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Notas quase autopoéticas sobre mais um primeiro de Julho Acordo. Ainda com o pensamento entupido de sonolências me pego pensando em coisas variadas - demandas de trabalho, aquele seriado que quero ver, aquele texto de um amigo querido que li ontem... Olho o visor do celular. São nove horas da manhã de primeiro de julho de 2015. Me tomo de sustos - Primeiro de Julho?? Já?? Sim, 1 de julho me chegou de formas súbitas a novamente sacudir a alma. Alguns anos atrás (2010?) Nós, um grupo de pessoas vinculadas a psicologia da UFPE, escolhemos essa data para celebrar a morte do coletivo Contramola. Foi meu primeiro contato com isso que chamavam 'movimento estudantil' onde, a partir de um coletivo autogestionado, pude tecer aproximações tanto com alguns pressupostos de (des)organização da filosofia anarquista quanto me inserir em construções coletivas como o EREP N/NE. Desse último, trago gratidões imensas e pessoas absurdamente queridas espalhadas país afora. Naquele primeiro de julho, ao nos encontrarmos no finado bar da Margarida, enquanto Jôjô punha para tocar primavera nos dentes de secos e molhados (ela colocou mesmo ou é uma 'falsa memória'?), a lição que me ficava de tudo era intensa: "E do centro da própria engrenagem, inventa a contramola que resiste. " Mais uma outra se somou naquela tarde: "Não basta o compromisso, vale mais o coração!". O ano seguiu, a vida seguiu. Pessoas foram, outras tantas vieram e o mundo inteiro mudou. Alguns anos depois, um outro primeiro de Julho me atravessou com a força de dividir paragens de vida. Um momento de secretas bruxarias me iniciaria para sempre nos minuciosos ritos de auto-experimentação. Marcelo se desvanecia enquanto uma outra potência de vida (um outro rasgo de subjetividade, talvez me diria alguma pessoa semi deleuziana), ia aos poucos tateando materialidades. "Mas nem todo trajeto é reto, nem o mar é regular. " Me diria aquela canção de oxumaré. E os caminhos supostamente retos e iluminados rodopiam todos, me lembrando que a vida quando

Notas Quase Autopoéticas Sobre Mais Um Primeiro de Julho

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Notas quase autopoticas sobre mais um primeiro de Julho

Acordo. Ainda com o pensamento entupido de sonolncias me pego pensando em coisas variadas - demandas de trabalho, aquele seriado que quero ver, aquele texto de um amigo querido que li ontem... Olho o visor do celular. So nove horas da manh de primeiro de julho de 2015. Me tomo de sustos - Primeiro de Julho?? J?? Sim, 1 de julho me chegou de formas sbitas a novamente sacudir a alma.

Alguns anos atrs (2010?) Ns, um grupo de pessoas vinculadas a psicologia da UFPE, escolhemos essa data para celebrar a morte do coletivo Contramola. Foi meu primeiro contato com isso que chamavam 'movimento estudantil' onde, a partir de um coletivo autogestionado, pude tecer aproximaes tanto com alguns pressupostos de (des)organizao da filosofia anarquista quanto me inserir em construes coletivas como o EREP N/NE. Desse ltimo, trago gratides imensas e pessoas absurdamente queridas espalhadas pas afora. Naquele primeiro de julho, ao nos encontrarmos no finado bar da Margarida, enquanto Jj punha para tocar primavera nos dentes de secos e molhados (ela colocou mesmo ou uma 'falsa memria'?), a lio que me ficava de tudo era intensa: "E do centro da prpria engrenagem, inventa a contramola que resiste. " Mais uma outra se somou naquela tarde: "No basta o compromisso, vale mais o corao!".

O ano seguiu, a vida seguiu. Pessoas foram, outras tantas vieram e o mundo inteiro mudou.Alguns anos depois, um outro primeiro de Julho me atravessou com a fora de dividir paragens de vida. Um momento de secretas bruxarias me iniciaria para sempre nos minuciosos ritos de auto-experimentao.Marcelo se desvanecia enquanto uma outra potncia de vida (um outro rasgo de subjetividade, talvez me diria alguma pessoa semi deleuziana), ia aos poucos tateando materialidades.

"Mas nem todo trajeto reto, nem o mar regular." Me diria aquela cano de oxumar. E os caminhos supostamente retos e iluminados rodopiam todos, me lembrando que a vida quando vivida, no sob hiptese nenhuma, um trajeto previsvel e linear.

"Estrada, caminho tortoMe perco pra encontrarAbrindo talho na vidaAt que eu possa passarComo um moinho que rodaTraando a linha sem fimE desbravando o futuroGirando em volta de mimCorrendo o mundo(Cobra rasteira)Me engoli de vez(Cobra rasteira), giramundo(Cobra rasteira)Assim o cho se fez."(Cobra Rasteira - Mta Met) Abrir talhos na vida torna-se tarefa fundamental. Abrir janelas e portas e armrios e olhos torna-se elemento de sobrevivncia de alma.Mas primeiro de julho.Metade do ano passa e uma outra metade emerge. Um ano composto de dois. Um ano/tempo met-met, tudo aquilo que fica para alm da dualidade supostamente estabelecida entre as iabs e os abors. E no basta o compromisso, vale mais o corao. No bastam as normativas, valem mais os laos e as respiraes. E tinha que respirar, todo dia..."Mas alguma coisa aconteceu, do ventre nasce um novo corao". Nascem sempre do ventre, dos cabelos, dos olhos, das vsceras que sempre gritam em silncio e madrugada. E a medida que nascem e escorrem, atiro coraes aos milhares em um mundo cinza e sujo. Na lama fedida das ruas, nas portas e janelas e mentes fechadas pelo asco. Esgotamento.E h de se ter grossos cascos de tartaruga e apoio firme de opaxor para conseguir continuar a caminhar uma jornada antiga como o prprio mundo.

Mas primeiro de Julho.E pensando naquela espcie de secreto mantra pessoal, eu vejo o que aprendi, vejo o quanto ensinei. E no h porque voltar...A coragem do sonambulismo de uma GH diante da barata ainda me acompanham, e nesse primeiro de julho percebo que o que fao sem pensar, aprendo sempre com olhar e com as palavras e gestos de gentes variadas. Desses contatos, uma micro-orao aos seres desentendidos: " J que no me entendes, no me julgues,No me tentes".Feito isso,1 de julho sempre me chega como um convite a tomar posse da prpria vida, da prpria narrativa, do prprio corpo em seu presente e em seu constante vir a ser.Ode s multiplicidades desse nosso tal vir a ser

"Sou fera, sou bicho, sou anjo e sou mulherMinha me e minha filha,Minha irm, minha meninaMas sou minha, s minha e no de quem quiser."

E por fim, um aprendizado que se atualiza constantemente: "O que fazes por sonhar, o mundo que vir, pra ti.. para mim... "E nessa disputa antes de tudo com ns mesmes pelo que vir, sigamos, mesmo que lentamente.Sigamos.

https://www.youtube.com/watch?v=biqfe5B43Ho