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1 REF. BIBLIOGRÁFICA: LUSTOSA, Isabel. "Notícias de Paris: a abdicação de Carlos X e o Brasil. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, n. 176 (466): 61-86, jan./mar. 2015. Notícias de Paris: a abdicação de Carlos X e o Brasil “E porque um acontecimento feito em 2000 léguas distante, em um povo estrangeiro, lá do Velho Mundo, tanto afeta certa gente?” O Brasileiro imparcial (26/10/1830, n. 87) RESUMO Artigo em que analiso a repercussão que teve no Brasil, a notícia da Revolução de Julho de 1830, na França; as comparações que os jornais brasileiros fizeram entre D. Pedro I e Carlos X, bem como as conseqüências desse debate. Através da imprensa, a oposição buscaria estabelecer semelhanças entre as condições objetivas que levaram àquela revolução européia e a realidade brasileira no sentido de forçar o Imperador a adotar atitudes politicamente mais liberais. A crise final do Primeiro Reinado foi acentuada pela disputa entre liberais de oposição mais ou menos radicais e liberais partidários de d. Pedro e pelo envolvimento direto de jornalistas nos conflitos de rua entre portugueses e brasileiros no Rio de Janeiro que acabaram culminando com a abdicação do Imperador em 7 de abril de 1831. 1. A imprensa do final do Primeiro Reinado A “História do Brasil” do comerciante inglês John Armitage, lançada em 1836, na Inglaterra, registra o impacto que a chegada da notícia da abdicação de Carlos X teve no Brasil. O autor que vivera no Rio de Janeiro entre 1828 e, possivelmente até 1836, diz ali que a novidade teve o efeito de um “choque elétrico”, informando que “muitos indivíduos no Rio, Baía, Pernambuco e São Paulo iluminaram suas casas por este motivo” (ARMITAGE, p. 281). Repercutida em vários livros e artigos pela historiografia produzida sobre o assunto, tal informação é o

Notícias de Paris: a abdicação de Carlos X e o Brasil · 1. A imprensa do final do Primeiro Reinado . A “História do Brasil” do comerciante inglês John Armitage, lançada

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REF. BIBLIOGRÁFICA: LUSTOSA, Isabel. "Notícias de Paris: a

abdicação de Carlos X e o Brasil. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico

Brasileiro, Rio de Janeiro, n. 176 (466): 61-86, jan./mar. 2015.

Notícias de Paris: a abdicação de Carlos X e o Brasil

“E porque um acontecimento feito em 2000 léguas distante, em um povo

estrangeiro, lá do Velho Mundo, tanto afeta certa gente?”

O Brasileiro imparcial (26/10/1830, n. 87)

RESUMO

Artigo em que analiso a repercussão que teve no Brasil, a notícia da

Revolução de Julho de 1830, na França; as comparações que os jornais brasileiros

fizeram entre D. Pedro I e Carlos X, bem como as conseqüências desse debate.

Através da imprensa, a oposição buscaria estabelecer semelhanças entre as condições

objetivas que levaram àquela revolução européia e a realidade brasileira no sentido de

forçar o Imperador a adotar atitudes politicamente mais liberais. A crise final do

Primeiro Reinado foi acentuada pela disputa entre liberais de oposição mais ou menos

radicais e liberais partidários de d. Pedro e pelo envolvimento direto de jornalistas nos

conflitos de rua entre portugueses e brasileiros no Rio de Janeiro que acabaram

culminando com a abdicação do Imperador em 7 de abril de 1831.

1. A imprensa do final do Primeiro Reinado

A “História do Brasil” do comerciante inglês John Armitage, lançada em

1836, na Inglaterra, registra o impacto que a chegada da notícia da abdicação de

Carlos X teve no Brasil. O autor que vivera no Rio de Janeiro entre 1828 e,

possivelmente até 1836, diz ali que a novidade teve o efeito de um “choque elétrico”,

informando que “muitos indivíduos no Rio, Baía, Pernambuco e São Paulo

iluminaram suas casas por este motivo” (ARMITAGE, p. 281). Repercutida em vários

livros e artigos pela historiografia produzida sobre o assunto, tal informação é o

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elemento que inspira este artigo. Conhecer o conteúdo e a intensidade dessas

manifestações e estabelecer a maneira como os fatos acontecidos na Europa foram

apreendidos e reelaborados pela imprensa brasileira, nos ajuda a entender como o

desfecho do reinado de d. Pedro I foi estimulado pela agenda internacional1.

Os jornais brasileiros do final de 1830, confirmam o que Armitage, historiador

de primeira hora, registrou: tão logo foi divulgada na Corte e nas províncias, a notícia

da Revolução de Julho na França, houve manifestações públicas de júbilo em vilas de

diferente pontos do Brasil. Ao Rio de Janeiro, capital do país, chegavam informações

de Pernambuco, da Bahia, de Minas Gerias, de São Paulo e do Rio Grande de Sul

dando conta da intensidade dos festejos. Jornais como o situacionista “Brasileiro

Imparcial” (26/10/1830, n. 87) informavam sobre a repercussão dizendo que “de

Pernambuco e Bahia nada nos participam de notável mais do que os exaltados

desenvolverem-se com as notícias recebidas da França”. Uma idéia do que foram as

comemorações ocorridas em várias localidades do país pode-se obter pela descrição

detalhada feita por alguém que se assina “Um rio-grandense”. Originalmente inserida

no “Constitucional Rio-Grandense” (jornal que se publicava no hoje estado do Rio

Grande do Sul) a carta foi reproduzida no jornal carioca “Ástrea” (11/12/1830, n.

649).

“Ontem, 15 de outubro, ao ocaso do sol, chegaram a esta vila algumas folhas

do Rio de Janeiro e da sua leitura fomos mimoseados da fausta e inesperada notícia de

haverem baqueado os tronos dos três tiranos, Carlos X, Fernando VII e Miguel2: é

superior a toda a expressão o extraordinário prazer que produziu tão salutar notícia.

Os cidadãos avidamente corriam à casa uns dos outros a congratularem-se com

transportes de nímio júbilo. Ao anoitecer foi geral a rápida e espontânea iluminação;

repiques de sinos se ouviram em todos os templos; imensidade de fogo no ar se

lançava a porfia por todos os pontos da vila. Não satisfeitos com isto extasiados se

dirigiram à casa do Juiz de Paz, donde saíram acompanhados do mesmo e de uma

1 A Revolução de 1830, na França, ocorrida entre os dias 27, 28 e 29 de julho, derrubara do trono Carlos X e elevara Luis Felipe d’Orleans. Revolução de caráter liberal, ela seria o estímulo para uma série de movimentos que agitariam a Europa numa verdadeira onda liberal que marcaria o fim do período conhecido como Restauração. Naturalmente que, tal como no Brasil, os processos revolucionários da Bélgica, Polônia, Grécia e Itália tiveram razões e trajetórias próprias, servindo a revolução liberal da França como estimulo e também base de apoio aos liberais daqueles países. V. APRILE, CARON & FUREIX; CHURCH e VIGIER. 2 Informação equivocada, nem o rei de Espanha, Fernando VII nem o de Portugal, D. Miguel tinham sido depostos.

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banda de música a cantar pelas ruas da vila um hino cujas letras foram improvisadas

pelo patriota Francisco Xavier Ferreira. Durante o trajeto milhares de vivas se deram

à liberdade do universo; aos homens livres de toda a parte; à liberdade da Europa; à

da península; à rainha Maria II; aos atletas da liberdade do Brasil; à sua Constituição

e aos seus representantes. À vista disto, Sr. Redator fica patente que cidadãos que

sabem apreciar em grau tão elevado o triunfo da liberdade no Velho Mundo, melhor

apreciarão a do seu solo e darão a ultima gota de sangue para defenderem o sistema

que felizmente nos rege.”

Em Pernambuco, o ultra-conservador “O Cruzeiro” (08/10/1830, n. 125)

denunciava: “É público que alguns súditos do rei da França Carlos X, iluminaram

suas casa e que pretendem dar um baile ou coisa que o valha pela notícia da revolução

francesa.” De fato, tão logo a novidade chegou ao Recife, o próprio cônsul da França

fizera hastear a bandeira tricolor no teto de sua casa, o que provocaria a revolta do

redator do “O Cruzeiro” (11/10/1830, n. 127): “Saltar aos ares uma bandeira que

serviu em revolta para despojar do trono um monarca legitimo e aliado do Brasil é dar

asas a que nossos partidistas republicanos, aproveitando a senha, tentem levantar a

Bandeira Equatorea3 e tragam de novo a nossos campos os estragos da anarquia.”

Mas foram os festejos que se fizeram em São Paulo que tiveram as

conseqüências mais dramáticas. No dia 5 de outubro, a notícia chegara ali pelo porto

de Santos. Várias casas da cidade se iluminaram e os estudantes da Faculdade de

Direito seguiram a banda de música do batalhão que costumava percorrer as ruas às 8

horas da noite, gritando vivas e fazendo grande algazarra. Considerando aquelas

manifestações subversivas, o Ouvidor da Vila de São Paulo, Cândido Ladislau

Japiaçu, determinou a prisão dos estudantes. A repressão promovida pelo ouvidor

repercutiu no Rio de Janeiro e teve no jornal do italiano estabelecido em São Paulo,

Libero Badaró, o Observador Constitucional, seu mais contundente crítico. Em meio

ao debate que tomou conta da imprensa sobre a legalidade ou não da manifestação

estudantil, Libero Badaró foi morto em uma emboscada (21 de novembro de 1830)

supostamente a mando de Japiaçu. A morte de Badaró contribuiu para excitar ainda

3 Referencia à bandeira da Confederação do Equador, movimento iniciado em Pernambuco, no começo de 1824 e logo expandido para outras províncias do Nordeste brasileiro. O elemento detonador da Revolução foi a dissolução da Constituinte de 1823 com a subseqüente outorga de uma Carta Constitucional pelo Imperador, em 1824, mas sua origem era mesmo o espírito federalista que sempre marcou os radicais pernambucanos e que seria simbolizado pelo padre, jornalista e líder político pernambucano, Frei Caneca. V. MOREL, CABRAL.

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mais a oposição dos liberais a d. Pedro. Em São Paulo seriam longas e populosas as

manifestações de pesar pela morte do jornalista. Elas se repetiriam, quase como uma

forma de protesto, em várias vilas do interior de Minas Gerais, durante a longa

viagem que o Imperador fez àquela província entre dezembro de 1830 e fevereiro de

1831.

2. Quais eram os jornais

Pouco tempo depois da chegada da notícia da Revolução de Julho no Rio de

Janeiro, os jornais anunciavam que já estava em preparo “uma pequeno brochura”,

intitulada “História da revolução francesa em 1830”. Segundo os anúncios, o livro

conteria “a descrição de todo o acontecido naqueles poucos dias em que uma chama

elétrica se comunicou por toda a França a unânime vontade de vingar a carta

constitucional claramente ultrajada” (Astréa, n. 624, 09/10/1830). O total arrecadado

com a venda das assinaturas seria remetido a Paris para ser entregue no escritório do

jornal “Le Constitutionnel”, a fim de ser distribuído entre as famílias “cujos pais,

filhos e irmãos pereceram combatente gloriosamente pela Liberdade.”

O responsável pela publicação da prometida brochura era o livreiro e editor

francês estabelecido no Rio de Janeiro desde 1824, Émile Seignor Plancher, sob a

proteção do Imperador4. Plancher, um liberal bonapartista que viera da França

temendo o endurecimento do regime com a subida ao trono de Carlos X, era também

o editor do “Jornal do Comércio”, folha surgida em 1827, que se pretendia neutra,

dedicada principalmente a boletins e informações comerciais mas que, eventualmente,

quando levada a se posicionar, apoiava o Imperador. Politicamente, o “Jornal do

Comércio” formava, ao lado do “Diário Fluminense”5, publicação semi-oficial que,

mudando de nome, vinha, desde 1808, liderando os jornais situacionistas.

4 O perfil mais completo de Plancher e de sua atuação no Brasil foi traçado por Marco Morel. V MOREL, pp. 25/60. 5 “Diário Fluminense”, que circulou de 1824 a 1831, foi o nome que tomou o jornal “Diário do Governo” (1823 a 1824) que, por sua vez, era originalmente a “Gazeta do Rio de Janeiro”, primeiro jornal impresso no Brasil e que circulou com este nome entre 1808 e 1822. Depois da Abdicação (1831) o “Diário Fluminense” voltou a se chamar “Diário do Governo”.

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O fato de um liberal como Plancher se aliar ao Imperador, sendo mesmo alvo

de críticas de outros liberais6, demonstra o quanto a situação brasileira tinha de

específico e de contraditório. Para muitos europeus liberais e ilustrados, d. Pedro era a

melhor opção que havia no cenário brasileiro7. Na visão destes, o voluntarismo e

mesmo as atitudes autoritárias do imperador, não anulavam o esforço associado ao

processo da Independência do Brasil, à concessão da Carta e ao estabelecimento de

um regime baseado na divisão de poderes.

D. Pedro combateria os adversários que o acusavam de ser pouco liberal pela

afirmação constante de seu constitucionalismo e do seu compromisso com a Carta que

ele mesmo havia outorgado. Sua posição era ainda reforçada pela batalha que se

travava em Portugal entre liberais e absolutistas. O partido dos que defendiam os

direitos de d. Maria II, em virtude da Carta Constitucional outorgada por d. Pedro

aquele país, ainda em 1826, tinha no Imperador do Brasil, pai e tutor da rainha que

tinha 7 anos de idade, sua última esperança de reverter a situação portuguesa8. De

modo que a afirmação do constitucionalismo de d. Pedro na imprensa, tinha uma

dupla função. No Brasil, dar como fantasiosas as acusações que lhe faziam os liberais

de ser infiel ao que prescrevia a Carta Constitucional e, na Europa, defender os

direitos de D. Maria II ao Trono Português, afirmando a proposta liberal que deveria

orientar seu reinado.

Assim é que um dos jornais favoráveis ao Imperador, o “Brasileiro Imparcial”,

analisando as perspectivas que se abriam com a Revolução de Julho, dizia que, ao

6 Plancher seria duramente atacado pelos radicais e também por outro jornalista francês Pierre Chapuis que, pela criticas feitas na imprensa ao tratado de reconhecimento da Independência assinado com Portugal, acabou expulso do Brasil por D. Pedro I, em 1826. (MOREL, pp. 34/35) 7 Quando se estabelecesse na França, a partir de agosto de 1831, d. Pedro receberia o apoio incondicional de dois intelectuais franceses que tiveram suas trajetórias ligadas ao Brasil: Ferdinand Denis (1798/1890) e Eugène de Monglave (1796/1873). 8 A crise portuguesa teve início com a morte de D. João VI em março de 1826, seguida da Aclamação de d. Pedro I do Brasil como D. Pedro IV de Portugal e de sua Abdicação em nome da filha mais velha, Maria da Gloria, então com 7 anos de idade. Antes de abdicar do trono português, D. Pedro outorgou uma Carta Constitucional ao país. Através de intensa ação diplomática, ele negociou na Europa o casamento da filha com o tio D. Miguel, irmão mais novo de d. Pedro e pretendente da coroa portuguesa. Em fevereiro de 1828, d. Miguel que se encontrava na Áustria retornou a Lisboa como Regente nomeado por d. Pedro mas, em pouco tempo um movimento liderado por sua mãe, Carlota Joaquina, o faria aclamar rei absoluto. Uma série de confrontos entre liberais e absolutistas agitariam Portugal, culminando com a guerra iniciado por d. Pedro a partir da cidade do Porto, em 1832 e que terminou em 1834 com a vitória dos liberais e a subida de d. Maria II ao trono. Sobre essa guerra há vasta bibliografia. A obra mais recente é a biografia de D. Miguel (LOUSADA & MELLO FERREIRA) mas o empolgante relato de Oliveira Martins do que foi o miguelismo e da campanha liderada por d. Pedro para a reconquista do trono português, também incluído na bibliografia, continua a ser a obra mais interessante sobre o assunto.

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tornar a por em vigor a Carta Constitucional, a França poderia beneficiar muitas

nações, como Portugal e o Brasil. E continuava: “Todos sabem que a usurpação de d.

Miguel é devida à cavilosa política do gabinete inglês, influente e influído, pelos

gabinetes apostólicos de França, Áustria e Espanha.” Assim, sendo, acredita o redator

que, diante da nova realidade, Brasil e Portugal, duas monarquias constitucionais,

seriam aliados naturais da França, de Luis Felipe. “O Imparcial” indagava otimista:

seria o novo governo francês capaz de “restabelecer em Portugal, rainha e Carta sem

obstáculo da política britânica, austríaca ou espanhola?” (02/10/1830, n. 80).

O redator do “Brasileiro Imparcial” ou simplesmente, “O Imparcial”, era o

negociante português Joaquim José da Silva Maia. Maia tinha vivido na Bahia por 26

anos e durante a guerra da independência naquela província publicou dois jornais:

Semanário Cívico (1821-23) e A Sentinela Bahiense (1823)9. Apesar de

constitucionalista e liberal, Maia, entusiasta das Cortes de Lisboa, foi um

intransigente defensor não só da união, como também do restabelecimento de uma

relação privilegiada de comércio entre Brasil e Portugal10. Com a derrota de

Madeira11, acompanhou as tropas portuguesas ao Maranhão e de lá voltou a Portugal,

se instalando na cidade do Porto onde passou a redigir O Imparcial (1826-28),

defendendo a Constituição e dando combate aos absolutistas que sustentavam os

direitos de d. Miguel ao trono. Depois da volta de d. Miguel a Lisboa e de sua

aclamação como rei de Portugal, teve início intensa e violenta perseguição aos

liberais.

Maia retornou ao Brasil no final de 1829, estabelecendo-se no Rio de Janeiro,

onde passou a publicar, a partir de 2 de janeiro de 1830, “O Brasileiro Imparcial”. Seu

jornal circulava duas vezes por semana, às terças-feiras e aos sábados e teve um total

de 104 edições com quatro páginas cada. A epígrafe era a mesma que Silva Maia

adotara para a edição o “Imparcial” que publicara no Porto: “Longe de servir a este ou

aquele partido, falando-lhe a linguagem das paixões, falarei a todos a linguagem da

9 Sobre o “Semanário Cívico” e as próprias contradições que marcavam o ambiente político da guerra da Independência na Bahia, ver o livro de Maria Beatriz Nizza da Silva, inclusivo na bibliografia. 10 O tema da recolonização que visões como a de Silva Maia traziam embutido, seria um fantasma a ser agitado pelos liberais brasileiros tanto no processo da independência, entre 1821 e 1822, quanto na crise que levou à abdicação, entre 1830 e 1831. 11 Questões relacionadas à história local mas também à rivalidade entre brasileiros e portugueses (que marcariam as relações desses dois grupos em várias províncias durante o Primeiro Reinado), fizeram com que uma guerra que causou centenas de mortes se prolongasse até 2 de julho de 1823, quando as tropas brasileiras venceram e a Independência do Brasil foi finalmente proclamada na Bahia.

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razão” (PEREIRA, p. 4). Maia faria a defesa de D. Pedro e de seu reinado contra os

jornais da oposição e também usaria as páginas do jornal brasileiro também para dar

combate a D. Miguel. Ele morreu em fevereiro de 1831, em plena crise que levaria à

Abdicação do imperador, quando o “Brasileiro Imparcial” deixou de circular.

Ao lado de Silva Maia e formando entre os que defenderiam D. Pedro até o

final, destaca-se outro jornalista europeu, o francês Henri Plasson. Responsável pela

publicação do “Moderador”, Plasson fora nomeado cônsul de seu país na Bahia em

1816. Era amigo da família de Ferdinand Denis12 e quando este resolvera tentar a

sorte no Brasil, depois de alguns meses no Rio de Janeiro, foi contratado como

secretário por Plasson, com quem dividiu casa na Cidade Alta, em Salvador. Depois

de ter abandonado o posto consular para se dedicar ao comércio, Plasson se distinguiu

na guerra da independência da Bahia, lutando contra os portugueses sob o comando

de outro francês, o General Labatut, tendo alcançado a patente de coronel. Em

seguida, Plasson veio para o Rio de Janeiro e Maria Graham fala da boa impressão

que teve dele quando o francês acompanhou-a em visita ao Museu Nacional, em

agosto de 1823 (GRAHAM, p. 304).

No Rio de Janeiro, deve ter dado continuidade às suas atividades como

comerciante pois só começaria a publicar um jornal, em 1828: “Le Courrier du

Brésil” “feuille politique, commerciale et litteraire” que circulou até março de 1830.

A partir de abril de 1830, o jornal de Plasson passa a ser publicado em português com

o nome de “O Moderador” usando, a princípio como complemento do título a

referência ao antigo jornal: “Novo Correio do Brasil”. Até 2 de abril de 1831, quando

deixou de circular, foram publicados 88 números do “Moderador”. A Abdicação de

d. Pedro no dia 7, marcou não só o fim do jornal como da vida de Plasson no Brasil.

Ele acompanhou o Imperador em sua retirada para a Europa, redigindo a bordo do

Volage, junto com ele, o documento com que devia ser divulgada ao mundo sua

versão dos fatos. (SOUSA, p. 145).

Possivelmente para continuar a atender à clientela francesa, em setembro de

1829, Plasson lançou a Revue Brésilienne ou Recueil de Morceaux Originaux sur les

Affaires Intérieures de l’Empire, la Politique et sur la Statistique Locale, Imitations

12 Jean- Ferdinand Denis (1798/1890) esteve no Brasil entre 1816 e 1821, viajando por várias provincias. Na Europa, publicou diversas obras sobre o Brasil e a America Latina sendo considerado um precursos dos estudos sobre a literatura brasileira. Foi editor da “Revue de deux mondes” e diretor da Bilioteca Sainte-Genevieve, em Paris onde estão guardados seus arquivos.

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ou Pièces originales de Littérature, Sciences et Arts - “Par les Redacteurs du

Moderador”. Apesar do título, não aparece em nenhuma de suas 75 páginas qualquer

texto sobre artes e/ou ciências, dedicando-se mais a refletir sobre temas da vida

política internacional, publicando inclusive de forma favorável a notícia da Revolução

de Julho, na França, a que chama “os três dias memoráveis” e analisando suas

possíveis conseqüências (VIANNA, p. 163 ).

No período aqui analisado, entre 1830 e 1831, certamente foram “O Brasileiro

Imparcial” e o “Moderador”, os mais combativos e ardentes defensores de d. Pedro I e

de seu reinado. Ao lado deles, formavam outros aliados eventuais como o

“Verdadeiro Patriota” que surge em outubro de 1830, adotando um tom bastante

agressivo contra os jornais de oposição. Cabe ainda incluir aqui, pelo caráter

destoante, o único jornal brasileiro a se manifestar claramente contra a Revolução de

1830 na França e em defesa dos direitos legítimos de Carlos X ao trono: “O

Cruzeiro”. Era publicado pelo padre Francisco Ferreira Barreto, atuante membro da

ordem secreta “Colunas do trono”13, apelidado por seu principal adversário na

imprensa pernambucana, o também padre Lopes Gama, como “padre forca” 14 pois

pretenderia enforcar republicanos “a seu bel-prazer”. Lopes Gama também chamava

o jornal do adversário de “oráculo dos taberneiros miguelistas” numa referência tanto

à origem de seus leitores, a comunidade comercial portuguesa, quanto à sua

predileção por D. Miguel em detrimento de D. Maria da Glória. Desde 1828, “os

colunas” gozavam de grande influência em Pernambuco e sua organização tinha por

meta fazer o imperador governar “sem o trambolho”, ou seja sem a Constituição.

Mas a imprensa que faria oposição a D. Pedro e aos seus ministérios era muito

mais ativa e disseminada. Se, durante o período que vai do fechamento da

Constituinte, em novembro de 1823, até a retomada dos trabalhos legislativos em

maio de 1826, ela fora reduzira a poucos jornais, a inauguração dos trabalhos

parlamentares marcaria o renascimento da imprensa liberal. Em 1826 surgiu a

“Astréa”; em dezembro do ano seguinte, a “Aurora Fluminense” e, em 1828, a “Nova

Luz Brasileira”. Em 1829, apareceriam o “Repúblico” e o “Tribuno” e em 1830, viria

13 No final do primeiro reinado, entre 1829 e 1831, ação de adeptos do absolutismo identificados como “Colunas do trono” foram registradas no Nordeste, entre o interior do Ceará e de Pernambuco. Proibidas aquelas manifestações pelo governo, restaram, no entanto, vários absolutistas assumidos com forte atuação na vida política pernambucana. “O Cruzeiro” era um dos principais porta-vozes dos “colunas”. (FELDMAN, p. 88) 14 Evaristo da Veiga chamaria assim o redator de “O Cruzeiro”, alegando que o apelido era bem conhecido em Recife. Aurora Fluminense, n. 422, 10.12.1830.

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juntar-se a eles o “Voz da Liberdade”, publicada pelo Major Miguel Frias e

Vasconcelos.

Os redatores dos periódicos mais radicais, Ezequiel Correa dos Santos, da

“Nova Luz”, Francisco Chagas de Oliveira Franca, do “Tribuno” e Antonio Borges

da Fonseca, do “Republico”, eram personagens de origem mais modesta do que os

confrades. Oriundos das camadas médias urbanas, todos nascidos no Brasil e sem

chance de serem eleitos para o parlamento em um sistema de voto censitário, sua

atividade apontava no sentido da democratização da vida política e no combate aos

privilégios dos portugueses que ainda eram muito influentes no Brasil. (BASILE,

22/23)

No entanto, o mais importante dos jornais de oposição foi mesmo a “Aurora

Fluminense”, publicada pelo livreiro e depois deputado, Evaristo da Veiga. Apesar de

seu aguerrido e constante combate ao governo, a “Aurora” representava o pensamento

liberal moderado, pois não lutava nem por república nem por federação como alguns

dos jornais ditos “exaltados”. Buscava, segundo dizia em seus editoriais, a efetiva

implementação da Carta Constitucional de 1824, o que, a seu ver o governo não fazia.

A “Aurora” não se confundia com os radicais federalistas e republicanos (Repúblico,

Voz, Luz) com os quais, aliás, também travaria alguns embates. Em 9 de dezembro de

1829, o redator declarava: Nada de jacobinismos de qualquer cor que ele seja. Nada

de excessos. A linha está traçada - é a da Constituição. Tornar prática a Constituição

que existe sobre o papel deve ser o esforço dos liberais.

Exemplar do espírito de moderação que orientava o jornalismo de Evaristo da

Veiga são algumas de suas observações sobre a Revolução de Julho. A “Aurora

Fluminense” destacaria como seu aspecto mais positivo, o caráter moderado e o

respeito que os vencedores tiveram pelos direitos dos vencidos. Aqueles que “agora

acabam de salvar a França”, segundo o jornal, não o tinham feito “pelos meios que

Robespierre empregou: seguiram antes o caminho da moderação com energia”.

Fazendo uma crítica aos radicais da imprensa brasileira, o jornal menciona Benjamin

Constant, Guizot, Lafite e Lafayete, “homens ilustres que têm aqui merecido de certos

pseudo-patriotas o epíteto de capoeiras e jesuítas” (AF, 27.09.1830, n. 392).

Segundo Evaristo da Veiga, “vanguarda da Santa Aliança”, o governo dos

Bourbon tinha sucumbindo “aos golpes da opinião ilustrada”, sem que a vitória

tivesse “sido manchada com excessos” e o resultado fora a vitória dos “homens da

moderação, da razão, da moralidade pública”. (AF, 08/10/1830, n. 397). Dez dias

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depois o mesmo jornal, registrava que na França continuavam a serem publicados

jornais tradicionalmente identificados com o Absolutismo e o Legitimismo como a

“Gazette de France” e a “Quotidienne”. Este seria, na visão de Evaristo da Veiga, o

melhor elogio que se podia fazer aos liberais e a prova de que a revolução estava mais

segura do que imaginavam “alguns dos nossos áulicos”. (AF, 18/10/1830, n 401)

Com a notícia da revolução na França, os liberais brasileiros alimentaram a

expectativa de que, a partir dali, por influência do ambiente internacional, o governo

adotasse atitudes menos autocráticas, reaproximando-se da Câmara dos Deputados.

Por isto as noticias de contágio da revolução em outras cortes européias eram

saudadas com grande entusiasmo. Na opinião da “Aurora”, certamente o processo

haveria de atingir outros países da Europa: “As duas penínsulas, Ibérica e Italiana não

deixarão de aproveitar o momento” (AF, 22/09/1830, n 390). O “Repúblico”,

(27/11/1830, n.17), informava que “a lava que assolou a tirania em França há

estendido a toda a Europa e vai caminhando aos confins do velho mundo”.

O entusiasmo dos jornais governistas pela Revolução de Julho na França, no

entanto, iria se atenuando na medida em que aumentava o esforço dos jornais de

oposição para identificar d. Pedro com Carlos X. Já em seu numero 86 (23/10/1830),

o “Imparcial” lembrava que aquela, decerto, não seria a última vez que se veria Paris

envolvida em tais tumultos, “outros aparecerão, apesar da sabedoria do povo francês.

São conseqüências necessárias de uma revolução.” No número seguinte, 87

(26/10/1830), afirma que não lhe impressionavam “esses sucessos da França,

enquanto não virmos solidamente estabelecida a Carta e todos os franceses com o

mesmo pensar”.

Parte 3: A lição e as comparações

“Acontece que a escola da experiência em que todos os homens aprendem

parece estar fechada para os reis.” (Aurora Fluminense, 27/09/1830, n 392)

O caráter pedagógico da Revolução de 1830 seria exaustivamente trabalhado

pela imprensa brasileira de oposição ao Imperador. O ambiente seria dominado pelas

tentativas de apropriação do episódio francês para moldar a nossa realidade, tanto

através de comparações quanto de exortações aos brasileiros para seguirem o exemplo

dos franceses. A lição do que se passara na França servia a todo os reis, que deveriam

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aprender com a má experiência de Carlos X. Em seus artigos, ao identificarem quais

teriam sido os erros do rei da França, os jornalistas aproveitavam para afirmar a

orientação política que deveria ser dada aos governos modernos, em geral e ao

brasileiro, em particular. São muitas as citações do gênero publicadas nos jornais.

“Esta recente revolução da França é uma lição de primeira ordem para os

príncipes que houverem sido dotados de algum senso e que observarem quanto é hoje

impossível governar pelo moto próprio e ciência certa, quanto é necessário, até por

política e por desejo da própria conservação, ir de acordo com a ilustração do século.”

(AF, 29/09/1830, n. 392)

“Exemplo, governantes, não desprezeis as lições do presente assim como

fizestes às do passado se não quereis um futuro desastroso!” (Astréa, 25/09/1830, n,

618)

A lição deveria servir aos reis mas também aos povos. A partir do que

acontecera na França, diz o “Pregoeiro”, os povos “aprenderão agora o quanto vale

um poder absoluto nas mãos de um homem chamado rei, conhecerão que a

Constituição é a única mordaça que pode conter esses tigres; eles verão que um rei

nada é sem povo e que este, pelo contrário, é sempre o soberano.” (“Pregoeiro

Constitucional”, 13/11/1830, n. 20) Afirma a “Voz Fluminense” (14/11/1830, n. 122)

que: “o que fez o povo francês é o que devem fazer todos os povos do universo em

idênticas circunstancias.” A “Nova Luz Brasileira” (19/10/1830, n. 86)) lamenta “a

tenaz cegueira dos povos que não tratam de se fazerem sempre temidos, e ainda

acreditam na repentina conversão de maus reis, que só mudam para bons

fingidamente enquanto são a isso arrastados por força maior.”

Se a lição servia ao povo em geral, devia servir particularmente ao povo

brasileiro. Ao explicar as razões porque os brasileiros deveriam aprender com o que

se passava na Europa abria-se espaço para as críticas ao governo. A lição dada pelos

franceses deveria ser aproveitada pelos brasileiros pois, como diz a “Luz”: “O povo

brasileiro, que é tão fácil de se iludir e contentar, e que já dormia a sono solto depois

da Revolução Francesa, deve-se agora despertar e por bem alerta na certeza de que

não dorme a tirania; e nada está feito, quando alguma coisa resta por fazer. Não viu o

Brasil o que fez na França de hoje a reiunada bourbonica, depois de vinte cinco anos

de lição mestra?” (“Nova Luz Brasileira”, 07/10/1830, n.100)

Mas, o principal alvo dessa campanha pedagógica era mesmo o Imperador.

Alguns jornalistas recomendavam de forma direta a D. Pedro que aprendesse com a

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experiência de Carlos X. Enumeravam-se então, os motivos para quais d. Pedro

deveria atentar para que não lhe acontecesse o que acontecera com o rei da França. O

que acontecera a Carlos X, alerta a “Aurora Fluminense” (AF, 27/09/1830, n. 392)

“acontece a todo aquele monarca que, traindo os seus juramentos, tenta destruir as

instituições livres de seu país”. A “Luz” (05/11/1830, n. 91) era explicita ao dizer que

“não é somente o povo que deve tirar proveito do que se vai descobrindo lá na França;

S. M. I. e C. [Sua Majestade Imperial e Constitucional] deve também meditar nesses

sucessos, a fim de que evite o comprometimento de seu nome (...)”

Outro aspecto que deveria servir de lição a d. Pedro era o destino dos reis que

davam ouvidos aos maus conselheiros: “Tal há de ser sempre a sorte daqueles

monarcas que entregarem o leme da Nau do estado nas mãos de pérfidos

conselheiros”, (“Astro de Minas”, 30/09/1830, n. 447). O “gabinete secreto” e em

especial, o Chalaça15, eram os alvos dessas comparações. Sem citar diretamente d.

Pedro, o “Republico” (16/10/1830, n. 05) lembrava que o monarca “deve convencer-

se que se continua a escutar aos homens indigitados pela opinião pública como

perversos, fica perdido: por escutar a uns outros ficou perdido Carlos X.” De forma

mais incisiva e direta, a “Nova Luz” (29/10/1830, n. 89) recomendava: “Senhor,

afastai de vosso lado os péssimos corações brasileiros e estrangeiros que vos arrastam

sobre o precipício em que os áulicos de França despenharam Carlos X.”

O debate travado entre defensores e opositores de d. Pedro pelos jornais

ensejava a produção de argumentos em que se estabeleciam diferenças entre as

circunstâncias dele e as de Carlos X e entre as circunstâncias do Brasil e as da França.

Um contraste enaltecendo d. Pedro I e depreciando Carlos X era feito tanto pelos que

lhe faziam oposição quanto pelos que o apoiavam. Os primeiros, exageravam

qualidades que não viam em d. Pedro, como uma forma de admoestação. Era neste

sentido que falava a oposicionista “Aurora Fluminense”:

15 Francisco Gomes da Silva (1791/1852), apelidado pelo próprio Imperador como “Chalaça”, do qual era intimo, fazendo-lhe as vezes de secretário e confidente, era um criado português do Paço que veio para o Brasil junto com a corte, em 1808. Tornou-se estreitamente ligado a D. Pedro depois da Independência (1822) e essa amizade foi causa de muitas críticas na imprensa, culminando com seu afastamento em 1830 quando, com uma pensão paga pelo Imperador, seguiu para a Europa. Ali, depois da Abdicação (1831) continuaria a servir a D. Pedro e à sua família. Redigiu junto com o amo as Constituições do Brasil e de Portugal. A expressão “gabinete secreto” foi cunhada pelo Marques de Barbacena, quando de sua demissão do ministério e ruptura com d. Pedro em meio a um escândalo que ganhou as paginas dos jornais. Referia-se Barbacena ao círculo de amigos íntimos do imperador, inclusive e principalmente ao Chalaça, cuja influência era tal que, muitas vezes se sobrepunha ao ministério. O fato desse grupo ser formado por portugueses contribuía para aprofundar os ressentimentos dos brasileiros contra o Imperador.

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“No Brasil não impera um Carlos X, possuído dos pulverulentos prejuízos

com que fora educado de idéias de direito divino e legitimidade: temos um príncipe

jovem cujo poder todo dimana da nação de quem é chefe e que abraçou com

entusiasmo as doutrinas do século a que pertence” (AF, 04/10/1830, n. 395)

As vezes a comparação era estabelecida por alusão. Em geral de caráter

malicioso como no comentário relativo à tentativa de Carlos X, em seu último gesto

ainda no trono, de reduzir o parlamento e reprimir a imprensa. A “Aurora

Fluminense” AF, 04/10/1830, n. 395) refere-se a ele como “um rei que talvez jurasse

continuamente que ninguém era mais constitucional que ele”. D. Pedro, quando

acusado de autocrático insistia na afirmação de seu constitucionalismo, dizendo

literalmente que era mais constitucional que qualquer outro.

Os jornais situacionistas procuravam demonstrar as diferenças entre a situação

dos monarcas de cá e de lá, ressaltando as qualidades superiores do nosso Imperador e

de seu reinado. Dizia o “Moderador” (13/10/1830, n. 43) sobre a sorte dos brasileiros

que seriam “mais feliz do que o franceses” porque “o caráter nobre de seu soberano o

põe a coberto de tão funestas comoções”. Procuravam também demonstrar que eram

absurdas as tentativas de comparar o rei deposto da França com o Imperador do

Brasil. “Que paralelo tem o governo do Brasil com o de França sob o reinado de

Carlos X? Não temos nós leis porque nos governamos; e um monarca constitucional

todo empenhado nos meios de nossa felicidade?”, indagava o “Brasileiro Imparcial”

(23/10/1830, n. 86). A mesma questão seria retomada no numero seguinte: “Que

analogia há com um monarca e seus ministros que calcaram aos pés os foros

nacionais com o Brasil, onde o soberano e os ministros são os primeiros em manter

aqueles foros? Em um monarca que muitos anos prófugo, cabalou e pegou em armas

contra a sua pátria, com o nosso Defensor perpétuo que se colocou à frente da

liberdade brasileira e que por ela pugnou, e nos deu Independência e Constituição16?”

(“Brasileiro Imparcial”, 26/10/1830, n. 87)

Em Recife, o legitimista “Cruzeiro” (n. 131, 15/10/1830), no melhor estilo da

imprensa de insultos atacaria adversário da imprensa liberal pernambucana, o padre

Lopes Gama, vociferando: “Faze certo aos teus confrades, vil mercenário, parricida

16 Defensor Perpétuo foi um titulo concedido pela câmara do Rio de Janeiro como homenagem a d. Pedro, ainda Príncipe Regente, por decisão de ficar no Brasil. D. Pedro o conservaria ainda depois da Abdicação. A referência a Carlos X, diz respeito às tentativas dos Bourbons de retomarem o poder depois da Revolução de 1789.

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baixo e desprezível que a Pedro 1o não sucederá o que sucedeu a Carlos X.” Outro

jornal situacionista, o “Verdadeiro Patriota” (14/12/1830, n. 15) também combate esse

tipo de comparação dizendo, ameaçador: “Miserável!! Pedro não é Carlos. O Brasil

não é França. Nesta um ministro governa o rei. No Brasil o imperador depõe os

ministros para satisfazer ao povo e à lei.”

A partir do restabelecimento da ordem constitucional, em 1826, os liberais

passaram a exigir, tanto no Parlamento quanto em seus jornais, uma mudança nos

rumos da política do governo que, desde o final de 1823, vinha sendo totalmente

controlada por D. Pedro I. Naturalmente que, durante essa campanha, a França,

governada pelo ultra legitimista Carlos X, não estimulava a que buscassem lá modelos

a serem adotados aqui, nem que se investisse em uma relação diplomática mais

estreita com aquela nação. Ao contrário, Evaristo da Veiga propunha que o Brasil

procurasse se aproximar de seus vizinhos da América para não seguir os exemplos da

“caduca Europa”. Por isso a mudança de atitude da “Aurora” e dos demais jornais de

oposição com relação à França seria ironizada pela imprensa que dava suporte ao

governo.

Numa clara alusão ao que antes vinha pregando a “Aurora Fluminense”, o

“Brasileiro Imparcial” (26/10/1830, n. 87) lembrava que, aqueles mesmos que “tantas

vezes têm dito que a América pertence a si mesma e que nenhum contato tem com os

governos e política da Europa” seriam agora os que tanto se interessam pelo que se

passa na França. Na mesma direção vinha o comentário do jornal pernambucano

legitimista “O Cruzeiro”, que criticaria os que antes desprezavam a “velha Europa” e

que agora, justamente quando a França se achava revolucionada, passaram a citá-la

como modelo.

“Quando na Europa passavam alguns fatos que iam de encontro às idéias

revolucionárias, a velha Europa de nada valia; a sua marcha devia ser olhada com

desprezo por um império cercado de repúblicas e povoado de homens livres. Hoje que

na França aparecem sucessos espantosos (...), insta-se e deseja-se que a França

inquieta se tome por modelo, quando a França em paz e tranqüila era detestada e não

digna de imitação.” (Cruzeiro, 11/10/1830, n. 127)

Os jornais situacionistas também se esforçariam por demonstrar as diferenças

entre as características do Brasil e as da França e como situação dos brasileiros em

nada se comparava à dos franceses. Acusando o redator da “Ástrea” de gritar “às

armas”, de querer “o quanto antes uma revolução”, o “Imparcial” (09/11/1830, n. 91)

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chamava a atenção para aspectos populacionais – especialmente o elevado percentual

de escravos – , para o atraso econômico e social da nação que recentemente deixara o

status colonial e mesmo para a precária estabilidade da ordem política do Brasil. “Ora,

com estes elementos heterogêneos, sem luzes, indústria, riqueza e comércio, quererem

persuadir-se que uma revolução possa ter os mesmos resultado que uma em França só

o pode conceber os mentecaptos e as atrabiliárias meninas Aurora, Astréa e seu fusco

amante o Repúblico.”

Referindo-se ao fato de que alguém na Câmara dos Deputados tinha ameaçado

o governo dando como exemplo o que acontecera na França, o “Moderador”

(06/11/1830, n. 50) afirma que não há a menor analogia entre as duas situações:

“entre o espírito, luzes, faculdades, recursos e posição do povo francês e do povo

brasileiro”. Apesar de acreditar que “nada, absolutamente nada de atemorizador tem

havido até o momento, em que se procura inquietar os espíritos, exaltar um mal

entendido patriotismo, sublevar massas para interesses de uns poucos”, os jornais que

falavam pelo Imperador se esforçariam por demonstrar a inviabilidade de se fazer

uma revolução semelhante à francesa no Brasil pois as conseqüências seriam bem

diversas. “O Moderador” sugere que o resultado de uma revolução entre nós estaria

mais próximo do que acontecera em S. Domingos do que em Paris.

“Depois de três dias de gloriosos combates na capital da França, cada um

voltou pacificamente para a sua loja, ou para a sua oficina. (...) Em S. Domingos

houve uma discussão sobre o direito do cidadão, recorreu-se às armas, S. Domingos

foi destruído!!17” (O Moderador, n. 50, 06/11/1830)

Outro elemento a distinguir a situação brasileira da francesa era a questão da

legitimidade. O “vil e desprezível principio de legitimidade” foi diretamente atacado

tanto pelos mais radicais quanto pelos mais moderados. Todos negavam qualquer

validade ao uso desse principio no ambiente político brasileiro, lembrando sempre

que d. Pedro era Imperador do Brasil “pela livre aclamação dos povos” tal como

constava na Carta Constitucional. A revolução do povo francês provara que “a

soberania reside essencialmente em a nação e que num país constitucional, o rei

nunca foi, não é e nem será soberano; e sim só é um simples magistrado”

(“Repúblico”, n. 17, 26/11/1831). O mesmo jornal, em seu numero 52, (02/04.1831),

17 O exemplo de S. Domingos era familiar aos brasileiros. Desde que começou o processo da Independência do Brasil muitos panfletos e jornais portugueses previam para o Brasil independente um futuro semelhante ao de S. Domingos. (LUSTOSA, p. )

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exalta o exemplo que acabara de nos dar “o generoso povo Frances, desentronizando

o tirano Carlos X, e pondo em seu lugar Luis-Felipe, “sem se prenderem com a

esturrada doutrina do direito divino, pelo qual os déspotas se dizem senhores desta ou

daquela porção do gênero humano que eles tiranizam. Será por ventura Luiz-Felipe

inda rei dos franceses pela graça de Deus?”

As contradições que marcavam liberais de um lado e de outro ficam evidentes

na crítica que a “Aurora Fluminense” (20/09/1830, n. 393) faz ao “Imparcial”. Ali ela

lembra que aquele jornal que combate a usurpação de D. Miguel e que luta pelo

estabelecimento da Carta outorgada por d. Pedro a Portugal, teria dito que “a França

estará hoje tranqüila, visto que se respeitam os princípios da Legitimidade”. O jornal

questiona que “legitimidade” seria esta em que “um povo resiste aos decretos do rei”,

o força a abdicar depois de violentos combates, onde “a bandeira nacional é mudada”

e onde não se sabe mesmo quem subirá ao trono, “se o pequeno duque de Bourdeaux,

se o hábil Orleans!”. A seu ver, a única legitimidade “razoável e justa é a vontade da

Nação”, tudo o mais seriam quimeras, “invenções da grande liga dos Reis para

oprimir a liberdade da Europa”. Na conclusão ainda indaga ao “Imparcial” “D.

Miguel, se tivesse por si o jus da primogenitura, tiranizaria legitimamente Portugal?18

Em Pernambuco, “O Cruzeiro”, lamentava que, na França, “a Legitimidade

seja postergada pelo povo para a desgraça do mesmo povo!”. Ao contrário dos demais

que fazem o elogio da revolução, augurando-lhe um futuro glorioso, o “Cruzeiro”

exaltava as virtudes dos reinados de Luis XVIII e Carlos X. Diz que a França estava

se desfazendo de um monarca “que com seu predecessor a livrou de uma enorme

dívida; pôs em andamento as suas fábricas; animou em todo os ramos a indústria

nacional; estabeleceu o melhor sistema de finanças; criou uma marinha respeitável e

até acabou de conseguir só uma conquista gloriosas que em vão empreenderam

nações coligadas!”. (“O Cruzeiro”, 11/10/1830, n. 127)

Parte 4 - Carlos X no Brasil

18 Essa mesma questão será colocada no ano seguinte, em Paris, pelo jornal legitimista “L’ami de la religion et de roi”, (p. 362) aos liberais franceses que deram integral apoio a d. Pedro em sua luta por seus “legítimos” direitos à coroa portuguesa: “la destinée de don Pédro serait aussi singulière que le rôle des libéraux qui s´attachent à sa fortune. En effet, il s´agit toujours pour eux de favoriser une entreprise qui a pour objet de faire prêvaloir son droit vrai ou prétendu de prince légitime sur la volonté nationale, sur le principe de la souveraineté du peuple.”

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O ódio dos mais radicais a Carlos X expresso nos jornais do Rio de Janeiro era

tão intenso que só podia ser a tradução mesmo do ódio contra os monarcas em geral,

muitas vezes chamados de “ladrões coroados”. A “Voz Fluminense” (14/11/1830, n.

122) considerava que “muita generosidade teve o povo francês em não o assassinar [a

Carlos X] como merecia” e indagava: “Quem diria ao ex-Carlos X que a 25 de julho

decretava como rei dos franceses e que a 3 de agosto seguinte era Carlos Capeto, e

estava banido de rei dos mesmos franceses?” Zombava-se do rei deposto,

comemorando a sua desgraça como na “Ástrea” (14/10/1830, n. 626) onde se dizia

que o “tonto” ex-Carlos X “lá anda pelas casas alheias, choromingando e pedindo

agasalho” e que o rei preferira “mendigar nos países estranhos a ser fiel a seus

juramentos!!!” A “Voz Fluminense” (14/11/1830, n. 123) em determinado momento

passa a chamá-lo de ”Carlos chis”, cujo “desígnios e procedimentos” teriam acabado

por torná-lo “Carlos cifra”. O pecado de Carlos X, segundo a “Repúblico” (n. 52,

02/04/1831) fora o fato de que as desgraças passadas não o tinham ensinado a regular

“sua conduta pela lei fundamental que seu finado irmão havia feito e ele mesmo havia

jurado”.

De boatos também ia se fazendo a revolução. Correu na imprensa do Rio de

Janeiro o boato em que se assegurava que Carlos X desejava vir se estabelecer no

Brasil19. Segundo a “Nova Luz” (05/10/1830, n. 83) , “o mais galante neste fato do

traidor jesuíta Carlos X ex-rei da França é a sua intenção de se refugiar na terra da

liberdade que já não existira sem ferros se tanto pudessem essas coroadas e despóticas

feras que tiranizam os povos debaixo do titulo de reis ou Herodes da Europa.”

O plano seria da Santa Aliança e com ele teriam colaborado os representantes

de d. Pedro na Europa que estariam associados a Meternich no projeto. O rei deposto

viria se estabelecer no Pará, “que é melhor clima para velhos” e, a partir de Caiena

tramaria para formar um reino “para os seus reiúnos e jesuítas que sirva na América

de estado-maior e quartel-general valente, ou manhoso e jesuítico maquiavélico dos

malvados reis do pandemônio ou santa aliança luciferina.” (“Nova Luz Brasileira”,

26/11/1830, n. 97)

19 O jornal Fígaro, de Paris, publicaria, em 26 de agosto de 1831, uma divertida sátira em que se descreve o que teria sido a viagem de Carlos X ao Brasil. Motivado pela recepção calorosa que d. Pedro recebera na França, o rei deposto daquele país, acreditando que mereceria igual tratamento dos brasileiros, deixa o exílio que lhe tinha sido oferecido na Escócia e embarca para Belém do Pará.

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A simples menção dessa possibilidade despertava nos radicais uma enxurrada

de ataques contra “Carlos Capeto”. “Longe de nós tal monstro. O Brasil inda está

muito novo para servir de asilo a tiranos e ladrões coroados. (...) Convém pois que os

brasileiros se acautelem; porque Carlos Capeto é o mau vivente, é uma víbora; melhor

seria animarmos em nosso seio uma cascavel.” (“Republico”, 01/12/1830, n. 18)

Era mais um boato que vinha se somar a outros. Pouco antes, quando se temia

que d. Pedro viesse a dar um golpe absolutista reformando a Constituição nesse

sentido, correra o boato de que havia um arranjo com a França para que viessem de lá

tropas afim de conter a revolução no Brasil. Os ânimos estavam exaltados naquele

final de 1830 e qualquer fagulha atearia fogo ao paiol de pólvora em que tinha se

tornado o ambiente político na Corte do Rio de Janeiro, como evidencia o comentário

do “Imparcial” (02/11/1830, n. 89):

“O espírito público tem estado estes dias em grande agitação; os tíbios temem

a cada instante que rebente uma revolução; os crédulos acreditam as mais absurdas

mentiras que, de propósito, sorrateiramente se fazem circular, como a de ocultos

planos, há pouco descobertos de S. M. I. haver contratado com o ex-rei de França,

Carlos X, enviar este um exército francês ao Brasil para apoiar o absolutismo (...).”

Conclusão

Se a queda de Carlos X na França não foi a principal causa do fim do reinado

de D. Pedro I, pode-se no entanto afirmar que o uso intensivo que a imprensa fez de

comparações entre a situação de um monarca e a do outro contribuiu para acirrar os

ânimos contrários ao Imperador e à sua forma de conduzir o governo. O

reconhecimento de que essa campanha alcançara seu objetivo seria oficialmente

registrado na proclamação que D. Pedro lançou em Ouro Preto, em 22 de fevereiro e

que foi divulgada na Corte no começo de março. Naquele documento, o Imperador

denunciava os que procuravam tirar partido do que acontecera na França para

revolucionar o Brasil.

“Existe um partido desorganizador que aproveitando-se das circunstancias

peculiares da França, pretende iludir-vos com invectivas contra a minha inviolável e

sagrada pessoa e contra o governo, afim de representar no Brasil cenas de horror,

cobrindo-o de luto”.

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A denúncia de que estava em curso um processo revolucionário que se valia

de comparações entre o Brasil e a França vinha sendo objeto de inúmeros artigos

publicados no “Brasileiro Imparcial” e no “Moderador”. Aqueles jornais indicavam a

“Aurora Fluminense”, a “Ástrea”, o “Republico”, a “Nova Luz Brasileira” e a “Voz

Fluminense” como os propagadores dessa associação de imagens voltada para a

subversão da ordem. Quando o documento de d. Pedro foi divulgado no Rio de

Janeiro, esses mesmos jornais reagiram com artigos ainda mais violentos acusando o

Imperador e seus conselheiros de estimularem a desobediência à Carta e ao

Parlamento.

Ao mal-estar estar provocado pela Proclamação de Minas veio se somar a

crise que marcou a volta de d. Pedro ao Rio de Janeiro em 11 de março de 1831. Os

embates entre portugueses e brasileiros nas noites de 13, 14 e 15 de março de 1831, a

chamada “Noite das garrafadas”, transformaram em luta campal os ataques que até

então tinham se limitado às páginas dos jornais. Uma divisão inconciliável se

estabelecera entre os que combatiam d. Pedro e os que o apoiavam, dentre os quais os

mais numerosos eram os membros da comunidade portuguesa estabelecida no Rio de

Janeiro. Do lado brasileiro, os mais radicais eram os republicanos e federalistas

liderados pelos redatores do “Republico” e do “Tribuno”. A casa de Evaristo da Veiga

foi atacada por portugueses que exigiam que ele pusesse luminárias pela chegada do

Imperador. Diante da violenta repressão que se seguiu a esses embates, um grupo de

deputados publicou documento protestando contra a parcialidade da polícia que teria

sido mais rigorosa contra os brasileiros.

A evolução dessa crise e a forma como ela espelhava o que acontecera na

França foi demonstrada ponto a ponto pelo “Moderador” (23/03/1831, n. 85). Ele

relaciona alguns “fatos imitativos” ocorridos no Brasil, como manifestações de

estudantes e conflitos de rua e que teriam seus pares nas agitações que marcaram os

chamados “três dias gloriosos” dos franceses. O ultimo dos “fatos imitativos” que

relaciona é o protesto dos deputados publicado na imprensa: “Em Paris, os deputados

reuniram-se, fizeram e assinaram um adresse com o número de 221; aqui alguns

deputados fizeram também o seu adresse...”

Esses fatos eram, a seu ver, indícios que confirmavam o que denunciara o

Imperador em sua proclamação. No Brasil, um partido desorganizador não somente se

aproveitava “das circunstancias puramente peculiares da França” e seguia “a senda

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marcada, pelas mesmas pegadas, apesar de nenhuma paridade e mesmo do mais

saliente contraste entre as circunstâncias de ambos os países.”

Não houve tempo para o “Moderador” incluir em sua lista o último e mais

importante “fato imitativo”. A 7 de abril de 1831, tal como acontecera com Carlos X,

na França, d. Pedro era levado a abdicar da coroa brasileira por se recusar a rever a

nomeação de ministério impopular que era pedida em manifestação massiva, reunindo

o povo e a tropa no centro do Rio de Janeiro. Apegava-se à Constituição que lhe

garantia o direito de escolher seus ministros e preferiu abdicar a ceder, partindo em

seguida para a Europa onde sua história iria se entrelaçar de forma definitiva à de

Portugal.

A pergunta que serve de epígrafe a este artigo foi colocada pelo “Brasileiro

Imparcial” (26/10/1830, n. 87) aos seus adversário na imprensa: “porque um

acontecimento, feito em 2000 léguas distante em um povo estrangeiro, lá do Velho

Mundo, tanto afetou esta gente?” Porque, me parece, ao insistirem no que acontecera

na França, os liberais da ex-colônia portuguesa reafirmavam, através de seus escritos,

o pertencimento à uma comunidade internacional baseadas nos ideais das Luzes e do

Progresso. Essa vontade de integração orientaria sempre o esforço das elites cultas

brasileiras no sentido de se manterem conectadas com o resto do mundo, sendo

abastecidas de informação e doutrinas a partir da circulação de impressos e,

especialmente, da multiplicação de jornais. Um acontecimento no Velho Mundo

movimentava até a vila mais remota do interior do Brasil se a noticia ali chegasse,

como chegaram as noticias da Revolução que acontecera no país para onde estavam

voltados todos os sonhos liberais desde 1789. País de onde a onda revolucionária

tomara conta do resto da Europa de 1830, alcançando até a antiga colônia portuguesa

na América. A Abdicação de D. Pedro I foi o produto final de um processo em que os

jornais brasileiros produziram uma paródia tropical do que acontecera na França

revolucionada.

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