Notas sobre audiências, comunidades e fãs nos canais de Felipe Neto no YouTube

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Procuramos problematizar os conceitos de audiência, comunidade e fã e os modos como delespodemos nos utilizar para analisarmos as relações sociais entre os diferentes e múltiplos usuários dosite de vídeos YouTube. Para tanto, recorremos aos dois canais de Felipe Neto no YouTube, ambiênciaem que delimitamos nossos apontamentos empíricos, para compreendermos quais tipos de vinculaçõescomunitárias podem ser pensadas entre o ídolo mencionado e suas audiências fanáticas no site emquestão.

Citation preview

  • 69

    4Notas sobre audincias, comunida-des e fs nos canais de Felipe Neto no YouTube

    Notes on audiences, communities and fans on Felipe Netos channels on YouTube

    Tiago Barcelos Pereira Salgado1

    RESUMO Procuramos problematizar os conceitos de audincia, comunidade e f e os modos como deles podemos nos utilizar para analisarmos as relaes sociais entre os diferentes e mltiplos usurios do site de vdeos YouTube. Para tanto, recorremos aos dois canais de Felipe Neto no YouTube, ambincia em que delimitamos nossos apontamentos empricos, para compreendermos quais tipos de vinculaes comunitrias podem ser pensadas entre o dolo mencionado e suas audincias fanticas no site em questo.PALAVRAS-CHAVE Audincias; comunidades; fs; Felipe Neto; YouTube.

    ABSTRACT We seek to problematize the concepts of audience, fan and community and the ways we can use them to analyze social relations between different and multiple users of the video site YouTube. For that, we turn to the two Felipe Netos channels on YouTube, ambience in which we delimit our empirical appointments, to understand what types of community linkages can be thought between the idol mentio-ned and their fanatical audience on the website.KEYWORDS Audiences; communities; fans; Felipe Neto; YouTube.

    1Mestre em Comunicao Social pela UFMG. Especialista em Imagem e Culturas Mediticas pela UFMG. Inte-grante do Grupo de Pesquisa em Imagem e Sociabilidade (GRIS/UFMG). E-mail: [email protected].

  • 70

    Introduo

    Em 2010, Felipe Neto decidiu criar dois canais2 no YouTube, site que possibilita aos usurios cadastrados realizar a postagem e publicao

    de contedo audiovisual, bem como compartilhar

    aquilo que foi alocado nesse tipo de repositrio vi-

    deogrfico. Os canais so acessados por milhes

    de usurios e Neto um dos pioneiros nesta mo-

    dalidade no Brasil.

    Felipe nasceu em 21 de janeiro de 1988 na ci-

    dade do Rio de Janeiro. Durante a adolescncia,

    mais precisamente por volta dos 12 anos de idade,

    ele fez cursos de teatro e atuou como ator ama-

    dor em alguns espetculos teatrais. Em 2007, es-

    creveu stiras e reflexes humoradas para o blog

    Controle Remoto.3 A criao desse site se deu em

    virtude da notoriedade que Neto obteve com o

    avatar4 Cap_Sparrow, um dos administradores

    do portal de sries americanas IsFree.tv (ARRUDA

    et al, 2011; CONTROLE REMOTO, 2010).

    2 O termo canal utilizado pelo site YouTube para nomear uma ou mais pginas pessoais de usurios cadastrados no site (perfis). Em cada pgina, os usu-rios podem postar vdeos que eles mesmos realiza-ram ou compartilhar vdeos de outros usurios, bem como postar informaes sobre si e o canal. Usurios que se inscrevem (subscribe) em determi-nado canal podem postar comentrios nele.

    3 Disponvel em: . Acesso em: 19 jun. 2012.

    4 Termo proveniente do hindusmo, referindo-se manifestao de uma divindade ou corporificao de uma alma na terra; a encarnao de uma divindade, ideia ou pessoa. Em computao, o termo tem sido utilizado para designar um cone, figura ou nome de usurio que representa uma pessoa em jogos de computador, videogames, fruns e chats na internet etc. (OXFORD DICTIONARY, 2012, traduo nossa).

    O primeiro canal, No Faz Sentido!5, criado em

    19 de abril de 2010, versa sobre quatro principais

    temticas: adolescncia; celebridades; filmes e

    vdeos; e sexualidade. Ele seria um tipo de pro-

    grama, montado de acordo com certa estrutura:

    abertura com introduo do assunto a ser tratado

    com imagem em tom spia ou cantos escureci-

    dos; exposio do tema com vrios cortes secos

    e praticamente ausncia de filtros com algumas

    recorrncias de legenda sobreposta imagem;

    fechamento com apelo s audincias para que

    possam aderir performance6 em cena por meio

    de indicaes para que os usurios cliquem nos

    botes gostei, compartilhar ou adicionar a

    favoritos disponibilizados abaixo da tela (SAL-

    GADO, 2013). O canal conta com 2.152.127 usu-

    rios inscritos, 169.374.197 exibies e 47 vdeos

    publicados dados do dia 04 jun. 2013.

    O Vlog do Felipe Neto7, criado em 21 de maio de

    2010, tematiza o prprio vlogueiro e seria como

    que o making of do primeiro canal, em que o perfor-

    mer pode se exibir e falar com suas audincias so-

    bre aspectos pessoais de sua vida, como tambm

    5 Disponvel em: . Acesso em: 18 out. 2011.

    6 Em nossa pesquisa de mestrado procuramos com-preender em que medida a performance de Felipe Neto em seus dois canais no YouTube evidencia uma responsabilidade mtua entre performer e audin-cias. Nesse sentido, compreendemos Felipe Neto como um performer, agente em exibio para diver-sas audincias que se vale de suas competncias comunicativas para conquist-las e validar sua ao frente s cmeras. Tomamos a performance, ento, como uma prtica processual em que as audincias coparticipam do processo performtico e se estabe-lece uma vinculao entre performer e audincias (SALGADO, 2013).

    7 Disponvel em: . Acesso em: 18 out. 2011.

  • 71

    aspectos relacionados produo dos vdeos. A

    nomenclatura vlog procura designar uma espcie

    de dirio pessoal em vdeo, em que aquele que

    fala registra sua apario por meio de uma we-

    bcam ou cmera de vdeo segurada pela mo ou

    fixada em um trip. O destaque est no rosto, que

    ocupa o primeiro plano e praticamente a totalida-

    de do espao destinado imagem. A iluminao

    precria, no profissional e o ator (aquele que

    age) se move com mais liberdade no espao c-

    nico, de modo espontneo e improvisado carac-

    terstica que contrasta com o profissionalismo e a

    produo que ressaltamos para o primeiro canal

    de Neto, que segue um roteiro semiestrururado

    (SALGADO, 2013). Este segundo canal conta com

    399.300 usurios inscritos, 19.065.009 exibies e

    24 vdeos publicados dados do dia 04 jun. 2013.

    Ambos os canais conquistaram, em cerca de

    trs anos, milhares de usurios inscritos, com

    vdeos que ultrapassam 13 milhes de visualiza-

    es.8 Em funo de sua notoriedade, decorrida

    de sua exposio no YouTube, Felipe Neto parti-

    cipou de alguns programas de televiso, campa-

    nhas publicitrias e abriu sua prpria empresa de

    vdeos e tambm canal de humor no YouTube, a

    Parafernalha.

    Tendo em vista a quantidade de usurios que

    podem acessar o contedo disponibilizado por

    Neto em seus dois canais no YouTube, bem como

    postar comentrios em forma de texto e/ou em v-

    deos, alm de gostarem ou no do(s) vdeo(s) que

    assistiram, replicando-os e divulgando-os em lis-

    8 Dado coletado em 04 de jun. de 2013, tomando como base o vdeo mais acessado no canal No Faz Sentido!, o vdeo No Faz Sentido! - Crepsculo. Disponvel em: . Acesso em: 04 jun. 2013.

    tas de discusso, e-mails pessoais, sites na web,

    Facebook, Twitter, entre tantas outras possibilida-

    des, nos propomos a problematizar os conceitos

    de audincia, comunidade e f para refletirmos

    sobre os modos de vinculao que podemos en-

    contrar em comunidades prprias ao YouTube.

    Por uma noo de audincia

    O conceito de audincia tem sido tratado pelas

    pesquisas em Comunicao Social de variadas

    maneiras. Em seus primrdios, elas tendiam a

    considerar a audincia como um conjunto simpli-

    ficado de receptores (leitores, espectadores, ou-

    vintes). Ao longo dos anos, as investigaes em

    torno dos Estudos de Recepo ou Interpretao

    das Audincias desenvolveram diferentes modos

    de abordagem do termo.

    Como um possvel mapeamento das diversas

    classificaes das respostas dos receptores aos

    media, Rutolo (1998) nos apresenta os seguin-

    tes grupos: respostas de exposio; respostas

    de recepo; respostas atitudinais e respostas

    comportamentais. A lista abrange variadas abor-

    dagens em torno da concepo de audincia que

    se diferem em funo do momento histrico em

    que foram elaboradas, dos pesquisadores e das

    escolas s quais se filiaram. White (1998) comple-

    menta a lista acima com os Estudos de Consenso

    Cultural e os Estudos das Mediaes, enfatizando

    as tradies de pesquisas oriundas dos Estados

    Unidos, da Europa e da Amrica Latina.

    A nossa compreenso do conceito de audin-

    cia se aproxima das formulaes propostas pelo

    interacionismo simblico, que integra o segundo

    grupo mencionado por Rutolo (1998). Diferente-

  • 72

    mente de alguns modos de tratamento do concei-

    to de audincia, como os estudos funcionalistas,

    olhamos para a audincia como resultado do con-

    texto social, o que nos leva a considerar os inte-

    resses culturais, os modos de conhecimento e as

    necessidades de informao e entretenimento

    dos sujeitos.

    Conforme essa perspectiva, interessa-nos

    atentar para os usos e apropriaes dos media

    pelos sujeitos e compreender que as prticas so-

    ciais so configuradas em relao. Assim, busca-

    mos refletir sobre uma qualidade das audincias,

    como sugere Bechelloni (2000), tomando a audi-

    ncia no apenas em sua dimenso quantitativa,

    em que podemos listar, enumerar e classificar as

    pessoas em termos de gnero, faixa etria, grupo

    socioeconmico, nvel de educao, caractersti-

    cas fsicas, entre outras possibilidades. Por essa

    via, a noo de comunidades interpretativas, in-

    vestigada pelo interacionism o simblico, parece-

    -nos uma coerente e adequada maneira de se pro-

    blematizar o conceito de audincia.

    Ao apreender as audincias como comunidades

    interpretativas por essa vertente, Lindlof (1988)

    se distancia das anlises que tomam a audincia

    enquanto um agregado de indivduos isolados que

    constroem sentidos que independem dos demais

    membros da comunidad e da qual fazem parte.

    Segundo ele, os sentidos emanam das relaes,

    no so dados a priori. Essa viso nos permite

    compreender que ao se apropriarem dos media,

    os sujeitos constituem comunidades que se for-

    mam em decorrncia de interesses comuns que

    so compartilhados entre os membros do grupo.

    Precisamos considerar tambm que a comunida-

    de est aberta a receber novos integrantes, bem

    como a se desfazer de alguns que anteriormente

    participavam dela, o que pode ser justificado, de

    certa maneira, pelo desinteresse por parte de al-

    gum membro.

    Ao nos apropriarmos desse ponto de vista te-

    rico, podemos inferir que as audincias que se

    formam em torno da performance de Felipe Neto

    negociam a todo o momento com o performer

    e entre os prprios membros da comunidade,

    de maneira que os sentidos em trnsito so (re)

    arranjados a todo instante. Entendemos que os

    sentidos que giram em torno das temticas esco-

    lhidas e abordadas por Neto so construdos de

    maneira processual, em etapas, podemos afirmar.

    Isso quer dizer que os modos de compreenso dos

    principais temas so tecidos ao longo dos vdeos.

    Em outras palavras, Felipe organiza uma narra-

    tiva de si que atravessada por diversos assuntos

    que dizem respeito s comunidades de interesses

    que ele instaura e das quais passa a pertencer. Os

    temas so montados e disponibilizados aos pou-

    cos, aos modos de um mosaico, em que a colo-

    cao de um vdeo ao lado de outro possibilita s

    audincias vislumbrarem uma imagem do que se-

    jam as temticas principais apresentadas. Conse-

    quentemente, podemos frisar que Felipe Neto per-

    forma o grupo ao qual pertence, o que repercute

    em identificao por parte das audincias elas,

    muitas vezes, projetam-se em Neto e se veem re-

    presentadas por ele. Nesse sentido, Felipe assu-

    me a posio de dolo, ou seja, aquele a quem se

    presta culto e admirao.

    Consideramos tambm que os falantes da

    comunidade so parceiros que contribuem subs-

    tancialmente para a produo de sentidos do

    conjunto. Por essa via, as audincias se configu-

  • 73

    ram como comunidades interpretativas ao produ-

    zirem e negociarem sentidos juntamente com o

    performer e entre os prprios membros do grupo

    (SALGADO, 2013). Ao observarmos Felipe Neto

    em performance, percebemos essa parceria em

    funo da abertura que o performer, por meio dos

    recursos disponibilizados pelo YouTube, concede

    s audincias, como, por exemplo, a postagem de

    comentrios com sugestes dos prximos assun-

    tos a serem discutidos.

    A audincia, a esse modo que temos

    argumentado,

    um papel estabelecido que as pessoas de-

    sempenham temporariamente e, nessa perfor-

    mance, produzem representaes de audincias.

    Alm disso, o papel est situado nas instituies

    de entretenimento, notcias e mdia que constroem

    posies de sujeito para as audincias e, fazendo

    isso, representam as audincias. (BURSCHT apud

    DE LA GARDE, 2010, p. 194).

    Essa proposta para a apreenso do que seja a

    audincia se aproxima do ponto de vista exposto

    por Lindlof (1988). Desse modo, as duas aborda-

    gens nos auxiliam a apreender que os usurios

    que acessam os vdeos de Neto no so audin-

    cias dos canais, mas esto audincias.

    Ao considerar a citao de Burscht menciona-

    da acima, Roger De la Garde (2010) distingue os

    termos papel e status. De acordo com o autor, um

    papel exatamente o oposto de um status. O sta-

    tus dado, assim como a ordem do nascimento e

    a posio social. Os papis so geralmente defini-

    dos como desempenhos esperados dos ocupantes

    de uma posio dada ou status. (DE LA GARDE,

    2010, p. 195). Para o professor canadense, ento,

    as audincias performam papis sociais.

    Segundo o entendimento de De la Garde (2010),

    tomamos as audincias como posies tempor-

    rias de sujeitos que em partes so esperadas pela

    sociedade. Acreditamos, dessa maneira, que por

    meio da performance social, os agentes podem

    alternar entre os diferentes papis sociais e criar

    outros medida que experimentam a si mesmos.

    Nesse sentido, aqueles que acessam os vdeos de

    Neto podem ser usurios dos mais variados tipos.

    Declarar, ento, que se est audincia e no que

    se audincia, implica em considerar as possibili-

    dades de deciso e escolha por parte dos usurios

    em acessar ou no o material audiovisual e posta-

    rem ou no vdeos e comentrios. Tais atitudes e

    escolhas evidenciam a transio contnua entre

    um papel esperado de consumidor de contedo e

    um papel de produtor de contedo.

    Audincias, comunidades e fs prprios ao YouTube

    Recuperando a proposio de De la Garde (2010)

    a respeito de ser e estar audincia, encontramos

    em Orozco Gmez (1997, 2010, 2011) uma perspec-

    tiva semelhante. Ele procura pensar as audincias

    para alm de um agrupamento de pessoas anni-

    mas ou dados estatsticos sobre preferncias de

    programao, horrios de exposio aos meios ou

    um conjunto abstrato de expectativas para ver, ler

    ou escutar, tal como pensado pelas agncias de

    rating e empresas comerciais de meios. Por outro

    lado, centrado em estudos televisivos, o pesqui-

    sador tambm ressalta o modo como os anuncian-

    tes consideram as audincias: consumidores po-

  • 74

    tenciais dos produtos e servios publicitrios, que

    precisam ser convencidas sobre seus benefcios.

    Concordamos com Orozco Gmez (1997, 2010,

    2011) quando ele afirma que enquanto nos com-

    portamos como audincias, no deixamos de ser

    sujeitos sociais, histricos e culturais. Na pers-

    pectiva dele, entretanto, podemos ser audincias.

    Pensamos que esse ponto de vista enrijece as

    possibilidades de ao, usos e apropriaes dos

    sujeitos sociais. Enquanto o verbo ser designa

    uma certa estabilidade e imutabilidade, o verbo

    estar denomina uma flexibilidade, servindo-nos

    mais adequadamente que o primeiro, uma vez

    que nos filiamos ao interacionismo simblico, sem

    contudo sermos indiferentes s outras visadas

    tericas.

    A pergunta, ento, precisa se deslocar de

    Quem so as audincias?, como indaga o te-

    rico, para O que devemos considerar quando to-

    mamos um determinado grupo como audincia?.

    Propomos que preciso levar em conta que as

    audincias se constituem por sujeitos capazes de

    tomar distncia dos meios e suas mensagens, em

    uma posio crtica, mas tambm sujeitos que an-

    seiam encontrar nos media, tal como prope Oro-

    zco Gmez (1997), o espetacular, o novo, o inslito,

    aquilo que possa nos emocionar, nos estremecer,

    nos fazer rir e nos divertir.

    Por uma perspectiva comunicacional, precisa-

    mos considerar que as audincias se compem

    por sujeitos comunicantes, capazes de realizar

    escutas, leituras e vidncias inteligentes (rdio,

    revista, jornal, cinema, narrativas orais etc.), cr-

    ticas e produtivas, no em sua maioria, evidente-

    mente. Sujeitos situados e que pertencem a vrias

    instituies de maneira simultnea, de onde cap-

    tam, aos seus modos, suas identidades e produ-

    zem sentido a suas prticas, sendo capazes de se

    organizarem, de discordarem, de se manifestarem

    publicamente, de defenderem seus direitos, ainda

    que capazes de se alienarem, de certa maneira,

    frente aos contedos dos meios (GMEZ, 1997).

    No YouTube, podemos observar as mesmas ca-

    ractersticas apontadas pelo autor, de modo que

    os usurios, ao mesmo tempo produtores e con-

    sumidores de contedos e produtos culturais, so

    capazes de significarem sua produo material e

    simblica apresentando-se, assim, como comu-

    nidades interpretativas. As audincias agem e

    podem construir vinculaes com os meios, mas

    tambm, muitas vezes, dispersam-se e perdem-

    -se no banal, veiculado por eles, como frisa o

    pesquisador.

    Orozco Gmez (2011) defende que o estar como

    audincia tem se ampliado espacialmente em

    decorrncia das possibilidades de mobilidade e

    portabilidade das telas que, por sua vez, resul-

    tam no estabelecimento de mltiplas convergn-

    cias. Esse processo pode ser pensado tanto em

    termos de acoplagem entre os diferentes meios,

    como tambm enquanto um processo mental e

    cognitivo que se associa a outros dois processos:

    inteligncia coletiva e cultura participativa. G-

    mez (2011) emprega a expresso comportamento

    multicanal justamente para destacar a qualidade

    ubqua das audincias contemporneas, que po-

    dem estar conectadas o tempo todo e participar

    de diferentes redes ao mesmo tempo. Esse ponto

    de vista visa contrapor as audincias dos produ-

    tos culturais da denominada cultura de massa s

    audincias prprias ao contemporneo.

  • 75

    Outro aspecto relevante que o terico ressalta

    a questo da interatividade. Gmez (2010) res-

    salta que o estar como audincia tambm se altera

    com a interatividade, pois as audincias se recon-

    vertem em usurios produtores e consumidores

    de contedo (prosumidores ou produsurios). O

    pesquisador salienta, ainda, que h momentos em

    que as audincias podem no se comportar como

    usurios neste caso, o autor emprega a palavra

    pblico.

    A discusso de Gmez (2010, 2011) extensa,

    cabendo enfatizar aqui que, juntamente com o

    autor, entendemos que os media convocam e po-

    sicionam de uma maneira e no de outra as au-

    dincias, seja como usurios, fs, consumidores,

    como cidados ou interlocutores. Segundo a viso

    do terico, cada produto cultural implica em um

    perfil de audincia, assim como um livro implica

    em um leitor implcito ou leitor ideal. Considera-

    mos que as audincias se formam em torno dos

    produtos miditicos, menos na direo de algo j

    estabelecido e pr-concebido do que na produo

    de sentido ao longo dos usos e apropriaes que

    os sujeitos sociais podem escolher fazer. Nesse

    sentido, os meios criam e ordenam diferentes pa-

    pis para que as audincias performem. Enquanto

    instituies sociais, os media dispem posies

    em que os agentes sociais podem jogar, de modo

    que eles tambm esto aptos a trocarem de lugar

    a qualquer instante ou assumirem mais de uma

    posio ao mesmo tempo.

    O ponto de vista de Bailn (2002), da mesma

    maneira que as outras perspectivas apresenta-

    das, enriquece e sustenta nossa argumentao.

    Ao investigar as audincias televisivas, ele su-

    blinha que os usurios adquirem, assim tambm

    como aponta Gmez (2010), uma competncia

    para lidarem com o meio televiso. O telespectador

    seria competente ao estar a par do ordenamento

    televisivo. Ele sabe ou pelos menos tem uma no-

    o de que os programas televisivos se organizam

    por canais, por horrios, por gneros, por emisso-

    ras, entre outros modos de organizao.

    Transpondo tal observao para o YouTube,

    devemos levar em conta que os usurios podem

    usar e interpretar o contedo das mensagens

    percebidas em funo de suas prprias expec-

    tativas (BAILN, 2002, p. 169, traduo nossa).

    Enfatizamos, assim, que as audincias possuem

    uma relativa autonomia e possibilidade de esco-

    lha do que querem assistir, quando querem, onde

    querem, como querem e com quem querem assis-

    tir. Isso se deve ao fato de que as audincias es-

    colhem segundo uma gama de opes que lhes

    ofertada e a competncia que adquirem para tan-

    to saber ligar um computador ou outro aparelho,

    saber realizar uma busca pelos termos que lhe in-

    teressam, saber compartilhar o contedo encon-

    trado, entre outras possibilidades.

    Outro aspecto importante se refere ao modo

    como o contedo ordenado no YouTube: de

    modo semelhante aos canais televisivos. Para os

    vdeos de Felipe Neto, apreendemos que h dois

    canais distintos em que o material publicado,

    bem como a nfase que dada a cada um deles,

    como indicamos na introduo. H que se atentar

    tambm para as diversas possibilidades de busca,

    seja por palavras-chave (tags), por indicao de

    amigos, por vdeos mais acessados ou por mais

    tempos disponveis para acesso, entre outras op-

    es. Dispor-se em assistir aos vdeos de Felipe

    Neto , ento, uma deciso prpria s audincias

  • 76

    que optam por acessar o material audiovisual de

    algum que se disps voluntariamente a aparecer.

    Percebemos, ento, que ao performer recai

    o esforo para entreter e para atrair o olhar dos

    usurios a fim de que aquilo que ele oferece seja

    visto e legitimado. preciso tambm que os temas

    em pauta sejam pertinentes e relevantes para os

    fs, ou seja, necessrio que haja uma proximida-

    de, uma afinidade entre dolo e seguidores. Para

    tanto, o agente recorre preferencialmente per-

    formance como recurso de mediao entre si e

    sua plateia (SALGADO, 2013).

    Tendo considerado tais aspectos, apresen-

    tamos agora um modo singular de apreenso de

    audincias no YouTube que procura compartilhar

    e avanar em relao ao referencial terico abor-

    dado. Desse modo, questionamos: o que seria

    prprio s audincias que percorrem o YouTube?

    A resposta no de todo simples. Oferecemos um

    caminho, dentre vrios que podem ser trilhados.

    Logo, acreditamos que as audincias vo se for-

    mando e se desfazendo de maneiras distintas. As

    mediaes que atravessam as relaes entre os

    usurios de ordem cultural, social, entre outras

    e dentre as quais a performance uma delas re-

    percutem no modo como as vinculaes ou des-

    vinculaes acontecem na rede. As audincias di-

    zem, portanto, de um agrupamento de sujeitos que

    podem agir uma vez que as condies, no apenas

    tcnicas para tal posio, tm sido disponibiliza-

    das pelos diferentes meios.

    Trata-se da possibilidade de encontro com a

    alteridade que, mesmo em sua diferena, possui

    aspectos que se assemelham aos dos outros in-

    tegrantes. O YouTube, por essa via, apresenta-se

    como um espao em que a sociabilidade pode

    acontecer. No podemos considerar, contudo, que

    ela acontece. H usurios que apenas passeiam

    pelo site, que assistem a vdeos por indicao de

    amigos ou por interesse prprio, em lugares dife-

    rentes e mais diversos possveis, segundo suas

    prprias temporalidades e meios. Queremos enfa-

    tizar com isso, que o material audiovisual alocado

    no site, da mesma maneira em que proveniente

    de mltiplas fontes, como a televiso ou o cine-

    ma, acessado no apenas pelo site do YouTube

    aberto em uma janela em um computador, como

    tambm o em um aplicativo de um smartphone,

    por exemplo.

    Ao refletirmos sobre as audincias no YouTu-

    be, ento, devemos considerar, necessariamente,

    a disperso espao-temporal dos usurios, bem

    como suas singularidades (idade, gnero, classe

    social etc.). Tais caractersticas so importantes,

    mas no devem limitar ou barrarem a mobilida-

    de dos sujeitos sociais. H, ainda, outros fatores

    que so relevantes nessa investida: diferentes

    graus de variao com relao aos vdeos, como

    durao dos mesmos, temticas expostas, per-

    sonagens em cena, data de registro (gravao) e

    data de publicao no site, entre diversas outras

    variantes.

    Outro aspecto que devemos mencionar que

    as audincias de Neto se comportam como um

    grupo de fs que simultaneamente convivem com

    anti-fs usurios que discordam das posies

    defendidas pelo dolo e que podem agredi-lo ou se

    dirigirem a outros usurios por meio de texto es-

    crito ou vdeo. As audincias de Neto, de acordo

    com essa considerao, continuamente acessam

    os vdeos e postam comentrios, bem como com-

  • 77

    exposto e escaparia da proposta central do texto

    que trazer alguns apontamentos terico-meto-

    dolgicos. Destacamos, ainda assim, que as falas

    das audincias objeto de estudo de recentes in-

    vestigaes e de publicaes futuras.

    Logo, tem nos importado menos saber se as

    audincias se constituem por usurios que se ca-

    dastraram no site e fizeram o login ao acessarem

    os vdeos de Neto do que atentar para como elas

    lidaram e tem lidado com aquilo que assistem.

    Interessa-nos, por conseguinte, indicarmos de

    que forma ou de quais formas as audincias co-

    participam da performance de Felipe. Nesse sen-

    tido, apreendemos que elas podem ou no formar

    comunidades.

    Anteriormente dissemos que as audincias

    podem ser entendidas enquanto comunidades

    interpretativas que formam comunidades de in-

    teresses. vlido agora tensionarmos essa pro-

    posio defendida pelo interacionismo simblico

    para questionarmos se as vinculaes entre os

    membros da comunidade, especificamente a do

    YouTube, so de fato comunitrias. Vamos um

    pouco mais alm e indagamos se de fato podemos

    pensar em comunidades ao considerarmos audi-

    ncias nesse site.

    De acordo com Bauman (2003), a noo de co-

    munidade, de maneira geral, apresenta-se como

    um ideal humano, supondo um lugar aconchegan-

    te e clido em que estaramos protegidos e a salvo

    das influncias externas. Ao longo de sua exposi-

    o, entretanto, o terico desconstri essa utopia

    que tem perpassado o imaginrio coletivo de v-

    rios povos por diferentes perodos histricos. Se-

    gundo ele, o estar em comunidade seria uma tare-

    partilham os vdeos em redes sociais online ou os

    indicam a amigos tambm por e-mail.

    O compartilhamento de contedo online, uma

    das caractersticas desse tipo de audincia, como

    destaca Nancy Baym9, est associado, ainda, a

    outros aspectos, importantes ao se investigar au-

    dincias online. Considerando os apontamentos

    da pesquisadora, podemos destacar, em suma,

    que as audincias: criam e produzem contedo,

    compartilhando-o nas diversas redes; agregam-

    -se de variadas maneiras, engajando-se de dife-

    rentes modos; e interpretam, criticam e produzem

    sentido sobre o que consomem, expressando suas

    opinies sobre o que acessam.

    Enfatizamos, desse modo, que olhar para as

    audincias no YouTube requer um trabalho minu-

    cioso, constante e extenso. Assumimos, assim,

    que o relato de parte da pesquisa aqui apresen-

    tada no pretende nem poderia conseguir apreen-

    der as audincias dos vdeos de Felipe Neto em

    sua totalidade. Uma possibilidade para notarmos

    as maneiras como as audincias se manifestam

    em tais vdeos seria pelos comentrios publicados

    pelos usurios para os vdeos de Neto. Todavia,

    o volume dos mesmos imenso e cresce expo-

    nencialmente na medida em que os vdeos so

    acessados diariamente. Analisar os comentrios,

    ento, um desafio metodolgico que se colocou

    sobre a nossa investigao. Para fins deste arti-

    go, optamos por no mencionar os comentrios,

    uma vez que o limite de espao poderia conferir

    certa superficialidade no tratamento do material

    9 Informao verbal. Palestra proferida por Nancy Baym, pesquisadora da Microsoft Research, no VI Simpsio Nacional da ABCiber, Novo Hamburgo, RS, Universidade Feevale, 06 nov. 2012.

  • 78

    fa complexa, uma vez que esse ideal se encontra

    em constante conflito com a ideia de liberdade.

    O autor retoma as proposies de Ferdinand

    Tnies sobre o tema, que convoca a comunidade

    a voltar a ser um entendimento compartilhado

    por todos os seus membros (TNIES apud BAU-

    MAN, 2003, p. 15, grifo do autor), o que possibilita-

    ria aos membros do grupo estar unidos a despeito

    de tudo, em oposio sociedade industrial em

    ascenso. A comunidade, de acordo com as vi-

    ses apresentadas pelo socilogo seria composta

    pela homogeneidade e a mesmidade. No entanto,

    como refora Bauman (2003), ambos os aspectos

    se rompem quando a relao entre os de fora e os

    de dentro da comunidade se intensifica em funo

    do processo de globalizao que se instaura nas

    sociedades, repercutindo em pessoas annimas e

    solitrias. Para ser mantida, ento, a comunidade,

    enquanto acordo entre os integrantes, precisaria

    ser vigiada e defendida. O que observamos, con-

    tudo, um paradoxo entre tais elementos, como

    bem frisa o autor. Para a comunidade existir com

    segurana, preciso que os membros abram mo

    da liberdade que, por sua vez, s poderia ser asse-

    gurada e ampliada s custas da segurana.

    O projeto de comunidade deve ser, contudo, re-

    alizado por cada um de ns, pois o Estado j no

    mais capaz de garantir segurana e prover coeso

    entre os cidados. Dessa maneira, a experincia

    de comunidade teria se esfacelado, uma vez que

    no haveria mais relaes bem tecidas entre as

    pessoas. Se a modernidade slida tinha como

    aspecto crucial a sensao de certeza de uma so-

    ciedade justa e estvel, a modernidade lquida

    prima pela inexistncia de assertivas de que as

    pessoas encontrem seus prprios destinos cole-

    tivamente. Em outros termos, o prprio modo de

    organizao social caminhou em direo oposta

    ao modelo de comunidade. As comunidades, con-

    sequentemente, existiriam apenas no nome, pois

    de acordo com Bauman (2003), o que queremos

    mesmo mantermos distncia e nos vermos livres

    dos intrusos. Nesses termos, a sociedade con-

    tempornea seria em si no comunitria.

    Apesar de no se sentirem seguras, as pesso-

    as sentem a necessidade de pertencer a algo, por

    mais que prezem por sua autonomia individual.

    Elas imaginam, segundo o autor, uma comunida-

    de, um grupo formado pelo mesmo, por pessoas

    que em alguma medida se assemelhem a elas e

    que tenham ideais e comportamentos parecidos.

    A respeito disso, Bauman (2003) nos oferece um

    instrumental terico e analtico precioso para

    pensarmos na configurao de comunidades no

    YouTube. Ele distingue entre comunidade tica e

    comunidade esttica.

    O primeiro tipo diz de uma comunidade que as-

    seguraria a segurana e a proteo dos membros,

    tecida de compromissos de longo prazo, de di-

    reitos inalienveis e obrigaes inabalveis, que,

    graas sua durabilidade prevista (melhor ainda,

    institucionalmente garantida), pudesse ser trata-

    da como varivel dada no planejamento e nos pro-

    jetos de futuro. E os compromissos que tornariam

    tica a comunidade seriam do tipo do comparti-

    lhamento fraterno, reafirmando o direito de todos

    a um seguro comunitrio contra os erros e des-

    venturas que so os riscos inseparveis da vida

    individual. (BAUMAN, 2003, p. 66).

    O segundo tipo, por sua vez, faz meno a uma

    comunidade que no provoca responsabilidades

  • 79

    ticas e nem compromissos a longos prazos, em

    que os vnculos seriam sem consequncias. Os l-

    deres desse tipo de comunidade seriam menos as

    autoridades polticas que os grandes jogadores,

    artistas e top models, marcados pela efemerida-

    de, como pontua Bauman (2003).

    Os dolos, celebridades e pessoas clebres,

    que servem indstria do entretenimento, segun-

    do o autor, invocam uma experincia de comuni-

    dade, pois constituem um grupo de solitrios que

    enfrentam publicamente sozinhos seus proble-

    mas e servem de exemplo para outros indivduos

    sem estabelecerem laos ou envolvimentos que

    caracterizariam uma comunidade. Por contras-

    te, Bauman (2003) cita, ainda, outros exemplos

    de comunidades que no se centram apenas em

    celebridades.

    Dentre os dois tipos de comunidade mencio-

    nados por Bauman (2003), interessamo-nos pela

    compreenso da comunidade esttica, que nos

    parece uma tipologia adequada para analisarmos

    as vinculaes entre os usurios que se compor-

    tam como audincias dos dois canais de Neto no

    YouTube. Entendemos esse tipo de comunidade

    no YouTube, portanto, como um grupo de usurios

    que podem expressar suas opinies com laos

    transitrios e superficiais entre si. Os integran-

    tes, ento, estariam isentos de compromissos

    duradouros.

    Bauman (2003), todavia, no explora com tanta

    propriedade a concepo de comunidade estti-

    ca. Com a finalidade de precisarmos tal compre-

    enso recorremos s formulaes de Maffesoli

    (1996, 1998), que nos auxiliam a problematizar as

    vinculaes e tipos de comunitarismo para reto-

    marmos um termo de Bauman (2003) que podem

    estar presentes nas comunidades virtuais. O ter-

    mo empregado por Maffesoli (1998) no neces-

    sariamente comunidade esttica, mas sim comu-

    nidade emocional.

    Com o intuito de refletir sobre uma ambincia

    comunitria, forjada pelos mltiplos eus sociais

    (personas termo em espanhol ou selfs ter-

    mo em ingls), o estudioso prope como modelo

    de orientao para suas reflexes um paradigma

    esttico. A esttica tomada por ele no sentido

    de vivenciar ou sentir em comum. Desse modo, o

    terico enfatiza muito mais o que une do que o que

    separa.

    Maffesoli (1996) prope especial ateno s li-

    gaes sociais cotidianas, transitrias, que acon-

    tecem na prtica coletiva: [...] a tnica colocada

    mais na sensao coletiva que num projeto racio-

    nal comum. Mas o resultado no diferente: fazer

    participar desse corpo geral, de um corpo social.

    (MAFFESOLI, 1996, p. 41). Neste sentido ampliado

    de esttica, o pensador compreende, ento, que

    os corpos funcionam como fatores de unio e de

    criao de comunidades (emocionais).

    O filsofo refora, como percebemos na cita-

    o acima, que precisamos observar os sujeitos

    em suas relaes com os outros e, tambm, as

    tribos pelas quais eles transitam, ou seja, os gru-

    pos com os quais eles se identificam. A contem-

    poraneidade, a esse modo, apresenta uma forma

    de solidariedade social no mais definida racio-

    nalmente, como que por um contrato, mas que

    elaborada a partir de processos sociais comple-

    xos que envolvem atraes, repulses, emoes

    e paixes. As reunies sociais, nesse sentido,

    podem assumir um carter involuntrio, transit-

    rio e impulsivo, como ressalta Maffesoli (1996) ao

  • 80

    compreender que a esttica se encontra presente

    nas mais triviais formas de interao.

    As figuras emblemticas, segundo seu pen-

    samento, ou os lderes carismticos que Bau-

    man (2003) menciona, so tipos ideais, formas

    vazias, matrizes que permitem a qualquer um

    reconhecer-se e comungar com os outros. [...] os

    tipos sociais que permitem uma esttica comum e

    que servem de receptculo expresso do ns.

    (MAFFESOLI, 1998, p. 15). Tomando como alicerce

    tais fundamentos e sustentando nossa argumen-

    tao sobre Neto, podemos considerar que esse

    dolo se mostra tambm como um agregador de

    audincias. Em sua mediocridade, ou seja, na m-

    dia entre o espetacular e clebre e o trivial, ele

    capaz de favorecer a emergncia de um forte

    sentimento coletivo (MAFFESOLI, 1998, p. 15).

    Ele opera como o centro das atenes no YouTu-

    be, permitindo que os usurios se renam em seu

    entorno. Na roda so colocados vrios assuntos

    que tornam possveis momentos de fala do dolo e

    dos fs, que expressam, por meio de comentrios,

    seus sentimentos e emoes, sejam da ordem da

    empatia e simpatia ou da ordem do repdio e da

    crtica.

    Sugerindo que mudemos as maneiras como

    avaliamos os reagrupamentos sociais, Maffesoli

    (1998) nos esclarece que a comunidade emocio-

    nal, ou a comunidade esttica, como temos pen-

    sado, caracteriza-se por um aspecto efmero,

    composio cambiante, inscrio local, ausncia

    de uma organizao e estrutura cotidiana. Evi-

    dentemente que no se trata de transpor o mode-

    lo weberiano com ajustes maffesolianos para as

    comunidades no YouTube. O movimento que temos

    realizado consiste, portanto, em acompanhar ca-

    ractersticas similares proposta de Weber recu-

    perada por Maffesoli (1998) para categorizarmos

    um tipo de ajuntamento que pode ser evidenciado

    no YouTube. A tipologia empregada, ento, funcio-

    na como uma categoria, como bem frisa Maffesoli

    (1998) ao citar Weber, pois ela nos serve como re-

    veladora de situaes presentes, tanto no cotidia-

    no (leia-se no virtual ou online), como o caso

    dos dois socilogos, ou em interaes mediadas

    por computador ou outros dispositivos mveis,

    como o nosso caso.

    Consideraes finais

    Entendemos que as audincias dos dois canais de

    Felipe Neto no YouTube se referem a grupos de fa-

    lantes que se vinculam temporariamente em uma

    situao especfica de enunciao e circunscrita

    ambincia miditica operada pelo site. As vin-

    culaes ou laos que podem ser estabelecidos

    adquirem uma qualidade comunitria quando os

    usurios procuram a companhia daqueles que

    pensam e que sentem como ns (MAFFESOLI,

    1998, p. 19, grifo do autor), bem como daqueles

    que falam como ns, podemos acrescentar. Estes

    usurios, em tal ambincia, deparam-se, ainda,

    com o diferente, com o inesperado esperado, que

    acaba por se indignar conosco e integrar uma ex-

    perincia de comunidade ou uma esttica do ns.

    A vinculao de ordem comunitria acontece,

    assim, pela relao entre eu e tu ou entre eu e

    outros dimenso prpria ao processo comuni-

    cativo. Com isso, podemos compreender que, ao

    se comportarem como audincias dos canais de

    Neto, os fs assumem que podem estar juntos a

    outros fs, alm de poderem fazer parte da dis-

    cusso e da performance, como tambm expres-

  • 81

    sarem opinies sobre as temticas, mesmo que

    tais pontos de vista muitas vezes deixem de ser

    dos fs de Neto e se apresentem como coment-

    rios de anti-fs pessoas que esto ali justamen-

    te para discordarem e gerarem dissenso entre os

    membros , o que repercute em uma conversao

    interna entre os falantes e menos em falas direcio-

    nadas diretamente a Felipe Neto que tematizam

    sua performance ou os assuntos expostos por ele.

    Refletir sobre audincias como comunidades

    interpretativas e comunidades de interesses no

    YouTube considerar, ento, que ns, enquanto

    usurios, estamos aptos, ou melhor, que nos dis-

    pomos a ir de encontro a pessoas desconhecidas

    que partilham conosco o mesmo territrio e que

    se submetem, ainda que posteriormente possam

    transgredi-la, lei do meio (MAFFESOLI, 1998)

    que, no nosso caso, pode ser compreendida como

    o modus operandi do YouTube, com suas polticas

    de privacidade e ordenamento particular.

    REFERNCIAS

    ARRUDA, Byanka da Silva et al. A exposio do jovem na internet: um estudo sobre o caso Felipe Neto. Biblioteca online de Cincias da Comunica-o (BOCC), 2011. Disponvel em: . Acesso em: 11 jan. 2012.

    BAILN, Amparo Huertas. Pero qu quiere de-cir audiencia activa? In: BAILN, Amparo Huer-tas. La audiencia investigada. Barcelona: Gedisa, 2002. p. 167-190.

    BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurana no mundo atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.

    BECHELLONI, Giovanni. Audincia: uma abordagem sociolgica da comunicao. In: Comunicao & Educao, So Paulo, v. 17, p. 61-67, jan./abr. 2000.

    CONTROLE REMOTO. Voltamos a apresentar... 07 dez. 2010. Disponvel em: . Acesso em: 19 jun. 2012.

    DE LA GARDE, Roger. As manifestaes p-blicas da audincia. In: MATRIZes, So Paulo, v. 4, n. 1, p. 193-202, jul./dez. 2010.

    LINDLOF, Thomas R. Media Audiences as Inter-pretative Communities. In: ANDERSON, J. (Ed.). Communication Yearbook 11. Newbury Park: Sage, 1988. p. 81-107.

    MAFFESOLI, Michel. No fundo das aparncias. Petrpolis, RJ: Vozes, 1996.

    _______________. A Comunidade Emo-cional (Argumentos de uma pesquisa). In: MAFFESOLI, Michel. O tempo das tribos: o de-clnio do individualismo nas sociedades de mas-sa. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 1998. p. 13-43.

    GMEZ, Guillermo Orozco. Estar como audien-cia y ser audiencia en el siglo XXI: desafos de la participacin en las interacciones con las pan-tallas. 15 fevereiro 2011. Disponvel em: . Acesso em: 13 set. 2012.

    GMEZ, Guillermo Orozco. Audiencias siempre audiencias? El ser y el estar en la sociedad de la comunicacin. Memorias del XXII Encuentro Na-cional AMIC, Mxico, 2010. Disponvel em: . Acesso em: 02 out. 2012.

  • 82

    GMEZ, Guillermo Orozco. Medios, audiencias y mediaciones. In: Comunicar, Andaluca (Esp-nha), v. 5, n. 8, p. 1-6, mar. 1997.

    RUTOLO, Antnio Carlos. Audincia e Recep-o: perspectivas. In: Comunicao e Sociedade, So Paulo, ed. 30, ano XVI, p. 150-163, 1998.

    OXFORD DICTIONARY. Avatar. In: OX-FORD DICTIONARY. 2012a. Disponvel em: . Acesso em: 19 jun. 2012.

    SALGADO, Tiago B. P. Experimenta-te a ti mesmo: Felipe Neto em performance no YouTube. 12 mar. 2013. 191f. Dissertao (Mestrado) Universida-de Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2013.

    WHITE, Roger A. Tendncias dos Estudos de Recepo. In: Comunicao & Educao, So Paulo, v. 13, n. 41, p. 41-66, set./dez. 1998.

    Notas sobre audincias, comunidades e fs nos canais de Felipe Neto no YouTubeTiago Barcelos Pereira Salgado

    Data do Envio: 04 de abril de 2013.Data do aceite: 03 de junho de 2013.