébrica, temos w1 = x + yi e

w2 = −x− yi. Se z 6= 0 é real negativo, temos x = 0. No caso de x 6= 0, as raízes de z nãosão imaginárias puras, pelo que uma das raízes tem parte real positiva e a outra negativa.Vamos designar por ramo principal da raiz quadrada complexa àquela que atribui à raizquadrada de um número complexo o valor x+ yi, com x > 0, ou então x = 0 e y ≥ 0.

7

Page 12: Notas de Análise Complexa

1.3. SUBCONJUNTOS DE C

1.3 Subconjuntos de C

Seja z0 = x0+y0i ∈ C. Como |z−z0| =√

(x− x0)2 + (y − y0)2 é a distância entre z = x+yi

e z0, os números complexos z que satisfazem a equação

|z − z0| = ρ, ρ > 0,

pertencem à circunferência de centro z0 e raio ρ.

Exemplo 1.2. 1. |z| = 1 representa a circunferência de centro 0 e raio 1.

2. |z − 1 + 3i| = 5 ⇔ |z − (1 − 3i)| = 5 representa a circunferência de centro (1,−3) eraio 5.

Em coordenadas polares, a circunferência de centro na origem e raio ρ > 0 pode serescrita como

{ρcis(θ), 0 ≤ θ ≤ 2π} = {z : |z| = ρ}.

Adicionando o número z0 à expressão anterior, obtemos uma expressão para a circunferênciade centro z0 e raio ρ:

{z0 + ρcis(θ), 0 ≤ θ ≤ 2π}.

Definição 1.1. Seja z0 ∈ C e r > 0. A bola aberta de centro z0 e raio r é o conjunto

B(z0, r) = {z : |z − z0| < r}.

Também se chama vizinhança de z0 à bola aberta B(z0, r). A bola fechada de centro z0e raio r é o conjunto

B(z0, r) = {z : |z − z0| ≤ r}.

Definição 1.2. Dizemos que S ⊆ C é um subconjunto aberto se qualquer ponto z ∈ S

possui uma bola aberta contida em S, ou seja,

∀z ∈ S∃r > 0 : B(z, r) ⊆ A.

Exemplo 1.3. O conjunto S = {z ∈ C : Re(z) > 1} é aberto. De facto, dado z = a+ bi ∈ Scom a > 1, tomemos r = a − 1 e notemos que B(z, r) ⊆ S. Ou seja, qualquer ponto de Spossui uma vizinhança contida em S, logo S é aberto.

Exemplo 1.4. O conjunto S = {z ∈ C : Re(z) ≥ 1} não é aberto, pois qualquer vizinhançade z = 1 possui pontos que não estão em S.

8

Page 13: Notas de Análise Complexa

1.3. SUBCONJUNTOS DE C

Exemplo 1.5. A bola aberta B(z0, r) é um conjunto aberto, mas a bola fechada B(z0, r) nãoé um conjunto aberto. Já o conjunto C \B(z0, r) é aberto.

Definição 1.3. Um ponto z0 diz-se um ponto de acumulação de S ⊆ C se qualquer bolaaberta centrada em z0 possui pontos de S diferentes de z0, isto é, se

S ∩ (B(z0, r) \ {z0}) 6= ∅

para todo o r > 0.

Definição 1.4. Sejam z, w ∈ C. O segmento de reta que une os pontos z e w é o conjunto

[z, w] = {(1− t)z + tw : 0 ≤ t ≤ 1}.

Dados z1, z2, . . . , zn ∈ C, a linha poligonal [z1, z2, . . . , zn] é o conjunto

[z1, z2, . . . , zn] = [z1, z2] ∪ [z2, z3] ∪ · · · ∪ [zn−1, zn].

Definição 1.5. Um conjunto S ⊆ C diz-se conexo se, quaisquer que sejam z, w ∈ S, existiruma curva contínua totalmente contida em S, que une z a w. Chamamos região a qualquersubconjunto de C aberto e conexo.

Exemplo 1.6. A bola aberta B(z0, r) (bem como a bola fechada B(z0, r)) é um conjuntoconexo.

Nota 1.1. Se S ⊆ C é aberto e conexo, então quaisquer que sejam z, w ∈ S, existe umalinha poligonal composta por segmentos horizontais e verticais, totalmente contida em S,que une z a w.

Definição 1.6. Um conjunto S ⊆ C diz-se limitado se existir r > 0 tal que

S ⊆ {z : |z| < r} = B(0, r).

9

Page 14: Notas de Análise Complexa

1.3. SUBCONJUNTOS DE C

10

Page 15: Notas de Análise Complexa

Capítulo 2

Sucessões e séries numéricas

2.1 Sucessões de números complexos

Definição 2.1. Uma sucessão de números complexos é uma sequência (ordenada)infinita

z1, z2, . . . , zn, . . .

de números complexos (também consideramos sucessões que começam num inteiro k ≥ 1).Formalmente, uma sucessão é uma função z : N → C na variável independente n ∈ N etomando valores em C. Ao termo zn chamamos termo geral da sucessão e denotamos asucessão z1, z2, . . . por (zn).

Se zn ∈ R para todo o n ≥ 1, dizemos que (zn) é uma sucessão de números reais.A sucessão (zn) diz-se limitada se existir um número real M ∈ R tal que

|zn| ≤M,∀n ∈ N.

Ou seja, (zn) é limitada se todos os seus termos estão contidos na bola fechada B(0,M).

Por exemplo, a sucessão de termo geral zn =in

2né limitada pois para todo o número

natural n ∈ N temos ∣∣∣∣ in2n∣∣∣∣ = 1

2n≤ 1.

Portanto, todos os termos de (zn) estão contidos na bola B(0, 1).

Definição 2.2. Uma sucessão (zn) tem limite ` ∈ C, e escrevemos

lim zn = ` ou zn → `

se para qualquer ε > 0 existe um nε ∈ N tal que |zn − `| < ε para n > nε.Se existir um número complexo ` nestas condições dizemos que a sucessão converge;

caso contrário diremos que a sucessão diverge.

11

Page 16: Notas de Análise Complexa

2.1. SUCESSÕES DE NÚMEROS COMPLEXOS

Portanto, a sucessão (zn) é convergente se pudermos tornar os seus termos zn tão pertode ` quanto quisermos ao fazermos n suficientemente grande. Temos zn → ` se e só se|zn − `| → 0. A desigualdade |zn − `| < ε significa que a partir de nε todos os termos dasucessão estão contidos na bola B(`, ε). O significado geométrico desta definição pode servisto na figura 2.1.

ε•`

•z1

•z2

•z3

•zε

•zn

••

• •

Figura 2.1: Convergência de uma sucessão complexa

Exemplo 2.1. A sucessão (in/n) converge para 0. Seja ε > 0. Então,∣∣∣∣inn − 0

∣∣∣∣ = 1

n< ε

sempre que n > 1/ε. Podemos tomar nε > 1/ε.

Exemplo 2.2. Consideremos a sucessão de termos geral zn = (n+ 2i)/n. Então zn → 1. Seε > 0, temos ∣∣∣∣n+ 2i

n− 1

∣∣∣∣ = ∣∣∣∣2in∣∣∣∣ = 2

n< ε

sempre que n > 2/ε. Podemos tomar nε > 2/ε.

É fácil constatar que a convergência e o limite de uma sucessão não se alteram se a elaretirarmos ou acrescentarmos um número finito de termos. Tal como no caso real, o limitede uma sucessão complexa, quando existe, é único.

Teorema 2.1. O limite de uma sucessão convergente é único.

Demonstração. Suponhamos que zn → `1 e zn → `2. Então, dado ε > 0 existem n1, n2 ∈ Ntais que

|zn − `1| <ε

2, para n > n1

e|zn − `2| <

ε

2, para n > n2.

Seja nε = max{n1, n2}. Então, para n ≥ nε temos

|`1 − `2| = |(`1 − zn) + (zn − `2)| ≤ |zn − `1|+ |zn − `2| <ε

2+ε

2= ε.

Ou seja, |`1 − `2| é uma constante positiva menor do que qualquer ε > 0, logo `1 = `2.

12

Page 17: Notas de Análise Complexa

2.1. SUCESSÕES DE NÚMEROS COMPLEXOS

Teorema 2.2. Uma sucessão convergente é limitada.

Demonstração. Suponhamos que zn → `. Então existe nε ∈ C tal que |zn − `| < 1 paran > nε. Assim,

|zn| = |zn − `+ `| ≤ |zn − `|+ |`| < 1 + |`|.

Seja M = max{|z1|, |z2|, . . . , |zε|, 1 + |`|}. Então, |zn| ≤M para qualquer n ∈ N.

O reciproco do resultado anterior não é verdadeiro, ou seja, uma sucessão limitada nãoé, necessariamente, convergente.

Exemplo 2.3. A sucessão de termo geral zn = (−1)n é limitada, com |zn| ≤ 1 para todo on ∈ N. Vamos mostrar que esta sucessão não é convergente. Seja ` um número complexo enotemos que para todo o n ∈ N, temos |zn+1 − zn| = 2. Assim, podemos escrever

2 = |zn+1 − zn| = |(zn+1 − `) + (`− zn)| ≤ |zn+1 − `|+ |zn − `|.

Isto significa que para todo o n ∈ N, pelo menos uma das duas desigualdades |zn+1− `| ≥ 1

e |zn − `| ≥ 1 se verifica. Portanto, a condição para a convergência não se verifica paraε = 1, pelo que (zn) é divergente.

Teorema 2.3 (Álgebra dos limites). Sejam (zn) e (wn) duas sucessões convergentes para ze w, resp., e seja c ∈ C. Então:

1. lim(zn ± wn) = z ± w,

2. lim(znwn) = zw,

3. lim

(znwn

)=z

wse w 6= 0.

Demonstração. 1. Seja ε > 0. Então, existem n1, n2 ∈ N tais que

|zn − z| <ε

2, para n > n1

e|wn − z| <

ε

2, para n > n2.

Com n0 = max{n1, n2}, temos que para qualquer n > n0,

|(zn ± wn)− (z ± w)| = |(zn − z)± (wn − w)| ≤ |zn − z|+ |wn − w| <ε

2+ε

2= ε.

Logo zn ± wn → z ± w.

2. Como zn → z, existe n1 ∈ N tal que

|zn − z| < 1 para n > n1,

13

Page 18: Notas de Análise Complexa

2.1. SUCESSÕES DE NÚMEROS COMPLEXOS

pelo que|zn| < |z|+ 1 para n > n1.

Por outro lado, dado ε > 0 existem n2, n3 ∈ N tais que

|zn − z| <ε

2(|w|+ 1), para n > n2

e|wn − w| <

ε

2(|z|+ 1), para n > n3.

Seja n0 = max{n1, n2, n3}. Para n > n0 temos

|znwn − zw| = |znwn − znw + znw − zw|= |zn(wn − w) + (zn − z)w|≤ |zn||wn − w|+ |w||zn − z|

2+ε

2= ε.

Mostrámos assim que znwn → zw.

3. Vamos começar por mostrar que 1/wn → 1/w. Como w 6= 0 e wn → w, existe n1 ∈ Ntal que para n > n1 todos os termos zn da sucessão estão dentro da bola de centro w e raio|w|/2, ou seja,

|wn − w| <|w|2

para n > n1.

Isto significa que

|wn| >|w|2

para n > n1.

Por outro lado, dado ε > 0 existe n2 ∈ N tal que

|wn − w| <|w|2ε2

para n > n2.

Seja n0 = max{n1, n2}. Para n > n0 temos∣∣∣∣ 1wn − 1

w

∣∣∣∣ = |wn − w||wn||w|≤ 2|wn − w|

|w|2< ε.

Assim, 1/wn → 1/w e pela alínea 2. concluímos que zn/wn = zn(1/wn)→ z/w.

Definição 2.3. Dizemos que a sucessão (zn) diverge para∞, e escrevemos zn →∞, se paraqualquer M > 0 existe n0 ∈ N tal que |zn| > M sempre que n > n0.

Exemplo 2.4. A sucessão de termo geral zn = (2i)n satisfaz zn →∞ pois qualquer que sejao real M > 0 temos

|(2i)n| = 2n > M

sempre que n > log2M .

14

Page 19: Notas de Análise Complexa

2.1. SUCESSÕES DE NÚMEROS COMPLEXOS

É consequência das definições que zn →∞ se e só se 1/zn → 0.

Definição 2.4. Chamamos subsucessão da sucessão (zn) a qualquer sequência infinita obtidaa partir de (zn) por eliminação de alguns termos.

Proposição 2.4. 1. Se a sucessão (zn) converge para ` ∈ C, então qualquer subsucessãode (zn) tem limite `.

2. Sejam (un) e (vn) subsucessões da sucessão (zn) que contêm todos os termos desta. Se(un) e (vn) têm o mesmo limite ` então (zn) também tem limite `.

Demonstração. A propriedade 1. resulta das definições de limite e de subsucessão.Quanto a 2., consideremos ε > 0. Então, existem n1, n2 ∈ N tais que

|un − `| < ε para n > n1

e|vn − `| < ε para n > n2.

Fazendo n0 = max{n1, n2}, temos que se n > n0 então

|un − `| < ε e |vn − `| < ε.

Como o conjunto dos termos de (zn) é a união do conjunto dos termos de (un) e de (vn),obtemos |zn − `| < ε, ou seja, zn → `.

Exemplo 2.5. O resultado anterior fornece uma nova prova de que a sucessão de termo geral(−1)n é divergente, pois as suas subsucessões ((−1)2n) e ((−1)2n+1) têm limites 1 e -1, resp.

As sucessões reais são particularmente interessantes devido ao corpo dos números reaisser ordenado. Este facto permite obter resultados que só se aplicam às sucessões reais.Vamos de seguida relembrar alguns resultados sobre convergência de sucessões reais quenecessitaremos mais adiante.

Sucessões de números reais

Teorema 2.5 (Sucessões enquadradas). Sejam (an), (bn) e (cn) sucessões de números reaistais que

1. an ≤ bn ≤ cn, para todo o n;

2. an e cn são convergentes com igual limite `.

Então bn é convergente e lim bn = `.

15

Page 20: Notas de Análise Complexa

2.1. SUCESSÕES DE NÚMEROS COMPLEXOS

Demonstração. Como an → ` e cn → `, temos cn − an → 0. Isto significa que dado ε > 0

existem n1, n2 ∈ N tais que

|cn − an| <ε

2para n > n1

e|an − `| <

ε

2para n > n2.

Seja n0 = max{n1, n2}. Então, para n > n0 temos

|bn − `| ≤ |bn − an|+ |an − `| ≤ |cn − an|+ |an − `| < ε.

Portanto, bn → `.

Exemplo 2.6. Utilizando o teorema das sucessões enquadradas é fácil verificar que

limn!

nn= 0.

De facto, temos

0 ≤ n!

nn=

1 · 2 · · ·nn · n · · ·n

=1

n

(2

n

3

n· · · n

n

)≤ 1

n.

Como lim 0 = lim 1/n = 0 temos o resultado.

Definição 2.5. Seja (an)n∈N uma sucessão de números reais.

• Se an ≤ an+1 para todo o n ∈ N, isto é, se

a1 ≤ a2 ≤ a3 ≤ · · · ≤ an ≤ · · ·

então (an) diz-se crescente.

• Se an ≥ an+1 para todo o n ∈ N, isto é, se

a1 ≥ a2 ≥ a3 ≥ · · · ≥ an ≥ · · ·

então (an) diz-se decrescente.

Uma sucessão que seja decrescente ou crescente diz-se monótona.

Como vimos atrás, nem toda a sucessão limitada é convergente. No entanto, temos oseguinte resultado:

Proposição 2.6. Toda a sucessão real monótona e limitada é convergente.

16

Page 21: Notas de Análise Complexa

2.1. SUCESSÕES DE NÚMEROS COMPLEXOS

Demonstração. Suponhamos que (an) é uma sucessão crescente (o caso decrescente é aná-logo) e limitada. Seja ` o supremo do conjunto

{an : n ∈ N}.

Vamos mostrar que an → `. Dado ε > 0 existe n0 ∈ N tal que `− ε < an0 ≤ `. Como (an) écrescente, temos `− ε < an0 ≤ an ≤ ` < `+ ε para todo o n > n0, pelo que |an− `| < ε.

Exemplo 2.7. Vamos utilizar o resultado anterior para estudar o comportamento da sucessão(rn), com r um número real fixo.

Quando r > 1, temos rn+1 − rn = rn(r − 1) > 0, pelo que (rn) é crescente. Além disso,escrevendo r = 1 + h e utilizando o binómio de Newton, podemos escrever

rn = (1 + h)n = 1 + nh+n(n− 1)

2h2 + · · ·

e, como todas as parcelas são positivas,

rn > 1 + nh.

Uma vez que lim 1 + nh = +∞, também lim rn = +∞.Quando r = 1 obtemos a sucessão constante rn = 1n = 1 convergente para 1.Se 0 < r < 1, temos rn+1 − rn = rn(r − 1) < 0 pelo que (rn) é decrescente. Além disso,

Fazendo r =1

h, temos h > 1 e

0 < rn =1

hn< 1.

Ou seja (rn)n∈N é monótona e limitada, logo convergente. Como limhn = +∞, temoslim rn = 0.

Quando r = 0 obtemos a sucessão constante rn = 0n = 0 convergente para 0.Finalmente, se r < 0, temos r1 < 0, r2 > 0, r3 < 0, . . ., pelo que (rn) não é monótona.

Além disso, podemos escreverrn = (−1)n(−r)n.

Se −1 < r < 0, lim(−r)n = 0, donde lim rn = 0. Se r = −1 obtemos a sucessão divergente(−1)n e se r < −1, de (rn) podemos extrair duas subsucessões

a1, a3, a5, . . .→ −∞

ea2, a4, a6, . . .→ +∞,

pelo que (rn) é divergente.

17

Page 22: Notas de Análise Complexa

2.1. SUCESSÕES DE NÚMEROS COMPLEXOS

Temos, portanto,

lim rn =

+∞, se r > 1

1, se r = 1

0, se − 1 < r < 1

não existe, se r ≤ −1

.

Dado um número real a 6= 0, facilmente obtemos

lim arn =

+∞, se r > 1

a, se r = 1

0, se − 1 < r < 1

não existe, se r ≤ −1

.

Uma sucessão da forma (arn) diz-se uma progressão geométrica de razão r. Cada termoé obtido do anterior por multiplicação pelo número r, chamado razão.

Exemplo 2.8. A sucessão (an), onde para cada n ∈ N,

an =

(1 +

1

n

)n,

é convergente. De facto, pode provar-se que esta sucessão é monótona e limitada. Ao seulimite chamamos e (número de Euler):

lim

(1 +

1

n

)n= e ≈ 2, 718281828459 · · ·

Recordando que para uma função real de variável real f se tem

limx→+∞

f(x) = `⇔ ∀ε > 0∃M > 0 : x ∈ Df e x ≥M ⇒ |f(x)− `| < ε,

podemos concluir que a diferença entre esta e a definição de limite de uma sucessão estáunicamente no domínio onde as funções estão definidas. Como N está contido em R podemosfacilmente estabelecer o seguinte resultado:

Proposição 2.7. Seja f : [1,+∞[→ R uma função real de variável real e seja ` ∈ R. Selim

x→+∞f(x) = ` então a sucessão de números reais (f(n)) também converge para `.

Este resultado pode ser usado para calcular limites de sucessões reais efetuando a suaextensão a uma função de R em R onde temos outros instrumentos para calcular limites.

18

Page 23: Notas de Análise Complexa

2.1. SUCESSÕES DE NÚMEROS COMPLEXOS

Exemplo 2.9. Se quisermos calcular o limite da sucessão(lnn

n

), podemos considerar a

função f(x) =ln(x)

xdefinida em R+ e calcular o seu limite quando x tende para +∞.

Como se trata de um limite indeterminado, podemos utilizar a regra de L’Hôpital paramostrar que

limx→+∞

ln(x)

x= 0.

Pelo teorema anterior, segue que limlnn

n= 0.

Testes de convergência

Vamos agora usar as propriedades das sucessões reais para estudar sucessões complexas.

Proposição 2.8. Seja (zn) uma sucessão de números complexos.

1. lim zn = z se e só se limRe(zn) = Re(z) e lim Im(zn) = Im(z).

2. zn → 0 se e só se |zn| → 0.

3. Se zn → z então |zn| → |z|.

Demonstração. 1. Notemos que

0 ≤ |Re(zn)−Re(z)|, |Im(zn)−Im(z)| ≤ |(Re(zn)−Re(z))+ i(Im(zn)−Im(z))| = |zn−z|.

Assim, se |zn − z| → 0, também |Re(zn)−Re(z)| → 0 e |Im(zn)− Im(z)| → 0.Reciprocamente, suponhamos que |Re(zn) − Re(z)| → 0 e |Im(zn) − Im(z)| → 0. Pela

desigualdade triangular podemos escrever

0 ≤ |zn − z| ≤ |Re(zn)−Re(z)|+ |Im(zn)− Im(z)| ≤ 0,

isto é, |zn − z| → 0.A propriedade 2. é consequência da definição.3. Temos zn → z se e só se |zn − z| → 0. Como

0 ≤ ||zn| − |z|| ≤ |zn − z|,

concluímos que também ||zn| − |z|| → 0, ou seja, |zn| → |z|.

Exemplo 2.10. A sucessão de termo geral zn =in

nconverge para 0 uma vez que∣∣∣∣inn

∣∣∣∣ = 1

n→ 0.

19

Page 24: Notas de Análise Complexa

2.2. SÉRIES DE NÚMEROS COMPLEXOS

Exemplo 2.11. Mostremos que a sucessão de termo geral zn =3 + ni

n+ 2niconverge para

2

5+1

5i.

Para tal, comecemos por escrever zn na forma algébrica

zn =2n2 + 3n

5n2+ i−6n+ n2

5n2.

O resultado é consequência dos limites

lim2n2 + 3n

5n2=

2

5e lim

−6n+ n2

5n2=

1

5.

Exemplo 2.12. Seja z ∈ C, fixo, e consideremos a sucessão (zn). É claro que se |z| < 1,então zn → 0 visto que |zn| = |z|n → 0. É fácil verificar que 1n → 1 e que se |z| = 1, z 6= 1,zn não tem limite pois neste caso zn = cis(nθ), com θ 6= 0, e a sucessão real cos(nθ) diverge.Além disso, como a sucessão de números reais |z|n é divergente para |z| > 1, pela alínea (3)

da proposição anterior concluímos que zn é divergente. Ou seja,

(zn) é convergente se e só se |z| < 1 ou z = 1.

Proposição 2.9. Se zn → 0 e (wn) é limitada então znwn → 0.

Demonstração. Sendo (wn) uma sucessão limitada, existe M > 0 tal que |wn| < M paratodo o n ∈ N. Além disso, dado ε > 0 existe nε ∈ N tal que |zn| < ε/M para n > n0. Assim,para n > n0 temos

0 < |znwn| < ε.

Ou seja, znwn → 0.

2.2 Séries de números complexos

Definição 2.6. Seja (zn) uma sucessão de números complexos. Chama-se série numéricade termo geral zn à expressão

z1 + z2 + · · ·+ zn + · · · =∞∑n=1

zn.

A sucessão (sn) definida por sn = z1+ z2+ · · ·+ zn para todo o n ∈ N chama-se a sucessão

das somas parciais da série∞∑n=1

zn. Se a sucessão (sn) for convergente e lim sn = s, então

a série∞∑n=1

zn é dita convergente e escrevemos

∞∑n=1

zn = s.

O número s diz-se a soma da série. Caso contrário, a série diz-se divergente.

20

Page 25: Notas de Análise Complexa

2.2. SÉRIES DE NÚMEROS COMPLEXOS

Exemplo 2.13. Chama-se série geométrica a uma série da forma

∞∑n=0

rzn = r + rz + rz2 + · · ·+ rzn−1 + · · · ,

onde r, z ∈ C. Se r 6= 0 e z 6= 1 (razão), o termo geral da sucessão das somas parciais destasérie pode escrever-se na forma

sn = r + rz + rz2 + · · ·+ rzn−1 = r1− zn

1− z. (2.1)

Usando o resultado do exemplo 2.12 podemos concluir que a sucessão (sn) é convergente see só se |z| < 1 e neste caso

lim sn = lim r

(1

1− z− zn

1− z

)=

r

1− z.

Portanto, se r 6= 0, a série geométrica∞∑n=0

rzn é convergente se e só se |z| < 1 e, neste caso,

a sua soma é∞∑n=0

rzn =r

1− z. (2.2)

Por outras palavras, a soma de uma série geométrica convergente é dada por

primeiro termo1− razão

.

Exemplo 2.14. Chama-se série telescópica ou série de Mengoli a uma série da forma

∞∑n=1

(zn − zn+p) ,

onde (zn) é uma sucessão de números complexos. Quando p = 1, a sua n-ésima soma parcialpode ser escrita como

sn =n∑k=1

(zk − zk+1)

= (z1 − z2) + (z2 − z3) + · · ·+ (zn − zn+1)

= z1 − zn+1.

Assim, a série converge se e só se a sucessão (zn) converge e, nesse caso, a sua soma éz1 − lim zn.

21

Page 26: Notas de Análise Complexa

2.2. SÉRIES DE NÚMEROS COMPLEXOS

Exemplo 2.15. A série harmónica∞∑n=1

1

n

é divergente. De facto, consideremos a subsucessão (s2n) da sucessão das somas parciais(sn) e notemos que

s21 = 1 +1

2

s22 = 1 +1

2+

(1

3+

1

4

)> 1 +

1

2+

(1

4+

1

4

)= 1 +

2

2

s23 = 1 +1

2+

(1

3+

1

4

)+

(1

5+

1

6+

1

7+

1

8

)> 1 +

1

2+

(1

4+

1

4

)+

(1

8+

1

8+

1

8+

1

8

)= 1 +

3

2...

s2n > 1 +n

2

Portanto, (sn) possui uma subsucessão ilimitada, pelo que (sn) não é convergente. Concluí-seentão que a série harmónica é divergente.

Uma vez que a noção de convergência de uma série está ligada à noção de limite dasucessão das somas parciais, obtemos o seguinte resultado.

Proposição 2.10. A natureza (convergência ou divergência) de uma série não se altera seretirarmos, eliminarmos ou alterarmos um número finito dos seus termos.

Note-se, no entanto, que se se retirarmos, eliminarmos ou alterarmos um número finitodos termos de uma série convergente, a série resultante converge mas não necessariamente

para a soma da série original. Por exemplo, se k ∈ N e∞∑n=1

zn = s então série∞∑n=k

zn também

é convergente mas tem soma∞∑n=k

zn = s− (z1 + · · ·+ zk−1).

Proposição 2.11 (Álgebra das séries). Sejam∞∑n=1

zn e∞∑n=1

wn duas séries convergentes com

somas s e t, respectivamente. Então, dado c ∈ C,

1.∞∑n=1

(zn + wn) e∞∑n=1

czn são ambas convergentes;

2. a soma de∞∑n=1

(zn + wn) é s+ t e a soma de∞∑n=1

czn é cs.

22

Page 27: Notas de Análise Complexa

2.3. CRITÉRIOS DE CONVERGÊNCIA

Demonstração. As propriedades são consequência da álgebra dos limites de sucessões com-plexas.

Corolário 2.12. Se∞∑n=1

zn é convergente e∞∑n=1

wn é divergente, então a série∞∑n=1

(zn+wn) é

divergente.

Demonstração. Se∞∑n=1

(zn + wn) fosse convergente, então pelo teorema anterior também a

série∞∑n=1

wn =∞∑n=1

(zn + wn)−∞∑n=1

zn

seria convergente, o que é um absurdo.

Outro resultado que segue imediatamente da noção de limite é o seguinte:

Teorema 2.13 (Convergência de séries complexas vs séries reais). A série de números

complexos∞∑n=1

zn converge se e só se as séries de números reais∞∑n=1

Re(zn) e∞∑n=1

Im(zn)

convergem e, nesse caso,∞∑n=1

zn =∞∑n=1

Re(zn) + i∞∑n=1

Im(zn).

2.3 Critérios de convergência

Teorema 2.14 (Condição necessária de convergência). Se a série∞∑n=1

zn é convergente,

então lim zn = 0.

Demonstração. Seja (sn) a sucessão das somas parciais associada à série. Considerandotn = sn−1, podemos considerar a sucessão (tn) como uma subsucessão de (sn) e, como tal,convergente para o mesmo limite. Assim, lim zn = lim sn − tn = 0.

A uma série associamos duas sucessões: a sucessão (sn) das somas parciais associada à

série e a sucessão (zn) dos seus termos. Se∞∑n=1

zn for convergente, a sua soma é s = lim sn

e lim zn = 0. O recíproco deste teorema é falso: se lim zn = 0 não podemos concluir que a

série∞∑n=1

zn converge. De facto, a série∞∑n=1

1

ndiverge e lim

1

n= 0.

Corolário 2.15 (Teste para a divergência). Se lim an 6= 0, então a série∞∑n=1

an é diver-

gente.

Exemplo 2.16. As séries∞∑n=1

(−1)n,∞∑n=1

ni e∞∑n=1

ni

n+ 1são divergentes, pois os seus termos

gerais não convergem para zero.

23

Page 28: Notas de Análise Complexa

2.3. CRITÉRIOS DE CONVERGÊNCIA

Séries reais

Vamos seguidamente analisar o caso particular das séries de números reais. Como veremosmais adiante, as séries de números reais terão um papel importante no estudo da naturezade uma série complexa.

Teorema 2.16 (Teste de comparação). Sejam∞∑n=1

an e∞∑n=1

bn duas séries de números

reais tais que 0 ≤ an ≤ bn, para todo o n ≥ n0. Então,

1. se∞∑n=1

bn é convergente, então∞∑n=1

an é também convergente;

2. se∞∑n=1

an é divergente, então∞∑n=1

bn é também divergente.

Demonstração. Como 1. e 2. são equivalentes, provaremos apenas a condição 1. Sejam (sn)

e (tn) as sucessões das somas parciais de∞∑n=1

an e de∞∑n=1

bn = t, resp. Como ambas as séries

têm termos positivos, as sucessões (sn) e (tn) são crescentes. Além disso, tn → t, pelo quetn ≤ t. Como an ≤ bn para todo o n ∈ N, temos sn ≤ tn para todo o n ∈ N, logo tambémsn ≤ t para todo o n ∈ N. Isto significa que a sucessão (sn) é crescente e limitada, logoconvergente.

Exemplo 2.17. A série∞∑n=1

1

2n + 1é convergente, uma vez que

0 ≤ 1

2n + 1≤ 1

2n

e a série∞∑n=1

1

2nconverge pois é uma série geométrica de razão 0 < 1

2< 1.

Teorema 2.17 (Teste de comparação do limite). Sejam∞∑n=1

an e∞∑n=1

bn duas séries de

termos não-negativos. Se ` = limanbn∈ R+ ∪ {0,+∞}, então:

1. Se ` ∈ R+, isto é, não é zero nem +∞, então as séries têm a mesma natureza.

2. Se ` = 0 e∞∑n=1

bn converge, então∞∑n=1

an converge.

3. Se ` = +∞ e∞∑n=1

bn diverge, então∞∑n=1

an diverge.

Demonstração. 1. Sejam m e M números reais positivos tais que m < ` < M . Comolim an/bn = `, existe n0 ∈ N tal que para n > n0 se tem

m <anbn

< M,

24

Page 29: Notas de Análise Complexa

2.3. CRITÉRIOS DE CONVERGÊNCIA

ou de forma equivalente,

mbn < an < Mbn.

Se∞∑n=1

bn converge, também∞∑n=1

Mbn converge e, pelo o teste de comparação, também a série∞∑n=1

an converge. Por outro lado, se∞∑n=1

bn diverge, também∞∑n=1

mbn diverge e mais uma vez

pelo o teste de comparação, concluímos que a série∞∑n=1

an diverge.

2. Se limanbn

= 0 então dado ε > 0 existe n0 ∈ N tal que para n > n0 temos 0 <anbn

< ε,

ou de forma equivalente, 0 < an < εbn. Se∞∑n=1

bn converge, o mesmo se passa com a série∞∑n=1

εbn e, pelo teste de comparação,∞∑n=1

an converge.

3. Finalmente, se limanbn

= +∞ então dado M > 0 existe n0 ∈ N tal que para n > n0

temos 0 < M <anbn

, ou seja, 0 < Mbn < an. Mais uma vez o teste de comparação diz-nos

que se∞∑n=1

bn diverge também a série∞∑n=1

an diverge.

Exemplo 2.18. A série∞∑n=1

1

2n − 1é convergente. De facto,

lim1

2n−112n

= lim2n

2n − 1= 1 ∈ R+

e a série∞∑n=1

12n

é geométrica de razão 0 < 12< 1, logo convergente. Pelo teste de comparação

do limite, obtemos o resultado.

Teorema 2.18 (Critério do integral). Seja f : [1,+∞[→ R uma função contínua, não

negativa e decrescente. Então o integral impróprio∫ +∞1

f(x)dx e a série∞∑n=1

f(n) têm a

mesma natureza.

Demonstração. Consideremos a área limitada pelo eixo dos xx’s e o gráfico da função f(x)entre 1 e n. Particionamos o intervalo [1, n] em subintervalos de comprimento 1 e tomamos ovalor da função f no extremo direito de cada intervalo (cf. figura abaixo). Este procedimentodefine retângulos de área ai := f(i), para i = 2, . . . , n, cuja soma das áreas satisfaz

a2 + a3 + · · ·+ an ≤∫ n

1

f(x)dx. (2.3)

25

Page 30: Notas de Análise Complexa

2.3. CRITÉRIOS DE CONVERGÊNCIA

x

y

1 2 3 4 5 · · · n

y = f(x)a2 a3 a4 a5 an

Se o integral∫ +∞

1

f(x)dx é convergente, então da desigualdade (2.3) segue que

n∑i=2

ai ≤∫ n

1

f(x)dx ≤∫ +∞

1

f(x)dx.

Portanto,

sn = a1 +n∑i=2

ai ≤ a1 +

∫ +∞

1

f(x)dx =M,

para algum M ∈ R. Isto significa que a sucessão das somas parciais (sn) da série∞∑n=1

f(n) é

limitada. Como esta sucessão é claramente crescente, podemos concluir que (sn) é conver-

gente, i.e., a série∞∑n=1

f(n) é convergente.

Suponhamos agora que o integral∫ +∞

1

f(x)dx é divergente. Como f(x) ≥ 0 temos∫ n1f(x)dx→ +∞ quando n→ +∞. De forma análoga ao caso anterior (cf figura abaixo),

podemos concluir que ∫ n

1

f(x)dx ≤ a1 + a2 + · · ·+ an−1 = sn−1. (2.4)

x

y

1 2 3 4 5 · · · n

y = f(x)a1 a2 a3 a4 an−1

A desigualdade (2.4) significa que sn → +∞, pelo que a série∞∑n=1

f(n) diverge.

26

Page 31: Notas de Análise Complexa

2.3. CRITÉRIOS DE CONVERGÊNCIA

Exemplo 2.19. Dado p ∈ R designamos por série-p ou série de Dirichlet a série∞∑n=1

1

np.

Vamos utilizar os critérios anteriores para estudar a natureza desta série.Se p < 0 então lim 1/np = ∞ e se p = 0 então lim 1/np = 1. Em ambos os casos

lim 1/np 6= 0, pelo que o teste para a divergência permite concluir que a série-p correspon-dente diverge.

Se p > 0 a função f(x) = 1/xp é contínua, decrescente e positiva no intervalo [1,+∞[.

Uma vez que o integral impróprio∫ +∞

1

f(x)dx converge se p > 1 e diverge se p ≤ 1, o teste

do integral diz-nos que a série-p converge para p > 1 e diverge se 0 < p ≤ 1.Resumindo, a série-p

∞∑n=1

1

npconverge para p > 1 e diverge para p ≤ 1.

Vamos de seguida analisar séries reais cujos termos não são necessariamente positivos.Designaremos estas séries por séries de termos de sinal não definido. De entre estas, existemumas especiais chamadas séries alternadas.

Definição 2.7. Uma série da forma∞∑n=1

(−1)nbn ou∞∑n=1

(−1)n−1bn, onde bn ∈ R+ para todo

o n, chama-se série alternada.

Teorema 2.19 (Critério de Leibniz). Se a sucessão de termos reais positivos (bn) é

decrescente e tal que lim bn = 0, então a série alternada∞∑n=1

(−1)n−1bn é convergente.

Demonstração. Consideremos a sucessão das somas parciais (sn) da série∞∑n=1

(−1)nbn. Uma

vez que bn > 0 e que (bn) é decrescente, não é difícil verificar que

s1 ≥ s3 ≥ s5 ≥ · · · ≥ s2n−1 ≥ s2n ≥ · · · ≥ s6 ≥ s4 ≥ s2.

Concluímos que a subsucessão dos termos ímpares (s2n−1) é decrescente e limitada inferi-ormente por s2, enquanto que a subsucessão dos termos pares (s2n) é crescente e limitadasuperiormente por s1. Portanto, ambas as subsucessões são convergentes. Além disso

s2n−1 − s2n = b2n → 0,

pelo que ambas as subsucessões têm o mesmo limite. Concluímos assim que (sn) é conver-gente.

Exemplo 2.20. A série alternada∞∑n=1

(−1)n−1 1né convergente pois (bn) = (1/n) é uma suces-

são decrescente, isto é, bn ≥ bn+1 para todo o n ≥ 1 e lim bn = 0. Esta série designa-se porsérie harmónica alternada.

27

Page 32: Notas de Análise Complexa

2.3. CRITÉRIOS DE CONVERGÊNCIA

Exemplo 2.21. O critério de Leibniz não pode ser aplicado à série alternada∞∑n=1

(−1)n−1 2n

3n− 1

pois o limite lim2n

3n− 1=

2

36= 0. No entanto, é fácil verificar que as subsucessões dos ter-

mos pares e dos termos ímpares têm limites diferentes, donde se conclui que não existe o

limite do termo geral (−1)n−1 2n

3n− 1. Assim, pelo teste para a divergência, a série dada é

divergente.

Podemos usar uma soma parcial sn de uma série convergente para estimar a sua somas. No entanto, o grau de precisão desta estimativa pode ser difícil de obter, o que torna aestimativa pouco eficiente. O erro que se comete ao aproximar s usando sn é a diferençaRn = s − sn. No caso das séries alternadas, é possível controlar o erro cometido nestaaproximação.

Teorema 2.20 (Estimativa do erro para séries alternadas). Seja∞∑n=1

(−1)n−1bn uma série

alternada convergente com soma s satisfazendo as hipóteses do critério de Leibniz. Se (sn)

é a sucessão das somas parciais da série, então

|Rn| = |s− sn| ≤ bn+1.

Demonstração. Segue da prova do critério de Leibniz que a soma s se situa entre quaisquerdois termos consecutivos sn e sn+1 da sucessão das somas parciais. Portanto,

|s− sn| ≤ |sn+1 − sn| = bn+1.

Exemplo 2.22. A série alternada∞∑n=0

(−1)n

n!é convergente, pois satisfaz as condições do

critério de Leibniz. Se aproximarmos a sua soma usando os primeiros 7 termos da sérieobtemos

s ≈ s6 =1

0!− 1

1!+

1

2!− 1

3!+

1

4!− 1

5!+

1

6!≈ 0.368056.

O erro que se comete nesta aproximação é menor do que o módulo do primeiro termodesprezado:

R ≤ b7 =1

7!= 0.0002.

Como o erro é menor do que 0.0002, a estimativa s ≈ 0.368056 tem pelo menos 3 casasdecimais corretas.

28

Page 33: Notas de Análise Complexa

2.3. CRITÉRIOS DE CONVERGÊNCIA

Séries complexas

Dada uma série de números complexos∞∑n=1

zn podemos considerar a série de números reais

∞∑n=1

|zn| = |z1|+ |z2|+ · · ·+ |zn|+ · · ·

cujos termos são os valores absolutos dos termos da série original.

Definição 2.8. Uma série∞∑n=1

zn é dita absolutamente convergente se a série dos valores

absolutos∞∑n=1

|zn| for convergente.

O teorema seguinte mostra que uma série absolutamente convergente é também conver-gente. Isto significa que podemos usar critérios de convergência de séries reais para analisarséries complexas.

Teorema 2.21. Se a série∞∑n=1

zn é absolutamente convergente, então a série∞∑n=1

zn é con-

vergente e ∣∣∣∣∣∞∑n=1

zn

∣∣∣∣∣ ≤∞∑n=1

|zn|.

Demonstração. Vamos provar em primeiro lugar que a convergência absoluta implica con-

vergência para séries de números reais. Seja então∞∑n=1

an uma série de números reais ab-

solutamente convergente e notemos que 0 ≤ an + |an| ≤ 2|an|, para todo o n ≥ 1. Como

por hipótese∞∑n=1

|an| converge, também a série∞∑n=1

2|an| converge e, pelo teste de comparação

para série de termos positivos, podemos concluir que a série∞∑n=1

an + |an| também converge.

Mas então∞∑n=1

an converge, pois podemos expressar esta série como a soma de duas séries

convergentes∞∑n=1

an =∞∑n=1

(an + |an|)−∞∑n=1

|an|.

Seja agora∞∑n=1

zn uma série absolutamente convergente. Então, como |Re(zn)| ≤ |zn| e

|Im(zn)| ≤ |zn| o critério de comparação para séries de termos positivos permite concluir

que as séries∞∑n=1

|Re(zn)| e∞∑n=1

|Im(zn)| são convergentes. Ou seja, as séries reais∞∑n=1

Re(zn)

e∞∑n=1

Im(zn) são absolutamente convergentes logo, pelo que vimos atrás, são também con-

vergentes, o que implica a convergência da série∞∑n=1

zn.

29

Page 34: Notas de Análise Complexa

2.3. CRITÉRIOS DE CONVERGÊNCIA

Designemos por (sn) e por (s′n) as sucessões das somas parciais das séries∞∑n=1

zn e∞∑n=1

|zn|.

Pela desigualdade triangular podemos escrever

|sn| := |z1 + z2 + · · ·+ zn| ≤ |z1|+ |z2|+ · · ·+ |zn| = s′n.

Assim, obtemos lim |sn| ≤ lim s′n, ou seja,∣∣∣∣ ∞∑n=1

zn

∣∣∣∣ ≤ ∞∑n=1

|zn|.

Portanto, convergência absoluta implica convergência. No entanto, o reciproco não éválido, isto é, a convergência de uma série não significa que esta é também absolutamenteconvergente. Por exemplo, a série harmónica alternada é convergente mas não é absoluta-mente convergente.

Definição 2.9. Uma série é dita simplesmente convergente se for convergente mas nãoabsolutamente convergente.

Teorema 2.22 (Critério da razão ou d’Alembert). Seja∞∑n=1

zn uma série de números

complexos tal que lim|zn+1||zn|

= ` ∈ R+ ∪ {0,+∞}.

1. Se ` < 1 a série∞∑n=1

zn é absolutamente convergente.

2. Se ` > 1 ou ` = +∞ a série∞∑n=1

zn é divergente.

3. Se ` = 1 nenhuma conclusão pode ser retirada sobre a convergência ou divergência da

série∞∑n=1

zn.

Demonstração. 1. Suponhamos que ` < 1. Seja L ∈ R tal que ` < L < 1. Então, existen0 ∈ N tal que ∣∣∣∣zn+1

zn

∣∣∣∣ < L para n > n0.

Daqui segue que |zn| < |zn0|Ln para n > n0. Como a série∞∑n=1

|zn0|Ln é convergente, pois é

uma série geométrica de razão 0 < L < 1, pelo teste de comparação concluímos que a série∞∑n=1

|zn| é também convergente.

2. Se ` > 1 ou ` = +∞, então existe n0 ∈ N tal que∣∣∣∣zn+1

zn

∣∣∣∣ > 1 para n > n0.

Isto significa que |zn+1| > |zn| para n > n0 e, portanto, lim |zn| 6= 0. Logo lim zn 6= 0 e pelo

teste para a divergência concluímos que a série∞∑n=1

zn é divergente.

30

Page 35: Notas de Análise Complexa

2.3. CRITÉRIOS DE CONVERGÊNCIA

3. A série-p∞∑n=1

1/n2 é absolutamente convergente e satisfaz lim |zn+1/zn| = 1, enquanto

que a série harmónica∞∑n=1

1/n é divergente mas também satisfaz lim |zn+1/zn| = 1. Portanto,

se ` = 1 o teste da razão é inconclusivo.

Teorema 2.23 (Critério da raiz ou de Cauchy). Seja∞∑n=1

zn uma série de números

complexos tal que lim n√|zn| = ` ∈ R+ ∪ {0,+∞}.

1. Se ` < 1 a série∞∑n=1

zn é absolutamente convergente.

2. Se ` > 1 ou ` = +∞ a série∞∑n=1

zn é divergente.

3. Se ` = 1 nenhuma conclusão pode ser retirada sobre a convergência ou divergência da

série∞∑n=1

zn.

Demonstração. 1. Se ` < 1 seja L ∈ R tal que ` < L < 1. Então, existe n0 ∈ N tal que

n√|zn| = |zn|1/n < L para n > n0,

ou ainda,|zn| < Ln para n > n0.

Como a série geométrica∞∑n=1

Ln converge, pelo teste de comparação a série∞∑n=1

|zn| tambémconverge.

2. Se ` > 1 ou ` = +∞, então existe n0 ∈ N tal que

n√|zn| = |zn|1/n > 1 para n > n0.

Isto significa que |zn| > 1n = 1 para n > n0 e, portanto, lim |zn| 6= 0. Logo lim zn 6= 0 e pelo

teste para a divergência concluímos que a série∞∑n=1

zn é divergente.

3. A série-p∞∑n=1

1/n2 é absolutamente convergente enquanto que a série harmónica∞∑n=1

1/n

é divergente, mas em cada um destes casos temos ` = lim n√|zn| = 1.

31

Page 36: Notas de Análise Complexa

2.3. CRITÉRIOS DE CONVERGÊNCIA

32

Page 37: Notas de Análise Complexa

Capítulo 3

Séries de Fourier

Séries de Fourier são ferramentas importantes para representar funções periódicas. Devemo seu nome a Jean-Baptiste Joseph Fourier, que as utilizou para solucionar um problemarelacionado com a condução do calor numa placa de metal.

Definição 3.1. Uma função f : R→ R é dita periódica de período L ∈ R se

f(x+ L) = f(x), para todo o x ∈ R.

Claro que se L é um período da função f , então também kL é um período de f , paratodo o k ∈ Z, uma vez que

f(x+ kL) = f(x+ (k − 1)L+ L) = f(x+ (k − 1)L) = · · · = f(x), se k ∈ Z+

ef(x− L) = f(x− L+ L) = f(x).

Portanto, sem perda de generalidade podemos considerar apenas períodos positivos. Ointervalo de regularidade de f é qualquer intervalo de comprimento L. Na maior parte doscasos, vamos considerar os intervalos de regularidade [−L

2, L2].

Definição 3.2. Chamamos período fundamental de uma função periódica ao menor dosperíodos positivos. Vamos, no entanto, daqui em diante chamar apenas período ao períodofundamental.

Exemplo 3.1. As funções sin(x) e cos(x) são periódicas com período 2π.

Exemplo 3.2. Para cada n ∈ N e cada L ∈ R \ {0}, fixos, as funções definidas por f(x) =

sin(nπxL

)e g(x) = cos

(nπxL

)são periódicas com período T =

2L

n, pois

f(x+ T ) = sin

(nπ

L

(x+

2L

n

))= sin

(nπxL

+ 2π)= sin

(nπxL

)= f(x)

e analogamente g(x+ T ) = g(x).

33

Page 38: Notas de Análise Complexa

Definição 3.3. Uma função f diz-se seccionalmente contínua no intervalo [−L,L] setiver neste intervalo apenas um número finito de descontinuidades, todas de primeira espécie.Isto é, se f tem um número finito de descontinuidade em a1, a2, . . . , an, para algum n ≥ 0,com

−L = a0 < a1 < a2 < · · · < an < an+1 = L,

é contínua em ]ai, ai+1[, i = 0, 1, . . . , n, e existem os limites laterais

f(a+i ) := limx→a+i

f(x) e f(a−i ) := limx→a−i

f(x).

Claro que se f é contínua em xi então f(x+i ) = f(x−i ). Sabemos ainda da análise realque uma função seccionalmente contínua em [−L,L] é integrável neste intervalo.

Definição 3.4. Seja f uma função seccionalmente contínua no intervalo [−L,L]. Então asérie de Fourier de f é a série de funções

a02

+∞∑n=1

(an cos

(nπxL

)+ bn sin

(nπxL

)),

onde os coeficientes de Fourier são dados por

an =1

L

∫ L

−Lf(x) cos

(nπxL

)dx e bn =

1

L

∫ L

−Lf(x) sin

(nπxL

)dx.

A presença do factor 1/2 na parcela a0 serve para tornar a fórmula an válida para todoo n ≥ 0. Note-se ainda que nesta definição não é dito que f(x) é a soma da sua série deFourier. Apenas se diz que associada a uma qualquer função f seccionalmente contínuano intervalo [−L,L], existe uma certa série chamada série de Fourier. Coloca-se então aquestão de saber qual a relação entre f e a sua série de Fourier. A resposta a esta questãoé dada no próximo teorema.

Antes, porém, vamos mostrar como deduzir as fórmulas para os coeficientes de Fourier,começando com uma função f periódica de período 2π, que supomos coincidir com a suasérie de Fourier no intervalo [−π, π]:

f(x) =a02

+∞∑n=1

(an cos(nx) + bn sin(nx)), −π ≤ x ≤ π.

Integrando termo a termo, obtemos∫ π

−πf(x)dx =

∫ π

−π

a02dx+

∞∑n=1

(an

∫ π

−πcos(nx)dx+ bn

∫ π

−πsin(nx)dx

). (3.1)

34

Page 39: Notas de Análise Complexa

Uma vez que ∫ π

−πcos(nx)dx =

∫ π

−πsin(nx)dx = 0,

segue que

a0 =1

π

∫ π

−πf(x)dx.

Multiplicando a equação (3.1) por cos(mx), m ≥ 1, obtemos∫ π

−πf(x) cos(mx)dx =

=a02

∫ π

−πcos(mx)dx︸ ︷︷ ︸

=0

+∞∑n=1

an ∫ π

−πcos(nx) cos(mx)dx+ bn

∫ π

−πsin(nx) cos(mx)dx︸ ︷︷ ︸

=0

.

Atendendo a que ∫ π

−πcos(nx) cos(mx)dx =

π, n = m

0, n 6= m,

obtemos entãoam =

1

π

∫ π

−πf(x) cos(mx)dx, m ≥ 1.

Analogamente, multiplicando a equação (3.1) por sin(mx), m ≥ 1, obtemos

bm =1

π

∫ π

−πf(x) sin(mx)dx, m ≥ 1.

Se a função f tem período diferente de 2π, podemos obter a sua série de Fourier fazendouma mudança de variável. Suponhamos então que f é uma função seccionalmente contínuaem [−L,L] com período 2L, isto é, f(x+ 2L) = f(x) para todo o x. Fazendo t =

πx

Le

f(x) ≡ f

(Lt

π

)= g(t),

então a função g é seccionalmente contínua em [π, π], tem período 2π e x = ±L correspondea t = ±π. Pelo caso anterior, a série de Fourier de g é então

a02

+∞∑n=1

(an cos(nt) + bn sin(nt)) ,

ondean =

1

π

∫ π

−πg(t) cos(nt)dt, bn =

1

π

∫ π

−πg(t) sin(nt)dt.

Substituindo a variável t =πx

L, obtemos então os coeficientes dados na definição.

35

Page 40: Notas de Análise Complexa

Exemplo 3.3. Consideremos a função definida em [−π, π] por

f(x) =

0, −π ≤ x < 0

1, 0 ≤ x < π.

Os coeficientes de Fourier de f são dados por

a0 =1

π

∫ π

−πf(x)dx =

1

π

∫ π

0

1dx = 1,

an =1

π

∫ π

−πf(x) cos(nx)dx =

1

π

∫ π

0

cos(nx)dx =1

π

[sin(nx)

n

]π0

= 0, para n ≥ 1,

e

bn =1

π

∫ π

−πf(x) sin(nx)dx =

1

π

∫ π

0

sin(nx)dx =1

π

[− cos(nx)

n

]π0

=

0, n par2nπ, n ímpar

.

A série de Fourier de f é, entãoa02

+ a1 cos(x) + a2 cos(2x) + · · ·+ b1 sin(x) + b2 sin(2x) + b3 sin(3x) + · · ·

=1

2+∞∑n=1

2

π(2k − 1)sin(2k − 1)x.

Teorema 3.1 (Convergência da série de Fourier). Seja f uma função periódica deperíodo 2L. Se f e f ′ forem seccionalmente contínuas no intervalo [−L,L], então a série deFourier de f é convergente em R e a sua soma, em cada ponto x, é igual à média aritméticados limites laterais de f ,

f(x+) + f(x−)

2.

Notemos que se f é contínua em x, então f(x+) = f(x−) ef(x+) + f(x−)

2= f(x), ou

seja, a série de Fourier converge para f(x) nos pontos de continuidade da função f .

Exemplo 3.4. Consideremos novamente a função f periódica de período 2π definida nointervalo [−π, π] por

f(x) =

0, −π ≤ x < 0

1, 0 ≤ x < π.

É fácil verificar que tanto f como a sua derivada são seccionalmente contínuas no intervalo[−π, π]. A função f é contínua no ponto x = 1 e descontínua em x = 0, onde tem umadescontinuidade de primeira espécie. Assim, a sua série de Fourier, que determinámos no

exemplo 3.3, converge para f(1) = 1 no ponto x = 1, e converge paraf(0+) + f(0−)

2=

0 + 1

2=

1

2no ponto x = 0.

36

Page 41: Notas de Análise Complexa

Se f é uma função par em [−L,L], isto é, se f(−x) = f(x) para todo o x ∈ [−L,L],então ∫ L

−Lf(x)dx = 2

∫ L

0

f(x)dx.

Se f é uma função ímpar em [−L,L], isto é, se f(−x) = −f(x) para todo o x ∈ [−L,L],então ∫ L

−Lf(x)dx = 0.

Além disso, o produto de duas funções pares ou de duas funções ímpares é uma funçãopar, enquanto que o produto de uma função par por uma função ímpar é uma função ímpar.Daqui segue que se f é uma função par no intervalo [−π, π], então os coeficientes de Fourierbn são nulos para n ≥ 1, enquanto que se f é uma função ímpar em [−π, π], então oscoeficientes de Fourier an são nulos para n ≥ 0.

Proposição 3.2. 1. Seja f uma função periódica de período 2L, par e seccionalmente con-tínua em [−L,L]. Então a série de Fourier de f é a série de cossenos

a02

+∞∑n=1

an cos(nπx

L),

com an =2

L

∫ π

0

f(x) cos(nπx

L)dx para n ≥ 0.

2. Seja f uma função periódica de período 2L, ímpar e seccionalmente contínua em[−L,L]. Então a série de Fourier de f é a série de senos

∞∑n=1

bn sin(nπx

L),

com bn =2

L

∫ π

0

f(x) sin(nπx

L)dx para n ≥ 0.

Exemplo 3.5. Determinemos a série de Fourier da função definida por f(x) = |x|, para−1 ≤ x ≤ 1, e f(x + 2) = f(x) para todo o x. O gráfico desta função está indicado embaixo.

x

y

-2 -1 1 2

Tanto a função f como a sua derivada são seccionalmente contínuas no intervalo [−1, 1].Além disso, notemos que f é uma função par. Determinemos então os coeficientes an de

37

Page 42: Notas de Análise Complexa

Fourier de f , com L = 1:

a0 =1

1

∫ 1

−1f(x)dx =

∫ 0

−1(−x)dx+

∫ 1

0

xdx = 1,

e para n ≥ 1, temos

an =

∫ 1

−1f(x) cos(nπx)dx =

2

n2π2(cos(nπ)− 1) =

0, se n é par−4n2π2 , se n é ímpar

.

Assim, a série de Fourier de f é dada por

1

2−∞∑n=1

4

(2k − 1)2π2cos((2k − 1)πx).

Por fim, e uma vez que a função f é contínua, podemos escrever

f(x) =1

2−∞∑n=1

4

(2k − 1)2π2cos((2k − 1)πx), para todo o x.

As séries de Fourier podem ser usadas para determinar a soma de algumas séries nu-méricas. Por exemplo, no caso anterior, para x = 0 a série de Fourier vale f(0) = 0.Assim,

0 =1

2−∞∑n=1

4

(2k − 1)2π2cos(0),

ou seja,π2

8=∞∑n=1

1

(2k − 1)2π2.

A identidade de Parseval, que indicamos de seguida, fornece-nos uma forma de relacionaros coeficientes de Fourier com a função que estes descrevem.

Proposição 3.3 (Identidade de Parseval). Seja f : R→ R uma função seccionalmentecontínua e periódica de período 2L. Então os seus coeficientes de Fourier verificam a iden-tidade

a202

+∞∑n=1

(a2n + b2n

)=

1

L

∫ L

−Lf(x)2dx.

Uma alternativa à forma trigonométrica da série de Fourier que vimos em cima é a suaforma complexa, que passamos a deduzir. Consideremos então a série Fourier de uma funçãof : R→ R:

f(x) =a02

+∞∑n=1

(an cos

(nπxL

)+ bn sin

(nπxL

)). (3.2)

38

Page 43: Notas de Análise Complexa

Usando a fórmula de Euler eit = cos(t) + i sin(t), obtemos as fórmulas (ver secção 4.3) parao seno e cosseno reais:

cos(t) =eit + e−it

2e cos(t) =

eit − e−it

2i.

Assim, podemos reescrever a série de Fourier como

(3.2) =a02

+∞∑n=1

(an

(einπxL + e−i

nπxL

2

)+ bn

(einπxL − e−inπxL

2i

))a02

+∞∑n=1

an − ibn2

einπxL +

∞∑n=1

an + ibn2

e−inπxL

= c0 +∞∑n=1

cneinπxL + c−ne

−inπxL ,

onde

c0 =a02

=1

2L

∫ L

−Lf(x)dx,

cn =an − ibn

2=

1

2L

∫ L

−Lf(x)

(cos(

nπx

L)− i sin(nπx

L

))dx =

1

2L

∫ L

−Lf(x)e−i

nπxL dx

e

c−n =an + ibn

2=

1

2L

∫ L

−Lf(x)

(cos(

nπx

L) + i sin(

nπx

L))dx =

1

2L

∫ L

−Lf(x)ei

nπxL dx

Resumindo, temos:

Definição 3.5. Seja f : R → R uma função periódica de período 2L. Chama-se formacomplexa da série de Fourier de f à série

+∞∑n=−∞

cneinπxL ,

onde cn =1

2L

∫ L

−Lf(x)e−i

nπxL dx.

39

Page 44: Notas de Análise Complexa

40

Page 45: Notas de Análise Complexa

Capítulo 4

Funções Analíticas

4.1 Funções complexas e continuidade

Uma função complexa de variável complexa é uma correspondência

f : A −→ C,

onde A ⊆ C. O conjunto A é o domínio da função f e o conjunto f(A) = {f(z) : z ∈ A}é designado por contradomínio ou imagem de f . Quando não se explicita o domínio deuma função f supõe-se que este é o maior conjunto de números complexos onde a função festá definida. No caso particular de A ⊆ R, dizemos f é uma função complexa de variávelreal. Uma função real de variável real é uma função com valores reais e cujo domínio é umsubconjunto de R. Como R ⊆ C, toda a função real é também uma função complexa.

Exemplo 4.1. A expressão z + 1zpode ser determinada para qualquer z ∈ C \ {0}, pelo que

define uma função complexa de domínio Df = C \ {0}.

Exemplos de funções complexas incluem

1. Polinónios: dados números complexos a0, a1, . . . , an, com an 6= 0, dizemos que afunção

p(z) = anzn + · · ·+ a1z + a0

é um polinómio de grau n.

2. Funções racionais: Se p(z) e q(z) são dois polinómios, chamamos função racional atoda a função da forma

r(z) =p(z)

q(z).

3. Função argumento principal: Arg : C \ {0} →] − π, π] que a cada complexo nãonulo z faz corresponder o número Arg(z).

41

Page 46: Notas de Análise Complexa

4.1. FUNÇÕES COMPLEXAS E CONTINUIDADE

Uma vez que um número complexo z pode ser escrito na forma algébrica z = x + iy,toda a função complexa f : A→ C pode ser expressa em termos da sua parte real e parteimaginária

f(z) = u(z) + iv(z),

com u(z), v(z) ∈ R. Denotamos usualmente u e v por Ref e Imf , resp. Como tanto ucomo v dependem da variável complexa x + iy, que pode ser identificada com o seu afixo,estas funções podem também ser vistas como funções reais de duas variáveis reais e f podeescrever-se na forma

f(z) = u(x, y) + iv(x, y).

Assim, toda a função complexa f pode ser encarada como uma função de R2 em R2:

f : A ⊆ R2 → R2

(x, y) 7→ (u(x, y), v(x, y))

Definição 4.1. Seja f : A → C uma função complexa e seja z0 um ponto de acumulaçãode A. Dizemos que o limite de f quando z tende para z0 é o número complexo w, eescreve-se

limz→z0

f(z) = w

se a distância de f(z) a w puder ser tornada tão pequena quanto se queira desde que setome z suficientemente próximo de z0, ou seja, se

∀ε > 0∃δ > 0 : z ∈ A, 0 < |z − z0| < δ ⇒ |f(z)− w| < ε.

Note-se que o ponto z0 pode não pertencer ao domínio da função f . No entanto, éessencial que z0 seja um ponto de acumulação de A, pois de outro modo existiria δ > 0 semque B(z0, δ) \ {z0} possuísse qualquer ponto de A. Neste caso, a condição |f(z) − w| < ε

seria trivialmente válida para todo o complexo w.

Exemplo 4.2. Mostremos quelimz→w|z| = |w|.

Para tal, fixemos ε > 0. Pretendemos mostrar a existência de δ > 0 tal que se z ∈ B(w, δ) \{w} = {z : 0 < |z − w| < δ}, então ||z| − |w|| < ε. Ora uma vez que ||z| − |w|| ≤ |z − w|,basta tomar δ := ε, pois

|z − w| < ε⇒ ||z| − |w|| ≤ |z − w| ≤ δ = ε.

De forma semelhante se pode mostrar que limz→w

z = w, limz→w

Re(z) = Re(w) e que limz→w

Im(z) =

Im(w).

Teorema 4.1. O limite de uma função complexa, quando existe, é único.

42

Page 47: Notas de Análise Complexa

4.1. FUNÇÕES COMPLEXAS E CONTINUIDADE

Demonstração. Suponhamos que existem números complexos w0, w1 tais que

limz→z0

f(z) = w0 e limz→z0

f(z) = w1.

Então, dado ε > 0 existem δ0, δ1 > 0 tais que

0 < |z − z0| < δ0 ⇒ |f(z)− w0| < ε/2

e0 < |z − z0| < δ1 ⇒ |f(z)− w1| < ε/2.

Tomando δ = min{δ1, δ2} vem

|w0 − w1| ≤ |f(z)− w0|+ |f(z)− w1| < ε,

donde se conclui que w0 = w1.

Uma vez que podemos considerar uma função complexa como uma função de R2 emR2, podemos exprimir o limite de uma função complexa como a soma dos limites de duasfunções reais.

Teorema 4.2. Sejam f(z) = u(x, y) + iv(x, y) uma função complexa de domínio A e z0 =x0 + iy0 um ponto de acumulação de A. Então,

limz→z0

f(z) = u0 + iv0

se e só selim

(x,y)→(x0,y0)u(x, y) = u0 e lim

(x,y)→(x0,y0)v(x, y) = v0.

Demonstração. Suponhamos que limz→z0

f(z) = u0 + iv0. Então, dado ε > 0 existe δ > 0 tal

que para todo o z ∈ A tal que 0 < |z − z0| < δ se tem |f(z)− (u0 + iv0)| < ε, isto é,

|(u(x, y) + iv(x, y))− (u0 + iv0)| < ε.

Daqui segue que|u(x, y)− u0| < ε e |v(x, y)− v0| < ε.

Como |z − z0| denota a distância de (x, y) a (x0, y0) em R2, concluímos que

lim(x,y)→(x0,y0)

u(x, y) = u0 e lim(x,y)→(x0,y0)

v(x, y) = v0.

Reciprocamente, dado ε > 0, existem δ0, δ1 > 0 tais que

0 < ||(x, y)− (x0, y0)|| < δ0 ⇒ |u(x, y)− u0| < ε/2

43

Page 48: Notas de Análise Complexa

4.1. FUNÇÕES COMPLEXAS E CONTINUIDADE

e0 < ||(x, y)− (x0, y0)|| < δ1 ⇒ |v(x, y)− v0| < ε/2.

Tomando δ = min{δ0, δ1} temos que sempre que 0 < ||(x, y)− (x0, y0)|| < δ temos

|(u(x, y) + iv(x, y))− (u0 + iv0)| = |u(x, y)− u0 + i(v(x, y)− v0)|≤ |u(x, y)− u0|+ |(v(x, y)− v0)|

2+ε

2= ε,

como pretendido.

Exemplo 4.3. Seja f(z) = z2 + i. Fazendo z = x+ yi, temos f(z) = u(x, y) + v(x, y)i, comu(x, y) = x2 − y2 e v(x, y) = 2xy + 1. Uma vez que

lim(x,y)→(1,1)

u(x, y) = 0 e lim(x,y)→(1,1)

v(x, y) = 3

obtemos limz→1+i

f(z) = 3i.

Proposição 4.3 (Álgebra dos limites). Sejam f e g funções complexas com domínio A eseja z0 um ponto de acumulação de A. Se f e g têm limites w0 e w1 quando z → z0, então:

1. f(z) + g(z) tem limite w0 + w1 quando z → z0.

2. f(z)g(z) tem limite w0w1 quando z → z0.

3. 1/f(z) tem limite 1/w0 quando z → z0, desde que w0 6= 0.

Demonstração. Semelhante à prova da validade da álgebra dos limites para sucessões.

É notória a semelhança entre as definições de limite de funções complexas e de funçõesreais. Existe, no entanto, uma diferença importante: enquanto que no caso das funções reaistemos lim

x→x0f(x) = ` se e só se lim

x→x−0f(x) = ` e lim

x→x+0f(x) = `, no caso das funções complexas

não há direções privilegiadas. Portanto, devemos ter limz→z0

f(z) = w independentemente daforma como z se aproxima de z0. Este facto pode ser utilizado como um critério para a nãoexistência de um limite.

Proposição 4.4. Se limz→z0

f(z) = `1, quando z se aproxima de z0 segundo uma curva, e

limz→z0

f(z) = `2, `1 6= `2, quando z se aproxima de z0 segundo uma outra curva, então não

existe limz→z0

f(z).

44

Page 49: Notas de Análise Complexa

4.1. FUNÇÕES COMPLEXAS E CONTINUIDADE

Exemplo 4.4. Utilizemos o critério anterior para mostrar que não existe o limite

limz→0

z

z.

Para tal, façamos z tender para a origem ao longo do eixo real, isto é, z = x + 0i → 0.Para estes pontos temos

limz→0

z

z= lim

y=0,x→0

x+ yi

x− yi= lim

x→0

x

x= 1.

Fazendo agora z tender para a origem ao longo do eixo imaginário, isto é, z = 0 + yi → 0,obtemos

limz→0

z

z= lim

x=0,y→0

x+ yi

x− yi= lim

y→0

yi

−yi= −1.

Concluímos assim que limz→0

z

znão existe.

Definição 4.2. A função complexa f : A → C é contínua em z0 ∈ C se z0 ∈ A elimz→z0

f(z) = f(z0), iso é, se o limite existe e é igual a f(z0).

Como consequência da álgebra dos limites para funções complexas, obtemos o seguinteresultado.

Proposição 4.5. Se f e g são funções contínuas em z0 ∈ C, então também são contínuasem z0 as funções f + g, fg e 1/f (esta última desde que f(z0) 6= 0).

É claro que a função constante f(z) = c e a função identidade f(z) = z são contínuaspara todo o z ∈ C (basta tomar δ = ε na definição). Combinando estes factos com oresultado anterior concluímos que qualquer polinómio é uma função contínua para todo oz ∈ C. Além disso, qualquer função racional p(z)/q(z) é contínua em todos os pontos z ∈ C,excepto possivelmente nas raízes de q(z).

Uma vez que o limite, quando z tende para z0, de uma função f(z) é w se e só se olimite das suas partes reais e imaginárias é Re(w) e Im(w), respectivamente, obtemos aindao seguinte resultado.

Proposição 4.6. Suponhamos que f(x + yi) = u(x, y) + iv(x, y). Então f é contínua emx+ iy se e só se u e v são contínuas em (x, y).

Por vezes é conveniente extender as noções de limite e continuidade de uma função demodo a incluir o "ponto no infinito"da seguinte forma:

• limz→∞

f(z) = w0 ⇔ dado ε > 0 existe M > 0 tal que |z| > M ⇒ |f(z)− w0| < ε.

• limz→z0

f(z) =∞⇔ dado R > 0 existe δ > 0 tal que 0 < |z − z0| < δ ⇒ |f(z)| > R.

• limz→∞

f(z) =∞⇔ dado R > 0 existe M > 0 tal que |z| > M ⇒ |f(z)| > R.

45

Page 50: Notas de Análise Complexa

4.2. DIFERENCIABILIDADE E CONDIÇÕES DE CAUCHY-RIEMANN

4.2 Diferenciabilidade e condições de Cauchy-Riemann

Definição 4.3. Seja f : A → C uma função complexa, com A aberto. Dizemos que f édiferenciável em z0 ∈ A se existir o limite

limh→0

f(z0 + h)− f(z0)h

, (h ∈ C).

A este limite chamamos a derivada de f em z0, que se denota por f ′(z0). Dizemos que fé diferenciável em A se for diferenciável em todos os pontos de A.

Fazendo h = z − z0 na definição de derivada de f em z0, obtemos

f ′(z0) = limh→0

f(z0 + h)− f(z0)h

= limz→z0

f(z)− f(z0)z − z0

.

Definição 4.4. Uma função f diz-se analítica num ponto z0 se f é diferenciável em todosos pontos de alguma vizinhança de z0. Se f é diferenciável em todos os pontos de umconjunto aberto A, dizemos que a função é analítica em A. Uma função analítica em Ctambém se diz inteira.

As regras familiares da derivação de funções reais de variável real são também válidasno caso complexo.

Proposição 4.7. Se f e g são funções diferenciáveis em z, então:

1. f + g é diferenciável em z e (f(z) + g(z))′ = f ′(z) + g′(z).

2. fg é diferenciável em z e (f(z)g(z))′ = f ′(z)g(z) + f(z)g′(z).

3. f/g é diferenciável em z (desde que g(z) 6= 0) e(f(z)

g(z)

)′=f ′(z)g(z)− f(z)g′(z)

(g(z))2.

Demonstração. Os detalhes da prova seguem da álgebra dos limites e são semelhantes aocaso real.

A regra da cadeia também se verifica no caso complexo.

Proposição 4.8 (Regra da cadeia). Se f é diferenciável em z e g é diferenciável em f(z),então g ◦ f também é diferenciável em z e

(g ◦ f)′(z) = g′(f(z)) · f ′(z).

Demonstração. A prova resulta da definição de derivada e é análoga ao caso real.

46

Page 51: Notas de Análise Complexa

4.2. DIFERENCIABILIDADE E CONDIÇÕES DE CAUCHY-RIEMANN

A função identidade f(z) = z e a função constante g(z) = c são diferenciáveis para todoo z ∈ C, com f ′(z) = 1 e g′(z) = 0. Como um polinómio p(z) = a0+ a1z+ a2z

2+ · · ·+ anzn

pode ser construído usando estas funções e combinações das alíneas da proposição anterior,concluímos que p(z) é diferenciável para todo o z ∈ C. Segue que qualquer função racionalp(z)/q(z) é diferenciável em todos os pontos de C, excepto nos zero de q(z).

Proposição 4.9. Se f é diferenciável em z0, então f é contínua em z0.

Demonstração. Por hipótese, os limites limz→z0

f(z)− f(z0)z − z0

e limz→z0

(z− z0) existem e são f ′(z0)

e 0, respectivamente. Portanto,

limz→z0

(f(z)− f(z0)) = limz→z0

f(z)− f(z0)z − z0

(z − z0) = f ′(z0) · 0 = 0,

ou seja, limz→z0

f(z) = f(z0) e f é contínua em z0.

O recíproco deste resultado é falso, como se pode verificar com a função f(z) = Re(z).Já vimos que esta função é contínua em C, mas não possui derivada em nenhum ponto, poisdado z ∈ C, temos

limh→0

f(z + h)− f(z)h

= 1,

quando h = x+ i0→ 0 tende para a origem ao longo do eixo real, e

limh→0

f(z + h)− f(z)h

= 0,

quando h = 0 + iy → 0 tende para a origem ao longo do eixo imaginário.

No caso particular das funções complexas de variável real

f : A ⊆ R→ C,

temos

f ′(x) = limh→0

f(x+ h)− f(x)h

(h ∈ R)

= limh→0

Ref(x+ h)−Ref(x)h

+ iImf(x+ h)− Imf(x)

h

= (Ref)′(x) + i(Imf)′(x).

Proposição 4.10 (Regra de L’Hôpital). Sejam f e g funções complexas diferenciáveis numavizinhança de z0 tais que f(z0) = g(z0) = 0 e g′(z0) 6= 0. Então,

limz→z0

f(z)

g(z)=f ′(z0)

g′(z0).

47

Page 52: Notas de Análise Complexa

4.2. DIFERENCIABILIDADE E CONDIÇÕES DE CAUCHY-RIEMANN

Demonstração. Uma vez que f(z0) = g(z0) = 0 podemos escrever

limz→z0

f(z)

g(z)= lim

z→z0

f(z)−f(z0)z−z0

g(z)−g(z0)z−z0

=f ′(z0)

g′(z0),

pois g(z0) 6= 0.

Como aplicação da regra de L’Hôpital, calculemos o limite limz→0

z2 − 3z

2z. Fazendo f(z) =

z2 − 3z e g(z) = 2z, temos f(0) = g(0) = 0 e g′(0) = 2 6= 0. Portanto,

limz→0

z2 − 3z

2z=f ′(0)

g′(0)=−32.

O próximo resultado indica que se uma função f(z) = u(x, y) + iv(x, y) é diferenciá-vel num ponto z, então satisfaz um par de equações designadas por equações de Cauchy-Riemann.

Teorema 4.11 (Condições de Cauchy-Riemann). Seja f(z) = u(x, y) + iv(x, y) umafunção complexa diferenciável em z = x+ yi. Então, existem as derivadas parciais de u e vem (x, y) e satisfazem as condições de Cauchy-Riemann

∂u

∂x=∂v

∂ye

∂u

∂y= −∂v

∂x.

Demonstração. Se f é diferenciável em z = x+ yi, então existe o limite

limh→0

f(z + h)− f(z)h

= f ′(z). (4.1)

Escrevendo h = h1 + ih2, temos

(4.1) = limh1+ih2→0

u(x+ h1, y + h2) + iv(x+ h1, y + h2)− u(x, y)− iv(x, y)h1 + ih2

.

Este limite é independente da forma como h se aproxima da origem. Façamos então h tenderpara a origem ao longo eixo real, ou seja, com h2 = 0. Obtemos assim

f ′(z) = limh1→0

u(x+ h1, y) + iv(x+ h1, y)− u(x, y)− iv(x, y)h1

= limh1→0

u(x+ h1, y)− u(x, y)h1

+ i limh1→0

v(x+ h1, y)− v(x, y)h1

=∂u

∂x(x, y) + i

∂v

∂x(x, y). (4.2)

48

Page 53: Notas de Análise Complexa

4.2. DIFERENCIABILIDADE E CONDIÇÕES DE CAUCHY-RIEMANN

Fazendo agora h tender para a origem ao longo do eixo imaginário, ou seja, com h1 = 0,obtemos

f ′(z) = limh2→0

u(x, y + h2) + iv(x, y + h2)− u(x, y)− iv(x, y)ih2

= limh2→0

u(x, y + h2)− u(x, y)ih2

+ i limh2→0

v(x, y + h2)− v(x, y)ih2

=1

i

∂u

∂y(x, y) +

∂v

∂y(x, y)

=∂v

∂y(x, y)− i∂u

∂y(x, y). (4.3)

De (4.1) e (4.2) vem

f ′(z) =∂u

∂x(x, y) + i

∂v

∂x(x, y) =

∂v

∂y(x, y)− i∂u

∂y(x, y),

pelo que∂u

∂x=∂v

∂ye

∂u

∂y= −∂v

∂x.

O facto de as condições de Cauchy-Riemann se verificarem num ponto z não significaque a função seja diferenciável nesse ponto. Estas condições informam-nos sobre o compor-tamento do limite quando h→ 0 segundo o eixo real e segundo o eixo imaginário, mas nãonos informam sobre o que ocorre segundo outras direções, logo não nos indicam se a função édiferenciável. No entanto, se f não satisfaz estas condições num certo ponto, podemos con-cluir que f não é diferenciável nesse ponto. As condições de Cauchy-Riemann constituem,portanto, uma condição necessária mas não suficiente para f ser diferenciável num ponto.Quando a função é diferenciável estas condições dão-nos um método de derivar funções emque não é possível usar as regras de derivação.

Exemplo 4.5. Seja f(z) = x + 4yi. Apesar de contínua, esta função não é diferenciável emnenhum ponto uma vez que com u(x, y) = x e v(x, y) = 4y, temos

∂u

∂x= 1 6= ∂v

∂y= 4

Exemplo 4.6. Seja f(z) = 2x2+y+ i(y2−x) e definamos u(x, y) = 2x2+y e v(x, y) = y2−x.Então

∂u

∂x= 4x

∂v

∂x= −1

∂u

∂y= 1

∂v

∂y= 2y,

e as condições de Cauchy-Riemann são satisfeitas apenas na recta 4x = 2y, ou seja, na rectay = 2x. Fora desta recta a função não é diferenciável.

49

Page 54: Notas de Análise Complexa

4.2. DIFERENCIABILIDADE E CONDIÇÕES DE CAUCHY-RIEMANN

Pode acontecer que uma função satisfaça as condições de Cauchy-Riemann em z masnão seja diferenciável em z. No entanto, acrescentando mais algumas condições às condiçõesde Cauchy-Riemann podemos garantir a diferenciabilidade da função em z.

Teorema 4.12 (Condição suficiente de diferenciabilidade). Seja f(z) = u(x, y) +

iv(x, y) uma função complexa. Se as quatro derivadas parciais de u e v forem contínuasnuma vizinhança de (x, y) e satisfazem as condições de Cauchy-Riemann em (x, y), entãof é diferenciável em (x, y) e

f ′(z) =∂u

∂x(x, y) + i

∂v

∂x(x, y) =

∂v

∂y(x, y)− i∂u

∂y(x, y).

Demonstração. Omitida.

Exemplo 4.7. Consideremos novamente a função f(z) = 2x2 + y + i(y2 − x) analisada noexemplo 4.6. Vimos que esta função satisfaz as condições de Cauchy-Riemann sobre a recta{(x, 2x) : x ∈ R}. Além disso, as derivadas parciais de u e v são funções contínuas emqualquer ponto de C. Portanto, f é diferenciável nesta recta e

f ′(z) =∂u

∂x(x, 2x) + i

∂v

∂x(x, 2x) = 4x− i.

Vamos de seguida descrever algumas consequências do teorema anterior. Antes, porém,relembremos alguns resultados de Análise Real. Seja f : I → R uma função real de variávelreal diferenciável em I ⊆ R. Se I é um intervalo e f ′(x) = 0 em I, então f é constante emI. No entanto, se I não for um intervalo não podemos concluir que f seja constante em I,como se pode comprovar com a função

f(x) =

2, x ∈ (0, 1)

3, x ∈ (3, 4).

Temos f ′(x) = 0 para todo o x ∈ (0, 1)∪ (3, 4), mas f não é constante. A função f é apenasconstante nos intervalos (0, 1) e (3, 4).

Para funções f : I ⊆ R2 → R reais de duas variáveis reais, pode provar-se que se asderivadas parciais se anulam

∂f

∂x(x, y) =

∂f

∂y(x, y) = 0

para todos os pontos de I, então f é constante em todo o segmento de recta vertical ehorizontal contido em I.

Teorema 4.13. Seja f : A→ C uma função complexa com A aberto e conexo. Se f ′(z) = 0

em A então f é uma função constante em A.

50

Page 55: Notas de Análise Complexa

4.3. FUNÇÕES ELEMENTARES

Demonstração. Sendo f(x+ iy) = u(x, y) + iv(x, y), temos

f ′(z) =∂u

∂x(x, y) +

∂v

∂x(x, y)i = 0 + 0i

=∂v

∂y(x, y)− ∂u

∂y(x, y)i = 0− 0i.

Portanto, as derivadas de u e v anulam-se em A, pelo que podemos concluir que u e v sãofunções constantes em todo o segmento de recta vertical e horizontal contido em A. Comof(x + iy) = u(x, y) + iv(x, y), também f é constante em todo o segmento de recta verticale horizontal contido em A.

Sejam então z e w elementos de A. Como A é aberto e conexo, existe um caminhocomposto por segmentos horizontais e verticais, totalmente contido em A, que une z a w.Denotemos esses segmentos por

[z, z1], [z1, z2], . . . , [zn, w].

Temos então f(z) = f(z1) = f(z2) = · · · = f(zn) = f(w), ou seja, f é constante no conjuntoA.

Teorema 4.14. Seja f : A ⊆ C → C uma função complexa com A aberto e conexo. Se f édiferenciável e Ref(z) é constante em A, então f é constante em A.

Demonstração. Sendo f(x+iy) = u(x, y)+iv(x, y), temos u(x, y) = k para todo o x+yi ∈ A.Assim, as derivadas parciais de u anulam-se em A. Pelas condições de Cauchy-Riemann,também as derivadas parciais de v se anulam em A. Assim, podemos concluir que f ′(z) = 0

e, pelo teorema anterior, f é constante em A.

4.3 Funções elementares

Definição 4.5 (A exponencial complexa). Dado z = x+ iy, definimos a exponencial dez como sendo o número complexo

ez = ex(cos(y) + i sin(y)) = ex cos(y) + iex sin(y).

Uma das razões pelas quais é natural designar esta função por exponencial reside nofacto de esta generalizar a exponencial real: se z = x+ i0 é real,

ex+i0 = ex(cos(0) + i sin(0)) = ex.

Pelas equações de Cauchy-Riemann, é fácil verificar que ez é uma função inteira e que a suaderivada é dada por (ez)′ = ez.

51

Page 56: Notas de Análise Complexa

4.3. FUNÇÕES ELEMENTARES

O módulo, argumento e o conjugado de ez são igualmente fáceis de determinar a partirda definição. Escrevendo ez na forma polar

ez = ex(cos(y) + i sin(y)) = r(cos(θ) + i sin(θ)),

temos r = ex e θ = y+2nπ, para n = 0,±1,±2, . . . Como r é o módulo e θ o argumento deez, temos

|ez| = ex e arg(ez) = {y + 2nπ, n = 0,±1,±2, . . .}.

Uma vez que ex > 0 para todo o x ∈ R, segue que |ez| > 0 para todo o z ∈ C, donde seconclui que ez 6= 0 para todo o z ∈ C. No entanto a exponencial complexa pode tomarvalores negativos. Por exemplo, eπi = −1. Como a função seno real é ímpar e a funçãocosseno real é par, temos ainda

ez = ex cos(y)− iex sin(y) = ex cos(−y) + iex sin(−y) = ex−iy = ez.

Proposição 4.15. Se z1 e z2 são números complexos, então

1. e0 = 1

2. ez1ez2 = ez1+z2

3.ez1

ez2= ez1−z2

4. (ez1)n = enz1 para n = 0,±1,±2, . . .

Demonstração. A propriedade 1. é consequência da exponencial complexa generalizar aexponencial real e a propriedade 4 segue da fórmula de De Moivre. Se z1 = x1 + iy1 ez2 = x2 + iy2, temos

ez1ez2 = (ex1 cos(y1) + i sin(y1)) (ex2 cos(y2) + i sin(y2))

= ex1+x2 (cos(y1) cos(y2)− sin(y1) sin(y2)) + iex1+x2 (sin(y1) cos(y2) + cos(y1) sin(y2))

= ex1+x2 cos(y1 + y2) + iex1+x2 sin(y1 + y2)

= ez1+z2 .

Relativamente a 3, podemos escrever

ez1

ez2= ex1−x2

cos(y1) + i sin(y1)

cos(y2) + i sin(y2)= ex1−x2

(cos(y1) + i sin(y1))(cos(y2)− i sin(y2))(cos(y2) + i sin(y2))(cos(y2)− i sin(y2))

= ex1−x2(cos(y1) cos(y2) + sin(y1) sin(y2)) + i(sin(y1) cos(y2)− cos(y1) sin(y2)

= ex1−x2 cos(y1 − y2) + i sin(y1 − y2)= ez1−z2 .

52

Page 57: Notas de Análise Complexa

4.3. FUNÇÕES ELEMENTARES

Finalmente a propriedade 4 é consequência da fórmula de De Moivre:

(ez1)n = (ex1cis(y1))n = (ex1)n cis(ny1) = enx1cis(ny1) = enx+iny = enz.

A diferença mais surpreendente entre as exponenciais real e complexa e real reside naperiodicidade de desta última. Como as funções seno e cosseno reais são periódicas deperíodo 2π, pelo definição de exponencial complexa temos

ez+2πi = eze2πi = ez.

Ou seja, a exponencial complexa ez é uma função periódica de período 2πi.Fixemos a ∈ R. Então, ea+iy = eaeiy, com y a variar em R, representa a circunferência de

centro na origem e raio ea. Ou seja, a exponencial complexa transforma as rectas verticaisx = a, a ∈ R em circunferências centradas na origem e raio ea > 0. Como a exponencialcomplexa é periódica de período 2πi, ela transforma a banda

{z ∈ C : −π < Im(z) ≤ π} = {z = x+ iθ ∈ C : −π < θ ≤ π, x ∈ R},

chamada região fundamental da exponencial complexa, no conjunto

{exeiθ,−π < θ ≤ π, x ∈ R} = C \ {0}.

Em particular, concluímos que o contradomínio da exponencial complexa é C \ {0}.

O logaritmo complexo

Fixemos um complexo z 6= 0. Se ew = z, então

|ew| = eRe(w) = |z| e arg(ew) = Im(w) = arg(z).

Ou seja,ew = z ⇒ w = ln|z|+ iarg(z), (4.4)

com ln|z| o logaritmo real de |z|. Como há um número infinito de argumentos de z, (4.4)origina um número infinito de soluções da equação ew = z.

Definição 4.6. Seja z ∈ C \ {0}. Então a função definida por

log(z) = ln|z|+ iarg(z)

é designada por logaritmo complexo de z.

53

Page 58: Notas de Análise Complexa

4.3. FUNÇÕES ELEMENTARES

Portanto, cada número complexo z 6= 0 tem uma infinidade de logaritmos, todos comparte real ln|z|, e diferindo uns dos outros por múltiplos de 2πi. Ou seja, se z = reiθ, temos

log(z) = ln(r) + i(θ + 2nπ), n = 0,±1,±2, · · ·

As seguintes propriedades do logaritmo complexo seguem da definição e das propriedadesanálogas satisfeitas pelo logaritmo real.

Proposição 4.16. Se z1, z2 são números complexos não nulos e n ∈ N, então

1. log(z1z2) = log(z1) + log(z2).

2. log( z1z2) = log(z1)− log(z2).

3. log(zn1 ) = nlog(z1).

Quando na expressão do logaritmo complexo se toma o argumento principal de z obtém-se o chamado logaritmo principal de z.

Definição 4.7. Seja z ∈ C \ {0}. A função definida por

Log(z) = ln|z|+ iArg(z)

é designada por logaritmo principal de z.

Proposição 4.17. O logaritmo principal é a função inversa da exponencial complexa quandorestrita ao seu domínio fundamental.

Demonstração. Por definição temos eLog(z) = z, para todo o z 6= 0. Seja então z = x + iy,com −π < y ≤ π. Como |ez| = ex e Arg(ez) = y, podemos escrever

Log(ez) = ln(ex) + iy = x+ iy = z,

ou seja, Log(ez) = z se −π < Im(z) ≤ π.

A igualdade eLog(z) = z verifica-se para todo o número complexo não nulo, mas já aigualdade Log(ez) = z só se verifica se z pertence à região fundamental da exponencial. Porexemplo, 1 + 3

2πi não está nesta região e

Log(e1+

32πi)= ln e+ iArg

(e

32πi)= 1− π

2i 6= 1 +

3

2πi.

Notemos ainda que o logaritmo principal generaliza o logaritmo real: se x ∈ R+ então

Log(x) = ln|x|+ iArg(x) = ln(x).

54

Page 59: Notas de Análise Complexa

4.3. FUNÇÕES ELEMENTARES

Analisemos de seguida a diferenciabilidade do logaritmo principal. É claro que Log(z)não é contínua em z = 0 pois não está definida neste ponto. É também descontínua nosemi-eixo negativo real, pois se x ∈ R−, o limite lim

z→xLog(z) não existe:

limz→x

z=x+yi,y>0

Log(z) = limy→0

z=x+yi,y>0

ln|z|+ iArg(z) = ln|z|+ iπ,

enquanto que

limz→x

z=x+yi,y<0

Log(z) = limy→0

z=x+yi,y<0

ln|z|+ iArg(z) = ln|z| − iπ.

Portanto, Log(z) é descontínua em R−0 . Consideremos então z0 um elemento do conjunto{z : |z| > 0 e − π < arg(z) < π} e calculemos o limite

limz→z0

Log(z)− Log(z0)z − z0

. (4.5)

Para tal façamos a mudança de variável Log(z) = w, notando que quando z → z0, temosw → w0 = Log(z0). Usando a regra de L’Hôpital, obtemos

(4.5) = limw→w0

w − w0

ew − ew0= lim

w→w0

1

ew=

1

ew0=

1

z0,

ou seja,

(Log(z))′ =1

zpara todo o z ∈ {z : |z| > 0 e − π < arg(z) < π}.

Em particular, Log(z) é contínua neste intervalo.

Potências de expoente complexo

Na secção 1.2 analisámos potências da forma zn e z1/n para n inteiro e n ≥ 2, resp. Vamosagora considerar potências da forma zw, onde w é um número complexo arbitrário, usandoa igualdade z = elog(z) que, como vimos em cima, é válida para qualquer z 6= 0. Assim, sen ∈ Z, por 4 da proposição 4.15 podemos escrever zn =

(elog(z)

)n= enlog(z). Vamos usar

esta fórmula para definir zw para qualquer w ∈ C.

Definição 4.8. Se w ∈ C e z 6= 0, então a potência complexa zw é definida por

zw = ewlog(z).

Da definição e das propriedades (4.15) da exponencial complexa obtemos a seguinteproposição.

Proposição 4.18. Se w1 e w2 são números complexos não nulos, então

55

Page 60: Notas de Análise Complexa

4.3. FUNÇÕES ELEMENTARES

1. zw1zw2 = zw1+w2

2.zw1

zw2= zw1−w2

3. (zw1)n = znw1 para n = 0,±1,±2, · · ·

Em geral, a expressão zw origina um conjunto infinito de valores devido ao logaritmo queaparece na sua fórmula. No entanto, a expressão zn é univocamente determinada quando né um inteiro:

zn = enlog(z) = en(ln|z|+iarg(z)) = enln|z|enarg(z)i.

Se θ = Arg(z), então arg(z) = θ + 2kπ, com k ∈ Z e, portanto,

enarg(z)i = en(θ+2kπ)i = enθie2nkπi.

Mas como en2kπi = cos(n2kπ) + i sin(n2kπ) = cos(0) + i sin(0) = 1, podemos então escrever

zn = enln|z|enArg(z)i.

Portanto, quando n ∈ Z, a expressão zn tem um só valor: zn = enLog(z) = |z|nenArg(z)i.Em geral, no entanto, zw representa um conjunto infinito de valores. Podemos fazer

corresponder a zw um único valor usando o logaritmo principal Log(z) no lugar de log(z)na definição de zw. A esta função chamamos valor principal de zw.

Definição 4.9. Se w ∈ C e z 6= 0, então o valor principal da potência complexa zw édefinida por

zw = ewLog(z).

A função valor principal de zw não é contínua em todo o plano complexo pois a funçãologaritmo principal não é contínua em todo o plano. No entanto, como a exponencialcomplexa é contínua em C e Log(z) é contínua no conjunto {z : |z| > 0,−π < Arg(z) < π},segue que zw é contínua neste conjunto. Além disso, neste conjunto podemos usar a regrada cadeia para obter a derivada da função valor principal de zw:

(zw)′ =(ewLog(z)

)′= ewLog(z) (wLog(z))′ = ewLog(z)

w

z= wzw−1.

Funções trigonométricas complexas

Se x ∈ R, segue da definição 4.5 que

eix = cos(x) + i sin(x) e e−ix = cos(x)− i sin(x). (4.6)

Adicionando estas duas equações e simplificando, obtemos uma expressão para a funçãocosseno real à custa da exponencial complexa:

cos(x) =eix + e−ix

2. (4.7)

56

Page 61: Notas de Análise Complexa

4.3. FUNÇÕES ELEMENTARES

De forma semelhante, subtraindo as duas equações em (4.6) obtemos uma expressão para afunção seno real à custa da exponencial complexa:

sin(x) =eix − e−ix

2i. (4.8)

Estas formulas para o seno e para o cosseno reais podem ser usadas para definirmos asfunções seno e cosseno complexos.

Definição 4.10. As funções seno complexo e cosseno complexo são definidas por

sin(z) =eiz − e−iz

2ie cos(z) =

eiz + e−iz

2

para todo o z ∈ C.

As equações (4.7) e (4.8) mostram que o seno e cosseno complexos generalizam as funçõesseno e cosseno reais. Tal como no caso real podemos definir a tangente, cotangente, secantee cossecante complexas:

tan(z) =sin(z)

cos(z), cot(z) =

cos(z)

sin(z), sec(z) =

1

cos(z)e csc(z) =

1

sin(z).

É imediato constatar que o seno e o cosseno complexos são funções inteiras, pois sãocombinações lineares da exponencial complexa. Além disso, usando a regra da derivada daexponencial, temos

(sin(z))′ = cos(z) e (cos(z))′ = − sin(z).

A maioria das identidades satisfeitas pelas funções trigonométricas reais são também válidaspara as funções trigonométricas complexas. Listamos na próxima proposição algumas dasmais úteis.

Proposição 4.19. Se z e w são números complexos, então

1. sin(−z) = − sin(z) e cos(−z) = cos(z)

2. cos2(z) + sin2(z) = 1

3. sin(z ± w) = sin(z) cos(w)± cos(z) sin(w)

4. cos(z ± w) = cos(z) cos(w)∓ sin(z) sin(w)

Demonstração. Fazemos apenas a prova de 2. As restantes provam-se de forma semelhante.

cos2(z) + sin2(z) =1

4

[−(eiz − e−iz)2 + (eiz + e−iz)2

]=

1

4

[−e2iz + 2eize−iz − e−2iz + e2iz + eize−iz + e−2iz

]=

1

4(2 + 2) = 1.

57

Page 62: Notas de Análise Complexa

4.3. FUNÇÕES ELEMENTARES

Por fim, analisemos a periodicidade do seno e do cosseno complexos. Como a exponencialcomplexa é periódica de período 2πi temos ez+2πi = ez para todo o z ∈ C. Substituindo zpor iz nesta equação obtemos eiz+2πi = ei(z+2π) = eiz. Ou seja, eiz é periódica com período2π. De forma análoga podemos mostrar que e−iz também é periódica de período 2π. Daquisegue facilmente que

sin(z + 2π) = sin(z) e cos(z + 2π) = cos(z)

para todo o z ∈ C. Ou seja, o seno e o cosseno complexos são funções periódicas comperíodo 2π.

Funções hiperbólicas complexas

As funções seno hiperbólico real e cosseno hiperbólico real são definidas por

sinh(x) =ex − e−x

2e cosh(x) =

ex + e−x

2

para x ∈ R. Definimos o seno hiperbólico complexo e o cosseno hiperbólico complexo deforma análoga usando a exponencial complexa.

Definição 4.11. As funções seno hiperbólico complexo e cosseno hiperbólico com-plexo são definidas por

sinh(z) =ez − e−z

2e cosh(z) =

ez + e−z

2

para todo o z ∈ C.

No caso real não é clara a relação existente entre o seno e o cosseno hiperbólico e asfunções seno e cosseno ordinárias. No entanto, no caso complexo esta relação é imediata,uma vez que se x ∈ R, então

sin(ix) =ei(ix) − e−i(ix)

2i= i

ex − e−x

2= i sinh(x)

e

cos(ix) =ei(ix) + e−i(ix)

2=ex + e−x

2= cosh(x).

O seno e o cosseno hiperbólico complexos são funções inteiras e verificam

(sinh(z))′ = cosh(z) e (cosh(z)(z))′ = sinh(z).

58

Page 63: Notas de Análise Complexa

Capítulo 5

Integração de Funções Complexas

5.1 Integração de funções complexas de variável real

O conceito de integral de uma função complexa de variável real definida num intervalo[a, b] ⊆ R é uma generalização imediata do integral real. Seja

f(t) = Ref(t) + iImf(t)

uma função complexa de variável real contínua em [a, b]. Chama-se integral de f em [a, b],e representa-se por

∫ baf(t)dt, ao número complexo∫ b

a

f(t)dt :=

∫ b

a

Ref(t)dt+ i

∫ b

a

Imf(t)dt.

Como estamos a supor a continuidade de f no intervalo [a, b], o mesmo se passa com asfunções reais de variável real Ref(t) e Imf(t), pelo que o integral de f em [a, b] existe e éfinito. Notemos ainda que

Re

(∫ b

a

f(t)dt

)=

∫ b

a

Ref(t)dt e Im

(∫ b

a

f(t)dt

)=

∫ b

a

Imf(x)dt.

É também fácil verificar que∫ b

a

f(t)dt =

∫ b

a

f(t)dt. A partir dos resultados standard da

integração real, obtemos as seguintes propriedades.

Proposição 5.1. Sejam f, g : [a, b] → C funções complexas de variável real contínuas em[a, b]. Então:

1.∫ b

a

f(t) + g(t)dt =

∫ b

a

f(t)dt+

∫ b

a

g(t)dt.

2.∫ b

a

αf(t)dt = α

∫ b

a

f(t)dt, para qualquer α ∈ C.

59

Page 64: Notas de Análise Complexa

5.2. INTEGRAIS DE CAMINHO

3. Se a ≤ c ≤ b, então∫ b

a

f(t)dt =

∫ c

a

f(t)dt+

∫ b

c

f(t)dt.

4. Se F for uma primitiva de f , então∫ b

a

f(t)dt = F (b)− F (a).

As duas primeiras propriedades da proposição anterior dizem-nos que o integral é umaaplicação linear do espaço vetorial das funções complexas de variável real para os númeroscomplexos.

Exemplo 5.1. A função −ieit é uma primitiva de eit para t ∈ R. Assim, pela proposiçãoanterior, temos ∫ π/4

0

eitdt =[−ieit

]π/40

= −ieiπ/4 + i =

√2

2+

(1−√2

2

)i.

A propriedade seguinte é útil para estimar o valor de um integral de uma função complexade variável real.

Proposição 5.2. Seja f : [a, b] → R uma função complexa de variável real contínua em[a, b]. Então ∣∣∣∣∫ b

a

f(t)dt

∣∣∣∣ ≤ ∫ b

a

|f(t)| dt

Demonstração. A desigualdade é claramente válida se∫ b

a

f(t)dt = 0. Suponhamos então

que∫ b

a

f(t)dt = reiθ com r > 0. Então∣∣∣∣∫ b

a

f(t)dt

∣∣∣∣ = r e podemos escrever

r =1

eiθ

∫ b

a

f(t)dt =

∫ b

a

e−iθf(t)dt

= Re

(∫ b

a

e−iθf(t)dt

)=

∫ b

a

Re(e−iθf(t)

)dt

≤∫ b

a

∣∣e−iθf(t)∣∣ dt = ∫ b

a

∣∣e−iθ∣∣ |f(t)| dt=

∫ b

a

|f(t)| dt.

5.2 Integrais de caminho

Definição 5.1. Uma curva em A ⊆ C é uma função contínua

γ : [a, b] ⊆ R → A

t 7→ γ(t).

60

Page 65: Notas de Análise Complexa

5.2. INTEGRAIS DE CAMINHO

A γ(a) chamamos origem e a γ(b) extremidade da curva. Se γ(a) = γ(b), dizemos que acurva é fechada. Ao conjunto tr(γ) := {γ(t) : t ∈ [a, b]} chamamos traço de γ. A equaçãoz = γ(t), t ∈ [a, b], diz-se uma parametrização da curva.

Exemplo 5.2. Consideremos as curvas

γ1 : [0, 2π]→C γ1(t) = eit,

γ2 : [0, 2π]→C γ2(t) = e2it.

Notemos que γ1(0) = γ1(2π) = γ2(0) = γ2(2π) = 1 e que o traço de ambas as curvas é acircunferência unitária {z ∈ C : |z| = 1}. No entanto, as curvas são diferentes. A curva γ1descreve a circunferência percorrendo-o no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio umavez, enquanto que γ2 descreve a mesma circunferência, no mesmo sentido, mas percorrendo-aduas vezes. Portanto, o traço de uma curva não a define completamente.

Exemplo 5.3. Outra curva importante é o segmento de reta que une os pontos z e w noplano complexo. Uma parametrização é dada por γ(t) = tw + (1− t)z, para t ∈ [0, 1].

Se nada for dito em contrário, usaremos os símbolos C(u, r) e [z, w] para designar asparametrizações u+ reit, para 0 ≤ t ≤ 2π, e tw+(1− t)z, para 0 ≤ t ≤ 1, da circunferênciade centro u ∈ C e raio r > 0, e do segmento de reta [z, w], resp.

Definição 5.2. Uma curva γ : [a, b] → C diz-se simples se não se autointerseta, excetopossivelmente nas extremidades, i.e., γ(t1) = γ(t2) apenas se t1 = t2 ou {t1, t2} = {a, b}.Se γ′(t) é contínua e não nula em ]a, b[, a curva diz-se regular. A curva γ diz-se seccio-nalmente regular ou um caminho se existirem t0 = a < t1 < · · · < tn = b tais que γ éregular em cada um dos intervalos [tk−1, tk], k = 1, . . . , n.

O sentido de uma curva não fechada γ : [a, b] → C é definido como a direção corres-pondente ao incremento dos valores do parâmetro t. A curva −γ : [a, b] → C definida por−γ(t) = γ(a+b−t) e designada por curva oposta, tem o mesmo traço de γ, mas descreve-ono sentido oposto.

O sentido positivo de uma curva simples fechada é definido como correspondente aosentido contrário dos ponteiros do relógio. A direcção oposta ao sentido positivo diz-se osentido negativo da curva.

Dado uma curva γ : [a, b] → A consideremos uma bijecção crescente ψ : [c, d] → [a, b].Então γ ◦ ψ : [c, d] → A é uma curva em A com a mesma origem, extremidade, traço esentido da curva γ. Dizemos que γ ◦ ψ é obtido de γ por mudança de parâmetro.

Nota 5.1. Sendo [a, b] um qualquer intervalo, a função ψ : [0, 1]→ [a, b] definida por ψ(t) =(1− t)a+ bt é uma bijecção crescente. Através desta bijecção podemos considerar qualquercaminho, por mudança de parâmetro, definido no intervalo [0, 1], ou em qualquer outrointervalo.

61

Page 66: Notas de Análise Complexa

5.2. INTEGRAIS DE CAMINHO

Consideremos duas curvas γ1 e γ2 definidas por

γ1 : [a, b]→ C e γ1 : [b, c]→ C,

e tais que γ1(b) = γ2(b), isto é, a extremidade de γ1 coincide com a origem de γ2. Então,podemos definir a sua soma

γ1 + γ2 : [a, c] → C

t 7→

γ1(t), se t ∈ [a, b]

γ2(t), se t ∈ [b, c].

Definição 5.3. O comprimento de um caminho C é dado pelo integral

L(γ) =

∫ b

a

|γ′(t)| dt,

onde z = γ(t), t ∈ [a, b], é uma qualquer parametrização de C.

Notemos que efetuando a mudança de variável t = ψ(s), com ψ : [c, d] → [a, b] umabijecção crescente, obtemos dt = ψ′(s)ds e então

L(γ) =

∫ d

c

|γ′(ψ(s))|ψ′(s)ds =∫ d

c

∣∣(γ ◦ ψ)′ (s)∣∣ ds.Ou seja, o comprimento de uma curva não depende da parametrização usada.

Exemplo 5.4. O caminho γ(t) = re2it, 0 ≤ t ≤ 2π, tem comprimento comp(γ) = 4πr, pois

L(γ) =

∫ 2π

0

∣∣2rie2it∣∣ dt = ∫ 2π

0

2rdt = 4πr.

Definição 5.4 (Integral de caminho). Seja f : A→ C uma função contínua, com A ⊆ C,e seja γ : [a, b]→ A um caminho em A. Define-se o integral de f ao longo de γ como sendoo número complexo ∫

γ

f(z)dz =

∫ b

a

f(γ(t))γ′(t)dt.

Notemos que para o integral existir, a função f tem de estar definida no traço de γ e,para o cálculo desse integral, só interessam os valores de f nessa conjunto. Notemos aindaque o integral do segundo membro é o integral de uma função complexa de variável real, játratado na secção anterior. É fácil verificar que o integral não depende da parametrizaçãoconsiderada. Se ψ : [c, d] → [a, b] é uma bijecção crescente então, efetuando a mudança devariável t = ψ(s), temos dt = ψ′(s)ds e∫

γ

f(z)dz =

∫ b

a

f(γ(t))γ′(t)dt =

∫ d

c

f(γ(ψ(s)))γ′(ψ(s))ψ′(s)ds

=

∫ d

c

f(γ ◦ ψ(s))(γ ◦ ψ)′(s)ds =∫γ◦ψ

f(z)dz.

62

Page 67: Notas de Análise Complexa

5.2. INTEGRAIS DE CAMINHO

O integral de uma função complexa ao longo de caminhos generaliza o integral de funçõesde variável real em intervalos, pois γ(t) = t, a ≤ t ≤ b, é uma parametrização para o intervalo[a, b] e então ∫

γ

f(z)dz =

∫ b

a

f(t)dt.

As seguintes propriedades seguem facilmente das definições e da proposição 5.1.

Proposição 5.3. Sejam f, g funções complexas contínuas no conjunto A ⊆ C, α ∈ C eγ, γ1 dois caminhos em A tais que a extremidade de γ coincide com a origem de γ1. Então:

1.∫γ

f(z) + g(z)dz =

∫γ

f(z)dz +

∫γ

g(z)dz.

2.∫γ

αf(z)dz = α

∫γ

f(z)dz.

3.∫γ+γ1

f(z)dz =

∫γ

f(z)dz +

∫γ1

f(z)dz e∫−γf(z)dz = −

∫γ

f(z)dz.

Se f : A ⊆ C → C é uma função contínua e é a derivada de uma função analítica F (z)em A, diremos que F é uma primitiva ou antiderivada de f em A.

Teorema 5.4 (Teorema Fundamental do Cálculo). Sejam f uma função contínuadefinida em A ⊆ C e γ : [a, b] → A um caminho em A. Se F é uma primitiva de f em A,então ∫

γ

f(z)dz = F (γ(b))− F (γ(a)).

Demonstração. Comecemos por notar que se F é uma primitiva de f em A, então a funçãoF ◦ γ é uma primitiva de (f ◦ γ)γ′ em A. Assim,∫

γ

f(z)dz =

∫ b

a

f(γ(t))γ′(t)dt = [F ◦ γ(t)]ba = F (γ(b))− F (γ(a)).

Em particular, se f possui uma primitiva em A e C é um caminho fechado contido emA, então ∫

C

f(z)dz = 0.

63

Page 68: Notas de Análise Complexa

5.3. TEOREMA DE CAUCHY-GOURSAT

Exemplo 5.5. O integral∫C(u,r)

1

(z − u)kdz = 0 para k ≥ 2, pois C(u, r) é um caminho

fechado e(z − u)−k+1

−k + 1é uma primitiva de

1

(z − u)k. Notemos no entanto que

∫C(u,r)

1

z − udz =

∫ 2π

0

1

u+ reit − uireitdt =

∫ 2π

0

idt = 2πi.

Terminamos esta secção com uma estimativa para o valor do integral de uma funçãocomplexa ao longo de um caminho, obtida como consequência da proposição 5.2.

Proposição 5.5 (Desigualdade ML). Sejam f uma função contínua definida em A ⊆ Ce γ : [a, b]→ A um caminho em A. Então∣∣∣∣∫

γ

f(z)dz

∣∣∣∣ ≤ML(γ),

onde M = max{|f(z)| : z ∈ tr(γ)}.

Demonstração. Comecemos por notar que o número real M existe pois estamos a assumirque f(γ(t)) é uma função contínua no intervalo fechado [a, b]. Assim, pela definição deintegral de caminho e pela proposição 5.2, podemos escrever∣∣∣∣∫

γ

f(z)dz

∣∣∣∣ ≤ ∫ b

a

|f(γ(t))γ′(t)|dt

≤∫ b

a

M |γ′(t)|dt

=M

∫ b

a

|γ′(t)|dt

=ML(γ).

5.3 Teorema de Cauchy-Goursat

O teorema de Jordan diz que uma curva γ simples fechada, orientada positivamente, divideo plano complexo em dois conjuntos disjuntos: um interior à curva, limitado e denotadopor int(γ), e o outro exterior, ilimitado e denotado por ext(γ). A prova deste resultado énão-trivial e não será apresentada aqui.

Uma região D ⊆ C diz-se simplesmente conexa se o interior de qualquer curva po-ligonal simples e fechada em D estiver contido em D. Por outras palavras, uma regiãosimplesmente conexa não tem partes separadas e não tem "buracos".

64

Page 69: Notas de Análise Complexa

5.3. TEOREMA DE CAUCHY-GOURSAT

O teorema de Cauchy, também conhecido como teorema de Cauchy-Goursat, é um dosresultados fundamentais da Análise Complexa. Este resultado estabelece que o integral deuma função analítica numa região simplesmente conexa, ao longo de um caminho fechadocontido nessa região, é zero. Foi obtido por Cauchy em 1825 com a condição de f ′ sercontínua. Em 1883 Goursat apresentou uma prova para o teorema de Cauchy que nãorequere a continuidade de f ′. Esta versão modificada do teorema de Cauchy é hoje conhecidacomo teorema de Cauchy-Goursat.

Teorema 5.6 (Teorema de Cauchy-Goursat). Seja f uma função analítica numa regiãoD simplesmente conexa e seja γ um caminho fechado contido em D. Então,∫

γ

f(z)dz = 0.

Demonstração. Veja-se [2] ou [6].

Como o interior de um caminho simples γ é uma região simplesmente conexa, segue doteorema de Cauchy-Goursat que se f é uma função analítica em todos os pontos da uniãode tr(γ) com o seu interior, então ∫

γ

f(z)dz = 0.

Podemos assim concluir que o integral de uma função que seja diferenciável em todo o planocomplexo se anula qualquer que seja o caminho simples fechado γ. Em particular,∫

γ

ezdz =

∫γ

sin(z)dz =

∫γ

cos(z)dz =

∫γ

p(z)dz = 0,

onde p(z) é um qualquer polinómio.

Exemplo 5.6. A função racional f(z) =z5 + 2z + 3

z2 − 2z + 2é diferenciável em C\{1− i, 1+ i}, pois

estes números anulam o denominador de f(z). Assim,∫C(0,1)

f(z)dz = 0,

pois os pontos 1− i e 1 + i estão fora da circunferência de centro 0 e raio 1.

Proposição 5.7 (Independência do caminho). Seja f uma função analítica numa regiãoD simplesmente conexa. Se γ1 e γ2 são caminhos em D com a mesma origem e extremidade,então ∫

γ1

f(z)dz =

∫γ2

f(z)dz.

65

Page 70: Notas de Análise Complexa

5.3. TEOREMA DE CAUCHY-GOURSAT

Demonstração. Consideremos o caminho fechado γ1 + (−γ2) e notemos que este caminhopode não ser simples. Faremos a demonstração apenas para o caso em que este caminho ésimples, embora o resultado seja verdadeiro se não for simples. Como f é analítica em tr(γ)

e no seu interior, segue do teorema da Cauchy-Goursat que

0 =

∫γ1+(−γ2)

f(z)dz =

∫γ1

f(z)dz −∫γ2

f(z)dz.

Ou seja,∫γ1

f(z)dz =

∫γ2

f(z)dz.

Definição 5.5. Um ponto z0 ∈ C diz-se uma singularidade da função f se f não possui de-rivada em z0. O ponto z0 diz-se uma singularidade isolada de f se z0 é uma singularidadede f e f é analítica em algum conjunto {z ∈ C : 0 < |z − z0| < r}, com r ∈ R+.

Proposição 5.8 (Teorema da deformação do caminho). Sejam γ1 e γ2 caminhossimples fechados numa região D, com a mesma orientação, e tais que tr(γ2) está contido nointerior de γ1. Se f é uma função analítica em tr(γ1) ∪ tr(γ2) e no conjunto compreendidoentre os dois caminhos, então ∫

γ1

f(z)dz =

∫γ2

f(z)dz.

Demonstração. Sejam a e b a origem (e extremidade) de γ1 e γ2, respectivamente. Con-sideremos um caminho γ unindo o ponto a ao ponto b, e totalmente contido entre γ1 eγ2:

γ1

γ2a bγ

Consideremos então o caminho fechado γ̃ = γ1 + γ + (−γ2) + (−γ). Como f é analíticano interior de γ̃, temos

0 =

∫γ̃

f(z)dz =

∫γ1

f(z)dz +

∫γ

f(z)dz +

∫−γ2

f(z)dz +

∫−γf(z)dz

=

∫γ1

f(z)dz +

∫γ

f(z)dz −∫γ2

f(z)dz −∫γ

f(z)dz

=

∫γ1

f(z)dz −∫γ2

f(z)dz.

Ou seja,∫γ1

f(z)dz =

∫γ2

f(z)dz.

66

Page 71: Notas de Análise Complexa

5.3. TEOREMA DE CAUCHY-GOURSAT

O resultado anterior é conhecido como o teorema da deformação do caminho pois pode-mos pensar em γ2 como uma deformação contínua do caminho γ1. Notemos que se f nãotem singularidades dentro de γ1 então o caminho γ1 pode ser deformado até ao caminhoconstante e, nesse caso, o integral anula-se.

Exemplo 5.7. Seja γ um caminho fechado cuja imagem é o quadrado com vértices ±3± 3i.Como a função 1

z−i tem apenas uma singularidade no ponto i, podemos escrever∫γ

1

z − idz =

∫C(i,1)

1

z − idz = 2πi,

pois 1z−i não possui singularidades entre γ e C(i, 1), ou seja, é diferenciável neste conjunto.

O próximo resultado permite-nos calcular integrais ao longo de caminhos fechados dentrodos quais a função integranda possui um número finito de singularidades.

Teorema 5.9 (Generalização do teorema de Cauchy). Seja f uma função definidanuma região D e seja γ um caminho fechado simples contido em D, orientado positivamente.Se as singularidades de f dentro de γ são z1, . . . , zp, então∫

γ

f(z)dz =

p∑k=1

∫C(zk,r)

f(z)dz,

para r > 0 tal que as p circunferências estão contidas no interior de γ e são disjuntas duasa duas.

Demonstração. A prova segue os mesmos passos da demonstração do teorema da deformaçãodo caminho.

Exemplo 5.8. Calculemos o valor do integral∫C(0,4)

1

z2 + 1dz. Uma vez que z2 + 1 = (z +

i)(z − i), a função f(z) = 1z2+1

dz tem singularidades nos pontos ±i, os quais se encontramdentro da circunferência C(0, 4). Assim, podemos escrever∫

C(0,4)

1

z2 + 1dz =

∫C(i,1)

1

z2 + 1dz +

∫C(−i,1)

1

z2 + 1dz.

Relativamente ao primeiro integral do segundo membro da igualdade anterior, temos∫C(i,1)

1

z2 + 1dz =

∫C(i,1)

1

(z − i)(z + i)dz =

∫C(i,1)

−i/2z − i

+i/2

z + idz

=−i2

∫C(i,1)

1

z − idz +

i

2

∫C(i,1)

1

z + idz

=−i22πi+ 0,

67

Page 72: Notas de Análise Complexa

5.4. FÓRMULAS INTEGRAIS DE CAUCHY

visto que a função 1z+i

não tem singularidades dentro da circunferência C(i, 1). Analoga-mente se conclui que ∫

C(−i,1)

1

z2 + 1dz =

i

22πi,

pelo que ∫C(0,4)

1

z2 + 1dz = 0.

5.4 Fórmulas integrais de Cauchy

O próximo resultado estabelece o valor de uma função f num ponto z em função dumintegral ao longo de um caminho. Pode também ser usado para calcular o valor do integralde um quociente f(z)/(z−z0) com uma singularidade isolada em z0 ao longo de um caminhoque contenha o ponto z0.

Teorema 5.10 (Fórmula integral de Cauchy). Suponhamos que f é uma função ana-lítica numa região simplesmente conexa D e que γ é um caminho simples e fechado em D,orientado positivamente. Então, para qualquer z0 ∈ int(γ), temos

f(z0) =1

2πi

∫γ

f(z)

z − z0dz.

Demonstração. Pelo teorema da deformação do caminho, podemos escrever∫γ

f(z)

z − z0dz =

∫C(z0,r)

f(z)

z − z0dz,

onde r > 0 é tal que a circunferência C(z0, r) se encontra no interior de γ. Assim,∫C(z0,r)

f(z)

z − z0dz =

∫C(z0,r)

f(z0)− f(z0) + f(z)

z − z0dz

= f(z0)

∫C(z0,r)

1

z − z0dz +

∫C(z0,r)

f(z)− f(z0)z − z0

dz. (5.1)

Pelo exemplo 5.5, sabemos que ∫C(z0,r)

1

z − z0dz = 2πi,

logo (5.1) torna-se ∫C(z0,r)

f(z)

z − z0dz = f(z0)2πi+

∫C(z0,r)

f(z)− f(z0)z − z0

dz. (5.2)

68

Page 73: Notas de Análise Complexa

5.4. FÓRMULAS INTEGRAIS DE CAUCHY

Como f é contínua em z0, para qualquer ε > 0 existe δ > 0 tal que |f(z)−f(z0)| < ε sempreque |z− z0| < δ. Em particular, se escolhermos o raio da circunferência C(z0, r) como sendor < δ, pela desigualdade ML obtemos∣∣∣∣∫

C(z0,r)

f(z)− f(z0)z − z0

dz

∣∣∣∣ ≤ ε

r2πr = 2πε.

Como ε é arbitrário, segue que o integral anterior é zero e, portanto,∫C(z0,r)

f(z)

z − z0dz = f(z0)2πi.

Exemplo 5.9. Consideremos o integral∫C(0,1)

ez

zdz. Uma vez que a exponencial complexa

não tem singularidades dentro de C(0, 1), temos∫C(0,1)

ez

zdz = e02πi = 2πi.

Teorema 5.11 (Fórmula integral de Cauchy para derivadas). Suponhamos que f éuma função analítica numa região simplesmente conexa D e que γ é um caminho simples efechado em D, orientado positivamente. Então f tem derivada de todas as ordens em D e,para quaisquer n ∈ N e z0 ∈ int(γ), temos

f (n)(z0) =n!

2πi

∫γ

f(z)

(z − z0)n+1dz.

Demonstração. Veja-se [2].

Exemplo 5.10. Consideremos o integral∫C(0,1)

z + 1

z4 + 2iz3dz.

A função integranda tem singularidades nos pontos 0 e −2i, pois z4−2iz3 = z3(z+2i), masapenas o ponto 0 se situa no interior da circunferência C(0, 1). Assim, podemos escrever∫

C(0,1)

z + 1

z4 + 2iz3dz =

∫C(0,1)

z+1z+2i

z3dz,

onde a função g(z) = z+1z+2i

não tem singularidades no interior de C(0, 1). Uma vez queg′′(0) = 2−4i

(2i)3, obtemos então∫

C(0,1)

z + 1

z4 + 2iz3dz =

2πi

2!g′′(0) = πi

2− 4i

(2i)3.

69

Page 74: Notas de Análise Complexa

5.4. FÓRMULAS INTEGRAIS DE CAUCHY

Segue do teorema anterior que uma função analítica numa região D admite nessa regiãoderivadas de todas as ordens. Analisamos de seguida mais algumas das mais importantesconsequências das fórmulas integrais de Cauchy.

Teorema 5.12 (Desigualdade de Cauchy). Suponhamos que f é analítica numa regiãosimplesmente conexa D e que a circunferência C(z0, r) está contida em D. Se |f(z)| ≤ M

para todo o z ∈ C(z0, r), então∣∣f (n)(z0)∣∣ ≤ n!M

rnpara todo o n ≥ 0.

Demonstração. Por hipótese, para z sobre a circunferência C(z0, r) temos∣∣∣∣ f(z)

(z − z0)n+1

∣∣∣∣ = |f(z)|rn+1≤ M

rn+1.

Usando a fórmula integral de Cauchy para derivadas e a desigualdade ML, obtemos∣∣f (n)(z0)∣∣ = n!

∣∣∣∣∫C(z0,r)

f(z)

(z − z0)n+1dz

∣∣∣∣ ≤ n!

M

rn+12πr =

n!M

rn.

Teorema 5.13 (Teorema de Liouville). As únicas funções inteiras e limitadas são asfunções constantes.

Demonstração. Suponhamos que f é uma função inteira e limitada. Então, existe M > 0

tal que |f(z)| ≤ M para todo o z ∈ C. Tomemos uma circunferência centrada no pontoz0 com raio r > 0. A desigualdade de Cauchy diz-nos que |f ′(z0)| ≤ M/r. Uma vez quepodemos tomas r tão grande quanto queiramos, podemos concluir que f ′(z0) = 0 para todosos pontos z0 ∈ C. Pelo teorema 4.13, a função f é constante em C.

Teorema 5.14 (Teorema fundamental da álgebra). Qualquer polinómio não constantep(z) tem pelo menos uma raiz em C.

Demonstração. Suponhamos que o polinómio não constante p(z) = a0+a1z+a2z2+· · ·+anzn

não tem raízes em C. Definamos a função inteira f(z) = 1/p(z). Como

|f(z)| = 1

|a0 + a1z + a2z2 + · · ·+ anzn|

=1

|z|n|a0/zn + a1/zn−1 + · · ·+ an−1/z + an|

constatamos que |f(z)| → 0 quando |z| → ∞. Concluímos assim que f é limitada. Peloteorema de Liouville, segue que f é constante, e portanto também p é constante. Como estefacto contradiz a nossa suposição, concluímos que p tem pelo menos uma raiz em C.

70

Page 75: Notas de Análise Complexa

Capítulo 6

Séries de Potências

6.1 Série de potências

Definição 6.1. Sejam z0 ∈ C e (an) uma sucessão de números complexos. Uma série depotências de z − z0 com coeficientes a0, a1, . . ., é uma série da forma

∞∑n=0

an(z − z0)n = a0 + a1(z − z0) + a2(z − z0)2 + · · ·

Esta série diz-se centrada em z0 e este ponto designa-se por centro da série. Convencio-namos definir (z − z0)0 = 1 mesmo quando z = z0.

Uma série de potência é apenas um exemplo de uma série de números complexos, ondeo termo geral é da forma an(z − z0)

n. Notemos que a convergência da série depende dovalor de z. Se a série converge para todo o z ∈ D ⊆ C, então a série define uma função noconjunto D.

Exemplo 6.1. A série geométrica∞∑n=1

zn é uma série de potências centrada em z0 = 0, e

coincide com a função f(z) =1

1− zno disco |z| < 1. Fora deste disco a série diverge.

Exemplo 6.2. Já a série∞∑n=0

zn

n!converge absolutamente para todo o z ∈ C. Podemos

confirma-lo aplicando o teste da razão:

lim

∣∣∣∣ zn+1

(n+ 1)!

n!

zn

∣∣∣∣ = lim|z|n+ 1

= 0.

Como este limite é inferior a 1, a série é absolutamente convergente em C e, portanto, defineuma função em C.

Uma série de potências de z−z0 converge, pelo menos, no ponto z0. O proximo resultadodescreve os possíveis casos de convergência de uma série de potências.

71

Page 76: Notas de Análise Complexa

6.1. SÉRIE DE POTÊNCIAS

Teorema 6.1. Dada uma série de potências∞∑n=0

an(z − z0)n, três situações podem ocorrer:

1. A série converge apenas para z = z0.

2. A série converge para qualquer z ∈ C.

3. Existe um R > 0 tal que a série converge absolutamente se |z − z0| < R e diverge se|z − z0| > R.

Demonstração. É suficiente mostrar que se∞∑n=0

an(z1 − z0)n converge, então∞∑n=0

an(z − z0)n

converge absolutamente para todo o z tal que |z − z0| < |z1 − z0|. Suponhamos então que∞∑n=0

an(z1 − z0)n converge e que z satisfaz |z − z0| < |z1 − z0|. Pela condição necessária de

convergência, sabemos que an(z1 − z0)n → 0. Portanto, existe M > 0 tal que

|an(z1 − z0)n| < M para todo o n ≥ 0.

Mas então|an(z − z0)n| = |an(z1 − z0)n|

|z − z0|n

|z1 − z0|n< Mbn,

onde b =|z − z0||z1 − z0|

< 1. Como∞∑n=0

Mbn é uma série geométrica (real) convergente, concluímos

pelo teste de comparação que a série∞∑n=0

an(z − z0)n é convergente.

Ao número real R chama-se raio de convergência da série e estende-se a definiçãodizendo que R = 0 na situação (1) e R =∞ na situação (2). No caso R > 0, nada se podedizer em geral sobre a natureza da série sobre os pontos da circunferência |z − z0| = R. Abola aberta {z ∈ C : |z− z0| < R} chama-se disco de convergência da série. Neste disco,

a série define uma função f(z) =∞∑n=0

an(z − z0)n, para z ∈ D

No caso de séries de potências de números reais, quando R > 0 o disco de convergência|x − x0| < R reduz-se ao intervalo ]x0 − R, x0 + R[. A convergência nos extremos desteintervalo tem de ser verificada diretamente.

Proposição 6.2. Suponhamos que a série de potências∞∑n=0

an(z − z0)n tem raio de conver-

gência R > 0 e seja D o seu disco de convergência. Consideremos ainda a função f : D → Cdefinida por

f(z) =∞∑n=0

an(z − z0)n.

Então:

72

Page 77: Notas de Análise Complexa

6.2. SÉRIE DE TAYLOR

1. A função f é analítica em D e

f ′(z) =∞∑n=1

nan(z − z0)n−1.

Consequentemente, f tem derivadas de todas as ordens e, para todo o k ∈ N tem-sef (k)(z0) = k!ak.

2. Para qualquer caminho γ contido em D, tem-se∫γ

f(z)dz =∞∑n=0

an

∫γ

(z − z0)ndz.

3. A derivação termo a termo e integração termo a termo conservam o raio de conver-gência.

Demonstração. Veja-se [6].

Note-se que, no caso de séries de potências reais, o caminho γ da alínea 2 da proposiçãoanterior reduz-se a um intervalo [a, b] contido no disco de convergência (ele próprio umintervalo) da série.

6.2 Série de Taylor

Se uma função se puder escrever como a soma de uma série de potências numa certa região,as operações de derivação e integração tornam-se muito simples, pois como vimos na propo-sição 6.2, uma série de potências pode ser derivada ou integrada termo a termo. Além disso,a série fornece uma aproximação da função por polinómios. Vamos nesta secção analisar emque circunstâncias uma função pode ser representada por uma série de potências. Notamosque neste contexto há diferenças importantes entre funções reais e funções complexas. Apre-sentaremos os resultados para funções complexas, analisando o caso real à parte sempre queexistirem diferenças no comportamento das funções.

Seja f a função soma da série de potências∞∑n=0

an(z − z0)n definida no interior do seu

disco de convergência D = |z − z0| < R, com R > 0. Vimos no ponto 1 da proposição 6.2que a função f admite derivadas de qualquer ordem em D e

an =f (n)(z0)

n!.

Deste resultado concluí-se que uma função f não pode ser a soma de duas séries depotências de z − z0 diferentes com raio de convergência não nulo, pois da igualdade

f(z) =∞∑n=0

an(z − z0)n =∞∑n=0

bn(z − z0)n

73

Page 78: Notas de Análise Complexa

6.2. SÉRIE DE TAYLOR

obtemos

an = bn =f (n)(z0)

n!, para todo o n ≥ 0.

Definição 6.2 (Série de Taylor). Seja f uma função analítica no disco |z − z0| < R. Asérie de Taylor de f centrada em z0 é a série de potências dada por

∞∑n=0

f (n)(z0)

n!(z − z0)n.

No caso particular z0 = 0 dá-se o nome de série de Maclaurin de f à série

∞∑n=0

f (n)(z0)

n!zn.

O termo geral da sucessão das somas parciais

sn(z) =n∑k=0

f (k)(z0)

k!(z − z0)k

chama-se polinómio de Taylor de grau n de f no ponto z0.

Dada uma qualquer função com derivadas de qualquer ordem em z0, podemos sempreconstruir a sua série de Taylor. Coloca-se então a questão de saber qual a relação entrea função f e a sua série de Taylor. No teorema seguinte, prova-se que no caso de funçõescomplexas, uma função analítica num disco é aí representada pela sua série de Taylor.Veremos adiante que o caso de funções reais é muito diferente.

Teorema 6.3 (Teorema de Taylor). Seja f uma função analítica em D ⊆ C e sejaz0 ∈ D. Então

f(z) =∞∑n=0

f (n)(z0)

n!(z − z0)n

para z no maior disco aberto centrado em z0 e contido em D.

Demonstração. Veja-se [6].

O teorema de Taylor diz-nos que se soubermos os valores f(z0), f ′(z0), f ′′(z0), . . . (apenasno ponto z0), conhecemos o valor de f(z) em qualquer ponto do disco de convergência dasua série de Taylor. O raio de convergência da série de Taylor de uma função f pode serobtido aplicando o teste da razão à série dos módulos. No entanto, pelo resultado anterior,temos que o raio de convergência é igual à distância do centro z0 da série à singularidadede f mais próxima de z0.

74

Page 79: Notas de Análise Complexa

6.2. SÉRIE DE TAYLOR

Exemplo 6.3. A exponencial complexa ez é uma função inteira e todas as suas derivadas emtorno do ponto 0 são iguais a 1, pelo que a série de Maclaurin desta função em torno daorigem é dada por

ez =∞∑n=0

zn

n!para todo o z ∈ C.

É igualmente fácil verificar que para todo o z ∈ C,

sin z =∞∑n=0

(−1)n z2k+1

(2k + 1)!e cos z =

∞∑n=0

(−1)n z2k

(2k)!

Exemplo 6.4. Determinemos a série de Taylor da função f(z) =1

2z − 3em torno do ponto

z0 = 2. Podemos usar a fórmula para os coeficientes da série de Taylor para determinar∞∑n=0

f (n)(2)

n!(z − 2)n. Um método alternativo, menos fastidioso, consiste em escrever f como

uma série geométrica e usar o resultado do exemplo 6.1. Notemos que

f(z) =1

2z − 3=

1

2

1

z − 32

=1

2

1

(z − 2) + 12

=1

2(z − 2) + 1

=1

1− (−2(z − 2))

=∞∑n=0

(−2(z − 2))n =∞∑n=0

(−2)n(z − 2)n.

Esta série converge absolutamente para z tal que |2(z− 2)| < 1, ou seja, para |z− 2| < 1/2,pelo que o seu raio de convergência é r = 1/2. Tendo em conta a unicidade da representaçãode uma função pela sua série de Taylor, temos que

f(z) =∞∑n=0

(−2)n(z − 2)n

no disco de convergência D = {z ∈ C : |z − 2| < 1

2}. Notemos que o raio de convergência

r = 1/2 é igual à distância entre o centro z0 = 2 da série e a única singularidade z = 3/2

da função f .

O teorema de Taylor no caso de funções reais

A afirmação do Teorema de Taylor é falsa no contexto das funções reais de variável real. Umafunção de variável real f , mesmo indefinidamente diferenciável, não tem necessariamente

75

Page 80: Notas de Análise Complexa

6.3. SÉRIE DE LAURENT E O TEOREMA DOS RESÍDUOS

uma representação em série de Taylor convergente. Por exemplo, a função

f(x) =

e−1/x2, se x 6= 0

0, se x = 0

satisfaz f (n)(0) = 0 para todo o n ≥ 0, pelo que a sua série de Taylor é a série nula0 + 0x + 0x2 + · · · = 0. Portanto, f não coincide com a sua série de Taylor em nenhumavizinhança de 0.

No entanto, pela unicidade da representação de uma função pela sua série de Taylor,

conclui-se que se f for a soma de uma série de potências∞∑n=0

an(x − x0)n numa vizinhança

de x0, então essa é a sua série de Taylor.

Proposição 6.4 (Fórmula de Taylor com resto de Lagrange). Seja f :]a, b[→ R uma funçãoque admite derivadas contínuas em ]a, b[ até à ordem n + 1 e seja x0 ∈]a, b[. Então paraqualquer x ∈]a, b[, existe c estritamente entre x e x0 tal que

f(x) = f(x0) + f ′(x0)(x− x0) +f ′′(x0)

2!(x− x0)2 + · · ·+

f (n)(x0)

n!(x− x0)n + rn(f, x0),

onde

rn(f, x0) =f (n+1)(c)

(n+ 1)!(x− x0)n+1.

A rn(f, x0) chama-se resto de Lagrange da Fórmula de Taylor de ordem n, e o polinómioP(f, x0) = f(x)− rn(x) designa-se por polinómio de Taylor de f de grau n no ponto x0.

Notemos que a sucessão das somas parciais da série de Taylor de uma função f em tornode x0 é dada por sn = Pn(f, x0). Assim, a série de Taylor de f converge para f(x) se e sóse lim rn(f, x0) = lim(f(x)− Pn(f, x0)) = 0.

6.3 Série de Laurent e o teorema dos resíduos

Se f tem uma singularidade no ponto z0 então não pode ser expandida em série de potênciascentrada em z0. No entanto, se z0 for uma singularidade isolada, é possível representá-lapor uma série envolvendo potências positivas e negativas de z − z0. Por exemplo, a função

f(z) =1

1− ztem uma única singularidade no ponto z0 = 1. Assim, podemos escrever

f(z) = · · ·+ 0

(1− z)2+

1

1− z+ 0 + 0 · (z − 1) + 0 · (z − 1)2 + · · ·

Esta série é absolutamente convergente para 0 < |1− z| <∞.

76

Page 81: Notas de Análise Complexa

6.3. SÉRIE DE LAURENT E O TEOREMA DOS RESÍDUOS

Teorema 6.5 (Teorema de Laurent). Seja f uma função diferenciável numa coroa cir-cular D = {z : r < |z − z0| < R}, com 0 ≤ r < R e R > 0 ou R = +∞. Então, nessa coroacircular tem-se

f(z) =∞∑n=1

a−n1

(z − z0)n+∞∑n=0

an(z − z0)n,

ondean =

1

2πi

∫γ

f(w)

(w − z0)n+1dw

para n = 0,±1,±2, . . . e γ um caminho simples fechado, orientado positivamente, contidoem D e contendo z0 no seu interior.

Definição 6.3. À série definida no teorema de Laurent chama-se série de Laurent f . Aprimeira parte desta série é designada por parte principal e a segunda por parte analítica.

Notemos que os coeficientes da série de Laurent, e portanto a própria série de Laurent,são univocamente determinados por f e z0. Além disso, se f é diferenciável em todo o disco|z − z0| < R, então a−n = 0, para n ≥ 1 e

an =f (n)(z0)

n!,

para n = 0, 1, 2, . . . Ou seja, neste caso a série de Laurent reduz-se à série de Taylor. Notemos

ainda que o coeficiente a−1 de1

z − z0satisfaz a−1 =

1

2πi

∫γ

f(z)

(z − z0)0dz, ou seja,

2πia−1 =

∫γ

f(z)dz.

Exemplo 6.5. Uma vez que ez =∞∑n=0

zn

n!para todo o z ∈ C, obtemos o desenvolvimento em

série de Laurent

e1z =

∞∑n=0

1

znn!

para todo o |z| > 0.

Definição 6.4. Nas condições do teorema de Laurent, se r = 0, isto é, se z0 é uma singula-

ridade isolada de f , o coeficiente a−1 de1

z − z0na série de Laurent de f chama-se resíduo

de f em z0 e denota-se por Res(f, z0). Temos assim,

2πiRes(f, z0) =

∫γ

f(z)dz.

77

Page 82: Notas de Análise Complexa

6.4. CLASSIFICAÇÃO DAS SINGULARIDADES ISOLADAS

O próximo resultado, conhecido como teorema dos resíduos, é consequência do teorema5.9.

Teorema 6.6 (Teorema dos resíduos). Seja D uma região simplesmente conexa e sejaγ um caminho simples fechado contido em D, orientado positivamente. Se f é uma funçãoanalítica em D exceto em n singularidades isoladas z1, . . . , zn, pertencentes ao interior deγ, então ∫

γ

f(z)dz = 2πin∑k=1

Res(f, zk)

Exemplo 6.6. Usemos o teorema dos resíduos para calcular o integral∫C(0,2)

1

z(1− z)dz.

Comecemos por notar que a função f(z) = 1z(1−z) tem singularidades nos pontos z = 0 e

z = 1, ambos dentro da circunferência C(0, 2). Calculemos então os resíduos Res(f, 0) eRes(f, 1). Temos

f(z) =1

z

1

1− z=

1

z

∞∑n=0

zn =∞∑n=0

zn−1 =1

z+ 1 + z + z2 + · · ·

para todo o 0 < |z| < 1, pelo que Res(f, 0) = 1. Relativamente ao ponto 1, temos

f(z) =1

1− z1

z + 1− 1=

1

1− z1

1− (−(z − 1))=

1

1− z

∞∑n=0

(−(z − 1))n

=∞∑n=0

(−1)n(z − 1)n−1 =−1z − 1

+ 1− (z − 1) + (z − 1)2 + · · ·

para 0 < |z − 1| < 1, pelo que Res(f, 1) = −1. Assim,∫C(0,2)

1

z(1− z)dz = 2πi (Res(f, 0) +Res(f, 1)) = 0.

6.4 Classificação das singularidades isoladas

Definição 6.5. Seja z0 uma singularidade isolada de f . Se a parte principal da série deLaurent de f

∞∑n=1

a−n1

(z − z0)n+∞∑n=0

an(z − z0)n

contiver um número finito de coeficientes a−n não nulos, z0 diz-se um polo de f . Se

f(z) =a−m

(z − z0)m+ · · ·+ a−1

z − z0+ a0 + a1(z − z0) + a2(z − z0) + · · · ,

com a−m 6= 0, diz-se que z0 é um polo de ordem m. Um polo de ordem 1 chama-se polosimples.

78

Page 83: Notas de Análise Complexa

6.4. CLASSIFICAÇÃO DAS SINGULARIDADES ISOLADAS

Exemplo 6.7. O número 0 é um polo simples dez

z2, pois

z

z2=

1

z, para |z| > 0.

Exemplo 6.8. O número 0 é um polo de ordem 2 deez

z2, pois

ez

z2=

1

z

∞∑n=0

zn

n!=

1

z2+

1

z+

1

2!+z

3!+ · · · , para |z| > 0.

Exemplo 6.9. O número 0 não é um polo desin(z)

z, pois a parte principal da sua série de

Laurent em torno de z0 = 0

sin(z)

z=

1

z

∞∑n=0

(−1)n z2n+1

(2n+ 1)!=∞∑n=0

(−1)n z2n

(2n+ 1)!= 1− z2

3!+z4

5!− · · · , para |z| > 0,

tem todos os coeficientes nulos.

O próximo resultado estabelece um critério para uma singularidade isolada de f ser umpolo de ordem m.

Proposição 6.7. O número z0 é um polo de ordem m de f se e só se for possível escrever

f(z) =g(z)

(z − z0)m

com g uma função analítica numa vizinhança de z0 tal que g(z0) 6= 0.

Demonstração. Se z0 é um polo de ordem m de f , podemos escrever

f(z) =a−m

(z − z0)m+ · · ·+ a−1

z − z0+ a0 + a1(z − z0) + a2(z − z0) + · · ·

para todo o z ∈ B(z0, r) \ {z0} com a−m 6= 0. Multiplicando ambos os membros destaexpressão por (z − z0)m, obtemos

(z − z0)mf(z) = a−m + · · ·+ a−1(z − z0)m−1 +∞∑n=0

an(z − z0)n+m︸ ︷︷ ︸g(z)

,

com g diferenciável em B(z0, r) e tal que g(z0) = a−m 6= 0.

Reciprocamente, se f(z) =g(z)

(z − z0)mcom g diferenciável em B(z0, r), podemos escrever

g(z) =∞∑n=0

an(z − z0)n,

79

Page 84: Notas de Análise Complexa

6.4. CLASSIFICAÇÃO DAS SINGULARIDADES ISOLADAS

com a0 = g(z0) 6= 0, pelo que

f(z) =1

(z − z0)m∞∑n=0

an(z − z0)n

tem um polo de ordem m no ponto z0.

Definição 6.6. Seja h uma função analítica numa vizinhança de z0. Dizemos que h temum zero de ordem m em z0 se

h(z0) = h′(z0) = · · · = h(m−1)(z0) = 0 e h(m)(z0) 6= 0.

Um zero de ordem 1 diz-se um zero simples.

O próximo resultado segue de forma simples da definição de zero de ordem m de umafunção.

Proposição 6.8. Seja h uma função analítica numa vizinhança de z0. Então, h tem umzero de ordem m se e só se for possível escrever

h(z) = (z − z0)mφ(z),

onde φ é analítica numa vizinhança de em z0 e φ(z0) 6= 0.

Como consequência deste resultado obtemos o seguinte

Corolário 6.9. Sejam g e h duas funções analíticas numa vizinhança de z0 tais que h temum zero de ordem m em z0 e g(z0) 6= 0. Então,

f(z) =g(z)

h(z)

tem um polo de ordem m em z0.

Demonstração. Basta notar que podemos escrever h(z) = (z − z0)mφ(z), com φ analíticanuma vizinhança de z0 e φ(z0) 6= 0. Assim,

f(z) =g(z)

h(z)=

g(z)

(z − z0)mφ(z)=

g(z)φ(z)

(z − z0)m,

comg(z)

φ(z)analítica numa vizinhança de z0 e

g(z0)

φ(z0)6= 0.

80

Page 85: Notas de Análise Complexa

6.4. CLASSIFICAÇÃO DAS SINGULARIDADES ISOLADAS

Exemplo 6.10. Seja

f(z) =1

sin(z).

A função sin(z) tem zeros nos pontos kπ, k ∈ Z. Se z0 é um destes pontos, temos sin(z0) = 0

e cos(z0) 6= 0. Portanto, a função sin(z) tem um zero simples no ponto z0. Pelo corolárioanterior, f tem um polo simples em z0.

Exemplo 6.11. Consideremos agora a função

f(z) =ez − 1

z3.

O ponto 0 é zero simples de ez−1, pelo que podemos escrever ez−1 = zφ(z), com φ(0) 6= 0.Portanto,

f(z) =zφ(z)

z3=φ(z)

z2,

com φ(0) 6= 0. Pelo corolário anterior, 0 é um polo de ordem 2 de f .

Teorema 6.10. Seja f uma função analítica num conjunto aberto A ⊆ C e seja z0 umasingularidade isolada de f . Se f tem um polo simples em z0, então

Res(f, z0) = limz→z0

(z − z0)f(z).

Demonstração. Se z0 é polo simples de f podemos escrever

f(z) =a−1z − z0

+ a0 + a1(z − z0) + a2(z − z0)2 + · · · ,

com a−1 6= 0. Daqui segue que

limz→z0

(z − z0)f(z) = a−1.

De forma alternativa, podemos calcular o resíduo num polo simples da seguinte forma:

Corolário 6.11. Sejam g e h funções analíticas numa vizinhança de z0 tais que h tem um

zero simples em z0 e g(z0) 6= 0. Então, a função f(z) =g(z)

h(z)tem um polo simples em z0 e

Res(f(z), z0) =g(z0)

h′(z0).

Demonstração. Pelo teorema anterior, temos

Res(f(z), z0) = limz→z0

g(z)

h(z)(z − z0) = lim

z→z0

g(z)h(z)z−z0

=g(z0)

h′(z0).

81

Page 86: Notas de Análise Complexa

6.4. CLASSIFICAÇÃO DAS SINGULARIDADES ISOLADAS

Relativamente a polos de ordem m > 1 temos o seguinte critério:

Teorema 6.12. Seja f uma função analítica num conjunto aberto A ⊆ C e seja z0 umasingularidade isolada de f . Se f tem um polo de ordem m em z0, então

Res(f, z0) =1

(m− 1)!limz→z0

dm−1

dzm−1(z − z0)mf(z).

Demonstração. Se z0 é polo de ordem m de f podemos escrever

f(z) =a−m

(z − z0)m+ · · ·+ a−1

z − z0+ a0 + a1(z − z0) + a2(z − z0)2 + · · · ,

com a−m 6= 0, ou ainda,

(z−z0)mf(z) = a−m+ · · ·+a−1(z−z0)m−1+a0(z−z0)m+a1(z−z0)m+1+a2(z−z0)m+2+ · · ·

Derivando esta igualdade m− 1 vezes vem:

dm−1

dzm−1(z − z0)mf(z) = (m− 1)!a−1 +m!(z − z0)a0 + · · ·

Tomando limites obtemos

limz→z0

dm−1

dzm−1(z − z0)mf(z) = (m− 1)!a−1.

Exemplo 6.12. A função

f(z) =ez

z(z − 1)3

tem um polo de ordem 3 no ponto 1 poisez

znão se anula em 1. Neste ponto, temos

Res(f, 1) =1

2!limz→1

d2

dz2(z − z0)3f(z) =

1

2!limz→1

d2

dz2ez

z=e

2.

Assim, ∫C(1,1/2)

f(z)dz = 2πiRes(f, 1) = πie

pois o ponto 1 é a única singularidade de f dentro da circunferência C(1, 1/2).

Exemplo 6.13. Calculemos o integral ∫C(0,5)

1

sin(z)dz.

82

Page 87: Notas de Análise Complexa

6.4. CLASSIFICAÇÃO DAS SINGULARIDADES ISOLADAS

Como vimos no exemplo 6.10, a função1

sin(z)tem polos simples nos pontos kπ, k ∈ Z.

Destes, apenas os pontos −π, 0, π estão dentro da circunferência C(0, 5). Temos

Res

(1

sin(z), 0

)=

1

(sin(z))′ |z=0

=1

cos(0)= 1,

Res

(1

sin(z), π

)=

1

(sin(z))′ |z=π=

1

cos(π)= −1,

Res

(1

sin(z),−π

)=

1

(sin(z))′ |z=−π=

1

cos(−π)= −1,

pelo que ∫C(0,5)

1

sin(z)dz = 2πi(1− 1− 1) = −2πi.

Analisemos por fim as singularidades que não são polos.

Definição 6.7. Seja f uma função analítica num conjunto aberto A ⊆ C e seja z0 umasingularidade isolada de f . Se na série de Laurent de f

∞∑n=−∞

an(z − z0)n

todos os coeficientes an com n < 0 forem iguais a zero, o ponto z0 diz-se uma singularidaderemovível ou removível de f . Neste caso,

Res(f, z0) = 0

e a singularidade pode ser removida definindo f em z0 por f(z0) = a0: de facto, se

f(z) =∞∑n=0

an(z − z0)n, para todo z ∈ B(z0, r) \ {z0},

definimos a função

f̃(z) =

a0, z = z0

f(z), z 6= z0.

Esta função é analítica em B(z0, r) e

f̃(z) =∞∑n=0

an(z − z0)n, para todo z ∈ B(z0, r).

83

Page 88: Notas de Análise Complexa

6.4. CLASSIFICAÇÃO DAS SINGULARIDADES ISOLADAS

Exemplo 6.14. Uma vez que o ponto 0 é um zero simples de sin(z), podemos escreversin(z) = zφ(z), com φ diferenciável em C e φ(0) 6= 0. Podemos então concluir que a função

sin(z)

z=zφ(z)

z= φ(z)

tem uma singularidade removível no ponto 0.

Definição 6.8. Seja f uma função diferenciável num conjunto aberto A ⊆ C e seja z0 umasingularidade isolada de f . Se na série de Laurent de f

∞∑n=−∞

an(z − z0)n

houver uma infinidade de coeficientes an, com n < 0, diferentes de zero, então z0 diz-se umasingularidade essencial de f .

Exemplo 6.15. A função e1z tem uma singularidade essencial no ponto 0, pois

e1z =

∞∑n=0

1

znn!= · · ·+ 1

3!z3+

1

2!z2+

1

z+ 1.

84

Page 89: Notas de Análise Complexa

Bibliografia

[1] Carlos Sarrico, Análise Matemática Leituras e Exercícios (Sucessões e séries de funções.Convergência pontual e uniforme.), Gradiva, Colecção Trajectos Ciência, 1997.

[2] Dennis Zill, A first Course in Complex Analysis with Applications, Jones and BartlettMathematics Publ., 2003.

[3] Glyn James Pearson, Advanced Modern Engineering Mathematics ( capítulo 4 Séries deFourier, secções 4.1, 4.2), Prentice Hall, Third edition, 2004.

[4] James Stewart, Cálculo (volume II, Capítulo 11 Sucessões e séries), Editora Thomson,5 edição, 2006.

[5] João Filipe Queiró, Análise Complexa Aplicada (Seccções 1-13).

[6] Natália Bebiano da Providência, Análise Complexa com aplicações e laboratórios deMathematica, Gradiva, 2009.

85