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MONTAGEM 1 REVISTA MONTAGEM Ano 16 / N.16 – 2014 Noventa e Um anos de compromissos Sempre Renovados com a Educação.

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MONTAGEM 1

REVISTA

MONTAGEM

Ano 16 / N.16 – 2014

Noventa e Um anos de compromissosSempre Renovados com a Educação.

2 Revista do Centro Universitário Moura Lacerda

CENTRO UNIVERSITÁRIO MOURA LACERDA

REITOR

Ms. Denis Marcelo Lacerda dos Santos

PRÓ-REITORIA DE ASSUNTOS ACADÊMICOS

Prof. Dr. Glauco Eduardo Pereira Cortez

PRÓ-REITORIA DE ASSUNTOS ADMINISTRATIVOS

Profª Ms. Patrícia Andrade Silva

COORDENADORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

Profª. Ms. Flávia Meziara

COORDENADORIA DE EXTENSÃO E ASSUNTOS COMUNITÁRIOS

Profª. Ms. Flávia Meziara

COORDENADORIA DE GRADUAÇÃO

Profª. Dra. Lidia Teresa de Abreu Pires

COORDENADORIA DOS CURSOS SUPERIORES DE TECNOLOGIA

Prof. Ms. Adriano Litcanov

INSTITUIÇÃO MOURA LACERDA

DIRETOR SUPERINTENDENTE

Prof. Dr. Glauco Eduardo Pereira Cortez

DIRETOR ADMINISTRATIVO

Prof. Ms. Paulo Alencar Lapini

DIRETOR FINANCEIRO

Prof. Ms. José Jorge Abdulmassih Vessi

MONTAGEM 3

EDITORA

Maria Aparecida Junqueira Veiga Gaeta

COMISSÃO DE PUBLICAÇÕES

Anderson Salvador Romanello

Fernando Antonio de Mello

José Carlos Martins de Nóbrega

Lúcia Ferreira da Rosa Sobreira

Maria de Fátima S. C. G. de Mattos

Tárcia Regina da Silveira Dias

CONSELHO EDITORIAL

André Luis Avezum

Cláudio Pereira Bidurin

Darclet Terezinha Malerbo Souza

Fernando Antônio de Mello

Leda Maria Braga Jorge Ferraz

Paulo Alencar Lapini

CONSELHO CONSULTIVO

Anel Pérez - Universidade Autonoma Del Mexico

Cristiano Ferronato- Universidade Estadual do Vale do Acaraú-UVA-UNAVIDA-PB

Eliane Terezinha Peres – UFPel – Universidade Federal de Pelotas – RS

Elizete da Silva – UEFS – Universidade Estadual de Feira de Santana- BA

Ernesto Candeias Martins – Universidade Castelo Branco – Portugal

Fernando Antonio Freitas Senna - Centro Universitário de Vila Velha – ES

Flávia Silveira - Faculdade SENAC - Brasília- DF

José Rubens Jardilino – Universidade Federal de Ouro Preto - UFOP – MG

Marco Antonio Silveira – Universidade Federal de Ouro Preto - UFOP-MG

Maria Elena Pinheiro Maia – Faculdade de Itápolis - FACITA - Itápolis – SP

Maria Helena Câmara Bastos - Pontifícia Universidade do Rio Grande do Sul - PUC – RS

Maria Teresa Santos Cunha – Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC – SC

Rafael De Tilio – Universidade Federal do Triângulo Mineiro – UFTM - MG

Regina Helena Lima Caldana – Universidade de São Paulo - USP – SP

Renato Leite Marcondes – Universidade de São Paulo - USP C SP

Wenceslau Gonçalves Neto –Universidade Federal de Uberlândia - UFU – MG

Catalogação na fonte elaborada pela Bibliotecária Gina Botta Corrêa de Souza - CRB 8/7006

4 Revista do Centro Universitário Moura Lacerda

Montagem / Centro Universitário Moura Lacerda. – v.16, n.16 (2014)Ribeirão Preto: Centro Universitário Moura Lacerda, 2014.

AnualISSN 0104-4826

1. Conhecimentos gerais – Periódicos. I. Centro Universitário Moura Lacerda. CDD – 000

PUBLICAÇÃO ANUAL / ANNUAL PUBLICATION

Solicita-se Permuta/Exchange Desired

INDEXAÇÃO

Revista indexada em Bases de Dados de abrangência Nacional e Internacional:

BBE – Bibliografia Brasileira de Educação (Instituto Nacional de Estudos Educacionais Anísio Teixeira INEP/ Ministério

da Educação). Abrangência nacional, acesso: http://inep.gov.br/pesquisa,bbe;

Revista indexada em GeoDados; site: http://geodados.pg.utfpr.edu.br/

Abrangência nacional, acesso: http://geodados.pg.utfpr.edu.br.

CLASE – Base de Dados Bibliográficos de Revistas de Ciências Sociais e Humanas (Universidad Nacional

Autónoma de México). Abrangência internacional, acesso: www.dgb.unam.mx/clase

LATINDEX – Sistema regional de información en línea para revistas científicas de América Latina, el Caribe, España y

Portugal. Directorio, catálogo e índice. Acesso: www.latindex.unam.mx

Capa: Natureza e Brasilidade

Autoria: Felipe Góes

Inspiração na Pintura nº 220. Autorização em 14/05/2015

Direção de Arte: José Luís Dresler

Publicitário – Centro Universitário Moura Lacerda

Orientação: Fernando Antônio de Mello

Núcleo de Publicidade e Propaganda do Curso de Comunicação Social.

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REVISÃO DE INGLÊS

Profª Suhê Delmar Castro Freitas

EQUIPE DE PRODUÇÃO

Profª Lidiane Larissa Fresque Martins

REVISÃO ORTOGRÁFICA

Profª Amarílis Garbelini Vessi

Profª Lidiane Larissa Fresque Martins

ENDEREÇO/ADRESS

Rua Padre Euclides, 995 - Campos Elíseos

Ribeirão Preto - SP - Brasil - CEP 14.085-420

Tel.: (16) 2101 1010

SETOR DE PUBLICAÇÕES

Tel.: (16) 2101 1086

E-mail: [email protected]

REVISTA DISPONÍVEL NO FORMATO ELETRÔNICO

Home page: www.mouralacerda.edu.br

Link: Publicações

Os artigos aqui publicados são de inteira responsabilidade dos autores e

não expressam a opinião da Instituição Universitária Moura Lacerda

6 Revista do Centro Universitário Moura Lacerda

SUMÁRIO/CONTENTS

Editorial...............................................................................................................................................................7

CULTURA E SOCIEDADE

A Questão da dominação e o uso de estereótipos de gênero.Eulália FABIANO...............................................................................................................................................11

Estação de desenvolvimento humano: a importância de um equipamento urbano social.Ruth C. Montanheiro PAULINO; Taiany Richard PITILIN ..................................................................................21

O Rumor pode ser um objeto histórico para estudarmos a antiguidade?Ygor Klain BELCHIOR......................................................................................................................................33

COMUNICAÇÃO E CIDADANIA

A Tecnologia da informação e a logística de transportes rodoviários.Adriano Marcelo LITCANOVFabio Estevão NASCIMENTO; Valter TOYOSHIMA .........................................................................................45

Educação e Cidadania: pressupostos essenciais para conquista de uma democracia participativa.Jaime Leandro BULOS.......................................................................................................................................75

ENSINO E APRENDIZADO

A Lei 10.639/03 no contexto das relações étnico-raciais: uma discussão sobre o currículo escolar.Márcia Moreira PEREIRA .................................................................................................................................83

No Crisol das lógicas de territorialização educativa nas escolas portuguesas se frágua a ação do poderpolítico local e das parcerias.Ernesto Candeias MARTINS...............................................................................................................................91

Bullying na educação infantil:sua influência sobre a formação da personalidade.Rosangela Baptista da Silva ARAUJO, Sissi A. Martins PEREIRA......................................................................103

Las concepciones en la enseñanza y aprendizaje de las ciencias naturales ¿Ayudan o entorpecen?Rebeca E. RIVAS M.........................................................................................................................................111

O efeito dos sismos em solos e edifícios: aplicação de um programa de intervenção dirigido aestudantes de licenciatura recorrendo à modelação.Sara MOUTINHO; Rui MOURA; Clara VASCONCELOS................................................................................117

A Extensão universitária e o ambiente educacional popular.Renato Pinheiro da COSTA...............................................................................................................................133

Trabalho docente e licenças médicas de professores afastados.Paola Andrade MAIA.......................................................................................................................................145

Escola Primária De 1889 A 1930 em Maranhão, Minas Gerais e Mato Grosso.Sérgio José BOTH............................................................................................................................................157

MONTAGEM 7

Editorial

A contribuição ao debate intelectual em torno das diferentes áreas do conhecimento é a marca característica daRevista Montagem, que, em seu número 14, apresenta aos pesquisadores e leitores as múltiplas faces do conhecimentosob a ótica da produção científica.

Os artigos que compõem esta revista centram-se primordialmente em torno da educação. Assim, o artigo “Aescola primária de 1889 a 1930 – em Maranhão, Minas Gerais e Mato Grosso” apresenta uma análise comparativasobre a configuração da política educacional nesses três Estados, a partir da análise de mensagens que direcionam odiscurso do Poder Executivo e os procedimentos administrativos do Governo que envolvem essa temática.

A logística, como área de conhecimento que subsidia o campo da administração, é apresentada no artigo “Atecnologia de informação e a logística de transportes rodoviários”, como a possibilidade de viabilizar os ganhosde produtividade e melhoria dos serviços prestados no setor de transporte de cargas, garantindo, por meio deimplementações de sistemas, o gerenciamento de informações logísticas necessárias ao bom funcionamento do setor detransporte e armazenamento de cargas.

A sexualidade, temática polêmica e ao mesmo tempo instigante, aparece no artigo “A questão da dominaçãoe o uso de esteriótipos de gênero”, sob a fundamentação teórica de Bourdieu, procurando identificar como adominação masculina influencia na estrutura sóciocultural vigente, legitimando esteriótipos nos meios de comunicaçãode massa, com ênfase na análise das telenovelas.

O desenvolvimento humano no século XXI passa, necessariamente, pela construção de equipamentos urbanosque considerem o cunho social e as relações de sociabilidade que devem caracterizar o espaço em que a populaçãoreside e realiza suas trocas sociais. Dessa forma, o artigo “Estação de desenvolvimento humano: a importância deum equipamento social” analisa a possibilidade de implantação de um equipamento urbano social que promova odesenvolvimento humano e a inclusão da população, procurando assegurar a promoção da qualidade de vida.

Como o rumor pode ser um objeto histórico? Procurando responder a esta questão, o artigo “O rumor podeser um objeto histórico para estudarmos a antiguidade?” tem por finalidade analisar o rumor como uma propostamultidisciplininar que, ao dialogar com as teorias da comunicação, a sociologia e a história, utilizam essa técnica decomunicação como objeto para entender os mecanismos do passado, no mundo romano, como evidência histórica naanálise historiográfica.

A educação e a cidadania são pressupostos essenciais para o efetivo exercício da democracia. Discutir o papelda educação na formação do cidadão é o objetivo principal do artigo intitulado “Educação e cidadania: pressupostosessenciais para a conquista de uma democracia participativa”, uma vez que no Brasil, esta temática torna-seainda mais importante por ser a base que sustenta o estado de direito na democracia moderna.

Que contribuições a extensão universitária pode dar ao ambiente educacional popular? Sob este enfoque, oartigo “A extensão universitária e o ambiente educacional popular” visa refletir como a extensão universitáriapode atuar no processo formativo dos graduandos de ensino superior, relatando o trabalho desenvolvido pelosuniversitários junto à Pastoral do menor da cidade de Moju, no estado do Pará.

O trabalho docente e sua precarização é analisado no artigo “Trabalho docente e licenças médicas eprofessores afastados”, por meio de um estudo minucioso em torno dos motivos revelados nas licenças médicas edos transtornos mentais e de comportamento que afetam os indivíduos e influenciam nas condições de trabalho docente,por meio do que o autor chama de adoecimento emocional do professor.

As relações étnico-raciais e seu contexto no currículo escolar marcam a análise presente no artigo intitulado “Alei 10.639/03 no contexto das relações étnico-raciais: uma discussão sobre o currículo escolar”, procura

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compreender como a referida lei contempla um trabalho pedagógico voltado para a interação cultural e os desafiospresentes em sua implementação no currículo escolar.

Sob o título “No crisol das lógicas de territorialização educativa nas escolas portuguesas se frágua aação do poder político local e das parcerias”, os autores analisam a territorialização educativa em Portugal, a partirda tríade escola – comunidade comunicativa – parceria sócio-educativa. O destaque deste trabalho localiza-se noespaço que a comunidade local ganha diante da administração e da gestão escolar, dando um novo caráter às ações deracionalização de parcerias junto à comunidade local.

Poucas pessoas imaginam que o bullying esteja presente na educação infantil. Desmistificar o conceito deinfância e a influência dessa prática na formação da personalidade é o objetivo do artigo intitulado “Bullying naEducação Infantil: sua influência sobre a formação da personalidade”. Considerando a criança como protagonista,as autoras, ao analisar turmas de Educação Infantil, procuraram, sob a ótica da sociologia e da psicologia, identificarpadrões que possam orientar os professores em estratégias preventivas para o combate ao bullying na infância.

O mundo do trabalho e suas formas de inclusão e exclusão estão presentes na análise intitulada “O trabalho esuas formas sociais: exclusão ou inserção dos adolescentes?”, na qual as autoras abordam a importância dotrabalho, seus aspectos históricos e sociais, bem como o histórico de atendimento e assistência à criança e ao jovem,por meio de análise do Programa Jovem Aprendiz, identificando possibilidades de inserção do adolescente no mercadode trabalho.

O mapa de conceito aparece como um recurso didático e um instrumento primordial na avaliação das aulas deCiências. Estudar esse recurso didático é o objetivo do artigo “Mapas de conceitos como recurso didático eminstrumento de avaliação em aulas de Ciências”; assim, professores e alunos podem analisar de forma hierárquicaas relações entre os conceitos num determinado domínio de conhecimento e os desafios propostos aos alunos eprofessores diante dessa temática cognitiva.

A Revista, como se denota, encaminha o leitor para as múltiplas reflexões e indagações que a multidisciplinaridadeoferece.

Boa leitura!

Profº Dr. Paulo Cesar Cedran

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CULTURA E SOCIEDADE

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MONTAGEM 11

ResumoPor meio das análises das obras de Pierre Bourdieu

(1999), acerca da dominação masculina e das relações depoder que regem a sociedade brasileira contemporânea,segundo a socióloga Heleieth Saffioti (1987), o objetivo desteensaio é refletir sobre a influência da estrutura socioculturalvigente na formação da identidade feminina, e, também,sobre a legitimação desse estereótipo nos meios decomunicação de massa no Brasil, em especial nastelenovelas.

Palavras-chave: Gênero; Identidade; Poder; EstruturaSociocultural; Meios de Comunicação de Massa.

A QUESTION OF DOMINATION AND USE OFGENDER STEREOTYPES

AbstractThrough the analysis of the works of Pierre Bourdieu

(1999), about male dominance and power relations governingthe contemporary Brazilian society, according to sociologistHeleieth Saffioti (1987), the purpose of this essay is to reflecton the influence of structure sociocultural force in theformation of feminine identity, but also about the legitimacyof this stereotype in the media of mass communication inBrazil, especially in soap operas.

Keywords: Gender; Identity; Power; SocioculturalStructure; Means of Mass Communication.

Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum desti-no biológico, psíquico, econômico define a forma que afêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjun-to da civilização que elabora esse produto intermediárioentre o macho e o castrado que qualificam de feminino(BEAUVOIR, 1980, p. 9).

Contribuição de Pierre BourdieuAo longo da história humana foram construídos os

papéis socioculturais atribuídos a cada gênero, fato quetambém gerou os conceitos de masculinidade e feminilidade,a divisão sexual do trabalho e, consequentemente, a relaçãode poder entre as categorias sexuais divergentes. SegundoPierre Bourdieu (1999), a diferença biológica entre homense mulheres foi utilizada como instrumento para legitimar enaturalizar essa diferenciação social e cultural.

A QUESTÃO DA DOMINAÇÃO E O USO DE ESTEREÓTIPOS DE GÊNERO

Eulália FABIANO*

Para analisar essa questão, Bourdieu (1999) partede uma pesquisa etnográfica da sociedade Cabília, localizadano norte da Argélia, a fim de compreender como seconstituíram e se naturalizaram, nas estruturas objetivas esubjetivas, os processos históricos de diferenciação entreos sexos:

[...] A escolha da Cabília em particular justifica-se quandose sabe, por um lado, que a tradição cultural que aí semanteve constitui uma realização paradigmática da tradi-ção mediterrânea (e podemos convencer-nos disso con-sultando as pesquisas etnográficas consagradas ao pro-blema da honra e da vergonha em diferentes sociedadesmediterrâneas, na Grécia, Itália, Espanha, Egito, Turquia,Cabília, etc); e que, por outro lado, toda a área culturaleuropéia partilha, indiscutivelmente, dessa tradição, comocomprova a comparação de rituais observados na Cabíliacom os que foram registrados por Arnold Van Gennep naFrança de princípios do século XX [...] Mas nada podesubstituir o estudo direto de um sistema que ainda está emfuncionamento e que permaneceu relativamente à margemde reinterpretações semi-eruditas [...] (Id., 1999, p. 14).

Por meio dessa pesquisa, o autor busca compreenderos processos sociais e culturais relacionados à constituiçãodos gêneros, que também ocorreram na sociedade Ocidental.Essa generalização provocou reações críticas das feministas,que apontaram a impossibilidade de generalizar aspectosde uma sociedade histórica específica. Sem desconsiderara relevância dessas repercussões, o objetivo deste trabalhoé buscar a contribuição teórica de Bourdieu para acompreensão da dominação masculina e da construção dosestereótipos de gênero.

A divisão entre as categorias sexuais, masculino efeminino, aparece em todas as sociedades como umprocesso natural; entretanto, foi a própria estruturasociocultural construída ao longo da história humana quelegitimou essa distinção. A diferença biológica entre oscorpos femininos e masculinos, principalmente entre asanatomias dos órgãos sexuais, foi utilizada como justificativapara naturalizar esse processo.

Essa separação entre os sexos está presente tantonas estruturas objetivas da sociedade - divisão social dotrabalho, distribuição dos espaços sociais - quanto nassubjetivas, como esquemas de apreensão cognitivos domundo exterior - bens simbólicos, vocabulários antagônicosque se referem à masculinidade e feminilidade: quente/frio,seco/úmido, forte/fraco, grande/pequeno, entre outros.Dessa forma:

* Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia, daUNESP/Araraquara. E-mail: [email protected]

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[...] não é o falo (ou a falta dele) que é o fundamentodessa visão de mundo, e sim é essa visão de mundo que,estando organizada segundo a divisão em gênerosrelacionais, masculino e feminino, pode instituir o falo,constituído em símbolo de virilidade, de ponto de honra(nif) caracteristicamente masculino; e instituir a diferençaentre os corpos biológicos em fundamentos objetivos dadiferença entre os sexos, no sentido de gênerosconstruídos como duas essências sociais hierarquizadas[...] construção arbitrária do biológico, particularmentedo corpo, masculino e feminino, de seus usos e funções,sobretudo na reprodução biológica, que dá um funda-mento aparentemente natural à visão androcentrica dadivisão de trabalho sexual e da divisão sexual do trabalhoe, a partir daí, de todo o cosmos (BOURDIEU, 1999, p. 33).

Segundo Ortiz (1983), o foco principal da teoria deBourdieu é a busca pela compreensão da relação entre oagente e a estrutura social. Diante desse objetivo, Bourdieuutiliza o termo habitus. O habitus representa as disposições,maneiras de agir, sentir e pensar incorporados pelosindivíduos de determinada posição social ao longo da vida;assim, o termo expressa o processo de interiorização dasestruturas objetivas remetendo, simultaneamente, a aspectoscoletivos e subjetivos da sociedade. Além disso, o conceitotambém é considerado como um mecanismo unificador deuma classe específica que, consequentemente, tende a suaconstante reprodução, e, ao mesmo tempo, diferenciadorde classes divergentes.

Bourdieu (1999) utiliza o conceito habitus como asdisposições sociais disponíveis aos gêneros. O habitus degênero representa as atribuições, papéis sociais e culturaiscorrespondentes à masculinidade e à feminilidade, que estãopresentes na realidade objetiva e, em consequência, sãoapreendidos pelos diferentes sexos através dos mecanismosde socialização, como os sistemas educacionais e simbólicospresentes nas instituições vigentes, em determinadomomento histórico. Nessa concepção, homens e mulheres,ao se apropriarem desses sistemas de pensamentos e ações,tendem a legitimar e reproduzir a estrutura dominante.

No decorrer da história humana, a configuraçãosociocultural, política e econômica vem sendo dominadapelos agentes masculinos, e a divisão entre os sexosrepresenta a legitimação desse poder. Para Bourdieu (1999),a dominação masculina se realiza como violência simbólica,ou seja, não é diretamente perceptível aos indivíduos, emboraseja inerente à estrutura social.

Essa violência simbólica consiste na adesão que oindivíduo dominado não pode deixar de conceder aodominante. Isso ocorre quando os esquemas que utiliza parase ver e se avaliar, ou para ver e avaliar os dominantes,resultam da incorporação de classificações sociais jánaturalizadas de que seu ser social é produto (BOURDIEU,

1999, p. 47). Bourdieu destaca a imagem negativa que asmulheres da Cabília fazem de seu próprio sexo, como algodeficiente, e as mulheres das sociedades europeias eamericanas, que buscam atingir os padrões estéticosimpostos pela moda.

A força simbólica é uma forma de poder que se exercesobre os corpos, diretamente, e como que por magia, semqualquer coação física; mas essa magia só atua com oapoio de predisposições colocadas, como molas propul-soras, na zona mais profunda dos corpos [...] de maneirainvisível e insidiosa, através da insensível familiarizaçãocom um mundo físico simbolicamente estruturado e daexperiência precoce e prolongada de interaçõespermeadas pelas estruturas de dominação (BOURDIEU,1999, p. 50).

Nesse contexto, é possível perceber que asidentidades masculinas e femininas foram arbitrariamenteconstruídas pelos processos socioculturais, já que serhomem, ou mulher, é uma condição que se expressa emformas diferentes de servir do corpo, resultado danaturalização de uma ética apreendida através demecanismos de aprendizagens sociais.

Segundo Bourdieu, a postura submissa das mulheresda Cabília até hoje se impõe às mulheres europeias eamericanas. Para a mulher foram destinados aspectosnegativos de sua própria sexualidade, que se estenderampara o campo social, como o sentimento de fragilidade. Serfeminina significa doçura, passividade e discrição. Suasatividades prioritárias são voltadas para o espaço privado,como, por exemplo, os afazeres domésticos e os que exigemmaiores cuidados, como a educação das crianças e otrabalho com idosos.

Para o autor, o maior acesso à educação levougradativamente à incorporação das mulheres no mercadode trabalho. Esse acontecimento contemporâneorepresentou um avanço para a independência financeirafeminina; no entanto, não conseguiu modificar a imagemtradicional da mulher na sociedade, como suaresponsabilidade prioritária nas atividades domésticas. Asmulheres que fogem do padrão dominante ainda são vítimasde preconceito. Segundo o autor, normalmente sãodenominadas de despachadas ou lésbicas. Em decorrênciada tendência dos indivíduos a reproduzirem a lógicadominante (habitus), Bourdieu aponta que esse preconceitotambém existe entre as próprias mulheres.

Por outro lado, o papel social masculino é legitimadopor meio dos sentimentos de força e coragem. O homempossui o monopólio das atividades públicas e darepresentação, sendo a virilidade algo instituído como suaprincipal virtude; para ser reconhecido como homem, precisaconstantemente afirmar a mesma. Segundo Bourdieu, a

MONTAGEM 13

virilidade masculina se legitima através da aptidão aoexercício da violência, como nos esportes de luta e nasrelações sexuais.

Para o homem, a sexualidade e o poder estãorelacionados. O ato da penetração é a representaçãosimbólica de seu poder social; assim, a maior humilhaçãopara o homem é a diminuição de sua virilidade, que seassemelha a um processo de efeminização, ou seja, aatribuição de aspectos femininos, como a fraqueza e asubmissão. O preconceito em relação ao homossexualismomasculino, além de representar o desprezo à inversão daordem dominante, também revela a constante preocupaçãodo homem em manter suas potencialidades sexuais positivase evitar qualquer semelhança com as mulheres.

[...] A virilidade, como se vê, é uma noção eminentementerelacional, construída diante dos outros homens, para osoutros homens e contra a feminilidade, por uma espéciede medo do feminino, e construída, primeiramente, den-tro de si mesmo (BOURDIEU, 1999, p. 67).

Como demonstrou Bourdieu (1999), osantagonismos presentes no ato sexual: em cima/embaixo,seco/úmido, quente/frio, móvel/imóvel, entre outros,representam a normalidade do ato, segundo a ordemdominante, assim como as identidades masculinas efemininas: homem ativo e mulher passiva. Nessa lógica, arelação sexual revela-se como uma relação social dedominação.

As diferentes concepções que homens e mulheresapresentam a respeito do sexo refletem suas posições sociaisde dominantes e dominadas. O desejo masculino se baseiana posse, como uma forma de dominação erotizada. Asexualidade masculina é concebida como ato agressivo,voltado para o gozo; a penetração e a ejaculação de ambosos envolvidos são a finalidade do sexo, além de representara virilidade do homem (BOURDIEU, 1999).

Do mesmo modo, o assédio sexual nem sempre tem porfim exclusivamente a posse sexual que ele parece perse-guir: o que acontece é que ele visa, com a posse, a nadamais que a simples afirmação da dominação em estadopuro (Id., 1999, p. 30).

Paralelamente, o órgão sexual feminino foihistoricamente constituído como objeto sagrado, submetidoa regras estritas de acesso. As posturas que são transmitidaspara as mulheres desde a mais tenra idade, como cruzar aspernas e os braços e as vestes, impõem a elas essanecessidade de proteção. Nesse aspecto, Bourdieu (1999)analisa os exames ginecológicos contemporâneos, nos quais,convencionalmente, o médico cobre a paciente com umlençol, deixando exposta somente sua vagina, como se fosseum objeto separado do indivíduo. Essas consultas

geralmente são realizadas na presença de uma enfermeira,garantindo a integridade moral da paciente.

Segundo Bourdieu, é predominante entre asmulheres a escolha por parceiros mais altos e mais velhos.Como os homens representam o lado dominante da relação,companheiros com essas características representamproteção e elevam o prestígio social feminino. O autortambém considera que a dominação masculina estáenraizada nas estruturas objetivas das sociedades e, comoestas tendem a constituir as apreensões cognitivas, esseprocesso leva à legitimação e à reprodução inconscientedessa ordem de poder através dos tempos:

[...] a construção social das estruturas cognitivas que or-ganizam os atos de construção do mundo e dos seus po-deres. Assim se percebe que essa construção prática, lon-ge de ser um ato intelectual consciente, livre, deliberado deum sujeito isolado, é, ela própria, resultante de um poder,inscrito duradouramente no corpo dos dominados sob for-ma de esquemas de percepção e de disposições (a admirar,respeitar, amar, etc) que o tornam sensível a certas manifes-tações simbólicas do poder (BOURDIEU, 1999, p. 52).

Como o homem é o detentor da hegemonia, tambémpossui o monopólio dos instrumentos de produção ereprodução do capital simbólico; dessa forma, suasestratégias visam, por meio dos mecanismos da cultura edo imaginário, manter seus privilégios. Assim, a dominaçãomasculina, ao longo dos tempos, constitui a mulher comoobjeto simbólico, ou seja, não como ser em si, mas comoser percebido. Sua própria percepção e representação socialdependem da imagem que o outro faz de seu próprio corpo(BOURDIEU, 1999).

Na sociedade contemporânea, os meios decomunicação podem ser considerados, também,responsáveis pela legitimação do corpo feminino. Asexigências sociais geram a necessidade da busca pelospadrões estabelecidos como forma de confirmação dafeminilidade e, inconscientemente, essa procura leva asmulheres a reproduzirem a dominação masculina. A liberaçãosexual feminina, tão explorada pela mídia, revela apenassua imagem tradicional: objeto de prazer.

Bourdieu (1999) destaca que, até acontemporaneidade, a reprodução dessa dominação tem sidoexercida por três instituições principais: família - experiênciainicial no processo de aprendizagem das diferenças degênero; igreja - ideologia que privilegia os homens, leis dedecência mais rígidas para as mulheres; e escola - transmiteos pressupostos da tradição patriarcal, forte hierarquizaçãoe distinção entre as disciplinas de meninos e meninas,consequentemente, entre as futuras habilidades e profissõescabíveis a cada sexo. Além desses aspectos, também analisao papel do Estado que, independentemente de ser

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conservador ou progressista, é responsável por transferir opatriarcado privado para o espaço público, fundamentandoa visão androcêntrica de mundo (BOURDIEU, 1999).

Então, para esse autor, processos que visam àequidade social entre os gêneros, mas desconsideram ascaracterísticas do contexto histórico-social, não são eficazes.A única forma de eliminar gradativamente a dominaçãomasculina seria por meio da mudança das estruturasobjetivas das sociedades, como, por exemplo, a reformulaçãodas instituições, já que estas influenciam diretamente naconsciência dos agentes sociais.

Só uma ação política que leve realmente em conta todosos efeitos da dominação que se exercem através da cum-plicidade objetiva entre as estruturas incorporadas (tan-to em mulheres quanto em homens) e as estruturas dasgrandes instituições em que se realizam e se produzemnão só a ordem masculina, mas também toda a ordemsocial (a começar pelo Estado, estruturado em torno daoposição entre sua “mão direita”, masculina e sua “mãoesquerda”, feminina, e a Escola, responsável reproduçãoefetiva de todos os princípios de visão e de divisão fun-damentais, e organizada também em torno de oposiçõeshomólogas) poderá, a longo prazo, sem dúvida, e traba-lhando com as contradições inerentes aos diferentesmecanismos ou instituições referidas, contribuir para odesaparecimento progressivo da dominação masculina(BOURDIEU, 1999, p. 139).

Dominação masculina no BrasilA socióloga brasileira, Heleieth Saffioti (1987),

também analisa a relação entre os gêneros como umprocesso sociocultural que ocorre em nível mundial, embora,nesse ensaio, a autora enfoque a questão da dominaçãomasculina no Brasil.

A identidade social da mulher, assim como a do homem, éconstruída através da atribuição de distintos papéis, quea sociedade espera ver cumpridos pelas diferentes cate-gorias de sexo. A sociedade delimita, com bastante preci-são, os campos em que pode operar a mulher, da mesmaforma como escolhe os terrenos em que pode atuar ohomem (SAFFIOTI, 1987, p. 8).

Para a autora, o poder está em mãos masculinas hámilênios. Como os homens visam constantemente mantersua hegemonia, a relação que estabelecem com as mulheresé permeada pelo poder.

No Brasil, a diferença entre as categorias sexuaisestá estruturada através de três instâncias: o patriarcado,as diferenças de raça e etnia e a divisão da sociedade emclasses sociais. As relações históricas de dominação-exploração brasileira solidificaram-se com base nopatriarcado e no racismo. Com o advento do capitalismo,esses três sistemas se uniram e formaram a simbiose:

Patriarcado-Racismo-Capitalismo. Desde o advento docapitalismo brasileiro, essa união promoveu uma estruturasingular, na qual todas as relações de poder, tanto socialquanto interpessoal, passaram a expressá-la (SAFFIOTI,1987).

A tradicional dominação masculina está presenteem todas as classes sociais, mas, de acordo com a posiçãosocial que ocupa, a mulher terá determinadas atribuições;por exemplo, a operária, além de seu trabalho externo,também é responsável pelos afazeres domésticos, enquantoa burguesa possui serviçais. Para Saffioti, por meio dasimbiose Patriarcado-Racismo-Capitalismo, as relações como poder hegemônico afetam os indivíduos de acordo comsua posição social, de gênero e de raça, como, por exemplo,uma mulher burguesa apresenta melhor prestígio social doque um homem da classe trabalhadora. Na lógica dessahierarquia social, a mulher negra e pobre é a que mais sofreos efeitos da dominação masculina.

O processo sociocultural conduziu o homem aconcentrar sua sexualidade nos órgãos genitais, gerando ohomem como sujeito desejante e a mulher como objeto dedesejo. Essa concepção da sexualidade masculina tambémrepresenta seu poder (SAFFIOTI, 1987).

Segundo a autora, o poder é o inverso do prazer. Oprazer consiste no desenvolvimento das potencialidadeshumanas, sendo possível somente nas relações de mútuatroca. As relações sexuais estabelecidas por meio dotradicional modelo de dominação visam somente satisfazerum sujeito de desejo e não provocar uma relação decomplementaridade entre os indivíduos, acarretando umempobrecimento da sexualidade e do próprio ser, ou seja,um empobrecimento humano.

Essa concepção da sexualidade se estendeu para ocampo social. Independente da posição do homem, pai,marido, chefe, etc., ele tende a ser individualista e nãopriorizar as relações recíprocas entre os sexos. Para asocióloga, as relações permeadas pelo poder castram oprazer e negam a emancipação dos sujeitos. A ideologiadominante da sociedade capitalista, centrada no poder dohomem rico e branco, tende a reproduzir essa castração doprazer, transmitindo-a através das gerações.

Tanto Bourdieu (1999) quanto Saffioti (1987)analisam o resultado da dominação masculina para os próprioshomens. Assim como se construíram os estereótiposfemininos, o macho também foi estigmatizado,principalmente em torno dos ideais de força e coragem. Aincessante imposição social para a confirmação da virilidadee a castração do prazer demonstram que o sexo masculinotambém sofre os efeitos negativos dos padrões socioculturaisque legitimam seu próprio poder:

MONTAGEM 15

A plenitude do prazer só pode ser alcançada quando ne-nhuma dimensão da personalidade do ser humano – ho-mem ou mulher - é impedida de se desenvolver. Por quenão permitir, e mesmo estimular, o desenvolvimento darazão nas mulheres? Por que não incentivar o homem anão reprimir a dimensão afetiva de sua personalidade?Ambos seriam mais completos e, portanto, mais capazesde sentir e dar prazer. Das ralações assimétricas, desi-guais, entre homens e mulheres derivam prejuízos paraambos (SAFFIOTI, 1987, p. 20).

Para Heleieth Saffioti, a desigualdade entre osgêneros, e também entre as raças e classes sociais, visamanter o poder das classes dirigentes do capitalismo. Aclasse trabalhadora, independentemente da categoria sexual,é a que mais sofre os efeitos da imposição desse poder -dominado pelo homem branco, detentor dos meios deprodução -, que visa manter os preconceitos como formade legitimação da hegemonia.

Mecanismos como a igualdade legal e as liberdadesindividuais impulsionaram o trabalho e a competiçãoindividual, mas não garantiram a democracia; a igualdadesocial de fato é incompatível com o sistema capitalista(SAFFIOTI, 1987). Para se reproduzir, essa ordem precisadiariamente castrar a mão-de-obra, evitando a constituiçãode relações recíprocas e a emancipação de sujeitos queameacem os interesses dominantes, como a exploração daprodução e a constituição do mercado de consumo.

Para Saffioti (1987), a castração do prazer constituio instrumento fundamental da ideologia dominante. Comona família se encontram simultaneamente homens, mulherese as novas gerações, essa é a instituição privilegiada para adomesticação da mão de obra, e a reprodução do modelofamiliar tradicional colabora para a perpetuação dadominação. Assim:

[...] Entre desiguais não pode haver senão a partilha dodesprazer, das rivalidades, da amargura de viver. Asse-melhando-se muito mais a um vespeiro do que a um ni-nho de amor, a família, torna com freqüência, inviável oprazer. Tal como está constituída, com base na relação dedominação-subordinação, a família não reúne as condi-ções fundamentais para educar as novas gerações para odesfrute do prazer (SAFFIOTI, 1987, p. 39).

A dominação do homem se estabeleceu por meiode um processo sociocultural que se naturalizou nasociedade. Para a mudança dessa estrutura histórica aautora aponta a necessidade de formação de consciênciasque desmistifiquem o caráter natural dessa discriminação econduzam à formação de novos padrões sociais.

Quando a maioria dos homens, que sofrem a dominação daminoria poderosa, descobrir que seus “privilégios” signifi-cam também limitações, constrangimentos, falta de liber-

dade, estará pronta a perceber como sociais os processosque lhe pareciam naturais. Tendo compreendido o proces-so social de construção da mulher e do negro enquantocategorias sociais discriminadas, a pessoa estará apta adesmistificar, a desmascarar, a naturalização da “inferiori-dade” daqueles contingentes humanos. Se as discrimina-ções são construções sociais, não fazem parte da naturezaintrínseca da mulher e do negro. Se foram socialmenteconstruídas, podem ser, também, socialmente destruídas,com vistas a instauração da verdadeira Democracia. E estaconstitui uma tarefa, sobretudo de jovens, ainda que osmais velhos possam colaborar (SAFFIOTI, 1987, p. 117).

A Construção dos Estereótipos

- Eleição de 2004 nos Estados Unidos: políticacodificada no reconhecimento de gênero

Nancy Fraser (2007) contextualiza a segunda ondado movimento feminista na década de 1960. Para ela, apartir desse período o movimento se dividiu em três fasescorrespondentes ao contexto capitalista vigente.

A primeira fase, nos anos de 1960, foi classificadacomo redistribuição. Nesse momento, o feminismo utilizoucomo referencial teórico o marxismo e se caracterizoucomo movimento social, eclodindo ao mesmo tempo queoutros, como o movimento estudantil. As feministasapontaram o caráter androcêntrico do Estado de Bem-Estar Social e lutaram contra a dominação masculina, nabusca de maior igualdade entre os gêneros. No final dosanos de 1980, diante da ascensão do neoliberalismo, omovimento adquiriu uma conotação culturalista, voltadopara a questão da identidade. A autora caracterizou essafase como redistribuição.

Para Fraser, nesse contexto, as feministas e todosos movimentos sociais se voltaram para o problema daidentidade cultural, em detrimento de questões fundamentaisda nova configuração política e econômica. Essa posturalevou os movimentos sociais a perderem sua capacidade demilitância, deixando o capitalismo se desenvolverplenamente. Nessas duas fases, o feminismo estevepresente, principalmente na América do Norte e EuropaOcidental.

Em meados da década de 2000, diante do avançoda globalização, o movimento feminista europeu passou aconsiderar que o feminismo não pode mais ficar restrito aum Estado territorial, mas deve se expandir mundialmentepor meio de uma política transnacional de representação.Segundo Fraser, essa fase representa uma síntese entre asduas anteriores, sendo denominada de representação. Nessemesmo período, a política de gênero nos Estados Unidosapresenta-se impactada pela Guerra Contra o Terrorismo(FRASER, 2007).

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Desde 11 de setembro de 2001, o clima político nosEstados Unidos apresenta-se hostil; segundo Nancy Fraser,as eleições de 2004 foram planejadas de acordo com esseacontecimento. As campanhas eleitorais dos candidatos àpresidência, George W. Bush e Jonh Kerry, basearam-seno combate ao terror, mas se codificaram em torno doreconhecimento de gênero.

A estratégia de Bush foi construir a guerra contrao terror como uma questão de liderança, na qual caberia aum político forte, determinado e corajoso, essa tarefa.Enquanto isso, seu adversário foi estigmatizado como alguémmais fraco, um efeminado que, portanto, não era capaz deproteger a nação, já que não era considerado um homemverdadeiro.

O estereótipo masculino foi empregado de maneiraa confirmar a posição dominante do homem na sociedade,como detentor do espaço público e da virilidade, afirmadapor meio da postura mais agressiva de Bush. A imagem deJonh Kerry expôs o preconceito e o medo masculino de seassemelhar com o sexo oposto; às mulheres não é destinadoo exercício da representação, já que são mais frágeis e maissentimentais.

Além do estereótipo masculino, a campanha deBush também defendeu, de maneira menos evidente, oschamados valores familiares, principalmente as questõesdo aborto e do casamento gay. Mostrando-se um defensorda integridade familiar, o candidato ganhou a adesão doscristãos fundamentalistas (FRASER, 2007). Nesse discurso,também é visível a reprodução dos tradicionais padrõesfamiliares burgueses, legitimados ao longo dos tempos, comoa prioridade do casamento heterossexual e a castração doprazer.

Como demonstrou Fraser (2007), ao contrário doque a direita prega, a verdadeira ameaça à famíliacontemporânea são as políticas neoliberais defendidas peloentão candidato, como a falta de seguridade social e osbaixos salários que levam as mulheres a trabalhar fora paragarantir a sobrevivência familiar e que, por outro lado, têmprejudicado a convivência das mães com os filhos.

Nancy Fraser atribui todas essas estratégiasempregadas na campanha de Bush como uma maneira decamuflar os resultados negativos de seu primeiro mandato,que privilegiou investimentos nos interesses das grandescorporações e promoveu o aumento da injustiça social nopaís. A estratégia vencedora invocou uma políticacodificada de reconhecimento de gênero para esconderuma política de redistribuição regressiva (FRASER,2007, p. 299).

Nesse artigo, a vitória de Bush, além de expor ahegemonia masculina, também demonstra o quanto osestereótipos de gênero e os padrões familiares tradicionais

permanecem enraizados na sociedade contemporânea.Como a divulgação de uma campanha eleitoral também estávinculada aos meios de comunicação de massa, uma análisedos mesmos torna-se essencial para a compreensão de suainfluência sobre os imaginários coletivos.

Os estereótipos femininos na TV brasileira

Saffioti (1987), ao analisar a publicidade brasileira,destaca que os estereótipos femininos no país têm sidoconstruídos em torno de duas personagens, a mulher donade casa e a mulher objeto sexual. Para ela, o imagináriobrasileiro se consolidou em torno de duas imagensantagônicas: a santa e a prostituta, o que não correspondea nenhum avanço da condição da mulher, já que o destinorelacionado com a vida doméstica e o prazer sexual sãoseus papéis sociais historicamente consolidados.

A conclusão óbvia não é nada menos que a seguinte:enquanto ‘“santas” e “prostitutas” continuarem a repre-sentar os papéis que a hipócrita sociedade burguesa lhesatribuiu, o satatus quo, o estado de coisas presente, en-contrará suporte para se manter intacto, incólume,intocável. No Manifesto do Partido Comunista, Marx eEngels solicitaram:”Proletários de todo o mundo, uni-vos!” O corolário feminista poderia ser: “Santas e prosti-tutas de todo o mundo, uni-vos!” [...] (SAFFIOTI, 1987,p. 32).

Os meios de comunicação de massa no Brasil, emespecial a televisão, o meio de maior acesso da população,podem ser considerados alguns dos principais responsáveispelos padrões culturais vigentes no país. As telenovelasexercem grande influência sobre a opinião pública,principalmente na construção das identidades femininas, esutilmente tendem a reproduzir a ordem dominante.

Célia R. V. de Souza-Leite (2009) buscacompreender os possíveis efeitos nas subjetividadesfemininas diante da personagem “Alzira/Outra”, interpretadapela atriz Flávia Alessandra, na novela Duas Caras, exibidano ano de 2007, pela TV Globo.

Essa personagem representa o antagonismo entrea mulher “santa” e a “prostituta”. Alzira era uma mulhercasada, mãe de dois filhos e enfermeira durante o dia, maspara sustentar a casa diante do desemprego do marido, ànoite, escondida de sua família, fazia “bico” como stripperem uma boate, sob o codinome “Outra”.

Para suas performances utilizava a técnica do poledancing, uma modalidade de dança erótica que, desde seusurgimento no Brasil e no mundo, foi discriminada comorestrita às “profissionais do sexo”. Com sua exibição nohorário nobre (20h) da rede Globo, cada vez mais as

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mulheres procuraram aprender a dança nas academias “bemcomportadas”, para agradar seus parceiros, uma forma dedar uma apimentada nas relações sexuais (SOUZA-LEITE,2009, p. 146). Segundo a autora, a legitimação dessa dançapor um meio de comunicação de massa dominante no paíspode explicar o aumento por sua procura, como um tipo demodismo, embora essa tendência apenas reproduzisse umdiscurso tradicional da imagem feminina: seu corpo comoobjeto sexual.

No dia 20 de novembro de 2007, a novela foicensurada pelo Ministério da Justiça, que não consideravaa classificação (12 anos) compatível com as cenas eróticasda personagem de Flávia Alessandra. Souza-Leite (2009)questiona essa imposição como uma forma hipócrita de zelarpela proteção moral dos menores de idade, já que essa práticaé incompatível com a cultura brasileira. Como mostram aspesquisas, crianças e adolescentes assistem mais à novelado horário nobre da TV Globo do que aos programasdestinados a eles. “Regras para assistir à TV, se existiramalgum dia, houve no século passado, e hoje ninguém vaipara o quarto sem TV, por ocasião de um programainadequado à idade” (SOUZA-LEITE, 2009, p. 152).

No entanto, essa repercussão teve consequências.No episódio do dia de 20 de dezembro, a “Uisqueira”, boatena qual Alzira trabalhava, foi destruída por uma explosão. A“Outra” também foi extinta e a personagem assumiu apenasseu papel de “mulher de bem”, passando a ensinar poledancing em uma academia.

Esse episódio demonstrou a confirmação doestereótipo feminino socialmente aceito e o preconceito comrelação aos padrões de sexualidade que escapam à ordemdominante. Segundo a autora, a novela é um meio que nãoproduz apenas alienação; também é responsável pelaconstituição das identidades. Dessa forma:

As imagens de uma novela, seu enredo, suas persona-gens, casas, decorações, e até seus temas musicais, des-pertam fantasias nos telespectadores ao remetê-los aomundo virtual e, por que não dizer, onírico. A constânciadiária passa a fazer o papel de formador de pensamentos/fantasias e desejos, dando origem assim a uma nova -velha imagem de como ser jovem, mulher, normal e sadia,o que significa não ser homossexual ou prostituta, masboa mãe, boa esposa e excelente amante (SOUZA-LEITE,2009, p. 146).

Para aprofundar sua análise acerca dos meios decomunicação, a citada autora recorreu ao estudo de Foucaultsobre a sexualidade e sua relação com poder.

Em História da Sexualidade I, Foucault buscacompreender a relação entre a sexualidade e o poder queexerce uma ação coercitiva e punitiva sobre o indivíduo.Para Foucault, a partir do século XIX, momento em que

nasce a disciplina sobre o corpo humano, o controle do corpoe o controle das espécies formam uma síntese de estratégiasde poder denominada biopoder. O objetivo desse mecanismode poder é formar corpos dóceis e obedientes. “Esse corpodócil, obediente e produtivo fazia e faz parte de umatecnologia do corpo como objeto de poder, chamado de poderdisciplinar, por Foucault (1984)” (SOUZA-LEITE, 2009, p.137).

A partir da concepção do biopoder e das técnicasdisciplinares, Foucault analisa a questão da sexualidade.Parte do princípio que a sociedade ocidental é uma sociedadede confidentes; a confissão alicerçou o poder da Igreja eposteriormente o conhecimento sobre o comportamento dosindivíduos. Até o século XVIII, o discurso sobre o sexo erarestrito à Igreja e à família; no século XIX o sexo foi cooptadopelo meio científico. As áreas médicas, psicológicas epedagógicas, preocupadas com a saúde sexual da sociedadeburguesa, passaram a produzir sua verdade e incorporaresse discurso em suas próprias instituições.

A maior presença do discurso sobre o sexo (Foucaulttambém denomina esse discurso de dispositivos dasexualidade), diluído por toda a sociedade, não provocousua liberação; ao contrário, possibilitou que fosse submetidoàs técnicas de controle disciplinar. O sexo e a sexualidadepassaram a abarcar as categorias de poder e saber(SOUZA-LEITE, 2009).

Para Foucault, enquanto a sociedade ocidentalcontemporânea é a única a praticar uma scientia sexualis,as sociedades orientais têm como prática sexual a arserótica. A ars erótica consiste em uma técnica disciplinarde incentivo ao prazer, que deve ser vivenciado na buscade seus efeitos sobre os corpos e as almas. Para que esseprazer atinja sua plenitude não deve ser divulgado, masmantido em segredo. Assim, essa prática seria contraditóriacom a sociedade de confidentes.

Porém, Souza-Leite (2009) questiona se, em nossasociedade, a scientia sexualis não funcionará como umaars erótica, já que temos novas formas de inventar prazeresdiante de um poder que reprime a sexualidade, e umainfinidade de discursos que o incentivam (SOUZA-LEITE,2009, p. 139). Nessa perspectiva, volta-se para a questãodos meios de comunicação e sua ação disciplinar. Segundoa autora, as técnicas disciplinares e o biopoder, presentesnos estudos de Foucault, fornecem um aporte teórico paradiscutir o efeito do pole dancing sobre as mulheres e sobrea sociedade:

Creio que podemos pensar, como Foucault (1998), que osmecanismos utilizados pela ars erótica em nossa culturasejam somente uma roupagem da scientia sexualis paraescamotear as tecnologias do sexo e assim manter a suadominação, via prazer e “liberdade de expressão”. Porém,

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fariam parte dessa nova estratégia de poder as tecnologiasda comunicação? [...] (SOUZA-LEITE, 2009, p. 140).

Por meio de um estudo histórico, Foucault (1979)analisa a sexualidade contemporânea Ocidental comoresultado de um processo histórico, iniciado com a sociedadeburguesa, que estabeleceu a necessidade de disciplinar oscorpos e regular a sociedade. O dispositivo da sexualidade,ou o discurso sobre o sexo, apresentam formas de saberpoder que correspondem às expectativas desse biopoder;consequentemente, o discurso sobre o sexo se diluiu, mesmoque de forma escamoteada, pelas instituições burguesas.

Segundo Foucault (1979), o dispositivo dasexualidade emergiu primeiramente na família burguesa,como forma de manter a integridade moral dessa classe. Odesenvolvimento capitalista, por volta do século XIX, levouà necessidade de incorporar esse discurso às classestrabalhadoras, pois, diante da ausência de “regrasdisciplinares”, eram elevados os índices de natalidade,prostituição, casamentos entre parentes, alcoolismo, etc.Esse dispositivo representou uma forma de disciplinar oindivíduo e regular a sociedade para o novo sistemaeconômico, estabelecendo, por exemplo, as novaspreocupações com a saúde e com as taxas de natalidade.Assim, a sexualidade pode ser analisada como ummecanismo de domínio de classe.

Paralelamente, Bourdieu (1999), na busca decompreender a dominação masculina, também recorre aoprocesso sócio-histórico como sendo o responsável peladiferenciação entre masculinidade e feminilidade,constituindo a hegemonia do homem. Para a legitimação ereprodução desse poder dispõe do conceito de habitusmasculino e feminino. Esse habitus corresponde aos papéissocioculturalmente definidos que são incorporados pelossexos. A dominação masculina representa uma forma depoder e violência simbólicos, que se apresentamimperceptíveis às estruturas objetivas, mas se reproduzemno inconsciente e, assim, tendem a legitimar a ordem vigente.

No processo de constituição do imaginário coletivo,Bourdieu também remete aos meios de comunicação demassa que, na contemporaneidade, podem ser consideradosresponsáveis pelo processo de aprendizagem do habitusmasculino e feminino.

A contestação da naturalização da diferença sexual, a pre-sença de uma política sexual e a identificação dos dispo-sitivos da sexualidade nos permitem perceber que o quechamamos de feminino e de masculino são construçõessócio-históricas, construções de mulheres e homens comosujeitos históricos (SOUZA-LEITE, 2009, p. 141).

A recente novela exibida no horário nobre da TVGlobo, Fina Estampa, também destacou, como personagensprincipais, estereótipos femininos antagônicos.

A trama envolvia a história de duas mulheres bemdiferentes. De um lado, Tereza Cristina, Cristiane Torloni,uma típica mulher burguesa, cujo espaço social era restritoa sua residência e ela passava a maior parte do tempo sededicando à aparência estética. E, de outro lado, Grizelda,apelidada Pereirão, personagem da atriz Lilian Cabral. Erauma mulher que, diante do abandono de seu marido, e danecessidade de sustentar seu lar, passou a trabalhar como“marido de aluguel”, alguém especializado em serviçosgerais, como consertos e pintura. Como essa personagemassumiu um trabalho convencionalmente masculino,representava uma mulher “sem vaidade”, sendoconstantemente comparada com um homem, “a mulher debigode”.

A apresentação da personagem de Lilian Cabral comouma mulher que perdeu sua feminilidade demonstrou aincompatibilidade entre as atividades tipicamente masculinase a posição social mais frágil da mulher, podendo tambémrevelar que ainda persiste no país o preconceito diantedaquelas mulheres que se negam a seguir os padrõesculturais dominantes. Na ficção, o próprio filho de Grizelda,Antenor, personagem de Caio Castro, diante da necessidadede se posicionar na alta sociedade renunciou à própria mãe.No caso dessa personagem, o que a tornou menos femininafoi a ausência de seu marido, o homem como provedor dolar, e da imagem socialmente constituída da mulher comoum ser percebido, a importância de sua aparência peranteo olhar dos outros, e não como um ser para si mesmo.

Outra análise, do ponto de vista da classe social daspersonagens, pode levar à hipótese de que as mesmastambém representavam o processo de dominação-exploração da sociedade brasileira, apontada por Saffioti(1987). A personagem de Torloni não trabalhava, apenasusufruía dos benefícios de sua posição social; e aquela queocupava uma posição social de menos prestígio apresentavadificuldades em todos os aspectos de sua vida, não apenasfinanceiros.

Porém, no episódio exibido no dia 10 de outubro de2011, após ser humilhada por Tereza Cristina, a personagemde Lílian Cabral foi premiada com o prêmio máximo daLoteria Federal. No dia seguinte, a página de um famososite da internet simbolizou a nova posição social dapersonagem com a atitude de “retirar o bigode”. Como a“Outra”, de Duas Caras, o destino de “Pereirão” foi alegitimação do estereótipo feminino. Novamente, a novelada Globo, meio de comunicação dominante no país, nãooferece um outro caminho para suas personagensfemininas.

Ora, se Grizelda continuasse com sua trajetóriainicial, vestindo seu macacão de trabalho e levando umavida simples e feliz, o que teria sido da publicidade do horário

MONTAGEM 19

nobre? Talvez, com a dimensão adquirida pelo poledancing, em 2007, as mulheres seriam incentivadas a sedesvincular um pouco dos padrões de consumo que asdefinem. Ao contrário dessa dança, que também poderepresentar o controle dos corpos pela sexualidade, aemancipação dos indivíduos em relação às identidadessocialmente construídas agride a ordem dominante. Então,a novela instiga, por meio da fantasia, que aqueles queocupam posições sociais de menos prestígio não desistam,porque também, algum um dia, poderão ganhar na Loteriae, finalmente, legitimar sua existência.

Seguindo os aportes teóricos aqui apresentados,observa-se que o processo de constituição do imagináriobrasileiro, principalmente do estereótipo feminino, tambémestá atrelado à reprodução dos padrões dominantes, sejadas relações de gênero, ou de classe social, e que semanifestam como uma forma de poder e violência simbólica.

De certo modo, abraçando as conclusões deBourdieu (1999) e Saffioti (1987), pode-se apontar que, paraa desconstrução dessa estrutura social, é necessária aformação de consciências críticas, que desmistifiquem essaordem. Mas, por enquanto, no Brasil, o satus quo tem sidolegitimado e reproduzido pelos meios de comunicação demassa, fato que dificulta o processo de desmistificação dosinconscientes. Se, algum dia, essa estrutura socioculturalserá superada, constituindo uma sociedade mais democráticaentre os gêneros, é uma questão que novamente somente otempo, o processo histórico, poderá fornecer.

Referências:

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BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Rio deJaneiro: Bertrand Brasil, 1999.

FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I - Avontade de saber. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2º Edição.1979.

FRASER, Nancy. Mapeando a imaginação feminista: daredistribuição ao reconhecimento e à representação. In:Estudos Feministas 15(2) maio-agosto/2007.

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SAFFIOTI, Heleieth I. B.; ALMEIDA, Suely Souza de.Violência de gênero: poder e impotência. Rio de Janeiro:Revinter, 1995.

SOUZA-LEITE, Célia Regina Vieira de. Televisão, novelae educação: as ‘’Duas Caras’’ da mulher brasileira. In:OLIVEIRA, D. de., NOGUEIRA, S. (Orgs.). Mídia,cultura e violência: leituras do real e da representaçãona sociedade midiatizada. CELACC-ECA/USP, 2009, p.129-160.

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MONTAGEM 21

ESTAÇÃO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO: A IMPORTÂNCIA DE UM EQUIPAMENTOURBANO SOCIAL1

Taiany Richard PITILIN*

Prof.ª Dr.ª Ruth C. Montanheiro PAULINO**

ResumoA preocupação com a abordagem utilizada em

equipamentos culturais estimulou a busca de alternativas aosmeios utilizados para amparar a população. A proposta deum edifício multicultural pode assegurar a promoção daqualidade de vida, com ações que poderão promoveroportunidades. Ao mesmo tempo, equipamentos que amparama sociedade precisam suprir suas necessidades mais básicas.O objetivo deste estudo é analisar a possibilidade deimplantação de um equipamento urbano social que promovao desenvolvimento humano e a inclusão da população.

Palavras-chave: Cultura; Inclusão; Amparo;Desenvolvimento humano.

SEASON OF HUMAN DEVELOPMENT: THEIMPORTANCE OF A SOCIAL URBAN

EQUIPMENTAbstract

The concern with the approach used in culturalfacilities made them seek alternatives to the means usedto sustain the population. The proposed building amulticultural seeks the promotion of quality of life, with actionsthat promote opportunities. At the same time, equipmentthat support the society need to meet their most basic needs.The aim of this study is to analyze the possibility ofimplementing a social urban infrastructure that promoteshuman development and the inclusion of the population.

Keywords: Culture; Inclusion; Support; HumanDevelopment.

IntroduçãoA percepção das dificuldades enfrentadas pela

população carente fez com que se entendesse a importânciada implantação de políticas públicas que se apresentemcomo fonte de oportunidades à sociedade. Tendo em vistaque a sociedade é formada por diferentes aspectos culturais,sociais e econômicos, pode-se identificar que ela possui

necessidades distintas.Desenvolvendo-se a conscientização das necessi-

dades da população é possível direcionar uma proposta queleve desenvolvimento humano, educação, cultura e assis-tência à população, de forma que se objetive um espaçoque interfira na melhoria da qualidade de vida de toda asociedade.

O principal objetivo é lançar uma proposta de umequipamento urbano social com base na problemáticalevantada sobre a sociedade, e que seja condizente com arealidade do local e de sua população, estabelecendo umarelação onde se consiga firmar a importância do lugar paraessa arquitetura, ou seja, que consiga se fundamentar combase na população e nas características que o local possuie se tornar referência para os cidadãos e para a cidade.

Através do entendimento dos termos cultura,desenvolvimento e integração foi possível estabelecer asnecessidades de uma população e suas perspectivas, criandouma proposta com o programa adequado para atender àpopulação, garantindo que todos possam ter acesso àsmesmas oportunidades e possam ser vistos como iguais.

EQUIPAMENTO URBANO E CULTURATão importante quanto implantar um equipamento

que atenda à população é compreender as necessidadesque devem ser atendidas, o programa e os elementos Aosquais o equipamento estará relacionado. Seguir com oentendimento de como deve ser um equipamento queconsiga suprir as necessidades da população de maneiraadequada, justa e satisfatória, onde exista umaintercomunicação entre os setores da cultura, educação,desenvolvimento humano e inclusão social, que gerem àpopulação possibilidades de melhorar as condições em quese encontram são partidos importantes para a implantaçãodo equipamento.

Abordou-se a questão social em centros culturais,de maneira a ampliar a percepção sobre a necessidade demudanças no programa e no entendimento dessesequipamentos. Os centros culturais surgiram (com essadenominação) na França nos anos setenta e vieram ao Brasilcomo novidade e prova de modernidade, como lembraMilanesi (1997). Atualmente, existem diversosestabelecimentos de cultura espalhados pelo Brasil; nemao menos é possível dizer quantos, mas como não existeum padrão que estabeleça normas para o programa e ofuncionamento desses centros de cultura, os mesmos

1 Pesquisa realizada como parte do trabalho de conclusão de curso noCentro Universitário Moura Lacerda.* Bacharel em Arquitetura e Urbanismo pelo Centro Universitário MouraLacerda, campus Ribeirão Preto. Email: [email protected]** Professora orientadora. Doutora em Ciências da Engenharia Ambientalpela EESC-USP- área de interesse: clima e arquitetura; mestre emTecnologia do Ambiente Construído pela EESC-USP- área de interesse:arquitetura bioclimática. Email: [email protected]

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permanecem seguindo as mesmas bases. A populaçãopassou por diversas transformações nos últimos anos, e comisso o programa e a proposta desses equipamentos tambémdeveriam se modernizar para atender à população de formamais abrangente.

Levar cultura à população, de maneira geral, é ointuito de todos os centros culturais, mas o que realmentese entende como cultura? Para melhor compreensão daquestão, utilizou-se a definição de Taylor sobre cultura(2007, não paginado): “Um todo complexo que incluiconhecimento, crença, arte, moral, lei, costume e quaisqueroutras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem comomembro da sociedade”.

Sob este aspecto, a cidade necessita de planos epropostas que incentivem a implantação de equipamentosmais complexos, que consigam agregar atividades em umúnico edifício, que apoiem a população de maneira maisampla, proporcionando desenvolvimento humano e inclusãosocial por meio da cultura e do assistencialismo.

Compreender as diferentes formas de percepçãoque a cultura nos permite formular é fundamental para oestudo - cultura e abrangência junto à sociedade.

Devido às diferentes mudanças no modo de viverda sociedade, nos últimos anos, percebeu-se a necessidadede atualização da proposta oferecida, até então, como fontede cultura e lazer.

Dessa forma, pode-se entender como espaço decultura, segundo Trenti (2010, p.23):

Um espaço onde o principal objetivo é o aprimoramentointelectual, através de uma manifestação de um atributo dasociedade, podendo ser distintivo de um grupo ou de umúnico indivíduo, estimulando a prática de atividades queajudem a disseminar culturalmente a identidade do municí-pio e aperfeiçoando o conhecimento da sociedade.

Assim como é essencial compreender a importânciado equipamento cultural de maneira a atender de forma maiscompleta à sociedade, é importante pensar na qualidade devida da população, com saúde, trabalho, educação eassistência que pode ser garantida e proporcionada por umequipamento multifuncional, integrando atividades quevenham a trazer benefícios e desenvolvimento.

Quanto ao desenvolvimento humano, consegue-seentender melhor as abordagens quando são estudadas asteorias de Rabello e Passos, que definem como “uma dasprincipais influências à cultura”.

E, para melhor compreensão da questão, pode-severificar a colocação, segundo Barros (2012, não paginado):

[...] A cultura gera desenvolvimento humano porque for-nece instrumentos de conhecimento, reconhecimento eautoconhecimento. [...] A cultura também pode gerar opor-tunidades à vida coletiva e pode incidir sobre as condi-

ções materiais da vida. O desenvolvimento humano [...]inclui oportunidades de saúde, educação e criação e apossibilidade de desfrutar de respeito pessoal e dos di-reitos humanos”.

POPULAÇÃO CARENTE: A SITUAÇÃODO BRASIL E OS PROBLEMAS SOCIAIS

A pobreza e a desigualdade são questões socioeco-nômicas que têm acompanhado a história do Brasil desde oinício de sua ocupação; assim, embora tanto a pobreza quantoa desigualdade social tenham apresentado melhoras, aindaaparecem em níveis elevados, mesmo com a criação deinstituições governamentais voltadas especificamente parao seu combate.

Ao analisar a condição de vida da população,comumente se avalia a questão de renda, porque a rendaestá diretamente associada a suprir as necessidades básicas.Entende-se melhor esse conceito segundo IZEPÃO,ALBUQUERQUE E FERNANDES, apud KAGEYAMAe HOFFMANN (2006, p. 80).

A noção de pobreza refere-se a algum tipo de privação,que pode ser somente material ou incluir elementos deordem cultural e social, em face dos recursos disponíveisde uma pessoa ou família. Essa privação pode ser de na-tureza absoluta, relativa ou subjetiva. A identificação dospobres, segundo a definição adotada, e a medida agrega-da da extensão da pobreza numa sociedade têm constitu-ído um campo de pesquisa tão amplo quanto antigo (...)(KAGEYAMA e HOFFMANN, 2006, p. 80).

De maneira mais geral, pode-se entender a pobrezacomo um fator complexo e derivado de muitas causas, sendoque as necessidades da população de forma geral não sãoatendidas.

No Brasil, faltam políticas assistenciais queamparem a população de baixa renda em seus aspectosmais básicos, como saneamento e moradia. Em paralelo,vê-se, segundo a ONU, o país com o sexto maior ProdutoInterno Bruto (PIB) mundial, mas o quarto maior nível dedesigualdade da América latina.

Percebe-se que renda o país possui, mas a mádistribuição faz com que uma grande parcela da populaçãoviva em situação precária, enquanto poucos possuem muitodinheiro. Como exemplo, pode-se observar, segundo a ONU,o Brasil com cinco cidades ocupando o primeiro lugar emmá distribuição de renda entre as camadas da populaçãode toda a América latina: Goiânia, Fortaleza, Belo Horizonte,Brasília e Curitiba.

Um estudo realizado pela ONU – Habitat apontouo Brasil como o 19° país em atendimento a saneamentobásico. Comparando alguns números brasileiros com deoutros países:

Figura 01: Comparação de índices entre países da

MONTAGEM 23

América Latina.

Fonte:http://g1.globo.com/brasil/noticia/2012/08/brasil-avanca-mas-e-quarto-pais-mais-desigual-da-america-latina-diz-onu.html.

O Brasil é o 14º país da América Latina, segundo orelatório da ONU, com mais pessoas vivendo em favelas.No país, 28% da população mora em comunidades cominfraestrutura precária, e a grande maioria em situaçãoinformal.

Observou-se que o Brasil é um País quehistoricamente apresenta grandes níveis de desigualdade epobreza. No entanto, é preciso considerar alternativas paragerar mudanças positivas, pois há lentidão na evolução daspolíticas públicas relativas à promoção de melhorias sociaisàs classes menos favorecidas pelo crescimento econômico.

A SITUAÇÃO DE RIBEIRÃO PRETORibeirão Preto é um  município  brasileiro  no  interior 

do estado de São Paulo, Região Sudeste do país,localizando-se a noroeste da capital do estado, a cerca de 310 km desta.Ocupa uma área de 650,366 km², sendo que 127,309 km²estão em perímetro urbano e os 523,051 km² restantesconstituem a zona rural. Além de importância econômica, omunicípio é relevante centro de saúde, educação, pesquisas,turismo e cultura.

Segundo dados analisados, do Atlas de Desenvol-vimento Humano, sua população vem apresentando aumentosignificativo nos últimos anos, com médias de crescimentosuperiores às do Estado e do País, principalmente pelo au-mento da expectativa de vida da população e pela procurade pessoas em busca de oportunidades.

Em 2014, sua população foi estimada,pelo IBGE, em 658.059 habitantes, e foi o município quemais cresceu entre as maiores cidades do estado de SãoPaulo. Entre os 35 maiores municípios brasileiros, apopulação ribeirão-pretana foi a sexta com maior taxa deaumento populacional (1,3%). Portanto, cresceu o dobroda capital paulista, maior cidade do país, e bem mais que amédia (0,86%) do Brasil.

Segundo a prefeitura municipal de Ribeirão Preto,em 2010 havia 44 favelas na cidade e 23 mil habitantesvivendo nelas. Em contraste com essa situação desubocupação, tem-se a cidade em plena expansão urbana e

populacional.Para amparar e apoiar a população, por meio do

oferecimento de cultura e lazer, a cidade conta comprogramas como Sesi, Sesc, Senac, Centros Culturais ediversos parques, mas a população carente ainda necessitade assistência a necessidades básicas.

Figura 02: Mapa de Ribeirão Preto com a localizaçãodos principais equipamentos culturais da cidade.

Fonte: http://www.ribeiraopreto.sp.gov.br/splan/mapas/setores.pdf, edição realizada pelo autor, 2014.

24 Revista do Centro Universitário Moura Lacerda

Figura 03: Mapa com localização dos principais equipamentos culturais em Ribeirão Preto.

POPULAÇÃO: INCLUSÃO E AMPAROA população necessita de amparo, principalmente

os cidadãos mais carentes, que não reúnem condições parater acesso a serviços básicos. Para que se possa garantirdesenvolvimento à sociedade é necessário o oferecimentode melhores condições de educação, desde a formaçãoescolar.

Uma alternativa ao amparo à população carente éa implantação de equipamentos públicos que atendam a suasnecessidades básicas, tendo como fundamento a cultura ea educação visando garantir conhecimento e integração.Com o oferecimento de cursos de capacitação profissionale amparo social, a inclusão propõe que todos consigam serreconhecidos como iguais e que tenham as mesmasoportunidades.

Pode-se entender melhor este conceito, segundoAranha (2012, p.02):

A ideia da inclusão se fundamenta numa filosofia quereconhece e aceita a diversidade, na vida em sociedade.Isto significa garantia do acesso de todos a todas asoportunidades, independentemente das peculiaridadesde cada indivíduo e/ou grupo social.

Entende-se que, através do oferecimento de meiospara aprimorar o cidadão, podem ser garantidosconhecimento, saúde, educação e lazer, e transformar arealidade de uma população com baixas expectativas decrescimento.

A inclusão social da sociedade não depende apenasde reduzir as diferenças, mas também do oferecimento de

Fonte: Elaborado pelo autor, 2013.

meios para que a população possa ter as mesmasoportunidades, sem restrições por classe social. Para melhorcompreensão foi utilizada a definição de inclusão social deBalaroti, 2008.

Inclusão social é um conjunto de meios e ações que com-batem a exclusão aos benefícios da vida em sociedade,provocada pela falta de classe social, origem geográ-fica, educação, idade,existênciade deficiência ou preconceitosraciais. Inclusão Social é oferecer aos mais necessitadosoportunidades de acesso a bens e serviços, dentro de umsistema que beneficie a todos e não apenas aos maisfavorecidos no sistema meritocrático em que vivemos.(BALAROTI, 2008).

Dessa forma, entende-se que inclusão poderá seruma fonte de amparo à população. Nos diferentes meiospara se chegar a esse amparo está a cultura, que garanteao indivíduo oportunidade de aprimoramento intelectual,assim como social.

Seguindo essa teoria fica mais fácil entender aquestão, segundo a definição de cultura exposta por Pedrosa(2009, apud VECCHIATTI 2004, p.93:

Pensar na cultura como fator de desenvolvimento signifi-ca valorizar identidades individuais e coletivas, promo-ver a coesão em comunidades e levar em consideração ascaracterísticas da cultura podem ser um fator de cresci-mento em determinados territórios (...). A área produtiva,as redes de infraestrutura e de serviços não funcionamde maneira adequada se não houver investimento no serhumano, em sua formação, saúde, cultura, lazer e infor-mação.

MONTAGEM 25

EDUCAÇÃO E LAZER COMO ALTERNATIVASDE ASSISTÊNCIA À POPULAÇÃO

Analisar as relações existentes entre o lazer, a escolae o processo educativo, e de que forma essas possíveisrelações podem ser consideradas, torna-se fundamental paraentender os processos em que se pode estimular odesenvolvimento de crianças e jovens. Percebe-se aimportância do papel da escola quando se considera o lazer,quer como instrumento, quer como objeto de educação.

A abordagem indireta do lazer pode ser verificadaquando o foco principal de análise é um de seus conteúdosculturais, e também é marcadamente caracterizado porcomponentes de obrigação, como, por exemplo, as relaçõesfamiliares, escolares e de trabalho.

Quando se fala em lazer, comumente se associa aodivertimento e ao descanso; no entanto, o lazer pode sermais abrangente, levando ao estímulo e à educação, e podeser definido de acordo com a qualidade das atividades.

Pode-se compreender melhor o conceito de lazer,segundo Dumazedier (1974, p. 34) :

[...] conjunto de ocupações às quais o indivíduo podeentregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja paradivertir-se, recrear-se entreter-se ou ainda para desen-volver sua formação desinteressada, sua participaçãosocial voluntária, ou sua livre capacidade criadora, apóslivrar-se ou desembaraçar-se das obrigações profissio-nais, familiares e sociais [...]

O lazer pode ser entendido como atividade deescolha individual, praticada no tempo disponível, gerandodivertimento e o desenvolvimento da personalidade e dasociabilidade. No entanto, quanto mais carente é umapopulação menos incentivo e condições os cidadãospossuem para prática de tais atividades.

Segundo Marcelino (2009, p. 32), “na educação –fator preponderante no desenvolvimento humano – o lazertem sido utilizado, hoje, como um instrumento mais eficaz...”

EQUIPAMENTO URBANO E SEU LUGAR NACIDADE

A cidade pode ser entendida como o espaço devivência das pessoas. Nela as pessoas se interagem e seintegram. Pode-se caracterizá-la pelo estilo de vidaparticular de seus habitantes, pela urbanização e pelaconcentração de atividades. BARROS (2007, nãopaginado).

Levando em consideração essas questões, esteartigo apresenta a proposta de um equipamento com funçãosocial e que seja implantado analisando as característicasdo lugar onde será inserido. Entende-se essas característicascomo: o clima, o entorno, a paisagem e a topografia do lugare o perfil da população a quem o equipamento se destina.

Sob esse aspecto, pode-se entender melhor o conceito de“lugar”, segundo a teoria de Dantas (2007, p.19): “O conceitode lugar compreende um conjunto de identidades particularese a existência de um espaço específico. [...] O lugar écomposto por contextos: social, político, histórico, econômico,cultural e físico.”

Pode-se dizer que as características do lugar, assimcomo da população que vive em determinada área, sãoimportantes para definição projetual, pois a cultura de umapopulação está diretamente ligada as suas origens e seuscostumes. Seguindo essa teoria, fica mais fácil entender acultura e seus valores para a sociedade, segundo Angola(2007, Não paginado) que diz:

Cultura é a junção de ideias, abstrações e comportamen-to de um determinado grupo/ sociedade. Dessa forma, elaenvolve tanto as relações materiais de um povo comosua habitação, transporte, indumentárias e adornos, ali-mentação e bebidas, instrumentos de produção etecnologias; como aspectos imateriais, como conhecimen-tos (que lhes permitem a sobrevivência), crenças (o queacreditam), valores (indicando o que é “bom” e “ruim”),normas (limitam os seres) e símbolos (remete-se a signifi-cados), que orientam um grupo de seres para a ordem evida em uma sociedade. Tudo criado e pensado pelo pró-prio homem junto aos seus semelhantes (de forma coleti-va), de modo que transforma a natureza, com objetivo desatisfazer suas necessidades de vida.

Ou seja, tal conceito define que a cultura pode serde arte ou conhecimento, mas pode ter um significado paraa sociedade em detrimento de seus costumes e de suasvivências, daquilo que a cerca e que adquire como valores.

Partindo da concepção de como as necessidadesda população podem ser atendidas, foi utilizado o conceitoestudado por Wilder, o qual coloca que, por meio de umaação cultural é possível trazer melhorias para a vida e parao meio em que o indivíduo vive. Para melhor entendimentoé usada a definição de ação cultural, onde Wilder (2009,p.28,29) diz:

Ação cultural significa, portanto, conceber programas eprojetos visando à construção de percepções críticas darealidade, de formação de cidadãos conscientes de seussaberes e de sua cultura, aptos a participarem da culturade seu tempo [...]

Portanto, é fundamental que se entenda aimportância do conceito citado para que se possacompreender a participação da população, assim como oentendimento da mesma em perceber suas reaisnecessidades, para que essas possam ser atendidas, demaneira mais ampla, por um equipamento. Assim, por meiodas características do lugar e da população, e doentendimento das principais necessidades da mesma, é que

26 Revista do Centro Universitário Moura Lacerda

se pode projetar um equipamento com função social queconsiga abranger as necessidades e características locais.

O equipamento com caráter social visa atenderprincipalmente às camadas mais desfavorecidas dasociedade. Segundo esse princípio, podemos nos embasarna definição de MARTINS (2009, apud Wilder 1997, p. 163),para tais equipamentos:

[...] responsáveis pela estruturação de processos quepermitirão à população o acesso à cidadania, ou seja, ofato de ser sujeito de sua vida cultural e, por consequência,política, responsável, também pela preservação de váriasvozes da sociedade. [...].

Ou seja, são edifícios que visam a ações culturaisvoltadas para o desenvolvimento de diferentes formas, sendouma dessas a conscientização crítica e reflexiva depopulações “abandonadas”, instrumentando educação esaúde por meio de programas especiais a se utilizaremdesses espaços.

Para Dantas (2007, p. 20), “[...] o lugar é enfatizadocomo região que configura uma unidade cultural”. Levandoem consideração esse fato, a estação de desenvolvimentohumano visa ser projetada seguindo as características locaisda área onde será inserida, sua história e tipologiasexistentes, considerando as características da população esuas necessidades.

PARTIDO ARQUITETÔNICO ATENDENDO ÀSNECESSIDADES DA POPULAÇÃO

Ao longo da história, muitas áreas da ciência foramse modernizando e, à medida em que o homem evolui, aarquitetura se aprimora para atender da melhor forma asuas necessidades.

A modernização do conceito da arquitetura fez comque os arquitetos passassem a dar valor ao sentido do partidoao qual iriam adotar para o edifício projetado. Pode-seentender que o partido arquitetônico se torna elementofundamental no entendimento e funcionamento que se querdar ao edifício projetado.

O partido arquitetônico, segundo dicionário daarquitetura, pode ser defino como:

Conjunto de diretrizes gerais que serão determinantespara o projeto arquitetônico, tais como programa do edi-fício, conformação topográfica do terreno, a orientação eo clima, o sistema estrutural adotado, as condições lo-cais, a verba disponível, as codificações das posturasque regulamentam as construções, o entorno da obra e,principalmente, as intenções plásticas do arquiteto, e dizrespeito à distribuição das massas construídas no terre-no, aos volumes das edificações, à proporção entre chei-os e vazios, às superfícies iluminadas e sombras, e aosprincipais materiais e técnicas construtivas a serem em-

pregados. Partido horizontal é aquele em que predomi-nam as circulações horizontais, e partido vertical é aque-le em que predominam as circulações verticais.

Entende-se que o partido é igual ao contexto, e queo objetivo do programa é formado a partir da interpretaçãodas condicionantes somadas à intenção plástica do projetista.Silva (1991, p. 32):

Cabe ao arquiteto definir o papel que o edifício irá desem-penhar. Se irá ser integrador ou limitador. A isso, se defineo caráter espacial adotada e a atratividade que o edifícioirá desempenhar em relação à cidade.

Compreendendo melhor as necessidades doscidadãos e suas perspectivas sobre a realidade existente ea que almejam alcançar, pode-se adotar um partido onde aproposta seja para um equipamento urbano social que atendaas questões levantadas e que se torne referencia de apoiopara a população.

PROPOSTA DE ESTAÇÃO DE DESENVOLVIMEN-TO HUMANO ATENDENDO ÀS NECESSIDADESDA SOCIEDADE

Para estudo e análise de um equipamento urbanosocial foi feita a proposta de implantação da estação dedesenvolvimento humano, visando ao atendimento dasproblemáticas levantadas.

O equipamento proposto prevê a união de diversasatividades em um único edifício, de maneira que a populaçãoseja atendida de forma mais completa. Para a realizaçãodo projeto foi escolhida uma área na cidade de RibeirãoPreto, onde foram analisados dados como facilidade deacesso e características da população do entorno.

A área escolhida para a proposta se localiza nobairro Jardim Ipiranga, um bairro grande, com áreasabandonadas e degradadas e com uma população de classebaixa, que necessita de amparo e oferta de oportunidades.

Caracterização da proposta

A estação de desenvolvimento humano foi pensadapara ser um equipamento urbano de caráter social, tendosua organização em blocos distintos para cada setor deatividades, formando uma setorização, que pode serdiferenciada por meio do uso de cores.

Estima-se, para a proposta, um equipamento comcapacidade para atender a 1.500 pessoas/dia. Serãooferecidas áreas como biblioteca, sala de informática, salade exposições, salas para cursos de capacitação eaperfeiçoamento, auditório, quadras, piscinas cobertas paraprática de esportes, piscinas descobertas para lazer,academia, lanchonete e áreas verdes.

MONTAGEM 27

Fonte: www.google.com/maps, montagem elaborada pelo autor, 2013.

Figura 04: Localização da área para implantação da proposta.

Figura 05: Setores existentes na proposta e suas funcionalidades.

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Organizar

Administrar

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Elaborar

Informar

Gerenciar

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Descansar

Dançar

Beber

Aprender

Jogar

Nadar

Brincar

Vestir

Exercitar

Educar

Aprender

Informar

Buscar

Apreciar

Aperfeiçoar

Organizar

Limpar

Consertar

Manter

Auxiliar

Orientar

Organizar

Distribuir

Relacionar

Descansar

Apreciar

Comer

Fonte: Elaborado pelo autor, 2013.

28 Revista do Centro Universitário Moura Lacerda

Caracterização da edificaçãoA proposta foi concebida em uma área de 80.000

m², sendo formada com grandes áreas verdes e áreas deconvívio, com o intuito de tornar o edifício parte da cidade,podendo ser acessado também pelas pessoas de passageme não apenas por quem exerce atividades no mesmo.

A área foi dividida de acordo com seus usos:

· Blocos: Para a prática de esportes, lazer,educação e cultura, e para a administração.As atividades são realizadas em blocosseparados por setor e identificados através douso de cores em suas fachadas.

· Piscinas descobertas: Para a prática do lazer,sendo uma piscina para adultos e uma paracrianças.

· Deck: Um deck seco, localizado entre aspiscinas para adultos e para crianças, permitindomaior integração entre elas, e um local paraas crianças brincar próximas aos adultos. Alémdo deck seco, possui um deck molhado,utilizado pelos banhistas na hora de sebronzearem.

· Área verde: Distribuída por todo o terreno,garantindo maior conforto térmico, isolamentoacústico das vias de maior fluxo e umapaisagem agradável aos usuários.

· Estacionamento: Com 43 vagas, sendo cincoreservadas para portadores de necessidadesespeciais, com acesso pela Avenida Rio Pardo.

· Convívio: Permitindo que os usuários doequipamento se relacionem e tenham um localpara reuniões e encontros, assim como paradescansar.

· Circulação: Formada por circulaçõeshorizontais e verticais, organizadas porpassarelas, elevadores e escadas, garantindoa acessibilidade de todos.

· Lanchonete: Um local onde as pessoas possamcomer entre as atividades ou parar para tomarum café.

ProjetoPara o desenvolvimento da proposta utilizou-se uma

cobertura independente da edificação, permitindo maiorcirculação de ar, otimizando o uso de recursos naturais, comoa iluminação e a ventilação natural. Sobre a cobertura forampropostas placas fotovoltaicas para a geração de energiapara a edificação, e também foram propostas lixeiras decoleta seletiva do lixo, para estimular a conscientização dapopulação para menor geração de impactos ambientais.

Nas fachadas foram adotados sistemas semelhantesa venezianas, formadas, entretanto, por chapas de alumínio

e vidro, havendo possibilidade de abertura e circulação dear no interior dos blocos.

Figura 06: Tecnologia utilizada nas fachadas dos bolos.

Fonte: Desenvolvido pelo autor, 2013.

Figura 07: Implantação simplificada da proposta.

Legenda: 01 - Ginásio de esportes, 02 - Academia, 03 - Vestiários,04 - Piscina coberta, 05 - Piscina descoberta, 06 - Administração,07 - Área técnica, 08 – Biblioteca / informática / sala de exposições/cursos de capacitação, 09 - Auditório, 10 - Estacionamento, 11 -Lanchonete.

Fonte: Elaborado pelo autor, 2013.

MONTAGEM 29

Fonte: Elaborado pelo autor, 2013.

Figura 09: Perspectiva ilustrativa – Fachada Via Norte.

Figura 08: Cortes da proposta.

Fonte: Elaborado pelo autor, 2013.

Pode-se observar na perspectiva da proposta atecnologia de venezianas ventiladas utilizada nas fachadas,na qual permitem a circulação de ar, entrada de luz naturale maior integração dos usuários por todo o equipamento,pois permite visibilidade parcial de quem está fora dos blocose dentro dos mesmos.

Figura 10 - Área externa do auditório.

Pode-se observar, na imagem acima, a presença de elevadore escada, pois o foyer do auditório se localiza na partesuperior do bloco, contando com sanitários e um café. Épossível perceber que o acesso ao interior do auditório estádistante da entrada dos demais blocos, porque o ruídoproduzido pelas diversas atividades poderia interferir noseventos que ocorrem no local. Fonte: Elaborado pelo autor, 2013.

30 Revista do Centro Universitário Moura Lacerda

Figura 11: Perspectiva Ilustrativa – Interior Auditório.

Fonte: Elaborado pelo autor, 2013.

Figura 12: Ginásio de esportes – Vista da entrada.

Fonte: Elaborado pelo autor, 2013.

MONTAGEM 31

Para a cobertura do conjunto de edificações, foiescolhida uma cobertura espacial, sendo uma coberturaindependente de cada edificação. O sistema de estruturaespacial é geralmente usado em coberturas planas degrandes vãos, sendo os esforços vencidos em duas direções.Considerando-se que a estrutura espacial vence os vãosem duas direções a forma quadrada é a mais indicada. Asbarras desse tipo de estrutura são fixadas por parafusos nonível do terreno da obra.

Verificou-se a necessidade de tornar o equipamentomais sustentável, e dessa forma foram instaladas sobre acobertura placas fotovoltaicas, a fim de gerar energia. Paraa colocação correta das placas foi feita uma estimativa doconsumo de energia/dia, chegando a um total de 192 placasde 2,4 m², obtendo – se um total de 138.00 w.

Para o funcionamento da geração de energia, foiinstalada uma área técnica, onde ficam localizados osequipamentos para a geração da energia, através do calordo sol recebido, e para a distribuição da mesma. Para garantira sustentabilidade da edificação também há uma área paraa coleta do lixo, onde há lixeiras de coleta seletiva, e umaárea de recolhimento desse material, onde o acesso é feitopela área externa da edificação.

CONSIDERAÇÕES FINAISO objetivo deste trabalho foi apresentar o

entendimento da conscientização de se estimular odesenvolvimento de populações de baixa renda,apresentando a importância de um equipamento urbanosocial para a cidade, visando proporcionar a inclusão dasociedade como método de garantir a todos as mesmasoportunidades, assim como gerar uma proposta de projetoque atenda à população de maneira ampla, garantindo oacesso de todos e o oferecimento de oportunidades àpopulação.

Baseando-se na realidade do município de RibeirãoPreto, junto à análise dos estudos relacionados ao local e ascaracterísticas da população da região, juntamente com oentendimento do tema, desenvolveu-se um programa denecessidades, buscando tirar partido do terreno, setorizandoa edificação da melhor maneira possível, junto aos acessose os diferentes níveis.

O projeto do edifício para a cidade é importantepara a difusão da arte, da cultura e da ampliação do acessoa oportunidades. Assim, além de proporcionar amparo àsociedade, valoriza a área, incentiva a educação,proporciona integração entre a cidade e o equipamento eatrai os cidadãos. Também é importante para a cidade pelocaráter tecnológico, pois sua tecnologia permite maioraproveitamento dos recursos naturais e, além de não agredira natureza, ainda ajuda com suas áreas verdes e geração

de energia, podendo servir de exemplos a edificaçõesfuturas.

Os objetivos do trabalho foram atingidos, tendo aproposta como fator de desenvolvimento e inclusão, e,através do partido, conseguiu-se formar um projeto amploe integrador, capaz de atender à população de maneira geralem suas diversas necessidades, por meio de blocos distintospor atividades, além de áreas verdes que se comunicamcom os blocos e garantem melhoria do conforto térmico,acústico e visual do local.

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MONTAGEM 33

ResumoNeste artigo, pretendo abordar o “Rumor” através

de uma proposta multidisciplinar, pois dialogarei com asteorias da comunicação, a sociologia dos rumores e adisciplina história, por assim dizer, com o objetivo de buscarse essas possíveis diferentes respostas se apresentarão aum pesquisador que tenta pensá-las como objeto históricoverificável. Para tanto, partirei de uma discussão sobre oque são rumores, passando por sua discussão no campo dasociologia da comunicação, no intuito de provar que o rumor,como evidência histórica, também pode ser utilizado comoum objeto para entender mecanismos do passado,especialmente o mundo romano.

Palavras-chave: Rumor; Pesquisa Histórica; GuerrasCivis; Roma; Propaganda Militar.

THE RUMOR CAN BE AN OBJECT HISTORYTO STUDY ANTIQUE?

AbstractIn this article, it’s my purpose to see the “Rumor”

through multidisciplinary proposal attached to theories ofcommunication, sociology of rumors and history as a discipline,in order to pursue the different and possible answers whichwill be presented to a researcher who tries to think of it as averifiable historical object. For this pursuit, I will start on adiscussion of what are rumors, passing through the discussionin the sociological and communicational areas in order to provethat the rumor can be seen as historical evidence and also beused as an object to understand mechanisms of the past,especially in the world Roman. My finally goal with thisreflective and writing exercise is to prepare the groundworkfor my P.H.D research in Social History, as I intend to workwith the theme rumors in the civil wars in the Year of theFour Emperors (68 - 69 AD).

Keywords: Rumour; Historical Research; Civil Wars;Rome; Military Propaganda;

O RUMOR PODE SER UM OBJETO HISTÓRICO PARA ESTUDARMOS A ANTIGUIDADE?

Ygor Klain Belchior*

O PREÂMBULO NECESSÁRIO: AFINAL, OQUE É UM RUMOR, E UM RUMOR É UM

EVENTO HISTÓRICO?

“O Rumor correu de uma só vez através das gran-des cidades da Líbia”.

Virgílio. Eneida. IV, 173

O que é um rumor? Esta é uma pergunta essenciala ser feita por um estudo que se proponha a lidar com essetema. Justificamos nossa preocupação em apresentar essadúvida como ponto de partida porque foi possível perceber,nas recentes publicações sobre esse tema, principalmente aslocalizadas na área da sociologia e psicologia do rumor, quegrande parte dos pesquisadores partem do princípio que nãoexiste um consenso sobre a definição desse vocábulo. Nemmesmo entre os especialistas do tema1. No entanto, natentativa de estabelecer esse objeto como histórico, verificávele importante para nos indagarmos sobre o ano de 69,acreditamos que seja possível começar nossas reflexões apartir de outras perguntas diferentes daquela que deu origemao nosso texto. Assim, é possível perguntar: Rumor é umboato? Uma lenda urbana? Uma fofoca? O rumor pode seruma forma de discurso político ou até mesmo ser usado comouma poderosa arma política? Um rumor pode representarum acontecimento verdadeiro ou ele sempre será uma mentiraque ganhou amplitudes não esperadas? O rumor é umaafirmação ou uma indagação? Além disso, é possível traçara origem de um rumor? Ou sua amplitude? Em suma, o queé e para que serve um rumor?

Essas questões iniciais traduzem um problema muitoimportante para resolvermos algo que, segundo o sociólogoamericano Gary Alan Fine, pode traduzir um sentimentoquase que rotulador das sociedades modernas. Afinal, parao autor, “as sociedades contemporâneas estão embebidasno rumor” 2. E isso fica evidente se atentarmos para o fatode que vivemos em um mundo onde as informações sãorápidas e estão cada vez mais disponíveis para todos. Alémdisso, em um mundo capitalista, como o nosso, onde ainformação de primeira mão é considerada como um produtomuito valioso, principalmente para o frágil mercado de ações,fica possível observar uma aliança quase que ingrata (pelomenos para as pessoas comuns/ os consumidores) entre osrumores e a venda de certos produtos. Quem nunca se

* Graduação e Mestrado em História, pela Universidade Federal deOuro Preto. Atualmente é Doutorando em História Social, pelaUniversidade de São Paulo, sob a orientação do Professor NorbertoLuiz Guarinello, e é membro do Laboratório de Estudos sobre o ImpérioRomano e Mediterrâneo Antigo (LEIR-MA/USP). Para maioresinformações, acessar o sítio do grupo de pesquisas:http://leir.fflch.usp.br/ ou o sítio pessoal do autor:https://usp-br.academia.edu/YgorBelchior.E-mail: [email protected]

1 BORDIA, Prashant; DIFONZO, Nicholas. Rumor, Gossip and UrbanLegends. Diogenes, 2007, 54: 19. p. 19.2 FINE, Gary Alan. Rumor, Trust and Civil Society: Collective Memoryand Cultures of Judgment. Diogenes, 2007, 54: 5. p. 5.

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mobilizou para conseguir algo que se encontra nas “últimasunidades”, ou correu ao posto de gasolina mais próximo paraabastecer seu carro antes de um possível futuro aumentodos preços 3?. Ou seja, o rumor está em toda parte!

No entanto, apesar da presença bem cotidiana dessefenômeno social, é somente a partir do século XX que osrumores gerados no seio de diversas sociedades encontraramum aliado muito importante para sua disseminação,credibilidade, e para que encontrasse outros motivos quefacilitassem sua criação: uma comunicação rápida e em nívelmundial4. Tudo isso impulsionou grande parte dos estudossobre essa temática para os braços da teoria da comunicaçãopolítica, da psicologia social e, principalmente, da sociologianorte-americana, sendo, portanto, relegado de grande partedas reflexões históricas. O motivo disso é claro. Para ospesquisadores, as evidências comprováveis da existência eeficácia desses rumores somente são verificáveis nassociedades modernas.

Mas, afinal, o rumor pode ser um evento histórico?Respondendo a essa pergunta, podemos citar alguns eventosmarcantes do mesmo século XX, tal qual trabalhado pelaspesquisas supracitadas, no intuito de demostrar a necessidadede que também devemos pensar o rumor como um objeto depesquisa no campo da história, principalmente da históriasocial. Dentre esses acontecimentos, podemos destacar odia 30 de outubro de 1938, véspera do dia das bruxas, quandoo locutor da Rádio CBS (Columbia Broadcasting System),de Nova Iorque, decidiu interromper a programação musicalda emissora para narrar em tom jornalístico a invasão demarcianos ao planeta terra. Essa performance artística, quecontava com a credibilidade de uma narrativa exposta emuma “liturgia e tonalidade radiojornalística, na verdade nãopassava de uma reinterpretação do romance “A guerra dosMundos”, uma adaptação da novela de H. G. Wells.

Composta de elementos muito realísticos, comoentrevistas de autoridades, e de efeitos sonoros, essabrincadeira não só funcionou como catalizador de audiênciapara a emissora, mas também desencadeou uma série deeventos que assustaram a população de três cidades (dentreelas Nova Jersey e Nova Iorque), totalizando um pânico demais de 1.200.000 pessoas. Esse episódio ganhou notoriedadenos mais diversos veículos de informações, como o jornal“Daily News”, que no dia seguinte ao evento trouxe a seguintemanchete: “Guerra falsa no rádio espalha terror pelosEstados Unidos” 5. E esse terror era ocasionado em grande

parte pelos rumores ocasionados pela recepção da notícia,transformando uma sociedade em pânico.

Capa do Jornal Daily New no dia 31 de outubro de1938. Fonte:http://www.slate.com/content/dam/slate/articles/arts/history/2013/10131028_HIST_OrsonWellesDailyNews.jpg.CROP.promovar-medium2.jpg(Acessado em 02/12/2014).

Outro fato interessante e que ilustra muito bem anecessidade de pensarmos o rumor como um objeto deimportância histórica ocorreu em Recife, Brasil, no ano de1975. Nesse caso específico, o rumor deflagrado foi que arepresa de Tapacurá, construída pelos militares em 1973para conter o avanço das águas na cidade de Recife, haviaestourado e um grande turbilhão de água estava a caminho.Esse fato, quando somado com a experiência de grandesenchentes que a cidade sempre vivenciou, desde suaocupação pelos Holandeses, no século XVII, ocasionou umgrande pânico na população, o que levou, inclusive, ao êxodode seus moradores. No entanto, apesar de nenhuma fonteoficial comprovar o acidente, o rumor se espalhouprontamente pela população recifense. Nesse ambiente depânico que se alastrava, as pessoas passavam a ter umacerta confirmação da possível “veracidade” da tragédiavindoura. Afinal de contas, com o alarde total da populaçãoe o ambiente quase que apocalíptico de abandono de

3 JHALLY, Sut. The Codes of Advertising: Fetishism and thePolitical Economy of Meaning in the Consumer Society.London:Routledge, Chapman and Hall Inc. 1990.4 MATTELART, Armand; MATTELART, Michèle. História das teorias da comunicação. São Paulo: Loyola, 1999.5 h t t p : / / s . g l b i m g . c o m / j o / g 1 / f / o r i g i n a l / 2 0 1 1 / 1 0 / 2 5 /guerradosmundos_welles_jornal_300x400.jpg. Acessado em 03/10/2013.

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trabalho, casas e carros, já era possível até “ouvir obarulho das águas chegando” 6. Essa eficácia tambémpode ser comprovada ao atentarmos para outro relato daépoca, sobre um diálogo entre um sargento e um popular,que perguntava: “Há confirmação oficial da queda dabarragem?”, e o oficial respondia: “Não, mas se eu fossevocê, corria!” 7.

Foto: Av. Guararapes. Pânico coletivo no Recife. Boatoque a Barragem de Tapacurá tinha estourado gerapânico no Recife. 10h do dia 21 de Julho de 1975. DP17.07.2005

Em suma, esses dois episódios que acabamos denarrar possuem um papel muito ilustrativo para nossaanálise. Além de ilustrarem a atuação e a eficácia de umrumor em duas localidades e temporalidades distintas,também nos apresentam algo bem mais interessante parajustificarmos a importância de estudarmos esse objetohistórico em nossa temporalidade proposta: o ano de 69.Nossa justificativa para tal abordagem é que concordamoscom a noção desenvolvida por Bordia e Difonzo, de quedevemos entender os boatos como frutos de um contextode ambiguidade de ameaça real 8, principalmente se essaameaça condiz com a memória coletiva daquela população9.

No caso da invasão marciana, às vésperas de um dia dasbruxas, e da ruptura da represa de Tapacurá, em uma cidadeque sempre sofreu com as cheias, o que temos é realmentea memória coletiva de que aquele contexto trazido pelo boatoé de ameaça à população. Além disso, deflagrados osrumores, o que podemos observar é que, conforme acomunicação entre os agentes aumenta e a informaçãopassa a atingir um número maior de ouvintes, o cenário deinstabilidade fica mais forte, confirmando, assim, até mesmoa veracidade de um falso rumor. Ainda dentro desse climade instabilidade, convém falarmos de outro contextoaltamente ambíguo, de ameaças mais do que reais, em queo boato não só aparece como algo assustador, mas quetambém serve como uma arma política muito poderosa: oambiente da guerra. Nesse sentido, e ainda situados noséculo XX, podemos apresentar algumas informações quecolhemos a respeito dos boatos no contexto da SegundaGuerra Mundial (1939 – 1945) 10, principalmente seanalisarmos algumas das propagandas feitas por governos

Cartaz feito pelo governo britânico e que circulou naInglaterra entre 1939 e 1946. Esta imagem pode serconsultada no The National Archives através doregistro INF3/232. Fonte 11:

6 SANTOS, Homero Fonseca dos. Viagem ao planeta dos boatos. Riode Janeiro: Record, 1996. p. 25.7 Idem. p. 20.8 BORDIA, Prashant; DIFONZO, Nicholas. Rumor, Gossip and UrbanLegends. Diogenes, 2007, 54: 19. p. 19.9 FINE, Gary Alan. “Rumor, Trust and Civil Society: Collective Memoryand Cultures of Judgment”. Diogenes, 2007, 54: 5. p. 10.

10 Essa cronologia se torna, talvez, mais emblemática se atentarmos parao fato de que a fundação de uma “Escola teórica” da psicologia dosboatos ocorreu nos Estados Unidos no ano de 1947. Ou seja, apenasdois anos após a resolução dos conflitos armados. Sobre a origem dessasreflexões Cf. ALLPORT, Gordon. W; POSTMAN, Leo. ThePsychology of Rumor. Oxford: Henry Holt, 1947.11http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/a/a1/INF3-232_Anti-rumour_and_careless_talk_You_never_know_who%27s_on_the_wires_%28Hitler_figure_sitting_on_telephone_wires%29.jpg/401px-INF3-232_Anti-rumour_and_careless_talk_You_never_know_who%27s_on_the_wires_%28Hitler_figure_sitting_on_telephone_wires%29.jpgAcessado em 03/10/2013)

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e que eram direcionadas aos boatos e aos rumores quecirculavam nesse ambiente instável e perigoso.

Como exemplo, podemos também nos referir a duaspropagandas envolvendo Hitler. Na primeira, podemosperceber que ele aparece sentado em fios de telefonia, coma mão posicionada em seu ouvido. Essa imagem vem seguidada legenda “You never know who’s on the wires! Be carefulwhat you say” – “Você nunca sabe quem está ‘grampeando’sua conversa! Cuidado como o que você diz” 12. Na segunda,o Führer aparece bem caracterizado, com ouvidos imensos,como se estivesse ouvindo tudo. Essa imagem é seguida dalonga legenda que diz o seguinte: “Mr. Hitler wants to know.He wants to know the unit’s name; where it’s going; whenceit came; ships, guns and shells all make him curious; but silencemake his simply fuehrious” – “Sr. Hitler quer saber. Ele quersaber o nome da unidade, para onde está indo, de onde elaveio; navios, armas e abrigos todos o fazem curioso, masfazer silêncio simplesmente o deixa furioso [aqui existe umabrincadeira com a palavra Führer]”13. Outros exemplos, etambém ligados diretamente ao rumor, também podem serobservados, como o caso de outra propaganda de guerra,onde um soldado aparece colocando uma meia na saída desom de um gramofone, que possui gravado em sua base aspalavras “Service gossip” – “Serviço de fofocas” e seguidoda legenda “Put a sock in it” – “Coloque uma meia nisso” 14.

Cartaz elaborado pelo cartunista Bert Thomas e que circulouna Inglaterra durante a Segunda Guerra Mundial.Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/8/8b/INF3-276_Antirumour and_careless_talk_Put_a_sock_in_it%21.jpg/255px-INF3-276_Anti-rumour_and_careless_talk_Put_a_sock_in_it%21.jpg (Acessado em 02/12/2014).

Sobre essas informações, principalmente as maisdignas de filmes e romances de espionagem, podemosafirmar que é possível encontrar um substrato altamentevalioso para ilustrarmos a necessidade de pensarmos o papeldesse objeto histórico, os rumores, em uma guerra. As“palavras que afundam um navio” – “words that sank aship” 15 e, principalmente, aquelas que são ouvidas por“torpedos” – “The torpedo is listening”16 podem custarvidas e fomentar boatos que causarão pânico generalizadono território de uma nação. Dessa maneira, para não cairnesse tipo de cilada tão típica de uma guerra, o que fica sãoas contramedidas: “Bata naqueles que espalham rumores”– “Punch the rumourists”17, “não dê atenção para osrumores” “pay no heed to rumours”18, ou no melhor estiloinglês “Keep calm and carry on”19 – “Mantenha-se calmoe siga com a vida”.

Cartaz elaborado pelo cartunista Radcllif e que circulou naInglaterra durante a Segunda Guerra Mundial.Fonte:http://www.nationalarchives.gov.uk/theartofwar/prop/home_front/INF3_0274.htm (Acessado em 02/12/2014).

12http: / /www.nedmart in.org/v3/propaganda/_images/INF3-232_Antirumour_and_careless_talk_You_never_know_who’s_on_the_wires_(Hitler_figure_sitting_on_telephone_wires).jpg Acessado em 03/10 2013.13http://images.fineartamerica.com/images-medium-large-5/mr-hitler-wants-to-know-war-is-hell-store.jpg Acessado em 03/10/2013.14http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/8/8b/INF3-276_Anti-rumour_and_careless_talk_Put_a_sock_in_it!.jpg Acessadoem 03/10/2013.

15http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/b/b9/INF3-246_Anti-rumour_and_careless_talk_Three_words_that_sank_a_ship.jpg Acessado em 03/10/2013.16http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/9/95/INF3-233_Anti-rumour_and_careless_talk_The_torpedo_is_listening_-_careless_words_may_cost_both_lives_and_ships.jpg Acessado em 03/10/2013.17 http://cdn.c.photoshelter.com/img-get/I0000oVlHdyFeOy4/t/200/I0000oVlHdyFeOy4.jpg Acessado em 03/10/2013.18http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/3/3c/INF3-227_Anti-r u m o u r _ a n d _ c a r e l e s s _ t a l k _ P a y _ n o _ h e e d _ t o _ r u m o u r _ -_official_news_will_be_issued_freely.jpg Acessado em 03/10/2013.19http://t1.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcTIEXON6bXVEoitM3OGMu8GWQPpYIccdSg2K-gD1dpj5jaHs53ESw Acessado em 03/10/2013.

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O DESFECHO NECESSÁRIO: PODEMOSESTUDAR UM RUMOR (MUITO) ANTIGOCOMO OBJETO HISTÓRICO?

“Nero não foi deposto pelas armas, mas por notícias(nuntiis) e rumores (rumoribus)”. Tácito. Histórias. I, 89

Antes de iniciarmos essa discussão, algumasperguntas sobre essa temática ainda são necessárias. Afinal,temos evidências, nas fontes, que possam embasar nossoestudo? Essas evidências podem tornar possível um estudoque vise medir a eficácia de um boato na antiguidade? Sesim, qual é a importância desse tipo de estratégia para asublevação de um princeps? E, caso exista essapossibilidade, é possível fazer uma transição de governosomente utilizando-se de boatos? Ou, ainda, e talvez aquestão mais importante de todas, qual é o papel dessesrumores em uma guerra civil? Para responder essasperguntas e iniciarmos de vez a discussão sobre nossashipóteses, recorremos ao historiador latino Tácito.

Sobre as fontes históricas que podem subsidiarnossas reflexões a respeito do ano de 69, podemos afirmarque elas foram compostas basicamente entre os séculos IIe III. Dentre as mais importantes, podemos citar asproduções do gênero história compostas por Tácito(Histórias), Dião Cássio (Livros LXIII- LXV de suaHistória de Roma) e Flávio Josefo (Guerras Judaicas),além das biografias escritas por Suetônio (como a Vida deGalba; de Otho, de Vitélio e de Vespasiano) e porPlutarco (Vida de Galba e de Otho). Sobre essas diversasfontes citadas, podemos afirmar que iremos lidar comautores que, assim como Tácito e Josefo, vivenciaram operíodo das guerras civis de 69. Além disso, no caso deTácito, podemos afirmar que o historiador produziu suasobras logo após a resolução desses conflitos, nos legando,assim, uma narrativa muito detalhada dos acontecimentosdos anos finais do governo de Nero e das estratégias bélicase políticas adotadas pelos mais diversos personagens queparticipam de sua narrativa. Para além desse autor, outrohistoriador que vivenciou diretamente os malefícios dasguerras civis, inclusive atuando muito próximo a Vespasiano,foi Flávio Josefo. Esse historiador judeu foi um doscomandantes da resistência judaica durante o conflito naregião da Judeia e, após a derrota de suas tropas, se alia aolado romano e ao partido do fundador da dinastia Flávia1.Por outra via, temos o relato de um terceiro historiador,Dião Cássio, que não teve nenhuma relação com osImperadores da primeira Dinastia e nem com conflitos doano de 69, já que seu nascimento se deu em 150, quasecem anos após a resolução dos conflitos2.

No entanto, apesar desse imenso material disponível

para estudarmos o período em questão, afirmamos quenossa escolha recairá, principalmente, nas obras Históriase Anais, de Tácito. Nossa justificativa para tal escolhapode ser ilustrada pelo fato de que o historiador vivenciouesses conflitos não só como expectador, mas tambématuando politicamente, principalmente através da produçãode obras dos mais diversos gêneros, mas que discutiamimportantes elementos de sua época3. E o mesmo vale paraa obra que pretendemos analisar, Histórias, que tambémfoi composta em um período bem próximo à resolução dessesconflitos, e que dialoga diretamente com eles4.

Tendo em vista essa apresentação, podemos afirmarque Tácito nos legou uma narrativa muito detalhada dosacontecimentos dos anos finais do governo de Nero e dasestratégias bélicas e políticas que foram trilhadas pelosagentes que vivenciaram “aquele longo e único ano” de69 (Tac. Dial, 17). Sendo assim, e também levando emconsideração não só aquilo que foi exposto anteriormente,mas grande parte das reflexões que analisamos sobre atemática dos rumores em Tácito, é notável que exista, porparte do historiador latino, uma preocupação especial emrelatar os rumores que circularam em Roma e nos exércitos5.E isso se dava, principalmente, porque era seu intuito descreveruma atmosfera de suspeitas, fofocas e de medo, que permeiama vida na Roma Imperial durante o principado, quando o rumore a reputação eram sempre manipulados para servir àsnecessidades de um homem no poder6.

Nas Histórias, I, 89, podemos apontar que ele nosoferece uma passagem muito emblemática e que justificade uma maneira muito segura nossa tentativa de observaros boatos como um fenômeno importante a ser estudadonesse contexto e nessa sociedade específica. Nesse trechoem questão, no qual o autor se refere à queda de Nero,podemos perceber que ele afirma que esta se deu muito

1 J. Bell. III, 387 a 401.

2 MILLAR, Fergus. Study of Cassius Dio. Oxford:Oxford UniversityPress, 1964.3 JOLY, Fábio Duarte. “História e retórica em Tácito”. In: LOPES,Marco Antônio (org.). Grandes nomes da História Intelectual. SãoPaulo: Editora Contexto, 2003. MARINCOLA, John. A companion toGreek and Roman historiography. Volume I. Oxford: BlackwellPublishing Ltd, 2007. SYME, Ronald. Tacitus. London: OxfordUniversity Press, 1967.4 BENNET, Julian. Trajan optimus: a life and times. London: Routledge,2005.5 SHATZMAN, Israel. Tacitean Rumours. Latomus. T. 33, Fasc. 3(JUILLET-SEPTEMBRE 1974), pp. 549-578; RYBERG, Inez Scott.Tacitus’ Art of Innuendo. Transactions and Proceedings of theAmerican Philological Association. Vol. 73, (1942), pp. 383-404;GIBSON, B. J. Rumours as Causes of Events in Tacitus. Materiali ediscussioni per l’analisi dei testi classici. Published by: Fabrizio Serraeditore. N. 40 (1998), pp. 111-129.6 HARDIE, Philip. Rumour and Renown: Representations of ‘Fama’in Western Literature. Cambridge Classical Studies. Cambridge; NewYork: Cambridge University Press, 2012.

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mais “pelas notícias e pelos rumores do que pelas armas”(Nero nuntiis magis et rumoribus quam armis depulsus).Ou seja, como podemos perceber através do trechosupracitado, mesmo lidando com uma sociedade antiga,como a romana, o rumor e a comunicação também possuíampapel preponderante no desenvolvimento e nas mudançasem seu interior. De outra forma, e sabedores disso, tantoquanto as pessoas que vivenciaram esses acontecimentos,podemos ainda atentar para o fato que esses rumorespoderiam ser utilizados (e assim o foram) como armaspolíticas e militares importantes para a sublevação de umgovernante e para a desestabilização de determinadosgovernos. Esse fato justifica, portanto, nossa tentativa deolhar para as fontes desse período e atentarmos para essesrumores como objetos históricos verificáveis.

Entretanto, por que estudar os rumores podecontribuir para uma nova visão sobre o ano de 69? No campoda historiografia, onde reside nosso maior interesse, podemosobservar que nos manuais mais gerais sobre o ImpérioRomano não é possível encontrar uma descrição maisdetalhada sobre as guerras civis de 69. Como exemplo,podemos citar a contribuição de Guglielmo Ferrero, publicadaem 1947, e intitulada “História romana”, que nos ofereceum capítulo dedicado ao governo de Nero e à chamadaquarta guerra civil. Ou seja, em sua abordagem, esse períodoconturbado da história romana não mereceu nada mais quealguns comentários sobre as manobras militares e sobre ocurto governo de cada um dos Imperadores. Outracontribuição geral que também merece ser lembrada é a deBernard W. Henderson, intitulada “Civil War and Rebellionin the Roman Empire”, publicada 1908. Nessa obraextensa, Henderson se incumbiu da tarefa de reconstruir ahistória militar de 68/69 com o intuito de dar um “sentido”às confusas e contraditórias narrativas das fontes antigas.O resultado de tal trabalho, apesar de seus méritos, nãopassou da construção de uma nova narrativa altamenteinfluenciada por conflitos de sua época, como a guerraFranco- Prusiana (1870) e a guerra Russo- Japonesa (1904-1905), além de ser seu interesse o de resumir os principaispontos de Tácito, Suetônio, Plutarco e Dião Cássio em umanova tonalidade literária.

Além dessas obras gerais, podemos citar algumascontribuições que estudaram especificamente os conflitoscivis de 68 e 69. Dentre elas, podemos destacar ascontribuições de Peter Greenhalgh, “The Year of FourEmperors”, publicada em 1975, e a obra que consideramosa mais influente sobre esse período, intitulada “The LongYear: A.D. 69”, de autoria de Kenneth Wellesley e publicadaem 1976. Em ambas as obras, podemos observar um estudorigoroso de uma das fontes mais importantes sobre o período:as Histórias, de Tácito. Greenhalgh, por exemplo, se propõe

a acreditar piamente na versão oferecida pelo historiadorlatino, inclusive nos legando um relato muito próximo àqueleque fora escrito por Tácito. Dessa maneira, realizou umtrabalho com extensas notas e discussões que visavamesclarecer alguns pontos obscuros das Histórias, mas quenada contribuem para o desenvolvimento de um novopanorama sobre o período entre Nero e Vespasiano. Osegundo autor que citamos, Wellesley, além de possuir umaextensa carreira dedicada ao estudo de Tácito, atuandotambém como tradutor de suas obras7, é um autor que sepropõe a desconfiar das narrativas compostas por essehistoriador. Dessa maneira, nos oferece uma obra onde buscaencontrar as distorções da “realidade” que foi legada pelasfontes, além de se prender em muitos detalhes sobre atopografia e as atividades militares.

Assim, diferentemente das produções que citamosanteriormente, nosso trabalho se insere em um debate bemdiferente daqueles que foram realizados sobre o ano dosquatro Imperadores, pois também pretendemos englobar umestudo sobre o poder militar, tão caro a essa historiografia,mas o faremos em junção com o estudo do papel dos rumoresnessa sociedade e nesse contexto de guerra. Nossajustificativa para escolher essa data específica pararealizarmos nossas reflexões pode ser apresentada damesma maneira que fizemos anteriormente, em que nosembasamos nos ambientes propícios para a deflagração derumores. Nesse mesmo caminho, e tendo em mente queestamos lidando com uma guerra civil, podemos atentarbrevemente para alguns problemas que estavamacontecendo no Império Romano e também na cidade deRoma. Começamos com o primeiro.

Sobre a situação nas províncias romanas duranteos acontecimentos do ano de 69, o historiador Tácito, emsuas Histórias, nos fornece a narrativa mais completa desseseventos. Dentre todas as passagens onde podemos percebera atuação dos rumores, a exposição de um caso específicose torna essencial para ilustrarmos o ambiente construídopelas comoções de uma guerra civil. Como exemplo dessasafirmações, em Histórias, I, 51, Tácito diz aos seus ouvinteso motivo pelo qual as legiões da Germânia Superior e Inferiorse prontificaram a marchar contra o então Imperador Galba.Segundo o historiador latino, o grande problema queimpulsionava essas tropas era o fato de que elas haviamsido as principais responsáveis pela derrota da revolta deVindex, em maio 68. Fato que, após a morte de Nero, logodepois, e o apoio de Galba aos gauleses, gerou certodesconforto entre os exércitos porque o lado que haviavencido a batalha agora era tratado como derrotado. Issofica evidente se atentarmos para o trecho em que o

7 TACITUS. The Histories. Translated by Kenneth Wellesley. London:Penguin, 1995.

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historiador descreve que essas legiões da Germâniaacabaram se tornando motivo de chacota dos Gauleses, queos chamavam de derrotados e se gabavam das concessõesfeitas pelo imperador para eles (como a promessa decidadania e de isenção de tributos).

Essas chacotas e outros boatos envolvendo adispensa e a aniquilação de muitos oficiais das tropas daGermânia tinham origem na colônia gaulesa de Lugdunum(sinistra ex urbe fama), atual Lyon, que, segundo Tácito,ainda apoiava os neronianos e estava insatisfeita com ogoverno de Galba. Esse ambiente de descontentamento,ameaça real e ambiguidade, tal como exposto pelos teóricosdiscutidos anteriormente, também se constituía para ohistoriador latino como um lócus propício para a deflagraçãoe para a credibilidade nos rumores (fide fecundarumoribus), destinados para além das fronteiras do rio Reno,ou seja, para os acampamentos das tropas da Germânia.Lugares que, segundo Tácito, eram os locais mais propíciospara a criação e a disseminação de rumores, pois neles vocêencontrará o medo, o ódio e a convicção de que eles sabiamseu real poder militar.

Na cidade de Roma, o ambiente desenhado porTácito também não foge daquele que foi apresentadoanteriormente. Afinal, a ameaça de um sítio nas redondezasda cidade e os acontecimentos internos a ela, como oassassinato de Imperadores em locais públicos, como oFórum romano, facilitavam a presença de forças de oposiçãoque visavam provocar o pânico e desestabilizar o governovigente através de uma guerra de palavras. Um exemplodisso pode ser observado em Histórias, I, 84 e 85, ondeTácito relata que começam a surgir boatos em Roma deque as mesmas tropas que haviam se rebelado contra Galba,na Germânia, agora estavam em marcha em direção àcidade de Roma. O boato em questão era que essas tropas,sempre vitoriosas e cruéis com os inimigos, poderiam acabarcom a cidade de Roma e assassinar todos os seus habitantes,fato que gerou fortes comoções na capital. Nesse clima, acrise se tornou tão grande entre as milícias urbanas, ossenadores e a população, a tal ponto que o atual Imperador,Otho, decidiu realizar um discurso público incitando a todosa defenderem um Imperador que, assim como ele, haviasido escolhido pelo Senado (ita ex senatoribus principesnascuntur), e não pelas tropas. Porém, mesmo com essediscurso inflamado, Otho não conseguiu acalmar o ânimodas tropas e da população citadina, pois, segundo Tácito, apaz e a calma não voltariam a uma capital onde as pessoasandavam armadas e conviviam com a face da guerra (faciesbelli).

Esse ambiente propício gerou muitos boatos quecomeçavam cada vez mais a circular na cidade de Roma eque, assim como vimos nos exemplos da segunda guerra

mundial, também passavam a servir de subsídio para outrotipo de guerra. Esta, por sua vez, não era alimentada porgládios e por soldados, mas sim por palavras, boatos e pelabusca de novas informações que pudessem desestabilizaros adversários, conforme evidenciado por Tácito, no finaldo capítulo 85 do livro primeiro, quando relata que muitossoldados se disfarçavam de civis para adentrarem nasgrandes casas (per domos occulto habitu), no intuito deobservarem e relatarem as grandes manifestações deriquezas ou posições prometidas. E ambas poderiam servirde subsídio para acusações de traição a Otho. Enfim,acreditamos que o motivo dessa “espionagem” era claro.Para Tácito, eles estavam atrás de rumores que pudessemdelatar os apoiadores de Vitélio (insignis claritudorumoribus obiecerat). Além disso, também podemosperceber no relato taciteano que Vitélio também havia seapropriado da mesma tática. E, para isso, havia instruídoalguns de seus soldados, que também estavam em Roma,para que saíssem em busca de informações sobre o tamanhode seu apoio na cidade (Vitellianos quoque milites venissein urbem ad studia partium noscenda pleriquecredebant). Esse clima gerado acabou com a privacidadedas casas e aumentou as suspeitas e o medo (unde plenaomnia suspicionum et vix secreta domuum sineformidine).

Em suma, após esse exercício, podemos afirmar queo ambiente da guerra civil de 69 se estabelece como umlócus privilegiado não só para a criação e a proliferaçãodesses rumores, mas também para o estudo destes. Afinal,eles também podem ser vistos e estudados como partesintegrantes das estratégias políticas e militares para asublevação dos concorrentes ao lugar de princeps. Um bomrumor, nesse caso, poderia gerar instabilidade dentro de umadeterminada legião, minando a confiança dos soldados eaté a lealdade destes, como também serviria para que oscidadãos da capital passassem a vivenciar uma insegurançatão grande a ponto de apoiarem os exércitos que estavam acaminho de tomar e pilhar a capital.

Assim, e ultrapassando a barreira da primeirahipótese, a de que o rumor é uma ferramenta política e militarimportante para uma guerra civil, é que passamos a nosconcentrar em outras hipóteses que visam responder aquestões sobre nosso próximo objetivo: o poder dacomunicação nessa sociedade. Afinal, esses boatos sópodem adquirir certa eficácia quando encontram os meiosde comunicação (isso vale também para agentes) que sãotidos pelos receptores como “confiáveis” e que carregamaquelas informações que podem ter alguma utilidade paraeles8. Para além dessa compreensão, podemos partirtambém da hipótese de que existia nessa sociedade meiospelos quais a ambiguidade e o perigo iminente dentro de

40 Revista do Centro Universitário Moura Lacerda

determinado contexto, como os acampamentos militares e acidade de Roma, pudessem chegar a outros receptores, quenão estivessem necessariamente inseridos nesse contextoanterior, mas que pudessem ser aptos a compreender essasquestões a tal ponto de sintetizá-las na forma inteligível deum boato9. Afinal, mesmo estando longe do contexto idealpara a atuação dos boatos, esses agentes propagadores ecoletores de informações deveriam ser bons conhecedoresdaquilo que o público-alvo gostaria ou não gostaria de ouvir.A guerra de palavras, dessa maneira, não era exercida porfofocas aleatórias e inocentes. Ela era pensada!

Talvez essa compreensão fique mais evidente seatentarmos para passagens das fontes que ilustram nossaproposta de que eram necessárias algumas ferramentas paraque os agentes envolvidos também pudessem compreendere interpretar esse tipo de fenômeno. Essa compreensão daqual falamos pode ser demonstrada por meio da análise deoutra passagem das Histórias. No livro I, capítulos 33 e 34,no contexto de sublevação de Galba por Otho, dentro dacidade de Roma, o que podemos observar é que o atualImperador e Pisão, seu sucessor, após ouvirem o boato deque um senador havia sido escolhido pela guarda pretorianacomo princeps, e que esse usurpador teria recebido certoapoio e aderência à sua causa, prontamente se refugiaramna domus Caesaris, e por lá ficaram à espera de notíciasque comprovassem a veracidade ou a falsidade dos eventosanunciados pela população. No entanto, ao que parece, pelomenos na narrativa Tacitena, os refugiados não receberamnenhuma notícia das tropas e nem uma comprovação deque alguém teria tentado usurpar o trono de Galba. Semnada saber, começam a discutir qual deles seria o escolhidopara ir até as barracas dos soldados, verificar o ocorrido e,se caso algum Senador realmente tivesse tentado sublevaro Imperador, que o enviado pudesse exercer prontamentesua autoridade, investida pelo Senado, a fim de colocar umaconclusão nessa situação. Esse fato pensado acabou nãoacontecendo porque, segundo Tácito, o medo havia tomadoo ânimo dessas pessoas a tal ponto de não conseguirem semexer.

Porém, com a calmaria voltando à cidade e comalguns populares cercando a casa do Imperador, no intuitode anunciarem que tudo estava bem, Pisão passa a escutaralguns rumores incertos (incertus rumor) que deixam osânimos dos fugitivos mais tranquilos. Dentre as notícias queforam gritadas de fora da residência e coletada por amigose soldados fiéis ao Imperador, algumas diziam que o suposto

Senador de quem haviam escutado falar era Otho, que elerealmente teria tentado usurpar o poder com o auxílio dospretorianos, mas que fora prontamente assassinado noacampamento. Fato que convenceu os enclausurados deque tudo estava bem. Esse rumor, portanto, foi facilmenteaceito pelo Imperador e seu sucessor (credula fama), poiseles não tinham a capacidade de interpretá-lo da maneiracomo deveriam, já que o escutaram em um ambientecomposto de notícias advindas de deleites e de indiferenças(inter gaudentis et incuriosos), mas não de certezas. Afalha, nesse caso, era clara e grotesca: em uma guerra deboatos não devemos somente saber como fazê-los, mas éimprescindível saber interpretá-los. E, para isso, é precisosaber, principalmente, quem são os agentes que os trazem,como o caso dos homens de Otho, que se encontravamdisfarçados como populares e faziam questão de espalharos boatos em frente à casa do Imperador. Outra forma decombater esse tipo de estratégia, que fica evidente pelomenos para o historiador latino, era a de pensar no contextoem que esses rumores surgiam. E o contexto era claro! Aideia era tirar princeps e seu herdeiro do palácio para que,assim, pudessem ser assassinados (multi arbitrabanturcompositum auctumque rumorem mixtis iam Othonianis,qui ad evocandum Galbam laeta falso vulgaverint).

UMA BREVE CONCLUSÃO PARA UM LONGODESFECHO

Em suma, o que podemos perceber nessas reflexõesfinais é que era preciso saber interpretar os rumores quecirculavam, tanto dentro como fora da cidade de Roma. E,como vimos, uma das formas de saber ler esse tipo dearmadilha era observando as pessoas que estavam servindocomo veículos propagadores dessas informações. Alémdessa alternativa, podemos afirmar que era essencial,também, saber para quem o rumor era destinado, pois,revelado seu principal alvo, como o Imperador ou algunssoldados, sua intenção poderia sofrer o mesmo processo eser trazida à tona. Ou seja, para finalizarmos este artigo,ainda é preciso, também, estabelecer procedimentoshistóricos pelos quais seja possível identificar os rumores,seu conteúdo, eficácia e, principalmente, para quem eramdestinados.

Dessa maneira, e tendo em vista todas essasconsiderações iniciais, é que justificamos a necessidade deestudarmos o papel dos boatos e dos rumores em umambiente um pouco mais distante temporalmente do séculoXX, mas que também representa o mesmo clima deinstabilidade tão propício para sua propagação; as guerrascivis de 69. Como vimos, não somente é possívelproblematizar o papel desses elementos dentro de diferentes

8 MATTELART, Armand; MATTELART, Michèle. História dasteorias da comunicação. São Paulo: Loyola, 1999; DEFLEUR, MelvinL. e Sandra Ball-Rokrach. Teorias da Comunicação de Massa. Rio deJaneiro: Ed. Jorge Zahar. 1993.9 BORDIA, Prashant; DIFONZO, Nicholas. Rumor, Gossip and UrbanLegends. Diogenes, 2007, 54: 19. p. 23.

MONTAGEM 41

sociedades, mas também é possível estudá-los como objetosde uma pesquisa histórica. A guerra de palavras, nessesentido, pode ser entendida como algo tão importante quantoas táticas militares e acordos entre os líderes envolvidos. Jáo boato, dessa maneira, também pode ser entendido comoalgo que pode desestabilizar uma nação, uma cidade ou atémesmo um regimento inteiro de combatentes, além decarregar em seu seio informações preciosas para que oinimigo saiba onde, como e quando atacar.

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MONTAGEM 43

COMUNICAÇÃO E CIDADANIA

44 Revista do Centro Universitário Moura Lacerda

MONTAGEM 45

ResumoA despeito da importância na viabilização de ganhos

de produtividade e melhoria da qualidade do serviço prestado,as ferramentas de tecnologia de informação têm sido poucoutilizadas no setor de transporte de cargas. O artigo objetivaalertar aos empresários do setor quanto à importância daimplantação de sistemas dedicados de gerenciamento deinformações logísticas em suas plantas, apresentando desdeconceitos, características, destinações, justificativas ebenefícios, bem como os sistemas disponíveis no mercado,segundo modelos defendidos por Bowersox e Closs (2007),Ballou (1993), Fleury (2000) e outros ícones consagrados destefascinante setor que move e promove a economia do país.

Palavras-chave: Information systems; Informationtechnology; Logistics strategy.

INFORMATION TECHNOLOGY ANDTRANSPORT LOGISTICS ROAD

AbstractDespite the importance in enabling productivity

gains and improved quality of service , informationtechnology tools have been little used in the cargo transportsector. The article aims to alert the business sector on theimportance of implementation of dedicated systemsmanagement logistical information on your plants , frompresenting concepts , features , destinations , justificationsand benefits as well as the systems available on the market, according to models defended by Bowersox and Closs(2007 ) , Ballou (1993 ) , Fleury (2000) and other establishedicons of this fascinating industry that moves and promotesthe country’s economy .

Keywoords Information Technology; ManagementLogistical Information

INTRODUÇÃO

Caminhos da Logística e a importância da InovaçãoA logística surgiu da necessidade de suprir, de abastecer,

de disponibilizar. Nasceu com o homem, com as tribos nômades,tornando possível toda sorte de incursões e excursões, dascruzadas às invasões, das conquistas medievais às colonizações,além de vários outros eventos inerentes à coisa humana. Estevepresente ao longo da evolução do ser humano, por conta da

A TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO E A LOGÍSTICA DE TRANSPORTES RODOVIÁRIOS

Valter TOYOSHIMA*

Fabio Estevão NASCIMENTO**

Adriano Marcelo LITCANOV***

razão, do raciocínio, desde seus primórdios, na paz e na guerra.Contudo, foi nas guerras que sua serventia se fez, administrandoa distribuição da escassez por searas desconhecidas, sob sol echuva, seja por terra, construindo estradas e pontes, seja pormar e rios, seja pelo ar, a fim de escoar, de movimentar tudo oque era imperativo à lida, de forma célere, norteada porestratégias e executadas com táticas. Para suprir taisnecessidades, outras surgiram na forma de premissas, como anecessidade de desenvolvimento e produção de novasmáquinas, equipamentos e dispositivos mecânicos, elétricos e/ou eletrônicos, alguns multifunção, outros dedicados,específicos. No entanto, absolutamente nenhum dos fatos teriasido possível sem a mais básica das necessidades: a informação.

Numa cronologia mais próxima, em 1992, o Brasilexperimentou uma revolução no mercado interno por contada reabertura da economia aos outros mercados, ao permitirnovamente as importações como fora até fins de 1976,causando grande impacto nas empresas com o repentinoaumento de demanda de logística internacional e interna,num cenário demográfico distante dezesseis anos desde 1976e, portanto, sedento de consumo. O novo cenário exigiucompetência do empresariado para agir com atitude,conhecimento e habilidade para o desenvolvimento de novaspráticas empresariais baseadas em novos conceitos oriundosda quebra de paradigmas. Do Estado, exigiu o planejamentoe a adequação da infraestrutura das comunicações e dostransportes, embora estes últimos estejam deteriorados. Aestabilização da moeda, o fim do processo inflacionário e ofortalecimento do Real, em 1994, atrelado às novas políticascambiais e externas, geraram um cenário econômicopromissor ao país. Desde essa época, o conceito de SCM(Supply Chain Management), ou seja, o Gerenciamentoda Cadeia de Suprimentos tem se tornado cada vez maispresente em todos os setores produtivos.

Segundo FLEURY (2000, p. 19), entre 1994 e 1997,o comércio exterior brasileiro pulou de um volume deaproximadamente US$ 77 bilhões para cerca de US$115 bilhões, um crescimento excepcional jamais

* Graduado em Tecnologia em Logística do Centro Universitário MouraLacerda – Ribeirão Preto – SP. E-mail: [email protected]** Graduado em Tecnologia em Logística do Centro Universitário MouraLacerda –Ribeirão Preto – SP. E-mail: [email protected].*** Mestrado em Logística/Custos – Engenharia Mecânica pelaUniversidade de São Paulo (USP/São Carlos). Docente do CentroUniversitário Moura Lacerda e orientador da pesquisa.E-mail: tecnoló[email protected].

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experimentado, de 50% em três anos. Inicia, então, o grandedesafio originado pela concorrência: gerenciar constantementea relação entre custo e nível de serviço oferecido, a fim deatender às novas demandas de clientes por melhores níveis deserviço, pelo mesmo preço. O preço passa a ser um divisor deáguas, ou seja, se a empresa tem preços competitivos, elaparticipa das negociações no mercado, caso contrário, estáfora. Seja em ambientes fabris, de armazenagem, ou nostransportes, a Logística ganhou um papel fundamental aoagregar valor aos produtos por meio dos serviços por elaoferecidos, como a redução do lead-time e entregas especiais,dentre outros. É nesse contexto que a informação ratificousua importância como a ferramenta funcional de maiorrelevância, pois sua ausência não afeta somente a produção,podendo causar atrasos nas atividades de outros operadores eusuários, sejam internos ou externos.

O uso de sistemas de informação inapropriados,ou sub ou superdimensionados, ou, pior, sua inexistência, põeem risco a cadeia de suprimentos, gera toda a sorte dedesvantagens, desde simples atrasos a lesões financeirasconsideráveis, além de inúmeras consequências que podemresultar na morte do empreendimento. Elaborados sistemas deinformação são atualmente lugar-comum. Os sistemas deinformações têm um papel de suporte à administração; estãorelacionados com todas as atividades da organização e,geralmente, usam computadores, de alguma forma. Essecenário permite o controle total da empresa. (BALLOU, 1993,p. 279).

A inovação é, portanto, capital, fundamental aosempresários do setor de transportes, que teimam em prosseguirseus próprios métodos, em detrimento da modernização.

Para aqueles que não creem na importância da TI,Drucker (apud EDERSHEIM, 2007, p. 77) afirma que “...emmuitas organizações a inovação é inibida pela lealdadeexcessiva aos velhos produtos, aos hábitos, enfim, às velhasmaneiras de fazer as coisas. A maioria das empresas seaferra aos atuais negócios e reluta com todas as forçasem afrouxar o apego. Isso as impede de inovar e deconstruir o próprio destino...”. Drucker (apudEDERSHEIM, 2007, p. 78) adverte aos agnósticos que, em adisposição para assumir riscos, para aventurar-se nodesconhecido e para desapegar-se do passado aconchegante,as empresas não serão capazes de prosperar no século XXI.

O artigo é pautado em empresários, do setor dalogística de distribuição, ainda reticentes e inseguros, quemantêm poita fundeada a engessar o crescimento da empresa,inibindo uma visão gerencial das necessidades logísticas atuais,baseadas em experiências e estudos de especialistas.Muitos,também, são afetados pelas dificuldades para a aquisiçãoe a implantação de sistemas dedicados aos transportes, visandoà redução de seus custos em médio/longo prazo.

OS PASSOS DA INFORMAÇÃOSegundo Ardagh (1996), desde o surgimento da luz

elétrica, do gramofone e do cinetoscópio pelas mãos de ThomasAlva Edison (1847 – 1931), até as mais modernas tecnologiasde transmissão de informações através de cabos subaquáticosfeitos de fibra ótica, o mundo passou por uma infinidade deguerras, revoluções políticas, crises financeiras, surgimento denovas pragas e doenças, curas para elas, desenvolvimentoincessante da economia de certos países, novas tecnologias namedicina e muitas outras mudanças.

Afirma (1996) também, que ao inventar o telefone, ocientista escocês Alexander Graham Bell (1847 – 1922)desencadeou um processo de mudanças. Ao permitir que duaspessoas se falassem a distância, o mundo jamais seria o mesmo!Desse invento, Bell proporcionou o surgimento de uma enormerede de comunicação, interligando pessoas e organizações dasgrandes metrópoles até os lugares mais ermos do planeta. Apartir de então foi permitido enviar, em questão de segundos,uma mensagem e grande quantidade de dados formatados,ecompactados para longínquos países e recebendo, em, questãode segundos, uma resposta. Permite a troca de informaçõesinclusive entre o planeta azul e o cosmo.

Sem os feitos de Bell e Edison, a tecnologia dainformação simplesmente não existiria.

SISTEMA Conquanto o conceito de sistema seja simples de se

descrever,constitui-se, entretanto, num dos mais abrangentesem sua aplicação, bem como um dos mais difíceis decompreender plenamente. É singular e plural.

Antes, mesmo, de ser relacionada a computadores,ela já compreendia várias interpretações, como veremos aseguir:

Até a década de 1950, um sistema se referia a umesquema, a um diagrama, ou ainda, a um método, e, até então,não tinha sido relacionada a complexos binários, à informática.Num cenário diverso à logística, no âmbito do cooperativismo,Menezes (2005, p. 176) tem duas definições para a palavrasistema:

· conjunto de atividades interligadas de forma quetodas estejam numa relação direta, de maneira a possibilitarque os objetivos sejam alcançados;

· sistema é também disposição das partes ouelementos de um todo, coordenados entre si, e que funcionamcomo estrutura organizada.

São os dados de saída, avisando que é precisoretornar à entrada de dados, segundo a própria linguagemde sistema.

A vasta conotação a respeito da palavra sistemapode ser apreciada a seguir:

MONTAGEM 47

O termo sistema deve fazer-nos imediatamente supor aordem, com início, meio, fim, funcionamento ordenadoconstante, e bom resultado. Tudo pode ser consideradocomo sistema. Tudo. Imaginemos sistemas pequeninoscomo óculos, caneta, um relógio, máquinas agrícolas,telefone. Um conjunto de componentes unidos para de-terminado fim. Ou, ainda, sistemas mais complexos comocarro, organismo humano, computador, avião, Previ-dência Social, governos, Forças Armadas, Igreja Cató-lica, ONU e as Cooperativas. (MENEZES, 2005, p. 176).

Encontra-se, portanto, a definição de sistema emdiversas formas, por diferentes autores; porém, percebe-seque o conceito embutido nessas definições é convergente.De maneira geral autores definem sistema como umconjunto de elementos em interação e intercâmbio com omeio ambiente.

SISTEMA DE INFORMAÇÃO (SI)Assim, um sistema de informação deve ser capaz de

movimentar a informação desde o ponto onde é obtida até oponto onde é necessária. Algumas das possíveis maneiras detransmissão de informação são o telefone, a correspondência,o telex e mesmo a comunicação oral. (BALLOU, 1993, p.283).

Consentânea com a definição de Logística, Turban,Rainer e Potter (2007, p. 3) afirmam que os sistemas deinformação têm a finalidade de obter as informações certaspara as pessoas certas, no momento certo, na quantidadecerta e no formato certo.

Para Magee (1967), sistema de informação é aexpressão utilizada para descrever um sistema, seja eleautomatizado (que pode ser denominado Sistema deInformação Computadorizado), seja manual, que abrangepessoas, máquinas, e/ou métodos organizados para coletar,processar, transmitir e disseminar dados que representaminformação para o usuário e/ou cliente.

Fazendo menção aos sistemas manuais na década de1960, que precederam os sistemas automatizados, Magee(1967) declina de duas formas:

· ..a coordenação com outras atividadesocorriam de forma física e não através de computadores,ainda embrionários na época ;

· Vários métodos podem ser usados para testaro sistema e tem sido usado muitas vezes combinados entresi, sendo que um deles é operar o sistema no papel,utilizando previsões antigas e demanda real dosconsumidores.

Igualmente, Fleury et al (2000) afirmam queanteriormente, o fluxo de informações baseava-seprincipalmente em papel, resultando em uma transferência

de informações lenta, pouco confiável e propensa a erros.Destacam que as organizações estavam voltadas ao custo edesempenho das máquinas e pessoas, sem considerar arelevância de informações confiáveis e claras para auxiliar atomada de decisão e, ainda, atuar como redutoras de retrabalhose erros previsíveis.

Ballou (1993, apud DAVIS, 1974, p.5) define sistemade informação como todo sistema usado para prover informação(incluindo seu processamento), qualquer que seja o uso feitodessa informação.

Para Laudon e Laudon (1994), um sistema deinformação pode ser definido como um conjunto decomponentes inter-relacionados trabalhando juntos paracoletar, recuperar, processar, armazenar e distribuirinformações com a finalidade de facilitar o planejamento,o controle, a coordenação, a análise e o processo decisórioem organizações. Segundo Gonçalves (L.S.), todo sistemaque manipula dados e gera informação, usando ou não recursosde tecnologia da informação. Genericamente, pode serconsiderado um SI. Exemplo: o sistema de informaçãoorganizacional pode ser conceituado como a organização eseus subsistemas internos, contemplando ainda o meio ambienteexterno.

Como os sistemas de informação devem fornecerinformações úteis, começamos definindo o termo informaçõese outros dois termos intimamente relacionados: dados econhecimento. (TURBAN, RAINER e POTTER, 2007, p.3). Um dos principais objetivos dos sistemas de informação étransformar economicamente os dados em informações ouconhecimento.

Para assimilarmos o significado de dados, informaçõese conhecimento, Turban, Rainer e Potter (2007) conceituamcada item :

· Dados : referem -se a uma descrição elementarde coisas, eventos, atividades e transações que são registrados,classificados e armazenados, mas não são organizados paratransmitir qualquer significado específico. Exemplos de dadossão as notas de um aluno em uma disciplina ou o número dehoras que um empregado trabalhou em determinada semana;

· Informação – refere-se a dados que foramorganizados de modo a terem significado e valor para oreceptor. Um exemplo é a nota de um aluno. A nota é umdado, mas o nome de um aluno associado à sua nota é umainformação. O receptor interpreta o significado e elaboraconclusões e implicações da informação;

· Conhecimento – consiste em dados e/ouinformações que foram organizados e processados paratransmitir entendimento, experiência, aprendizagem acumuladae prática aplicadas a um problema ou atividade empresarialatual.

48 Revista do Centro Universitário Moura Lacerda

A análise de dados é o emprego mais sofisticado e mo-derno do sistema de informações. Este pode conter qual-quer quantidade de modelos matemáticos e estatísticos,os quais geram informação útil no tratamento dos pro-blemas mais difíceis do planejamento e controle; porexemplo, onde se deve localizar um depósito ou filial?Qual transportador deve ser escolhido? Como roteirizaras entregas dos clientes? Qual a previsão de vendasdeste item para o próximo mês? (BALLOU, 1993).

Atualmente, os SIs contemplam os sistemas detelecomunicações e os sistemas de internet.

COMPOSIÇÃO DE UM SISTEMA DE INFORMA-ÇÕES (SI)

De acordo com O’Brien (2004), os sistemas deinformação se compõem da seguinte forma:

· hardware: computadores e periféricoscomo: impressora, processadores, monitores, teclados edispositivos de leitura externos, dentre outros. Juntos, elesaceitam dados e informações, processam-nos e permitemsua visualização;

· software: conjunto de programas quepermitem que o hardware processe dados. Exemplos:software utilitário (sistema operacional); Softwareaplicativo (conjunto de programas que realizam asfunções necessárias para dar suporte às atividadesempresariais, como gerar folha de pagamento e emitirnota fiscal, dentre outros.);

· pessoas: indivíduos que trabalham com osistema ou utilizam sua saída. São usuários e operadoresde hardware e software;

· banco de dados: coleção de arquivos, tabelase outros dados inter-relacionados que armazenam dados esuas respectivas associações;

· redes: sistema que permite o compartilhamentode recursos entre diversos computadores;

· procedimentos: conjunto de instruções sobrecomo combinar os elementos mencionados de forma aprocessar as informações e gerar saídas desejadas.Também podemos dizer que são as funções que o sistemadeve executar.

Turban , McLean e Wetherbe (2004) definem a composiçãoda seguinte forma:

Um sistema de informação baseado em computador (ge-nericamente chamado de sistema da informação) é ummétodo que utiliza tecnologia de computação para execu-tar todas as tarefas desejadas. Pode ser composto deapenas um computador pessoal e software, ou ainda, in-cluir milhares de computadores de diversos tamanhoscom centenas de impressoras e outros equipamentos, bem

como redes de comunicação e banco de dados.(TURBAN; McLEAN; WETHERBE, 2004, p. 39).

Um sistema de informações gerenciais é um sistemaintegrado homem/máquina, que providencia informaçõespara apoiar as funções de operação, gerenciamento etomada de decisão na empresa. O sistema utiliza hardwaree software de computadores, procedimentos manuais,modelos gerenciais de decisão e uma base de dados.(BALLOU, 1993, p. 5).

Portanto, a composição de um sistema deinformação se refere ao arranjo de partes obrigatoriamentenecessárias para a constituição de um todo, de algo quecumpra uma função.

EXEMPLOS DE SISTEMAS DE INFORMAÇÃO

Tipo de sistema Função Exemplo

SI de área funcional.Apoiar as atividades

dentro de uma área

funcional específica.

Sistema de

processamento da

folha de pagamentos.

Sistema de

processamento de

transações.

Processar os dados

de transação dos

eventos empresariais.

Terminal de ponto-de-

venda no caixa do Wal-

Mart

Sistema de planejamento

de recursos empresariais.

Integrar todas as áreas

funcionais da organização.Oracle, SAP.

Sistema de automação

de escritório.

Apoiar as atividades

de trabalho diárias de

indivíduos e grupos.

Microsoft Office.

Sistema de informações

gerenciais.

Produzir relatórios resu-

midos dos dados de tran-

sação, geralmente em

uma área funcional.

Relatório sobre as

vendas totais de cada

cliente.

Sistema de apoio à

decisão.

Fornecer acesso a

dados e a ferramentas

de análise.

Análise condicional

(What if) das mudanças

no orçamento.

Sistema especialista.

Imitar a experiência huma-

na em determinada área e

tomar uma decisão

Análise de aprovação de

cartão de crédito.

Sistema de informação

executiva.

Apresentar aos executi-

vos informações resu-

midas e estruturadas

sobre aspectos impor-

tantes da empresa.

Status da produção por

produto

Sistema de

gerenciamento da

cadeia de suprimentos

Garantir fluxos de

produtos, serviços e

informações entre

organizações.

Sistema Wal-Mart Retail

link conectando forne-

cedores ao Wal-Mart

Sistema de comércio

eletrônico.

Permitir transações en-

tre organizações e entre

organizações e clientes.

www.dell.com

Tabela 1: Tipos de sistemas de informação organizacionais.

Fonte: Adaptado de Turban; Mclean; Wetherbe (2004, p. 9).

MONTAGEM 49

A INFORMAÇÃO : FERRAMENTAESTRATÉGICA PARA A LOGÍSTICABowersox e Closs (2007), ao destacarem a importância dainformação como ferramenta estratégica para a logística,afirmam que sua importância não tem sido devidamenteconsiderada e sua relevância não tem sido avaliada com odevido destaque, e que cada erro na composição dasnecessidades de informação cria uma provável ruptura nacadeia de suprimento:

Historicamente, a importância da informação para o de-sempenho da logística não tem tido o devido destaque.Essa negligência é fruto da falta de tecnologia adequadapara gerar as informações desejadas. Os níveis gerenciaistambém não possuíam uma avaliação completa e umacompreensão aprofundada da maneira como uma comu-nicação rápida e precisa pode melhorar o desempenhologístico. Essas duas deficiências históricas foram elimi-nadas. (BOWERSOX; CLOSS, 2007, p. 176).

Afirmam que, quanto mais eficiente for o processodo sistema logístico de uma organização, maior precisãoserá requerida do sistema de gestão das informações. Fleuryet al. (2000, p. 112) ainda ressaltam que os sistemas movidosa papéis podem afetar toda a empresa, passando a ser umainfluência vagarosa em cada uma de suas atividades, nalogística, nas operações, na comercialização, nas vendas enos serviços.

Na escala das organizações, a informação écondição sine qua non na gestão corporativa, por ser umrecurso indispensável para as relações internas e externas.Quanto mais fiável for a informação, mais coesa será aempresa e maior será seu potencial de resposta àsnecessidades, ou, ainda, à concorrência. Alcançar esseobjetivo depende exclusivamente do reconhecimento daimportância da informação e do aproveitamento dasoportunidades oferecidas pelas tecnologias de informaçãodisponíveis no mercado.

A importância da informação como um doselementos principais da logística também é citada por Novaes(1989), o qual afirma que a logística não deve se atersomente aos aspectos físicos do sistema (veículos, armazéns,rede de transportes, etc.), mas aos aspectos de informaçãoe gerenciais, que envolvem o processamento de dados e osprocessos de controle gerenciais, entre outros, os quaisintegram o universo necessário para uma análise logística.

O mesmo autor, em 1989, definiu logística, incluindoa gestão da informação como fator preponderante em suaoperacionalização e funcionamento:

Logística é o processo de planejar, implantar e controlarde maneira eficiente o fluxo e a armazenagem de produ-tos, bem como os serviços de informação associados,cobrindo desde o ponto de origem até o ponto de consu-

mo, com o objetivo de atender aos requisitos do consu-midor. (NOVAES, 1989, p. 132).

Fica claro que a informação exerce um papelelementar na execução efetiva da logística, assumindo umpapel relevante em sua funcionalidade.

Sem informação não seria possível, sequer, saberde que forma, quando, onde e como os bens deveriam serembalados e entregues. Assim, a informação deve ser vistacomo atuante em nível funcional, fundamental para aexecução plena das atividades logísticas.

Segundo Fleury et al. (2000, p. 287), atualmente,três razões justificam a importância da necessidade deinformações precisas e a tempo para sistemas logísticoseficazes:

· os clientes percebem que informações sobrestatus do pedido, disponibilidade de produtos, programaçãode entrega e faturas são elementos necessários do serviçototal ao cliente;

· a informação pode reduzir de forma eficaz asnecessidades de estoque e recursos humanos. Em especial,o planejamento de necessidades que utiliza as informaçõesmais recentes pode reduzir o estoque, minimizando asincertezas em torno da demanda;

· a informação aumenta a flexibilidade,permitindo identificar (qual, quanto, como, quando e onde)os recursos que podem ser utilizados para que se obtenhavantagem estratégica.

Exemplos da importância de um sistema deinformações, como posicionamento estratégico podem servistos em casos como o da FEDEX, da UPS e da ECT.

De acordo com esses autores, em 1973, nos EstadosUnidos, a FEDEX foi a primeira a oferecer serviço deentrega de pequenas encomendas para o dia seguinte. Nofinal da década de 1980, com elevados investimentos emtecnologia da informação, passou a ter total controle de todoo ciclo do pedido do cliente, tendo inclusive suarastreabilidade. Atualmente, processa 63 milhões detransações por dia. A UPS, maior empresa americana dessesegmento, investiu US$ 1,5 bilhão em sistemas de informaçãoentre os anos de 1986 e 1991, para atingir o mesmo patamarde sua concorrente.

A brasileira ECT (Empresa de Correios eTelégrafos) vem experimentando paulatinamente osbenefícios da tecnologia da informação, sobretudo noproduto SEDEX, desde que foi implantado, em março de1982, conforme a tabela 2:Ainda segundo a ECT, ao longo do tempo houve olançamento dos seguintes produtos:

· 1993 - Criação da coleta por telefone na cidadede São Paulo.

50 Revista do Centro Universitário Moura Lacerda

· 1997 - Extensão da coleta por telefone paraoutras regiões do Estado.

· 1999 - Extensão da coleta por telefone paraoutros estados da federação.

· 2007 - Aos 25 anos, implanta a logística reversa.

Ano Assunto Crescimento

(Qtd de encomendas)

Março de 1982 Encomendas até 5 kg 72.165

1983 Encomendas até 5 kg 176.265

1987 18,5 milhõesEncomendas até 20 kg

1998

Encomendas até 25 kg

70 milhões

2000 86 milhões

2001 98,2 milhões

2002 116 milhões

2010 172 milhões

População123.774 mi

População190.755 mi

(+54%)

Crescimentode 138%

sobre 1982

Tabela 2: O crescimento dos serviços SEDEX desde 1982.

Fonte: Adaptado de CORREIOS.

Segundo Novaes (2007, p. 104), o serviço inclui alogística reversa, ou seja, sempre que não for possívelrealizar a entrega, devido à recusa do recebimento doproduto ou ao insucesso na localização do destinatário,o e-Sedex se incumbe de retornar a encomenda àempresa cliente. As operações do e-Sedex incluemtambém o recebimento dos pagamentos no ato da entregae a troca de informações on-line com as empresas ponto-com participantes.

Para Ballou (1993), nenhuma função logísticadentro de uma firma pode operar eficientemente sem asnecessárias informações.

OS SISTEMAS DE INFORMAÇÕES LOGÍSTICASE SUAS FUNCIONALIDADES

O autor acima afirma que o sistema de informaçõeslogísticas (SIL) é um subsistema do sistema de informaçõesgerenciais (SIG), que providencia a informaçãoespecificamente necessária para a administração logística.

Para Bowersox e Closs (2007), os sistemas deinformações logísticas, são a interligação das atividadeslogísticas para criar um processo integrado. Tal integraçãobaseia-se em quatro níveis de funcionalidade: sistemastransacionais, controle gerencial, análise de decisão eplanejamento estratégico

De acordo com Fleury et al. (2000), as operaçõesdos sistemas de informações logísticas ocorrem tantointernamente, em uma organização específica, como ao longode toda a cadeia de negócios. Destacam, ainda, a importânciada funcionalidade da informação junto à estratégia dasorganizações, para um efetivo apoio à decisão, controlegerencial e sistema transacional, conforme a figura 1:

Planejamento

Apoio à decisão

Controle gerencial

Sistema transacional

Fig. 1: Funcionalidades de um sistema de informações logísticas.

Fonte: Adaptado de FLEURY et al (2000, p. 288).

Ballou (1993) afirma que as necessidades logísticaspodem ser separadas em quatro níveis, e a natureza daatividade indica não apenas o nível organizacional comotambém sua abrangência, como mostra a figura 2:

Processamento de transaçõesResposta a consultas

Informações gerenciais para planeja-mento, decisão e controle operacionais

Informações gerenciais para

planejamento e decisão táticos

SIG

para

planejamento,

política e

decisão

AltaAdministração

MédiaGerência

Supervisão

Operacional

Nív

el h

ierá

rqu

ico

Fig. 2: Hierarquia de utilização do sistema deinformações logísticas (SIL).Fonte: Adaptado de HEAD, Robert V. Management

information systems: a critical appraisal.(Datamation, p. 23, maio, 1967, apud Ballou,1993, p. 281).

O Sistema TransactionalDe acordo com Fleury et al. (2000), ele é a base para

as operações logísticas e fonte para as atividades deplanejamento e coordenação. É a partir deste sistema queas informações logísticas são compartilhadas com as áreasde Marketing, Comercial e Finanças, entre outras.

Sobre este sistema, Ballou (1993) considera que osistema permite consultas variadas relativas ao andamentode pedidos, verificação de estoque, preparação demanifestos e cotações de frete. Os usuários típicos destenível são o pessoal operacional, como funcionáriosadministrativos para atendimento de pedidos ou cálculo defretes.

MONTAGEM 51

Para Bowersox e Closs (2007), este sistema é compostopor cinco transações:

· a primeira transação no sistema ocorre na entradade um pedido;

· a partir daí, dá-se início à segunda transação, quandoo estoque é alocado ao pedido;

· gera-se, então, uma terceira transação, em que oscoletadores separam o pedido;

· a quarta transação programa a movimentação, ocarregamento e a entrega do pedido;

· a última transação imprime ou transmite a faturapara pagamento.

Durante todo o processo, informações sobre o statusdo pedido devem estar disponíveis para os clientes que assolicitarem.

Os três autores afirmam igualmente que dado o volumede transações neste nível, a velocidade ou ainda a eficiênciado sistema deve ser tratada com ênfase.

O Controle GerencialNo segundo nível de baixo para cima, o sistema deve

fornecer relatórios e informações aos supervisores dedepósitos a fim de permitir controlar a utilização de espaço,estoques, e produtividade da mão de obra nas operaçõesde atendimento aos pedidos. (BALLOU, 1993).

Fleury et al. (2000), entendem que o sistema decontrole gerencial deve permitir, ao seu usuário, amensuração do desempenho logístico através dosindicadores financeiros, de produtividade, de qualidade e deserviço ao cliente.

Quanto à mensuração dos indicadores de desempenhologístico pelo sistema de controle gerencial, Bowersox eCloss (2007) afirmam que tal mensuração é necessária paradar feedback de informação sobre o serviço e a utilizaçãode recursos. Como exemplo de indicadores de desempenhocitam:

· custo de transporte e armazenagem por quilograma(medida de custo);

· rotação de estoque (indicador de utilização de ativos);

· quantidade entregue do pedido total (indicador deserviço ao cliente);

· caixas por hora-homem (indicador de produtividade);

· satisfação do cliente (indicador de qualidade).Ainda segundo o autor, o controle gerencial tem enfoque

crítico, tático e de médio prazo.

Apoio à decisãoO terceiro nível, segundo Bowersox e Closs (2007),

enfatiza a funcionalidade de apoio à decisão como subsídioaos executivos na identificação, avaliação e comparaçãode alternativas logísticas, táticas e estratégicas. O Sistema

de Informações Logísticas (SIL) de apoio à decisão devemproduzir relatórios para ampla variedade de alternativaspotenciais. Ao contrário do controle gerencial, a análise dedecisão concentra-se na avaliação de futuras alternativastáticas.

Para Fleury et al. (2000), o sistema de apoio à decisãoproporciona duas ferramentas de apoio:

· Operacionais: voltadas para operações rotineirascomo a programação e o roteamento de veículos e gestãode estoque, entre outros.

· Para ações táticas e estratégicas: voltadas para alocalização de instalações, análise da rentabilidade e análisede clientes, entre outros.

As ferramentas que tendem a ser mais operacionaisdevem estar inteiramente conectadas com o sistematransacional, de modo que os inputs sejam informaçõesatualizadas e no formato adequado.

Estes autores destacam que: em ambos os tipos deferramentas, exige-se que o nível de expertise dosusuários seja elevado, para lidar com as dificuldadesna implementação e utilização. Caso contrário, énecessário treinamento específico, típico na maioriados casos (p290)

O terceiro nível, segundo Ballou (1993), pertence aoplanejamento e controle táticos, sendo uma extensão do nívelsupervisório. Ele cita, como exemplos de problemas táticos,a reavaliação dos pontos de reposição de inventário, aseleção de transportadoras, o arranjo físico de armazénse o planejamento de espaço, além do transporte comsazonalidade.

Geralmente envolvem a média gerência, como ogerente de distribuição ou de transporte.

Planejamento EstratégicoFinalmente, o planejamento estratégico (longo prazo)

segundo Ballou (1993), envolve a definição de metas,políticas e objetivos, decidindo toda a estrutura logística e,portanto, os recursos necessários para executar adistribuição e o suprimento. Não requer velocidade no fluxode informação.

Para Bowersox e Closs (2007, p. 178), o nível deplanejamento estratégico dos SIL deve incorporar umacoleta de dados de níveis anteriores que possibilite odesenvolvimento de amplo espectro de modelos deplanejamento de tomada de decisão, com o objetivo desubsidiar a avaliação das probabilidades e dos retornosde diversas estratégias alternativas.

Historicamente, o desenvolvimento dos SILs visavaao aumento da eficiência do sistema transacional como baseda vantagem competitiva.

52 Revista do Centro Universitário Moura Lacerda

A figura 3 apresenta os aspectos relativos às características das decisões, juntamente com a justificativa de cadanível de funcionalidade dos SILs:

CARACTERÍSTICAS DOS

NÍVEIS DE SISTEMAS

JUSTIFICATIVAS DOS

NÍVEIS DE SISTEMAS

Planejamento

estratégico

Análise de

decisão

Controle

Transação

• Altos custos de sistemas: hardware e software

• Treinam. estruturado p/ gde. número de usuários

• Foco em atividades voltadas à eficiência

• Sist. de controle de desempenho

• Feedback de informações para avaliação do desempenho

• Direcionamento proativo aos usuários

• Análise e Avaliação

• Conhecim. especializado e treinamento do usuário

• Alto risco

Vantagem competitiva

Identificação e avaliação de

alternativas competitivas

Mensuração da capacidade

competitiva e adição de áreas

com potencial de

aperfeiçoamento

Qualificação

competitiva

NÍVEIS DE SISTEMAS NÍVEIS DE SISTEMAS

Diversas opções·

estratégico

decisão

Gerencia• Foco em atividades eficazes

competitiva

PRINCÍPIOS DOS SISTEMAS DEINFORMAÇÃO LOGÍSTICA (SILs)

Segundo os mesmos pesquisadores: os sistemasde informações logísticas devem incorporar seisprincípios, para atender às necessidades de informaçãoe apoiar adequadamente o planejamento e asoperações logísticas da empresa. São eles:

a) DisponibilidadeAs informações logísticas devem estar disponíveis

em tempo hábil e com consistência, como os status dospedidos e do estoque. A rápida disponibilidade é necessáriapara dar resposta aos clientes, aperfeiçoar as decisõesgerenciais, reduzir as incertezas operacionais e deplanejamento. Como exemplo de informação necessária,estão os status do pedido e do estoque. Frequentemente,os dados estão registrados em papel ou são de difícilacesso nos sistemas.

Fig. 3: Uso do SIL, características e justificativas das decisões.Fonte: Adaptado de Bowersox e Closs (2007, p. 178).

b) PrecisãoAs informações logísticas devem refletir com

precisão o status atualizado e incorporar atividades periódicasde avaliação, em casos como pedidos de clientes e níveis deestoques. Define-se precisão como o grau de conformidadeentre as informações geradas pelo SIL e as contagens físicasou os status atualizados. Quando não há grande consistênciaentre os níveis do estoque físico e do estoque mostrado pelosistema de informações, é necessário manter estoquesreguladores, pulmões, ou estoques de segurança, para reduzira incerteza do estoque.

c) Atualizações em tempo hábilAs informações logísticas devem ser atualizadas em

tempo hábil, a fim de proporcionar feedback rápido deinformações aos níveis gerenciais. Tempo de atualização éa diferença entre o momento em que uma atividade ocorre eo momento em que ela se torna visível no sistema deinformações. Evidentemente, as atualizações imediatas ou

MONTAGEM 53

em tempo real são mais oportunas, mas também exigemesforços de manutenção da base de dados. Código de barras,leitura ótica e EDI (Intercâmbio Eletrônico de Dados),facilitam a atualização oportuna e eficaz. Assim, os controlesgerenciais exercidos em tempo hábil fornecem informaçõesquando ainda há tempo para a adoção de medidas corretivasou para minimizar perdas. Em resumo, atualizações emtempo hábil diminuem a incerteza, identificam problemas,reduzindo, consequentemente, as necessidades de estoquese aumentando a correção das decisões.

d) SIL baseado em exceçõesOs sistemas de informações logísticas devem

basear-se em exceções para apontar problemas eoportunidades. Um exemplo de situação de exceção que osSILs devem destacar incluir pedidos muito grandes, produtoscom estoque reduzido ou com falta de estoque, entregasatrasadas ou queda da produtividade operacional porinúmeros motivos. Em resumo, as versões mais recentesdos SILs devem controlar as exceções, permitindo o uso dosistema para identificar situações que exigem atençãogerencial.

e) FlexibilidadeOs sistemas de informações logísticas devem ser

flexíveis, para atender às necessidades de usuários e clientes.Os sistemas de informações devem ser capazes de fornecerdados adaptados às necessidades específicas dos clientes.Alguns clientes talvez queiram, por exemplo, faturasconsolidadas por certas áreas geográficas ou zonasespecíficas. Assim, um SIL flexível deve ser capaz de lidarcom esses tipos de necessidades. Internamente, os sistemasde informações devem possibilitar adaptações, a fim depermitir que necessidades futuras sejam incluídas semincorrer em custos proibitivos em recursos financeiros e/outempo de programação.

f) Formato adequadoFinalmente, as telas e os relatórios logísticos devem

ser adequadamente formatados, o que significa queinformações corretas devem ser apresentadas com asmelhores estruturas e ordenação. Como exemplo deformatação adequada do sistema, a apresentação do estoquede cinco centros de distribuição em uma única tela facilitariaextraordinariamente o processo de identificação da melhoropção para servir aos clientes.

DIAGRAMA DE UM SISTEMA DE INFORMAÇÕES LOGÍSTICAS (SIL)

Fig. 4: Sistema de Informações Logísticas.

a) b) c)

54 Revista do Centro Universitário Moura Lacerda

a) OMS (Order Management System)O Sistema de Gerenciamento de

Pedidos, ou OMS, é um software de computador do sistemautilizado pelas empresas para processar a entrada depedidos.

b) WMS (Warehouse Management System)O WMS, sigla correspondente ao software de

Sistema de Gerenciamento de Armazém, cuja função éadministrar os estoques, maximizando o espaço do armazém.

c) TMS (Transport Management System)Segundo Gassnier (2001), o TMS, sigla

correspondente ao Sistema de Gerenciamento deTransporte, é um software para melhoria da qualidade eprodutividade de todo o processo de distribuição, a partir doprodutor/fabricante. Este sistema permite controlar toda aoperação e gestão de transportes de forma integrada. Osistema é desenvolvido em módulos que podem seradquiridos pelo cliente, consoante suas necessidades.

O transporte e a expedição são parte das funções dossistemas de informações logísticas (SIL, ou LIS em in-glês), voltadas ao planejamento, à execução e aogerenciamento das atividades de transporte e movimen-tação. Suas atividades abrangem o planejamento, a pro-gramação e a consolidação de cargas, a notificação decargas, a emissão de documentação de transporte e ogerenciamento de transportadoras. Tais atividades vi-sam à utilização eficiente dos recursos de transporte,bem como o gerenciamento eficaz das transportadoras.(BOWERSOX; CLOSS, 2007, p. 188).

A seguir, Bowersox e Closs (2007) elencam asprincipais atividades de um SIL no gerenciamento detransportes e expedição:

· seleção de transportadoras;

· programação de transportadoras;

· despacho;

· preparação de documentos;

· pagamento de frete;

· avaliação de desempenho;

· consolidação de carga;

· programação do carregamento;

· localização e expedição da carga;

· carregamento dos veículos.

Ainda, segundo os autores, uma característicapeculiar dos controles de transporte e de expedição dos SILé o fato de que, com frequência, eles envolvem três entidades– o embarcador, o transportador e o destinatário.

Para gerenciar o processo eficazmente, é necessário quehaja um nível básico de integração de informações, afim de que as informações sejam compartilhadas. O

compartilhamento de informações exige formatos dedados padronizados para os documentos de transporte.Atualmente, os esforços de coordenação de dados estãoconcentrados na unificação de documentos de trans-portes e de outros documentos comerciais como pedi-dos, faturas e notificações de expedição. (BOWERSOX;CLOSS, 2007, p. 188).

È preciso destacar que os sistemas de informaçõeslogísticos mais modernos dão ênfase ao monitoramento dodesempenho, à auditoria de fretes, à roteirização eprogramação, à emissão de faturas, a relatórios e a análisesde decisões. As versões mais modernas na parte que serefere ao transporte incorporam uma capacidade crescentede planejamento e avaliação de desempenho.

Gassnier (2001) afirma que tais sistemas tema finalidade de identificar e controlar os custos inerentes acada operação, sendo importante verificar e medir os custosde cada elemento existente na cadeia de transporte, a qualenvolve não só o veículo em si, mas também a gestãodos recursos humanos e materiais, o controle das cargas,os custos de manutenção da frota e índices de discrepânciasnas entregas, bem como as diversas tabelas de fretesexistentes (peso, valor e volume), apresentando o modeloque melhor se ajusta.

Um TMS permite obter o custo mínimo de operação,pois permite visualizar e controlar todos os custos inerentesà gestão de transporte, controlar a qualidade dos serviçosrealizados interna e externamente ou por terceiros eestabelecer metas de qualidade conforme as necessidades.Também aumenta a disponibilidade da frota, prevendopossíveis problemas que possam ocorrer nas partesmecânica e elétrica do veículo, com informações detalhadase de fácil acesso que permitem uma rápida tomada dedecisão. (PINHEIRO, 2006).

Contudo, os aperfeiçoamentos dos SILs estão sendodirigidos para componentes do controle gerencial, de análisede decisão e do planejamento estratégico. Quanto à análisede decisão, muitos SIL incorporam modelos quantitativosvoltados ao estudo inclusive de rotas de transporte(BOWERSOX; CLOSS, 2007).

Anteriormente, grande parte dos gastosconcentrava-se na melhoria da eficiência de sistemastransacionais. Embora esses investimentos oferecessemmaior velocidade, alterando de certa forma os custosoperacionais, as vantagens esperadas de reduções de custonem sempre se materializavam.

A SIMULAÇÃO DE SISTEMAS PARA TOMADADE DECISÃO

É consensual que as empresas que se destacampela excelência em Logística adotam intensivamente novastecnologias de informação.

MONTAGEM 55

Como vimos, um sistema de tecnologia deinformação é formado por um subconjunto dessastecnologias que dão apoio à decisão, denominadosaplicativos.

Segundo Fleury et al. (2000, p. 296), entre os váriosaplicativos existentes, a simulação computacional temdespertado como uma das ferramentas de crescenteutilização da gestão moderna, em particular nas áreasde Logística e operações.

Evidencia-se que até a década passada,ferramentas mais sofisticadas de tecnologia de informação,que eram privilégio de algumas poucas organizações degrande porte, na atualidade, com os avanços tecnológicos ea farta oferta de produtos, novas oportunidades surgiram,abrangendo praticamente todos os elos da cadeia desuprimentos.

Os sistemas logísticos envolvem diversos elementosque interagem entre si e são influenciados por efeitos denatureza aleatória. Assim, os autores afirmam que situaçõescomo essa impõem sérias dificuldades para um estudoanalítico do problema, fazendo da simulação computacionalum forte aliado, senão o único, para o projeto e a análise desistemas logísticos.

Para corroborar a necessidade de trabalhodispomos, atualmente, em nosso ambiente de trabalho, de

computadores cada vez mais poderosos, com disponibilidadee acesso a informações quase imediatas e uma gama desoftwares capazes de nos auxiliar em diferentes situaçõespermitindo, inclusive, simulações, para uma tomada dedecisão consciente, consistente e convicta.

Esta poderosa metodologia será apresentada deforma sucinta, porém abrangente, mediante respostas àsperguntas mais frequentes, como segue:

- O que se entende por simulação?

Fleury et al. (2000) definem simulação como o usode modelos para o estudo de problemas reais denatureza complexa, por meio da experimentaçãocomputacional.

Assim, a simulação consiste no processo deconstrução de um modelo, que replica o funcionamento deum sistema real ou idealizado (ainda a ser construído) e nacondução de experimentos computacionais com este modelocom o objetivo de melhor entender o problema em estudo,testar diferentes alternativas para sua operação e, assim,propor melhores formas de operá-lo.

Dessa forma, pode-se resumir as principais etapasnuma aplicação prática de simulação conforme a figura 5Fonte: Fleury et al. (2000, p. 298)

Construção do

modelo

Modelagem

computacional

Experimentação

a) Construção do modelo;

b) Transformação desse modelo conceitual em um modelo computacional próprio ao processo de experimentação;

c) Tese experimental de alternativas de ação para escolha das mais adequadas.

a) Construção do modeloNessa concepção um dos passos fundamentais do

processo de simulação consiste numa boa compreensão doproblema em estudo e na construção de um modelo quemelhor represente seu funcionamento. Embora existamferramentas e abordagens próprias para o processo demodelagem, este será sempre um misto de arte e ciência.

b) Modelagem computacional Entende a modelagem computacional como o

conjunto de ações que objetiva traduzir o modelo lógico/conceitual em um modelo operacional. Como tal, essamodelagem abrange três etapas fundamentais e tambémtrabalhosas do processo de simulação:

· coleta de dados e sua modelagem estatística;

56 Revista do Centro Universitário Moura Lacerda

· programação, com utilização de um softwareapropriado à natureza do problema;

· verificação e validação.Desse modo, uma operação ou sistema é traduzido

em termos de regras, ações e tempos de processo.Segundo Lachtermacher (2002), podemos

considerar a modelagem computacional como aplicação dométodo científico, por equipes interdisciplinares, a problemasque dizem respeito ao controle de sistemas organizados(homem-máquina), com a finalidade de obter as soluçõesque melhor satisfaçam os objetivos da organização, comoum todo.

Para Caixeta-Filho (2001), a pesquisa operacionalnecessária para uma modelagem computacional, reúne umconjunto de técnicas de “otimização” baseadas em modelosmatemáticos (pano de fundo da cadeira de PesquisaOperacional) e estatísticos, objetivando a modelagem decenários de decisão, visando encontrar soluções ótimas.

Assim, a modelagem computacional visa representarum problema de otimização através de equações einequações lineares, seguindo um roteiro (por isso échamado de modelo), bem definido e estruturado.

c) ExperimentaçãoConstruído o modelo computacional e devidamente

validado, passamos à fase experimental, em que diversasalternativas em consideração serão testadas. Além disso,por meio da simulação podemos fazer análises desensibilidade e do tipo “what if”, para avaliar o efeito depossíveis alterações antes que elas ocorram de fato ou sejamimplantadas.

Utilizando processos de experimentação estatística eapoiados por análises consistentes dos resultados obti-dos, estaremos a um passo para sugerir as melhores al-ternativas a seguir ou recomendações que se façam ne-cessárias. Essa fase consiste no teste de diferentes alter-nativas, utilizando a representação do sistema real, queé o modelo de simulação. (FLEURY et al 2000).

Onde utilizar a simulação?De acordo com Fleury et al (2000), antes de

implementarmos um novo processo, precisamos ter umaideia antecipada de seus possíveis resultados, seja paraconfirmar nossas expectativas em relação aos benefíciosprocurados, seja para identificar possíveis efeitos colaterais.Quando observamos a maioria das operações logísticas,temos a articulação de várias funções da cadeia desuprimento e suas inerentes complexidades.

Quando decisões de compra, produção, estocagem,políticas de reposição, manuseio de material e distribuiçãofísica devem ser tomadas de forma integrada, a simulaçãoé uma ferramenta indicada para quantificar os potenciaisganhos entre cada alternativa e seus efeitos.

Em termos gerais, Fleury et al. (2000) citam que asimulação deve ser aplicada em certos tipos de problemanos quais se necessita:

· proporcionar melhor compreensão sobre anatureza de um processo;

· identificar problemas específicos ou áreasproblemáticas em um sistema, em particular gargalos;

· auxiliar a estabelecer estratégias de investimentofuturo para um sistema já existente, mostrando melhorquando e quanto se tem a ganhar a cada nova etapa;

· testar novos conceitos antes de suaimplementação e sem interferir na operação de um sistemaatualmente em curso;

· avaliar os benefícios de novos investimentos antesque haja um comprometimento de fato dos recursos de umaempresa.

Na Logística, as simulações se prestam adimensionar operações de carga e descarga, de estoque,estudo de movimentação de materiais, fluxos de produçãoe serviços de atendimento em geral. Destarte, especialmentesobre as operações de transportes

A simulação em sistemas de transporte determina a fro-ta ideal em termos de número e tamanho de veículos,considerando o perfil de pedidos a serem entregues, aduração das viagens e o tempo de carregamento e des-carregamento e o resultado sobre a utilização dos veí-culos, tempo de atendimento, dentre outros. (FLEURY etal, 2000, p. 301).

Demonstram que, no caso específico de aplicaçõesem operações logísticas ocorrem :

· dimensionamento de operações de carga edescarga: determinação do número de docas, número deempilhadeiras e área de preparação de carga, dentre outros;

· dimensionamento de estoque: determinação deestoque de segurança e estoque básico em sistemas multi-elos (centros de distribuição centrais e regionais),considerando incertezas nos suprimentos de matérias-primase na demanda pelos produtos e sua consequência sobre onível de serviço prestado: Onde os estoques devem estarlocalizados? Centralizados ou distribuídos nas pontas? Qualo custo de atender a nossos clientes com 95% dedisponibilidade de produto? E 98%?

· estudo de movimentação de material: avaliaçãoda relação custo/benefício da implantação de novosequipamentos e novas tecnologias, como esteiras,transelevadores e sistemas automáticos de picking, dentreoutros;

· fluxo de produção: dimensionamento deequipamentos e de estações de trabalho. Avaliação de

MONTAGEM 57

diferentes configurações de recursos: células de produçãoe linhas especializadas, dentre outros;

· serviços de atendimento em geral: como númerode PDV’s em supermercados e caixas de atendimentos embancos, dentre outros;

· sistema de transporte: determinação de frota idealem termos de número e tamanho de veículos, considerando operfil de pedidos a serem entregues, a duração das viagens e otempo de carregamento e descarregamento e o resultado sobrea utilização dos veículos e tempo de atendimento, dentre outros.

Exemplos de aplicação de simulaçõesFleury et al. (2000) observam que a aplicação da

simulação como ferramenta de apoio à decisão se tornaclara nos vários exemplos de projetos de pesquisadesenvolvidos no Centro de Estudos em Logística, emparceria com empresas nacionais de grande porte que atuamna movimentação e na distribuição de seus produtos eserviços.

A simulação possibilita diversos cenários de médioe longo prazo relativos ao negócio.

Um desses exemplos de simulação foi realizadonuma base de distribuição de combustíveis:

Uma Base de Distribuição de derivados de petróleo écomposta por tanques para armazenagem de combustí-veis e por baias para o carregamento dos caminhões-tanques. Em cada baia, existem bicos para abasteci-mento de cada tipo de combustível. Dimensionar umaBase de Distribuição significa determinar o número debaias, o mix de combustíveis em cada uma dessas baias,ou seja, qual o tipo de combustível que o bico deve car-regar, sua vazão de carregamento, o espaço necessáriopara estacionamento dos veículos (proporcional à filade espera para carregamento, entre outros aspectos. Omau dimensionamento, nesse caso, é crítico, já que ainstalação de uma base envolve grandes investimentos,relacionados à estrutura fixa característica desse tipode operação. Assim, capacidade em excesso implicariaaltíssimo custo de operação, e falta de capacidade im-plicaria em longos tempos de espera dos veículos paracarregamento, o que levaria a atrasos nas entregas ealto custo de transporte, em função da baixa utilizaçãoda frota. Para auxílio ao planejamento edimensionamento desse sistema, o Centro de Estudosem Logística e a Companhia Brasileira de PetróleoIpiranga desenvolveram um modelo de simulação. Pelomodelo, foi possível testar diversas configurações dosrecursos, como operar com maior número de baias emenor vazão de carregamento e vice-versa. Foram tes-tadas diferentes formas de construção de baias, com di-ferentes composições de bicos por baia. Também se ana-lisou a operação da base em diferentes turnos: 24, 16 e12 horas. Algumas configurações de parâmetros gera-

ram reduções de 40% no tempo de carregamento. Comisso, maior número de clientes poderia ser atendido, ouuma redução no tamanho da frota poderia ser realiza-da. Esses benefícios puderam então ser precisamentecomparados com os investimentos necessários. (FLEURYet al 2000, p. 304)

Tais testes seriam inviáveis no sistema real, poisseu custo é muito elevado, demonstrando um dos grandesbenefícios dessa ferramenta na abordagem de problemastão complexos no setor logístico.

Outra vantagem fornecida pela simulação foi apossibilidade de variação de taxas de chegada e de saídade carretas no terminal, simulando diversos cenários demédio e longo prazo em termos de comportamento dademanda.

Exemplo como este orientam as empresas em suatomada de decisão com relação a novos investimentos paramelhoria das atividades logísticas, ou, ainda, para reciclar aforma de gerir a frota. Os resultados obtidos orientaram aempresa em sua tomada de decisão com relação a novosinvestimentos para melhoria do tempo de carregamento e,que futuramente, pretende-se aplicar essa metodologia noplanejamento de novas bases de distribuição.

O sucesso na empreitada de uma simulação comoesta realizada pela Companhia Brasileira de Petróleo Ipirangacom o auxílio do Centro de Estudos em Logística, além dasvirtudes descritas será alvo de constante observação e deestudos por parte da concorrência, na forma de benchmarking,a fim de preservar sua existência no mercado.

Capacitações técnicas necessáriasPara Fleury et al (2000), a execução de um projeto

de simulação exige capacitações técnicas diversas.Empresas criaram equipes especializadas, e como ossoftwares de simulação estão cada vez mais amigáveis, seuaprendizado é mais facilitado, permitindo sua utilização porum número cada vez maior de usuários. As capacitaçõesnecessárias são as seguintes:

· bons conhecimentos de informática: implica aindicação de uma pessoa com um perfil de usuário, habituadoao desenvolvimento de projetos com utilização de softwares.Além de saber utilizar o software, deve ser capaz de modelaro problema em questão;

· conhecimento razoável em estatística: estudosde simulação implicam intensiva utilização de dados.Portanto, é vital o conhecimento estatístico para umtratamento adequado dos dados de entradas e uma corretainterpretação dos resultados que o modelo pode gerar;

· conhecimento de técnicas de análise de processos:além de sensibilidade, o colaborador deve ter a habilidadede traduzir as relações do sistema e de seus componentes.

58 Revista do Centro Universitário Moura Lacerda

Um projeto de simulação com pouco envolvimento depessoas que trabalham na prática co o sistema possui grandeprobabilidade de não alcançar os objetivos desejados.

Softwares de simulaçãoA crescente popularidade de uso da simulação como

ferramenta de modelagem e análise de problemas resultou

em uma vasta e também crescente disponibilidade desoftwares de simulação no mercado.

Na tabela 3, Visualizamos apresentam os principaissoftwares difundidos no mercado, seus fornecedores e aexistência ou não de representantes no mercado brasileiro.E na tabela 4, a lista de sites de simulação disponíveis parautilização.

Tabela 3: Lista dos principais softwares de simulação. * ND – Não disponívelFonte: Adaptado de Fleury et al. (2000, p. 306)

Aos interessados em se aprofundar no assunto e obter maiores informações sobre essa poderosa ferramenta, Fleury et al.(2000) sugerem a visita aos seguintes sites descritos abaixo:

Descrição Link

Simulation Insights http://www.cis.ufl.edu/~fishwick/csma/insights.htmlACM SIGCOMM http://www.acm.org/sigcommACM TOMACS http://www.manta.cs.vt.edcomacs/International Journal in Computar Simulation http://www.cs.umr.edu/ijcs/INFORMS College on Simulation http://www.isye.gatech,edu/informs-sim/The Applied Probability Newsletter http://www.math.nps.navy.mil/~mike/balley.The Society for Computer Simulation http://www.scs.orgIEEE Computer Society http://www.computer.orgInternet Society http://www.isoc.orgIEEE ComSoc TC on Gigabit Networking http://www.info.gte.com/ieee-tcgn/

Produto Empresa Endereço eletrônico RepresentanteARENA Systems Modeling Corp. www.sm.com SimAutoMod Autosimulations www.autosim.com SimExtend Imagine That www.imaginethatinc. NãoGPSS H Wolverine Software ND* SimMicro Saint Micro Analysis & Design www.madboulder.com SimPromodel ProModel Corp. www.promodel.com SimSIMPLE + + AESOP (Alemanha) www.aesop.de ND*Simscript II.5 e MODSIMIII CACI Prods. Co. www.caciasl.com ND*TAYLOR II F & H Simulations www.taylorii.com ND*VisSim Visual Solutions www.vissim.com Sim

Tabela 4: Lista de sites de simulação.Fonte: Fleury et al (2000, p. 307)

Custo de aquisição de simuladoresDe acordo com Fleury et al (2000), o maior custo

de aquisição de simuladores não reside na plataformacomputacional, como visto, e sim no custo do própriosoftware. Os preços são customizados para cada tipo denecessidade do cliente. No entanto, esses preços estão emqueda a cada ano, sendo bastante acessíveis até paraempresas de pequeno e médio porte.

O custo decrescente da tecnologia, associado a suamaior facilidade de uso, permite aos executivos poder contar

com meios para coletar, armazenar, transferir e processardados com maior eficiência, eficácia e rapidez.

Bowersox e Closs (2007) citam o custo da tecnologiade informação da seguinte forma:

O aperfeiçoamento da tecnologia de informação reduzo custo de processamento de pedidos, diminui incerte-zas de planejamento e operações e ajuda a empresa aalcançar seus objetivos estratégicos. As empresas comas melhores práticas logísticas consideram mais baratomanipular informações do que movimentar estoque.

MONTAGEM 59

Entretanto, a informação só pode oferecer vantagemcompetitiva quando apoia a capacidade de gerenciaras transações, o controle gerencial, a análise de deci-são e o planejamento estratégico. (BOWERSOX; CLOSS,2007, p. 205).

Embora o montante a ser investido na aquisição desistemas de informação eficazes cause desconforto, suaefetivação é condição sine qua non para a diferenciação,manutenção e a sobrevivência da empresa no mercado. Éo preço da modernidade e da sobrevivência empresarial.

A TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO (TI)De acordo com Foina (2001), foi com o advento

dos computadores nas empresas e organizações que a TIsurgiu. Antes, o processo de tratamento das informações eraem formato de memorandos, planilhas e tabulações,todas datilografadas e distribuídas por meio de malotes; aosfuncionários.

O termo “Tecnologia da Informação” surgiu emmeados da década de 80, substituindo as expressões“Informática” e “Processamento de Dados”. (PINHEIRO,2006).

Para Turban, Rainer e Potter (2005), a tecnologia dainformação pode ser descrita como o conjunto dos recursosde informação de uma organização.

Segundo Valente et al. (2011), a tecnologia dainformação é o conjunto de recursos não humanos dedicadosao armazenamento, processamento e comunicação dainformação e à forma como esses recursos estão organizadosem um sistema capaz de executar um conjunto de tarefas.

O termo, segundo Bowersox e Closs (2007), estáevoluindo gerando simultaneamente reduções significantesde custo e espaço físico. À medida que a tecnologia deinformação prossegue sua trajetória de contínua evolução,vão surgindo várias inovações que influenciam as operaçõeslogísticas. As tecnologias com uso específico para a logísticaincluem EDI, computadores pessoais, inteligência artificial/sistemas especialistas, comunicação sem fio, código de barrase leitura óptica.

A tecnologia da informação não se restringe aequipamentos (hardware), programas (software) ecomunicação de dados. Existem tecnologias relativas aoplanejamento de informática, ao desenvolvimento de sistemas,ao suporte, ao software, aos processos de produção eoperação e ao suporte de hardware, entre outros. (VALENTEet al., 2011, p. 308).

A tecnologia da informação oferece as ferramentasque permitem solucionar problemas cada vez mais complexose aproveitar as oportunidades que contribuem para o sucesso,ou mesmo a sobrevivência da organização. (TURBAN;RAINER; POTTER, 2005).

O papel principal da tecnologia da informação é darapoio às pessoas na organização, nos processos empre-sariais, independentemente de seu nível funcional ouhierárquico, que permitam às empresas operarem naera digital, reagindo de modo rápido e adequado àsmudanças. É a base de estratégias agressivas e proativasque podem alterar radicalmente a perspectiva competi-tiva de um setor. (TURBAN; RAINER; POTTER, 2005).

Outros autores, como Alter (1992, p. 10), fazemdistinção entre tecnologia da informação e sistema deinformação, restringindo a primeira expressão apenas aosaspectos técnicos, enquanto a segunda corresponde àsquestões relativas ao fluxo de trabalho, pessoas einformações envolvidas.

AS TRAJETÓRIAS DA TECNOLOGIA DAINFORMAÇÃO

De acordo com Turban, Rainer e Potter (2005), osprimeiros programas de computador, que surgiram nadécada de 1950 e no início da década de 1960, davam apoioa segmentos curtos da cadeia de fornecimento, como ossistemas de gerenciamento de estoque, de programação ecobrança. O software básico era chamado de software degerenciamento da cadeia de fornecimento, ou SCM, e tinhacomo objetivos, diminuir custos, acelerar o processamentoe reduzir erros. Suas aplicações eram desenvolvidas nasáreas funcionais, independentemente umas das outras.

Em pouco tempo, ficou clara a existência deinterdependência entre algumas atividades da cadeia defornecimento. Uma das primeiras percebidas foi em relaçãoao planejamento de compras e ao gerenciamento deestoques. Assim, nasceu o modelo de Planejamento deNecessidades de Material, ou MRP (MaterialRequirements Planning), que finalmente integrou aprodução ao planejamento de compras e ao gerenciamentode estoque de produtos inter-relacionados. (TURBAN;RAINER; POTTER, 2005).

Segundo Gonçalves (2010), o foco do sistema MRPenvolve a otimização de duas variáveis:

· volume: para responder à pergunta relativa àquantidade de material necessária (quanto?) de cada itemque compõe o produto final;

· tempo: para fixar, cronologicamente, ao longodo processo de produção, a data precisa em que essematerial deve estar disponível (quando?).

Mais tarde, o sistema MRP clássico evoluiu porintroduzir os conceitos de recursos financeiros (dinheiro) ede produção (mão de obra), passando a se chamarPlanejamento de Recursos de Fabricação, ou MRP II(Manufacturing Resources Planning). (TURBAN;RAINER; POTTER, 2005).

60 Revista do Centro Universitário Moura Lacerda

Conforme Gonçalves (2010), o MRP II surgiu nadécada de 1980, e é um prolongamento do MRP clássico,por incluir dados sobre as capacidades dos equipamentos,recursos de engenharia, finanças, marketing e recursos demão de obra, funcionando como um sistema integrado epermitindo obter diversos relatórios financeiros sobre o custodos produtos.

Esse é um sistema integrado que mais tarde deu origemao projeto de Sistema Integrado de Gestão, conhecidoscomo sistemas ERP (Enterprise Resource Planning), quefuncionam dentro de uma plataforma de Tecnologia daInformação (TI) e contêm poderosas ferramentas de aná-lise, programação e controle. No entanto, como qual-quer sistema, depende das pessoas para a tomada dedecisões, pois, não há como substituir a inteligência, aintuição e o conhecimento das pessoas envolvidas coma empresa. (GONÇALVES, 2010, p. 221).

O ERP é um sistema que obtém informações detodas as funções da empresa, monitorando materiais,compras, programação de produção, estoque de produtosacabados e outras informações que tramitam na empresacomo um todo.

Segundo Turban, Rainer e Potter (2005), o principalobjetivo do ERP é integrar todos os departamentos e fluxosde informação funcionais de uma empresa em um únicosistema de computador que possa atender a todas asnecessidades da empresa.

Para Gonçalves (2010), sob a ótica da logística, oobjetivo de um sistema ERP é atuar como um sistema degerenciamento das transações da empresa, solucionandoos problemas oriundos de uma ausência de integração entreas diversas fases da cadeia produtiva. Um ERP típico possuivários módulos, cada um deles cobrindo diferentes funçõesda empresa. Esses módulos são integrados entre si de talmodo que um usuário do sistema poderá saber o que estáacontecendo em outras áreas da empresa. Os váriosmódulos do sistema ERP podem ser instaladosseparadamente ou combinados com outros módulos.

Esses módulos são basicamente, segundo Gonçalves(2010):

· finanças: rastreiam as informações financeiras,como receitas e dados de custos das diversas áreas daempresa;

· recursos humanos: manipulam toda sorte deatividades relacionadas com recursos humanos comoprogramação da mão de obra;

· acompanhamento das ordens: monitora o ciclode ordens, fazendo um rastreamento do progresso daempresa para satisfazer os requisitos da demanda;

· manufatura: rastreia o fluxo de produtos ao longodos processos de manufatura, coordenando o que fazer,quando fazer e com que fazer;

· gerenciamento do suprimento: monitora odesempenho dos fornecedores e rastreia as liberações deprodutos por parte dos fornecedores;

· logística: algumas vezes, dividido em váriossubmódulos, cobre diferentes funções logísticas comotransporte, gerenciamento de estoques e gerenciamento decentros de distribuição.

Apesar de permitir a integração, os relatóriosgerados pelos sistemas de ERP da primeira geraçãoforneciam apenas dados estatísticos sobre transaçõesempresariais, custos e desempenho financeiro, deixando adesejar quanto ao suprimento de informações necessáriasao planejamento.

Os relatórios dos sistemas de ERP da primeira geraçãoforneciam uma “fotografia” da empresa em um determi-nado ponto no tempo, porém não podiam lidar com pla-nejamento contínuo, que é essencial para o planeja-mento da cadeia de fornecimento. O planejamento con-tínuo é como um vídeo comparado a uma fotografia: elecontinua a aprimorar e incrementar o plano à medidaque ocorrem mudanças e eventos, até o último minutoantes da execução do plano. Tentar criar um plano ide-al usando sistemas baseados em ERP da primeira gera-ção já foi comparado a dirigir um carro olhando peloespelho retrovisor. Essa deficiência do ERP de primeirageração criou a necessidade de planejar sistemas ori-entados para a tomada de decisões. (TURBAN; REINER;POTTER, 2005, p. 305).

Assim, surgiu o ERP de segunda geraçãodenominado “software de SCM analítico”, que foiespecificamente projetado para melhorar a tomada dedecisões nos segmentos da cadeia de fornecimento. Seufoco na tomada de decisões está em contraste com o focodo ERP em dinamizar o fluxo de informações de rotina.(TURBAN; REINER; POTTER, 2005).

Referindo-se ao ERP de primeira geração,Gonçalves (2010, p. 223) afirma que se trata de um produtocom foco no nível operacional e não tem capacidade analíticapara auxiliar a tomada de decisões na fase de planejamentoe no direcionamento das estratégias como comentadoanteriormente. Esses ERPs são excelentes para dizeremaos gerentes o que está acontecendo, mas não têmcapacidade de assinalar o que poderá acontecer. Para supriressa lacuna, alguns fornecedores de ERP procuraramparcerias para incluir algumas ferramentas complementaresde apoio à decisão, com o objetivo de melhorar a eficiênciadas operações logísticas das empresas. (GONÇALVES,2010, p. 223).

Algumas aplicações dessas ferramentascomplementares de apoio à decisão nos sistemas ERPsegundo Gonçalves (2010), incluem:

MONTAGEM 61

· gerenciamento do suprimento: focaliza a relaçãoentre a manufatura e seus fornecedores e o processo desuprimento que ocorre entre eles;

· planejamento avançado e programação: focalizaa programação envolvendo o que fazer, onde e quando equem vai fazer, levando em conta a disponibilidade dematerial, a capacidade de instalação da fábrica e de outrosobjetivos do negócio. Algumas vezes, este módulo podeincorporar as funções estratégicas de planejamento doscanais de abastecimento, planejamento de estoques eacompanhamento de aquisições;

· planejamento da demanda e gerenciamento dasreceitas: estes sistemas utilizam como input dados históricosde consumo para projetar as demandas futuras e respectivasreceitas;

· gerenciamento da cadeia de suprimentos (SCM):permite uma visão mais global do sistema de abastecimentoem diferentes estágios, como: planejamento avançado deprodução, planejamento de transporte e planejamento deestoque;

· gerenciamento do relacionamento com o cliente,ou CRM (Customer Relationship Management), e forçade vendas: aplicações automatizadas entre vendedores ecompradores, para prover produtos e informações sobrepreços;

· Planejamento de transportes: permite uma análisepara determinar para quem, quando onde e que quantidadede material deverá ser transportada. Comparações entrediferentes modalidades de transporte, rotas e planos defretes podem ser utilizadas por este módulo.

Segundo Turban, Rainer e Potter (2005, p. 305), “ouso do software de ERP e de SCM não é necessariamenteuma decisão “ou um ou outro”. Pelo contrário, os dois podemser combinados e usados em conjunto”.

Para ilustrar como o ERP e o SCM podem trabalharjuntos, considere a tarefa do processamento de pedidos.Há uma diferença fundamental entre o ERP e o SCM noque se refere a essa tarefa: A técnica do ERP é “Como euposso melhor receber ou atender seu pedido?”. Poroutro lado, a pergunta do software de SCM é “Eu devoreceber seu pedido?”. A resposta poderia ser “não” seo recebimento do pedido fizesse a empresa perder di-nheiro ou interferisse na produção. Portanto, o softwarede SCM focaliza no planejamento, otimização e tomadade decisões em segmentos da cadeia de fornecimento.Assim, os sistemas de informação SCM analíticos emer-giram como um complemento aos sistemas de ERP, parafornecer suporte de decisão inteligente ou capacidadesde inteligência de negócio (business intelligence). Por-tanto, o sistema SCM é capaz de fornecer um quadroclaro do caminho que a empresa está tomando, no âm-

bito da organização como um todo. (TURBAN; RAINER;POTTER, 2005, p. 305).

Para Keen (1996, p. 25), o desenvolvimento da TIpode ser divido em quatro períodos:

· Era do Processamento de dados (década de1960):

Em 1960, os computadores começaram a se tornarimportantes para as grandes e médias empresas, mas eramlimitadíssimos quanto a aplicações e incompatíveis entre si.Os avanços da informática eram puxados pelo hardware,como melhorias no custo, velocidade dos equipamentos eas aplicações, onde esses últimos construídos do zero, poisnão existiam empresas dedicadas ao desenvolvimento depacotes;

· Era dos Sistemas de Informações (década de 1970):

Em meados de 1970, as transformações tecnológicascomeçaram a abrir novas opções para a transformação dedados em informações e para melhoramento e adequaçãodos sistemas às necessidades da empresa. Porém, aindaera um período de extrema centralização.O terminal, pela primeira vez, torna-se flexível, permitindoao computador processar diversas tarefas simultaneamentecom vários usuários. Surgem também os pacotes desoftware, que combinados com a flexibilidade dos terminais,estimularam uma série de inovações que vieram a serconhecidas como sistemas de apoio à decisão.Segundo Keen (1996, p. 37), a maior evolução técnicadessa época foi a passagem do processamento detransações para o gerenciamento de banco de dados. 

Surgem, então, os sistemas gerenciadores de bancode dados (SGBDs), que organizam as informações demaneira eficaz, evitando duplicidade e facilitando sua análise.Assim, os velhos CPDs começaram a se transformar embibliotecas de informações;

· Era da Inovação e vantagem competitiva (décadade 1980):

Em 1980, ocorreram mudanças tecnológicas,principalmente em tecnologias de escritório emicrocomputadores, e o termo Tecnologia da Informaçãopassou a ser mais usado. Os gerenciadores de banco dedados se tornaram disponíveis nos PCs, e softwares de custobaixo dominaram o mercado, assim as atenções se voltavampara o mercado em busca de novas estratégicas com basenas tecnologias de TI. As telecomunicações e osmicrocomputadores liberaram o uso da TI nas empresas domundo todo.

Criaram-se programas de conscientizaçãogerencial para os altos executivos e o Centro de Suporteao Usuário (CSU), ou o chamado Help Desk, que usuários

62 Revista do Centro Universitário Moura Lacerda

consultavam para esclarecer dúvidas, além de receberemconsultoria na área tecnológica, ambos para possibilitar oacesso e conhecimento das ferramentas de TI existentesnas empresas.

Mesmo com todos os avanços da época, como asredes locais, os computadores ainda eram incompatíveisentre si, dificultando assim a integração dos sistemas e umamaior flexibilidade. A busca pela descentralização se tornamais forte.

· Era da Integração e reestruturação do negócio(década de 1990):

Na década de 1990, sistemas abertos, integração emodelos se tornam itens essenciais nos departamentos desistemas, acabando com a incompatibilidade. A integraçãotecnológica flexibilizou e facilitou a troca e o acesso às

TIC

Apoiando

conhecimento

TIC oferecendo

apoio estratégico

TIC em apoio à área tática

TIC em transações operacionais

Década de 1980

Década de 1990

Décadas de 1960 ~ 1970

1994 até hoje e-clouds

informações, otimizando o funcionamento da empresa.Surge o sistema EDI (Electronic Data Interchange outroca eletrônica de dados).

“A TI é reconhecida como fator crítico decapacitação, principalmente através das telecomunicações,que permite eliminar barreiras impostas por local e tempoàs atividades de coordenação, serviço e colaboração”.(KEEN, 1996, p. 159).

De modo súbito, a mudança se acelerou em quasetodas as áreas do negócio e da tecnologia. A transformaçãoe utilização das ferramentas da TI se tornam globais e asdistinções entre computador e comunicação desaparecem,mudando radicalmente o mundo dos negócios. Ocomputador se torna elemento de TI indispensável emuma organização.

Fig. 6: A evolução das Tecnologias de Informação e Comunicação.

Fonte: http://www.google.com.br/imgres?q=evolu%C3%A7%C3%A3o+da+tecnologia+da+informa

A IMPORTÂNCIA DA TI NAS EMPRESAS DETRANSPORTES

O suprimento de bens e serviços vem se tornandocada vez mais globalizado e complexo, com clientes cadavez mais exigentes, em um cenário em que a concorrênciaestá cada vez mais presente e inovadora, razão pela qual asempresas necessitam de sofisticados sistemas que somentea tecnologia da informação pode fornecer.

O setor de transportes é a base para a estabilidadede qualquer economia e é indispensável para garantir a

competitividade no mercado globalizado. Assim, a TI temgrande importância estratégica no planejamentode transportes e seu desenvolvimento cada vez mais rápidotem modificado o “modus operandi” das empresastransportadoras, introduzindo novas formas de organizaçãoe acesso aos dados e informações armazenadas; reduzcustos e acelera a produção. (VALENTE et al. 2011).

Tal desenvolvimento facilitou e intensificou acomunicação pessoal e institucional, através de diversosprogramas de processamento de bancos de dados,

MONTAGEM 63

Ano Evento1436 Gutemberg inventa a imprensa.1844 Morse inventa o telégrafo (com fio).1876 Graham Bell inventa o telefone.1894 Marconi inventa o rádio.1947 É construído nos Estados Unidos o ENIAC, o primeiro computador eletrônico.1955 É inventada a fibra ótica.1957 O primeiro satélite artificial, o Sputnik, é colocado em órbita pela URSS.1965 É criado o MRP.1966 É inventado o aparelho de fac símile (fax).1969 É criada a Arpanet, rede entre os computadores da University of California, Los Angeles e do

Stanford Research Institute, origem da Internet.1974 É criado o Transmission Control Program (TCP), programa para a troca de arquivos entre computadores.1975 Surge a empresa alemã SAP – Systemanalyse und Programmentwincklung = Análise de

Sistemas e desenvolvimento de Programas.1975 É criado o Personal Computer (PC), que deu origem aos atuais micros.1976 É criado o modem (modulator / demodulator), que permite a transmissão de dados pela linha telefônica.1980 É criado o MRP II.1985 É lançada a 1ª versão do Windows.1989 É criada a World Wide Web (www), a área gráfica da Internet.1991 Primeira conexão do Brasil com a Internet, feita pela FAPESP.1994 É lançado o Netscape.1995 É criado o ERP e é lançado o EDI no Brasil.1995 A internet é aberta ao público brasileiro pela EMBRATEL.1997 A RF disponibiliza aos contribuintes a declaração do IR pela Internet.

de editoração eletrônica, bem como de tecnologias quepermitem a transmissão de documentos, enviode mensagens e arquivos, assim como consultasa computadores remotos (via redes mundiais decomputadores, como a internet).

Bertaglia (2009) considera quatro fatores queafetam os meios de transporte, como segue:

· mudança nos modelos das organizações – amudança no contexto industrial, passando de um modeloque enfocava a produtividade para um modelo decompetitividade, exige que as organizações adotem formasdiferentes de administração empresarial, com o foco voltadopara o serviço ao cliente. Essa mudança de paradigma afetatambém as empresas de transporte e o relacionamento delacom seus clientes;

· demanda e serviço ao cliente – os clientes nãosó exigem qualidade e velocidade de serviço, como tambémpreços competitivos, uma vez que existem compromissoscom metas de desempenho estabelecidas na relação clientee fornecedor;

· globalização – a globalização da economia trazgrandes oportunidades para vários setores, incluindo o detransportes. A criação dos blocos econômicos e a

Tabela 5: Evolução da Tecnologia de Comunicação e de Informática.Fonte: Adaptado da revista Info Exame (1999)

globalização exigem movimentação em larga escala demercadorias, dando aos transportes um papel relevante noprocesso, uma vez que possibilita o movimento da carga noespaço geográfico e na velocidade desejada. Para isso, osetor de transportes deve se comportar de acordo com asseguintes exigências impostas pelo modelo:

· Agilidade – com as empresas buscando a reduçãoem seus níveis de estoque, aumentam as exigências paraque as entregas sejam mais frequentes e com uma agilidademaior, sem perder de vista a manutenção da qualidade doproduto a ser entregue.

· Confiabilidade – o serviço precisa ser confiávelpara atender à demanda e à necessidade de entregar oproduto no momento certo, na quantidade certa e no localcerto.

· Flexibilidade – o transportador deve adequar-seàs exigências do cliente, adaptando o veículo se necessário,mas, mais que isso, adaptando-se ao conceito logístico domodelo atual de negócio em que a atividade de transporte émais que somente movimentar cargas de um ponto a outro.

· Tecnologia – o avanço da tecnologia tambémtem afetado as atividades de transporte, acelerando osprocessos, eliminando o excesso de papéis, melhorando a

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comunicação e trazendo maior segurança ao deslocamentodas cargas.

Os avanços tecnológicos, que ocorrem a velocidadesespantosas, devem ser acompanhados de perto pelasempresas e ser implantados, sempre que houver viabili-dade técnica e econômica. A entrega correta de umaencomenda ou produto ao cliente certo, no lugar e horaprogramados, é a linha divisória entre as empresas bemsucedidas e as que fracassam no mercado. (VALENTE etal., 2011, p. 307).

Para Bertaglia (2009), o avanço tecnológico afetadiretamente o desempenho dos transportes.

O aperfeiçoamento da tecnologia de informação,segundo Bowersox e Closs (2007), reduz o custo deprocessamento de pedidos, diminui incertezas deplanejamento e operações e ajuda a empresa a alcançarseus objetivos estratégicos.

A tecnologia da informação é um dos poucosrecursos cujas capacidades estão aumentando e cujo custoestá diminuindo. As empresas com as melhores práticaslogísticas consideram mais barato manipular informaçõesdo que movimentar estoque. (BOWERSOX; CLOSS,2007).

Em termos práticos, a tecnologia da informaçãopode ser usada nos transportes da seguinte forma, segundoBertaglia (2009):

· controle de veículos por satélites: indica suaposição de deslocamento;

· controle de rotas: sistemas altamente flexíveispermitem traçar rotas econômicas para diferentes veículos,considerando capacidades, áreas geográficas ecaracterísticas do produto a ser transportado;

· checagem da carga: a contagem pode serefetuada por leitura ótica, alimentando diretamente umsistema de estoques;

· informação imediata de entregas ou de outrosproblemas de rota;

· visibilidade da cadeia de abastecimento em todoo seu contexto: ativos, estoques, localização geográfica deveículos e produtos, capacidades e disponibilidades defornecedores entre inúmeros outros benefícios.

Valente et al. (2011) citam que a importância da TIestá na necessidade de sobrevivência, diante de umaconcorrência cada vez mais acirrada, e que o sentimentode que a melhor estratégia é se antecipar, em relação aosoutros, tem colocado alguns no rumo certo.

Tal importância vem contribuindo para estimular ocrescimento nos investimentos no setor, com a aquisição eo desenvolvimento de equipamentos e novos métodos detrabalho, o que vem corroborando para uma modernizaçãodo setor de transportes no Brasil.

Dentre os equipamentos e métodos, Valente et al.(2011) apresentam alguns exemplos:

· tecnologias de rastreamento e acompanhamentode veículos que estrearam nas guerras do Golfo e já estãodisponíveis no Brasil;

· produtos tecnológicos (softwares e hardwares)estão facilitando e acelerando a solução de problemas como,por exemplo, a roteirização de veículos nas principais capitaise cidades do país;

· muitas empresas de transporte já possuem o selode qualidade total ISO 9002 e muitas estão em busca dacertificação;

· a confederação Nacional dos Transportes (CNT),por meio do Instituto do Desenvolvimento do Transporte(IDT) do Sebrae e do sistema Sest/Senat (Serviço Socialdos Transportes e Serviço Nacional de Aprendizagem doTransporte), oferece o Programa Gestão Empresarial, queconsiste de webcursos, pelos quais milhares de empresas,sindicatos e postos de atendimento estão se beneficiando(em meados de 2007, acessavam-se 14 cursos: sete para otransporte de cargas e sete para o de passageiros).

A necessidade de localização de uma carga emtrânsito torna-se, às vezes, estressante em casos de atrasona entrega de uma carga em que há risco de parar umalinha de produção, gerando enorme desconforto entre atransportadora contratada e o cliente.

Assim, segundo Ballou (1993), muitastransportadoras americanas que possuem linhas regularestêm agora extensas redes de computadores para localizarcarregamentos em qualquer parte dos seus sistemas detransporte.

Outra importante atividade inerente à gestão detransportes é a montagem da rota ou plano de viagem, cujamissão é direcionar veículos através de uma rede de vias.Embora seja possível testar manualmente váriascombinações de trechos viários, caso o problema envolvamuitas rotas viáveis ou deva ser resolvido frequentemente,técnicas matemáticas programáveis em computadorespodem ser muito atrativas. (BALLOU, 1993).

Há, ainda, outro item de grande importânciafomentado pela tecnologia da informação nos transportes:os indicadores de desempenho e produtividade.

Segundo Bertaglia (2009), os custos de viagens eas análises de lucratividade são os principais indicadores dedesempenho. Os custos devem ser considerados de duasformas:

· por ativo, incluindo o histórico acumulado mês amês e ano a ano;

· por área, incluindo manutenção, pneus ecombustível, entre outros.

Assim, a tecnologia da informação na forma de

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Sistemas de Informação Logística (SIL), permite aelaboração de gráficos, e outras ferramentas de análise,fundamental para visualizar e indicar o desempenho dosativos e suas possíveis variações de custos num certotempo.

Por exemplo, um veículo com aumento de custosde manutenção é facilmente identificado pela visualizaçãográfica. (BERTAGLIA, 2009).

Num paralelo aos indicadores citados aqui, Drucker(apud EDERSHEIM, 2007, p.77) afirma que o .. oindicador mais importante de uma empresa é a suacapacidade de se antecipar e de investir nasoportunidades do futuro. Quando não se compreendea inovação não se compreende o negócio.

Nos dias de hoje, não basta realizar apenas uma boagestão de frota. O mercado de serviços de transportesexige das empresas uma constante modernização, a fimde conservar ou ampliar as suas fatias de mercado. (VA-LENTE et al., 2011, p. 307).

O suporte tecnológico nos transportes tem caráterestratégico aos empresários bem sucedidos, e éconsequência da implantação de programas de logística,de qualidade e produtividade.

As empresas com as melhores práticas estãomelhorando o desempenho operacional e integrando os SILsde operações além dos limites da empresa, visando àinterligação com fornecedores e clientes. (BOWERSOX;CLOSS, 2007, p. 188).

Tal interligação de melhores práticas entrefornecedores e clientes é a essência do método ECR, siglaem inglês de Efficient Consumer Response, ou RespostaEficiente ao Consumidor, cuja finalidade é melhorar os fluxosindoor e outdoor de todos os envolvidos, padronizandoprocessos, eliminando gargalos e minimizando custos, paraa eficiência do atendimento.

SOFTWARES DISPONÍVEIS PARA A ÁREA DETRANSPORTES

Há uma gama de produtos que tem o objetivo deresolver problemas diversos das transportadoras, segundoValente et al (2011).

Softwares de roteirização proporcionam a reduçãode custos, levando em consideração os diferentes aspectosda entrega e coleta de cargas, como esquema de horários acumprir, duração da jornada de trabalho e do motorista, entreoutros. Existem, ainda, os softwares que otimizam oacondicionamento de cargas em caminhões e emcontêineres, proporcionando melhor aproveitamento doespaço.

A escolha dos softwares destinados à otimização dasfunções da empresa deve garantir que ela possa simulara realidade e assim atingir os resultados esperados.Também é necessário verificar outros detalhes, comoinvestimentos em equipamentos, manutenção e a atua-lização do produto. Tais cuidados são necessários paraevitar prejuízos e decepções com sistemas inadequados,os quais, além de não solucionarem os problemas, apre-sentam necessidades de manutenção incompatíveis coma solução da empresa. (VALENTE et al, 2011, p. 309).

Bertaglia (2009) alerta para o fato de que algumasdas ferramentas podem ser úteis para um segmento demercado e não para outros. Como exemplo, pode-se citar adistribuição de sorvetes, em que a utilização do roteirizadoré bastante importante, pois um veículo pode se deslocarcom grande número de diferentes entregas para pequenoscomerciantes. No entanto, se um veículo se deslocar paraatender poucos clientes, um sistema de roteirização podenão trazer benefícios significativos.

Serão descritas, a seguir, algumas das ferramentasmais conhecidas para esse setor, elencadas por Valente etal. (2011, p. 308-330), para que se tenha uma ideia do estágioda evolução e disponibilidade desses sistemas no Brasil.

Cabe ressaltar que, nesse mercado, as mudançasocorrem com uma velocidade espantosa, de forma que osexemplos aqui colocados podem, rapidamente, passar a fazerparte da história em poucos anos.

a) Softwares Roteirizadores

· VSPXInicia-se a descrição de tais ferramentas citando

esse velho roteirizador, que pode ser considerado um dospioneiros do setor. Em 1972, já havia quem o utilizasse noBrasil, embora fosse tido como um estranho programa decomputador, capaz de ajudar as empresas na distribuiçãomais eficiente dos seus produtos. Apesar do ceticismo daépoca, os benefícios foram enormes.

· TruckstopsO Truckstops for Windows, produzido pela

empresa americana Micro-Analytics Inc., é o sistemaespecialista em roteirização mais vendido no mundo. Surgiuna década de 1960, relacionado às necessidades desuprimento das tropas americanas nas guerras da Coréia eVietnã. Para as condições de uso propostas, foi concebidopara ser um sistema de rápido aprendizado, simples e fácilpara o usuário e com resultados, dentro do possível, isentosde erros. Mais tarde, foi adaptado para uso comercial, tendofeito grande sucesso. O sistema pode trabalhar com qualquertipo de mapa: digitalizado, de parede, guia de ruas e sistemasGPS. Essa flexibilidade lhe permite ser implantado e

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funcionar adequadamente em qualquer circunstância erealidade, sempre com ótimo custo-benefício. O programapermite a fácil programação de rotas pelo usuário, pelaseleção de três arquivos básicos (frota, pedidos eparâmetros), exigindo apenas conhecimentos básicos deWindows e Excel. O Truckstops não possui banco de dadosresidente, o que o torna leve e ágil. Diariamente, o sistemarecebe, por uma interface TXT, o arquivo de pedidos a serementregues no mesmo dia ou no dia seguinte. A visualizaçãodas rotas pode ser feita graficamente. O sistema lê mapasdigitalizados e também permite que o usuário “desenhe”mapas ou regiões, possibilitando a visualização das rotassobrepostas a uma base cartográfica. O softwareproporciona economia de tempo, assegurando que cadapessoa/mercadoria chegue ao lugar desejado sem violar asregras específicas para o usuário, como, por exemplo: janelasde tempo; frequência de visitas; tamanho do veículo; dia dasemana para entrega; capacidade do veículo. O sistemadisponibiliza mapas rodoviários com recursos de zoom,permitindo a avaliação de distâncias entre os pontos deentregas, além do fácil interfaceamento com equipamentose softwares, inclusive para emissão de notas fiscais,conforme roteiro definido.

· Delivery:Roteirizador desenvolvido pela empresa GFMI, esse

software, segundo Guise et al. (2004), é comercializado emtrês versões:

a) Delivery Pedágio - a versão básica dispõedas funcionalidades de roteirização rodoviária, melhorsequência de cidades do roteiro e valores de pedágio.

b) Delivery Profissional - a versão profissional(versão expandida) inclui também a função de roteamento,que otimiza os pedidos a serem entregues pelos veículosdisponíveis.

c) Delivery Premium - inclui ainda a roteirizaçãoporta a porta, oferecendo mapas urbanos e rodoviáriosintegrados, além de possibilitar a roteirização (saída edestino) entre endereços urbanos.

O trabalho de Ghisi et al. (2004, p. 8) apresentauma síntese de alguns estudos de casos utilizando o softwareDelivery:

- Base Química Produtos Químicos Ltda.(Delivery Pedágio)

A empresa atua no comércio e distribuição deprodutos químicos, trabalha com mais de 250 produtos,emprega 45 funcionários e possui mais de 7000 clientes emcadastro. Cerca de 90% de sua frota de veículos sãoterceirizados e trabalham com rotas abertas. Para gerenciarseus transportadores terceirizados, a empresa adquiriu oDelivery Pedágio com a finalidade de cálculo de distânciade roteiros, e começou a pagar os transportadores

terceirizados com base na distância indicada pelo softwarepara cada percurso, multiplicando por um índice de correçãode 5%, correspondente ao percurso urbano que o softwarenão contempla. A utilização do roteirizador, nesse caso,proporcionou uma redução do custo de transporte da ordemde 20%, em virtude do maior controle da quilometragemrodada pelos transportadores. Houve também uma reduçãode 14% no tempo necessário para o planejamento de rotas,visto que essa atividade era anteriormente desenvolvidamanualmente, por meio de mapas rodoviários.

- BL Bittar (Delivery Premium)A empresa produz papel higiênico, emprega 350

funcionários e possui mais de 13 mil clientes ativos em 12estados brasileiros, destacando-se grandes redes desupermercados, como o grupo Pão de Açúcar, Casa Sendase BIG, entre outros. A empresa processa mais de 700pedidos por dia e realiza mais de mil viagens por mês, sendo80% das cargas fracionadas. A aquisição do softwareDelivery Premium teve o intuito de agilizar o planejamentodas rotas de viagens. O roteirizador era utilizado, inicialmente,para determinar a melhor sequência de cidades para arealização das entregas, e, depois, para determinar o melhorpercurso entre elas. Com um volume quatro vezes menorque o atual, a indústria trabalhava com uma equipe de setepessoas no planejamento das cargas. Depois da adoção dosoftware, o serviço passou a ser feito por apenas uma pessoatrabalhando em tempo parcial. Houve uma redução nos preçosdos fretes, e as reclamações dos motoristas quanto a errosna quilometragem diminuíram, baixando para apenas 1%.

b) Softwares AdministrativosHá, também, softwares que ajudam na parte

administrativa das empresas, mais especificamente nogerenciamento dos recursos, como o Sistema de Gestão deFrotas, lançado no Brasil no fim dos anos 1980, englobandomódulos como: veículos, motoristas, pneus, combustíveis,manutenção preventiva, custos operacionais e produção dafrota. Alguns operam sobre diferentes tipos de entradas(fichas), destinadas à manutenção de pneus, notas fiscais,planilhas de abastecimento, manutenção ou ordens deserviço e bordo/planilha de viagens.

· Sistema FrotafácilO software possibilita o gerenciamento de veículos,

viagens, manutenções preventivas e corretivas, controle depneus, insumos de frota e monitoramento de motoristas.Além disso, realiza o cadastro completo do número decarros, quilometragem percorrida, consumo e preço médiode combustível e do cálculo da comissão do condutor.

O Frotafácil promete controle total da frota, por meio

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de um cadastro completo com dados da situação dosveículos, informando sobre vencimentos de seguroobrigatório e IPVA. Com ele, o gerente pode efetuar osacertos de viagens de cada veículo, apurando informaçõescomo quilometragem percorrida, preço e consumo médiode combustível e comissão do motorista, dentre outros.

O sistema realiza, também, o controle dasmanutenções, feito pelo cadastro de ordens de serviçointernas e externas. Toda manutenção executada no veículoé registrada e fica disponível para consultas futuras. Alémdisso, o usuário pode aplicar questionários próprios paraavaliações de limpeza, conservação e desgaste de peçasdo veículo. Por fim, armazena informações sobrerecauchutagens e permite gerenciar o uso de insumos defrotas como óleo, lubrificante, filtros, lonas de freio, baterias,correias e demais peças com vida útil, que podem serprevistas em dias ou em quilômetros. O software tambémadministra dados dos motoristas como datas de vencimentodas carteiras de habilitação (CNH) e resultados de examesmédicos.

Em agosto de 2006, foi criada uma versão dosoftware, especialmente desenvolvida para uma indústriaprivada de bens de consumo, a Ambev, nascida da fusãodas duas maiores cervejarias brasileiras. O programa, alémde disponibilizar os recursos já conhecidos desse sistema,atende aos requisitos particulares (programa dedicado)dessas empresas. A parceria prevê também que a Softcenter,empresa responsável pelo software, ofereça as atualizaçõesda versão do Frotafácil sem nenhum custo para as revendasda empresa.

· Sistema Fortes FrotaEsse software de gestão de frota objetiva,

principalmente, proporcionar às empresas um gerenciamentoeficiente de sua frota, permitindo o controle de custos e oprocessamento das informações, em tempo real, com ageração de relatórios cadastrais, operacionais, gerenciais egráficos. Seis módulos integram este sistema:

a) Administração: esse módulo permite realizaro controle de acessos ao sistema como um todo, cadastrandousuários, perfis de usuários, senhas e funcionários, além depermitir outras configurações e a emissão de relatórios, comorelação de funcionários e acessos por usuários entre outros.

b) Abastecimento: controla o abastecimento(consumo) dos veículos (frota principal, de apoio, veículosparticulares e avulsos), realizado nos postos próprios, empostos de terceiros (por meio de convênios, ou avulsos), fazo pedido (via e-mail) de entrada de combustível e possibilitao acompanhamento de estoques dos tanques por localidade.

c) Veículo: gerencia as informações relacionadasdiretamente à frota de veículos, por meio de cadastro da

frota, realiza consultas de histórico por veículo, o controlede entrada e saída de veículos (por garagem e/ou ponto deapoio) e o controle de quilometragem de peças alocadasnos veículos. Tal controle permite à empresa uma visão geraldas movimentações realizadas nos veículos, analisandosua eficiência e o desempenho a partir dos resultadosobtidos.

d) Pneu: controla todos os custos relacionados aospneus, faz o acompanhamento de sua vida útil, com controlede profundidade de sulcos, analisa quilometragem por vidae as principais movimentações: o envio e retorno de pneusda renovadora; a transferência de pneus; controle decalibragem; a permuta e venda de pneus; montagem edesmontagem de pneus nos eixos dos veículos; o rodízio eos processos de sucateamento e compra dos pneus.

e) Manutenção: controla e acompanha os planospreventivos, pelo processo de manutenção preventiva, pormeio dos quais a empresa-cliente cadastra os tipos,categorias e características das revisões, de acordo comsuas necessidades e faz o complemento diário de óleolubrificante. O processo de manutenção corretiva permiteadministrar sua oficina por meio de ordens de serviçoscorretivas, desde sua geração e seu encaminhamento paraa execução, até a requisição eletrônica de peças/itens e/oude materiais e sua baixa. O módulo ainda possibilita ocontrole das ordens de serviço realizadas pelo socorromecânico e por terceiros.

f) Material: compreende o gerenciamento dasáreas de compras, no qual o usuário realiza inicialmente acoleta de preços, do pedido ao fornecedor, da entrada e doalmoxarifado, em que são atendidas as ordens de serviçosgeradas a partir da manutenção, ou, ainda, as requisiçõesde material feitas por outros setores da empresa. Gerenciatambém a devolução de itens, o ajuste de estoque, inventáriode estoque e transferência de peças/itens/materiais entrecentros de estoque.

Vantagens e Benefícios deste sistema:- produz relatórios em vídeo, impressora,

arquivos (pdf, rtf, HTML) e por e-mail, com a logomarcade sua empresa;

- permite a redução de arquivos e controlesparalelos;

- permite operação multiempresa (matriz, filial,garagens e pontos de apoio);

- garante confiabilidade e segurança dos dados;- trabalha integrando os módulos, analisando as

informações em tempo real;- confecciona relatórios de acordo com as

necessidades do cliente;- proporciona uma metodologia de implantação

coerente com a realidade da empresa;

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- oferece suporte técnico diferenciado epersonalizado.

c) Softwares de Planejamento de TransporteSegundo Valente et al (2011), atualmente, as

inovações ocorrem de forma acelerada. Além da satisfaçãode seus clientes, as empresas de transporte devem garantirum retorno satisfatório para o capital investido, a fim deque possam continuar no mercado, adotar estratégias quepermitam obter vantagens competitivas sobre osconcorrentes e também manter as vantagens conquistadas.

O planejamento logístico tem o objetivo dedesenvolver estratégias capazes de resolver algunsproblemas fundamentais para as empresas que atuam, diretaou indiretamente, com transportes: nível de serviços;localização das instalações de centros de distribuição;decisões sobre o tipo de transporte a ser utilizado nodecorrer do processo; decisões sobre as rotas.

A busca por soluções ótimas, frequentemente,envolve a criação ou desativação de centros de distribuição,instalação ou fechamento de plantas industriais e a análisede novas opções de transportes. Além disso, tem-se adefinição de estratégias em face de situações emergenciaisna rede de transportes, geradas pelas interrupções derodovias, por exemplo, ou, mesmo, a oferta de novasinstalações (novas rodovias, portos, etc.). (VALENTE etal., 2011, p. 318).

As organizações que prestam serviços de transporteprecisam conhecer e controlar efetivamente seus ativos,visando reduzir custos e viabilizar contratos com empresasque demandam tal tipo de serviço.

O processamento de dados geográficos, juntamentecom os socioeconômicos e de infraestrutura, dá-se porintermédio de ferramentas conhecidas como Sistemas deInformações Geográficas (SIGs), que podem ser definidos,de acordo com Valente et al. (2011), como “um conjunto deprogramas, equipamentos, metodologias, dados e pessoas(usuários), perfeitamente integrados, bem como a produçãode informação derivada de sua aplicação”.

O Labtrans, na Universidade Federal de SantaCatarina (UFSC), tem desenvolvido nos últimos anos,softwares para estudos logísticos, que agregam as principaisfunções de um SIG e utilizam algoritmos de alocação defluxos em redes e determinação de rotas ótimas. Dessemodo, permite, de maneira fácil e amigável, a avaliação decenários logísticos (o fluxo material das fontes de matéria-prima, passando pelos pontos de transformação, centros dedistribuição e, por fim, pelos consumidores finais).

Tais softwares consistem de módulos, de forma aserem customizados para que possam atender àsnecessidades das empresas nas mais diversas situações,

conforme os exemplos de aplicações a seguir:

· Siam – Sistema de Análise de MercadosTrata-se de uma solução customizada desenvolvida

para a Petrobras que, entre outras funções, permite avaliarcenários, considerando a localização de bases, refinarias,terminais, polidutos, por exemplo, na distribuição decombustíveis em uma região de interesse.

O sistema busca minimizar os custos globais e, aomesmo tempo, maximizar as quantidades ofertadas,encontrando o ponto de equilíbrio entre quantidade ofertadae quantidade demandada.

· Sislog – Simulador LogísticoA eficácia da infraestrutura de transportes e da

cadeia logística das empresas deve ser continuamenteavaliada e, nesse contexto, o simulador logístico permiteestudar alternativas de curto, médio e longo prazo, na ópticados custos, da oferta da infraestrutura e da demanda dosmercados, como: criar novos centros de distribuição oudepósitos; estudar a capacidade e localização adequadaspara uma nova fábrica; implantar ou ampliar a capacidadede portos marítimos e terminais de cargas.

Pode-se também, com simulador, avaliar ainfraestrutura logística e de transportes necessária aoatendimento adequado das demandas dos embarcadores eoperadores do transporte multimodal, permitindo, porexemplo, o estudo de novos investimentos em rodovias,hidrovias, ferrovias e portos. Constitui-se ainda emimportante instrumento de apoio para a definição deestratégias em face de situações emergenciais na rede detransporte (interrupção de uma rodovia, por exemplo).

O Sislog dispõe de funcionalidades, como:- alocação ótima de fluxos em rede;- determinação de rotas de mínimo custo logístico;- avaliação de cenários logísticos (o fluxo material

das fontes de matéria-prima, passando pelos pontos detransformação e chegando com os produtos até osconsumidores finais);

- determinação de pontos ótimos para localizaçãode facilidades (centros de distribuição e postos deatendimento, dentre outros);

- avaliação de cenários portuários envolvendodemandas, sistemas de acesso, infraestrutura e estudos deintervenções logísticas.

· SAR – Sistema de Análise RodoviáriaO SAR constitui-se em um sistema georeferenciado

de informações de transporte rodoviário. A rede viária neleutilizada pode ser obtida com levantamentos de campo atravésdo Sistema de Posicionamento Global (GPS) ou com a aquisiçãode bases georeferenciadas disponíveis. As velocidades e osvolumes de tráfego, quando medidos por contadoresautomáticos, podem ser lidos diretamente pelo sistema.

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O SAR tem entre suas principais funções:- simulação de cenários de redes viárias;- análise de alternativas de investimentos no

planejamento de investimentos para planos diretores detransportes;

- estudos de tráfego em redes rodoviárias;- estudos de fluxos de cargas em redes rodoviárias;- estudos de demanda e projeções de matrizes de

transporte.O SAR dispõe de uma base de dados

socioeconômicos que lhe possibilita simular viagens deautomóvel, ônibus e caminhões, de acordo com o métodoclássico das quatro etapas: geração, distribuição, divisãomodal e alocação de fluxos. Outra característica importantedo SAR é a capacidade de se conectar com o modelo HDM,o que lhe possibilita atender às metodologias de avaliaçãoeconômica preconizadas pelos bancos de desenvolvimento(Banco Mundial e BID).

· SIMOV – Sistema de Viabilidade eMonitoramento de Linhas Rodoviárias

O sistema tem por objetivo principal permitir aanálise de viabilidade e o monitoramento de indicadores dedesempenho e de linhas de transporte de passageiros. Pormeio de seus modelos matemáticos e de sua basegeoreferenciada de rodovias, estados e municípios, torna-se possível avaliar cenários e gerar uma série de mapastemáticos e relatórios especializados contendo mapas,indicadores e gráficos. A partir de informações fornecidaspelo usuário sobre linhas e suas seções, o sistema é capazde informar se possuem capacidade para exploraçãoautônoma.

· PREV FRETES – Sistema para Análise eProjeção de Fretes no Transporte de Derivados de Petróleo.

O sistema tem por objetivo prover a empresa, nocaso a Petrobras, com um modelo que subsidia a análise defretes praticada no mercado, por meio das informaçõesreferentes aos preços praticados e da composição doscustos incorridos no transporte de derivados de petróleo,em todas as regiões do território nacional. O sistema tambéminforma valores futuros de fretes importantes para amparara tomada de decisões dos dirigentes da empresa.

· SRS – Sistema de Rastreamento por Satélite.Esses sistemas permitem o rastreamento de qualquer

veículo em qualquer ponto do planeta. Por intermédio deles,um frotista pode visualizar, da sua base de operação, seucaminhão, por exemplo, movimentando-se sobre um mapadigitalizado da região que está percorrendo no momento. Atecnologia disponível torna possível o rastreamentosimultâneo de diferentes veículos, com um erro de localizaçãode, no máximo, 15 m. A espinha dorsal desses sistemas é o

Global Positioning System (GPS), desenvolvido peloDepartamento de Defesa dos Estados Unidos, a um custoaproximado de 10 bilhões de dólares. O sistema GPS utilizauma constelação de 24 satélites, que orbitam ao redor daTerra duas vezes por dia, em uma altitude superior a 17.000quilômetros.

Um receptor, montado no veículo, recebe o sinal apartir de cada satélite e emite três tipos de sinal:

- um identificador;- outro que dá a posição onde o satélite vai estar

em cada momento;- e o terceiro, emitindo constantemente, que informa

o tempo e a data, e é fundamental para a determinação daposição do receptor.

Com a seleção dos satélites disponíveis e o cálculode tempos de recepção do sinal, o receptor determina alatitude e a longitude da posição em que se encontra oaparelho. Essa posição é disposta sobre um mapadigitalizado, apresentada no monitor do computador dousuário, e disponibilizada tanto no veículo como na base deoperações da empresa.

Os sistemas de bordo podem ser acoplados comperiféricos como: impressoras, sistemas de transmissão deinformação, interfaces para o usuário (teclados, mouses,monitores) e unidades de sinalização. Podem ser utilizadosem qualquer tipo de veículo, na terra, na água e no ar.

Na aplicação em empresas rodoviárias decaminhões, por exemplo, o sistema pode emitir relatóriospara obter a localização do veículo, monitorar partesmecânicas, buscar assistência na estrada, prever ascondições do tempo, conhecer a situação do tráfego, rastreara operação, controlar o fluxo de suas cargas, auxiliar naprogramação de horários, escolher rotas alternativas e emitiralertas, em caso de roubos e sequestros.

A Satcom oferece o sistema Alfatrack pararastreamento de veículos que, a exemplo de outros sistemas(como o da Hunterpro), combina as tecnologias deposicionamento, usando satélites de GPS e de comunicaçãode dados, por meio de telefonia celular GSM/GPRS (GeneralPocket Radio Services).

O Alfatrack permite localizar veículos (carro, moto,caminhão, ônibus, trator, picape e outros) de transporte oucarga. As informações obtidas dos satélites sãotransformadas, por uma unidade inteligente, na latitude-longitude do ponto em que se encontra o veículo. Ascoordenadas são enviadas via GPRS para a central derastreamento. Com esses dados, sistemas com mapasdigitalizados localizam o endereço do veículo, além deinformar velocidade, direção, estado da ignição, entradas esaídas digitais, resultado dos contadores internos, valoresabsolutos de odômetro e horímetro, temperatura interna e

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corrente elétrica na alimentação.Os dados fornecidos ao usuário pela central de

operações e disponibilizados no computador do clienteservem, por exemplo, para implantar uma rotina de logísticaou, simplesmente, para obter uma localização após um furto,roubo ou sequestro.

Aplicações do SRS:- abertura e fechamento remoto de portas de baús;- sensoriamento remoto do desengate de carretas;- monitoramento remoto de velocidade;- monitoramento de sensor da porta do carona;- obter relatório de locais visitados (ruas, bairros,

municípios, etc.);- estabelece uma “cerca eletrônica”, que limita a

circulação do veículo a uma área predeterminada nos mapasdigitais, inibindo saídas de itinerário não autorizadas;

- monitoramento de sensores de abertura de porta-malas e cofres, de ignição, etc;

- comunicação por telefonia fixa ou celular, entre oproprietário e o motorista, dispensando o uso e o abuso detelefones por parte do condutor.

· EDI – Eletronic Data InterchangeO EDI é um recurso de extrema importância no

contexto da aplicação da tecnologia da informação nasempresas. Segundo Gonçalves (2010), a utilização do EDI(troca eletrônica de dados) iniciou-se no Brasil em 1995.Permite a troca de informações entre empresas, de formapadronizada, sendo indicado no caso do setor de transportes,para que os transportadores compatibilizem suas rotinas deembarque e desembarque às necessidades de seus clientes,em prazos menores e com custos mais baixos.

Para Valente et al. (2011), o EDI consiste em umsistema pelo qual uma empresa pode trocar qualquer tipode documentos, por intermédio de computadores ligadoseletronicamente, com suas filiais, agências, fornecedores eclientes. Dessa forma, os pedidos de compra, notas fiscais,avisos de embarque e faturamento, especificação deprodutos e encomendas, lista de preços, cobranças, ordensde pagamento, prêmios de seguros e ordens de créditopodem ser transmitidos, de maneira ágil e segura, entrecomputadores.

Um dos grandes benefícios do sistema é adesburocratização da empresa.

Com a padronização, serviços como a digitalizaçãode ordens, levantamentos de arquivos e simples conferênciaspassam a representar um volume de trabalho menor e,consequentemente, com custos administrativos tambémmenores. Essa racionalização traz agilidade à empresa eaumenta a eficiência dos seus processos produtivos.

O sistema começou a tomar força a partir da década de1980, diante da necessidade de a indústria automobi-

lística americana enfrentar a forte concorrência da in-dústria japonesa, levando-a aplicar o conceito de Justin time em suas rotinas de trabalho. Assim, foi possívelreduzir estoques e, consequentemente, os custos, permi-tindo concorrer com os carros japoneses. (VALENTE etal., 2011, p. 329)

Entretanto, segundo Gonçalves (2010), a utilizaçãodo EDI só se torna viável a partir do momento em que asdiversas entidades que compõem a cadeia de suprimentosse integrem, com o objetivo primordial de maximizar osresultados da utilização da troca eletrônica de informações.

O uso do EDI permite que as informações passema fluir ao longo da cadeia de suprimentos, de forma segura,sem qualquer interferência, propiciando, dessa forma, aobtenção de dados importantes sobre as transaçõesrealizadas.

Para Gonçalves (2010), o sigilo das informações éfundamental, pois por ele passam dados estratégicos daempresa. Para garantir a integridade das informações, éusada uma linguagem codificada para cada usuário,chamada criptografia. O sistema funciona como uma redede caixas postais eletrônicas, as quais, para cadatransferência de documento realizada pelo EDI, estabelecempara o usuário um protocolo emitido automaticamente.Proporciona absoluta qualidade, rapidez, segurança eeficiência.

Segundo Turban, McLean e Wetherbe (2004, p.39), “a EDI pode ser definida como o movimento eletrônicode documentos-padrão de negócios entre, ou dentrode empresas. O EDI usa um formato de dados estruturadode coleta automática que permite que os dados sejamtransformados sem serem reintroduzidos”.

É evidente que essa troca de documentos é realizada deforma estruturada, de acordo com padrõespreestabelecidos, que possam ser reconhecidos por to-dos os parceiros. Um exemplo típico: logo após aefetivação de uma compra em um supermercado, ao pa-gar com o cartão de crédito, realizamos uma operaçãode Transferência Eletrônica de Fundos (TEF), em quenossa conta do cartão de crédito passa a ter um débitocorrespondente ao valor da compra; e o mesmo valorpassa, então, a ser creditado na conta do supermercado.Paralelamente a essa operação, as informações sobre avenda do produto passam a ser transmitidas para toda acadeia interligada, podendo chegar até o fornecedor damatéria-prima básica. (GONÇALVES, 2010, p. 361).

Em termos gerais, o EDI é considerado umarepresentação técnica de uma conversação de negóciosentre duas entidades, interna ou externa.

Para Gonçalves (2010), a introdução do EDI produzinúmeros impactos no relacionamento entre a empresa eseus parceiros:

MONTAGEM 71

· mudança na forma de realizar negócios, comeliminação de tarefas, alterações nos processos e nasrelações interpessoais;

· integração dos sistemas e processos internosda empresa;

· incremento da parceria, visto que o EDI é umelemento facilitador que permite a integração das empresasna busca de objetivos comuns.

HARDWARESExistem diversos hardwares capacitados a

controlar e acompanhar viagens, segundo Valente (2011),com diversos enfoques e níveis de sofisticação.

Os computadores de bordo, por exemplo, monitoram eregistram os eventos operacionais dos veículos, cole-tam as informações, que antes eram passadas pelo mo-torista, por meio de relatórios, aos quais eram agrega-das ainda as informações obtidas a partir dostacógrafos. (VALENTE, 2011, p. 327).

Segundo Valente (2011), os satélites e as redes decomunicação complementam e integram os equipamentosde bordo, aumentando a eficiência e a segurança dossistemas de transportes. Ao final de cada período, asinformações são processadas e transcritas em um relatórioou enviadas para um terminal de vídeo, melhorando ogerenciamento do veículo e da frota. Tais sistemas já estãoagregados ao cotidiano das empresas e, recentemente, aosusuários de veículos particulares, em uma evolução quepossibilitará a consolidação dos sistemas inteligentes detransporte.

Os sistemas de bordo podem ser acoplados com periféri-cos como: impressoras, sistemas de transmissão de in-formação, interfaces para o usuário (teclados, mouses,monitores) e unidades de sinalização. Eles podem ser

utilizados em qualquer tipo de veículo, na terra, na águae no ar. (VALENTE, 2011, p. 327).

O PLANEJAMENTOO melhor dos planos não passa de boas intenções

até que, efetivamente, entre em ação com os recursos certos.(DRUCKER, 2007).

Aos titulares, cujas empresas carecem de sistemasgerenciais, doravante interessados e verdadeiramenteinclinados, abertos a aceitar o desafio através doengajamento pessoal na louvável tarefa de se submeterema mudanças radicais de postura em prol da empresa, énecessária uma metodologia de planejamento e de projetoque avalie alternativas e que considere fatores relevantesque embasarão a inovação, seu novo destino.

Resumidamente, essa metodologia, que ésuficientemente geral para permitir a solução da maioriados problemas logísticos, consta de três fases, segundoBowersox e Closs (2007):

a) Definição dos problemas e planejamento – Estafase cobre o estudo de viabilidade e o planejamento doprojeto:

- O estudo de viabilidade inclui a análise dasituação existente, ou seja, focaliza as características e acapacidade do sistema existente, realizando odesenvolvimento de lógica de apoio e da estimativa de custo-benefício.

Um levantamento interno é necessário para seconseguir um claro entendimento dos procedimentoslogísticos existentes. Inclui o desempenho histórico, adisponibilidade de dados, estratégias, operações e políticase práticas táticas. O levantamento normalmente cobre tantoo processo logístico total quanto os procedimentos de cadafunção logística.

Questões gerais Serviço ao cliente Mensurações de desempenho

Qual é o perfil de peso dospedidos e das cargas e quais asdiferenças?

Quais os procedimentos parasolicitação dos serviços,pagamento e troca deinformações?

Qual o fluxo de informação dadocumentação dos embarques?

Como é decidido o tipode veículo a serutilizado para cadacarga?

Como são avaliados osserviços?

Quais são os principaisparâmetros de desempenho denosso transporte?

Como os usamos? Qual é onível de desempenho atual?

Quais são as características dodesempenho econômico denosso modal?

Tabela 6: Tópicos para o levantamento internoFonte: Adaptado de Bowersox e Closs (2007, p. 440), especificamente para os transportes.

72 Revista do Centro Universitário Moura Lacerda

- O planejamento do projeto inclui definições deobjetivos e restrições, definição de padrões de avaliação,identificação de técnicas de análise e formulação do planode trabalho do projeto.

a) Coleta e análise de dados – Concentram-seno novo projeto do sistema, em seu desenvolvimento evalidação. Tratam da definição de premissas, da coleta dedados e da atividade de análise e sua finalização. Aformulação de premissas e a coleta de dados incluem tarefaspara definir a técnica de análise, formalizar as premissas,identificar a fonte de dados e coletá-los. A análise inclui aformulação de questões, finalização da análise defundamentos e de validação, bem como análise dealternativas e análise de sensibilidade.

b) Recomendações e implantação – Incluem aidentificação e a avaliação das melhores alternativas. Aimplantação contempla a definição de um plano, suaprogramação, definição de critérios de aceitação e aimplantação final.

Informações detalhadas referentes a estametodologia de planejamento e projeto estão disponíveis nocapítulo 17, de Bowersox e Closs (2007).

O FUTURO É AGORADe acordo com Valente et al. (2011), ITS é uma

sigla construída a partir do conceito em inglês IntelligentTransportation System, ou Sistemas Inteligentes deTransportes, que pretende integrar as tecnologiasdisponíveis, objetivando estabelecer um sistema detransportes mais eficiente e seguro, para o deslocamentode cargas e passageiros por terra, ar, água ou espaço exterior.É um conceito relativamente novo e tem ganhado força como desenvolvimento e popularização dos computadores e dossistemas GPS.

Em função da globalização, o sucesso competitivo de-pende mais e mais de quão rápida e efetivamente umaempresa incorpora novos produtos e tecnologias deprocesso no projeto e produção de seus produtos.(DORNIER et al., 2000).

A aplicação do conceito de Cloud Computing, ouNavegação em Nuvem, no gerenciamento da frota, é umatendência que vem se consolidando, conforme Guberman(2010).

Trata-se da gestão rápida, a um custo baixo, mas com osmesmos recursos e benefícios dos aplicativos tradicio-nais. Atualmente, para fazer a gestão da frota, a empre-sa não precisa mais de estações pesadas, banco de da-dos, backups e licenças que encareciam o custo final.As empresas vêm, cada vez mais, fazendo a migraçãodas versões corporativas para plataformas web. Encer-

ra-se a necessidade de softwares para comunicação re-mota e seus largos custos. O cliente tem acesso à aplica-ção a partir de qualquer ponto, bastando apenas que eleesteja conectado à internet. (GUBERMAN, 2010, p. 18).

Outra tendência, segundo Guberman (2010), é aaplicação da tecnologia RFID na gestão de frotas. É umatecnologia muito utilizada na Europa e nos Estados Unidos.Chegou ao Brasil há alguns anos, mas somente agora asempresas começam a compreender melhor os benefícios,principalmente no gerenciamento de frotas. Controla oinventário, faz o check out de produtos no varejo, ou, ainda,identifica rapidamente os produtos de forma rápida econfiável em cada ponto da cadeia de abastecimento, desdea fábrica até o consumidor.

Segundo Tesser (2010), há outras tecnologias estãosendo estudadas e começam a ser implantadas, como abiometria.

Nos Estados Unidos, já existem postos de combustíveisque se utilizam da biometria como forma de pagamento,pois associam à digital do cliente todos os dados decartão de crédito e formas possíveis de pagamento. As-sim, o cliente, para abastecer, só precisa identificar-seatravés da digital. (TESSER, 2010, p. 19).

Ainda de acordo com Tesser (2010), é possível,também, trabalhar com biometria na substituição de cartõesplásticos de fidelidade ou para a liberação de processos quedevem ser autorizados por um superior, substituindo o usode senhas.

Assim, a tecnologia computadorizada evoluiconstantemente, influindo diretamente em diversas áreas,seja indoor e/ou outdoor, inovando inclusive o conceito denegócios, transformando cenários empresariais, antespensados individualmente, em cenários conglomerados,cooperativos, coesos e abrangentes, de interesses comuns,permitindo administrar não apenas o seu, mas o todo,partindo de novas plataformas virtuais antes impensáveis,vislumbrando resultados reais para o negócio. É o futurohoje, amanhã, sempre.

CONSIDERAÇÕES FINAISConsiderando-se que apenas 5% das empresas de

transporte rodoviário de carga utilizam roteirizadores paradefinir suas rotas, e que apenas 46,8% delas informatizaramo controle de suas frotas (segundo a CNT), é mister chamara atenção, conclamar os empresários do setor (os incrédulos)ao reconhecimento das benesses oferecidas pelasferramentas tecnológicas disponíveis, a fim de justificar suapermanência no mercado.

Observamos que há quatro décadas o ferramentalde informática e comunicação não apresentava aflexibilidade, o alcance e a capacidade atual. Paralelamente

MONTAGEM 73

a essa cronologia, empresas do setor prosperaram e algumasprosseguem sob a batuta de seu fundador, em alguns casosoriundo de condições módicas e simplórias, de pouca ouquase nenhuma bagagem acadêmica. Titulares com esseperfil costumam ser relutantes em aceitar mudanças emalgo que veio bem até então, constituindo-se no maior desafioa seus sucessores e/ou gestores diante do crescimento domercado e da concorrência.

Assim, o reconhecimento de novas ferramentasrequer, fundamentalmente, forte mudança cultural, sendoesse um aspecto que pode ser apontado como possível fatorde permanência do negócio no mercado.

Daí a relevância da tecnologia da informação e suasaplicações, antes obscurecidas pelas restrições intrínsecasao sistema, que atualmente se tornaram claras, cada vezmais apuradas, ao alcance, devendo ocupar nas empresaso papel que sua funcionalidade determina.

Em síntese, pode-se concluir que a implantação datecnologia da informação na logística de transportes éessencial, obrigatória, estratégica. Não há mais espaço paraamadorismo.

A falta de planejamento e de sistemas que garantama operacionalidade da frota põe fim ao empreendimento.

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MONTAGEM 75

ResumoO artigo tem como objetivo discutir a importância

da educação como pressuposto para o efetivo exercício dacidadania, em busca de uma democracia participativa. Pormeio de uma análise do conceito de democracia, desde aGrécia antiga até os dias atuais, passando pelo exemplo dademocracia no Brasil e ressaltando sempre o papel da edu-cação na formação do cidadão, referido trabalho não tem apretensão de esgotar o tema, mas, sim, de jogar luz em umassunto cada vez mais de suma importância para o Direito,o Estado e a chamada democracia moderna.

Palavras-chave: Democracia; Cidadania; Educação.

EDUCATION AND CITIZENSHIP: ESSENTIALASSUMPTIONS TO CONQUEST APARTICIPATORY DEMOCRACY

Abstract This article is to discuss briefly the importance of

education as a prerequisite for the effective exercise ofcitizenship in search of a participatory democracy. Throughan analysis of the concept of democracy from ancientGreece to the present day, through the example of democracyin Brazil and emphasizing the role of education in shapingthe citizen, this work is not intended to be exhaustive, butrather to focus on a topic increasingly important for theLaw, the State and modern democracy.

Keywords: Democracy; Citizenship; Education.

IntroduçãoHoje em dia, fala-se muito em democracia. Não há

qualquer texto acadêmico, reportagem de jornal ou notíciaem que não se mencione uma única vez a palavra demo-cracia. Gritamos e nos orgulhamos de sermos um país de-mocrático. Sempre que possível embasamos nossas alega-ções, até as mais absurdas, no conceito de eu sou livre,posso qualquer coisa, pois vivo em uma democracia.

Mas será que exercemos de forma plena a nossademocracia? Para conquistar uma democracia participativabasta apenas uma passeata, uma saída às ruas bradandopor Justiça e melhoras? O que temos como conceito de

EDUCAÇÃO E CIDADANIA: PRESSUPOSTOS ESSENCIAIS PARA CONQUISTA DE UMADEMOCRACIA PARTICIPATIVA

Jaime Leandro BULOS*

democracia participativa é o que de fato vivenciamos hoje?Gostamos muito da expressão Estado Democráti-

co de Direito para embasar nossas argumentações. Noentanto, diversas vezes não sabemos o real significado des-ta expressão.

Utilizamos tal expressão para definir o que espera-mos do Estado, esquecendo muitas vezes que o Estado éum instrumento e não um fim, e que, em um conceito maisjurídico, é uma ordem jurídica soberana e ponto.

Para nós, o que realmente importa cada vez mais éo cidadão, ou seja, aquele que exerce plenamente a suacidadania, e que nos levará a ter de fato uma democraciacada vez mais participativa.

O artigo 12 da Constituição Federal fala da nacio-nalidade quando, na verdade, o correto seria falar em ci-dadania. Nação é comunidade, várias pessoas falando amesma língua, com a mesma história. Povo, por sua vez, éelemento constitutivo do Estado. Nação não é.

Assim, para que se possa falar em democraciaparticipativa, precisamos falar primeiro em exercício plenoda cidadania. Veremos que só se pode reivindicar um direi-to aquele que o conhece e, para isso, é fundamental a im-portância da educação na criação de um novo cidadão quenão apenas participa ou reivindica, mas que também faz asua parte, sabendo qual o seu papel para uma sociedademais plena e igualitária.

O CONCEITO DE DEMOCRACIAO conceito que temos de democracia surge na

Grécia antiga e significa, em simples palavras: poder dopovo. Assim, torna-se inquestionável que não há democra-cia sem povo, mas pode haver povo sem democracia.

A democracia também está ligada diretamente aoconceito de liberdade. Não há democracia sem liberdade,já conceituava Aristóteles. No entanto, embora Aristótelesacreditasse ser a liberdade um dos princípios norteadoresda democracia, ele próprio, ao seguir o mestre Platão, pre-feria um governo monárquico a um governo do povo.

Antônio Celso Baeta Minhoto demonstra em brevesíntese o pensamento por vezes conflitante de Aristóteles:

Todavia, o mestre grego em questão era também um no-tório opositor dos ideais democráticos, preferindo umgoverno monárquico ou mesmo um sistema aristocráti-co, com um governo de poucos e bem preparados ho-mens. Na verdade, Aristóteles exibe em suas posições ainfluência de seu mestre, Platão – e este, por seu turno,igualmente espelhava a visão de seu mestre, Sócrates,

* Mestrando em Direitos Coletivos e Cidadania, pela UNAERP –Universidade de Ribeirão Preto/SP Especialista em Direito ProcessualCivil, pela UNAERP. Docente do Centro Universitário Moura Lacerda.Advogado. Email: [email protected]

76 Revista do Centro Universitário Moura Lacerda

que chegou a ser proibido de falar em público por dezanos por se opor à Democracia – que não via a Demo-cracia com bons olhos, alegando que esta seria aantessala da oclocracia, ou seja, um governo dominado“por esse monstro chamado multidão”, alertando ain-da que a Democracia não consegue, só por si, impedir osurgimento da tirania.1

Trazido para a era moderna, no entanto, o conceitode democracia se esvai do conceito clássico de democra-cia como governo do povo. O que se tem na era moderna éuma democracia que privilegia o capitalismo, o Estado Li-beral, mas que prefere existir como uma democracia maisrepresentativa do que participativa.

Paulo Bonavides nos ensina que “a ideia essenci-al do liberalismo não é a presença do elemento popularna formação da vontade estatal, nem tampouco a teo-ria igualitária de que todos têm direito igual a essa par-ticipação ou que a liberdade é formalmente esse direi-to.”2

Assim, chegamos ao conceito de democracia que temoshoje. A democracia ligada à Constituição, ao Estado Mo-derno e ao Estado de Democrático de Direito, tendo comoseu pilar a Constituição dos Estados Unidos da América de1787 e a Revolução Francesa de 1789.

Sobre este aspecto, mais uma vez os ensinamentosde Antonio Celso Baeta Minhoto nos dão clareza:

Destarte, a partir da Constituição dos EUA em 1787 e,mais ainda, com a Revolução Francesa de 1789, vemostomar assento de forma definitiva na sociedade a ligaçãoentre os direitos ditos como fundamentais àquela época,alçados à categoria de verdadeiras pilastras do estadomoderno (liberdade, igualdade e fraternidade), num textoformalmente disposto que albergasse esses princípios: umaConstituição escrita de caráter ou abrangência nacional.3

Ainda no sentido da conceituação de democracia,temos que ela pode ser formal ou substancial.

Em ambos os conceitos, Norberto Bobbio nos ensi-na que:

O termo democracia tem dois significados distintos: aprimeira indica um certo número de meios que são preci-samente as regras de comportamento independementeda consideração dos fins. A segunda indica um certo con-junto de fins, ante os que se sobressai o fim da igualdade

jurídica, social e econômica, independente dos meiosadotados para os alcançar.4

Assim, embora se busque um conceito de demo-cracia que abranja todas as formas de democracia existen-tes, ainda hoje não conseguimos encontrar o conceito deuma democracia perfeita “que até agora não foi realiza-da em nenhuma parte do mundo, sendo utópica, por-tanto”, nas brilhantes palavras de Bobbio.5

DEMOCRACIA REPRESENTATIVA E DEMOCRA-CIA PARTICIPATIVA – O EXEMPLO BRASILEIRO

Antes de adentrarmos no exemplo brasileiro dedemocracia, são necessárias novamente as palavras deNorberto Bobbio:

(...) o único modo de se chegar a um acordo quando sefala de democracia, entendida como contraproposta atodas as formas de governo autocrático, é o deconsiderá-la caracterizada por um conjunto de regras(primárias ou fundamentais), que estabelecem quem estáautorizado a tomar as decisões coletivas e com os quaisprocedimentos.6

Partindo-se do conceito de Bobbio, temos que aforma de democracia através da qual há uma autorizaçãopara tomar as decisões coletivas estaria mais centrada nafigura do representante, escolhido através do voto direto,configurando-se a chamada democracia representativa.

Severas críticas, no entanto, são feitas à democra-cia representativa. A principal e mais discutida é que o povo,sem o efetivo exercício da cidadania, incluindo-se a falta deeducação e de conhecimento político, não saberia escolhercorretamente seus representantes políticos. Sabemos que a representatividade, muitas vezes,está aliada ao poderio econômico, aos interesses de deter-minadas classes dominantes, ao desvio do erário e a umasérie de fatores que a descredenciam como a forma maiscorreta da democracia. Se levarmos em conta que, no nos-so país, o voto – ato que te credencia a escolher seu repre-sentante – só é obrigatório acima dos 18 anos e, após os 70anos, torna-se facultativo – já se insere aí uma grande ex-clusão da sociedade na escolha de seus líderes,descaracterizando-se o conceito de democracia como go-verno do povo.

Não se vota porque se quer escolher, vota-se por-que é obrigatório. E essa obrigatoriedade é que faz comque alguns eleitos pelo povo sejam, além de absolutamentedespreparados política e culturalmente, risíveis em seus

1 MINHOTO, Antônio Celso Baeta. Democracia, princípiosdemocráticos e legitimidade: novos desafios na vivência democrática. São Paulo: Revista de Ciências Jurídicas – ULBRA. Vol. 10 – nº 1. Jan./jun., 2009, p.7.2 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. São Paulo:Saraiva, 1995, p.16.3 MINHOTO, Antônio Celso Baeta, op cit.; p. 8.

4BOBBIO, Norberto; MATTEUCI, N.; PASQUINO, G. Democracia.Dicionário de Política. 10º Ed. Brasília: UNB, p. 329.5 BOBBIO, Norberto, op. cit., p. 329.6 BOBBIO, Norberto, op. cit., p. 328.

MONTAGEM 77

papéis de bobos da corte, fazendo com que grande parte dapopulação credite sua eleição a um voto de protesto.

Os ensinamentos de Roberto Amaral não nos dei-xam dúvidas:

A exclusão política de milhões de cidadãos, como ocorreentre nós, associada a outras características do sistemapolítico brasileiro, cujo resultado é colocar as recompen-sas e incentivos do sistema nos indivíduos políticos enão nos partidos, tende a provocar maioresdescompassos entre a vontade do representado e a gera-ção de políticas públicas, por parte do legislador, o que,em última instância, compromete e submete a riscos ademocracia brasileira.7

Assim, o que se poderia concluir através dosensinamentos de Amaral é que a democracia representati-va foi e é um fracasso retumbante. Esta forma de demo-cracia seria um embuste aos direitos da coletividade, de-monstrando-se assim a sua fragilidade quando confrontadacom a democracia participativa.

O fracasso da democracia representativa, sendo o fra-casso de toda a teoria da soberania popular, donde alegitimidade do poder que nela se assenta, também estáexposto na falência da separação dos Poderes. A teoriatripartite dos Poderes, separados e harmônicos entre si, éuma burleta em face da efetiva ditadura dos Executivos e,nas Federações, da União sobre os Estados, seja contro-lando os recursos públicos, seja controlando a arrecada-ção de tributos, seja disciplinando a vida dos Estados edos Municípios, seja, mesmo, legislando.8

Desta feita, o que se busca ainda nos dias atuais eque nos parece por um longo tempo, é a chamada demo-cracia participativa.

Já declinamos acima que não se terá uma demo-cracia participativa sem o pleno exercício da cidadania porparte de seu povo. Portanto, para que haja uma democra-cia participativa, há necessidade de cidadãos plenos no exer-cício de seus direitos e deveres e não só de cidadãos pron-tos única e exclusivamente para votarem nas eleições dequatro em quatro anos.

O conceito de cidadão é maior. E cidadania, o seuexercício pleno, advém da educação. Um povo educado éum povo que exerce a sua cidadania.

No Brasil, a busca por essa democracia participativatornou-se maior com a promulgação da Constituição Fede-ral de 1988, e já se vislumbrava, em seus artigos, uma novaforma de exercício da soberania popular.9

Não nos basta, no entanto, uma Constituição for-malmente perfeita, sem que tenhamos os meios necessári-os para fazer valer a referida soberania popular. Uma de-mocracia participativa não é só uma escolha ou uma formade governo, é o que se quer para toda uma sociedade.

Neste sentido, mais uma vez a brilhanteconceituação de Roberto Amaral:

A democracia não é apenas um sistema de governo, umamodalidade de Estado, um regime político, uma forma devida. É um direito da Humanidade (dos povos, dos cida-dãos). Democracia e participação se exigem, democraciaparticipativa constitui uma tautologia virtuosa. Porquenão há democracia sem participação, sem povo, mas povosujeito ativo e passivo do processo político, no plenoexercício da cidadania, povo nas ruas, povo na militânciapartidária, povo nos sindicatos, povo na militância civil,povo na militância social. Povo-nação, participando daconstrução da vontade governativa. O regime será tantomais democrático quanto tenha desobstruído canais, obs-táculos, óbices, à livre e direta manifestação da vontadedo cidadão. Se a mediação, qualquer mediação, implicadistorção da vontade, impondo ruído na comunicaçãocidadania- Estado/representado-representante, esse fe-nômeno se revela como mecanismo de manipulação nasmodernas sociedades de massa que exigem aintermediação dos meios de comunicação de massa.10

Portanto, estamos longe ainda de uma democraciaefetivamente participativa. O que temos hoje, nas palavras deLuiz Cláudio Portinho Dias é uma “quase-democracia”11, vistoque, embora tenhamos os meios para o exercício de uma so-berania popular, faltam-nos ainda cidadãos educados e prepa-rados para fazer, da chamada democracia moderna, uma de-mocracia participativa de fato e não somente de direito.

IV – EDUCAÇÃO E CIDADANIA – PRESSUPOS-TOS PARA UMA DEMOCRACIA EFETIVAMEN-TE PARTICIPATIVA

A Constituição Federal, em seu artigo 1º, inciso II,traz a cidadania como fundamento do Estado Democráticode Direito. O parágrafo único deste dispositivo garante que“todo o poder emana do povo, que o exerce por meiode representantes eleitos ou diretamente , nos termosdesta constituição.”

Por sua vez, o artigo 3º da Lei de Introdução àsNormas do Direito Brasileiro assim impõe: “ Ninguém seescusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.”

Outrossim, uma simples leitura do artigo 6º da Car-ta Magna nos mostra o direito à educação como fundamen-7 AMARAL, Roberto. A democracia representativa está morta; viva

a democracia participativa. In: GRAU, Eros Roberto; GUERRAFILHO, Willis Santiago (org). Direito Constitucional: estudos emhomenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 28.8 AMARAL, Roberto, op.cit., p. 31.9 AMARAL, Roberto, op. cit., p. 50.

10 AMARAL, Roberto, op. cit., p. 48.11 DIAS, Luiz Cláudio Portinho. A democracia participativa brasileira.Revista de direito constitucional e internacional, nº 37, ano 9. São Paulo:RT, out/dez.2001, p. 224.

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tal dentre os direitos sociais, ressaltando-se assim a suaimportância para o Estado e para a sociedade como umtodo, bem como para o exercício da cidadania.

Não bastasse o já mencionado artigo acima, a pró-pria Lei Maior ainda nos traz em seu artigo 205 a seguinteredação: “ A educação, direito de todos e dever do Esta-do e da família, será promovida e incentivada com acolaboração da sociedade, visando ao pleno desenvol-vimento da pessoa, seu preparo para o exercício da ci-dadania e sua qualificação para o trabalho.”

Constatamos pelos já explicitados artigos que o con-ceito de cidadão está intimamente ligado à educação. Cida-dão não é apenas aquele que tem direitos políticos de votare ser votado. Cidadão é aquele que exerce o seu poder dedecisão, que conhece o seu direito, que tem direitos e deve-res, que exerce o seu papel na sociedade em que vive e quetem um mínimo de conhecimento jurídico.

Nas sábias palavras de Miguel Reale, “não se écidadão, na plenitude desta palavra, sem um mínimo deconsciência jurídica, assim como não se alcança a iden-tidade nacional sem ter pelo menos notícia das partesmais importantes do ordenamento jurídico do país.”12

A educação, portanto, é a mola propulsora para oexercício da cidadania e a ela está ligada visceralmente.Não basta só existirem os direitos garantidos constitucio-nalmente. É preciso criar meios para efetivá-los e buscá-los e isso não está relacionado unicamente ao acesso à Jus-tiça, ou à reivindicação de direitos através do Judiciário.Pelo contrário. O que se busca com a educação é fomentaro pleno exercício da cidadania, tornando o cidadão cadavez mais consciente dos seus direitos e deveres.

A falta de conhecimento, especificamente de co-nhecimento jurídico e político, aliado ao medo perante asnormas e os sistemas já existentes são capazes de afastara pessoa da possibilidade de gozar seus direitos e de exporseus descontentamentos.

Neste sentido, o ensinamento brilhante de NildaTeves Ferreira:

A educação para a cidadania passa por ajudar o aluno anão ter medo do poder do Estado, a aprender a exigir deleas condições de trocas livres de propriedade, e finalmen-te a não ambicionar o poder como forma de subordinarseus semelhantes. Esta pode ser a cidadania crítica quealmejamos. Aquele que esqueceu suas utopias, sufocousuas paixões e perdeu a capacidade de se indignar diantede toda e qualquer injustiça social não é um cidadão, mastambém não é um marginal. É apenas um NADA que atudo nadifica.13

Para que se busque uma democracia participativa,não basta apenas ter os instrumentos clássicos de um Esta-do democrático; há necessidade de uma conscientizaçãopolítica e jurídica, como já mencionado, haja vista que só sepode lutar por aquilo que se conhece. Conhecimento advémda educação, e é este o papel que ela exerce na formaçãode um novo cidadão.

Uma nova leitura da democracia precisa repolitizaro cidadão para que ele exerça a sua cidadania de formaplena no seu núcleo familiar, de trabalho, e na sua vida po-lítica, como parte da engrenagem que move o Estado.

A nova teoria da democracia – que também podería-mos designar como teoria democrática pós-modernapara significar a sua ruptura com a teoria democráticaliberal – tem, pois, por objetivo, alargar e aprofundar ocampo político em todos os espaços estruturais de in-tervenção social. No processo, o próprio espaço políti-co liberal, o espaço da cidadania, sofre uma transfor-mação profunda. A diferenciação das lutas democráti-cas pressupõe a imaginação social de novos critériosdemocráticos para avaliar as diferentes formas de par-ticipação política. E as transformações prolongam-seno conceito de cidadania, no sentido de eliminar osnovos mecanismos de exclusão da cidadania e, final-mente, no sentido de ampliar esse conceito para alémdo princípio da reciprocidade e simetria entre direitose deveres.14

O cidadão dos dias atuais ficou estático na sua lutapolítica, muitas vezes por culpa da democracia representa-tiva que o viciou de tal modo pela política darepresentatividade, esquecendo-se que é ele e não somen-te o representante eleito quem deve lutar pelo seu própriodireito.

CONSIDERAÇÕES FINAISA modificação de uma democracia representativa

para uma democracia efetivamente participativa, pelo quevimos no transcorrer do presente trabalho, não só passapor uma reestruturação da sociedade, aliada ao desenvolvi-mento educacional, como também por uma nova visão doconceito de democracia e do próprio papel do Estado.

Não há como se buscar e conquistar uma demo-cracia participativa apenas na doutrina e nos conceitos, es-quecendo-se do aspecto prático da participação do cidadãoneste caminho.

Democracia participativa pressupõe cidadania. Ci-dadania pressupõe educação. Não se concebe uma sem aoutra.

Portanto, embora possa parecer utópica essa bus-ca por uma democracia efetivamente participativa, preci-

12 REALE, Miguel. O renascimento do liberalismo. In: MARTINS,Ives Gandra. O Estado do futuro. São Paulo: Pioneira, s.d. p. 37.13 FERREIRA, Nilda Teves. Cidadania: uma questão para educação.Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993. p. 229.

14 SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice: o social e opolítico na pós modernidade. São Paulo: Cortez, 1997. p. 276.

MONTAGEM 79

samos entender que essa conquista está apenas no come-ço, e esse caminho é longo.

Não basta apenas conceituar democracia e nosencaixar em conceitos preexistentes; há que se repensartambém o próprio Estado Democrático e a forma como seexerce a cidadania, atualmente. E isto não se faz sem pas-sar pela educação. Uma educação mais abrangente, popu-lar e voltada para construir novos cidadãos e conquistar ademocracia como almejamos.

REFERÊNCIAS

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BOBBIO, Norberto; MATTEUCI, N.; PASQUINO, G.Democracia. Dicionário de Política. 10º Ed. Brasilia:UNB, s.d.

BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado So-cial. São Paulo: Saraiva, 1995.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constituci-onal e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1998.

DIAS, Luiz Cláudio Portinho. A democracia participativabrasileira. Revista de direito constitucional e internacional,nº 37, ano 9. São Paulo: RT, out./dez.2001.

FERREIRA, Nilda Teves. Cidadania: uma questão paraeducação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.

GARCIA, Maria et al. Democracia hoje. Um modeloprático para o Brasil. São Paulo: Saraiva, 1997.

MINHOTO, Antônio Celso Baeta. Democracia, princí-pios democráticos e legitimidade: novos desafios navivência democrática. São Paulo: Revista de Ciências Jurí-dicas – ULBRA. Vol. 10 – nº 1. Jan./jun. 2009.

REALE, Miguel. O renascimento do liberalismo. In:MARTINS, Ives Gandra. O Estado do futuro. São Paulo:Pioneira, s.d.

SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice: osocial e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez,1997.

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MONTAGEM 81

ENSINO E APRENDIZAGEM

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MONTAGEM 83

ResumoO objetivo deste trabalho é abordar Lei 10.639/03

no contexto das relações étnico-raciais na escola e suasrelações com o currículo escolar do Ensino Fundamental. Adiscussão faz-se necessária na medida em que a referidalei prevê um trabalho pedagógico voltado para a interaçãocom outras culturas, desenvolvendo a aquisição de novosconhecimentos, sobretudo relacionados ao universo dacultura africana e afro-brasileira. Nesse sentido, um dospropósitos deste trabalho é verificar como se efetiva aassimilação dos conteúdos curriculares relacionados à culturaafricana lusófona e a outras questões, como o preconceito,a pluralidade cultural e outras.

Palavras-chave: Currículo Escolar; Lei 10.639/03;Cultura Africana; Cultura Afro-Brasileira.

THE LAW 10.639 / 03 IN THE CONTEXT OFETHNIC-RACIAL RELATIONS: A DISCUSSION

ON THE SCHOOL CURRICULUM

AbstractThe objective of this work is to approach Law 10,639

/ 03 in the context of ethnic-racial relations in school andtheir relationships with the school curriculum of elementaryschool. The discussion is necessary to the extent that thelaw provides a pedagogical work focused on the interactionwith other cultures, developing the acquisition of newknowledge , especially related to the universe of Africanculture and african -Brazilian . In this sense, one of thepurposes of this study is to verify how effective assimilationof the curriculum content related to Lusophone Africanculture and other issues such as prejudice, cultural pluralityand others.

Keywords: School Curriculum, Law 10.639, AfricanCulture, African-Brazilian Culture

IntroduçãoA Lei 10.639, sancionada em 2003 pelo Presidente

da República, que altera a LDB (Lei de Diretrizes e Bases,1996), institui a obrigatoriedade – no Ensino Fundamental eMédio, público e particular – do ensino de História e Cultura

A LEI 10.639/03 NO CONTEXTO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS:UMA DISCUSSÃO SOBRE O CURRÍCULO ESCOLAR

Márcia Moreira PEREIRA*

Africana e Afro-Brasileira. Trata-se de uma legislação queabre caminho para a divulgação da cultura africana – quetem forte representatividade em nossa tradição cultural –nas escolas, em cujas salas de aula se verifica pouquíssimaou nenhuma abordagem do assunto. Desse modo, pode-sedizer, em resumo, que um dos objetivos da obrigatoriedadedessa lei é fazer com que tenhamos um novo olhar sobre acultura e a história africana e afro-brasileira.

Sabemos que, no ambiente escolar, o conteúdo dasaulas, principalmente no ensino da disciplina de História,enfatiza uma visão eurocêntrica do tema, dando poucaimportância à vertente afrocêntrica. A rica cultura africana,quando trazida para a sala de aula, não só reconstrói nosalunos e nos professores uma imagem positiva daquelecontinente, como também eleva a autoestima dos alunosafrodescendentes, os quais, apesar de viverem no seu dia adia aquela cultura, ao chegar à sala de aula se deparamcom conteúdos pedagógicos que revelam outra realidade,isto é, uma realidade voltada para os conteúdos de fundoeurocêntrico.

A referida lei, portanto, vem valorizar a diversidadecultural, que é uma das principais características de nossopaís. Segundo SOUZA & CROSO (2007, p. 21):

Com a lei 10639/03 a escola aparece como locus privilegi-ado para agenciar alterações nessa realidade, e é dela aempreitada de acolher, conhecer e valorizar outros víncu-los históricos e culturais, refazendo repertórios cristaliza-dos em seus currículos e projetos pedagógicos e nasrelações estabelecidas no ambiente escolar, promovendouma educação de qualidade para todas as pessoas.

A lei já é obrigatória, mas é necessário salientar aimportância da formação dos professores, muitos deles aindacom o estigma da educação eurocêntrica, sem preparo paraministrar aulas com conteúdos multiculturais. De fato, comoafirma Marise Santana, infelizmente alguns docentes aindapossuem uma visão pedagógica monocultural:

A cultura como ciência universalizadora é incompatívelcom as ideias da democracia, cidadania, igualdade, res-peito à diversidade cultural, impossibilitando que os do-centes recebam as camadas populares com a qualidaderequerida pela heterogeneidade presente no espaço es-colar.” (SANTANA, 2008, p. 85).

Também para FERNANDES (2005), nossa diver-sidade cultural é tão vasta, que o correto seria falar emculturas brasileiras e, não, em cultura brasileira, sendoque o autor ainda alerta para a necessidade de uma radical

* Licenciada em Letras. Mestre em Educação pela Universidade Nove deJulho (SP), onde leciona nos cursos de graduação. Atualmente cursadoutorado em Letras na Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP).

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mudança nos livros didáticos, em conformidade com nossarealidade afrocultural e com a própria lei sancionada. Éimportante, portanto, que a lei não caia no esquecimento,sendo sua aprovação um pequeno passo diante das mudan-ças que devem ocorrer no cotidiano escolar, a fim de que,partindo daí, realmente possamos afirmar que vivemos numacomunidade multirracial, multiétnica e multicultural.

A relação escola/professor/aluno deve, desse modo,ser uma relação de cumplicidade, no sentido de todos da-rem os primeiros passos para se reconhecer na realidadebrasileira, valorizando-a e, assim, aumentando a autoestimados alunos que compartilham, direta ou indiretamente, dela.Somente assim, esses mesmos alunos poderão se reconhe-cer como sujeitos de suas próprias histórias.

A supressão da cultura africana na escolaA herança africana, presente em nossa cultura e

em muitos de nossos hábitos, reforça cada vez mais o vín-culo Brasil-África. A sociedade brasileira é marcada porculturas diversas, mas, para muitos, o que prevalece é acultura eurocêntrica, tida como a cultura “correta” e ideal.

Na escola, muitas vezes a matriz africana é ignora-da, embora esteja claramente presente, inclusive na identi-dade de nossos alunos, o que torna imprescindível um diálo-go mais constante entre essa cultura e a vida escolar. Nãopoucas vezes, a cultura escolar em que esse aluno estáinserido não condiz com sua realidade étnica e social, jáque os currículos escolares impõem uma vertente culturalnão africana como a mais adequada, justamente a vertenteda cultura “do branco” e/ou “do ideal branco”. Como, nes-se contexto, o aluno afrodescente iria se reconhecer? Tal-vez, como afirma Elisa Nascimento, a escola esteja impon-do que o aluno negro possua um ideal do ego branco.(NASCIMENTO, 1991)

É exatamente diante dessa realidade escolar ad-versa que reforçamos a importância da referida lei para aeducação brasileira:

O diálogo escola/afro-brasilidade – ação exigida pela lei10.639, em seu potencial de interatividade –, além de alte-rar o lugar tradicionalmente conferido a matriz culturalafricana, resgata e eleva a autoestima do alunado negro,de forma a abrir-lhe espaço para uma vivência escolarque o respeite como sujeito de uma história de valor, queé também a do povo brasileiro. Portanto, a implantaçãodessa lei corresponde a uma ação afirmativa, que visa àrevisão da qualidade das relações étnico-raciais no Bra-sil”. (AMÂNCIO, GOMES & JORGE, 2008, p.119)

Uma maneira de o aluno conhecer a cultura africa-na presente em nossa sociedade é ele próprio se reconhe-cer dentro dessa cultura, uma vez que a ignorância em re-lação ao continente africano e sua cultura tem sido a pro-pulsora do crescimento do preconceito racial e cultural.

Como se sabe, muitas vezes criamos estereótipos arespeito de nosso próprio país, mas também – e, talvez, prin-cipalmente – em relação ao outro. É o que ocorre em rela-ção à África, continente que é imaginado por muitos comoum local onde só há miséria e animais selvagens, levando-os a pensar que nossa cultura não condiz em nada com acultura africana. Uma das maneiras de destruir esse estig-ma poderia ser exercitada na própria escola, se apenas dés-semos mais espaço para autores, pensamentos e teoriasafricanos, ao invés de privilegiarmos os currículos escola-res centrados na herança cultural europeia, esquecendo quenossa realidade sociocultural dialoga com realidades múlti-plas, com destaque para a cultura africana.

Infelizmente, o que costuma acontecer é justamen-te o contrário: o lugar ocupado pelo negro, no Brasil, encon-tra-se à margem de nossa história e de nossa sociedade,com consequências negativas que vêm desde a era coloniale são amargadas pelos negros até os dias de hoje:

Uma das maiores consequências da escravatura é a enor-me dívida social para com a população que ganhou aliberdade. Nos diversos períodos da república, essa dívi-da nunca foi prioridade. Seu efeito mais perverso é a sedi-mentação do atraso socioeducacional e das formas dediscriminação no mercado de trabalho e em outras dimen-sões da vida cotidiana.” (FONTES et alii, 2006, p.126)

Assim, do ponto de vista histórico, a Abolição daEscravatura, em 1888, representou para a elite agrária opagamento da dívida do Brasil para com o povo negro. Con-tudo, uma das grandes heranças deixadas por essa realida-de histórica foi justamente a discriminação racial: com aRepública incapaz, naquele momento, de se preocupar como caminho que seria trilhado pela população negra recém-liberta, o processo de discriminação ocorreu de forma “na-tural”, apesar das tentativas de apagar de nossa cultura asheranças indígena e africana, em benefício da matriz cultu-ral europeia.

Sendo a função da escola, entre outras coisas, for-mar cidadãos críticos e conscientes, na e para sociedade,faz-se urgente o resgate dessa história, assim como o com-promisso com o conhecimento/reconhecimento das culturasdiversas que conformam nossa identidade, pois, como os es-tudos têm ressaltado, é nítido o quanto a escola e seus con-teúdos ainda continuam engessados e fora dessa realidade:

Apesar desse fato incontestável de que somos, em virtu-de de nossa formação histórico-social, uma naçãomultirracial e pluriétnica, de notável diversidade cultural,a escola brasileira ainda não aprendeu a conviver comessa realidade e, por conseguinte, não sabe trabalhar comas crianças e jovens dos estratos sociais mais pobres,constituídos na sua maioria, de negros e mestiços.”(FERNANDES, 2005, p. 379)

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Há várias maneiras de se alcançar esse objetivo,além de se reformular o conteúdo escolar no âmbito doensino da História, como sugerimos acima. A literatura podeser um caminho promissor, já que, em muitos sentidos, umadas formas de expressar emoções, ideais, valores e atédenúncias é por meio da escrita literária. Assim, não sendopossível separar a literatura do social, e ensino da literaturaafricana – em particular da produção literária lusófona –não pode deixar de ocupar um espaço importante no cenáriode uma educação afrocentrada:

No caso das chamadas sociedades emergentes, como é ocaso dos países africanos de expressão portuguesa, aliteratura está claramente – mas, não, exclusivamente,como nas sociedades de regime totalitário – a serviço deuma determinada ideologia e, via de regra, como manifes-tação pratica de uma causa revolucionária ou da afirma-ção de uma identidade.” (SILVA, 2010, p. 06)

Escritores lusoafricanos – como Mia Couto, Agualusae Pepetela, entre outros – têm ocupado cada vez maisespaço nas livrarias, entre leitores acadêmicos ou não,motivo pelo qual acreditamos estar mais do que na hora deessa literatura chegar à escola e adquirir uma nova dimensãopedagógica, não só valorizando a cultura africana, mastambém fortalecendo nossa cultura brasileira, dela tributária.

Se em nossa sociedade, como já citado, estápresente de modo inegável a herança cultural deixada pelosafricanos, deve ficar claro que não se trata apenas, por forçada Lei 10.639/03, de tornar obrigatório o reconhecimentodessa cultura; isso desse ser visto e feito de forma natural,como algo que está presente em nosso cotidiano, como umatradição que já existe e que, portanto, deve ser resgatada,levando os alunos a perceberem que, assim com a culturaeuropeia – tão elevada no conceito do currículo escolar ena sociedade –, a cultura africana também possui seu valor.Ao contrário do que alguns profissionais da educaçãopensam, atitudes como essas não se limitam a uma formaexótica de assumir, no conteúdo disciplinar, a herançaafricana, como nos ensina Luciano Costa:

Superar o problema da discriminação racial na educaçãonão é colocar capoeira, cabelo com trancinha ou feijoadano currículo; pode até passar por isso, mas deve antespassar pelo compromisso dos educadores de tentar qua-lificar os seus alunos negros para as mesmas posiçõesocupadas pelos alunos oriundos dos outros segmentosétnicos.” (COSTA, 2010, p. 46)

A supressão da matriz afrodescendente na identidadebrasileira

Segundo Julvan Oliveira, “as ideias pedagógicasestudadas no Brasil têm suas raízes na filosofia ocidental”(OLIVEIRA, 2009, p. 01). Partindo dessa premissa,percebe-se o quanto e o porquê de outras culturas serem

sistematicamente discriminadas na escola, como é o casoda cultura africana, sobre cuja filosofia se faz pouco caso.O continente africano é levado em conta – e assim mesmo,quando o é, – somente no campo da etnografia, já quepraticamente nenhum filósofo ou pensador africano éconhecido e valorizado nos conteúdos escolares, como seapenas a filosofia ocidental fosse a diretriz a ser seguida.

No âmbito dessa discussão, há de se destacar a ideiade afrocentricidade, conceito que resume um tipo depensamento que concebe os africanos como agentes de suaprópria cultura e interesses: “afrocenticidade consiste numparadigma, numa proposta epistêmica e também num métodoque procura encarar quaisquer fenômenos através de umadevida localização, promovendo a agência dos povos africanosem prol da liberdade humana.” (JÚNIOR, 2010, p. 02)

Porque, diante dos fatos aqui expostos, não temosum currículo que favoreça a cultura africana? Um currículoque defenda a cultura negra de modo absoluto, propondouma outra forma de relacionamento cultural, em que mídias,obras de arte, textos críticos e literários, enfim os váriosâmbitos que compõem a sociedade contemporânea atuemjuntos no sentido de promover a multiculturalidade. Em relação ao material escolar, adotado por alunose professores na escola brasileira, percebe-se facilmenteque a maioria deles parte de uma visão monocultural eeurocêntrica. Como afirma José Fernandes,

Inicia-se o estudo da chamada ‘história do Brasil’ a partirda chegada dos portugueses, ignorando-se a presençaindígena anterior ao processo de conquista e coloniza-ção. Exalta-se o papel do colonizador português comodesbravador e único responsável pela ocupação de nos-so território. Oculta-se, no entanto, o genocídio eetnocídio praticados contra as populações indígenas noBrasil.” (FERNANDES, 2005, p. 380)

Desse modo, nos estudos de história do Brasil étotalmente ignorado o trabalho de construção da naçãobrasileira realizado pelos indígenas e pelos negros aquiescravizados, negando-lhes a importância na constituiçãoda cultura nacional, como elemento fundamental naconsolidação de costumes e valores.

Essa realidade adversa existe, a despeito de osPCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais), com todas ascríticas que se possam fazer deles, propor um trabalhopedagógico a partir dos temas transversais (Ética, Saúde,Orientação Sexual, Meio Ambiente, Trabalho e Consumo ePluralidade Cultural), os quais, em tese, devem promover orespeito à diversidade, visando integrar todas as áreas doconhecimento. O conceito de transversalidade, naEducação, embora não seja recente, inova ao atuar comouma linha unificadora das disciplinas curriculares, devendocoordená-las e contextualizá-las nas aulas. É importante que

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o aluno construa um significado a partir do que aprende econstrua um sentido que se volte para compreensão narealidade e da responsabilidade social. Assim sendo, “ocurrículo ganha em flexibilidade e abertura, uma vez que ostemas podem ser priorizados e contextualizados de acordocom as diferentes realidades locais e regionais e outrostemas podem ser incluídos.” (MINISTÉRIO DAEDUCAÇÃO/SECRETARIA DE EDUCAÇÃOFUNDAMENTAL, 2000, p. 29)

Nesse contexto, como sugerimos acima, o tema dapluralidade cultural tem particular importância, na medidaem que trata, mais especificamente, das relações sociais eculturais amplas, defendendo a diversidade e a tolerânciaétnica e cultural. (FREITAS & VARGENS, 2009) De acordocom as diretrizes dos citados parâmetros curriculares, asociedade brasileira é constituída por diferentes etnias,devendo-se, por isso mesmo, respeitar os diferentes grupose culturas que a constituem, combatendo o preconceito e adiscriminação:

O grande desafio da escola é investir na superação dadiscriminação e dar a conhecer a riqueza representadapela diversidade etnocultural que compõe o patrimôniosociocultural brasileiro, valorizando a trajetória particulardos grupos que compõem a sociedade. Nesse sentido, aescola deve ser local de diálogo, de aprender a conviver,vivenciando a própria cultura e respeitando as diferentesformas de expressão cultural.” (MINISTÉRIO DA EDU-CAÇÃO/SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMEN-TAL, 2000, p. 32)

Assim, ressalta-se aqui, mais uma vez, a importânciadesses conteúdos serem aplicados na prática, comsignificado para a realidade do alunado, e não ficarem apenaspresos a documentos e teorias. Portanto, torna-se cada vezmais urgente apontar a necessidade de se formar docentescom a consciência de uma educação multicultural, diversae aberta, livre de preconceitos e padrões estabelecidosapenas por uma vertente do pensamento, a europeia. Alémde uma formação teórica adequada, deve ser ressaltada,sobretudo, a importância dos educadores no processo dereconhecimento e inclusão da cultura africana na escola:

Como responsáveis pelo fomento do tema africanidadesnos ambientes escolares, os educadores e educadoraspodem promover momentos de reflexão e atuação socialpara essa resignificação, na qual as pessoas tenham o di-reito de ser quem são trazendo consigo sua história, aancestralidade e o entorno, sem constranger-se por isso,cientes de que cada ação humana, por mais simples, dizrespeito a um todo muito maior, no qual somos um, e ondeo produto desse ato é fruto das escolhas que fazemos aoconduzir nossa própria vida.” (SOUZA, 2010, p. 156)

Uma das maneiras de levantar, no âmbito da

educação, discussões acerca das questões étnico-raciais éincorporar, nos currículos escolares, as culturas africana eafro-brasileira, o que pode ser feito, por exemplo, por meiodo ensino de literatura, como veremos a seguir.

A Lei 10.639 e o ensino de literaturaEmbora se verifique, ultimamente, uma profusão de

estudos acerca da Lei 10.639/03, que institui a história ecultura africanas e afro-brasileiras nos ensinos fundamentale médio, são poucas as abordagens que procuram tratar desuas representações no contexto das relações étnico-raciaisestabelecidas no ambiente escolar; menos comum, ainda,são aqueles estudos que se voltam para a análise do métodode ensino da literatura de temática africana lusófona,verificando como essa literatura e seu ensino se inseremnos princípios e diretrizes estabelecidas pela referida lei.

A conhecida Lei de Diretrizes e Bases da EducaçãoNacional (Lei 9.394, de 1996) estabelece, em seu artigo 26,que

Os currículos do ensino fundamental e médio devem terbase nacional comum, a ser complementada, em cada sis-tema de ensino e estabelecimento escolar, por partediversificada, exigida pelas características regionais e lo-cais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela.(MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2010)

Essa legislação, de caráter nacional, foicomplementada, posteriormente, pelos chamadosParâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), os quais sesubdividem em cinco partes: Educação e Cidadania;Parâmetros Curriculares Nacionais; ParâmetrosCurriculares Nacionais e Projeto Educativo; Escola,Adolescência e Juventude; Tecnologia de Comunicação eInformação. De modo geral, os Parâmetros CurricularesNacionais buscam promover a interdisciplinaridade,relacionando as disciplinas do currículo escolar entre si ecom questões atuais, presentes na vida cotidiana do aluno.Organizados por meio dos chamados temas transversais(Ética, Saúde, Orientação Sexual, Meio Ambiente, Trabalhoe Consumo e Pluralidade Cultural), promovem ainda orespeito à diversidade, visando integrar todas as áreas doconhecimento. (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO/SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL,2000)

Embora o conceito de transversalidade, naEducação, não seja completamente inovador, ele possui omérito de atuar como uma linha unificadora das disciplinascurriculares, devendo coordená-las e contextualizá-las nasaulas. É importante que o aluno construa um significado apartir do que aprende e confira à sua ação um sentido quese volte para a compreensão da realidade e daresponsabilidade social. Assim,

MONTAGEM 87

o currículo ganha em flexibilidade e abertura, uma vez queos temas podem ser priorizados e contextualizados deacordo com as diferentes realidades locais e regionais eoutros temas podem ser incluídos. (MINISTÉRIO DAEDUCAÇÃO/SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDA-MENTAL, 2000, p. 29)

O tema da Pluralidade Cultural tem particularimportância neste trabalho, na medida em que trata, maisespecificamente, das relações sociais e culturais amplas,defendendo a diversidade e a tolerância étnico-racial ecultural. (FREITAS & VARGENS, 2009) De acordo comas diretrizes dos citados parâmetros curriculares, asociedade brasileira é constituída por diferentes etnias,devendo-se, por isso mesmo, respeitar os diferentes grupose culturas que a constituem, combatendo o preconceito e adiscriminação:

O grande desafio da escola é investir na superação dadiscriminação e dar a conhecer a riqueza representadapela diversidade etnocultural que compõe o patrimôniosociocultural brasileiro, valorizando a trajetória particulardos grupos que compõem a sociedade. Nesse sentido, aescola deve ser local de diálogo, de aprender a conviver,vivenciando a própria cultura e respeitando as diferentesformas de expressão cultural. (MINISTÉRIO DA EDU-CAÇÃO/SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMEN-TAL, 2000, p. 32)

Essa diretriz pedagógica incentivou uma maiorreflexão acerca dos pressupostos ideológicos em que sebaseou a Lei 10.639/03, que tornou obrigatório o estudo dehistória e cultura africanas e afro-brasileiras no ensinofundamental e médio. Com sua aprovação, faz-se necessárionão apenas reformular o ensino, capacitando professorespara ministrar as disciplinas relacionadas a esses temas epreparando o aluno para ser inserido na realidade de umaeducação multicultural, mas também promover práticas deinteração dos diversos contextos sociais nos quais os alunosestão inseridos, em especial no que compete à questãoafricana, repensando, agora no ambiente escolar, a dinâmicahistórica e cultural que marcou o continente africano erevendo as diferenças e particularidades próprias dascivilizações daquela região. (SILVA, 2007)

Reforçando, ainda, a importância e a relevânciadessa lei no meio escolar e social, podemos lembrar aspalavras do sociólogo brasileiro Florestan Fernandes, aoafirmar que

Convém [...] que se inicie um programa nacional voltadopara o dilema social das minorias que não têm condiçõesautônomas para resolver rapidamente os problemas desua integração à ordem econômica, social e política ine-rente à sociedade nacional. (FERNANDES, 2007)

Há que se ressaltar que, com a aprovação da

referida lei, já se verifica uma correspondência prática naindústria editorial do Brasil, ou seja, já estão sendo produzidoslivros em que o tema da pluralidade cultural, particularmenteligado à questão da cultura africana, está presente, comose pode verificar em diversas publicações mais recentes.Além disso, no que concerne também ao material didáticoescolar, já se encontram livros abordando o tema das relaçõesétnico-raciais e das culturas africana e afro-brasileira. Assim,a utilização da literatura de temática africana lusófona nãoé mais uma novidade no ambiente escolar, tendo-sedisseminado sobretudo a partir das diretrizes traçadas pelosParâmetros Curriculares Nacionais, por meio do tema daPluralidade Cultural, e sendo reforçada com a aprovaçãoda Lei 10.639. Contudo, estudos voltados à relação dessalei com o ensino de literatura ainda são pouco comuns,privilegiando-se, nesse campo, as abordagens históricas eoutras afins.

A literatura, como se sabe, desempenha um papelimportante na formação do aluno, ainda em seus primeirosanos de alfabetização e no decorrer de sua vida escolar,pois, a princípio, atua como instrumento de transmissão dosimbólico – que é, em primeiro lugar, sua leitura de mundo–, auxiliando ainda seu desenvolvimento linguístico e suaautonomia intelectual. É, portanto, por meio da literaturaque se coloca em prática um outro processo de ensino,baseado na experiência estética, conferindo à açãopedagógica um novo sentido e fazendo da arte literáriaum dos caminhos para o aprendizado. (PALO &OLIVEIRA, 1992) Nesse contexto, a literatura de temáticaafricana proporciona ao aluno maior contato com a diversidadecultural e étnica, levando-o a conhecer novas formas derelacionamento social e manifestação cultural. Cabe ressaltar,dentro desse processo, que trabalhar a literatura africana emsala de aula pressupõe, ainda, um processo de letramento –grosso modo, uma forma de alcançar um conhecimento maisamplo e crítico do mundo –, uma vez que, como dizem osestudiosos desse tema, letrar é mais do que alfabetizar,(SOARES, 2003) fato que pode estar diretamente relacionadoà literatura por meio da ideia de letramento literário.(COSSON, 2006) Assim, segundo esse autor,

Ser leitor de literatura na escola é mais do que fruir umlivro de ficção ou se deliciar com as palavras exatas dapoesia. É também posicionar-se diante da obra literária,identificando e questionando protocolos de leitura, afir-mando ou retificando valores culturais, elaborando eexpandindo sentidos. Esse aprendizado crítico da leituraliterária (...) não se faz sem o encontro pessoal com otexto enquanto princípio de toda experiência estética.(COSSON, 2006, p. 120)

Um estudo da relação entre literatura e educação,nos limites aqui sugeridos, pode ser alcançado por meio da

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observação teórica e empírica de alguns de seus necessáriosdesdobramentos, entre eles, a análise do método de ensinode literatura africana lusófona e seu impacto, tanto nosdocentes como nos discentes; o estudo do projeto políticopedagógico escolar e do plano de ensino dos professores, afim de verificar em que medida contemplam o ensino deliteratura africana lusófona, conforme prescrevem asdiretrizes da referida lei; a observação dos modos deapropriação, pelos alunos, dos conceitos éticos e estéticosveiculados pela literatura africana lusófona, nas situações econdições em que ela for ensinada; a avaliação do métodoutilizado pelos professores para ensinar essa literatura,verificando, ainda, sua eficácia como forma de promoçãodos valores étnico-raciais, etc.

Tais procedimentos pressupõem uma verificação,na prática, de como os conceitos ético e estético – e outrosque deles decorram –, veiculados por meio dessa literatura,são trabalhados em sala de aula, observando assim aprodutividade dessas obras no processo de letramento e deformação em geral do alunado. Portanto, cumpre ainda, numtrabalho dessa dimensão, proceder à análise das obrasutilizadas no contexto de escolarização, no sentido dedepreender elementos que auxiliem na formação do alunocomo membro de uma sociedade pluricultural e multirracial.

Nesse sentido, não há como dispensar, no contextoexposto, a verificação cuidadosa de como o método deensino da literatura africana lusófona pode ou não auxiliarna aplicação plena da Lei 10.639/03 e, consequentemente,na assimilação dos conteúdos relacionados à cultura africanae na conscientização das questões étnico-raciais nasociedade. Nessa tarefa, a literatura de temática africanalusófona torna-se um elemento relevante para o educadore para o educando, na medida em que pode potencializarseu questionamento crítico das relações sociais, bem comoalguns de seus desdobramentos, como a questão dopreconceito, da pluralidade cultural, o substrato histórico ecultural africano e muitos outros.

Além do estudo, já citado, de Rildo Cosson, acercado letramento literário, (COSSON, 2004) outras abordagensse fazem necessárias, principalmente aquelas que teorizamacerca da importância do ensino de literatura como práticasignificativa e expressiva no percurso escolar do aluno.(CYANA, 2000)

É nesse sentido que as pesquisas das representaçõesda Lei 10.639/03, no contexto das relações étnico-raciaisna escola, sobretudo por meio da análise do método de ensinoda literatura de temática africana lusófona, tornam-se, anosso ver, indispensável, entre outros motivos, por verificarem que medida tal ensino auxilia na aproximação dosuniversos culturais dos países lusófonos, resgatando umatradição histórica que permeia a identidade nacional brasileira

(baseada, entre outras coisas, nas relações entre Brasil eÁfrica) e valorizando a cultura negra, de modo a romperparadigmas preconceituosos na vida escolar e,consequentemente, na vida social do aluno.

Nenhum método de pesquisa seja, talvez, maisadequado a um estudo dessa dimensão do que o chamadométodo dialético. Segundo MARCONI & LAKATOS(2005), esse método consiste em considerar que, “aocontrário da metafísica, que concebe o mundo como umconjunto de coisas estáticas, a dialética o compreende comoum conjunto de processos” (p. 101). São, com efeito,justamente os processos de representação da Lei 10.639/03, a partir da análise do ensino de literatura africanalusófona, que se propõe aqui como possibilidade de estudo.

Esse método permite ainda, ao pesquisador doassunto, tratar da questão da referida lei num contextoescolar mediado pelas relações étnico-raciais, levando emconsideração as diversas perspectivas que esse temaoferece, bem como suas contradições teórico-práticas. Alémdisso, ele tem, a nosso ver, a vantagem de considerar, naquestão central da prática educacional, tanto o aspecto dasteorias da educação quanto o das políticas educacionais,buscando na pesquisa um equilíbrio entre elas e verificando,em última instância, como se dá a receptividade, por partedos alunos, da literatura africana lusófona, já que, conformemencionado, seu ensino é recomendado pelas diretrizes daLei 10.639/03 como forma de valorizar as raízes da culturaafricana e elevar a autoestima do aluno afrodescendente,fazendo com que ele não apenas se reconheça nessa cultura,mas também assuma plenamente sua identidade negra.

Cumpre ressaltar, finalmente, que essa proposta deestudo busca um efeito positivo, no sentido de incentivarum método de ensino de literatura apropriado aosfundamentos ideológicos, tanto de uma legislação voltada àvalorização da cultura africana no Brasil quanto de umaliteratura – como é a literatura africana lusófona – que tragaconsigo princípios particularmente adequados a essa mesmacultura. Assim, ao se trabalhar com o conceito de letramentoliterário, busca-se valorizar um instrumento que potencializea leitura de mundo do aluno, a partir de sua inserção nouniverso imaginário da literatura lusoafricana, ao mesmotempo auxiliando-o no desenvolvimento de uma visão críticada sociedade. É nesse universo da aproximação entre arealidade social do alunado e a escola, que podemos destacara afirmação de JUNIOR (2009):

É esperado que o sujeito aprenda a olhar o mundo atravésde múltiplas lentes, e não somente aquela única que, mui-tas vezes, o faz agir, violentamente, internacionalizado. Emuma proposta plural, as lentes para uma leitura de mundotambém são plurais, permitindo, nessa diversidade, a cons-trução de uma sociedade igualmente plural, com lentes cri-

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adas e multiplicadas pelo próprio sujeito em suas interaçõescom outros pares do seu contexto cultural (p. 89).

Desse modo, acreditamos que o processo deletramento literário pode despertar no aluno um senso críticoque nasce do conhecimento e da interação com outrasculturas, desenvolvendo a leitura e proporcionando aaquisição de novos conhecimentos.

Considerações FinaisA Lei 10.639/03, objeto de discussão neste artigo,

adquire, no contexto aqui assinalado, uma proporção aindamaior quando levada além dos muros da escola, uma vezque inclui a valorização da questão racial e da identidadenegra, além dos processos discriminatórios presentes nasociedade brasileira. Afinal, trata-se de um tema presenteem toda a sociedade, devendo a cultura afro-brasileira serministrada, principalmente – como determinam as diretrizesda referida lei (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2004) –nas disciplinas de História, Literatura e Educação Artística.

A importância de começar esse percurso pela escolatalvez se deva ao fato de se ter dado pouca importância aoverdadeiro valor das culturas africana e afro-brasileira noconteúdo escolar, apesar de sua presença constante nocotidiano dos alunos e dos cidadãos brasileiros.

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ResumoAbordamos hermenêuticamente a descentralização

e a territorialização educativa em Portugal, numa tríade derelações: ‘escola-comunidade educativa’, parceria socioe-ducativa e política educativa local. A intervenção do poderlocal na educação processa-se numa perspetiva instrumen-tal virada para o desenvolvimento e coesão social. As au-tarquias são os parceiros responsáveis pela educação e osprofessores valorizam a relação escola - comunidade edu-cativa, principalmente na promoção da qualidade. A rela-ção ‘escola-poder local’ efetua-se numa interação partici-pativa dos laços redutores e promotores da administração egestão escolar, com lógicas de ação e racionalização dasparcerias.

Palavras-Chave: administração educativa; autonomiaescolar; descentralização; territorialização educativa;parceria.

IN THE CRUCIBLE OF THE LOGIC OF EDUCA-TIVE TERRITORIES IN PORTUGUESE SCHO-OLS IF THINS THE ACTION OF LOCAL POLI-

TICAL POWER AND PARTNERSHIPS

AbstractWe discuss perspective hermeneutic the decentra-

lization and educative territories in Portugal, educational ina triad of relationships: ‘ school-educational community ‘,youth partnership and local education policy. The interven-tion of local authorities in education takes place in an instru-mental perspective toward development and social cohesi-on. Local authorities are responsible for education partnersand teachers value the relationship school-educational com-munity, mainly in quality promotion. The relationship ‘ scho-ol-local ‘ made in a participatory interaction of ties redu-cers and promoters of the school administration and mana-gement, with action logic and rationalization of partnerships.

Keywords: educational administration; school autonomy;decentralization; educational territorialisation; partnership.

No crisol das lógicas de territorialização educativa nas escolas portuguesas se frágua a ação do poderpolítico local e das parcerias*

Ernesto Candeias Martins*

Questões de contextualizaçãoNas últimas décadas a educação e as suas políticas

tem sido objeto de mudanças conceptuais e evoluções aonível da sua significação (CORTESÃO, 2001), insistindo-se nas finalidades educativas atribuídas à escola ao longodos tempos as quais têm sido diferentes consoante os pa-drões culturais e o quadro filosófico-pedagógico subjacenteà matriz orientadora e organizadora do respectivo sistemaeducativo. A escola portuguesa tem sido palco, nas últimastrês décadas, de mudanças de natureza organizacional, nadimensão curricular e ao nível das relações com a comuni-dade (aprendizagens formais e não formais).

Sabemos que a gestão e administração escolar cons-tituem uma problemática nas políticas educativas atuais,estando presentes em debates e publicações educativas.Historicamente o sistema educativo português caracterizou-se por uma excessiva centralização e uniformização dassuas medidas, de tal modo que a gestão das escolas foiganhando visibilidade só a partir de 1974, com a consagra-ção legal do modelo democrático de escola, até que a Leide Bases do Sistema Educativo - LBSE (Lei n.º 46/86, de14 de outubro), no âmbito da Reforma do Sistema Educati-vo (RSE), desencadeou uma discussão intensa acerca dosaspetos fulcrais da administração e gestão escolar. Nestecontexto descentralização administrativa reformista e numcenário de mudança de paradigma, desenvolveu-se, por umlado, um processo de autonomização das escolas e, por ou-tro lado implementou-se novos modelos de administração,direcção e gestão das escolas públicas, com discursos polí-ticos próprios.

O referencial desta perspetiva descentralizadorateve implicações na autonomia das escolas e, num planomais abrangente, na focalização e localização das políticaseducativas ao nível local, o que equivaleu a um alargamentodas atribuições e competências para o poder autárquico, naárea da educação (RUIVO, 2000). Neste ambiente des-centralizador “as autarquias têm vindo a assumir um papelde crescente importância no domínio da administraçãoeducativa e na vida das comunidades educativas” (FOR-MOSINHO et. al., 2000, p. 323). De facto, este papel atri-buído às autarquias identifica-se com um processo de inter-venção do poder local na educação, mais visível desde ademocratização social, consequência do 25 de Abril de 1974e materializado nos finais de 90, com um suporte substanti-vado no quadro jurídico que definiu o alargamento de atri-buições e competências do poder local na área da educa-

* Doutor em Ciências da Educação na área da Teoria e História daEducação. Professor do ensino superior politécnico do InstitutoPolitécnico de Castelo Branco, tendo como áreas de investigação aformação de professores, a história da educação social, a pedagogia social,a história da criança em risco, história das instituições de reeducação,educação para a cidadania, a interculturalidade e animaçãosocioeducativa.E-mail: [email protected]

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ção. Esse marco de intervenção ocorreu num contexto con-juntural e de orientação política administrativa, em que “é odiscurso da territorialização que está na ordem do dia”(ESTAÇO, 2001, p. 13). Neste sentido a realidade escolarportuguesa passou a debater-se com a problemática da auto-nomia das escolas, num processo de abertura à comunidade ecom um “crescente alargamento da participação dos vári-os parceiros na vida das comunidades educativas” (LE-MOS, FIGUEIRA, 2002, p. 7), em especial as autarquias.

Estamos convictos que essa intervenção do poderlocal na área da educação, designadamente ao nível da ad-ministração e da gestão, estabelece uma relação ‘escola-poder local’ que é condicionada por um sistema de lógicas,mormente a lógica de cultura que, condutor da construçãosocial do grupo local é indutora de atitudes e de lógicas deação dos professores, dos autarcas e de outros atores edu-cativos (FERNANDES, 1992, 1995).

Pretendemos neste estudo de revisão de adminis-tração e gestão escolar analisar a inter-relação ‘escola/co-munidade - poder local’, na base do quadro normativo jurí-dico, que estatui a transferência das atribuições e compe-tências do poder central (Ministério da Educação) para opoder local (autarquias) na área da educação. A nossa ar-gumentação hermenêutica e fenomenológica insere-se numaperspetiva conceptual, delimitada temporalmente desde aLBSE, de 1986 (AFONSO, 1994, p. 25), no cenário da des-centralização educativa e da implementação da autonomiaescolar, inserindo-se no processo de transferência de atri-buições e competências para o poder local, que se estatuiuDecreto-Lei n.º 159/99, de 14 de setembro.

Metodologicamente o estudo está dividido em doispontos. No primeiro abordaremos a historiografia escolar,da descentralização, autonomia, parcerias e territorializa-ção educativa, destacando-se a reflexão sobre os princípi-os estruturantes da escolar, em que “em termos teóricos,assume-se que a escola é ‘simultaneamente um locus dereprodução e locus de produção de políticas, orienta-ções e regras’” (ALVES, 1999, p. 9). No outro ponto ana-lisaremos os pressupostos e o paradigma da autonomia eda gestão das escolas, no cenário das políticas educativaslocais, tendo como referencial o papel das parcerias, daparticipação, das políticas locais de educação e da territori-alização educativa. A nossa contribuição poderá desenca-dear estudos avaliativos e de cariz qualitativo e quantitativoara compreensão dos efeitos da descentralização e do pa-pel dos concelhos educativos municipais.

Discursos historiográficos da descentralização, auto-nomia e territorialização educativa

Portugal registou vários casos efémeros de descen-tralização administrativa, que não passaram do plano de in-

tenções, associadas a uma vasta publicação de medidasavulsas sem efeitos práticos visíveis. De facto, a relaçãodescentralizadora do Governo com os municípios emergecom o liberalismo, na dimensão quase instrumental. Essadescentralização não passou de uma mera tentativa de con-ceções organizacionais dos municípios, como modelo dereferência para a organização escola (FERNANDES, 2003).Contudo, este processo marcou a educação na administra-ção e gestão das escolas, com impacto na sua autonomia, apar da ampliação das atribuições municipais nessa áreaeducativa.

Posteriormente este processo de descentralizaçãona instrução veio a ser encetado na 1ª República (1910-1926), em que é cometida aos municípios uma relação pri-vilegiada com a área da instrução e ensino, por influência eação de políticos e pedagogos, por exemplo, João Camoe-sas e António Sérgio, na linha do modelo de ‘Escola-Muni-cípio’, com, “um método organizativo inspirado nos prin-cípios do ‘self-government’ (FERNANDES, 1992, p. 15).Após este período de excepção, o Estado Novo (a partir de1933) retoma a centralização estatal até ao projecto refor-mador de Veiga Simão (Lei n.º 5 de 1973) orientado à de-mocratização do ensino e de mobilização educativa, numatentativa de renovação educativa (TEODORO, 2001). ParaPinhal e Viseu (2001, p. 1) “a intervenção das autarquiaslocais na administração da educação não tem tradiçãoem Portugal, podendo dizer-se que, historicamente, têmsido poucas e de pouca expressão as suas competênci-as educacionais”, daí que essa intervenção não passou doplano retórico, já que se caracterizou, desde o liberalismo,por um défice de poder de ação, “não passando o muni-cípio liberal, republicano ou salazarista de uma exten-são local do Estado” (FERNANDES, 1999 b, p. 166).

Após o 25 de Abril de 1974 (reforçado na Consti-tuição da República Portuguesa de 1976) ressurge o podermunicipal como expressão da democracia local e em es-treita ligação ao papel da autarquia (FERNANDES, 1999a). Os municípios portugueses recuperaram a autonomia econquistaram novas atribuições e competências próprias eexclusivas. É óbvio que a Lei das Finanças Locais para asautarquias/municípios desencadeou outras capacidades deinvestimento, adquirindo uma capacidade de intervençãolocal em todos os domínios: “um crescente envolvimentodos municípios na actividade educativa escolar e nãoescolar” (FERNANDES, 1995, p. 54), ou seja passou ahaver a sustentabilidade da autonomia, da democraticidadee participação num cenário descentralizador (BANHEIRO,2002, p. 19). O Estado democrático promoveu a democra-tização da educação através da escola e de outros meiosformativos, contribuindo para a igualdade, superação dasdesigualdades económicas, sociais e culturais, desenvolvi-

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mento da personalidade, respeito pela tolerância, solidarie-dade, responsabilidade e compreensão mútua, progressosocial e participação democrática, etc.

Nesta perspetiva democrática e de descentraliza-ção referimos o papel das autarquias no contexto da LBSEao estatuir a matriz definidora dos princípios organizativosdo sistema educativo português, no sentido das estruturas edas acções educativas. No seguimento destas orientaçõesnormativas, emerge um processo de debate sobre concei-tos, por exemplo de ‘democracia representativa e/ou par-ticipada’ e a distinção entre direcção (democrática) e ges-tão (profissional) na escola, segundo esse paradigma des-centralizador. Contudo, este discurso abriu caminho a práti-cas de centralização desconcentrada, num clima geral deReforma Global (FORMOSINHO et. al., 2000, p. 20). Nestesentido da desconcentração de poderes reorganizou-se aadministração escolar “visando inverter a tradição deuma gestão demasiado centralizada e transferindo po-deres de decisão para os planos regional e local” (RI-BEIRO, 1992, p. 6). O discurso normativo Da escola assu-miu um lugar privilegiado nas estruturas de ensino, que im-plicou o reforço da gestão participada e exercício da auto-nomia.

Na verdade, as várias ocorrências político-adminis-trativas, encetadas nos finais de 70 e 80, com a publicaçãode legislação diversa, proporcionaram processos de des-concentração e descentralização, fundamentados no De-creto-Lei n.º 100/84, de 29 de março, na tentativa de con-solidar e reforçar o poder local. No Preâmbulo desse diplo-ma lemos nessa descentralização administrativa e constitu-cional, o seguinte: “no quadro global da organização de-mocrática do Estado impõe que seja dada a devida re-levância aos aspectos relativos à definição das atribui-ções das autarquias locais e à competência dos respeti-vos órgãos””. A. Sousa Fernandes (1996, p. 117) é daopinião que “o primeiro indicador de reforço municipalé uma resultante das tensões geradas a partir da apli-cação pelo governo das disposições constantes no De-creto-Lei 77/84 após a publicação da Lei de Bases doSistema Educativo”. No âmbito das competências atribu-ídas às autarquias, Lemos e Figueira (2002, p. 323) apon-tam os âmbitos da “construção, equipamento, e da ma-nutenção dos edifícios para a educação pré-escolar epara o 1º ciclo do ensino básico, da organização dostransportes escolares e da ação social escolar”. Destemodo, a evolução da intervenção das autarquias no exercí-cio das suas atribuições e competências, promoveram ní-veis de relação horizontal de colaboração interativa ‘esco-la-autarquia’, mesmo que em alguns casos, tivesse sido umarelação informal e com práticas pouco definidas no quadrolegislativo.

A alteração da LBSE pela Lei n.º 115/97, de 19 desetembro apresentou um conjunto de princípios programá-ticos, definidores de uma apologia de descentralização eparticipação comunitária no sistema educativo, com desta-que para o papel das autarquias, nessa interligação com acomunidade mediante adequados graus de participação dosprofessores, alunos, famílias, entidades representativas dasactividades sociais, económicas e culturais e ainda de insti-tuições de carácter científico (art.º 43º, nº 2 a LBSE). An-tes o regime jurídico da autonomia das escolas (Dec.-Lein.º 43/89, de 3 de fevereiro, art.º 3º, alíneas c e f) tinhasalvaguardado os princípios da democraticidade e partici-pação comunitária na organização, processo educativo evida escolar. Ainda nessa experimentação não generaliza-da do modelo de gestão e autonomia escolar, consubstan-ciou-se o Decreto-Lei n.º 172/91, de 10 de maio, que defi-niu o regime de direção, administração e gestão dos esta-belecimentos de educação pré-escolar e dos ensinos bási-co e secundário (ESTAÇO, 2001; TEODORO, 2001).

Todo este cenário foi reforçado com o Decreto-Lein.º 115-A/98, de 4 de maio e do Quadro de Ttransferênciasde Aatribuições e Ccompetências do poder central para opoder local, na área da educação (Lei n.º 159/99, de 14 dessetembro), o que originou um novo quadro legal mais ade-quado à realidade do país e da educação, principalmente aonível das relações escola/autarquia, com sentido de des-centralização e territorialização educativa. É, pois, na im-plementação destas prioridades estratégicas que, como sa-lienta Clímaco (1993, p. 12) se procedeu ao enquadramen-to legal duma reforma administrativa do sistema educativae reestruturação da “gestão das escolas é uma consequ-ência de outras introduzidas na administração pública,nomeadamente a descentralização, da democratizaçãoda sociedade civil e ainda da própria reconceptualiza-ção da instituição escolar”. Portanto, este contexto con-ceptual de gestão imbuiu-se duma lógica política adminis-trativa assente em princípios organizativos de democratici-dade, participação e de integração comunitária (AFONSOet al., 1999). Estas particularidades de gestão têm potenci-ado várias possibilidades de intervenção dos parceiros so-ciais, com destaque para os pais/encarregados de educa-ção e autarquias, na elaboração do projeto educativo deescola e da vida quotidiana da comunidade educativa.

A fase final de implementação daquele diploma sóocorreu no ano letivo de 2003-2004, com a constituição deagrupamentos de escolas e que a partir daí se tem vindo arestringir ou a convergir o sistema em macro agrupamen-tos. Este modelo de gestão de agrupamento de escolas pos-sibilitou o desenvolvimento das políticas educativas contex-tualizadas no espaço e meio local, num processo de abertu-ra da escola à comunidade e a novas aprendizagens, no

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pressuposto de “um crescente alargamento da participa-ção dos vários parceiros na vida das comunidades edu-cativas” (LEMOS, FIGUEIRA, 2002, p. 7). Se compreen-dermos o desenvolvimento desse processo de autonomiaescolar e a sua articulação com o poder local, encontramosa justificação do partenariado socioeducativo (parcerias daescola - comunidade), já que o poder local é essencial noprojeto educativo da escola, no processo de formação dacidadania ativa e no desenvolvimento das comunidades eregiões.

Por conseguinte, as relações institucionais ‘escola-autarquia’ começaram a ser estabelecidas umas vezes emrelacionamento vertical e outras vezes em relação horizon-tal, num quadro onde potencialmente é emergente um planode tensões e conflitos, designadamente na dimensão do pró-prio ‘poder’ (RUIVO, 2000). Estas relações ‘escola-autar-quia’ perspectivaram a descentralização administrativa e aautonomia do poder local, “tendo por finalidade assegu-rar o reforço da coesão nacional e da solidariedadeinter-regional e promover a eficiência e a eficácia dagestão pública assegurando os direitos dos administra-dos” (art.º 2º, 2, Lei n.º 159/99, de 14 de setembro). Assim,a intervenção municipal na educação configurou-se na trans-ferência de atribuições e competências delimitando a inter-venção da administração central e da administração local,o que concretiza os princípios da descentralização e auto-nomia. Foi, assim que se reforçou as competências das au-tarquias locais em matéria educativa nos domínios do pla-neamento e gestão da rede educativa (BANHEIRO, 2002).Deste modo o poder das autarquias adquiriram um planoalargado de intervenção, com uma maior proximidade àsescolas e uma indução para a vida das comunidades educa-tivas, mesmo com condicionalismos emergentes de limita-ções da própria estrutura legislativa, do fator participação edecisões resultantes dum processo participativo social emquadro de parceria (CANÁRIO, ALVES, ROLO, 2000;FERNANDES, 2003).

Cremos que a prossecução das finalidades da edu-cação, impelida pelo imperativo da satisfação das expecta-tivas sociais, deu à escola de hoje um cenário, objeto deprofundas alterações nas dimensões social, cultural e orga-nizacional, quer na sua identidade e modus operandis, quernas respostas às exigências dos tempos e solicitações dascomunidades. Por isso a nossa perspetiva de análise exigeuma refundação da escola assenta numa reorganização erelação com a comunidade, gerando um espaço intergera-cional de aprendizagem no âmbito de uma sociedade paratodos, na execução do direito de aprender a aprender. Nes-te panorama de tensões, complexidades e mudanças dassociedades (pós) modernas e sistemas educativos, exige-se hoje uma contextualização com a multiculturalidade e

globalização, numa ‘transnacionalização da educação’(STOER, CORTESÃO, CORREIA, 2001, p. 12).

É neste plano, em que a retórica sobre a educaçãoe a realidade social se entrelaçam no binómio ‘global-lo-cal’, de que a já aforística expressão “pensar global, agirlocal” retrata a pertinência dos efeitos, quiçá riscos, do fe-nómeno da globalização que, no domínio da territorializa-ção, se impõe olhar para os cenários na área da educação.Por isso, o campo educativo apresenta características afec-tadas por percursos históricos de contexto cultural e social,influenciado por interesses e poderes económicos, pelasrelações ‘Estado/mercado de trabalho’, por orientaçõespolíticas, por localizações mais ou menos centrais e, aindamarcado por influências do global e do local que nele con-flituam. Tais circunstâncias fazem com que “a educaçãoassuma características de um locus onde se concentramefeitos, tensões múltiplas e variáveis” (STOER, COR-TESÃO, CORREIA, 2001, p. 14).

Com a crescente valorização da qualidade e exce-lência da educação, bem patente nos contratos programados TEIP em alguns agrupamentos, merecer atenções ex-ponenciais por parte de organizações internacionais (rela-tórios PISA), mas em que “o sistema escolar constitui uminterface privilegiado entre grupos, culturas e institui-ções” (CLÍMACO & SANTOS, 1992, p. 13), num cenárioem que as perspectivas de reforma educativa continuam aser importantes para a igualdade de oportunidades educati-vas, equidade, eficácia e qualidade, valorizando a educa-ção/formação na sociedade do conhecimento. Nesta per-ceção instrumental das políticas educativas na sociedadedemocrática e do desenvolvimento social da escola, somosremetidos para um “entendimento moderno de ópticadurkheimiana de que a educação deve responder antesde mais às necessidades sociais” (ARROTEIA, 1991, p.6), no confronto com exigências de mudanças na educaçãoque implicam estratégias educativas.

Nesta linha, impõe-se relevar o novo entendimentoda escola como centro da acção educativa associado aospressupostos seguintes: por um lado, a criação de condi-ções que possam favorecer o exercício da respectiva auto-nomia pedagógica e administrativa, com a consequente trans-ferência de poderes e competências, e, por outro, a afirma-ção de uma cultura de responsabilidade, assumida pela ad-ministração educativa e pelos responsáveis pela gestão aescola, cultura de responsabilidade que deve ser partilhadapor toda a comunidade educativa (LEMOS, GERSÃO, 1998,p. 5). O entendimento da educação e a emergência de umprocesso reformista mais adequado, a escola coloca-se nocentro da ação educativa, tendo em conta que “no que res-peita à reorganização da administração educacional,há que inverter a tradição de uma gestão centralizada,

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transferindo as estruturas do poder de decisão para osplanos regional e local” (RIBEIRO, 1992, p. 14). Admiti-mos que foi com este enfoque de localização das políticaseducativas que se verificou “o ressurgimento da escolacomo objeto local” (COSTA, 1997, p. 35) e emergiu comespecial pertinência a problemática da administração e ges-tão das escolas, associada às mudanças sociais e educativase que as políticas educativas de alguns países europeus mui-to têm privilegiado.

É verdade que a qualidade e a eficácia da escolasurgem da problemática da gestão centrada na escola: deba-tes sobre as virtudes da gestão centrada na escola, da parti-cipação da comunidade e dos pais; da eficiência, responsabi-lização e da avaliação dos professores; a dependência decada modelo do seu contexto cultural e evolução histórica;etc. (AFONSO, 1994, p. 13). A nível da gestão centrada naescola, o sistema educativo português regista, nos últimostempos, um processo reformista apoiado em três dimensões:da educação, do ensino e da gestão escolar (modelo estatuí-do pelo Decreto-Lei n.º 115-A/98, de 4 de maio). Deste modo,a escola foi induzida a viver desafios novos, consubstanciadanuma ‘Gestão Democrática das Escolas’ e na realizaçãoduma escola que se torna “centro privilegiado das políti-cas educativas” (MARTINS, 1996, p. 21), sob o signo daautonomia, da descentralização e afirmação da identidade daescola mediante o seu projeto educativo. Nesta lógica demudança organizacional, o projecto educativo constitui “oinstrumento de construção dessa autonomia, e a tensãogerada pela descentralização da afirmação dos diferen-tes projectos dos motores da evolução futura da educa-ção” (TEODORO, 1997, p. 27), no desafio do paradigma da‘escola-comunidade educativa’, assente em pressupostos deinovação educativa e curricular e duma administração edu-cacional diluída nas fronteiras escolares dos níveis de partici-pação comunitária participada (FALCÃO, 2000), no deside-rato da eficácia das escolas e qualidade da educação (SAR-MENTO, 2000).

Assim, evoluiu a identidade local da escola, no pro-cesso da territorialização educativa, por via de localização eentendimento de que a descentralização das políticas educa-tivas e a transferência de competências para o poder localrevelou-se indispensável, aliás numa tónica emergente ou di-fusa, mas sempre presente nos diversos discursos políticos.

O desiderato do paradigma da autonomia e gestãoescolar

Como já referimos, na sequência da LBSE, ocor-reu todo um processo de mudanças na orientação das polí-ticas educativas portuguesas, em que foram trazidos à co-lação novos quadros teóricos educacionais e paradigmasde gestão escolar, novos conceitos de escola, de currículo e

outros paradigmas de organização do sistema educativo eda gestão das escolas. É à luz da filosofia subjacente à LBSEe do processo reformista, que se justifica uma abordagemsuficientemente aprofundada aos conceitos de escola, au-tonomia e sua relação directa com a gestão participada numquadro de descentralização educativa (CLÍMACO, 1993,p. 12-14).

Na verdade, os princípios da descentralização edu-cativa, da participação comunitária e contextualização dasdinâmicas escolares aparecem explicitamente consagradosna LBSE (art.º 3º, alínea g). Registava-se nesse diplomaum novo entendimento da escola como lugar nuclear doprocesso educativo, apostando-se na implementação daautonomia nas escolas (Decreto-Lei n.º 43/89, de 3 de fe-vereiro) e na dimensão formativa da escola que visava a‘educação, integração, cidadania’ dos alunos. Ao nívelda gestão do sistema educativo e do governo da escola,fez-se a apologia de princípios orientadores para a autono-mia, a diversificação e a abertura institucional, num quadrode participação e descentralização (LBSE, artº 3.º, 4.º a10.º, art.º 43.º a 45.º).

Neste sentido, reafirma-se nos finais da década de80 o lugar central da escola nas medidas de política educa-tiva (CANÁRIO, ALVES, ROLO, 2000). Este paradigmade gestão da autonomia nas escolas decorre da própriaLBSE e desenvolve-se no âmbito da Reforma Educativa,num contexto de “desconcentração de funções e de po-deres” (Preâmbulo Decreto-Lei nº43/89) que assenta emdois pressupostos: na valorização da escola pelo exercícioda sua autonomia e gestão mediante um projecto educativopróprio; e na mais-valia da participação da comunidadeeducativa. A evolução da gestão escolar democrática e par-ticipada tomou visibilidade na institucionalização normativada autonomia da escola (Decreto-Lei n.º 43/89, de 3 deFevereiro), permitindo desenvolver-se nos ‘planos cultural,pedagógico e administrativo’ (art.º 2.º, 3.º), isto é, na capaci-dade de elaboração e realização de um projecto educativo deescola em benefício dos alunos e com a participação de to-dos os intervenientes no processo educativo (art.º 2.º, 1.º).

É este princípio de que as práticas de autonomiarequerem a existência de projecto educativo que se releva,por um lado, a necessidade de a escola se conhecer mais emelhor a si mesma e à sociedade/meio envolvente, com aqual é fundamental desenvolver um outro nível de relações,e, por outro, se insiste na consequente identidade e afirma-ção da escola como locus da acção educativa mas tambémcomo agente de mudança cultural, na prestação do melhorserviço público de educação. O desenvolvimento desta es-cola pública, participativa e eficaz pressupõe, à partida, aexistência de autonomia da escola, com a consciência cadavez mais aguda de que o empreendimento educativo só é

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viável com a ‘cumplicidade’ e o empenho dos diferentesgrupos institucionais da escola, das ‘clientelas’ e da opiniãopública, elementos objectivos e subjectivos de uma mudan-ça cultural (CLÍMACO, SANTOS, 1992, p. 47).

A mudança cultural a este nível integra as compe-tências para a negociação, para a planificação e para a ino-vação, por desenvolvimento da ‘gestão centrada na escola’assente nos pressupostos fundamentais da acção com di-mensão científico-pedagógica e com fundamentação políti-co-gestionária (BARROSO, PINHAL, 1996). É na basede tais princípios e na perspectiva da descentralização, daabertura da escola à comunidade e no sentido da imple-mentação da autonomia das escolas que, depois de três anosde aplicação experimental do regime de autonomia institu-cionalizado pelo Decreto-Lei n.º 43/89, se publicou o De-creto-Lei n.º 172/91, de 10 de maio, que tem por objeto “oregime de direção, administração e gestão dos estabe-lecimentos de educação pré-escolar e dos ensinos bá-sico e secundário” (art.º1º), no pressuposto de que a auto-nomia das escolas e a descentralização constituem aspec-tos fundamentais dessa nova organização da educação, como objectivo de concretizar na vida da escola a “democrati-zação, a igualdade de oportunidades e a qualidade deeducação” (Preâmbulo -Decreto-Lei n.º171/91, de 10 demaio). A pretensão de assegurar à escola as condições quepossibilitam a sua integração no meio em que se insere étambém sublinhada no referido Preâmbulo, com referênciaexplícita a “exigências de estabilidade, eficiência e res-ponsabilidade”. Os princípios de representatividade, dedemocraticidade e de integração comunitária, inscritos na-quele diploma de 1989, são igualmente reiterados, bem comoa prossecução dos objectivos nacionais e a afirmação dadiversidade através do exercício da autonomia local e daformulação de projetos educativos próprios. Na verdade, odesenvolvimento do projecto educativo implica a necessá-ria mobilização de todos os parceiros, mobilização em que éfundamental o diálogo, a partilha de contributos e a opera-cionalização de uma rede facilitadora das relações inter-pessoais e da responsabilização coletiva (CNE, 1995; SAR-MENTO, 1999, p. 39-57).

À luz destes princípios, e numa perspectiva histori-ográfica, que dimana deste diploma para a escola e seusórgãos, podemos considerar a insistência na localizaçãoeducativa e na gestão escolar, no princípio do desenvolvi-mento de políticas educativas contextualizadas no espaço eno meio local, entenda-se, no sentido da territorializaçãoeducativa. Porém, este paradigma foi desenvolvido com oDecreto-Lei n.º 115-A/98, de 4 de maio, que constitui aexpressão substantiva das políticas educativas sobre a di-recção e gestão das escolas. Todo o seu quadro conceptualassenta numa lógica de descentralização e territorialização,

tendo como referência um território educativo com doiscenários: a escola e a comunidade onde se insere; ou seja,no entendimento de que a escola é lugar nuclear do proces-so educativo, mas igualmente espaço privilegiado para odesenvolvimento da função educativa, em parceria e arti-culação sistemática com outras instituições da comunidade(CANÁRIO, 1999, p. 42; DIOGO, 1998, p. 46-68; ROSÁ-RIO, 1996, p. 89-91).

Neste entendimento, impõe-se registar dois concei-tos: o conceito de escola-comunidade educativa e o concei-to de ‘território educativo’, referencial por excelência noprocesso de descentralização educativa e da autonomiza-ção da escola, enquanto “unidades geo-educativas”. Es-tamos, assim, perante uma renovada concepção e viabiliza-ção da escola-comunidade educativa, aliás, a escola pres-suposta pela Lei de Bases. A escola-comunidade educativaque, segundo Formosinho (1991) é uma escola com autono-mia pedagógica e administrativa, isto é, enquanto comuni-dade alargada, tem a direcção em si própria. Esta concep-ção de escola-comunidade educativa implica um modelo deadministração descentralizado gerador de um espaço orga-nizacional de participação a nível da escola (FALCÃO, 2000;RUIVO, 2000).

Com base no significado de território como espaço,no sentido geográfico do termo, torna-se fundamental terpresente que “território é o local onde se ajustam con-dições especiais da oferta educativa aos projectos dascomunidades” (DESPACHO n.º 147-B/ME/96), pelo queganha outra dimensão relacional com a descentralizaçãoeducativa e a conquista da autonomia pela escola, o con-ceito de território educativo. Assim, os territórios educati-vos são definidos pelas próprias práticas sociais e instituci-onais e resultam do esforço de integração (pela discussão,negociação e contrato) dos interesses individuais dos dife-rentes actores em interesses comuns, mediados pela açãodo Estado (BARROSO, 1996, p. 12).

Este conceito é tanto mais relevante se considera-mos os pressupostos da descentralização administrativa eda abertura da escola à comunidade, em estreita conexãocom a ideia de que a territorialização é um fenómeno essen-cialmente político e implica um conjunto de opções que têmpor pano de fundo um conflito de legitimidades entre o Esta-do e a Sociedade, entre o público e o privado, entre o interes-se comum e os interesses individuais, entre o poder central eo poder local. Nesta perspectiva é fundamental considerar aescola como novo objecto científico enquanto organização(AFONSO, 1994; ARROTEIA, 1991; COSTA, 1997) e va-lorizar a importância da relação da escola com a comunidadeeducativa e a necessidade de implementação de dispositivosindutores e facilitadores da participação de parceiros soci-ais na escola (parceria socioeducativa).

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É, pois, indispensável, na gestão da autonomia dasescolas valorizar o processo em que cada vez mais assu-mem relevância as relações da escola com a comunidadepromoverem o envolvimento das forças vivas do meio emacções da escola, com estabelecimento de parcerias locais.É na base da descentralização administrativa, e neste do-mínio das relações horizontais da participação na educa-ção, que se destaca o papel das autarquias locais, enquantoparceiros educativos da escola. Esta dimensão participati-va das autarquias locais na educação ganha expressão ereforço de legitimidade com a publicação da Lei nº159/99,de 14 de Setembro, que estabelece o quadro de transferên-cia de atribuições e competências para as autarquias lo-cais, e onde se propugna um conjunto alargado de direitos edeveres do poder local na área da educação, concretizandoos princípios da descentralização administrativa e da auto-nomia do poder local (art.º 1º).

De facto, em função da proximidade dos actoressociais locais à escola, e no pressuposto de que “das vanta-gens técnicas da descentralização’, poder-se-á equacionara intervenção das autarquias na definição e gestão das po-líticas educativas locais como potencial contribuinte para arealização da eficácia e qualidade da educação e na pro-moção da coesão social. A escola e a comunidade educati-va em geral estão, pois, confrontadas com um leque alarga-do de intenções e medidas de descentralização, numa pers-pectiva de territorialização educativa, no entendimento deque a proximidade local deve ser considerada na definiçãodas políticas educativas e na vida das escolas (DIOGO,1998, p. 43-61; RODRIGUES & STOER, 1998, p. 28-34).

Na verdade, a participação da comunidade educa-tiva, incluindo a dos autarcas, não só pode ser factor defacilitação da dinâmica escolar, como pensamos que é ga-rantia de mais e melhor realização da eficácia escolar, porvia da territorialização educativa. A aposta neste processode participação comunitária e de localização educativa foiexponencialmente visível nos documentos de política edu-cativa do Ministério da Educação tutelado por Marçal Griloe de que o “Pacto Educativo para o Futuro”, em 1996, éa matriz política. Este Pacto surge num quadro de compro-misso e de participação social, no pressuposto de que “umpacto educativo para o futuro terá de ser um compro-misso de criatividade e de mobilização” (MARTINS,1996, p. 20). De entre os princípios gerais desse Pacto des-tacamos o lugar central da escola no processo educativo, aredefinição das “relações entre o Estado, a Educação ea Sociedade”, o sentido de assegurar uma maior participa-ção das diversas forças e parceiros sociais nas decisões ena execução das políticas educativas em todos os níveis daadministração, e desenvolver processos de co-responsabi-lização social no funcionamento do sistema educativo

(MARQUES, 1998, p. 128-133).O desenvolvimento destes princípios consubstan-

cia-se, designadamente, na prossecução dos objectivos es-tratégicos gerais, de que destacamos os seguintes: Promo-ver a participação social no desenvolvimento do sistemaeducativo; modernizar, regionalizar e descentralizar a ad-ministração do sistema educativo; desenvolver processosde informação estratégica e alargar as redes de comunica-ção; fazer do sistema educativo, um sistema de escolas e,de cada escola um elo de um sistema local de formação(BANHEIRO, 2002; LEMOS & FIGUEIRA, 2002).

Por outro lado, os objectivos estratégicos específi-cos seriam: transferir competências, recursos e meios paraos órgãos de poder local e para as escolas; territorializar aspolíticas educativas dinamizando e apoiando formas diver-sificadas de gestão integrada de recursos e favorecendo asua adaptação às especificidades locais; e, ainda, desen-volver os níveis de autonomia das escolas. Podemos, pois,considerar com toda a pertinência que a prossecução dosobjectivos acima referidos esteve, por certo, na génese doDecreto-Lei n.º 115-A/98, de 4 de maio e na Lei n.º 159/99,de 14 de setembro, numa evidente construção de dispositi-vos para a descentralização.

Foi com este cenário de mudança na administraçãoe gestão dos estabelecimentos escolares, na senda da terri-torialização educativa, consubstanciada num processo con-jugado na autonomia conferida às escolas e no quadro detransferência de atribuições e competências para o poderlocal, que fez evoluir a ‘Gestão Democrática das Esco-las’, ou seja uma administração e gestão educativa alicer-çada na autonomia e na participação ativa da comunidadeeducativa. É na dimensão da participação comunitária quetem relevância o papel das autarquias na educação, combase no quadro de transferência de atribuições e compe-tências para as autarquias locais na área da educação (LEInº159/99, de 14 de setembro).

Importa, na consolidação da autonomia das escolase na base da intervenção das autarquias locais na educa-ção, garantir que a descentralização educativa não seja ummeio para a subjugação da educação a causas alheias oueivadas de pressupostos assentes no desconhecimento daproblemática da educação. As políticas educativas locais eregionais não podem depender dos propósitos socioeduca-cionais do decisor unipessoal, seja ele presidente deste oudaquele organismo regional, do líder autarca ou dirigenteescolar, mas sim dos interesses comunitários, da decisãopartilhada e da coresponsabilidade dos parceiros sociais(PINHAL, VISEU, 2001).

O envolvimento das autarquias na definição e ges-tão das políticas educativas locais não pode evoluir para ummunicipalismo escolar subordinado a uma qualquer auto-

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cracia ou oligarquia locais. Antes pelo contrário, a sua ac-ção participativa na causa da educação deve pautar-se pe-los princípios que enformam a lógica de acção da parceria,e deve ser imagem de representatividade e exercício de-mocrático em prol da qualidade educativa, do desenvolvi-mento e da coesão social (CARVALHO, ALVES, SAR-MENTO, 1999). Mas, para que a escola concretize a auto-nomia com dinâmicas de participação activa dos actoressociais implicados directa e indirectamente, de todos os in-teressados explícita e implicitamente na educação, para quea autonomia aconteça nas escolas com a dimensão execu-tiva e o grau de eficiência indispensáveis, é fundamentalque a escola se comporte e seja considerada como unidadeorganizacional do sistema educativo, escola - organizaçãocapaz de estabelecer redes de nível local promotoras da‘escola-comunidade educativa’ (CANÁRIO, 1999, p. 43-44; MATOS, 1996, p. 63-70).

Algumas (in) ConclusõesAs reformas educativas têm sempre, de uma for-

ma ou outra, medidas políticas de incidência directa e indi-recta nos modelos de gestão nos estabelecimentos escola-res. O sistema educativo português tem sido marcado pormudanças várias, que se distribuem desde a tutela na for-mação de professores ao modelo organizativo da escola esua administração, passando pela democratização da esco-la, pelas mudanças nas práticas escolares e na organizaçãoadministrativa e pedagógica e, por fim, na questão centralda autonomia das escolas (SARMENTO, 2000). A direc-ção e gestão das escolas e a organização curricular conti-nuam a ser a pedra de toque das propostas e medidas dereforma e contra-reformas para a reorganização da instru-ção, do ensino e da educação em Portugal.

As propostas e mudanças nas políticas educativastêm ocorrido em coexistência com acontecimentos sociaise políticos da mais diversa natureza: reformas administrati-vas, reorganização de currículo escolares, mudanças deministro e de Governo, entre outras (FERNANDES, 1999a, b). Porém, a descentralização do sistema nunca foi efec-tivamente levada a bom termo, a sua visibilidade não pas-sou de intenções ou meras tentativas de transferência deconcepções organizacionais dos municípios como modelode referência para a organização.

O modelo organizacional de gestão da escola por-tuguesa actual, definido pelo Decreto-Lei nº 115-A/98, de 4de maio, inclui o regime de administração e gestão das es-colas, a participação dos parceiros educativos e, especial-mente, o poder local na área da educação adquire uma ou-tra dimensão também ao nível das responsabilidades e par-tilha de poderes. Porém, é com as atribuições e competên-cias conferidas pela Lei-Quadro n.º 159/99, de 14 de se-

tembro, que esse ‘poder local’ ganha o estatuto de inter-venção na área da educação. Esta intervenção foi reforça-da pelo Decreto-Lei nº7/2003, de 15 de janeiro, no que con-cerne a Carta Educativa e ao Conselho Municipal de Edu-cação. Estes Conselhos Municipais de Educação (CME),designação que substituiu os anteriores Conselhos Locaisde Educação (CLE), foram criados para permitir a transfe-rência de competências da administração central para asautarquias, no que respeita ao ensino não superior, pelo quesurgem com o perfil de órgãos de coordenação territorialda política educativa. Sendo o CME uma instância de coor-denação e consulta que tem por objectivo a promoção, anível municipal, da coordenação da política educativa, arti-culando a intervenção dos agentes educativos e dos parcei-ros sociais interessados, é a este órgão que se lhe reconhe-ce um papel importante por receber propostas adequadasao aumento da eficácia do sistema, na promoção de solu-ções educativas e de respostas no sentido da satisfaçãodas expectativas da sociedade no que respeita à educaçãoe ao desenvolvimento (BANHEIRO, 2002; FERNANDES,2003).

Não obstante a reconhecida vontade autárquica ea abertura à descentralização, bem como da importânciado papel dos Conselhos Municipais de Educação (CME),registamos que o modo como se procedeu à transferênciade atribuições e competências para as autarquias, assimcomo a constituição dos CME, sob o figurino estatuído peloDecreto-Lei n.º7/2003 foi objecto de contestação públicadiversa, designadamente por estruturas sindicais de profes-sores.

Para além de se pronunciarem desfavoravelmentequanto ao conteúdo do diploma, designadamente no tocantea competências de análise do trabalho dos docentes e ca-pacidade de pronúncia sobre os projectos educativos dasescolas, também foram questionados e denunciados o pro-cesso de nomeações para a composição dos referidos CMEe a constituição de Agrupamentos de Escolas (2002-2003 e2003-2004) (SIMÕES, 2005). Verificaram-se mais recuosque avanços na política educativa nestes começos do sécu-lo XXI no que concerne a descentralização educativa, emoposição ao que havia sido orientação e prática das políti-cas educativas nos finais do século passado (VISEU et al.,2004, p. 397-400).

Efectivamente, na sequência da estrutura orgânicaemanada pelo Ministério da Educação, através do Decre-to-Lei nº 208/2002, de 17 de outubro, diploma então consi-derado como um dos pilares da regeneração da administra-ção educativa, a publicação do Decreto-Regulamentar n.º10/2004, de 28 de abril, que se esvaziou as CoordenaçõesEducativas de poder, em favor das Direcções Regionais deEducação (DRE). No ‘Preâmbulo’ deste diploma são atri-

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buídas às DRE “funções de administração desconcen-trada do sistema educativo”, cabendo-lhes um papel deintermediação, no pressuposto de que assim “contribuemdecisivamente para o sucesso da territorialização edu-cativa”. Ainda naquele Preâmbulo, podemos ler como éreforçada a descentralização administrativa nas DRE: “Àsdirecções regionais compete uma tarefa da maior im-portância em todo o processo de descentralização ad-ministrativa na área da educação, articulando a suaacção com a das autarquias locais” quer na elaboraçãodas cartas educativas, na participação nos conselhos muni-cipais de educação e na educação ao nível local.

Infere-se deste modo que se reforça o efeito da pro-ximidade e se valoriza a decisão na base do melhor conheci-mento das realidades locais pelos responsáveis das Escolase das Coordenações Educativas, designadamente nas rela-ções com as autarquias, e na efectiva afirmação da autono-mia. Contudo, os Coordenadores Educativos vieram a de-sempenhar um papel directo na constituição dos Agrupamen-tos de Escolas e na designação de representantes da educa-ção para os Conselhos Municipais de Educação (FERNAN-DES, 1999 a, b). Apesar de algumas virtualidades reconheci-das ao actual ordenamento jurídico de direcção e gestão deescolas, ele ficou a meio caminho, e aquilo que era o cerneda proposta do Conselho de Reforma do Sistema Educativo,ou seja o dotar as escolas de uma verdadeira direcção e au-tonomia, ficou adiado mais uma vez, mantendo-se disfarçadanum discurso de autonomia e participação a centralização econtrole pela administração, quase inalteradas nos seus as-petos essenciais (FERNANDES, 2003, p. 13).

Provavelmente estas fragilidades e constrangimen-tos organizacionais decorrem da dúbia autonomia dumamenor interiorização, do envolvimento direto dos potenciaisimplicados no processo – professores, alunos, pais/encar-regados de educação, autarquias -, designadamente na cons-tituição dos agrupamentos de escolas, no pressuposto deque a constituição desses agrupamentos resultasse de di-nâmicas locais e do levantamento rigoroso das necessida-des educativas, designadamente através das cartas escola-res concelhias, e no respeito pelo princípio regulamentar deque a iniciativa de constituição de agrupamento de escolas“cabe à comunidade educativa, através dos órgãos deadministração e gestão dos estabelecimentos interessa-dos, do município, bem como do diretor regional de edu-cação da respetiva área” (DECRETO REGULAMEN-TAR n.º 12/2000, de 29 de Agosto, art.º 5º, n.º1).

As autarquias não enjeitam de todo assumir o alar-gamento de competências, desde que advenham daí as de-vidas contrapartidas. A posição autárquica perpassa as rei-vindicações associadas aos propósitos e medidas efectivasde alargamento de atribuições e competências para a área

da educação, pretendendo contrapartidas de teor financei-ro que devem ser equacionadas com as intenções e funda-mentos dos decisores da política educativa. Com este qua-dro de necessidades e implicações, Matos (1996, p. 62)entende ser impossível o sucesso da política educativa “semque sejam conferidos, aos municípios, os meios finan-ceiros compatíveis com a exigência das responsabilida-des que lhes estão a ser cometidas pela AdministraçãoCentral”.

Neste sentido das resistências à participação dosmunicípios em áreas educativas, Fernandes (1999 a, p. 161)constata que essa intervenção tem resistências variadas,sejam em “interpretações distorcidas que construíramestereótipos municipais nada condizentes com as reali-dades vividas que pretendiam relatar e que tornam asrelações entre escola, município e governo um campoainda envolto em incompreensões e mal-entendidos.”Neste campo de relações entre o governo central, a escolae o município e da aplicação da política educativa referenteà gestão das escolas, verificou-se avanços e recuos nosúltimos anos, designadamente ao nível das disposições le-gislativas e das orientações avulsas (MATOS, 1996, p. 65).Em abono da verdade, as autarquias fazem hoje bastantemais do que a lei claramente determina, havendo um con-junto de competências morais que as Câmaras assumem eque vão muito para além da Lei (CANÁRIO, 2000, p. 128-130).

O que, de facto, se alterou foi a política municipalde investimento na educação, a sua nova imagem peranteos munícipes e as crescentes relações de cooperação hori-zontal ente escolas e câmaras municipais / juntas de fre-guesia. Esta proximidade dos actores sociais à escola e àeducação origina um envolvimento das autarquias na ges-tão das políticas educativas locais, com um significativocontributo à qualidade da educação e de promoção da coe-são social e da eficácia da escola. Esta participação e alar-gamento de intervenção das autarquias na educação susci-taram reacções de exigências de clarificação e contrapar-tidas por parte de autarcas, e de protesto, nomeadamentepor parte dos professores (SIMÕES, 2005).

Haverá, pois, que redefinir com clareza e rigor oslimites de intervenção do poder local na educação, já que oreforço da dimensão local da escola exige alterações nosmodos de regulação, organização e boas práticas de gestão(BARROSO, 2000, p. 209). O cenário educativo actualcaracteriza-se pela implementação da autonomia das esco-las com entrosamento na complexidade do desenvolvimen-to da territorialização educativa. Também consideramosimportante perceber em que medida se perspectiva o de-senvolvimento ‘da territorialização educativa’, no exercícioda autonomia escolar com a participação das autarquias

100 Revista do Centro Universitário Moura Lacerda

locais (VALENTE, 1998, p. 12-13). O processo de transfe-rência de competências para as escolas, no quadro da suaautonomia, deve ser articulado com as medidas a tomarnos seguintes domínios: reorganização e redefinição funci-onal do aparelho de Estado, a nível central e regional; pro-cesso de transferência de competências para as autarqui-as; e co-responsabilização da sociedade local na prestaçãodo serviço público de educação nacional, através de múlti-plas parcerias socioeducativas.

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102 Revista do Centro Universitário Moura Lacerda

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MONTAGEM 103

ResumoO artigo pesquisou e discutiu o bullying e sua possível

influência na formação da personalidade, tendo, comoprotagonistas, as crianças das turmas de Educação Infantil.A pesquisa foi realizada por meio da abordagem direta,envolvendo crianças, responsáveis, professoras,orientadoras educacionais e pedagógicas de seis turmas,em duas escolas públicas da rede municipal de Duque deCaxias e Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro. Na revisão deliteratura, dialogamos com os autores, que nos apresentama personalidade das crianças e as fases pelas quais passam,e a influência vinda por meio da convivência com os adultos.Com a autorização da pesquisa, organizamos encontros comas professoras das turmas de Educação Infantil,Orientadoras Educacionais e Pedagógicas, repassando osobjetivos, discutindo o assunto e propondo estratégiaspreventivas para combater o bullying. Convidamos osresponsáveis pelas crianças para reuniões, esclarecendosobre o que seria o bullying, os sinais que as criançaspoderiam demonstrar, caracterizando estarem sendo vítimasou até mesmo agressores. Aplicamos a pesquisa, em formade questionário, para todos os grupos envolvidos, baseadosno formulário elaborado pela instituição inglesa Kidscape.Concluímos que se torna urgente a melhor discussão doassunto nas escolas e a implementação de projetospreventivos, voltados para o público das turmas de EducaçãoInfantil, objetivando a minimização do problema e a expansãoda cultura de paz.

Palavras- chave: Bullying; Educação Infantil; Pesquisa.

BULLYING IN EARLY CHILDHOODEDUCATION: INFLUENCE ON THE

FORMATION OF PERSONALITYAbstract

The article researched and discussed the bullyingand its possible influence on the formation of personality,having as protagonists, children from Early ChildhoodEducation classes. The survey was conducted by directapproach, involving children, guardians, teachers, educational

BULLYING NA EDUCAÇÃO INFANTIL:SUA INFLUÊNCIA SOBRE A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

Rosangela Baptista da Silva ARAUJO*

Sissi A. Martins PEREIRA**

and pedagogical guiding six classes in two public municipalschools of Duque de Caxias and Nova Iguaçu, in Rio deJaneiro. In the literature review, we dialogue with the authors,we present the personality of children and the stages throughwhich they pass, and the influence coming throughinteraction with adults. With the authorization of the research,we organize meetings with the teachers of the classes ofChild Education, Educational and Pedagogical Advisers,passing the goals, discussing the matter and proposingpreventive strategies to combat bullying. We invite thoseresponsible for the children to meetings, clarifying on whatwould be bullying, signs that children could demonstrate,featuring are being victims or even perpetrators. Appliedresearch in the form of questionnaire for all groups involved,based on the format established by the British institutionKidscape. We conclude that it is urgent to the best subjectof discussion in schools and the implementation of preventiveprojects aimed at the public of Early Childhood Educationclasses, aiming to minimize the problem and the expansionof the culture of peace.

Keywords: Bullying; Childhood Education; Research.

INTRODUÇÃO“Bullying, palavra do inglês que significa intimidar/

amedrontar, cujas principais características são a agressãofísica, moral ou material, sempre intencional e repetida váriasvezes, sem uma motivação específica” (OLWEUS,p.197). Está sendo disseminada assustadoramente nosúltimos anos, apontando que tal fenômeno vem se alastrandoem função do mau uso da Internet e/ou da relação socialconturbada.

Essa prática vem comprometendo o desempenhoescolar e o convívio social de vítimas e agressores, e,dependendo do tempo e grau das agressões, podeminfluenciar comportamentos futuros e a formação dapersonalidade dos envolvidos.

Pretendemos, neste artigo, demonstrar quaisvariáveis podem levar a criança de menor idade, pelainfluência dos adultos, da mídia ou por si própria, a maltrataralguns colegas de forma persistente, levando à criação deconflitos. Objetivamos pesquisar sobre o início do processode bullying e se este pode ser observado já na EducaçãoInfantil.

* Pós-Graduada do Curso de Educação Infantil UFRRJ, graduada emPedagogia, docente do quadro permanente dos municípios de Duque deCaxias e Nova Iguaçu ([email protected])** Doutora em Psicomotricidade, Professora do curso de Educação Física,Departamento de Educação Física e Desportos da Universidade FederalRural do Rio de Janeiro ( [email protected]).

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REVISÃO DE LITERATURA

A personalidade da criançaSegundo a teoria Piagetiana, a criança passa por

várias etapas em seu desenvolvimento: sensório-motora, quevai do nascimento aos dois anos, pré-operatória, dos doisaos sete anos, operatório- concreto, dos sete aos onze anos,e operatório –formal, dos doze anos em diante.

O egocentrismoObservando o nascimento das questões morais na

criança e seu juízo sobre as regras impostas, Piaget as estudaa partir das brincadeiras e jogos.

Piaget (op. Cit.) denomina a fase que vai dos dois aoscinco anos de idade como egocentrismo, e destaca nessafase o duplo caráter de imitação dos outros e da utiliza-ção individual dos exemplos recebidos. Essa fase temcomo pontos centrais, a fantasia e a imitação, quando tudoo que é fantasia ou simbolismo individual ficaincomunicado: desde que a partida se volte ao jogo daimaginação, cada um evoca suas imagens preferidas, semse importar com as do outro... ao contrário, desde que hajaimitação recíproca, existe um começo de regra... esta obser-vação conduz, então, ao estágio do egocentrismo, no de-correr do qual a criança aprende as regras do outro, mesmoas praticando de maneira fantasiosa. ( Idem, p. 38).

As etapas da construção do euSegundo DANTAS( 1992), em um estudo acerca

de Wallon1, a construção do “eu” estaria ligada à existênciade duas fases: uma de predomínio afetivo e a outra depredomínio da inteligência. Wallon denomina a fase que vaidos dois aos quatro anos de idade de sensório-pejorativo,fase esta em que a criança começa a conhecer-se de forapara dentro. Inicia-se a conquista da inteligência, adquiridaatravés de suas observações e não imitações vindas peloconvívio com os mais velhos e adultos, opondo-se à teoriade Piaget (op. Cit). As agressões não teriam conotaçãopejorativa. Deixar transparecer um caráter explosivo eocorrência de conflitos seriam, para Wallon, completamentenormais na criança, ativadoras da personalidade. “Mesmodentro da normalidade, estados passionais momentâneos,cansaço e intoxicação, podem barrar as fronteiras precáriasque separam o mundo interno do mundo externo( p.95).

Ainda conforme a autora, Wallon define que, na fasede quatro a seis anos, a criança exibe uma série demanifestações que vão desde a rebeldia e o negativismo àsedução do outro e, depois, sua imitação, precisando deadmiração daqueles que a cercam. É necessário satisfazersuas necessidades orgânicas e afetivas, permitir a

manipulação da realidade, dando espaço para todas asmanifestações. Passada essa fase, poderá, então, transpor-se para o plano da inteligência.O comportamento infantil e as mudanças sociais

Corsaro (2011) nos alerta como as crianças sãoafetadas pelas recentes mudanças sociais na família, emque novos comportamentos infantis estariam ligados “aoaumento dos índices de divórcios, ao crescimento do númerode famílias monoparentais e mistas, ao aumento donascimento de filhos fora do casamento e à crescente lacunaentre ricos e pobres” ( p.98).

O autor enfatiza que o desenvolvimento do humordas crianças estaria ligado ao quanto se divertem a partirda realização de ações proibidas pelos adultos. “Elas sãocapazes de expressar diversão com suas própriastransgressões” (idem, p.101). Uma das características dospares infantis é desafiar a autoridade do adulto, e issocomeça muito cedo.

Corsaro (2011) faz referências, também, a Dunn 2,psicóloga, estudiosa de crianças pequenas dentro de suasfamílias. Em sua pesquisa, encontrou fortes evidências deum rápido aumento do comportamento de afirmação e deresistência em crianças, a partir do segundo ano de vida, aolidarem com pais e irmãos. Esse comportamento levaria aconflitos e à demonstração de emoções, relacionando essesdados com a descoberta do mau comportamento e comoforma de obter controle sobre os pais (p.98).

Lareau (2003) acredita que a diferença na maneirade educar as crianças, nas classes média e pobre, podecontribuir com o aumento da agressividade. Tendo por baseuma pesquisa etnográfica realizada com famílias brancas enegras de classe média e classe operária, o resultado revelouque pais e mães, negros e brancos da classe média,estimulavam e valorizavam ativamente os talentos ehabilidades dos filhos; não hesitavam em intervir em nomede sua prole, “realizavam todos os esforços para estimularsuas crianças a se desenvolverem, a criar bons hábitos ecultivar suas habilidades cognitivas e sociais” (p. 238). Ospais de classe pobre (tanto brancos quanto negros) viam odesenvolvimento das crianças como algo espontâneo,contanto que elas recebessem conforto, comida e abrigo.As crianças deveriam brincar com seus irmãos e primosem volta do quintal da casa, obedecendo sem discutir àsordens vindas dos adultos. “Os pais eram muito autoritárioscom seus filhos, utilizando ordens, e xingamentos, paramantê-los na linha. Não toleravam o desrespeito e o maucomportamento. Nos encontros institucionais, raramenteintervinham e atribuíam responsabilidades aos profissionais.

1 Wallon, Henry .França, 1879-1962. Filósofo, médico e psicólogo. Defineo desenvolvimento infantil por uma sucessão de estágios, em um processoassistemático e contínuo.

2 Dunn, Judith. Estados Unidos, PHD em Psicologia e Psiquiatria,desenvolveu, em 1988, através de pesquisas e entrevistas, um trabalhosobre o comportamento das crianças na vida familiar.

MONTAGEM 105

Quando tentavam intervir, sentiam-se intimidados e malcompreendidos” (idem p. 238).

A importância dessas pesquisas aponta as práticasda classe média, independentes de sua etnia, quanto àeducação das crianças, em uma noção emergente deautorização e em uma melhor chance de manter ou melhorarsuas posições de classe. Quanto às crianças de classespobres (de famílias brancas e negras), desenvolviam umanoção de restrição às regras e resignação às limitações desuas circunstâncias de vida.

ConceitoAo ouvirmos falar sobre bullying, acreditamos ser

o termo utilizado a partir do século XXI; no entanto, já nosanos 90 do século passado, alguns autores já o conceituavam:“O bullying constitui-se em uma subcategoria bemdelimitada de agressão ou comportamento agressivo,caracterizado pela repetitividade e assimetria de forças”(MORAES, 2010). Também pode ser definido como formadiscriminatória e excludente, praticada por alguns grupos.“É um comportamento agressivo e persistente, com aintenção de causar dano físico ou moral em um ou maisestudantes que são mais fracos e incapazes de sedefenderem” (idem). Fica claro, também, o fato do bullyingser realizado por aqueles que de alguma forma queremmostrar-se superiores e, através dessa ação, tentamprovocar o sofrimento das minorias. (idem)

Podemos afirmar que o bullying sempre existiu.Atualmente, com o fenômeno tecnológico das redes sociais,tais práticas apenas se evidenciaram. “O bullying é um

fenômeno tão antigo quanto a própria instituiçãodenominada escola. No entanto, o tema só passou a serobjeto de estudo científico no início dos anos 70" (SILVA,2010, p. 111).

Consequências do bullyingSegundo Silva, as reações perante o bullying são as

mais diversas: uns se calam diante do problema, outros levamos traumas sofridos na infância e adolescência para a vidaadulta, e ainda há aquele grupo que pode desenvolvertranstornos psiquiátricos e os que apresentam quadro clínicocompatível com transtornos do desenvolvimento (p. 76).

Silva demonstra grande sensibilidade e repúdio à práticado bullying, afirmando que as consequências sofridas pelasvítimas podem ser irreversíveis, principalmente se ocorridasna infância.”Não existe sucesso ou qualquer realização materialou profissional que apague o sofrimento vivenciado por umacriança ou adolescente afetado pela violência do bullying. Todoscarregam consigo a cicatriz desta triste experiência, e a marcatende a ser mais intensa quando mais cedo ela ocorre e porquanto mais tempo ela persista”(p. 82).

Bullying na educação infantil: a influência dos adultosPodemos dizer que, ao sair da fase do egocentrismo,

a criança já absorve diversos estímulos externos, vindosatravés de brincadeiras com outras crianças, ou de seucontato com os adultos, ocorrendo, aí, o início da socialização.Nesta fase percebemos, em alguns momentos,comportamentos agressivos intencionais que, no entanto, nãoapresentam continuidade (cit. Dantas, em estudos sobreWallon p. 13).

Segundo Piaget(1994), a criança, em sua faseegocêntrica, realiza ações baseadas em exemplos vindosdos adultos. O verdadeiro socius do jogador desse estágionão é o parceiro em carne e osso, mas sim o mais velho,que ele se esforça interiormente por imitar (p. 43).

Para o teórico, o adulto exerce força coercitiva, daqual a criança não consegue se desvencilhar.

A rigor, é possível estudar a observância prática dasregras; percebe-se que a criança sente e interpreta para siessas regras. Ela assimila inconscientemente o conjunto dasrecomendações às quais é submetida. Isto é particularmentenítido entre os pequenos, para os quais o constrangimentoexercido pelos maiores evoca a própria autoridade adulta(Idem, p.50)

Diante do fenômeno bullying, torna-se difícil comprovaro que realmente seriam de fato atitudes espontâneas, vindasdas crianças das turmas de Educação Infantil. A criança estámergulhada, desde os primeiros meses, numa atmosfera deregras, e torna-se, a partir daí, extremamente difícil discernir oque vem dela própria (idem p. 51).

A informatização do brincar e o aumento da violênciainfantil

Trevisan (2005) afirma que a criança carregamarcas culturais passadas pela família e pela sociedade,pela mídia e pela tecnologia (especialmente de Informática)com a qual convive.

A autora nos apresenta as várias mudançasocorridas em função do mundo tecnologizado, tanto dosadultos como das crianças, através dos DVDS, jogoseletrônicos, etc., chegando aos pequenos até mesmo pelapirataria.

Atualmente, a realidade chega às crianças demaneira muito rápida e precoce, cabendo aos pais eeducadores conhecer o que a tecnologia e os meios decomunicação estão vinculando para acesso aos pequenos.

METODOLOGIA

Modelos de estudoA presente pesquisa se refere a um estudo

qualitativo, que busca obter informações sobre a ocorrência

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de bullying nas classes de Educação Infantil.Pesquisa Qualitativa compreende um conjunto de

diferentes técnicas interpretativas que visam descrever edecodificar os componentes de um sistema complexo designificados. Tem por objetivo traduzir e expressar o sentidodos fenômenos do mundo social; trata-se de reduzir adistância entre indicador e indicado, entre teoria e dados,entre contexto e ação (NEVES, 1996)

PopulaçãoAlunos de turmas de Educação InfantilResponsáveisDocentes de turmas de Educação InfantilOrientadores EducacionaisOrientadores Pedagógicos

ProcedimentosConsiderando-se a pequena faixa etária das crianças

objeto da pesquisa, optamos em nosso projeto pela realizaçãode uma abordagem direta, feita através de entrevistas eobservações aos responsáveis das turmas de EducaçãoInfantil das escolas participantes e preenchimento dequestionário, tabulação dos resultados e análise dos mesmos.

Inicialmente, selecionamos os locais onde apesquisa poderia ser aplicada. Elegemos duas escolas darede pública dos municípios de Duque de Caxias e NovaIguaçu, situadas na Baixada Fluminense, Rio de Janeiro.Apesar de serem cidades da mesma região, possuemcaracterísticas distintas, atendendo, em suas escolasmunicipais, crianças de diversas camadas sociais. Fizemoscontato e, a partir da concordância em participação napesquisa, realizamos reuniões de sondagem com osprofissionais envolvidos, a fim de avaliarmos a possívelexistência do problema.

A segunda etapa consistiu em solicitarmosautorização dos responsáveis para que as crianças pudessemparticipar da pesquisa.

Em seguida, realizamos observação direta dosalunos, percebendo comportamento, grau de interação esocialização durante as atividades em sala de aula eextraclasse (recreio, recreação e aulas de Educação Física),interagimos com as diversas turmas, através da contaçãode histórias abordando a relação entre crianças no ambienteescolar (CASADEI, Silmara) e, ainda, entrevistas individuaisfeitas com alguns alunos observados durante a pesquisa,utilizando a dinâmica do naufrágio( se você estivesse emum barco, o mesmo afundasse e você pudesse salvar algunsde seus colegas, quem você salvaria? Por quê? Quem vocênão salvaria? Por quê?, sendo entregue a cada criança umapequena réplica de um barco, com alguns bonecos( domíniopúblico)

No terceiro momento, apresentamos palestrasexpositivas, com todos os envolvidos, elucidando sobre oque seria bullying, possíveis sinais de ocorrência do fato ecomo pais e mães poderiam colaborar com as crianças e aescola para solucionar o problema, sendo o assunto discutidoentre os participantes, apontadas sugestões para minimizaçãodo fato e, posteriormente, o preenchimento de umquestionário modelo, respondido por seis docentes, noveorientadoras pedagógicas e educacionais, e tinta e oitoresponsáveis, realizando em seguida a coleta de dados e atabulação dos resultados.

O instrumento para pesquisa se refere a umquestionário elaborado pela instituição inglesa KIDSCAPE,que há anos se dedica ao tema bullying.

O estudo segue as normas da Resolução 196/96, doConselho Nacional de Saúde, que orienta a realização depesquisas com seres humanos.

A presente pesquisa foi apresentada ao Comitê deÉtica da UFRRJ.

Resultados e discussãoA pesquisa, realizada de forma direta, foi feita com

cento vinte crianças, trinta e oito responsáveis, seis docentese nove Orientadoras Pedagógicas e Educacionais, nos doismunicípios pesquisados, obtendo alguns resultadossignificativos.

Com a palavra, as criançasEm nossa pesquisa com as crianças percebemos,

em diversos momentos, intimidações e agressõesintencionais por parte de alguns alunos das turmas deEducação Infantil. As possíveis vítimas apresentavamvariados tipos de sentimentos. Alguns tentavam revidar e,em atitude de defesa, confundiam-se muitas vezes com oagressor.

Aqueles que são agredidos demonstram atitudes quepoderiam ocasionar distúrbios comportamentais futuros, pelamaneira como eram tratados por alguns colegas.

Percebemos, ainda, certa influência vinda dos adultos,em relação àquelas crianças que poderiam ser vistas comopossíveis agressores. Ao ser questionado por maltratar algumascrianças, um aluno diz: “ eles são muito bobos, vivem chorando.Homem não chora. Meu pai não chora. Ele disse para eu brincarcom outros colegas”( aluno de 6 anos de idade)

A visão dos adultos e profissionais de ensinoAnalisando o resultado das pesquisas, observamos

que a intimidação e a agressão iniciam-se na fase pré-operatória, concentrando-se a partir dos seis anos de idade,conforme descreve Piaget (1994), percebendo-se que asações são comprovadas tanto nas respostas dadas pelos

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profissionais quanto pelos responsáveis e nas observaçõesdiretas com as crianças, ainda que possa haver certadiscordância, quando o autor afirma não haverintencionalidade nessa fase. “Ainda não há raciocínio lógicoe as ações para ela ainda são irreversíveis” (p.35), tendoem vista constatarmos, em algumas atitudes, indícios depremeditação.

A pesquisa também confirma as conclusões dePiaget sobre a criança fantasiar e imitar, principalmente osadultos. “O verdadeiro socius do jogador desse estágio nãoé o parceiro de carne e osso, mas o mais velho, que ele seesforça interiormente por imitar” (idem p. 43).

As profissionais de ensino entrevistadas, em suamaioria, afirmam já ter observado atitudes de intimidação eagressividade entre alunos das turmas de Educação Infantil,e que essas intimidações aconteceriam a partir dos cincoanos de idade, podendo ser chamadas de bullying, tendo emvista as ocorrências serem constatadas por diversas vezes.Afirmam, ainda, que a ausência de adultos junto às criançascontribuía para a ocorrência das agressões, que geralmenteaconteciam em locais onde os alunos e alunas costumavamestar sozinhos.

Ainda segundo a opinião dos pesquisados, pais emães seriam os maiores responsáveis pelas atitudes dascrianças, e a agressividade envolveria, na maioria das vezes,os meninos, sendo também aqueles que mais agridem.

A pesquisa Nacional de Saúde escolar (Pense), do Insti-tuto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizadaem 2009, publicada pela ABRAPIA, em 2010, constatou

que quase um terço dos alunos entrevistados(30,8%) em1.453 escolas públicas e privadas de todas as capitaisbrasileiras e do Distrito Federal já foram vítimas de agres-sões nas escolas. Os dados colhidos pela pesquisa mos-tram, ainda, que a ocorrência foi verificada em maior pro-porção entre estudantes de escolas privadas(35,9%) e dosexo masculino(32,6%).

O que dizem os paisDos trinta e oito responsáveis entrevistados,

dezesseis perceberam casos de intimidação e agressãosofridos por suas crianças, observando que tais intimidaçõesocorrem a partir dos quatro anos de idade.

Segundo relato dos responsáveis, após asintimidações as crianças apresentaram atitudes diversassobre os sentimentos posteriores ao fato. Algumas seincomodaram, outras, opostamente, não desejavam sequerir à escola; no entanto, a maioria acredita que taiscomportamentos não teriam consequências futuras na vidade seus filhos e filhas.

Os responsáveis, assim como as profissionais deensino, acreditam que a culpa pela agressividade dascrianças seria atribuída a seus pais e mães. Em sua opinião, de quem é a culpa, se a intimidaçãoe a agressão continuam acontecendo? Os responsáveisapresentaram as seguintes respostas:

de quem agride- 06 dos pais- 14 direção- 03professores- 02

do agredido- 0 dos outros alunos- 01 nãoresponderam – 12

0

2

4

6

8

10

12

14

Gráfico - Culpa pela agressão:

(fonte de pesquisa)

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CONSIDERAÇOES FINAIS

Ao escolhermos o tema, Bullying na EducaçãoInfantil , tivemos como ponto de partida a observação diária,em turmas daquela faixa etária, em duas escolas da redepública, nos municípios de Duque de Caxias e Nova Iguaçu,de crianças envolvidas em ocorrências agressivas, quepoderiam levar a consequências indesejáveis ou, até mesmo,a ocasionar transtornos de personalidade.

Realizamos a pesquisa nas escolas mencionadas eem alguns grupos de estudos com técnicos e docentes,objetivando maior conhecimento sobre o tema. Sugerimosdiscussões e debates sobre a matéria, e a implantação deprojetos pedagógicos preventivos, voltados às crianças dasturmas de Educação Infantil.

Em nossa revisão de literatura, dialogamos comteóricos, como Piaget, Wallon, Lareau, Corsaro e Silva,realizando pesquisas através da abordagem direta, comespecialistas em Educação, docentes, responsáveis e aspróprias crianças, chegando a algumas conclusões.

As crianças objeto da pesquisa se encontravam nafaixa etária entre cinco e seis anos de idade, e percebemosque algumas já canalizavam a agressividade para algumgrupo ou um determinado colega discriminatoriamente, sendoconstatado indiretamente, em algumas entrevistas, que taispráticas seriam adquiridas por meio da influência dos adultos,principalmente os pais, mães ou responsáveis. No entanto,de acordo com as observações e entrevistas realizadas,essas crianças teriam ciência de que seus atos não poderiamchegar ao conhecimento dos adultos, porque seriamcastigadas das mais diversas formas, fato que justifica asintimidações acontecerem em sala de aula, nos momentosem que a professora não estaria presente, ou em locais semvigilância constante, como banheiros e refeitórios, ou duranteas brincadeiras, nos horários de recreio.

Não podemos afirmar que os sentimentosexpressos durante as observações e entrevistas sejamperenes ou apenas emoções passageiras, tendo em vista ocurto período de observação (cerca de três meses); porém,percebemos que o sofrimento do aluno ou aluna, no momentoda intimidação ou agressão, é verdadeiro.

As possíveis “vítimas” se queixam de, em algumasocasiões, serem confundidas com os “agressores”, diantede algumas atitudes (quando revidam as agressões ou seapoderam de alguns objetos daqueles que os agrediram),ou de serem ignoradas pelas professoras que, emdeterminados momentos, incitam os alunos a “tomarematitudes” para com seus agressores (“bateu, bate também”).

Conforme a pesquisa, alguns pais e mães não têmconhecimento dos fatos, por não poderem acompanhar avida escolar de seus filhos. Aqueles e aquelas que percebem

que seus filhos ou filhas sofreram algum tipo de intimidação,em sua maioria acreditam que os fatos não deixarão sequelasou consequências mais graves, delegando a responsabilidadedos atos de intimidação ou agressão cometidos pelas criançasa seus pais e mães. Por outro lado, responsáveis que admitemsaber que seus filhos ou filhas poderiam ser possíveisagressores afirmam não deixar impunes os atos cometidospelas crianças.

Nas escolas pesquisadas, constatamos que os casosde agressividade ocorreriam muito mais com os meninos doque com as meninas, que demonstram, em alguns momentos,comportamento de conformismo.

Em linhas gerais, segundo dados da pesquisa,concluímos que o fenômeno bullying já vem acontecendonas turmas de Educação Infantil e aumentandogradativamente, havendo diversas variáveis que podemcontribuir para a deflagração da agressividade: acesso aprogramas televisivos de conteúdo inadequado, jogoseletrônicos, Internet e a influência dos adultos.

As crianças (possíveis “vítimas” e “agressores”)têm consciência de seus atos. Aqueles que intimidam (apósestudos de caso e entrevistas com OrientadorasEducacionais), aparentemente demonstram arrependimento,não querendo repetir seus atos. Os intimidados sofrem coma agressão, tomando atitudes imediatamente após o fato,não sendo observadas “vinganças” posteriores.

Tanto um grupo quanto o outro deveriam serobservados em seu cotidiano escolar, sendo objeto depesquisas em médio e longo prazo, visando à constataçãoda influência do bullying na formação de sua personalidade,propondo-se ainda a implantação de medidaspreferencialmente preventivas, minimizando o problema.

Sugerimos que a escola promova discussões edebates sobre o assunto com seus profissionais,apresentando propostas para criação de projetos envolvendoo tema; mantenha aberto o canal de diálogo com a família,apontada , segundo a pesquisa, como maior responsável pelasatitudes negativas cometidas pelas crianças, não se limitandoà aplicação de sanções aos alunos e atendimentosesporádicos do Serviço de Orientação Educacional, ouapenas convocando os pais e mães para comunicar-lhes os“delitos” cometidos por seus filhos e filhas, devendo proporparcerias e apontar diretrizes que possam ser seguidas afim de minimizar a recorrência de tais comportamentos.

Torna-se necessário que todos os segmentosenvolvidos debatam entre si e determinem o papel de cadaum na educação e socialização dos pequenos e pequenas,proponham a expansão de projetos lúdicos, voltados àsturmas de Educação Infantil, diminuindo a agressividadecrescente em um esforço conjunto, a fim de que nossascrianças vivenciem plenamente cada fase de sua vida.

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REFERÊNCIAS

ABRAPIA, Associação Brasileira Multiprofissional deProteção à Infância e Adolescência. Bullying, brincadeiraou violência na Escola? Brasília, 23/09/2010

BANDEIRA, Claudia de Moraes. As Implicações dobullying na autoestima de adolescentes. Revista Semestralda Associação Brasileira de Psicologia Escolar eEducacional, São Paulo, 2010, p.131

CASADEI, Silmara Rascalha..Bullying não é amor! SãoPaulo: Cortez Editora, 2011

CORSARO, William A. Sociologia da Infância. 2ª edição.Porto Alegre: Editora Artmed, 2011.

DANTAS, Heloysa Teorias Psicogenéticas emdiscussão: A afetividade e a construção do sujeito naPsicogenética de Wallon. São Paulo: Editora Summus, 1992.

FANTE, Cléo. Fenômeno bullying - como prevenir aviolência nas escolas e educar para a paz São Paulo: EditoraVerus, 2010.

KIDSCAPE, instituição não governamental, prevenção aobullying e proteção às crianças, questionário de pesquisa,Reino Unido, 1985.

LAREAU, Anette.Infâncias desiguais: classe, raça evida familiar. Estados Unidos, Edições Kindle, 2002

NEVES, José Luis. Características da Pesquisa Qualitativa.Caderno de pesquisas em Administração, São Paulo,V. 1, nº 3, 2º sem., 1996

OLWEUS, Dan, Bullying at school, Estados UnidosBlackwell Publishing, 1993

PIAGET, Jean. O Juízo Moral na Criança. São Paulo:Summus, 1994.

SANTOMAURO, Beatriz. Cibber bullying, ViolênciaVirtual. Revista Nova Escola. São Paulo, Editora Abril,2010, p. 66.-..

SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Bullying- MentesPerigosas na Escola. Rio de Janeiro: Editora Fontanar,2010.

TREVISAN, Raquel Pigatto. O Brincar no cotidianoescolar da Educação Infantil: criar e recriar de cultura ede aprendizado, dissertação de Mestrado, semfinanciamento, Rio Grande do Sul, 2005, p. 33.

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MONTAGEM 111

ResumenLos planteamientos y reflexiones que aquí se

expondrán son el resultado de la inquietud surgida en loscomienzos de mi vida como docente de Educación mediaen nuestro país y que ha trascendido hasta ahora en mipapel de mediadora en la educación universitaria. A partirde esto conduje mis estudios para acercarme a lasexplicaciones que intentan clarificar las razones de laexistencia de aquellas concepciones y más aún persistentesen alumnos en contacto con la educación formal durantevarios años. A través del presente artículo presentaremos,en primer lugar, la definición de concepción desde nuestraperspectiva, así como algunos datos importantes en cuantoa los diversos términos con los que son conocidas lasconcepciones. En segundo lugar, nos referiremos a lapanorámica en cuanto al momento en que comenzó ahacerse alusión a las concepciones y la difusión de algunosestudios, incluyendo varios sobre concepciones en el campode las ciencias naturales. Después discutiremos el aspectocentral de nuestro trabajo exponiendo la posición de autoresque sostienen que las concepciones facilitan el proceso deenseñanza y aprendizaje y aquellos que, por el contrario,sostienen que las concepciones no ayudan dicho proceso.Finalmente, se presentará una reflexión en cuanto a laposición que debemos asumir frente a las concepciones ycuál es el papel que éstas juegan en el proceso de enseñanzay aprendizaje de las ciencias naturales.

Palabras Clave: Concepciones, enseñanza, aprendizaje,ciencias naturales

CONCEPTIONS ON THE TEACHING ANDLEARNING OF NATURAL SCIENCES DO THEY

HELP OR HINDER?

AbstractApproaches and insights that will be presented here

are the result of concerns that emerged in the beginning ofmy life as a middle school teacher in our country and thathas transpired so far in my role as a mediator in universityeducation. From this drove my studies to get closer to theexplanations that attempt to clarify the reasons for theexistence of those preconceptions and even more persistentin contacting students in formal education for several years.

LAS CONCEPCIONES EN LA ENSEÑANZA Y APRENDIZAJE DE LAS CIENCIAS NATURALES¿AYUDAN O ENTORPECEN?

Rebeca E. RIVAS M*

Through this article we will present, first, the definition ofpreconception from our perspective, as well as someimportant information regarding the various terms that areknown preconceptions. Second, we will refer to thepanorama as to when they began to make reference to thepreconceptions and dissemination of studies, including anumber of assumptions in the field of natural sciences. Wewill discuss the focus of our work exposing the position ofauthors who argue that the preconceptions facilitateteaching and learning process and those who, by contrast,argue that preconceptions do not favor this process. Finally,we present some thought as to the position that we musttake off the preconceptions and what role they play in theteaching and learning of science.

Keywords: Conceptions, teaching, learning, science

“...estas ideas de los alumnos pueden depender en buenamedida de las características de la tarea utilizada y delas preguntas planteadas. Pueden no responder a unmodelo o representación no muy coherente y estable,sino más bien a una representación puntual y difusaque se crea sobre la marcha y en función del problemaque el alumno tiene que resolver.”1

IntroducciónEste articulo representa parte de la inquietud que

algunos docentes enfrentamos al ejercer nuestro rol demediadores entre los conocimientos generados por losespecialistas y los grupo de alumnos que tenemos a cargoen los diferentes momentos de nuestra vida académica. Esasí como los planteamientos y reflexiones que aquí seexpondrán son un tanto el resultado de una inquietud enparticular surgida en los comienzos de mi vida como docentede Educación media en nuestro país. En mis inicios comodocente en asignaturas relacionadas con las cienciasnaturales en reiteradas oportunidades surgieroninterrogantes al tratar de conocer y seguir las respuestasde los alumnos en cuanto a ciertos temas propios de dichasciencias. Para ese momento solo representaban dudas ymuy pocas respuestas en cuanto a mis inquietudes. Al llegara trabajar en educación superior empecé a percatarme quelos alumnos a mi cargo incurrían igualmente en definicionesun tanto pre científicas, confusas o pocas claras. A partirde allí quise conducir mis pequeños estudios en tratar deacercarme a las explicaciones para clarificar el porque de

* Maestría en Educación, mención Lectura y Escritura. Universidad deLos Andes.Docente de la Universidad de Los Andes. Facultad deHumanidades y Educación. Escuela de Educación.E-mail: [email protected].

1 Carretero, M., (2000). Construir y Enseñar (Las cienciasexperimentales). AIQUE: Argentina. P.23

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la existencia de aquellas concepciones y más aún existentesen alumnos que de alguna manera han estado en contactocon la educación formal durante algunos años. Es así, comoa través del presente capitulo trataremos de discutir dosposiciones encontradas a partir de estudios realizados porespecialistas en el campo de la enseñanza y el aprendizaje,muchos de los cuales se han centrado en la enseñaza y elaprendizaje de las ciencias naturales, que de alguna manerarepresenta el contexto de estudio de nuestro interés aquí.

Específicamente, a través del presente aportepresentaremos, en primer lugar, la definición de concepcióndesde nuestra perspectiva, así como algunos datosimportantes en cuanto a los diversos términos con los queson conocidas las concepciones. En segundo, lugar nosreferiremos un poco a la panorámica en cuanto al momentoen que comenzó a hacerse alusión a las concepciones y ladifusión de algunos estudios, igualmente mostraremosalgunos estudios sobre concepciones en le campo de lasciencias naturales. Pasaremos, luego, al aspecto central denuestro artículo en el que expondremos la posición deaquellos autores que sostienen que las concepciones facilitanel proceso de enseñanza y aprendizaje y aquellos otros que,por el contrario, sostienen que las concepciones no ayudandicho proceso. Para esto encontraremos a los especialitasque ven las concepciones como limitantes del mencionadoproceso y los que las conciben como ideas previas oconceptos científicos desde la perspectiva de los alumnos.Finalmente, cerraremos nuestro trabajo presentando unareflexión en cuanto a la posición que debemos asumir frentea las concepciones y cual es el papel que éstas juegan en elproceso de enseñanza y aprendizaje de las cienciasnaturales.

¿Qué son las concepciones? Otros términos.Cuando escuchamos o leemos sobre concepciones

generalmente lo relacionamos con las ideas o concepcionessobre un hecho o fenómeno científico que posee una persona,basadas en sus experiencias cotidianas y su capacidad deobservación, lo cual implica o deja de lado aquellas ideasque quedan en la mente del alumno durante su aprendizajeescolar; de hecho se hablar de concepciones cuando seestudia las nociones que poseen los alumnos al ingresar a aleducación inicial. Quisiera aclarar, que en el caso de esteartículo, entenderemos las concepciones como las ideas oconcepciones que poseen los alumnos antes y después desu contacto escolar.

Ahora bien, a medida que se han que se hanrealizado investigaciones en cuanto al conocimiento o lasideas que tienen los alumnos acerca del mundo sociocultural,encontramos una gran diversidad de términos para designardicho conocimiento. De este modo, estos “conocimientos”,

como lo señala Cubero, R. (1994), “...han recibido losnombres de: concepciones erróneas (misconceptions)(Helm, 1980), concepciones (preconceptions) (Novak,1977), ciencia de los niños (children´s science) (Gilbert,Osborne y Fesham, 1982); native frameworks(Driver,1981;Driver y Easley,1978), concepcionesalternativas (alternative conceptions) (Driver y Easley,1978) razonamiento espontáneo (spontaneus reasoning)(Viennot,1979), ideas ingenuas (naive ideas), ideaspreinstruccionales (pre-instructional ideas) (Novak, 1983),representaciones (représentations) (Giordan, 1978; y engeneral, en toda la literatura francesa), esquemasconceptuales alternativos (Driver y Easley, 1978), etc.”

Hasta ahora no existe un nombre común paraetiquetar a estos conocimientos. En el caso de nuestroartículo, hemos decidido utilizar el término de concepciones.Por su puesto que cada una de estos términos, si recurrimosa su origen tiene sus propias connotaciones, surgieron y sonutilizadazas, en la mayoría de las veces, respondiendo a laposición del especialista en cuanto a si estas ideas ayudan oentorpecen el proceso de aprendizaje del alumno. Vemosasí, como algunos autores, entre ellos diSessa, que adjudicana las concepciones como ideas incorrectas queindirectamente interrumpen o no permiten la construcciónde los conceptos científicos en la enseñanza aprendizaje delas ciencias naturales. Sin embargo, existen otros autores einvestigadores (Vosniadou, Brewer, Samarapungavan,Carey, Carretero entre otros), que no usan los términosseñalados, por considerar que estas ideas o concepcionesson incorrectas desde el punto de vista científico, pero nodesde el punto de vista del alumno ya que éstas simplementeindican la representación que el estudiante tiene delfenómeno en cuestión, en otras palabras sus ideas previas.Conversaremos sobre este último en un siguiente espacio,pero ahora expresaremos algunos datos en cuanto alsurgimiento de los estudios y su difusión respecto a lasconcepciones.

Desde cuando hablamos de concepciones. Algunosestudios

Como lo señala Driver (1989), citado por Carretero(2000), “...es a partir de los años setenta cuando lainvestigación sobre la enseñanza de la ciencia empieza ademostrar un interés creciente en los modelos conceptualesde los alumnos y no sólo en sus procesos de razonamientosobre contenidos científicos concretos. Sin embargo, es alo largo de los años ochenta cuando comienzan a proliferaren las revistas y monografías especializadas trabajos sobrelas ideas de los alumnos respecto de numerosos conceptoscientíficos, fundamentalmente, físicos tales como el defuerza, gravedad, velocidad, aceleración, electricidad, calor

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y temperatura...En la actualidad, y aunque en menor gradode los conceptos físicos, se han estudiado también conceptospertenecientes al campo de la química y la biología.”.

Así mismo, Carretero (2000) indica que los niveleseducativos en los que principalmente se han realizado losestudios en cuestión, corresponden a la enseñanza primariay a la secundaria (primera, segunda y tercera etapa deEducación Básica), aunque también son numerosos lostrabajos con estudiantes universitarios.

Como uno de los trabajos de investigaciónespecíficos sobre ideas o concepciones de los alumnospodemos citar el trabajo de Vosniadou y Brewer (1992)reseñado por Carretero (2000) acerca de los modelosmentales de los alumnos sobre la forma de la tierra y otrosaspectos cosmológicos, llevado a cabo con estudiantes deprimaria, el cual reflejó “cómo los alumnos puedenmantener representaciones incorrectas desde el punto devista científico, a partir de las cuales elaboran toda una seriede predicciones coherentes con el modelo que poseen. Así,por ejemplo, algunos de los estudiantes de los grados 3º y 5º(9 y 11 años) participantes en su estudio mantienen unmodelo según el cual la tierra es una esfera hueca. Cuandose les pide que dibujen la forma de la tierra, dibujan un circulo(respuesta aparentemente correcta) y explican que la tierratiene forma esférica u oval. Sin embargo si se les preguntadónde vive la gente, afirman que lo hacen dentro de la esferahueca...” (p.20)

Así mismo, Carretero (2000) hace referencia atrabajos realizados por Driver, 1985; Gabel, Samuel y Hunn,1987; Pozo y otros, 1991 en los que demuestran cómomuchos estudiantes tienen grandes dificultades paradiferenciar el cambio físico del cambio químico,especialmente cuando se trata de los aspectos microscópicoso relacionados con la conservación de la cantidad desustancia.

Igualmente, podemos encontrar el estudiopresentado por Baillo y Carretero (2000) en cuanto aldesarrollo del razonamiento y cambio conceptual en lacomprensión de la flotación en el que participaron 80 sujetos(20 niños de 10 años estudiantes de 4º grado, 20 adolescentesde 15 años estudiantes de 1º de bachillerato, 20 adultosestudiantes de 5º de psicología, que constituían el grupo denovatos en física y 20 adultos estudiantes de 5º de física,que fueron considerados el grupo de expertos en dichamateria). Las teorías previas de los sujetos fueronclasificadas en base a tres conceptos o explicaciones usadaspor los sujetos en estudio: la densidad, el material y peso,que no fueron más que explicaciones que dieron los sujetosbasadas ya fueran en la noción de los tres conceptosmencionados. Baillo indicó que los “...resultados sobre las

teorías previas de los alumnos de distintas edades coincidenbásicamente con los obtenidos por otros autores (Biddulphy Osborne, 1984; Carretero, 1984; Rowell y Dawson, 1977a y b; Smith, Carey y Wiser,1985).”

Podemos citar de la misma manera el trabajo deLópez M., (2000) que aparece en Carretero (2000), sobrela explicación teleológica en la enseñanza y aprendizaje dela biología. Este trabajo más que mostrar una relación delas ideas más comunes entre los estudiantes sobre herencia,genética, fotosíntesis, fisiología, entre otras, como su autoralo señala, consideró “...más interesente detectar losobstáculos epistemológicos que ofrece la biología comodisciplina para su aprendizaje y las características delconocimiento biológico,...”, en lugar como ya se dijo, “...deun mero listado de las ideas previas que mantienen.”. Estamisma autora hace referencia al trabajo de Songer y Mintzes(1994), quienes en esta línea, investigaron sobre cómo losestudiantes conceptualizan la respiración celular. Dichosautores encontraron que “que una de las dificultadesconceptuales que presenta la enseñanza de dicho tema esla falta de experiencia de los estudiantes con el pensamientoa nivel celular”

En cuanto a su propio trabajo López M., (2000)encontró que “Si los estudiantes antes de la instrucciónformal poseen concepciones que son principalmenteteleológicas, entonces pueden presentar dificultades parael aprendizaje de los mecanismos fisiológicos.”

Igualmente, López M., y Carretero (2000), realizaronuna investigación acerca de las teorías intuitivas sobre lagripe, el catarro y el sida y educación para la salud. Losautores hacen referencia de cómo la mayoría de las personastienen teorías sobre las causas y la mejor cura paradeterminadas enfermedades. En la investigaciónparticiparon 60 sujetos (20 médicos, 20 estudiantesuniversitarios y 20 sujetos con estudios secundarios). Losresultados encontrados indicaron que las diferencias entrelas teorías de los novatos y médicos eran menores conrespecto al sida que al catarro, lo cual podría suceder por elorigen de las teorías sobre la enfermedad. La autora nosdice: “mientras más experiencia se tenga con respecto auna enfermedad y ésta sea leve, habrá más diferencias entreel modelo profano y el médico. En el caso del sida, laexperiencia suele ser nula, de tal manera que el origen delos modelos suele ser del dominio médico. Mientras que enel caso de los catarros, fundamentalmente, la construcciónde las teorías sobre esta enfermedad es principalmenteinductiva, a través de la experiencia”

Apreciamos, entonces, por lo expuesto que losestudios sobre concepciones de la fecha hasta aquí se hanido desarrollando aproximadamente desde hace tres décadasy como muestra de ello les presentamos algunos de esos

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estudios. Nos gustaría ahora mostrar las dos posiciones queguardan los especialistas en cuanto a si esas concepcionesde las que venimos hablando ayudan o, por el contrario,entorpecen la enseñanza y el aprendizaje de las cienciasnaturales.

Dos posiciones: Las concepciones ¿ayudan oentorpecen?

El haber estado frente a varios grupos de alumnos,como ya lo había expresado, pertenecientes a educaciónmedia, orientando el aprendizaje de las asignaturas Estudiosde la Naturaleza y Biología, me permitió observar lasdiferentes concepciones que poseían los alumnos en cuantoa determinado concepto científico. Así mismo, en mis añosde docencia universitaria, me reiteró la existencia dediscrepancias entre las concepciones de los alumnos encuanto a los conceptos científicos, lo cual de alguna manerame motivó a querer indagar sobre la naturaleza de dichasconcepciones y, más aún, observar e investigar si estasrepresentan oposición o si ayudan al proceso de enseñanzay aprendizaje de las ciencias naturales.

Vemos, igualmente, que en la actualidad son muchoslos autores con el mismo interés en investigar en cuanto ala naturaleza de las concepciones. De acuerdo a esto, dichosinvestigadores asumen diferentes posiciones en cuanto alas mencionadas concepciones. Básicamente, he podidoevidenciar que existen dos posiciones en cuanto a lanaturaleza de las mismas. Por un lado, encontramos losespecialistas que defienden sus ideas sosteniendo que lasconcepciones son una limitante o conceptos erróneos parael aprendizaje de los conceptos científicos. Por otro lado,están los autores que indican que las concepciones no sonlimitantes o conceptos erróneos, sino por el contrariorepresentan las ideas previas de los alumnos o los conceptoscientíficos desde sus perspectivas.

Habiendo realizado estos planteamientos generalesveamos, entonces, algunos señalamientos puntuales quedefienden las dos posiciones mencionadas y que de ciertamanera reflejan varios de los términos utilizados paradesignar el conocimiento de los alumnos sobre losconocimientos científicos.

Comenzaremos por exponer algunos autores queexpresan que las concepciones son ideas incorrectas queimpiden la construcción correcta de los conceptos científicos,para luego presentar aquellos autores que sostienen unaposición opuesta, diciendo que las concepciones son ideasprevias de las que el alumno parte para construir el conceptocientífico. Dentro de la primera posición, aunque con maticesdiferentes entre los diversos autores, dicha posición esmantenida, entre otros, por el ya mencionado diSessa (1988,1993) quien indica que las ideas de los alumnos constituirían

un conocimiento fragmentario, carente de coherencia yconsistencia y desde luego, lejano de la sistematicidad queposee una teoría. Igualmente, diSessa (1988) indica encuanto al grado de estabilidad y consistencia de dichasconcepciones frente al cambio que “lo que cambian sonrepresentaciones inconexas y desintegradas (fragmentos quedenomina “p-prims”). La adquisición del conocimientocientífico implicaría un cambio estructural hacia lasistematicidad y no sólo un cambio de contenido”

Tenemos, así mismo, a Cubero y García (1994),citado por Gil P. (1994), quienes van más allá de lo señaladopor diSessa y no sólo consideran las “explicaciones cotidianasque se desarrollan fuera de los contextos académicos” comoconocimiento no científico, sino que hasta “...elconocimiento que se elabora en la escuela... aunque tienecomo marco de referencia el conocimiento científico, no esun conocimiento científico en sí, sino una elaboración deeste conocimiento que se ajusta a las características propiasdel contexto escolar”. En otras palabras, podría decirse queconsideran el conocimiento escolar como conocimientos nocientíficos.

Abimbola (1988), por su parte, distingue doscategorías de conocimiento que son considerados claramenteinferiores al conocimiento científico. Una, la cual correspondea los conocimientos que se evalúan como erróneos respectoa la ciencia de referencia y que se les llama “concepcionesfalsas o erróneas y la segunda categoría de conocimientocorresponde a los conocimientos cotidianos que sontrasmitidos de generación en generación y que se les llama“creencias o supersticiones.”

Sin embargo, existen otros investigadores(Vosniadou, Brewer, Samarapungavan, Carey, Carretero,entre otros), pertenecientes a la segunda posición, queconsideran que estas ideas o concepciones son incorrectasdesde el punto de vista científico, pero no desde el punto devista del alumno ya que éstas simplemente indican larepresentación que el estudiante tiene del fenómeno encuestión. En otras palabras son sus ideas previas a partir delas cuales se pueden construir los conceptos científicamenteadecuados. Vosniadou y Brewer (1992), citados porCarretero (2000, p.26), “...consideran que el conocimientoconceptual de los niños no es fragmentario y desconectadocomo proponen diSessa y Solomon (1983 a), sino que losniños son capaces de integrar la información que recibenmediante su experiencia o procedente de los adultos enmodelos mentales coherentes que utilizan de maneraconsistente”

Así mismo, Carretero (1996), nos dice “...aunquees cierto que estas ideas se contraponen o discrepan de laexplicación científica, muchas de ellas no son “ilógicas” y,en ocasiones, están basadas en representaciones

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alternativas que cumplen una función útil en elprocesamiento cotidiano de la información”.

Por su parte Ausubel, Novak y Hanesian (1983),citados por Díaz y Hernández (1998) aunque no hablandirectamente de las concepciones, dejan ver ciertaconcepción sobre las mismas al decir que “Durante elaprendizaje significativo el alumno relaciona de manera noarbitraria y sustancial la nueva información con losconocimientos y experiencias previas y familiares que yaposeen en su estructura de conocimientos o cognitiva”. Esdecir, Ausubel y sus compañeros hablan de las concepcionesen el sentido de conocimientos previos.

Pozo y Gómez (1998), al referirse a los procesosde construcción del conocimiento científico en contextosescolares desde el conocimiento cotidiano , específicamenteal hablar del proceso de reestructuración nos dicen que ésta“...implica construir una nueva forma de organizar elconocimiento en un dominio que resulte incompatible conlas estructuras anteriores...ese cambio conceptual ... seránecesario cuando la superación de las teorías alternativasen un dominio dado requiera adoptar nuevos supuestos...”.Como se observa estos autores al hablar de la construccióndel conocimiento científico, exponen la existencia de unconocimiento anterior o cotidiano o más específicamentenos hablan de la existencia de unas teorías alternativas quese corresponden en cierta medida con lo que son lasconcepciones científicas.

Miras, M (1995), al referirse al aprendizaje denuevos contenidos nos dice: “Aprender cualquiera de loscontenidos supone,...atribuir un sentido y construir lossignificados implicados en dicho contenido. Ahora bien estaconstrucción no se lleva a cabo partiendo de cero, ni siquieraen los momentos iniciales de la escolaridad. El alumnoconstruye personalmente un significado (o lo reconstruyedesde el punto de vista social) sobre la base de lossignificados que ha podido construir previamente.”. Al igualque Ausubel, esta autora se refiere a las concepciones enel sentido de conocimientos previos.

Igual es bueno aclarar que aquí solo hemosmostrado algunos de los especialistas que se han dedicadoa investigar y escribir sobre las concepciones o ideas de losestudiantes, llegando a exponerlas ya sea como limitantes,o bien, como base para la construcción de concepcionescientíficas. Desde una u otra posición, no debemos olvidarque dependiendo la naturaleza o cómo sean asumidas lasconcepciones por los futuros docentes esto posiblementeinfluirá en su desenvolvimiento o actuación docente para elmomento de orientar la enseñanza. García, P. (1999) nosdice: “”... cuando las concepciones de los alumnos secontemplan como una cuestión exclusivamente demetodología didáctica,... termina plasmándose en

determinadas fórmulas de aplicación en clase...Sinembargo, tomar en consideración las concepciones o ideasde los alumnos puede –debe- tener un enfoque mucho máscomplejo, que afectaría no sólo al cómo enseñar sino, muyprincipalmente, al qué enseñar y, por tanto, al conocimientoescolar...”

Hasta aquí pudimos apreciar inicialmente la posiciónde aquellos autores que mantienen o ven las concepcionescomo errores conceptuales y que indirectamenteinterrumpen la construcción de los nuevos conocimientos yseguidamente dejamos ver lo expuesto por otro grupo deespecialistas que defienden la idea de las concepciones comoideas previas que ayudan la construcción del conocimientocientífico. Podríamos esperar ahora que esta autora expresecon cual de estas dos posiciones está de acuerdo, veamosentonces lo que pienso.

Papel de las concepciones en la enseñanza y elaprendizaje de las ciencias naturales.

Como observamos, después de está somerapresentación acerca de las concepciones y la posición dealgunos especialistas en cuanto a su papel en la enseñanzay aprendizaje de las ciencias naturales, falta mucho caminopor recorrer en cuanto a querer determinar cuál de estados posiciones presentadas anteriormente es la másacertada; pero no me toca a mi decirles, por ahora, quienestienen la razón. Me gustaría más bien recordar algunascuestiones fundamentales en nuestra posición comodocentes.

Una de estos primeros asuntos que debemos tomaren cuenta es, si bien es cierto, que el constructivismo dejaun camino abierto para solventar muchas de lasincertidumbres que hasta hace poco teníamos como docentes,no podemos verlo como una doctrina al que trataremos deseguir sin hacernos preguntas propias o surgidas de nuestroscontextos escolares. No digo con esto que estoy en contrade los principios surgidos del constructivismo, entre uno deellos el tener presente las ideas previas de nuestros alumnos,más específicamente, las ideas previas al hablar delaprendizaje significativo establecido por Ausubel. Me refieroa que como docentes debemos replantearnos nuestro rol demediadores e incluir un rol más, el de investigador; éste nospermitirá seguir y descubrir cuál es la naturaleza de lasconcepciones de cada grupo de estudiantes que tengamosbajo nuestra orientación. De esta manera, las concepcionesy su estudio podrán convertirse en favorecedoras o, por elcontrario, en limitantes del proceso enseñanza y aprendizajede las ciencias naturales en la medida en que las podamosconocer y descubrir su naturaleza, su origen y las estrategiasidóneas para trabajar a partir de estas concepciones.

Un segundo aspecto, igualmente importante, en una

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relación más directa con la enseñanza y el aprendizaje delas ciencias naturales es el hecho de desarrollar unaenseñanza que se circunscribe a presentar los conocimientoselaborados, escondiendo todo el proceso que conduce a suelaboración, lo cual impide que los alumnos puedan hacersuyas las nuevas ideas, que sólo tienen sentido en la medidaen que el trato con determinados problemas requiere suconstrucción.

Según lo expuesto, no sería, la presencia deconcepciones en sí lo que explicaría los oscuros resultadosobtenidos en el aprendizaje de conceptos, sino la propiaenseñanza del profesorado. De este modo deberíamosdetenernos un momento a pensar en la posible inadecuaciónde esa enseñanza para facilitar la construcción de losconocimientos científicos. Nos referimos aquí a la enseñanzatradicional; es decir, aquella en la que se ignora aquello quelos alumnos ya conocen, la creencia de que basta transmitirlos conocimientos científicos de forma clara y ordenada paraque los alumnos los comprendan. Es por esto que hastaahora mucho de los estudios realizados sobre concepcioneshan arrojado en sus resultados que los “erroresconceptuales” son un claro índice de que las estrategias deenseñanza no tenían en cuenta las concepciones inicialesde los alumnos.

En resumen, nuestro papel aquí fue exponer algunosaspectos importantes en cuanto a lo que son lasconcepciones, algunos otros términos con las que se conocen,cómo surgió su estudio y algunos estudios hechos hastaahora sobre concepciones en ciencias naturales, para luegoesbozar las dos posiciones que mantienen algunos autoresen cuanto a las concepciones y así finalmente, hacer algunassugerencias en cuanto a la posición que debemos asumircada uno de nosotros como docentes en el ámbito de lasciencia naturales. Por esto, no pretendemos en ningúnmomento solucionar el problema concerniente a qué hacercon las concepciones, pero al menos contribuimos un pocomás con aquellas personas que tiene presente el papel deéstas en el proceso de enseñanza y aprendizaje; peroreiteramos nuevamente, las concepciones son solo unelemento a tomar en cuenta en el mencionado proceso, másen ningún momento es el único elemento o el que solventarálas diversas dificultades con las que no podemos encontraren este delicado camino de la docencia.

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MONTAGEM 117

O EFEITO DOS SISMOS EM SOLOS E EDIFÍCIOS: APLICAÇÃO DE UM PROGRAMA DE INTER-VENÇÃO DIRIGIDO A ESTUDANTES DE LICENCIATURA RECORRENDO À MODELAÇÃO

Sara MOUTINHO*

Rui MOURA **

Clara VASCONCELOS***

ResumoA utilização de modelos possibilita a construção do conhe-cimento e a promoção da literacia científica dos alunos.Desta forma, desenvolveu-se um Programa de Interven-ção sobre o efeito dos sismos em solos e edifícios, comrecurso à modelação, aplicado a estudantes de licenciaturade uma Universidade pública do Norte de Portugal. Paraisso foram desenvolvidos e aplicados um modelo computa-cional, um modelo físico e um modelo misto, e no fim da suaaplicação foram administrados vários instrumentos de re-colha de dados, procurando compreender quais as opiniõesdos estudantes sobre a metodologia e sobre a conceção demodelo. A análise dos dados permitiu concluir que os estu-dantes compreenderam a importância dos modelos e damodelação em ciência, bem como o papel dos cientistas nodesenvolvimento dos modelos científicos.

PALAVRAS-CHAVE: Ensino das Ciências; Modela-ção; Programa de Intervenção; Riscos Naturais; Sis-mologia.

SEISMIC EFFECTS ON SOILS AND BUILDINGS:APLICATION OF AN INTERVENTION PRO-

GRAM TO GRADUATION STUDENTS RESOR-TING TO MODELLING

AbstractThe application of models supports the construction of kno-wledge and the promotion of scientific literacy. This paperpresents an Intervention Program supported in Model-Ba-sed Learning and concerned with the effect of earthquakeson soils and buildings. It was applied to undergraduate stu-dents of a public University in the northern of Portugal.After the intervention a questionnaire related to students’views about models and modelling in Science was appliedto collect and analyze students’ views and conceptions aboutthe methodology and the development of models. The re-sults allowed us to conclude that students understand the

importance of models and modelling in Science and Scien-ce teaching, as well as the role of scientists in the develop-ment of scientific models.

Keywords: Science Education; Modelling; Interventi-on program; Natural hazards; Seismology.

IntroduçãoUma das principais preocupações do ensino atual-

mente é o desenvolvimento de metodologias que facilitem oprocesso de aprendizagem dos estudantes (Greca & Mo-reira, 1997), aproximando-o da forma como os sujeitos com-preendem e interpretam aquilo que observam.

Johnson-Laird (1983) defende que a forma comoos sujeitos compreendem o mundo depende daquilo que neleexiste e, daquilo que compõe a mente humana, e que ao con-tactar com o mundo real, os sujeitos desenvolvem modelosmentais que lhes permitem representar e compreender fenó-menos físicos e, dar resposta a situações com que são con-frontados no quotidiano. Na escola, são apresentados aosestudantes modelos para o ensino, recorrendo-se à modela-ção1 como metodologia que visa facilitar a aprendizagem dosmodelos físicos, através da restruturação dos seus modelosmentais. Estes modelos, desenvolvidos e aplicados com basena modelação permitem o desenvolvimento de representa-ções concretas e ideias abstratas em ciência, e os seus res-petivos mecanismos (Louca & Zacharia, 2012).

Esta metodologia é especialmente importante nocontexto das Geociências por permitir manipular diferentestipos de modelos, uma vez que a investigação desenvolvidanesta área depende fortemente deles em diversos aspetos(Oh & Oh, 2011).

Neste trabalho são explorados alguns tipos de mo-delos para o ensino que foram utilizados em contexto desala de aula, integrando um Programa de Intervenção (PI)para lecionar a temática efeito dos sismos em solos e edi-fícios a estudantes do ensino superior português.

Modelos para o ensinoA ciência é uma atividade complexa, multifacetada

que inclui o processo de formação e justificação do novoconhecimento, fazendo um esforço para explicar os fenó-menos naturais (Louca & Zacharia, 2012). Por isso, exige

1 O termo modelação a que é feito referência no corpo do artigo é equiva-lente ao termo modelagem, mais comum no Brasil.

* Doutoranda do Programa Doutoral em Ensino e Divulgação das Ciên-cias – especialização em Ensino das Ciências, Faculdade de Ciências daUniversidade do Porto. E-mail: [email protected]** Professor auxiliar no Departamento de Geociências, Ambiente e Or-denamento do Território, Faculdade de Ciências da Universidade doPorto. E-mail: [email protected]*** Professora auxiliar com agregação no Departamento de Geociências,Ambiente e Ordenamento do Território, Faculdade de Ciências da Uni-versidade do Porto. E-mail: [email protected]. Autora de Contacto.

118 Revista do Centro Universitário Moura Lacerda

interpretação e raciocínio através de visualizações que sãosemanticamente ricas, mas que exigem um elevado grau deabstração. Assim, o ensino desta ciência socorre-se fre-quentemente de visualizações, que correspondem à análisede gráficos, mapas, diagramas, modelos, simulações, entreoutros (Gobert, 2005). Uma vez que o objetivo deste traba-lho consiste na aplicação de um PI recorrendo a modelos eà modelação, a nossa abordagem centrar-se-á apenas nes-te tipo de visualizações.

No ensino das ciências os modelos que são cons-truídos e aplicados integram partes de informação sobre aestrutura do fenómeno natural, os mecanismos causais en-volvidos no processo, ou outras características da naturezado processo (Gobert, 2005). Desta forma, é possível, atra-vés de simplificações dos modelos cientificamente aceites(os designados modelos para o ensino) auxiliar os alunos noseu processo de construção do conhecimento, tornando-omais apelativo, interessante e motivador para os estudantes(Rodhe, 2012).

Justi (2006) refere que é necessário que o profes-sor recorra a estes modelos no ensino das ciências, poiseles permitem ajudar os estudantes a aprender alguns as-petos de um determinado modelo curricular, constituindorepresentações aproximadas de uma parte da realidade,tornando o fenómeno em estudo menos abstrato para osalunos, e consequentemente, mais apelativo e interessante.

Dependendo das características do fenómeno emestudo, e da abordagem que o professor pretende fazerdesse mesmo fenómeno, há vários tipos de modelos para oensino que podem ser aplicados em sala de aula, nomea-damente os modelos computacionais, os modelos físicos e osmodelos mistos. Todos estes tipos de modelos foram desen-volvidos para este estudo, e são apresentados de seguida.

Modelos computacionaisHá mais de uma década que vários autores defen-

dem o recurso à internet e outros instrumentos tecnológi-cos como uma ferramenta educacional em sala de aula. Opotencial deste recurso assenta na sua função como repo-sitório de informação que permite desenvolver experiênci-as de aprendizagem dos estudantes mais ricas (Greenhow,Robelia & Hughes, 2009).

Considerando a evolução da tecnologia durante aúltima década e a importância que assume hoje em dia noquotidiano dos sujeitos, a sua utilização em sala de aula comoferramenta de ensino não levanta qualquer dúvida. Alémdisso, atualmente considera-se fundamental o desenvolvi-mento de competências tecnológicas nos estudantes do en-sino superior, por se considerar que estão intimamente rela-cionadas com o desenvolvimento da capacidade de inova-ção, do espírito de liderança, da colaboração multidiscipli-

nar, da capacidade de identificação de problemas e respeti-va resolução num ambiente dinâmico (Greenhow et al.,2009).

Desta forma se justifica o recurso a modelos com-putacionais (também designados por modelos digitais ounuméricos) no ensino das ciências como ferramenta parapromoção da aprendizagem dos estudantes de forma dinâ-mica, apelativa e interessante.

Os modelos digitais incluem animações e simula-ções. As simulações permitem que os alunos simulem umadeterminada situação particular, permitindo-lhes controlarvariáveis para determinar o impacto que cada uma terá nofenómeno natural em estudo (Science online, s/d).

Muitos destes modelos digitais podem ser obtidosatravés da internet, o que torna a sua utilização muito maissimples e prática, principalmente em contexto de sala deaula, uma vez que dispensa a manipulação de material delaboratório, ou outro material específico para as atividadesa realizar. Além disso, por estarmos atualmente na era datecnologia, o recurso a este tipo de modelos desperta nosestudantes um maior interesse e motivação para a partici-pação e realização das atividades em sala de aula.

Modelos físicosOs modelos físicos correspondem aos modelos tra-

dicionalmente usados para simular fenómenos geológicosem laboratório como, por exemplo, as mesas sísmicas, ascaixas de compressão ou os modelos em plasticina da es-trutura interna da Terra.

O uso deste tipo de modelos remonta ao século XIXcom o início da reprodução em laboratório de alguns fenó-menos geológicos. Nesta época, os modelos eram merosfacilitadores da reprodução da evolução das causas e dosmecanismos dos processos geológicos (Moutinho & Vas-concelos, in press). Com o reconhecimento das suas poten-cialidades como ferramenta auxiliadora do processo de cons-trução do conhecimento (Barbosa, 2009), os modelos pas-saram a ser utilizados no ensino das ciências como recur-sos educativos.

Os modelos físicos permitem representar fenóme-nos em que um ou mais elementos de um sistema está emmudança ao longo do tempo, e dado o seu caráter dinâmico(embora nem todos sejam dinâmicos) permitem que os es-tudantes simulem e observem como ocorre um determina-do fenómeno natural e quais as variáveis que nele inter-vêm. Estes modelos derivam de imagens e metáforas quedelimitam os fenómenos: se uma teoria científica constituiuma determinada visão do mundo, possuindo um determi-nado tipo de explicações e perguntas que podem ser for-muladas, os modelos físicos determinam a forma como osfenómenos relacionados com eles deveriam ser interpreta-

MONTAGEM 119

dos e compreendidos. Portanto, resumem os aspetos es-senciais da teoria, de modo que seja possível visualizar maisfacilmente os seus princípios explicativos (Greca & Morei-ra, 2001).

Pelo exposto se compreende a importância da utili-zação deste tipo de modelos no ensino das ciências, não sópelas suas características estruturais mas também pelo au-xílio que prestam aos estudantes na compreensão dos fe-nómenos científicos e na construção do seu conhecimento.Deus e colaboradores (2011) defendem que, se os estudan-tes desenvolverem a capacidade de produzir, testar e avali-ar estes modelos, bem como sua dinâmica, eles podemmelhorar o seu interesse e ter uma compreensão mais pro-funda sobre as mudanças reais que ocorreram no curso dahistória da Terra.

No entanto, é preciso ter muito cuidado ao relacio-nar aquilo que se demonstra com o modelo físico e a reali-dade, porque estas inferências são muito complexas e deli-cadas. Quando se fala em imagens, no contexto dos mode-los físicos, estas devem ser entendidas em sentido amplo, enão como uma relação direta em que cada elemento domodelo corresponde a um elemento na realidade (Greca &Moreira, 2001). Na verdade, o papel do professor nesteprocesso é fundamental pois auxilia os estudantes a desen-volver a capacidade de, a partir da análise do modelo, fazerinferências sobre o fenómeno natural, conseguindo abstra-ir-se das limitações físicas do mesmo, nomeadamente rela-tivas à escala ou ao comportamento dos materiais. Se istonão for devidamente conseguido, o modelo físico poderáentrar em conflito com o modelo mental dos estudantes e,dificultar o processo de aprendizagem (Clement, 2000).Relembre-se que na maioria das vezes os modelos físicosusados no ensino não são análogos reais, mas representamapenas analogias.

Modelos mistosDadas as particularidades da Geologia enquanto

ciência, e tendo em consideração as dificuldades inerentesao ensino desta ciência, como a questão da escala temporale geográfica, ou o comportamento dos materiais existentesna natureza, facilmente se compreende a necessidade deaprimorar os modelos geralmente utilizados para simular osfenómenos geológicos.

O desafio dos educadores em ciência, atualmente,consiste em desenvolver formas de usar o poder das ferra-mentas visuais e tecnológicas como influências positivas naaprendizagem dos alunos (Libarkin & Brick, 2002).

A investigação existente sugere que a eficiência dasferramentas visuais depende mais da forma como são utili-zadas do que da própria ferramenta (Kusnick, 2001). Poroutro lado, as ferramentas tecnológicas exigem conheci-

mento, formação, e um contexto pedagógico adequado paraque sejam bem-sucedidas. Muito poucas ferramentas atu-almente disponíveis promovem o ambiente de aprendiza-gem essencial e, por isso, o papel do professor continua aser fulcral em todo o processo de aprendizagem (Libarkin& Brick, 2002).

No desenvolvimento da tese de doutoramento naqual se integra o presente trabalho considerou-se importan-te o desenvolvimento de um tipo de modelo para o ensinoque contemplasse as potencialidades dos modelos anterior-mente referidos, na tentativa de minimizar as limitações decada um. Assim, decidiu-se desenvolver um modelo misto,que é constituído por duas componentes: uma componentefísica e uma componente computacional.

A componente física apresenta todas as caracte-rísticas de um modelo físico, incluindo a possibilidade dosestudantes manipularem as variáveis que influenciam o fe-nómeno em estudo. Contudo, esta componente está intima-mente relacionada com uma componente computacional querecorre à vertente tecnológica como complemento à simu-lação e observação do fenómeno. Ambas as vertentes sãofundamentais para o correto funcionamento do modelo e,na falta de uma delas, o resultado da simulação é compro-metido.

Desenvolvimento e aplicação do Programa de Inter-venção (PI)

No presente trabalho pretende-se apresentar o PIque foi desenvolvido e aplicado no âmbito do desenvolvi-mento da tese de doutoramento referente à importância daaplicação de modelos no desenvolvimento da aprendizagemsignificativa de estudantes do ensino superior.

O PI desenvolvido teve a duração de três aulas dequatro horas, que decorreram em três semanas consecuti-vas, num total de 12 horas. A aplicação deste PI teve comopropósito:

(i) Lecionar a temática efeito dos sismos emsolos e edifícios recorrendo à modelaçãocomo metodologia principal.

(ii) Aplicar e manipular três tipos de modelos di-ferentes, desenvolvidos tendo em vista a suautilização durante as aulas do PI.

(iii) Promover a restruturação dos modelos men-tais dos estudantes relativamente à temáticaabordada.

(iv) Avaliar as potencialidades e limitações de cadaum dos modelos aplicados.

(v) Compreender a importância dos modelos e damodelação em ciência.

Uma vez que um dos objetivos da investigação de-senvolvida é avaliar as potencialidades de três tipos de

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modelos na promoção da aprendizagem significativa, foramaplicados, em cada uma das aulas, um tipo de modelo di-ferente: modelo computacional, modelo físico e modelo misto.O desenvolvimento deste trabalho recai essencialmentesobre a análise dos objetivos (i), (ii) e (v).

Cada uma das aulas lecionadas foi estruturada emduas partes principais: uma primeira parte de caráter maisteórico, onde foram abordados alguns conceitos básicosrelacionados com os risco sísmico, e uma segunda parte,com caráter prático, onde foram apresentados aos estu-dantes cenários de problematização que estes tiveram deresolver recorrendo aos diferentes tipos de modelos.

Primeira aula: modelo computacionalNa primeira aula do PI, foi utilizado um modelo com-

putacional (fig. 1), que consistia num simulador de compu-tador, e que permitia manipular algumas variáveis, como otipo de solo, tipo de isolamento sísmico de base, e a magni-tude do sismo. Este simulador está disponível na internet,apenas na língua inglesa, e pode ser acedido e manipuladogratuitamente através do website onde se encontra (https:// w w w. c o s m e o . c o m / b r a i n g a m e s / m a k e a q u a k e /?title=Make%20a%20Quake).

Figura 1 – Modelo computacional Earthquakes, Make-a-Quake: Earthquake Simulator.

De acordo com os pressupostos da modelação, autilização deste, e dos outros modelos foi devidamentecontextualizada no âmbito da aula. Para isso, no início dacomponente prática da aula foi apresentado um cenário deproblematização (fig. 2) aos estudantes que, foramconvidados a levantar questões sobre a situação-problemacom que se confrontaram e, posteriormente recorreram aomodelo como ferramenta para dar resposta ao problema.

Este cenário compreendia duas notícias querelatavam duas situações de risco sísmico, uma no Japão eoutra nos Açores, que os estudantes foram convidados aanalisar e comparar, procurando explicar porque é quesismos com magnitudes mais elevadas podem causar menosdanos do que sismos com magnitudes inferiores, recorrendopara isso ao modelo computacional.

Figura 2 – Cenário de problematização A Terra está atremer: o que é que vai acontecer?

As características e particularidades do modeloforam explicadas aos estudantes antes de iniciarem asatividades, sendo-lhes facultado um documento de

MONTAGEM 121

exploração (fig. 3) com as indicações necessárias para asua manipulação, a tradução para português da descriçãode cada uma das variáveis que era possível selecionar, ealgumas questões de exploração que orientaram osestudantes durante a manipulação do modelo e na análisedos resultados obtidos.

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Figura 3 – Documento de exploração do modelo computa-cional.

Segunda aula: modelo físicoNa segunda aula, foi aplicado um modelo físico para

a continuação da exploração do desenvolvimento da temá-tica efeito dos sismos em solos e edifícios. O modelo físi-co consistiu numa mesa sísmica (fig. 4), construída proposi-tadamente para o efeito. A mesa sísmica possuía um motormecânico, que consistia num berbequim ligado à sua basevibratória através de um braço articulado, que permitia asua movimentação em duas direções distintas. A intensida-de do berbequim era regulável permitindo, assim, simularabalos sísmicos com diferentes magnitudes.

Figura 4 – Modelo físico – mesa sísmica, com pormenor do motor mecânico.

Pela sua conformação e estrutura, a mesa permitia vários tipos de montagens para analisar o efeito de diferentesvariáveis (fig. 5) que, foram definidas pelos estudantes, a partir do questionamento resultante da análise de um cenário deproblematização.

MONTAGEM 123

Figura 5 – Variáveis manipuladas no modelo físico: altura dos edifícios (A), estrutura dos edifícios (B),isolamento sísmico de base (C) e tipo de solo (D) – simulação do efeito de liquefação.

Enquanto na parte teórica da aula foram explora-

das algumas variáveis que influenciam o efeito dos sismos

em solos e edifícios, analisando o seu comportamento e pro-

curando perceber o que fazer para atenuar o seu efeito, na

parte prática da aula foi também explorado um cenário de

problematização (fig. 6) que colocava os estudantes no lu-

gar de peritos contratados para avaliarem a segurança e

resistência de dois edifícios, com características e localiza-

ções diferentes, tendo como objetivo a elaboração de um

relatório a ser entregue à empresa que contratou os seus

serviços.

A manipulação da mesa sísmica foi também acom-

panhada por um documento de exploração (fig. 7). Este

documento orientava os estudantes na definição das variá-

veis que deveriam ser analisadas, mas também na análise e

registo dos resultados obtidos.

124 Revista do Centro Universitário Moura Lacerda

MONTAGEM 125

Terceira aula: modelo mistoNa última aula foi utilizado um modelo misto (fig.

8), constituído por duas componentes: uma física e uma com-putacional. A componente física correspondia à mesa sís-mica, utilizada na aula anterior, e a componente computaci-onal consistia num sismógrafo ligado simultaneamente àmesa sísmica e a um computador, permitindo detetar e re-gistar em direto a propagação das ondas sísmicas simula-das pela componente física do modelo.

Figura 7 – Documento de exploração do modelo físico.

Figura 8 – Modelo misto: componente física (A) e compo-nente computacional (B).

A utilização deste modelo permitiu também a mani-pulação de várias variáveis, de forma semelhante ao quefoi feito no modelo físico. No entanto, a principal vantagemdeste modelo consistiu em permitir aos estudantes observa-rem o registo das ondas sísmicas no sismógrafo (fig. 9), deforma semelhante ao que ocorre nas estações sismológi-cas, ao mesmo tempo que analisavam qual o efeito de cadauma das variáveis em estudo no comportamento do solo edos edifícios aquando de um abalo sísmico.

126 Revista do Centro Universitário Moura Lacerda

A organização desta aula foi ligeiramente diferente

das anteriores, uma vez que a abordagem da parte teórica

incluiu a exploração de um cenário em vídeo, através da

análise de partes de um documentário sobre construção

antissísmica. Ao longo da sua exploração foram levantadas

algumas questões que foram respondidas recorrendo ao

modelo misto.

Uma vez que este modelo possuía uma componente

com a qual os estudantes estavam já familiarizados – a mesa

sísmica, o documento de exploração elaborado tinha uma

estrutura mais simples, onde apenas eram apresentadas aos

estudantes as questões que os orientavam na observação e

análise dos resultados obtidos através da manipulação do

modelo (fig. 10).Figura 9 – Registo das ondas sísmicas geradas pela mesasísmica no modelo misto.

No final das três aulas que constituíram o PI, osestudantes foram convidados a preencher vários instrumen-tos de recolha de dados, desenvolvidos e devidamente vali-dados para a amostra em estudo. Um desses instrumentosconsistiu num questionário cujo objetivo é analisar quais asvisões dos estudantes sobre os Modelos e a Modelaçãoem Ciência. Neste trabalho apresentam-se os resultadosobtidos através da análise deste questionário.

Figura 10 – Questões orientadoras para exploração modelo misto.

MetodologiaO PI apresentado foi aplicado a estudantes de li-

cenciatura que frequentavam uma unidade curricular deRiscos Geológicos numa Universidade pública do Norte dePortugal. A amostra em estudo era constituída por 20 estu-dantes do ensino superior, 10 do sexo feminino e 10 do sexomasculino, com média de idades de 21 anos, distribuídosentre os 20 e os 24 anos.

MONTAGEM 127

Esta intervenção teve a duração de doze horas, divi-didas em três aulas de quatro horas, lecionadas em três se-manas consecutivas (e por isso, também três aulas consecu-tivas), nas quais foram desenvolvidos e aplicados um modelocomputacional, um modelo físico e um modelo misto.

No fim da intervenção foram aplicados vários ins-trumentos de recolha de dados, nomeadamente um questio-nário para levantamento das visões dos estudantes sobreModelos e Modelação em Ciência, adaptado de um estudopreviamente realizado por Treagust e colaboradores (2004),devidamente validado para a amostra em estudo. A sua vali-dação foi feita por três especialistas na área da Educaçãoem Ciência que analisaram a pertinência e objetividade dasquestões, tendo em conta a amostra do estudo e o tipo dedados que se pretendiam recolher.

O questionário era constituído por seis questões deescolha múltipla, tendo cada questão duas opções de respos-ta. Além disso, cada questão possuía ainda uma segunda parte,de resposta aberta, onde os estudantes deveriam justificar a

escolha da opção que fizeram. Recorreu-se ao programa deanálise de conteúdo NVivo10 para facilitar a análise das res-postas dos estudantes e a sua categorização.

O objetivo deste questionário é compreender quaisas opiniões dos estudantes sobre a metodologia e sobre aconceção de modelos.

Resultados e discussãoApós a recolha dos dados e respetiva análise das

respostas dos estudantes, foram obtidos alguns resultadosque se apresentam de seguida, divididos em duas secções,uma relativa às visões dos estudantes sobre as caracterís-ticas dos modelos, e outra sobre o papel dos cientistasno processo de aceitação dos modelos.

Características dos modelosAlgumas questões do questionário permitiram ana-

lisar as conceções dos estudantes sobre as característicasdos modelos, nomeadamente as questões 1, 2 e 6.

Tabela 1 – Categorias de resposta na questão 1 (n=20).1.Os modelos e a modelação são importantes na compreensão da ciência. Os modelos são:

Resposta Categorias Frequência (f)

Opção a) Representações deideias sobre como ocorremos fenómenos.

Não correspondem totalmente à realidade porque os fenómenosnaturais são imprevisíveis.

Representações simples, baseadas em factos, que ajudam a com-preender os fenómenos.

Não são totalmente fiéis à realidade mas permitem compreendero fenómeno.

Permitem-nos simular fenómenos que ocorrem na realidade.

É mais fácil aprender quando se observa.

Aparelhos que simulam a situação real.

5

3

5

4

1

2

Opção b) Duplicações pre-cisas da realidade.

0

A questão 1 pretende averiguar qual a opinião dos

estudantes sobre a definição de modelo. Pela análise da

tabela 1 é possível verificar que todos consideram que os

modelos são representações de ideias sobre como

ocorrem os fenómenos, e a maioria considera que isso se

deve à imprevisibilidade dos fenómenos naturais (f=5):

É impossível fazer um modelo que corresponda

totalmente à realidade porque os fenómenos naturais

têm sempre determinada imprevisibilidade associada ou

variáveis que não podemos testar. (P1)

Por outro lado, alguns participantes consideram

também que apesar de não serem fiéis à realidade

permitem compreender os fenómenos naturais (f=5):

Os modelos são representações que ajudam a

perceber como [o fenómeno] se manifesta na vida real

(…) (P4)

128 Revista do Centro Universitário Moura Lacerda

Resposta Categorias Frequência

Tabela 2 – Categorias de resposta na questão 2 (n=20).

2. As ideias científicas podem ser explicadas através de:

Opção a) Apenas um modelo –cada fenómeno só pode ser ex-plicado através de um únicomodelo.

Opção b) Um modelo – maspodem existir outros modelospara explicar as mesmas ideias.

Há vários modelos que podem explicar o mesmo fenómeno.

Há causas diferentes para modelos diferentes.

Apenas um modelo pode não ser suficiente.

Não sei.

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1

A tabela 2 mostra que, em relação à segunda questão, sobre a forma como podem ser explicadas as ideiascientíficas, todos os estudantes referem que podem ser explicadas através de um modelo – mas podem existir outrospara explicar as mesmas ideias, e a maioria considera que há vários modelos para explicar o mesmo fenómeno(f=17):

Com vários modelos como verificámos nas aulas podemos chegar às mesmas conclusões. (P6)Por exemplo simulador de sismos e a mesa sísmica. (P12)Existem muitas variáveis, e diferentes modelos para representar tudo isso. (P16)

Tabela 3 – Categorias de resposta na questão 6 (n=20).

6. Os modelos científicos são construídos durante um longo período de tempo através do trabalho de várioscientistas, na tentativa de perceberem os fenómenos científicos. Graças a isso, os modelos científicos:

Categoria Subcategorias Frequência

Opção a)Não podem ser alterados emanos futuros.

Opção b) Podem ser alteradosem anos futuros.

Incorporação das descobertas no modelo antigo.

A ciência está em constante evolução.

Informações que contrariam o modelo e levam à sua alteração.

Novos estudos podem levar à descoberta de novos resultados.

Depende da tecnologia e do trabalho dos cientistas.

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A questão 6 diz respeito à durabilidade dos modelose a sua atualidade. Na tabela 3 estão representadas as res-postas dos participantes, podendo verificar-se que todosconsideram que os modelos podem ser alterados em anosfuturos. A maioria dos estudantes justifica a sua respostareferindo que a ciência está em constante evolução (f=11):

Com a evolução do conhecimento sobre o fenó-meno, os modelos irão evoluir também, acabando porsofrer alterações. (P18)

Os modelos podem ser sempre alterados, pois aciência está sempre a evoluir. (P14)

MONTAGEM 129

Papel dos cientistas no processo de aceitação dos modelos

Através do questionário foi também possível analisar as conceções dos estudantes sobre o papel dos cientistas navalidação e aceitação dos modelos, nomeadamente através das questões 3, 4 e 5.

Tabela 4 – Categorias de resposta da questão 3 (n=20).3. Quando os cientistas recorrem aos modelos e a modelação em ciência para investigar um fenómeno, elespodem:

Categoria Subcategorias Frequência

Opção a)Usar apenas um modelo paraexplicar os fenómenos cien-tíficos

Opção b)Usar vários modelos paraexplicar os fenómenoscientíficos.

Pode permitir estudar o fenómeno na totalidade.

Estudar o maior número de variáveis e recolher a maior quantidade

de dados.

Quanto mais modelos usarem mais completo será o estudo.

Modelos diferentes são aplicados a fenómenos diferentes.

Modelos diferentes são aplicados no mesmo fenómeno.

Depende do cientista.

Não sei.

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Através da análise da tabela 4 é possível verificarque no que respeita ao papel dos cientistas na escolha demodelos para explicar um dado fenómeno, a maioria dosestudantes considera que podem usar vários modelos paraexplicar os fenómenos científicos (f=19) pois referem quemodelos diferentes podem ser aplicados no mesmo fe-nómeno (f=8):

Podem usar vários para explicar a mesma ideia,pode ser a mesma ideia enquadrada em várias situa-

ções. (P13)Se em vários modelos eles conseguirem repre-

sentar o mesmo fenómeno podem fazê-lo. (P18)Apenas um estudante refere que os cientistas usam

apenas um modelo para explicar os fenómenos, dandocomo justificação o facto do modelo escolhido poder permi-tir estudar o fenómeno na totalidade.

(…) um modelo pode permitir estudar os váriosfenómenos em causa. (P9)

Tabela 5 – Categorias de resposta da questão 4 (N=20).4.Quando um modelo é proposto para apoiar uma nova teoria científica, os cientistas devem decidir se oaceitam ou não. A sua decisão é:

Categoria Subcategorias Frequência

Opção a)Baseada em factos que su-portam o modelo e a teoria.

A ciência deve ser sempre o mais objetiva possível.

Têm de colocar de lado os sentimentos e motivos pessoais.

A decisão baseia-se em observações que comprovam a teoria.

A ciência deve ser imparcial.

Nem sempre acontece apesar de ser o correto.

Não sei explicar.

Sem significado.

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130 Revista do Centro Universitário Moura Lacerda

Categoria Subcategorias Frequência

Opção b) Influenciada pelosseus sentimentos ou motivospessoais.

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Relativamente aos critérios usados pelos cientistaspara a aceitação de um modelo, a tabela 5 mostra que todosos estudantes consideram que a decisão dos cientistas deveser baseada em factos que suportam o modelo e a teoria.A maioria justifica a sua resposta através da necessidadedas decisões dos cientistas se basear em observações que

comprovem a teoria (f=12):A sua decisão baseia-se em observações que

comprovam a teoria. (P3)(…) factos comprovam teorias, mesmo que as

nossas crenças não concordem. (P9)É necessário comprovar se o modelo se adequa

ao estudo/teoria nova. (P20)

Tabela 6 – Categorias de resposta na questão 5 (n=20).5. A aceitação de um novo modelo científico:

Por fim, os estudantes também foram questionadossobre o processo de aceitação de um novo modelo, estandoos resultados apresentados na tabela 6. Relativamente aesta questão, as opiniões dos estudantes dividiram-se, em-bora a maioria considere que a aceitação de um modelocientífico requer suporte da grande maioria dos cientis-tas (f=12), referindo que se não houver consenso o mo-delo não é aceite (f=9):

Se apenas um cientista concordar, a teoria nãoserá aceite por mais correta que seja. (P2)

Se ninguém concordar com um modelo científi-co não vai ser aceite pelos restantes (ex. Galileu). (P6)

Por outro lado, é importante referir que 8 estudantesdefendem que a aceitação de um modelo ocorre quandoele pode ser usado com sucesso para explicar resulta-dos, e a maioria destes estudantes justifica esta resposta pelofacto de bastar que o modelo seja cientificamente corre-to para que seja aceite pela comunidade científica (f=6):

Se não existir sucesso para explicar resultadosos cientistas não iriam apoiar. (P12)

Só se aceita um modelo quando este realmentese aproxima ao máximo da realidade. (P20)

Considerações FinaisApesar dos vários objetivos definidos para o de-

senvolvimento do PI, este trabalho incidiu essencialmentenos objetivos (i), (ii) e (v), conforme referido anteriormen-te. Assim, após a aplicação do PI e da análise dos dados épossível retirar algumas conclusões:

i) A lecionação da temática efeito dos sismos emsolos e edifícios recorrendo à modelação como metodolo-gia principal foi bem sucedida – objetivo (i) –, devendo des-tacar-se a importância da modelação, enquanto metodolo-gia, na medida em que potenciou o desenvolvimento dosconhecimentos dos estudantes, promovendo o questiona-mento, a reflexão e análise crítica e, principalmente, o inte-resse e a motivação durante as aulas.

ii) A aplicação e manipulação dos três tipos demodelos diferentes – objetivo (ii) – permitiu confrontar osestudantes com diferentes abordagens para analisar e solu-cionar problemas do quotidiano, facilitando o desenvolvi-mento do pensamento crítico e da capacidade de abstra-ção, para previsão e interpretação de resultados.

iii) A análise dos dados permitiu-nos concluir queos estudantes compreendem a importância dos modelos e

Categoria Subcategorias Frequência

Opção a)Requer suporte da grandemaioria dos cientistas.

Opção b)Ocorre quando ele podeser usado com sucessopara explicar resultados.

Mais suporte dos cientistas significa que o modelo foi mais investigado.

Se não houver consenso o modelo não é aceite.

Cientistas têm visões diferentes da ciência, por isso tudo deve ser analisado.

Basta ser cientificamente correto para ser aceite.

Nem sempre a maioria está correta.

Ter sucesso quando usado em casos reais.

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MONTAGEM 131

da modelação em ciência – objetivo (v) –, bem como opapel dos cientistas no desenvolvimento dos modelos cien-tíficos e o seu processo de validação e aceitação pela co-munidade científica. Além disso, algumas das respostasdadas pelos estudantes, que faziam referência aos modelosusados durante a implementação do programa de interven-ção, podem indiciar que a metodologia aplicada poderá terajudado os estudantes a compreender a importância dosmodelos em ciência.

Assim, os autores consideram que a modelação,enquanto metodologia de ensino, assume um papel impor-tante não só na promoção da construção do conhecimentoe no desenvolvimento de uma aprendizagem significativa,mas também na compreensão do conceito de modelo, assuas características e a importância que desempenha naciência. Pelo exposto, se defende que esta metodologia deensino deveria ser aplicada com maior frequência no ensi-no superior português.

AgradecimentosOs autores agradecem o apoio prestado pelo Insti-

tuto de Ciências da Terra (ICT), sob contrato com a FCT(Fundação Portuguesa para a Ciência e Tecnologia).

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132 Revista do Centro Universitário Moura Lacerda

MONTAGEM 133

ResumoO presente trabalho, que visa refletir sobre a im-

portância da extensão universitária no processo formativodos graduandos das Instituições de Ensino Superior, expõe,a partir do projeto Bolsa Assistência Estudantil, as ativida-des que os acadêmicos do Campus XIV da Universidadedo Estado do Pará desenvolveram junto à Pastoral do Me-nor, da cidade de Moju, por meio do trabalho “PARTILHADE SABERES: Atividades pedagógicas em ambientespopulares”. Essa atividade detectou que a extensão é umdos fatores indispensáveis para o processo de formaçãodas universidades, e que as instituições não escolares po-dem se beneficiar dessa ação, a fim de promover projetoseducacionais inovadores embasados em tendências peda-gógicas atuais.

Palavras-Chave: Extensão Universitária; Formação; Gra-duação; Instituição Não-Escolar; Ensino-Aprendizagem.

A UNIVERSITY EXTENSION AND THEENVIRONMENT EDUCATION POPULAR

AbstractThis work aims to reflect on the importance of uni-

versity extension in the training of graduates of institutionsof higher education, exhibits from the Student AssistanceProject Canvas, the activities that the students of the Uni-versity Campus XIV of the State of Pará developed by thePastoral Smallest city Moju through work “SHARINGKNOWLEDGE: Activities popular educational environ-ments.” This activity has detected that the extension is oneof the factors essential to the process of formation of uni-versities, non-school institutions can benefit from this acti-on in order to promote innovative educational projects groun-ded in current pedagogical trends.

Keywords: Continuing Education; Training, Gradua-te; Non-School Institution; Teaching and Learning.

INTRODUÇÃOCom o desenvolvimento do Projeto Bolsa Assistên-

cia Estudantil, da Universidade do Estado do Pará, que con-templou 19 estudantes de graduação do Núcleo Universitá-rio Regional do Baixo Tocantins-Campus XIV/UEPA, situ-ado na cidade de Moju, foram constituídos grupos de bol-sistas para desenvolverem atividades de extensão em insti-tuições educacionais.

A EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA E O AMBIENTE EDUCACIONAL POPULAR

Renato Pinheiro da Costa*

Desse modo, deu-se início ao trabalho de extensão“PARTILHA DE SABERES: Atividades pedagógicas emambientes populares”, do qual participaram: Carla Do-mingos Silva, Elem Cristina Maciel de Carvalho, Keicy Er-len de Souza Ferreira e Maria Izete Ferreira Ribeiro, alu-nas do curso de Pedagogia.

O Projeto Bolsa Assistência Estudantil visava pro-mover a extensão da formação universitária para os aca-dêmicos dos cursos de graduação, desenvolvendo ações edu-cativas voltadas para ambientes não escolares, que contri-buam com o processo formativo institucional, auxiliando noaperfeiçoamento de práticas pedagógicas voltadas para oambiente popular de formação de educadores e de fixaçãoe suscitação de lideranças.

Nesse sentido, a ação do grupo que trabalhou noprojeto “PARTILHA DE SABERES: Atividades pedagó-gicas em ambientes populares.” foi direcionada à Pasto-ral do Menor da Paróquia do Divino Espírito Santo, da Ci-dade de Moju, devido ao tipo de ação educacional que talinstituição realiza junto às crianças e adolescentes que vi-vem em situação de risco e vulnerabilidade social e econô-mica.

Por ser ligada à extensão universitária, essa ativi-dade não constituiu uma pesquisa, mas o relato de experi-ências fundamentado teoricamente em autores que discu-tem esse fator da formação, pois, como reflete André (1995,p.113): “[…] um trabalho de extensão não tem necessaria-mente que atender aos requisitos de sistematização, con-trole e fundamentação teórica […] A preocupação maior écom a ação […]”.

Assim, o trabalho de extensão se mostrou relevan-te, devido à forte experiência que os acadêmicos puderamacumular, pois, a partir da execução do projeto, as estudan-tes tiveram contato com outra forma de conceber o desen-volvimento do processo ensino-aprendizagem, diferentedaquele que ocorre nas salas de aula das escolas, e, mais,ampliaram a visão para a atuação profissional do pedagogoenquanto cientista da educação.

A instituição que sediou o trabalho de extensão tam-bém teve a possibilidade de contar com o assessoramentotécnico das acadêmicas, que estão em formação, em cons-tante contato com os conteúdos das disciplinas que as ori-entam para as práticas pedagógicas pautadas em teorias

* Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGED/UFPA; Mestre em Educação/Universidade Federal do Pará; Pesquisa-dor do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Currículo-NEPEC [email protected]

134 Revista do Centro Universitário Moura Lacerda

educacionais inovadoras.Dessa forma, Universidade, acadêmicos, Institui-

ção não escolar e docentes, todos são beneficiados com osresultados dos trabalhos de extensão, pois, de seu desen-volvimento, são retiradas lições, experiências, exemplos queenaltecem o processo de formação acadêmica.

A relação Acadêmica com a Formação dos Projetosde Extensão

Analisando historicamente a constituição dos cur-sos de licenciatura percebe-se que, na atualidade, sua es-trutura ganhou contornos que possibilitam um envolvimentomais próximo do desempenho do magistério com as institui-ções sociais, por meio do currículo acadêmico, que contacom disciplinas e atividades que remetem o graduando aocontato mais aproximado das instituições sociais.

O perfilar das licenciaturas, voltado para uma for-mação que supera o paradigma do ensino, foi uma mudan-ça que possibilitou aos cursos de licenciatura um alarga-mento no processo de formação. No entanto, essa trans-formação na estrutura dos cursos não ocorreu espontanea-mente; ela foi resultado de tensões entre as concepçõesteóricas de intelectuais que refletiam sobre o perfil da for-mação acadêmica e as determinações da política do Esta-do, que impunha seu projeto de formação para os cursos delicenciatura.

Segundo Pienta e Metz (2010, p.16), a criação docurso de Pedagogia, na década de 1930, foi o primeiro pas-so para a composição da licenciatura no país. Entretanto,sua estruturação foi pautada no método 3+1, sendo três anosde bacharelado e um ano do curso de Didática estabelecidono Brasil (1939); não formava professores, por estar maiscomprometido com o bacharelado, e por isso não tinha umaexequibilidade tão promissora no sentido de formar profes-sores, mas sim especialistas em educação.

Em oposição ao reducionismo da formação propos-ta pelo Estado, que encontra sua forma na Lei nº 1.190/1939, o movimento dos Pioneiros da Educação levantavaquestões importantes a serem consideradas no âmbito dasuniversidades, e, sendo que a lei visava somente ao aspectodo ensino como fonte central do aprendizado, Azevedo [etal.] (2010, p. 34) apresentam outras categorias como perti-nentes:

Mas o educador, como o sociólogo, tem necessidade deuma cultura múltipla e bem diversa; as alturas e as pro-fundidades da vida humana e da vida social não devemestender-se além de seu raio visual; ele deve ter o conhe-cimento dos homens e da sociedade em cada uma desuas fases, para perceber, além do aparente e do efêmero,“o jogo poderoso das grandes leis que dominam a evolu-ção social”, e a posição que tem a escola, e a função que

representa, na diversidade e pluralidade das forças soci-ais que cooperam na obra da civilização. Se tem essa cul-tura geral, que lhe permite organizar uma doutrina de vidae ampliar seu horizonte mental, poderá ver o problemaeducacional em conjunto, de um ponto de vista mais lar-go, para subordinar o problema pedagógico ou dos mé-todos ao problema filosófico ou dos fins da educação; setiver um espírito científico, empregará os métodos co-muns a todo gênero de investigação científica, podendorecorrer a técnicas mais ou menos elaboradas e dominar asituação, realizando experiências e medindo os resulta-dos de toda e qualquer modificação nos processos e nastécnicas, que se desenvolveram sob o impulso dos traba-lhos científicos na administração dos serviços escolares.

A reivindicação de uma cultura formativa que pos-sibilite ao professor ampliar sua visão sobre a importânciada educação para o desenvolvimento social, para entendercomo ela está ligada aos outros aspectos da atividade hu-mana, é uma forma de exigir a recondução da formaçãoacadêmica, fazendo com que ela deixasse de ser apenasvoltada para o técnico e começasse a operar em outroscampos da formação:

Ela deve ser organizada de maneira que possa desempe-nhar a tríplice função que lhe cabe de elaboradora oucriadora de ciência (investigação), docente outransmissora de conhecimentos (ciência feita) e devulgarizadora ou popularizadora, pelas instituições deextensão universitária, das ciências e das artes. (AZEVE-DO et al., op.cit. p, 55)

A proposição dos Pioneiros da Educação por umacultura universitária que valorizasse a formação global doacadêmico decorria da visão oposta que os intelectuais ti-nham sobre o desempenho e a finalidade da educação, di-ferenciada da que o Estado vislumbrava, e foi pela asserti-va dos inconfidentes que, em outros momentos da história,é possível perceber a luta de outros educadores por umaformação acadêmica mais condizente com a formação delicenciados, atentos às demandas de uma educação relaci-onada com os setores da sociedade. No entanto, devido àposição da política de Estado, que projetava o ensino parafins mais comprometidos com o desenvolvimento do siste-ma social, ainda havia resistência ao tipo de formação re-volucionária proposta no manifesto, pois regulamentaçõescomo os Pareceres nº252/1969 e 867/1972, do ConselhoFederal de Educação – CFE, e a Lei de Diretrizes e Basesda Educação – LDB 4.024/61 e sua reformulação 5.692/71demonstram quanto o processo de reformulação do ensinosuperior para se incorporar uma formação mais substancialfoi demorado.

Com o avanço nas lutas pela democratização daeducação, mudanças foram almejadas. Nesse sentido, Pi-

MONTAGEM 135

menta (1997, p.57) entende que foi quando se constituíramespaços para a manifestação das vozes contrárias aos mar-cos da legalidade do sistema, para fazer denúncias de abu-sos contra os profissionais do setor educacional, e, tam-bém, constituir meio para formulação de propostas compa-tíveis com um projeto de educação popular. Nesse proces-so foi que movimentos como a Associação Nacional pelaFormação dos Profissionais da Educação – ANFOPE, As-sociação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação – ANPED,Associação Nacional de Educação – ANDE e os institutosde pesquisa, como a Fundação Carlos Chagas, ganharamnotoriedade e conquistaram mudanças no sistema educaci-onal, sobretudo no modelo de educação superior, que pas-sou a ser desenvolvida com a formação alicerçada no tripé:ensino, pesquisa e extensão.

Embora fosse consagrada desde a manifestação dospioneiros da educação, a concepção que o ensino superiordeveria proceder pelo viés do tripé da formação, e em vári-os momentos os movimentos em prol da melhoria da edu-cação se manifestassem em favor dessa mudança, ela pre-cisava estar edificada como norma, para poder ser incor-porada no projeto educacional das Universidades. Dessemodo, a Lei 9.394/96, no capítulo IV, conforme normatiza-do em Brasil (2013, p.28), que trata da Educação Superior,dá destaque à formação desenvolvida pelo víeis do ensino,pesquisa e extensão.

Nessa mesma direção, reconhecendo o sentidoempregado e o valor das proposições dos movimentos deluta pela melhoria do ensino, o Conselho Nacional de Edu-cação passa a deliberar, regulamentando o ensino superior,determinando que: “Art. 207 - As universidades gozamde autonomia didático-científica, administrativa e degestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao prin-cípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa eextensão” (BRASIL, 1998).

A fixação na legislação e a regulamentação do en-sino superior pautado no tripé da formação é o reconheci-mento da legitimidade da teoria que concebe o ensino, pes-quisa e extensão como essenciais para o bom aproveita-mento do aprendizado, e que as lutas empreendidas peloseducadores e teóricos da educação, através dos movimen-tos de luta pela qualidade do ensino no país, estavam corre-tos em se impor às determinações do Estado. Nesse senti-do, cada um dos fundamentos tem seu valor na composiçãoda formação dos graduandos, sobretudo para os cursos delicenciatura, que podem ir para além do ensino, buscar napesquisa e extensão subsídios que aprimorem a didática nodesempenho da profissão docente.

Graças às lutas traçadas no contexto da educação,os cursos de licenciatura, na atualidade, têm uma estruturaque possibilita o intercâmbio entre a formação acadêmica e

a prática docente envolvida com atividades de instituiçõessociais, relação possibilitada pelo entendimento que se temdo que é educação, pois, antes essa atividade era atribuídasomente às instituições de ensino. Entretanto, pelo entendi-mento que educar é uma ação humana, verificou-se que elaestá presente em todos os lugares onde as pessoas estabe-lecem relações.

Assim, a ação educacional está presente em espa-ços como família, escola, praças, ruas, hospitais, igrejas etantos outros lugares classificados como espaços formais,informais e não-formais, conforme caracterizam Park, Fer-nandes e Carnicel (2007), que concebem o ambiente formalcomo as instituições que desenvolvem o ensino pautado nocurrículo prescritivo, que atendem às demandas da regula-mentação educacional no Estado; as instituições informaissão delimitados ambientes, como família, praças, museus elugares onde o ensino é realizado sem um planejamento eestá mais envolvido com a realidade cultural do sujeito, ou,como expressam os autores: “não-intencional”. Os ambien-tes não-formais, por seu turno, são as instituições que desen-volvem uma ação específica para grupo específico no âmbi-to social, como Associações, Igrejas, Sindicatos, ONGs eOrganizações do Estado. A educação realizada neste últimogrupo, caracterizado como não-formal, pode ser compreen-dida como uma formação focada nas bases teóricas ideoló-gicas às quais cada instituição está ligada.

Em um sistema social orientado pelo modo de pro-dução capitalista, em que tudo gira em torno da economiado mercado, as instituições do sistema são alocadas emunidades que reúnem os pares pelo tipo de atividade quedesenvolvem. Desse modo, a organização estruturada pelalógica do modo de produção demonstra que a divisão socialnão é apenas vertical, onde se coloca uma classe acima daoutra, mas também horizontal, constituindo um panoramade espaços ocupados de acordo com o grau de importânciada atividade institucional.

Um sistema dividido dessa maneira gera segrega-ção, deixando sempre à margem os que não têm acessoaos melhores serviços; por isso, a necessidade que, em umsistema social em que o econômico é tomado como refe-rência, haja espaço para fixação do grupo dos que, inde-pendentes do Estado e das grandes corporações, agem de-sempenhando ações que nem o público e nem o particularrealizam.

Na figura a seguir, é possível visualizar a divisão dosistema social pelo tipo de atividade que as instituições rea-lizam, mas, para além da imagem da classificação de clas-ses, o que seria interessante observarmos é a maneira comoas instituições acadêmicas podem utilizar essa estrutura paradesempenhar o trabalho de extensão universitária e, assim,reforçar o segmento popular de sua atividade.

136 Revista do Centro Universitário Moura Lacerda

FIGURA 1: Quadro de setores da sociedade

A FIGURA 1, que demostra como as instituiçõesde modo geral estão dispostas no sistema social, tendo porbase a divisão dos setores econômicos, é exposta onde po-dem estar situadas as atividades formais e não-formais. Énesse cenário onde a extensão universitária pode ser de-sempenhada, que, no caso das licenciaturas, deve ser emconjunto com as entidades que não são escolas, mas exer-cem atividades educacionais com crianças, adolescentes,jovens e adultos, idosos, pessoas com deficiência, morado-res da zona rural, enfim, diferentes gêneros ou grupos soci-ais.

Os projetos de extensão são de grande importân-cia para qualquer acadêmico, pois se tornam algo que têma somar com o conhecimento adquirido na academia, vistoque a extensão é o processo educativo, cultural e científicoque articula o ensino e a pesquisa, e estabelece o contatoentre a universidade e o acadêmico com o meio social.

FONTE: Subsídios teóricos que fundamentaram este estudo

Dessa forma, pode-se dizer que a extensão univer-sitária é desenvolvida assimilando-se outras e novas for-mas de conhecimento que surgem no contexto social, cul-tural e popular, ao mesmo tempo que dá forma científicaaos diferentes tipos de saberes dos quais se vão tomandoconhecimento.

Em Brasileiras (2001), é sinalizado que essa trocade saberes entre acadêmicos e ambiente popular terá comoconsequência a mudança de conhecimento acadêmico e aparticipação efetiva da comunidade. Portanto, a educaçãosuperior desenvolve o ensino e a pesquisa sem se desligardas atividades de extensão, que é algo indispensável para aformação, sendo de fundamental importância para comple-mentar o desenvolvimento profissional e pessoal dos aca-dêmicos de qualquer curso, pois a formação acadêmica vaialém da aquisição de conhecimentos técnico-científicos,principalmente porque estes se esvaziam quando não são

MONTAGEM 137

integrados com a realidade.A comunidade acadêmica, ao participar de tais ati-

vidades, estará produzindo conhecimento, abraçando umaoportunidade de interação com setores da sociedade paraalém dos muros das universidades.

Desse modo, Silva (2004, p.23) destaca que: “[…]a extensão Universitária é o processo educativo, cultu-ral e científico que articula o ensino e a pesquisa deforma indissociável e viabiliza a relação transforma-dora entre universidade e sociedade”. A saber, para aautora, a extensão vai muito além de um mero serviço, elafaz parte do processo de construção de conhecimento con-junto, utilizando saberes acadêmicos junto com a comuni-dade externa, que não é necessariamente carente.

Através da extensão universitária o acadêmico su-pera a dimensão de prestação de serviços assistencialistas,por causa da ênfase que se dá à relação teoria-prática, naperspectiva de uma relação dialógica entre universidade esociedade e na oportunidade de troca de saberes.

É importante ressaltar que um projeto de extensãoé visto como um desafio, diante do problema que ele tentaresponder; no entanto, se seus objetivos são claros e suarealização é de relevante interesse social, acadêmico e ins-titucional, sua aplicação será bem desenvolvida.

O papel da extensão é ampliar a visão de mundoatravés da prática, e poucos acadêmicos conseguem en-xergar a importância da extensão para sua formação aca-dêmica. Portanto, vale ressaltar que os projetos de exten-são contribuirão para a formação de pessoas críticas e pre-paradas para melhorar a educação.

A Universidade e a preocupação com a formação aca-dêmica do graduado dos cursos de licenciatura

Segundo Freire (2006, p.36), “[…] o conhecimentonão se estende do que se julga sabedor até aqueles que sejulga não saberem; o conhecimento se constitui nas rela-ções homem-mundo, ou seja, relações de transformações,e se aperfeiçoa na problematização crítica destas relações”.Dessa forma, é concebido que o conhecimento faz parte deuma construção partilhada entre pessoas, sociedade e cul-tura, com a realidade onde cada um participa.

Ao longo dos anos, a extensão universitária passoupor algumas mudanças, dentre elas, a extensão dos cursos,a extensão de serviços, a extensão assistencial, a extensãocom função social, a extensão com mão dupla entre univer-sidade e sociedade, até chegar à extensão cidadã, em quese pôde perceber uma intensa busca por uma nova visão daextensão nas relações internas com outros fazeres acadê-micos e em sua relação com a comunidade em que estáinserida.

A extensão universitária é uma forma de interação

entre a universidade e a comunidade, trazendo a possibili-dade do estudante colaborar com a sociedade, estreitandoas relações entre a comunidade e a universidade, pois fazcom que o conhecimento vá além das salas de aulas, per-mitindo o aprendizado em ambientes não escolares.

O conceito de extensão, definido pelo Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasilei-ras, de 2001, diz que:

A extensão universitária é o processo educativo que ar-ticula o ensino e a pesquisa de forma indissociável eviabiliza a relação transformadora entre a universidade ea sociedade. A extensão é uma via de mão dupla com otrânsito assegurado à comunidade acadêmica, que en-contrará na sociedade a oportunidade da elaboração dapráxis de um conhecimento acadêmico. (FÓRUM, 2001)

A extensão universitária é a atividade acadêmicacapaz de imprimir um novo rumo à universidade brasileira ede contribuir significativamente para a mudança da socie-dade, pois o estudante universitário que participa de um pro-jeto de extensão tem a oportunidade de se inserir em ummovimento social, articulando, neste, um projeto educativoemancipatório de vivências de experiências imprescindíveisde formação humana e social, complementando sua forma-ção acadêmica. As atividades de extensão universitária crí-ticas, preocupadas com a educação do estudante universi-tário e a transformação social da comunidade, só podemocorrer fora da academia se houver uma relação de com-promisso social, político e científico com a comunidade in-teragida. Pois, segundo o Fórum de Pró-Reitores (2001), aprodução do conhecimento, via extensão, se faria na trocade saberes sistematizado, acadêmico e popular, fazendo,assim, com que ocorram a democratização do conhecimen-to e a participação efetiva da comunidade.

Segundo Gohn (2008), nos anos 1980 a educaçãonão-formal tinha pouca importância no Brasil e era vistaapenas como uma extensão da educação formal. Existiamapenas alguns programas de alfabetização de adultos, paraa aquisição da leitura e da escrita, para que houvesse umamaior integração no contexto urbano-industrial. A saber, dosanos 1980 até a atualidade, a concepção de extensão uni-versitária passou por reformulações, ampliando sua áreade alcance, chegando até às instituições não escolares, pos-sibilitando ao acadêmico inserir-se no meio social.

Observa-se que inúmeras inovações no campo de-mocrático advêm das práticas geradas pela sociedade civilque alteram a relação estado-sociedade ao longo do tempoe constroem novas formas de políticas não estatais; de fato,são inúmeras as novas práticas sociais expressas em novosformatos institucionais da participação, como conselhos,fórum, assembleias populares e parcerias. Em todas elas aeducação não-formal está presente como processo de apren-

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dizagem de saberes novos entre seus participantes. Consi-dera-se a educação não-formal como uma área de conhe-cimento ainda em construção e é aquela que se aprende no“mundo da vida”, via processos de compartilhamento deexperiências, principalmente em espaços de ações coleti-vas cotidianas.

A área que se constitui como de conhecimento eatuação profissional para o pedagogo precisa ser conheci-da pelos estudantes de graduação. Nesse sentido, as insti-tuições não escolares, ambiente onde a educação não-for-mal é desenvolvida, é o foco para onde a extensão univer-sitária deve direcionar seus olhares.

Gohn (op.cit.) concebe que a educação não-formalcapacita os indivíduos a se tornarem cidadãos do mundo,no mundo, e a finalidade dela é abrir janelas de conheci-mento sobre o mundo que circunda os indivíduos e suasrelações sociais. Os objetivos dessa educação não são da-dos a priori; eles se constroem no processo interativo, ge-rando um processo educativo em que o educador é o agen-te do processo de construção do saber e é aquele com queminteragimos.

Na educação não-formal, as metodologias opera-das no processo de aprendizagem partem da cultura dosindivíduos e dos grupos; o método nasce a partir de proble-matização da vida cotidiana, os conteúdos emergem a par-tir dos temas que se colocam como necessidades, carênci-as, desafios, obstáculos ou ações empreendedoras a seremrealizadas. Os conteúdos não são dados a priori, mas simconstruídos no processo, e o método passa pela sistemati-zação do modo de agir e de pensar o mundo que circundaas pessoas. Ela não é organizada por séries, idade e con-teúdos, pois atua sobre aspectos subjetivos do grupo; traba-lha e forma a cultura política de um grupo; desenvolve la-ços de pertencimento; ajuda na construção da identidadecoletiva do grupo (este é um grande destaque da educaçãonão-formal).

A educação não-formal deve contribuir para a igual-dade e o desenvolvimento social e, ainda, favorecer melhorqualidade de vida e elevação da autoestima dos grupos so-cialmente excluídos; deve, também, ser um instrumento efi-caz no processo de construção da democracia, da cidada-nia, da paz, do desenvolvimento e da justiça social, de modoa garantir a inclusão social e a dignidade humana.

Os programas e projetos sociais oferecidos por ins-tituições não escolares devem possibilitar o respeito à igual-dade e à diferença, fomentar valores éticos e cívicos, alémde contribuir para o combate ao racismo, à discriminação, àintolerância e à xenofobia e, ainda, em direitos humanos,articular o conhecimento popular ao conhecimento acumu-lado historicamente pela comunidade.

O projeto de extensão “Partilha de Saberes: ativi-

dades pedagógicas em ambientes populares” é um exem-plo de como a universidade e instituições não escolarespodem celebrar parcerias para a realização da extensãouniversitária.

É através da extensão universitária que pode haveruma interação entre a academia e a comunidade na qualela está inserida, ocasionando uma troca de conhecimentoonde nem só a comunidade ganha, mas também a universi-dade aprende, absorvendo seus valores e sua cultura. Éválido enfatizar que a extensão pode, ainda, contribuir sig-nificativamente para a formação de profissionais mais hu-manizados, que se preocupam com os problemas sociais eestão preparados para ajudar a levar o conhecimento àspessoas. Paulo Freire enfatiza que quem se apropria doconhecimento pode apreendê-lo:

Por isto mesmo é que, no processo de aprendizagem, sóaprende verdadeiramente aquele que se apropria do apren-dido, transformando-o em aprendido, como o que pode,por isto mesmo, reinventá-lo, aquele que é capaz de apli-car o aprendido-apreendido a situações existenciais con-cretas” (FREIRE, 1981, p.27.).

Desse modo, através da extensão universitária, ograduando, ao ter contato com a realidade, apreende con-teúdos que constituem seu arcabouço formativo, e que nor-tearão sua vida acadêmica e profissional. E, ao mesmotempo, desenvolve a prática social, que é um compromissotanto pessoal quanto institucional da parte das Universida-des e Grupos de Pesquisa, como deixam claro Nahra e Bra-gaglia (2002, p.7), ao demonstrarem as atividades do Nú-cleo de Estudos da Criança e Adolescente – NECA, daUniversidade Luterana do Brasil – ULBRA/RS:

O NECA vem, desde 1998, desenvolvendo atividades deassessoria, consultoria, formação, pesquisa e extensão, afim de favorecer o cumprimento do papel social da Uni-versidade através da interlocução com a realidade social,seus processos e organizações.

Esse núcleo vem, desde 1998, desenvolvendo atividadesde formação, pesquisa e extensão na Universidade, naintenção de favorecer o cumprimento do papel social damesma através da interlocução com a realidade social deseus processos e organizações.

A interlocução entre o trabalho da Universidade e oambiente social possibilitado pela atividade dos Grupos dePesquisa é a chave para que a Instituição conheça as de-mandas dos grupos considerados excluídos do sistema, dosque vivem em situação de vulnerabilidade social e ou eco-nômica, das minorias que tentam se manifestar, mas sãoabafadas pelas imposições dos grupos majoritários. Nessesentido, a ação dos Grupos de Pesquisa, que vai muito alémda atividade da pesquisa, encontra no campo da extensão

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universitária o amparo formal para o estabelecimento deatividade acadêmica, para analisar cientificamente as ma-nifestações dos fenômenos que se apresentam no âmbitoda sociedade.

Nessa mesma direção também é possível verificara importância do trabalho não somente social, mas tambéminstitucional que os Grupos de Pesquisa realizam por meioda extensão universitária. Embora essas atividades rendampara os pesquisadores ganhos no sentido de enriquecimen-to do Currículo Lattes, status institucional pela divulgaçãodos resultados do bom trabalho desenvolvido, estrutura patri-monial devido à captação de recursos junto a órgãos quefomentam a pesquisa no país, frutos que os Grupos de Pes-quisa colhem decorrentes do processo é que a pesquisa e aatividade de extensão deixam no ambiente onde foi aplicadoo trabalho sinais positivados da ação, e nutrem o ambienteacadêmico com realizações cientificadas como demostra:

Bastante sintomático da tendência da produção científi-co-acadêmica brasileira de se realizar cada vez mais nagestação em grupos de pesquisa é o índice de produtivi-dade anual dos pesquisadores doutores, segundo osestudos dos grupos a que estão vinculados […]

Do ponto de vista de uma instituição de ensino superior,em razão da lógica dos investimentos públicos na produ-ção do conhecimento científico, os grupos de pesquisafuncionam como instrumentos inseridos nas estratégiasvoltadas a fazer operar e organizar a produção do conhe-cimento. (BIANCHETTI e MEKSENAS: 2008, p. 156)

Falar de extensão universitária é tratar de atividadeacadêmica e, nesse sentido, os Grupos de Pesquisa são osprincipais representantes dessa produção, pois eles são osbraços que ligam Instituições de Ensino Superior ao ambi-ente social por meio da atividade da pesquisa e extensão.Nesse sentido, não podemos tomar a extensão universitáriacomo uma ação assistencialista, caritativa, mas como umtrabalho científico de autoridades com títulos de pesquisa-dor, de grupos com credenciamento junto às instituições eórgãos de Estado. Por isso, o trabalho tem que ser desem-penhado mediante a celebração de convênio, formalizaçãodas ações por meio de projeto, com cronograma de execu-ção, com orçamento definido e todos os outros itens neces-sários para a constituição de um documento que defina asresponsabilidades e compromissos das partes envolvidas naatividade de extensão.

O rigor exigido na operacionalização da atividadede extensão é muito grande, pelo fato de se querer que otrabalho seja concreto e ao mesmo tempo tenha validadepara as instituições sociais; neste caso podemos tomar comoexemplo a atividade descrita por Audy e Morosini (2008, p.38) que, apresentando os dados sobre a atividade da Facul-dade de Teologia – FATEO, da Pontifícia Universidade

Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, junto à Coorde-nadora Regional de Educação do Rio Grande do Sul – CRE,demonstram como, para a constituição de uma formaçãoespecífica na área do Ensino Religioso, a referida Faculda-de teve que criar um curso com característica de extensãouniversitária, como forma de viabilizar a certificação e, as-sim, o reconhecimento institucional da formação dos do-centes.

A saber, pelos dados dos autores, aquilo que pode-ria parecer uma simples atividade de formação, através daseriedade que é atividade da extensão universitária, e pelaforma como acontecem as relações entre as instituições, aatividade ganha a proporção de curso certificado. O fatonarrado serve para demonstrar o nível de comprometimen-to que há por trás das ações institucionalizadas, e como aextensão universitária se torna um meio para a concretiza-ção das ações sociais com caráter formalizado.

A relação celebrada entre a universidade e os seg-mentos da sociedade, mediada pela atividade da extensãouniversitária possibilitada pela ação dos Grupos de Pesqui-sa, promove benefícios para todos os envolvidos nesse pro-cesso, como é possível visualizar na figura a seguir:

A FIGURA 2, que destaca os campos Universida-de, Grupos de Pesquisa e Segmentos da Sociedade, buscaexemplificar visualmente o contato estabelecido entre osentes envolvidos, a saber, o Grupo de pesquisa tem intrínse-ca ligação com a Universidade, pois um grupo de pesquisaacadêmico só pode existir se estiver ligado a uma Institui-ção de Ensino Superior. No campo Segmentos da Socieda-de, as instituições que aparecem são apenas uma amostrade onde e com quem os Grupos de Pesquisa realizam seustrabalhos; essas instituições também possuem uma amisto-sa relação direta com a Universidade, mas um trabalho maisefetivo com coleta de dados, pesquisa de campo e busca deresultados é realizado por meio dos Grupos de Pesquisamediados pela benfazeja ação da extensão universitária.

As experiências educacionais da extensão universi-tária desenvolvidas em ambientes populares

O presente relato expõe o resultado das atividadesrealizadas na Pastoral do Menor, a partir do desenvolvi-mento do trabalho de extensão universitária, fazendo rela-ção com a formação do curso de graduação e destacando ocaráter educativo de práticas de educação não escolar, emespecial a Pastoral do Menor, no Município de Moju.

A Pastoral do Menor é uma entidade da PastoralSocial da Igreja Católica, que se destaca no segmento deeducação popular, organizada pela Associação de ObrasSociais da Paróquia de Moju, e que tem, como objetivo,desenvolver ações educativas que contribuam para o pro-cesso formativo de crianças e adolescentes em situação de

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risco e de vulnerabilidade social.A realização das atividades pastorais em forma de

projetos sociais educativos constitui uma forma de esten-der a ação da Igreja à realidade social de crianças de ado-lescentes que estão fora da escola. Nesse sentido, a Pasto-ral do Menor trabalha em dois segmentos: o primeiro é abor-dagem de crianças e adolescentes em situação de rua, e osegundo realizando acompanhamento às famílias dos bair-ros periféricos de Moju.

As atividades educacionais da Pastoral acontecematravés oficinas de apoio pedagógico que assumem o cará-ter de reforço escolar para crianças que estão com dificul-dades na aprendizagem escolar. Nessa mesma perspecti-va, também são realizadas discussões envolvendo assuntosligados aos temas transversais, a fim de contribuir com oaproveitamento educacional da criança e, ao mesmo tem-po, promover a conscientização sobre questões ligadas àsua realidade.

Outro importante componente da formação desen-volvida na Pastoral do Menor são as atividades voltadaspara o resgate de suas raízes culturais, que busca fazercom que as crianças e os adolescentes se reconheçam comopessoas, membros da realidade amazônica, sujeitos cons-trutores da história e colaboradores no processo de perpe-tuação das relações do modo de vida de sua sociedade.

Atividades lúdicas de esporte, momentos de lazer,oficinas de teatro e capoeira, também são desenvolvidas,mas seu direcionamento é voltado para estimular a coope-ração, o entretenimento, as habilidades motoras de crian-

ças e adolescentes.Por ser uma entidade ligada à Pastoral Social da

Igreja Católica, o aspecto religioso também é valorizado, nosentido de estimular os valores da religiosidade de cada cri-ança e adolescente, e aproveitando a oportunidade pararefletir sobre questões inerentes ao respeito, à solidarieda-de, ao amor fraternal e ao respeito à família.

Embora seja uma entidade ligada à igreja católica,as atividades desenvolvidas pela Pastoral do Menor sãomuito bem planejadas, pois, por desenvolver atividades so-ciais, a entidade atende a um público de diversas denomi-nações religiosas; por isso, procura optar pela linguagem doecumenismo e da multirreligiosidade.

Pela importância dada ao aspecto religioso da for-mação das crianças e dos adolescentes, o momento da ora-ção é realizado todos os dias, no início das atividades, comomodo de introduzir as discussões da roda de conversa, as-sim, sendo feita uma reflexão a partir de uma leitura bíblicaou temática ligada à realidade social.

No ano de 2011, a Pastoral do Menor da Paróquiado Divino Espírito Santo, de Moju, foi inscrita para concor-rer ao prêmio Itaú-UNICEF com o projeto: “APRENDERCOM ALEGRIA”. E, pela relevância de seu trabalho eimportância das atividades realizadas, foi a vencedora doconcurso da região norte e foi indicada para concorrer aoprêmio nacional da mesma instituição.

Essa premiação significou para a Pastoral do Me-nor e, principalmente para os que a compõe, um grandereconhecimento aos esforços de pessoas que desde 1998,

FIGURA 2: Relação Universidade e sociedade mediada pelos grupos de pesquisa.

FONTE: Subsídios teóricos que fundamentaram este estudo.

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ano da fundação da entidade na cidade de Moju, se dedi-cam voluntariamente em prol da causa da criança e do ado-lescente.

No que se refere à relação da Pastoral do Menorcom os pressupostos da formação do curso de graduação eda extensão universitária, ressaltamos que a Universidadedo Estado do Pará, através do Núcleo Universitário Regio-nal do Baixo Tocantins vem se destacando, pois o projeto“PARTILHA DE SABERES: Atividades pedagógicas emambientes populares” é um dos muitos trabalhos que o Cam-pus XIV da UEPA/Moju realiza junto à Pastoral do Menor,e que possibilitam, ao acadêmico, aplicar e aprofundar osconhecimentos adquiridos nos cursos a que estão vincula-dos.

Isso nos leva a refletir o que Freire (1996) desta-ca como uma das tarefas mais importantes da prática edu-cativa que aprendemos: é a de propiciar condições paraque o educando, em sua relação com o outro, possa assu-mir-se como ser social e histórico, como ser pensante, co-municativo, transformador, criador e realizador de sonhos.

É nessa perspectiva que se desenvolveram as ati-vidades na Pastoral do Menor. Os graduandos do curso dePedagogia traçaram estratégias para que crianças e ado-lescentes pudessem interagir e perceber a importância deseu papel na sociedade.

Outra experiência relacionada à Pastoral do Me-nor foi o trabalho de extensão universitária realizado na cida-de de Abaetetuba1, com uma turma de crianças e adoles-centes que compõem a oficina do “sucesso escolar2”, donível de ensino do 1º ao 4º ano da rede pública de ensino.

Tendo como referencial as oficinas da Pastoraldo Menor de Abaetetuba, para a realização de um trabalhoque vise ao reforço do aprendizado escolar, é concebível apossibilidade de um trabalho integrado entre instituiçõesescolares e instituições não-escolares, em contraturno, emvista de melhorar o aproveitamento escolar do educando.

O processo de ensino aprendizagem ainda constituium grande desafio para os educadores das instituições de en-sino, pois, uma vez que a educação formal não consegue cati-var os educandos, como as instituições não-escolares, a saber,em um ambiente como a Pastoral do Menor, que não contacom os mecanismos de controle, como a lista de frequência eo mapa de notas, como a escola pública tem, a assiduidade e aparticipação nas atividades são bem mais frequentes.

Nesse sentido, como reflete Souza (2003), a edu-cação pública precisa tornar-se popular, e isto é traduzidopela necessidade de universalizá-la e democratizá-la emseus diferentes níveis e dimensões, tornando-a, de fato,acessível às camadas populares, promovendo, pela via doconhecimento e da cidadania, as condições necessárias àtransformação social e à emancipação humana, chegando-se à ação político-pedagógica.

Reivindicar que a escola se torne popular não équerer que esta perca o rigor e a formalidade para o desen-volvimento do processo ensino-aprendizagem, mas é ampli-ar as possibilidades para o desenvolvimento de atividadeseducacionais comprometidas com princípios e atividades deconscientização, como as instituições não-escolares desen-volvem, ou que, pelo menos, sejam estabelecidas parceriasentre as duas formas de instituição, para a concretizaçãode ações conjuntas.Desse modo, Antunes (2009, p.13) estabelecerá quatro ti-pos de ações pelas quais o processo de formação precisarápassar para alcançar o status de popular:

Aprender a conhecer, isto é, adquirir as competênciaspara a compreensão, incluindo o domínio dos própriosinstrumentos do conhecimento. Em síntese, quem apren-de a conhecer aprende a aprender.

Aprender a fazer. Esta segunda aprendizagem enfatiza aquestão da formação profissional e o preparo para o mun-do do trabalho. Que a escola, desde a educação infantil,ressalte a importância de se pôr em prática os conheci-mentos significativos ao trabalho futuro.

Aprender a viver juntos, a viver com os outros. Para issoacontecer os professores precisam ter a coragem dedesvestir a escola de sua fisionomia de quartel e deixar deser um disfarçado campo de competições para, aos pou-co, ir se transformando em um verdadeiro centro de des-coberta do outro e também um espaço estimulador deprojetos solidários cooperativos identificados pela bus-ca de objetivos comuns.

Aprender a ser. Aprender a ser retoma a ideia de quetodo ser humano deve ser preparado para elaborar o pen-samento inteiramente — espírito e corpo, inteligência esensibilidade, sentido, ética e espiritualidade para elabo-rar pensamentos autônomos e críticos e também formularos próprios juízos de valores de modo a poder decidir,por si mesmo, em diferentes circunstâncias da vida.

1 Pelos dados do site http://www.mda.gov.br: O Território do BaixoTocantins - PA abrange uma área de 36.024,20 km² e é composto por 11 municípios: Abaetetuba,Acará, Baião, Barcarena, Cametá, Igarapé-Miri, Limoeiro do Ajuru,Mocajuba, Moju, Oeiras do Pará e Tailândia, região onde a Universidadedo Estado do Pará está presente através do Núcleo Universitário Regi-onal do Baixo Tocantins-Campus XIV/UEPA.2 O sucesso escolar é mais um dos instrumentos pedagógicos utilizadospela Pastoral na busca de seus objetivos, sendo que, nas oficinas, oeducador provoca o aluno a pensar, a construir e desconstruir argumen-tos. Tem prática e estratégias diferentes, que fazem com que crianças eadolescentes se libertem das atividades monótonas e cansativas. Mes-mo que seja necessária e imprescindível a prática da leitura e da escrita,o educador da Pastoral do Menor (PAMEN) exerce a pedagogia docoração, ouve os anseios dos seus educandos e de seus pais; nessecontexto se realiza o trabalho de pesquisa sobre essa realidade de dificul-dade de aprendizagem, através da observação no convívio com os meni-nos e meninas da PAMEN, no município de Abaetetuba.

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Para o autor, na configuração de como ocorre oprocesso de formação, aprender envolve muito mais do quea escola está pronta a ensinar, é conceber as questões queatraem o educando. Nesse sentido, nas instituições não-escolares como a Pastoral do Menor, o processo educacio-nal se popularizou e conseguiu adquirir algo que a institui-ção escolar não conseguiu, conquistar a atenção do edu-cando.

Exemplos de atividades como a do “sucesso es-colar”, desenvolvidas na Pastoral do Menor no trabalho deextensão universitária se tornam valiosos, pois o acadêmi-co, ao se deparar com essa realidade, começa a questionaros métodos de ensino e as teorias educacionais que a aca-demia lhe ensinou, o que possibilita, a esse quase profissio-nal, pensar em novas propostas educacionais para as insti-tuições de ensino, quando estiverem atuando.

No entanto, a relação estabelecida entre Univer-sidade e Instituição não-escolar não está somente nas ativi-dades desenvolvidas para atender às crianças e aos ado-lescentes, mas está, principalmente, em auxiliar as institui-ções na organização de seu planejamento, no desenvolvi-mento de projetos educacionais, atividades voltadas para aformação de educadores, emissão de documentos e reali-zação de oficinas, dentre outras atividades que visam con-tribuir com esse processo. Ou seja, a extensão universitáriaé uma constante troca de informações onde o acadêmicorecebe formação e, ao mesmo tempo, dá um pouco de seuconhecimento à instituição não-escolar.

Assim, concluímos que a relação estabelecida,especialmente, entre a Pastoral do Menor da Paróquia doDivino Espírito Santo, da cidade de Moju, e a Universidadedo Estado do Pará, através da extensão da formação uni-versitária, é muito importante, pois as instituições envolvi-das, ao estabelecer parceria, possibilitam ao acadêmicomaior conhecimento e reflexão sobre a prática profissional.Dessa forma, o universitário ganha experiência e faz con-tato a realidade social.

A importância estratégica do currículo das instituiçõesnão-escolares

As instituições não escolares são ambientes fér-teis para as práticas educacionais diferenciadas e inovado-ras, pois elas não estão presas às regras e fundamentosque regem o funcionamento das instituições escolares.

A FIGURA 1, que exemplifica o cenário social,demonstra que as instituições não-escolares estão situadasem todos os setores econômicos da sociedade. O fenôme-no educação transversaliza todos os setores sociais, comoo Governo, Empresas e Sociedade civil organizada. As ati-vidades que esses setores têm, seja no setor público, priva-do, ou da sociedade civil, que não sejam nas instituições

escolares, que têm um caráter educativo, formativo, envol-vendo aprendizagem, são atividades educacionais e são re-alizadas em hospitais, igrejas, assembleias, feiras, etc.

É nesse contexto que a extensão universitária podeser desenvolvida. No entanto, vale apenas considerar queos setores sociais, Governo e Empresas contam com o su-porte técnico e financeiro que lhes possibilita fazer investi-mentos à medida que os problemas vão surgindo; esses doissetores podem contratar de imediato serviços especializa-dos, para conseguir superar suas crises ou alcançar vanta-gens necessárias. A Sociedade Civil Organizada não temesse recurso de imediato, suas atividades são desempenha-das à medida que, no contexto da sociedade, vão se mani-festando fenômenos que precisam ser superados, quandosurgem situações que o Estado deixa de atender e, assim, aprópria população se movimenta para solucioná-los, comono caso de crianças e adolescentes que, por causa da situ-ação de vulnerabilidade social e/ou econômica, são vítimasde violência e exploração. Nesse caso, grupos de cidadãosse reúnem e trabalham para cuidar desses menores, já queo Estado não consegue realizar políticas públicas para es-sas vítimas.

A ação das pessoas reunidas em torno de um con-texto comum, como ocorre nos sindicatos, associações demoradores, trabalhos pastorais, Ongs, etc., deflagra o cará-ter popular do trabalho dos cidadãos em querer buscar res-postas para os problemas que surgem no contexto socialem que vivem, e é nesses espaços que as atividades educa-cionais vão acontecendo, em uma atmosfera popular comcaracterística de não-formal, contando muitas vezes somentecom a boa vontade do voluntariado, sem ter o amparo téc-nico ideal para alcançar o bom êxito da ação; por isso, aparceria com a Universidade e os Grupos de Pesquisa sãonecessários por oportunizar às instituições da sociedade ci-vil apropriação de conteúdos mais aprimorados, com fun-damentação teórica e aplicação científica.

Uma das vantagens no desempenho do trabalhocom que as organizações da sociedade civil contam, porserem instituições de interesse social, é a liberdade legalpara promover suas ações, pois, no momento da criação dainstituição junto aos órgãos de Estado, é exigido apenas ocampo em que a instituição pretende atuar; a forma comodesempenhará sua atividade fica em aberto, podendo optarpor ser associação, mas podendo realizar atividades educa-cionais. Desse modo, agindo no sentido de cumprir comsuas finalidades, a instituição de caráter popular pode abu-sar na ousadia de desenvolver variados métodos educacio-nais, investir em diferentes técnicas de alfabetização, pro-mover um processo ensino/aprendizagem mais oportuno.

No entanto, as instituições não escolares, os am-bientes populares precisam se reconhecer como protago-

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nistas educacionais, ou seja, precisam enxergar essa ativi-dade para além da finalidade de sua razão social. Nessesentido, o processo educacional desenvolvido no interior deinstituições como a Pastoral do Menor projeta muito maisalcance no sentido pedagógico libertador3, se seu planeja-mento vai além do aspecto pastoral e/ou eclesiástico.

O desenvolvimento de práticas pedagógicas edu-cacionais no interior de instituições como a Pastoral doMenor pode ser a solução para o que Apple considera como“currículo colonizado”, que é desenvolvido no interior dasescolas.Tomás Tadeu da Silva sugere que as ações educacionaisdesenvolvidas nas instituições não escolares podem ser umasolução para a problemática da colonização do currículo.Assim, o autor enfatiza que:

Uma estratégia de descolonização supõe, evidentemen-te, o projeto, a construção e a elaboração de novos mate-riais que possam refletir as visões e representações alter-nativas dos grupos subordinados. […] Será importanteque os grupos progressivamente reunidos em torno dosdiversos movimentos sociais levem a sério a tarefa deprojetar e construir materiais curriculares e pedagógicoscontra-hegemônicos. (COSTA: 2002, p.69)

Para o autor, a hegemonia de uma proposta edu-cacional de dominação é realidade, mas, ao sugerir que asações dos grupos reunidos em torno dos movimentos sociaiselaborem matérias que reflitam a realidade dos grupos su-bordinados, estabelece que é possível uma alternativa edu-cacional que conjeture outras visões de educação, que abor-de outras propostas educacionais pautadas em conhecimen-tos que podem estar fora do contexto da educação formal.

Desse modo, as instituições não-formais que pres-tam relevante serviço educacional, assistencial, cultural, polí-tico e sindical, entre outros mais, para a sociedade, são achave para as Instituições de Ensino Superior repensarem aformação de professores e técnicos da área de educação, apartir do contato que esta tem com a realidade através dasatividades de extensão, e, com isso, possam produzir novasmetodologias educacionais para mediar o processo ensino-aprendizagem das instituições de ensino do país.

CONSIDERAÇÕES FINAISSendo a extensão um dos principais fatores com-

ponentes da formação universitária, seu desenvolvimentoestá ligado ao aprendizado do acadêmico. Nesse sentido,essa ação precisa ser acompanhada de perto por professo-

res-orientadores que possam dar o norte ideal para a boarealização das atividades inerentes a essa etapa da forma-ção. Assim, os Grupos de Pesquisa ligados às Instituiçõesde Ensino Superior são profícuos ambientes para o desem-penho da extensão universitária, pois, nesses espaços, osuniversitários têm a oportunidade de realizar trabalhos aca-dêmicos com maior amparo institucional, sob a tutela depesquisadores com formação consolidada.

Os locais, as instituições contempladas com o pro-jeto de extensão universitária são fundamentais nesse pro-cesso, pois elas darão permissão para ações experimentaisserem desenvolvidas com seus membros. Com isso, as pos-sibilidades de crescimento para os envolvidos são imensas,pois as instituições não-escolares, as universidades e osacadêmicos estarão promovendo a construção do conheci-mento de modo responsável e planejado.

Durante o período do desenvolvimento do Projeto“PARTILHA DE SABERES: atividades pedagógicas emambientes populares”, a instituição não escolar envolvi-da, neste caso a Pastoral do Menor de Moju, pôde contarcom toda a dedicação e conhecimento teóricos que os uni-versitários adquiriram ao longo de suas formações acadê-micas. E os acadêmicos, por sua vez, também puderam tercontato com as teorias e as práticas que embasam o pro-cesso educacional das instituições não-escolares.

Partilhar a experiência de como se desenvolveextensão no processo de formação pode ser uma das alter-nativas que a academia precisa valorizar, mais como baseempírica das teorias que norteiam o ensino e a pesquisa dasInstituições de Ensino Superior.

REFERÊNCIAS

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3 Embasados em Paulo Freire, que cogita uma formação para a libertaçãodo aluno através de um processo educacional que o faça refletir sobre ascondições sociais, econômicas e políticas em quevive; assim, em instituições não-escolares, como a Pastoral do Menor,fala-se em Pedagogia Libertadora como princípio norteador de uma for-mação para a conscientização.

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MONTAGEM 145

ResumoEste artigo parte de uma dissertação que teve como

objetivo analisar as condições de trabalho do professor apartir dos motivos revelados nas licenças médicas referen-tes aos transtornos mentais e de comportamento. De ma-neira geral somos afetados pelo medo, pelo individualismo,pressões e mudanças rápidas no conhecimento. As queixasde professores, nos pedidos de afastamento do trabalho,revelam a saúde mental, assim como as condições do tra-balho docente no contexto escolar. Os dados evidenciamum número expressivo para possível análise e intervenção,levantando hipóteses sobre a reincidência do transtornoemocional e quanto as condições do trabalho docente po-dem intervir no adoecimento emocional do professor.

Palavras-chave: Cotidiano Escolar; Trabalho Docen-te; Saúde Mental.

ACADEMIC WORK AND LICENSING MEDICAL TEACHERS AWAY

AbstractThis paper is part of a dissertation aimed to analyze

the working conditions of teachers from motives revealedin the sick leave related to mental and behavioral disorders.In general we are affected by fear, individualism, pressuresand rapid changes in knowledge. The complaints of tea-chers, requests to leave, shows mental health, as well asthe conditions of teaching in the school context. The datashow a significant number of possible analysis and inter-vention, raising hypotheses about the recurrence of emotio-nal disorder and how the conditions of teaching may inter-vene in the emotional illness of the teacher.

Keywords: Daily School; Teaching Work; Mental Health.

IntroduçãoO contexto contemporâneo, descrito por Zygmunt

Bauman (2007) como tempos líquidos, tem como caracte-rísticas a fluidez, a incerteza, a fragilidade das relações, omedo de tudo e de todos a todo momento, que alteram ascondições de trabalho e as relações entre as pessoas emgeral.

As relações de trabalho, entendidas como sendotodos os laços humanos criados pela organização de

TRABALHO DOCENTE E LICENÇAS MÉDICAS DE PROFESSORES AFASTADOS

Paola Andrade MAIA*

trabalho: relações com a hierarquia, com as chefias,com a supervisão, com os outros trabalhadores (DE-JOURS, 1992, p. 75), também se alteram e se tornam cadavez mais difíceis.

Para Chistophe Dejours (1994, p. 59), o individu-alismo é uma explicação da evolução social e da crisedas relações sociais de trabalho e até mesmo das rela-ções sociais em geral. O autor também traz como tese doindividualismo a questão da naturalização, ou seja, quantotem se incorporado como natural e até mesmo biológicaa explicação do individualismo, além de ser algumas vezesconsiderado como causalidade do destino, clichê, e comouma forma de fortalecer a publicidade, a arte e a literatura,atualmente.

Ainda segundo Dejours (2001), o trabalho podeser mediador de emancipação, mas, para os que têmum emprego, também continua a gerar sofrimentos. Essesofrimento, muitas vezes, é causado pela intensificação dotrabalho, principalmente decorrente do aumento da cargade trabalho, fadiga e degradação progressiva das relaçõesde trabalho, tais como: arbieratriedade das decisões, des-confiança, individualismo, concorrência desleal (p.43).

As ciências humanas, como, por exemplo, a Psico-logia e a Educação, são campos de conhecimento interliga-dos com as exigências do mundo contemporâneo, das intera-ções entre as pessoas e esse tempo imediatista que hoje seapresenta. No mundo contemporâneo se espera que tenhamo mesmo tempo, ou seja, que as pessoas respondam rapida-mente, como máquinas, que sigam o tempo do relógio.

O trabalhador não chega a seu local de trabalho comouma máquina nova. Ele possui uma história pessoal quese concretiza por uma certa qualidade de suas aspira-ções, de seus desejos, de suas motivações, de suas ne-cessidades psicológicas, que integram sua história pas-sada. Isso confere a cada indivíduo características úni-cas e pessoais. (DEJOURS, 1994, p. 24)

As pessoas não são máquinas, o tempo cronológicodo mundo atual é rápido demais e não acompanha o tempobiológico. A Revista Veja, publicada no dia 13 de junho de2010, traz uma matéria intitulada Aula Cronometrada, como seguinte subtítulo: Com um método já aplicado em paí-ses de bom ensino, o Brasil começa a investigar o dia adia nas escolas. A matéria conta como países bem sucedi-dos no que se refere à educação, como os Estados Unidos,vêm se utilizando de um método científico, eficaz para ava-liar as aulas: o uso de cronômetro e filmagem, no qual osespecialistas ficam no fundo da classe observando e crono-

* Mestrado em Educação pela Universidade de Sorocaba - UNISO.Especialista em Psicoterapia Breve- CEFAS e Violência Doméstica con-tra Crianças e Adolescentes (USP). Graduação em Psicologia pelaUNESP. E-mail: [email protected]

146 Revista do Centro Universitário Moura Lacerda

metrando a aula, a fim de verificarem qual o tempo desper-diçado em aula com assuntos irrelevantes. Segundo amatéria, o pedagogo Doug Lemov depreendeu algo quea breve experiência brasileira já sinaliza: Os professo-res perdem tempo demais com assuntos irrelevantes e serevelam incapazes de atrair a atenção de alunos reple-tos de estímulos e inseridos na era digital. E finaliza oartigo com a frase: os cronômetros são um necessáriopasso para o Brasil deixar a zona do mau ensino.

Em momento algum foi questionado o que seria bomou mau ensino, ou o que é relevante para a sociedade, masorgulha-se de um método quantitativo para controlar as re-lações entre pessoas. Ao colocar a sala de aula numa plani-lha, apenas revelará a incapacidade do professor diante deparâmetros produtivistas, sem questionar o entorno da es-cola ou quanto a sociedade, quanto os sistemas sociais im-pedem uma educação de qualidade.

Quando se percebe esse entorno da escola, tem-seoutra característica do mundo atual, uma realidade em queos pais trabalham, as crianças passam o maior tempo naescola, os professores cada vez mais cobrados sobre umasérie de fatores que antes não faziam parte de suas fun-ções, como assuntos ligados a drogas, violência, morte, aban-dono e valores morais, entre outros, que agora, também,são conhecimentos de discussão pelos professores.

Na era da tecnologia das informações, as relaçõeséticas e morais estão sendo passadas por discursos e nãomais por experiência. As crianças e adolescentes apren-dem pesquisando num site de busca tudo aquilo que dese-jam saber, o qual fornece informações das mais diversas,sem um critério ou julgamento e, principalmente, sem umdiálogo, sem uma orientação que, por sinal, envolve tempo,questionamento e emoção.

Quando a relação do indivíduo com seu trabalhoultrapassa o limite do suportável, não favorecendo condi-ções de satisfação, o sofrimento pode começar. Para De-jours (1994, p. 29), a energia pulsional que não achadescarga no exercício do trabalho se acumula no apa-relho psíquico, ocasionando um sentimento de despra-zer e tensão.

Em 22 de maio de 2010, o Jornal Folha de São Pau-lo trouxe uma matéria com o título SP anuncia plano parasaúde do docente, relatando sobre um programa de pre-venção e eventual tratamento para os 65 mil servidoresda educação da capital paulista. A equipe que trabalha-rá no programa é constituída por médicos, fisioterapeutas,fonoaudiólogos, psicólogos, nutricionistas e enfermeiros. Amatéria aponta que a ideia da implantação do programa,segundo o chefe de gabinete da Secretaria de Educa-ção, Fernando Padula, surgiu em decorrência do númerode abstinência dos professores. Na época do levantamento

(em 2007), a cada dia, 12,8% deles não compareciamàs aulas. Luiz Carlos Marrone (2010) relata na continuida-de do artigo que, Para cada cem horas de aulas, os pro-fessores da rede privada tiravam em média 1,3 hora emlicença; da municipal 3,1; e da estadual 7,3. Esses da-dos foram levantados a partir de uma pesquisa realizadacom professores da rede estadual da Baixada Santista eBotucatu, de 2000 a 2006. Nesse estudo, também foramrealizadas as análises de 105 licenças médicas na mesmaregião. Transtornos mentais e comportamentais confi-guravam entre 51 casos (51,4%), seguidos de doençasorteomusculares, com 13 casos (12,4%).

As queixas de professores, nos pedidos de afasta-mento do trabalho, revelam a saúde mental, assim como ascondições do trabalho docente no contexto escolar. Segun-do Mary Sandra Carlotto (2002), torna-se claro como o tra-balho docente causa prejuízos à saúde mental do professor, aseveridade do burnout entre os profissionais de ensinoé, atualmente, superior à dos profissionais de saúde.

Nesse contexto, este artigo tem como objetivo ge-ral quantificar as licenças médicas concedidas durante operíodo de dois anos (julho de 2007 a julho de 2009) naRede Municipal de Sorocaba, relacionadas aos transtornosemocionais, e identificar o perfil dos professores licencia-dos, quanto a sua idade, modalidade de ensino e gênero.

Trabalho DocenteO trabalho continua sendo um fator de grande im-

portância na vida das pessoas. É por meio de seu oficio queos indivíduos fortalecem sua identidade e se sentem úteis,capazes, produtivos e participantes, não apenas para ga-rantirem o sustento, mas também para se realizarem en-quanto pessoas. Nesse sentido, o trabalho desempenha navida de homens e mulheres uma função social, econômicae política.

Entendemos que o trabalho tem caráter plural epolissêmico e que exige conhecimento multidisciplinar; étambém a atividade laboral fonte de experiênciapsicossocial, sobretudo dada a sua centralidade na vidadas pessoas: é indubitável que o trabalho ocupa parteimportante do espaço e do tempo em que se desenvolvea vida humana contemporânea. Assim, ele não é apenasmeio de satisfação das necessidades básicas, é tambémfonte de identificação e de auto-estima, de desenvolvi-mento das potencialidades humanas, de alcançar senti-mento de participação nos objetivos da sociedade. Tra-balho e profissão (ainda) são senhas de identidade.(NAVARRO e PADILHA, 2007, p. 2).

O trabalho tem uma dimensão fundamental na vidadas pessoas, mesmo para aquelas que estão desemprega-das. Ocupar uma função é estar no mundo, é atuar, não ser

MONTAGEM 147

espectador. Mas o trabalho, por outro lado, pode gerar an-gústias, insatisfações, adoecimento. Para Navarro e Padi-lha (2007, p. 03), o trabalho é um ato que pressupõe aconsciência e o conhecimento dos meios e dos fins aosquais se pretende chegar (...) na medida em que todotrabalho busca a satisfação de uma necessidade.

Com os novos modos de produção (toyotismo), otrabalho foi se constituindo como algo racionalizado, e aexploração cada vez mais foi crescendo nos meios de pro-dução. Com isso, os novos mecanismos de controle ecoerção não se fazem sem atingir a saúde mental dosassalariados (SELIGMANN-SILVA, 2005, apud LOU-RENÇO, 2008).

O adoecimento advindo do trabalho pode ser com-preendido, entre outras maneiras, pela forma capitalista deestruturar o trabalho, distanciando o sujeito do resultado fi-nal, estabelecendo um ritmo de produção voltado ao tempodo relógio e das necessidades do mercado e da competi-ção. Gradativamente, o homem moldou-se a um trabalhocom necessidades externas, muitas vezes passou a ser umsacrifício, um fardo, devido às características do sistemacapitalista, com alta competitividade, cumprimento de me-tas, remuneração baixa, perda dos direitos trabalhistas ejornada de trabalho cada vez mais estendida.

Portanto, o trabalho sofre modificações, principal-mente a partir do sistema capitalista, como afirma Lourenço:

O que se observa é que o trabalho, enquanto categoriaontológica da existência humana, sofre profunda modifi-cação no decorrer da história da efetivação do sistemacapitalista. Afeta não apenas a forma e o produto, mas,sobretudo, o produtor (trabalhador). (LOURENÇO, 2008,p.13)

Essas novas exigências, que atingiram todos os tra-balhadores e a forma de viver, pensar e agir no mundo con-temporâneo, modificaram também as relações entre as pes-soas e o desenvolvimento de um novo ser social. O sistemade ensino, os alunos e os professores não ficaram, obvia-mente, fora dessa nova realidade.

A imagem do professor está cada vez mais sendodeteriorada. Se nos tempos áureos da docência o professorera visto como o mestre, como aquela figura extremamenteimportante e respeitada, atualmente, cada vez mais, temsido motivo de chacota, sendo desvalorizado em todos osaspectos, sejam eles financeiros ou sociais. E sabemos muitobem que quando a imagem pública de uma profissão sedeteriora, diminui a satisfação no trabalho dos profis-sionais que a exercem (ESTEVE, 1999, p. 55).

De modo geral, os professores iniciantes acabamficando com as piores condições de trabalho e isso vemcontribuindo para desgosto com a profissão docente. Tor-na-se fundamental um investimento na formação dos pro-

fessores, tanto nos aspectos teóricos e técnicos como emsua formação pessoal, no sentido de estar capacitado paralidar com problemas de ordem social e emocional, na inte-ração professor – aluno.

Uma vez que a autoridade do professor vem sendoquestionada pelos métodos de ensino, ao confundir autori-dade com autoritarismo, vem se perdendo o respeito emrelação ao professor.

Com a flexibilização do mercado, as relações detrabalhos mudaram e as pessoas precisam adaptar-se àsmudanças e encarar novos modos de sobrevivência, sejapelos empregos temporários, pela flexibilidade de cargahorária ou pelo trabalho autônomo, que não possibilita oganho além daquelas horas trabalhadas, ou seja, sem fériasou décimo terceiro salário, fundo de garantia, enfim sem osbenefícios de um funcionário contratado pela Consolidaçãodas Leis do Trabalho (CLT).

O caráter coletivo do adoecer, na atividade docen-te, associado à determinada configuração do trabalho, ain-da é um olhar a ser construído nessa categoria profissional(ARAÚJO e CARVALHO, 2009). A ausência de reconhe-cimento do adoecimento e de sua relação com o trabalhotem como maior consequência a manutenção de situaçõesprejudiciais à saúde, o que, por sua vez, colabora para oaumento do adoecimento na categoria e para o abandonoda profissão.

Dentre as doenças que decorrem da intensificaçãoe das condições do trabalho docente, o transtorno emocionalaparece numa prevalência bastante significativa. Num estu-do realizado por Siqueira e Ferreira (2003, apud ASSUN-ÇÃO e OLIVEIRA, 2009), os transtornos emocionais ocu-pam o quarto lugar nas causas de afastamentos de trabalho.

Gasparini et al. (2005) realizaram uma pesquisa bi-bliográfica dos estudos referentes às condições de trabalhodocente e adoecimento do professor, descrito no artigo Oprofessor, as condições de trabalho e os efeitos sobresua saúde, apontando os transtornos mentais como sendoo primeiro ou um dos principais motivos de afastamentodos professores do trabalho, tanto no Brasil como em ou-tros países.

Licenças Médicas: um estudo com professoresForam coletados, com a Secretaria de Recursos

Humanos, dados de 62 licenças concedidas a 29 professo-res com diagnóstico de transtornos emocionais e compor-tamentais, durante o período de dois anos (junho de 2007 ajulho de 2009).

Os professores da amostra têm idade entre 24 a 65anos, sendo que a maioria se encontra na faixa de 36 a 53anos (gráfico 1). A maioria é formada por mulheres (26),constituindo os homens a minoria (03).

148 Revista do Centro Universitário Moura Lacerda

Gráfico 1: Idade dos professores da amostra

Quanto ao tempo de atuação na Rede, como docente, varia de 1 a 24 anos (gráfico 2). É interessante observarque o maior número de professores (8) concentra-se no tempo de 1 a 5 anos de trabalho. Esse número difere da crençado senso comum que professores mais antigos, com mais tempo de trabalho, pediriam mais licenças de afastamento,observando-se nessa amostra o contrário.

Idade dos Professores

0

1

2

3

4

5

6

7

8

24 a 29

anos

30 a 35

anos

36 a 41

anos

42 a 47

anos

48 a 53

anos

54 a 59

anos

60 a 65

anos

Número de Professores

Tempo de atuação

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

1 a 5 anos 6 a 10 anos 11 a 15 anos 16 a 20 anos 21 a 25 anos

Número de Professores

Os professores que tiram mais licenças estão con-centrados no Ensino Fundamental, 62,06%; 31,03%, atuamna Educação Infantil e 6,89%, no Ensino Médio (gráfico 3).Ao pensar sobre esses dados, podemos levantar algumashipóteses para a concentração de licenças nessa modalida-de de ensino: as pressões no Ensino Fundamental I concen-tram-se em apenas 1 professor; a idade das crianças doEnsino Fundamental II, que estão no período de desenvol-vimento psicológico caracterizado por contradições, autoa-firmação e inseguranças, que exigem do professor maioratenção e empenho emocional.

O número de alunos no Ensino Fundamental II é maiore esse professor leciona em mais classes, tendo uma deman-da de trabalho maior, ou seja, mais provas para corrigir, maisaulas para preparar, maior número de alunos para pensar.

Gráfico 2: Tempo de atuação na Rede Pública Municipal

Como nesse segmento há uma mudança em relação ao cur-rículo, ou seja, as disciplinas estão separadas, trazem maio-res dificuldades aos alunos, tanto para se acostumarem comessa nova forma de ensino (que exige maior autonomia eresponsabilidade) como ao se depararem com conteúdos maiscomplexos. Outro fator que podemos levantar é com relaçãoà faixa etária dos alunos, entre 9 e 14 anos, que compreendeo início da puberdade e o começo da rebeldia dos adolescen-tes, apresentando, segundo Raquel Soifer (1992), caracterís-ticas específicas, como: reaparecimento da atividade sexual(masturbação, fantasias e brincadeiras de sexo), reativaçãoda situação edípica, fantasias em relação à menarca e à eja-culação, dificuldades em lidar com as transformações do pró-prio corpo, luto pela perda dos pais infantis (idealizados), con-fusão da identidade sexual, etc.

MONTAGEM 149

Com os alunos que o professor do Ensino Fundamental II se depara e precisa ensinar é muito difícil. Para os paisque estão com um ou dois adolescentes em casa, já é difícil, imagine para esse professor com 30, 40 ou até maisadolescentes juntos, pois sabemos a força que um grupo tem.

Gráfico 3: Segmento de atuação

Número de Professores

Educação Infantil

Ensino Fundamental

Ensino Médio

No contexto de horas trabalhadas, os professores apresentam jornadas que variam de 11 a 40 horas semanais.Professores com carga horária de 32 horas semanais são 68,96%; 20,68% possuem uma jornada de 40 horas semanais;3,44% com carga horária de 26 horas semanais; 3,44% com carga horária de 21 horas semanais e 3,44% com cargahorária de 11 horas semanais.

Gráfico 4: Carga horária (horas semanais)

Observa-se que, dos 20 professores com carga horária de32 horas semanais, 14 são professores do Ensino Funda-mental, e dos professores com carga horária de 40 horassemanais (maior), todos se encontram nesse segmento deatuação. Portanto, novamente temos um perfil específicodo professor do Fundamental II como sendo o mais afetadoemocionalmente em nossa amostra.

Durante o período de julho de 2007 a julho de 2009, foramconcedidas 62 licenças. Vinte e seis licenças foram conce-didas a 13 professores (duas por professor) e 11 professo-res tiraram apenas uma licença. Um dado interessante é onúmero de três, quatro, cinco, seis e até sete licenças paraum único professor (gráfico 5).

150 Revista do Centro Universitário Moura Lacerda

Gráfico 5: Número de licenças

Número de Licenças

0

2

4

6

8

10

12

14

1 2 3 4 5 Mais de 5

Número de professores

Número de dias afastados

0

2

4

6

8

10

12

15 a

30

31 a

45

46 a

60

61 a

75

76 a

90

91 a

105

106

a

120

121

a

135

136

a

150

151

a

165

Mais

de

165

Sem

alta

Número de professores

Quando analisamos a frequência das licenças, ouseja, verificamos quantas licenças o professor tirou no perí-odo estudado, 13 professores, a maioria, tiraram duas licen-ças, e 11 professores tiraram apenas uma licença.

Os 11 professores que apresentaram uma licença,podemos considerar que pode ter sido por fatores familia-res somados ao trabalho. Mas, se pensarmos nos 13 pro-fessores com duas licenças, podemos inferir em questõesrelacionadas ao trabalho, já que o professor se ausenta e,

ao retornar às suas atividades docentes, necessita nova-mente de licença médica. Assim, o contexto do trabalhodocente é um indicador de adoecimento do professor.

O período de dias afastados oscila de 15 a 248 diasde licença, sendo que dois professores não retornaram àssuas atividades profissionais, ou seja, não obtiveram alta. Asoma do total de dias afastados de todos os professores daamostra é de 1.971 dias, resultando numa média de 67,9dias por professor e 31,79 dias por licença concedida.

Gráfico 6: Número de dias afastados

Dos 29 professores da amostra analisada, quatro nãoapresentaram a classificação do diagnóstico (CID), apenassendo considerado o motivo, algum transtorno emocionalou de comportamento (F), e 25 apresentaram diagnósticoespecificado, sendo que, desses 25, cinco professores fo-ram diagnosticados com duas classificações diferentes(Apêndice A).

De todos os diagnósticos apontados nos dados for-necidos, a maioria engloba os quadros depressivos, segui-dos de transtornos ansiosos, de adaptação e transtorno mental

não especificado, decorrente de lesão e disfunção cerebrale de doenças físicas. (gráfico 7)

Os episódios depressivos totalizaram 56,66%, sen-do: F 32 - 5,8%: episódio depressivo; F 32.1 - 23,5%: episó-dio depressivo moderado; F 32.2 - 52,9%: episódio depres-sivo grave sem sintomas psicóticos; F 32.3 - 5,8%: episódiodepressivo grave com sintomas psicóticos; F 32.9 - 11,7%:episódio depressivo não especificado. Ainda: 13,33% dosdiagnósticos estão classificados como transtorno depressi-vo recorrente (F 33.1). (gráfico 8)

MONTAGEM 151

Gráfico 7: Índice dos CID apresentados pelos Professores

CID

0

1

2

3

4

5

6

7

F 06.

9F 3

2

F 31.

1

F 32.

2

F 32.

3

F 32.

933

.141

.0

F41.1

F 41.

2

F 43.

2

Não

const

a

CID

Os transtornos ansiosos ocupam o segundo lugardos diagnósticos, totalizando 23,33%, divididos entre: F 41.0(57%): transtorno de pânico, F41.1 (14%): transtorno deansiedade generalizada e F 41.2 (28%): transtorno misto deansiedade e depressão.

Apenas 3,33% dos diagnósticos estão relacionadosao transtorno de adaptação (F 43.2) e 3,33% diagnostica-dos como transtorno mental não especificado decorrentede lesão e disfunção cerebral e de doença física.

É interessante perceber que, embora os diagnósti-cos de F 33.1, que são os transtornos depressivos recorren-tes, e os de F 41.2, transtornos mistos de ansiedade e de-pressão, estejam numa classificação à parte dos episódiosdepressivos, pois também apresentam sintomas de depres-são e, se considerarmos na porcentagem total, quadros com

algum sintoma de depressão passariam de 56,66% para 73,32dos diagnósticos.

A depressão foi considerada a doença do séculoXX. Estudos como de Esteve (1999) e Lapo (2005) apon-tam o mal-estar docente como uma característica do mun-do contemporâneo, assim como Bauman (2008), ao afirmarque o excesso de informações, a busca pela felicidade e oindividualismo podem trazer tendências patológicas.

Um dado de relevância ao analisar as licenças mé-dicas é a questão do período em que elas ocorrem. Comovimos anteriormente, os meses próximos às férias são aque-les em que mais os professores se queixam de estresse ecansaço e coincidem com as abstinências e licenças médi-cas nos estudos apresentados por Esteve (1999).

Legenda do CID -10 para as classificações encontradas na amostra

CID Diagnóstico Número de ProfessoresF 06.9 Transtorno mental não especificado decorrente de lesão e 01

disfunção cerebrais e de doença físicaF 32 Episódio depressivo 01F 31.1 Transtorno afetivo bipolar, episódio atual maníaco

sem sintomas psicóticos 05F 32.2 Episódio depressivo grave sem sintomas psicóticos 06F 32.3 Episódio depressivo grave com sintomas psicóticos 01F 32.9 Episódio depressivo, não especificado 02F 33.1 Transtorno depressivo recorrente, episódio atual moderado 03F 41.0 Transtorno de pânico 03F 41.1 Transtorno de ansiedade generalizada 01F 41.2 Transtorno misto de ansiedade e depressão 01F 43.2 Transtorno de adaptação 01Não consta ————————————————————— 04

Fonte: CAETANO, D. Organização Mundial de Saúde Genebra. Classificação de Transtornos Mentais e de Com-portamento da CID – 10: descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.

152 Revista do Centro Universitário Moura Lacerda

Na amostra estudada, os meses em que mais ocorreram licenças foram: em primeiro lugar, com 14,5%, junho,12,9% em julho e no período de agosto a outubro 11,2% em cada mês, confirmando os estudos apresentados Esteve (1999),de que o maior índice de faltas e licenças médicas ocorre no período que antecede as férias e no decorrer do segundosemestre. Já no estudo de Ruiz (2001), o período em que mais foram concedidas as licenças foram maio e setembro.

Gráfico 9: Evolução das Licenças dos Professores durante os meses dos anos 2007 a 2009

No. Professores

disfunção cerebrais e de doença

física

Quadros depressivos

Transtorno de pânico

Transtorno de ansiedade

generalizada

Transtorno misto de ansiedade

e depressão

Transtorno de adaptação

Gráfico 8: Índice dos diagnósticos

Licenças

0123456789

10

jane

iro

feve

reiro

mar

çoab

ril

maio

junh

ojulho

agos

to

sete

mbro

outubro

nove

mbr

o

deze

mbr

oConsiderações FinaisO contexto social atual é permeado pelo individua-

lismo, pela rapidez, pelo imediatismo e cobrança de resulta-dos e desempenhos considerados satisfatórios. Ser feliz,buscar o prazer a todo custo parece fazer parte cada vezmais da realidade atual.

O mundo contemporâneo reduziu o tempo dos indi-víduos e, com isso, o círculo de amizade. O sentimento desolidão seria uma das consequências da relação individua-lista e do isolamento dos indivíduos no mundo contemporâ-neo. Questões sociais, como violência, diminuição do tem-po de lazer devido ao maior tempo dedicado ao trabalho, eaté o trânsito, fizeram com que as pessoas permanecessempouco tempo em casa, tendo pouco ou quase nenhum con-

tato com vizinhos, o que era extremamente importante háalguns anos, isolando-se em suas casas.

O conceito de que problema não é bem-visto, sejanas relações sociais como nas profissionais, tem gerado umaexigência constante pela felicidade a qualquer custo.

Assim, as relações de trabalho também se modifica-ram, e a exigência, a intensificação e a busca pela maior pro-dutividade passaram a ser cobradas em todas as profissões.

O trabalho docente não fica fora desse contexto e,no cotidiano escolar, o professor é cobrado em muitos as-pectos, quanto a seu desempenho pedagógico, burocracia,conteúdos dentro de tempos cada vez mais reduzidos, as-sim como pelos pais, pelos alunos, pelos coordenadores, pelasociedade em geral, e até por si mesmo em sua expectativa

MONTAGEM 153

de conduzir um trabalho ideal.Somadas às condições cotidianas do trabalho do

professor, a baixa remuneração, classes lotadas, dificulda-des com a indisciplina, falta de apoio por parte da direção,acúmulo de trabalho, etc., são fatores que intensificam aanálise do bem/mal-estar docente.

Diante desse contexto, os professores muitas ve-zes adoecem e, com a saúde mental prejudicada, tiram li-cenças médicas que afetam a interação e aprendizagemdos alunos. Mesmo aqueles que não se ausentam do traba-lho estão sentindo o quanto essas condições interferem emsua saúde emocional.

A rede social de apoio – a família, os amigos, a vidaextratrabalho – é fundamental no processo de ajuda aosprofessores que estão em seus limites, pois, muitos profes-sores acabam depositando tudo na escola, e sua vida passaa ser seu trabalho.

Portanto, é triste, assim como a tristeza que sucum-be os professores, perceber que a vontade, a garra e o pra-zer vão sendo deteriorados ao longo dos anos, e a desmoti-vação vai tomando conta.

A depressão é uma característica deste mundo con-temporâneo, é um sinal do que a interferência do ambientee da sociedade vem causando na saúde mental e física dosindivíduos.

Mas existem aqueles professores que, apesar detodas as desilusões, dificuldades e incertezas, continuamna luta, continuam sendo professores, conseguem lecionarorgulhosos de seu ofício e fazendo da melhor maneira pos-sível seu trabalho, comprometidos com os alunos e com aeducação. Podem ser aqueles mais resilientes, com umarede de apoio que os ajude, com condições financeiras maisprivilegiadas, ou que tiveram sorte de trabalhar numa boaescola, com melhores condições de trabalho.

Ser professor é uma profissão que exige requisitosque vão muito além de saber conteúdos, que envolve dedi-cação, prazer, envolvimento, empatia, mas precisaria haverum resgate de sua valorização.

APÊNDICE A : Dados dos professores e das licençasconcedidas no período junho 2007 a junho 2009 –Rede Municipal de Sorocaba

Tabela 1: Quadro Geral da Amostra Prof. Gênero Idade EI EF EM Tempo Jornada No. Licenças Dias afastados CID

1 F 40 X     21 32 2 15 + 103 = 118 F 32.22 F 59   X   18 32 1 111 F3 M 52     X 18 26 1 92 F 32.94 F 65   X   23 40 1 29 F 32.95 F 43 X     24 32 2 15 + 141 = 156 F 41.06 F 41   X   14 32 7 102 F 41.0 + F 32.17 F 57   X   2 32 1 30 F 32.28 M 52   X   14 40 1 31 F 41.09 F 38 X     10 40 1 44 F 06.910 F 28   X   7 32 2 49 + 29 = 78 F 41.211 F 39 X     5 32 2 29 + 1 = 30 F 41.012 F 29   X   4 32 2 15 + 3 = 18 F13 F 35   X   5 32 2 15 + 16 = 31 F 32.214 F 49   X   17 40 - 11 4 34 F 33.115 F 31 X     2 32 2 16 + 45 = 61 F 33.116 F 47 X     25 32 2 36 + 61 = 97 F 41.2 + F 32.217 F 47 X     22 32 1 37 F 33.118 F 50 X     24 40 1 40 F 32.219 F 57   X   12 32 2 15 + 132 = 147 F 32.320 F 43   X   8 32 5 147 SEM RETORNO F 32.221 F 54     X 10 21 2 29 SEM RETORNO F 32.222 F 44   X   12 32 1 36 F23 F 35   X   2 32 1 16 F 43.224 M 38   X   3 40 1 58 F25 F 50   X   18 40 3 44 F 32.2 + F 3226 F 52 X X   3 32 6 248 F 32.2 + F 33.127 F 38   X   14 32 2 30 + 4 = 34 F 32.1 + F 41.128 F 59   X   8 32 2 27 + 14 = 41 F 32.129 F 35   X   7 32 2 16 + 16 = 32 F 32.1

 F 26          TOTAL M 3 9 19 2 62

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Legenda do CID -10 para as classificações encontradas na amostra

CID Diagnóstico Número de ProfessoresF 06.9 Transtorno mental não especificado decorrente de lesão e disfunção

cerebrais e de doença física 01F 32 Episódio depressivo 01F 31.1 Transtorno afetivo bipolar, episódio atual maníaco sem sintomas psicóticos 05F 32.2 Episódio depressivo grave sem sintomas psicóticos 06F 32.3 Episódio depressivo grave com sintomas psicóticos 01F 32.9 Episódio depressivo, não especificado 02F 33.1 Transtorno depressivo recorrente, episódio atual moderado 03F 41.0 Transtorno de pânico 03F 41.1 Transtorno de ansiedade generalizada 01F 41.2 Transtorno misto de ansiedade e depressão 01F 43.2 Transtorno de adaptação 01Não não consta 04

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156 Revista do Centro Universitário Moura Lacerda

MONTAGEM 157

ResumoNo Período Republicano, a escola primária, a partir

da História da Educação Comparada, na configuraçãopolítica educacional maranhense, mineira e matogrossense,no período de 1889 a 1930, por meio das Mensagens degoverno e, ainda, dos avanços das reformas educacionais,houve a organização do ensino primário, desenvolvido nostrês estados - Maranhão, Minas Gerais e Mato Grosso -,bem como as políticas educacionais desencadeadas, nesseperíodo. As Mensagens direcionam o discurso, a mudançapolítica do Poder Executivo e o procedimento administrativodo governo, envolvendo análises, estatísticas, balançosfinanceiros, conclamações, apelos, descrições, justificativas,avaliações, explicitação dos objetivos e dos anseios daordem  política e administrativa. Muitos republicanos ficarampreocupados, porque a liderança mostrava-se insegura;entretanto, as ações deveriam ser tomadas para geraras mudanças, para consolidar os valores do novo sistema,por exemplo, reduzir os altos índices de analfabetismo noBrasil. 

Palavras-Chave: Escola Primária; Período Republicano;Mensagens.

PRIMARY SCHOOL 1889 1930  MARANHÃO,MINAS GERAIS AND MATO GROSSO

AbstractIn the republican period, the primary school, from

the History of Education compared to, in the configurationeducational policy Maranhão state, mining, and Mato Grosso,in the period from 1889 to 1930, by means of the messagesof government and, still, the progress of educational reforms,the organization of primary education, developed in the threestates - Maranhao, Minas Gerais and Mato Grosso - aswell as educational policies triggered, in this period. Themessages direct speech, the political change of executivepower and the administrative procedure of the government,involving analysis, statistics, financial statements,conclamacion, appeals, descriptions, justifications,evaluations, explanation of the goals and aspirations of thepolitical order and administrative. Many republicans wereconcerned, because the leadership was unsafe, however,the actions should be taken to generate the changes that

ESCOLA PRIMÁRIA DE 1889 A 1930 NO MARANHÃO, MINAS GERAIS E MATO GROSSO

Sérgio José BOTH*

the country needed to consolidate the values of the newsystem, for example, to reduce illiteracy rates in Brasil.

Key words: Primary Scholl; Republican Period;Messages

Trata-se neste artigo, como elemento de integraçãodo povo à nação, a defesa da instrução pública, que foifortalecida na Proclamação da República, que propiciou anecessidade de criação de uma nova escola, organizada deacordo com os interesses do projeto educacional da novaordem que se implantava. Nesse período, foi implantada aescola primária para formação do cidadão republicano,consolidando o novo regime e promovendo odesenvolvimento social e econômico, no território brasileiro.As Mensagens contêm categorias importantes para análise,o que favorece o entendimento da organização eimplementação da escola primária graduada, nos trêsestados.

As Mensagens escritas pelos Presidentes dosestados brasileiros, na República, são consideradas comomodalidades do discurso político, relacionadas ao poderestadual e federal. Em relação às interpretações dasMensagens, prevaleceram ideias republicanas vigentes nessafase histórica. Entende-se que esse era um processoinclusivo, no que tange à escolarização e à institucionalizaçãoda escola primária. Observou-se, ainda, uma preocupaçãodo Estado, a partir do discurso político expresso nasMensagens, em minimizar as altas taxas do analfabetismo,herdado do período Imperial, bem como a taxa elevada dapopulação infantil sem escolas, ou seja, de baixa frequênciaescolar.

Ao se estabelecer uma organização dessainvestigação, em relação à escola primária, as Mensagensforam didaticamente posicionadas. Segundo Araújo (2012,p. 103), os registros encontram-se na seguinte ordem:

a) quanto aos níveis e especificidades: instruçãoprimária, escolas normais, ensino secundário, ensinosuperior, ensino agrícola;

b) quanto à localização: escola urbana, distrital, rural,colonial;

c) quanto ao ordenamento político: pública,particular;

d) quanto ao vínculo administrativo: escola estadual,municipal. Geralmente, essa é uma constante, ainda queem algumas Mensagens não se façam presentes todos osaspectos apontados.

* Doutor em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educaçãona Universidade Federal de Uberlândia – UFU, Professor de Históriaem Tangará da Serra – MT. E-mail: [email protected]

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Para o autor, outro aspecto importante sobre asMensagens é a associação das ideias políticas, educacionais,pedagógicas, e, até mesmo, didáticas. Isso não poderia serdiferente, posto que a política e a educação encontram-seimbricadas.

As Mensagens possuem aspectos que constituíamo cerne do trabalho didático, isto é, o conteúdo que deveriaser trabalhado na escola era enviado em forma de Portariaou por meio de Mensagens do Presidente da República.Esses documentos apresentavam-se como um arranjoestrutural da aula, o que permite afirmar que o trabalhodidático envolvia termos centrais programados pelo poderrepublicano, tais como: sistematização; organização;ordenação; coerência; metodização; coesão; logicidade;racionalidade; e integração, certamente do conteúdo, dametodologia e da avaliação feita, bem como dos objetivos edas finalidades esperadas e concretizadas.

É recorrente, em muitas Mensagens dos Presidentes,o tema da instrução pública primária, ao qual se associavao papel do Estado e sua impotência perante a situaçãofinanceira.

A seguir, como exemplo, um trecho da Mensagem:

A instrução pública primária, que pelas razões de ordemfinanceira assas ponderosas não tem podido ser conve-nientemente cuidado, deve constituir objeto da mais des-velada solicitude dos poderes públicos.

Nenhum outro serviço reclama maior atenção na atuali-dade, por ser o ensino primário a base do progresso doEstado; por isso, disseminá-lo, espalhar os benefícios dainstrução, é um dos deveres primordiais do Estado.

Peço vossa esclarecida atenção para esse assunto quealgumas modificações no sentido sua execução menosdispendiosa porem mais eficaz e proveitosa satisfazer asnecessidades do ensino, o projeto depende de discus-são na Câmara dos Srs. Deputados (MINAS GERAIS,1905, p. 25).

A construção teórica do trabalho didático, no âmbitoda escola primária, era uma ação intencional que implicavamutualidade, e todos colaboravam no processo, que seedificava e fluía com eficiência, para que esta ação pudesseser construída, no interior da cultura ocidental,particularmente moderna, e projetada para se manifestarcomo uma mediação educativa (ARAÚJO, 2009).

Assim, as práticas escolares, concebidas como formade interação, conduziam a aula de forma intersubjetiva,interpessoal. Os sujeitos desse processo deveriam realizar,intencionalmente, uma educação mútua: o professoraprende, ensinando conteúdos, mas a partir do próprio aluno,o qual sinaliza sobre a sua aprendizagem, bem como sobreo ensino desenvolvido pelo professor.

Dessa forma, observa-se que a prática escolar estálimitada à aula e à sala de aula, pois esta oferece e marca ocontorno espacial, como se fosse uma arena ondeacontecem os conflitos e a aprendizagem nas unidades daescola, configurando-se pelo trabalho didático em umaperspectiva pública. No espaço da sala, promove-se aconstituição do sujeito, para que ele se torne um cidadão.Para isso, esse espaço deve situar esse sujeito, garantindo-lhe conhecimentos sistemáticos de que compartilha a culturade qualquer indivíduo.

Explicar as maneiras diferenciadas de produção daescola primária é conhecer a relação do processo didático,explicitado pelo planejamento e pela sua efetivação nasMensagens. Certamente, os conteúdos estão sintonizadoscom as expectativas e com a sua inserção efetiva nosdiscursos teórico-práticos, o que envolve a questão relativaaos objetivos e às finalidades de cada ação, isto é, pensarse os conteúdos correspondem às necessidades e àsintenções projetadas, e se contribuem para os resultadosesperados, de acordo com as políticas públicas.

Nesse processo, cabe uma definição geral do termodiscurso, conforme Fairclough (2008), isto é, explicitar umaanálise das Mensagens relacionadas à escola primária ecompreendidas como expressão discursiva de caráterlinguístico, mas conjugada ao pensamento políticorepublicano. É necessário assumir a linguagem utilizada emcada uma das Mensagens, em relação à escola primária eàs suas modalidades como uma prática social, e não comoexplicitação individual do(s) Presidente(s) de Estado, ou desua equipe de Secretários, e, ainda, analisar se essamensagem foi efetivada pelos representantes do Estadoou se tornou simplesmente discurso político, a fim depromover a política do Presidente de Estado. Deve-se, ainda,observar nas entrelinhas das Mensagens e Relatórios dosrepresentantes do Estado se esses se transformaram empráticas reais ou discursos, conversas de cunho político, paramanter a hegemonia política de Estado.

Durante e após a Proclamação da República,encontram-se, nas Mensagens, textos e sugestões parapromover a escola primária no Maranhão, em Minas Geraise Mato Grosso. À medida que os programas foram sendopublicados, pôde-se observar que tais Mensagens continhamexpressões de práticas discursivas de cunho político e social,bem como manifestavam um pensamento real e concreto,nesse, caso, o republicano.

As informações das Mensagens, por quatro décadas,consideradas como discursos, revelavam ideias republicanase federativas. Isto ocasionou uma transformação em tornoda escolarização primária, no Brasil, e, ao mesmo tempo,acompanhou o movimento da política de transformaçãonacional.

MONTAGEM 159

Em algumas Mensagens em que se conjugava umapassagem linguística, ao expressar uma estrutura socialdesejada, percebe-se que o pensamento político era, aomesmo tempo, utópico e real, diante dos problemasbrasileiros. Para responder a essas investigações, faz-senecessário examinar os determinantes sociais e políticos quepresidiram a Primeira República e a escola primária emseus aspectos institucionais, em suas posturasmetodológicas, pedagógicas e estruturais, em relação aoensino primário.

No que se refere ao termo discurso, observa-se que:

Ao usar o termo ‘discurso’, proponho considerar o usode linguagem como forma de prática social e não comoatividade puramente individual ou reflexo de variáveissituacionais. Isso tem várias implicações. Primeiro, impli-ca ser o discurso um modo de ação, uma forma em que aspessoas podem agir sobre o mundo e especialmente so-bre os outros, como também um modo de representação.[...] implica uma relação dialética entre o discurso e a es-trutura social, existindo mais geralmente tal relação entrea prática social e a estrutura social: a última é tanto umacondição como um efeito da primeira (FAIRCLOUGH,2008, p. 90).

Nesse contexto, pode-se afirmar que as Mensagenssão práticas discursivas políticas, que são moldadas,lapidadas, contextualizadas e delimitadas pela estruturasocial, no início do Período Republicano. Isso não significacolocar no cenário a lógica social do discurso, e muito menosa construção do social no discurso. As distinções sãoimportantes, pois as funções da linguagem coexistem einteragem em todo discurso, e influenciam sentidosdiferenciados nas Mensagens, como as identidades sociais,as relações sociais e ideias em um processo de significaçãodo mundo.

Muitas Mensagens foram geradas sem projeto deação e de trabalho. Em se tratando da escola primária,existem inúmeras Mensagens com discursos importantesem prol da instalação de novas escolas, em todos os estadosbrasileiros, como a criação dos grupos escolares, que surgiuapós a República, com status de poder, sendo uma escolaque atendia aos anseios republicanos que se configuravamcomo um exercício político de natureza liberal, republicanae federativa. As Mensagens eram, muitas vezes,compreendidas como fator relevante ao movimentorepublicano, com sentidos de apropriação em cada exercícioadministrativo. Elas se apresentavam como orientações dofuturo a ser constituído no presente, pois passavam pelaspráticas discursivas em função da construção da modalidadedo ensino primário, considerando que cada Mensagemconsistia em inúmeras práticas discursivas que se tornavamevidentes, quando se concretizavam. Muitas vezes, as

mudanças propostas por ordens governamentais eramimpostas coercitivamente, sem planejamento estratégico e,muito menos, era considerada a existência de mão de obraqualificada.

As Mensagens demonstram claramente a ausênciade planejamento estratégico, quando se refere à instalaçãodos grupos escolares, onde era desconsiderada a existênciade recursos humanos qualificados para o exercício domagistério. Segundo Araújo (2012), existiam inúmerasdificuldades, pois o país não possuía recursos humanosqualificados em nenhuma área específica de trabalho.Porém, as Mensagens, em relação à instrução pública, eramabertas à transformação, o que podia ser entendido, nodiscurso, como falta de escola, sala de aula, sala de professor,material didático escolar, debate educacional, saneamentoe estrutura básica.

Esse período foi marcado por discursos políticos emprol da escola primária, de forma que, em relatórios enviadospelos estados ao Presidente da República, nas Mensagensgovernamentais estavam presentes as práticas discursivasde combate ao analfabetismo. A política da construção degrupos escolares foi marcada por tomadas de decisõescentralizadas, muitas vezes atendendo às demandas locais,mas sem garantia de autonomia aos setores federados.

Em geral, as Mensagens apresentam sutilmentevisões ideológicas, políticas e educacionais relativas à escolaprimária, nos anos de 1890. Porém, elas se evidenciam apartir dos primeiros anos de 1900, certamente peloenfrentamento e pela instauração dos grupos escolares quecomeçaram a ser discutidos nos estados do Maranhão, em1903; Minas Gerais, em 1906; e, em seguida, em MatoGrosso, basicamente, a partir da segunda metade da décadade 1910, até a década de 1920. Tal discurso, ao mesmotempo ideológico, político e educacional, revela-se com maiscoesão e coerência como uma prática visível e idealizada,nas Mensagens.

As duas categorias, extraescolar e intraescolar, quetiveram relevância nas Mensagens dos Presidentes dos trêsestados - Maranhão, Minas Gerais e Mato Grosso -, emrelação ao discurso da instrução pública e àinstitucionalização da escola primária, no início do PeríodoRepublicano, são abordadas na sequência.

1. A dimensão extraescolar: a compreensão externada escola primária.

A palavra extraescolar refere-se à estrutura externada escola, à organização do trabalho pedagógico, ao papeldo Estado nas contratações, nomeações, renomeações,remoções, licenças, aposentadorias, salários, exoneraçõese suspensões de professores das escolas. Abrangia, ainda,o projeto da escola, incluindo desde a planta baixa para sua

160 Revista do Centro Universitário Moura Lacerda

construção, localização do espaço físico, salas de aula, pátio,até material didático, vencimento dos professores, reformas,instalação hidráulica e elétrica.

Faz-se necessário, ainda, esclarecer algunsaspectos em relação a essa categoria, no que se refere aodesenvolvimento do trabalho didático, como a preparaçãode aulas, e à correção de atividade. São procedimentosextraescolares, que vão além da instituição escolar e deseu funcionamento.

Nas escolas do interior, havia uma precariedadede material didático e, em vários lugares, não havia casas aserem alugadas pelos professores e nem para a instalaçãode escolas; apesar de haver alunos matriculados, faltavamprofessores. Por outro lado, o difícil acesso aos municípiosera causado pela precariedade e ou ausência de estradas.Havia, muitas vezes, a falta de pagamento da remuneraçãodos professores. Esse fato contribuiu não só para desmotivaro interesse pela carreira de professor, mas também paralevar os professores normalistas a se recusarem a mudarpara o interior do estado.

No estado do Maranhão, conforme Mensagemabaixo, constata-se que havia uma demanda pelo acesso aoensino, embora não houvesse escolas com estrutura físicaadequada, o que implicou a transferência para as coletorias(atualmente, escritórios regionais das Secretarias deFazenda) da responsabilidade de efetuar o pagamento deprofessores normalistas.

Isto se comprova na Mensagem seguinte:

No interior, as escolas estão, na totalidade, desprovidasde material, em casas alugadas, porque o Estado não pos-sui prédios próprios, mas tem grande matrícula, que au-menta, à proporção que professores normalistas vão sen-do nomeados como felizmente tenho conseguido, facili-tando para isso o pagamento dos vencimentos pelasColetorias e dotando as escolas de material, na propor-ção que é possível fazer, sem gravame para os cofres,obrigados a atender, simultaneamente, a múltiplos servi-ços (MARANHÃO, 1915, p.12).

O discurso do Presidente de Estado deixa evidentea problemática de atendimento das escolas, no interior. Nãohavia infraestrutura suficiente para atender aos alunos emescolas no perímetro rural. Existia uma preocupação dogoverno somente em atender à zona urbana, por haver suaproximidade com os representantes dos municípios. Noentanto, ao redimensionar as atribuições das coletorias,observa-se o esforço do estado em garantir o pagamentodos professores e a aquisição de material, “[...] na proporçãoque é possível fazer [...]” (MARANHÃO, 1915, p.12).

A mensagem seguinte aponta que: “Para honrado magistério, porém, professores há que fazem da suaprofissão um verdadeiro sacerdócio, desempenhando-a com

critério e correção [...]”. Assim, o Presidente do estado,em tempos modernos, reveste o magistério de dogmas, derenúncias a bens materiais ou terrenos, estruturado emvalores morais da época. Com isso, afirma, de forma direta,que entre aqueles que abandonaram o magistério, “[...] háos que fazem de sua profissão um verdadeiro sacerdócio,estavam desprovidos dos valores fundamentais darepública”. Mais que isso, os valores da punição, da sanção,são revelados em escolhas pessoais, pois “[...] critério ecorreção [...] integram as virtudes daqueles que honram omagistério” (MARANHÃO, 1919, p. 61).

Se, por um lado, o magistério tem funções deevangelização, disseminação de um Deus único, comopretendeu o Presidente do Maranhão (1919), por outro lado,observa-se o aumento de matrícula e frequência escolar dealunos, devido ao fato de haver o aumento de professorasnormalistas, com conhecimentos e segurança para transmiti-los aos alunos. Desse modo, havia regularidade nofuncionamento das escolas.

Portanto, o funcionamento das escolas tem sidoregular e é sensível o aumento da matricula e frequência.Atribuo este fatos ao preenchimento das cadeiras por maiornumero de professoras normalistas, cujo magistério atraimais aos escolares, porque lhes transmitem elas mais suaveo habilmente, os conhecimentos que procuram(MARANHÃO, 1916, p. 16).

Nesta Mensagem, observa-se a preocupaçãodo governo maranhense em evidenciar os númeroscrescentes de matrícula e frequência escolar. Tão maisimportante que a frequência e o aumento da matrícula eraa preocupação com o funcionamento regular das escolas,fator responsável pelos números apresentados pelaeducação, um suposto indicador do sucesso da instruçãorepublicana maranhense.

Em comparação ao estado de Minas Gerais, noMaranhão as dificuldades, no contexto da escola primária,não eram diferentes, no que se refere à defesa da instruçãopública, ao acesso à escola primária e à integração aomercado assalariado. Esse foi um momento crucial, no iníciodo Período Republicano, em que foi necessário rever a escolapública em seus espaços, suas reformas e instalações, umavez que aquela que existia era identificada como atrasada edesorganizada.

As Mensagens presidenciais de Minas Geraisrevelam a decadência do ensino, no início do Século XX, e aprecariedade das escolas, em relação ao mobiliário inadequadoe às condições higiênicas existentes. Somam-se, ao fracassodo ensino público republicano, a presença de professores nãohabilitados, a não valorização de professores normalistas e aausência de meios para acompanhar as condições sob asquais eram ministradas as aulas.

MONTAGEM 161

A Mensagem a seguir destaca a decadência doensino público.

A decadência do ensino público é visível. Há falta deprédios próprios onde funcionem as escolas, em condi-ções higiênicas, providos de mobília e material escolarconveniente. A maior parte dos professores falta o prepa-ro necessário, a educação pedagógica, o estímulo, e, en-fim, a inspeção do ensino. A falta de freqüência dos alu-nos que se nota nas escolas e a conseqüência desseestado a que o ensino se acha reduzido. O governo preo-cupa-se seriamente com esse assunto de tamanha rele-vância para o engrandecimento do nosso Estado e espe-ra do patriotismo e esclarecido critério do Congresso pro-videncias capazes as condições da instrução primaria noEstado (MINAS GERAIS, 1903, p. 30).

Diante dos aspectos mencionados, o estadoencontrava-se em uma situação complexa. A Mensagemmostra a preocupação governamental com as questõesdeterminantes do fracasso escolar, dentre elas, as questõesestruturais e higiênicas, bem como as referentes aosprofessores não habilitados. Outro fator que se observa é oprocesso que compromete a compreensão da evolução doensino mineiro, tal como o perfil republicano almejava, istoé, uma escola com aulas voltadas para as práticas da leiturae da escrita.

Na Mensagem seguinte, após oito anos, o discursopolítico era diferente. O governo mineiro fez uma aquisiçãode mobília para os grupos escolares e escolas singulares,visando melhorar o processo de ensino aprendizagem.

Os moveis que têm sido fornecidos aos grupos escolarese escolas singulares indistintamente, consistem em car-teiras para dois alunos. Aos grupos, além destas cartei-ras, são também fornecidos armários, mesas, sofás, ca-deiras, lavatórios e outros utensílios necessários à mon-tagem completa de salas de aulas e gabinetes (MINASGERAIS, 1912, p. 27).

Aos poucos, o mobiliário era substituído por outromais moderno, respeitando os preceitos da higiene escolar.Essa substituição foi evidenciada em outras Mensagensmineiras, uma vez que as antigas carteiras escolares erammuito altas, sem bancos de encosto, afastadas e decomprimento suficiente para dois alunos. Foram, também,substituídas as mesas do professor e os armários. Enfim,adaptado ao tamanho dos alunos e provido de maior conforto,o novo mobiliário proporcionava importantes condições paraa manutenção da postura e facilitava a disciplina corporaldo aluno.

Na Mensagem, observa-se que houve maisaquisições de utensílios por parte do governo do estadopara equalizar as salas de aulas:

Durante o ano passado distribuíram-se 2.200 carteiras, 75quadros-negros e telas americanas para setenta escolas;192 cadeiras com assento de palhinha; 10 sofás da mes-ma qualidade; 60 mesas suportes, para talha, além demuitos filtros, talhas, contadores mecânicos, mapas deMinas, do Brasil e da Europa, quadros de historia natural,pequenos utensílios para desenho, trabalhos manuais,jogos infantis, [...] (MINAS GERAIS, 1924, p. 240).

Com a contratação dos professores normalistas paraas escolas mineiras, o Presidente de Estado adquiriu váriosequipamentos para mobiliar as salas de aula, melhorando aqualidade de ensino e adequando a estrutura escolar ao bem-estar do estudante e do professor. Dentre as escolas quefuncionavam em todo o estado, o material adquirido foi paraequipar apenas as novas escolas. No começo do PeríodoRepublicano, foram construídas escolas e houve ampliaçõesde salas de aula em todo o estado mineiro.

Na Mensagem abaixo, destaca-se que:

Quanto às construções escolares, teve sempre o gover-no a preocupação constante de aperfeiçoar as existentese promover aquelas impostas pela necessidade. Conclu-ímos a edificação de 80 prédios, entre os quase se encon-tram 4 para escolas normais, 1 para o Gynásio Mineiro daCapital, 45 para grupos escolares e 29 para escolas isola-das, estando em andamento a construção de 48 prédios,3 dos quase se destinam a escolas normais, 36 a gruposescolares e 9 a escolas isoladas (MINAS GERAIS, 1930,p. 32).

Em 1930, o governo estadual de Minas Gerais, emrelação à construção de escolas públicas, teve a preocupaçãode adequar e aperfeiçoar as diversas salas de aulas paraproporcionar o ensino primário às crianças.

Portanto, ao se comparar Minas Gerais e MatoGrosso, em relação às escolas primárias, no início do PeríodoRepublicano, verifica-se que, em Mato Grosso, a escolaprimária foi confundida várias vezes com residênciascuiabanas, porque nenhum prédio ou edifício foi construído,até o final do século XIX, cuja finalidade era a de ser escolapara abrigar crianças. A rede física escolar funcionava emantigas residências ou casas alugadas, impróprias para asatividades escolares, em virtude das condiçõesarquitetônicas e estruturais.

Na Mensagem a seguir, o Presidente trata dessasituação:

Ainda continua a ser um desiderato a construção de pré-dios apropriados para o funcionamento das escolas pu-blicas n’esta capital, por onde deve começar o melhora-mento; não tendo eu me animado a mandar erigir um sóedifício de tal espécie, para o qual, aliás, existe na Direto-

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ria de Obras Publicas uma planta modelo já aprovada,atento o elevadíssimo preço atual, quer de materiais, querde mão de obra; devendo, porém a administração superi-or, tão logo melhorem as circunstancias, levar a efeito aedificação de que se trata, pois de uma boa instalaçãodepende a regularidade dos exercícios escolares (MATOGROSSO, 1895, p. 11).

Neste discurso político, percebe-se que existia certodesinteresse do governo mato-grossense em relação àconstrução de prédios escolares, alegando os altos custosde materiais e de mão de obra. Além disso, observa-se queesse estado condiciona a construção de prédios escolaresnos moldes arquitetônicos republicanos a outrascircunstâncias, ou seja, mediante o aumento das receitasdo estado.

Para a construção de escolas, o estado alegavaque não tinha recursos para construir um só prédio escolar,devido ao alto custo dos materiais de construção, visto queestes eram adquiridos de outros estados. Assim, paraoferecer o ensino escolar, o governo fez aquisição de váriascasas para o funcionamento de escolas, criou salas anexas,onde já existiam escolas em vários lugares, na capital e nointerior.

Na Mensagem presidencial de 1899, destaca-se que:“O governo tem feito aquisição de casa para escola fora dacapital, e neste momento estão em construção um prédioaqui e outro na Villa do Rosário, [...]”. (MATO GROSSO,1899, p. 14). O Presidente de Estado afirmou ter feitoaquisição de casas, fora da capital, para o funcionamentode escolas, ao invés de construir escolas nos municípios.Desse modo, foram criadas escolas em pontos estratégicosdo estado, uma vez que não havia escolas para todos osalunos. A política do estado era manter famílias numerosaspara o crescimento econômico, como um todo. Em 1899,muitas casas foram compradas pelo governo do estado, parao funcionamento das escolas isoladas, no interiormatogrossense, funcionando como escolas unidocentes1.

As casas adquiridas pelo Presidente de Mato Grossopassaram por adaptações estruturais e reformas. Foramequipadas com mesas, armários, carteiras, pastas, lousas,crucifixo na parede em frente e, ao lado, os quadros doPresidente de estado e do Prefeito.

Na Mensagem a seguir, há comentário sobre asmelhorias nos prédios escolares, na capital e nos municípios:

Os prédios estaduais desta capital, onde funcionam es-colas, recobram de que necessitavam, achando-se algunsdeles bastante estragados. Mandei também fazer nos pré-dios das escolas publicas das vilas do Rosário e

Diamantino os reparos que exigia o seu estado de quasecompleta ruína; estando já concluídas as obras no doRosário, e começados as do Diamantino, que foram con-tratadas por cinco contos de réis. Tenciono mandar fazertambém os grandes concertos reclamados pelo prédioestadual da escola do sexo feminino da mesma Villa doRosário, o qual desabou, a cerca de três anos, em grandeparte, por não ter recebido em tempo os reparos de queprecisava, tornando-se agora a destreza muito maior, porser quase uma reconstrução geral (MATO GROSSO, 1907,p. 16).

Nas escolas, as melhorias eram extremamentenecessárias. O estado nomeava uma equipe de trabalho paraproceder às reformas necessárias ou emergentes. A maioriados prédios escolares era feita de tábuas de madeira.Algumas vezes, as escolas desabavam ou caíam por faltade cuidado ou em decorrência da ação de cupins. Observa-se, na mensagem anterior, que as escolas destinadas àsmulheres não figuravam entre as preocupações presidenciaisde Mato Grosso; por exemplo, fazia três anos que a escolafeminina de Rosário havia desabado, e, ainda, não haviasido reformada ou reconstruída (SÁ, 2011).

A Mensagem seguinte faz referência à ausênciade professores qualificados e às implicações da ausênciadesse serviço especializado na qualidade do ensino escolar.

As nossas escolas públicas, regidas em geral por profes-sores mal preparados e sem indispensável vocação parao magistério, estão longe de satisfazer as necessidadesdo ensino, da educação da infância que as freqüenta. Ese isto se dá aqui na capital, muito mais grave é o mal nointerior, como não vos é desconhecido (MATO GROS-SO, 1907, p. 17).

Conforme o trecho acima, muitos se tornavamprofessores de um dia para outro, ministrando aulas. Osprofessores não tinham nenhuma preparação didática epedagógica para trabalhar com as crianças, em sala de aula.E, na maioria das escolas públicas, os professores não eramformados e não estavam pedagogicamente preparados paralidar com os alunos do ensino primário.

Conforme Sá (2007, p. 111), observa-se que:Embora os governantes acusassem o conhecimento

da precariedade das instalações escolares e da escassezde materiais, que impossibilitariam a aplicação do métodointuitivo, a falta de habilitação do professorado primário dasescolas isoladas era alvo de constantes críticas do governo.

O governo do estado, no uso de suas atribuições,contratou professores para as escolas, em seu período inicial,em sua maioria professores leigos, sem nenhuma formaçãopedagógica.

No contexto da história republicana, haviapouquíssimos professores para o ensino. A seleção acontecia

1 De acordo com Araújo (2012), significa: um professor por escola, paraexercer todas as funções.

MONTAGEM 163

por meio de concursos ou por indicação dos representantesda política local, em conformidade com as vontades políticaspartidárias, como afirma Sá (2007, p. 112): “Ao mesmotempo em que os professores contratados eram beneficiadospela política, também sofriam as consequências advindasdela”. O autor apresenta, ainda, o relato de uma professoraque fora contratada por esse processo: “D. EsmeraldinaMalhado, professora leiga, [...] “convocada” para lecionare, no exercício da profissão, mudou-se constantemente delocalidade, devido à interferência política”. O próprioRegulamento da Instrução Pública (1910) favorecia acontratação de cidadãos não habilitados para ocuparem asvagas ociosas, isto é, sem professores normalistas. Nesseperíodo, a Escola Normal funcionou por poucos anos e nãoconseguiu formar professores para suprir as vagas existentesnas escolas urbanas e rurais.

Diante da oportunidade de emprego e de renda,muitas pessoas aceitavam o emprego de professores, mesmocom baixos salários, para tentar garantir a sobrevivência.O estado reconheceu que era impossível contratar pessoalidôneo para desempenhar a função de professor, devido aosbaixos salários pagos a esse profissional ou à pessoa que sedispunha a desempenhar essa função.

Os professores foram contratados para escolasprimárias cujas condições de trabalho eram péssimas; muitasvezes, usavam parte de seus salários para comprar materiaisescolares para dar aulas, em virtude da precariedade eausência de recursos didáticos nas escolas. O estado faziaquestão de contratar professores solteiros, pois estes nãotinham muitas despesas com a família e não encontrariamproblemas, caso fossem transferidos para as escolas dointerior, longe da capital.

Na primeira década do século XX, Mato Grossoainda era marcado pela falta de prédios ou edifíciosescolares. O governo não conseguia atender à demandapor escolarização e, com isso, o analfabetismo prosperou,uma vez que muitas crianças, em idade escolar, não podiamfrequentar a escola.

A maioria dos prédios e casas alugadas, para servirde escola, não possuía condições higiênicas e nemcapacidade de atender e receber os alunos, devido àscondições insalubres dos ambientes. Dessa forma, emcondições precárias, as poucas crianças que podiam teracesso à escola eram obrigadas a se submeterem aosespaços existentes.

Muitas vezes, as escolas eram usadas como depósitode materiais e utensílios comprados pelo governo, ocupandoas salas de aula, prejudicando o trabalho pedagógico doprofessor. Diante deste fato, o estado foi obrigado a construiralmoxarifado para guardar e conservar os materiais, entãoadquiridos e em volumes maiores, até serem distribuídos,

de forma proporcional, conforme o tamanho da escola.Com a construção do almoxarifado central, o

governo do estado passou a controlar racionalmente osmateriais adquiridos, bem como o envio desses materiais àsescolas, por meio de fichas organizadas em ordemalfabética, por unidade escolar. Cada escola era atendidaconforme a urgência e necessidade do material, que erainspecionado pela direção escolar.

Outro problema, nas escolas primárias, era a faltade professores para trabalhar nas escolas longínquas dacapital matogrossense. Conforme Mensagem Presidencialde 1927, aliadas aos parcos vencimentos, as escolasafastadas de centros populosos eram precárias, o quepoderia justificar os baixos resultados apresentados.

Acerca dessas informações, destaca-se a seguinteMensagem:

A falta de pessoal para o exercício do magistério; a situa-ção de muitas delas, afastadas centenas de léguas doscentros populosos, os parcos vencimentos que atual-mente percebem aqueles que se arriscam à regência deuma dessas cadeiras; a carência de material didático eescolar; a falta de prédio adaptável a escola; as dificulda-des de comunicação e mais que tudo a ineficácia de fisca-lização, são fatores que concorrem para o pouco resulta-do obtido por essas escolas isoladas (MATO GROSSO,1927, p. 122).

Como mencionado anteriormente, muitas escolasnão possuíam cadeiras para a regência das aulas, uma vezque a escola foi construída, mas a vaga para professor nãofoi criada; o material didático escolar era de má qualidade,e o prédio não era adequado para que se funcionasse umaescola. Assim, questões administrativas, estruturais,arquitetônicas, dificuldades de comunicação e ineficiênciada fiscalização, principalmente nas escolas isoladas doestado de Mato Grosso, contribuíam para o fracasso doensino escolar.

Diante dessas constatações, o Presidente de MatoGrosso passou a fazer contato com a “Diretoria da InstruçãoPública”, enviando sugestões de mudanças para a educação,referentes à demanda e ao acesso ao ensino escolar,melhoria na estrutura física dos prédios e construção denovas escolas, conforme se verifica na Mensagem a seguir:

Constituem preocupação do governo muitas das suges-tões a que se refere a Diretoria da Instrução pública, comoa ampliação e melhor aparelhamento das casas de ensino,reparos de prédios, serviço de inspeção escolar criaçãode outros estabelecimentos de ensino para atender àsuper-lotação escolar, que se acentua de ano para ano(MATO GROSSO, 1929, p. 90).

Assim, o governo foi sensibilizado pela pressãodecorrente das constantes reclamações da Diretoria da

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Instrução Pública, sobre as condições precárias defuncionamento do ensino público matogrossense, bem comoos problemas causados pela superlotação escolar que, anoa ano, crescia, em grandes proporções, nas zonas rural eurbana.

A superlotação nas escolas primárias crescia, devidoao aumento da população. Em vários municípios, essecrescimento não foi coberto pela oferta do ensino público econtratação de professores, o que resultou em muitos alunosfora da escola.

As escolas isoladas - compreendidas comomodalidade escolar na qual o unidocente ensinava em umaturma de até 60 alunos, em graus e séries diferenciados -eram orientadas por regulamentos da instrução públicaprimária, que estipulavam a distribuição dos horários,métodos de ensino e programa escolar a serem executados.

Com referência à estatística, esta cumpriu um papelrelevante para a compreensão da escola primária, nos trêsestados delimitados para este estudo, sendo os dadosanalisados retirados das Mensagens enviadas pelosPresidentes de estado. Vale observar que, no início doPeríodo Republicano, a estatística teve uma importânciasignificativa na organização das planilhas, quadros e tabelas,nos segmentos orçamentários e financeiros.

2. A dimensão intraescolar: o papel da escola primária.No processo de análise, a categoria intraescolar é

a prática da escola primária que se refere à aplicação dosmétodos, das metodologias, dos saberes das aulas, dasatividades com os alunos, dos materiais adequados para oprofessor, bem como avaliações e relacionamentos entreprofessores, alunos, direção e pais de estudantes, ou seja,refere-se a tudo que acontece na escola, em todo o processodo fazer pedagógico, durante o período de 1889 a 1930.

A escola isolada possuía um papel intraescolar. Umsó professor ensinava ao grupo de alunos, com idades econhecimento diferenciados; ele era responsável pelainstrução primária. Com o surgimento da escola graduada,os alunos foram classificados e agrupados o maishomogeneamente possível, em função de sua idade e seusconhecimentos.

A mudança intraescolar gerou transformaçõesvisíveis, como a substituição do método individual pelosimultâneo, em que o professor ensinava a mesma lição atodos os alunos como se fosse uma unidade, e isso passou ahomogeneizar os grupos, redistribuindo os alunos em grause classes. As salas de aula foram divididas em masculino efeminino. Os professores lecionavam para os meninos e asprofessoras para as meninas.

A ordem do governo do Maranhão era insistir nocompromisso da escola primária em ensinar os alunos, e o

professor a trabalhar os ideais republicanos, na formaçãodo processo de educação e qualificação da mão de obra.

Conforme Mensagem Presidencial, abaixo,evidenciava-se a pretensão de educar a mente e de fazerdo ensino escolar um meio para promover a dimensãointelectual da sociedade.

Do que até exposto distinguirei o que é essencial e o queé acessório, isto é, o que na escola primaria se deve ensi-nar e o que ali se deve professar no intuito de dar aosalunos algumas ideias radicais para uniformidade da dis-ciplina mental e como processo de educação intelectual(MARANHÃO, 1898, p. 94).

Em relação à escola primária, segundo as políticasintraescolares, instituídas em 1898, era essencial aprender,nas aulas, a língua vernácula, a escrita, a leitura, os cálculoselementares, o sistema métrico e a instrução moral e cívica.O interesse em aprender a ler, escrever, contar e calcularera cobrado pelos pais e políticos, e os professores tinhama responsabilidade de trabalhar as disciplinas e os programas.

A Mensagem seguinte destaca a necessidade dese observar a formação de turmas, considerando a faixaetária, bem como a organização das escolas para atender apúblicos específicos. Mais que espaços escolares, naperspectiva presidencial os professores tinham papelpreponderante para a promoção de conhecimentosessenciais à justiça e ao desenvolvimento nacional,destacando a valorização da carreira como meio para atrairbons profissionais.

Desse modo,

A cada passo o professor terá de referir-se a essas outrasdisciplinas que são as que figuram nos programas comoacessórios, e nem por outra forma podiam elas ser com-preendidas, porque lembrar que para um estudo comple-to, ninguém seria capaz de professá-las simultaneamentemesmo n’um estabelecimento de adultos. Instrução inte-gral outra cousa não é senão aquisição d’uns tantos co-nhecimentos essenciais e de um melhorado racional ejusto. Parece-me que na escola primaria de povoações,seguindo-se o que até fica exposto e provida de um bomprofessor, que se compenetre de sua missão, preencheriaperfeitamente os seus fins e a instrução lucrará conside-ravelmente. Porém devo lembrar-se que para conseguir-mos ter bons professores, que se dediquem, como é pre-ciso ao magistério, torna-se necessário a remuneraçãoconvenientemente (MARANHÃO,1898, p. 94).

Nesta Mensagem, destacam-se o perfil, o papel doprofessor e seu profissionalismo entendidos como característicase capacidades específicas da profissão. Esse profissional devedesempenhar seu trabalho com dignidade, justiça eresponsabilidade, no magistério público. Tratam-se, na verdade,dos norteamentos que orientam o exercício profissional, ou seja,

MONTAGEM 165

o princípio que norteia o profissionalismo docente. Em relaçãoao objeto deste estudo, sob a ótica do estado, presente nasMensagens em apreço, observa-se um discurso quepreencheria perfeitamente os seus fins. E a instrução lucrariaconsideravelmente com o docente que, conforme discursooficial, passa a exercer uma função disciplinadora, controladorae ideológica, à medida que se subordina às discussões darealidade concreta de trabalho de professor/professora, cadaum no seu papel, atuando no trabalho pedagógico.

Os professores tinham a obrigatoriedade depreparar as aulas voltadas para didáticas pedagógicas,relacionadas aos anseios republicanos de superação doanalfabetismo, preparando os alunos para assumirem cargospúblicos no governo do estado, na fase adulta.

Na Mensagem seguinte, observa-se, comoexemplo, a Escola Modelo Benedicto Leite:

Deixo pronto o nosso edifício para a escola modelo“Benedicto Leite”. No plano de reforma que concebia,figurava uma grande ampliação deste estabelecimentopara constituir um curso completo de pedagogia prática,onde não somente os alunos do curso profissional doLyceu viessem receber, durante o seu curso, as noçõespraticas do ensino – aprender a ensinar ensinando – mastambém onde o próprio corpo de professores do Estadoviesse periodicamente renovar suas ideias pedagógicas,recebendo novos estímulos (MARANHÃO, 1922, p. 39).

De acordo com a citação, as reformas estruturaisdo estabelecimento ocorreram também nas práticasescolares. Muitos docentes não conseguiam se adaptar àsala de aula, eram obrigados a aprender as práticas escolarespara ensinar aos alunos.

Comparando-se à Mensagem do Presidente deMinas Gerais, esta se trata de um discurso governamentalem que o chefe do estado propõe distribuir os alunos eprofessores nas escolas que existiam na cidade e, a partirdo número restante de alunos, construir novas dependênciasescolares onde ainda não havia escola.

Penso que, em vez de ser criado maior numero de escolasinstrução primaria, seria medida de utilidade fazer o legis-lador melhor distribuição das atualmente existentes re-munerar melhor o professor e ministrar-lhe material técni-co para maior facilidade na divulgação do ensino. De acor-do com o que foi disposto na Lei n. 221, de 14 de setem-bro de 1897, tem sido concedido aos professores de ins-trução primária, com exercício efetivo de mais de 10,15 ou20 anos, a gratificação anual de 5,10,15% sobre seus atu-ais vencimentos (MINAS GERAIS, 1898, p. 14).

Na Mensagem acima, verifica-se um pontorelevante em relação à gratificação anual dos professoresque atuavam em sala de aula em efetivo exercício; commais de 10,15 ou 20 anos, estes receberiam um aumento

salarial gradativo de 05, 10 e 15% sobre seus vencimentosremuneratórios.

Em outra Mensagem, observa-se que há umapreocupação do governo relacionada ao desenvolvimentodo regime republicano que se vincula ao crescimento donúmero de matrículas escolares, ocorridas naquele período,conforme segue:

Nesse importante ramo de serviço publico, cujo desen-volvimento é essencial ao regimento republicano, tem tidoo governo máximo cuidado, mormente em relação à matri-cula escolar, que, com a atual reforma, chegou quase aduplicar, como já o mostrei com o cotejo dos respectivosalgarismos.Estão funcionando regularmente 22 gruposescolares, em que se acham matriculados 10.090 alunos(MINAS GERAIS, 1908, p. 39).

Com a instalação dos grupos escolares, no territóriomineiro, houve um crescimento de matrículas resultante daconstrução e do funcionamento de novos grupos escolaresque, pela aparência e pelo novo modelo de escola - bemconstruída e com qualidade de ensino –, fez aumentar aprocura por escola, a qual também se deu em função docrescimento populacional.

As matrículas nas escolas isoladas, singulares,reunidas, não paravam de crescer, principalmente nos gruposescolares, a cada início de ano letivo. Mesmo evidenciandoo quantitativo no número final de matrículas, o fluxo deinformações não estava de acordo com a veracidadedesejada pelo governo. E os desencontros entre o númeroreal de alunos matriculados e o informado pelas escolaseram objeto de constantes preocupações do governo mineiro.

Desse modo, verifica-se que:Matrícula: - das 1.438 escolas que funcionaram em

1909, apenas 1.237 remeteram à Secretaria do Interior ascópias das respectivas matriculas, satisfazendo assim opreceito do ar. 80 do Reg. Que baixou com o dec. n. 1.960,de 16 de dezembro de 1906 (MINAS GERAIS, 1910, p. 41).

Em várias Mensagens, os Presidentes mostravamindignação em relação ao número real de matrículas e asinformações sobre frequência. Conforme se pode verificarna Mensagem acima, 201 escolas deixaram de fornecercópias de matrículas, o que comprometia o acompanhamentodo estado, em relação ao número real de alunos atendidos.

A Mensagem abaixo trata da freqüência escolar eevidencia essa evasão, superior a 60% (sessenta por cento),no universo de alunos matriculados.

Freqüência: A freqüência das 1.237 escolas no 1º semes-tre de1909 foi de 46.328 alunos, sendo 24.995 do sexomasculino e 21.333 do sexo feminino. No 2º semestre onumero de alunos freqüentes foi de 42.189, sendo 23.144do sexo masculino e 19.036 do sexo feminino. A média defreqüência apurada por unidade de escola foi de 37,4 no

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1º semestre e 34,5 no 2º (MINAS GERAIS, 1910, p. 41).

Observa-se um aumento significativo na evasãoescolar ocorrida no segundo semestre. Muitas crianças/estudantes ajudavam seus familiares nos trabalhos agrícolas,para garantir seu sustento. Muitas famílias, com númeroacentuado de filhos, incentivavam-nos ao trabalho e à lidado campo, às vezes em virtude de suas condiçõessocioeconômicas. Portanto, a escola deixou de ser opçãode melhoria, uma vez que a sobrevivência era o objetivoprimeiro, ou seja, o compromisso dos dependentes da famíliaera ajudar os pais na limpeza da terra, no plantio, nas capinase na colheita.

No início do século XX, não era comum as pessoaseducarem seus filhos por meio da escola, enquanto valorsimbólico, mas sim repassar conhecimentos culturais parase lidar na cultura doméstica, agrícola e domesticação dosanimais, para facilitar os afazeres da lavoura.

Para o funcionamento das escolas, era necessárioque o governo fizesse investimentos em mobiliário escolar,acervo bibliográfico, recursos pedagógicos e materiaisdidáticos, como aponta a Mensagem a seguir:

Os móveis que tem sido fornecido aos grupos escolarese escolas singulares indistintamente, consistem em car-teiras para dois alunos. Aos grupos, além destas cartei-ras, são também fornecidos armários, mesas, sofás, ca-deiras, lavatórios e outros utensílios necessários a mon-tagem completa de salas de aula e gabinetes. Com forne-cimentos de livros, material didático, mobiliário, conser-vação e asseio dos estabelecimentos escolares,despendeu se a quantia de 139:127$446 (MINAS GERAIS,1912, p. 27).

Observa-se a preocupação da Presidência de MinasGerais em evidenciar que, de fato, investia-se em educação,à medida que se ocupava em oferecer condições materiaise pedagógicas para o funcionamento do ensino escolar.

Verifica-se que a preocupação com a conduta, coma idoneidade do professor, era algo preocupante, pois, alémde servir de parâmetro para os alunos e a comunidade, elerepresentava o que de melhor a República estava oferecendoaos pais e aos alunos. Dessa forma, para verificardeterminados critérios, como os da conduta ilibada, porexemplo, o professor cumpria uma espécie de estágioprobatório, antes de adquirir estabilidade na carreira,conforme se verifica na Mensagem a seguir:

Apurar cabalmente a idoneidade do professor para in-vesti-lo nas funções do magistério é um das preocupa-ções de quantos se interessam pelo ensino. Esta preocu-pação se torna ainda mais séria, si se trata de umainvestidura definitiva, a que se acham ligados direitos acerta estabilidade. As nossas leis regulamentos tinhamprescrito que todas as nomeações eram sempre provisó-

rias ou interinas, estabelecendo uma espécie de estagiomuito útil para se conhecer a aptidão, capacidade e dedi-cação do professor (MINAS GERAIS, 1919, p. 31).

As leis e regulamentos prescreviam que muitasnomeações de professores provisórios e interinos, para supriras vagas das salas de aula, eram feitas em forma de estágioprático, para que o professor pudesse demonstrarconhecimentos, aptidões, capacidade intelectual ededicação.

A Mensagem a seguir destaca as nomeações deprofessores normalistas, em que se observam algumasparticularidades da carreira de magistério, em 1919.Evidencia-se a preferência por professoras normalistas,solteiras ou viúvas, uma vez que o estado entendia que ascasadas não conciliariam os trabalhos domésticos com ostrabalhos escolares.

Assim, afirma o estado:

Penso também que as nomeações devem recair, de prefe-rência, sobre normalistas pobres, solteiras ou viúvas. Osmotivos desta preferência não são de ordem sentimental,mas no interesse do ensino. É claro que as professorascasadas, a quem cabe a responsabilidade do cuidar cons-tante de seu lar, não podem dar à escola a mesma soma deenergia e dedicação. E quanto às condições de fortuna, aadministração tem provas reiteradas de que as professo-ras pobres são, de ordinário, muito mais dedicadas e assí-duas, o que facilmente se compreende. As que não preci-sam dos proventos da cadeira para viverem, em geral,facilmente se descuram dos seus deveres e vivem emregimento de licenças com grande prejuízo para o ensino(MINAS GERAIS, 1919, p. 32).

Observa-se que a professora ideal para o estado,conforme dados anteriores, não poderia ter famíliaconstituída, devido à remuneração irrisória da carreira, pois,de acordo com a declaração da presidência mineira, “[...]as que não precisam dos proventos da cadeira para viverem,em geral, facilmente se descuram dos seus deveres [...]”(MINAS GERAIS, 1919, p. 32). Pois, nos termos oficiais,se a mulher viesse a engravidar teria que gozar de licenças,e este direito representaria grande prejuízo para o ensino.

Na Mensagem abaixo, constata-se que a posturado governo mineiro era apenas a de alfabetizar a populaçãodo campo, dada a pouca procura por matrícula no terceiroe no quarto ano.

Para um grande numero de crianças, especialmente naspopulações rurais, tem o ensino primário a finalidade ex-clusiva da alfabetização. Essas populações, entreguesaos trabalhos dos campos, à lavoura e à criação, e a ou-tros misteres onde não será exigida grande cultura inte-lectual, basta-lhes que saibam ler, escrever e contar. Veri-fica-se, então, que, nas escolas rurais, era escassamentefreqüentado o 3º ano primário e raríssimas vezes, o era o

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4º anos.Foi, pois, reduzido a dois anos o curso primárionessas escolas. Provido análogo, reduziu-se a três anoso curso nas escolas distritais e urbanas isoladas. Foi con-servado o curso completo de 4 anos, nos grupos escola-res e nas escolas urbanas reunidas (MINAS GERAIS,1926, p. 73).

Para esta proposta de ensino, o governo sugeriuque os alunos da zona rural tivessem somente dois anos deescola, tempo considerado suficiente para que fossemalfabetizados. Ou seja, mal se alfabetizavam, ficavam emcasa para lidar com os afazeres domésticos e agrícolas.Nas escolas distritais e isoladas, o tempo de um ano foireduzido; e os alunos estudavam somente 03 anos. O cursocompleto ficou somente nos grupos escolares, por 04 anos.

A visão otimista referente à educação, tanto noMaranhão como em Minas Gerais, não foi diferente do queaconteceu em Mato Grosso. Essa visão passou a ser a tônicado discurso republicano, manifestado por ocasião dafundação das escolas primárias. Havia uma preocupaçãovoltada para os índices de analfabetismo e a formação deprofessores. Era, portanto, indispensável investir nainstrução primária para viabilizar a participação de um maiornúmero de alunos nas escolas matogrossenses. Esseotimismo foi o foco principal do discurso republicano, movidopela criação de escolas primárias, em todo o estado, duranteo ano de 1890, com a contratação e formação de professores.

Segundo o Presidente do estado de Mato Grosso,contratar professores para os alunos e professoras para asalunas era, praticamente, inviável, porque faltavamprofessores e professoras para o período das aulas. E, paraencontrar docentes para as escolas urbanas e rurais, erapreciso fazer um esforço enorme, porque os professoresnão tinham interesse no trabalho do magistério em escolascom poucos recursos, sem materiais didáticos pedagógicos,com uma remuneração mínima para professores das escolasprimárias.

A Mensagem a seguir apresenta o discurso doPresidente de estado do Mato Grosso. Nela, pode-seperceber a preferência por professores do sexo masculinopara lecionar para meninos, visto que teriam melhor preparoe maior energia para lidar com eles. Mais que isso nota-se,ainda, a preocupação do governo matogrossense com a baixaqualidade do ensino público e a remuneração pouco atraenteao magistério.

Permitir-me, entretanto, declarar que o pleno de reformasa executar-se deve figurar uma medida que parece recla-mada por diuturna observação, e talvez obedeça a influ-encia do nosso meio social: é a de exigir que as escolas deinstrução primaria para o sexo masculino sejam exclusi-vamente regidas por professores, visto como as senho-ras, por falta do preciso preparo entre nós, bem como da

indispensável energia para lidar com os meninos, nãotem provado bem a regência de tais cadeiras, dando lugara que escolas publicas de semelhantes classe sejam pou-co freqüentadas, procurando os meninos de referenciaas escolas particulares, com grave descrédito do ensinooficial. Mas, para que esta medida seja de resultado pra-tico, é necessário argumentar os vencimentos do profes-sorado primário (MATO GROSSO, 1895, p. 10).

Existia, pois, a preocupação com a ausência deprofissionais habilitados ou preparados para ensinar aosalunos. De acordo com a Mensagem, havia a falta depreparo dos professores, figura com um grave descréditoperante o ensino oficial matogrossense. Os resultados daaprendizagem eram mínimos, faltavam noções básicas dométodo de ensino, porque cada professor seguia a suaprática de ensinar, e não havia um método para todas asescolas.

Assim, vale destacar a seguinte Mensagem:

A execução de novo plano de estudos, baseado no méto-do intuitivo, há de necessariamente trazer alguma dificul-dade aos nossos atuais professores, habituados à práti-ca antiga, que consistia no exercício exclusivo da memó-ria e não da inteligência dos alunos; obrigando-os a repe-tir matinalmente os compêndios de cor e abandonando alógica e o raciocínio necessários à compreensão das dou-trinas, e a educação do espírito na indagação da verdade(MATO GROSSO, 1897, p. 29).

Os professores, a partir de 1897, deveriam adotaruma nova proposta metodológica de ensino voltada para odesenvolvimento da lógica, do raciocínio, em oposição àsatividades mecânicas e à memorização. Para tanto, fazia-se necessário a elaboração de um plano de estudo, aaplicação do método intuitivo, o exercício da memória e dainteligência e o desenvolvimento do espírito crítico.

O método intuitivo tomava para si os princípiosfundamentados, nos processos naturais de aprendizagem.A ideia central era a intuição e, conforme seus pressupostos,a pessoa raciocinaria por meio de dados fornecidos pelossentidos. Reis(2006) afirma que o método intuitivo tinha doisobjetivos: tornar o ensino mais eficiente e reduzir as despesasdecorrentes da reprovação e abandono escolar.

Assim, “ método intuitivo chegou ao estado deMato Grosso no final do século XIX, com ampladivulgação por todo interior, pois seus defensoresacreditavam que sua utilização poderia reverter aineficiência do ensino das escolas públicas primárias,reduzindo as despesas (REIS, 2006, p. 73).”

Com adoção do método intuitivo pelo estado, ascobranças por melhores resultados ficaram nítidas, porqueo aluno era obrigado a aprender as lições de cor, a estudare dedicar-se aos estudos por mais tempo. A escola primária

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ensinava aos alunos a leitura e a escrita, por meio de práticasmecânicas em que o estudante aprendia fazendo cópia detextos no caderno.

O sucesso dependia do esforço e da capacidade decada professor em transmitir os conhecimentos aos alunos,tais como ler e escrever. O novo método representou umatentativa de mudança radical nas formas de ensino e naprática do trabalho pedagógico, rompendo com osprocedimentos tradicionais no modo de entender oconhecimento, o ensino e a aprendizagem.

Em relação à matéria de ensino, o docente lidavacom metodologias próprias, devido à ausência de formaçãopara a docência e de uma proposta pedagógica estruturadaa partir de um método que exigisse um planejamento maiselaborado. Na tendência tecnicista, o modismo era simplificaro conhecimento e torná-lo o mais prático possível para oentendimento e a compreensão do aluno; assim, preocupava-se mais em ensinar como fazer algo que aprender a seralguém. Nas práticas escolares, eram utilizadosconhecimentos abstratos, mas com esse método passaram-se a utilizar conhecimentos concretos e reais, importantespara a vida do cidadão, afastando-o cada vez mais dopensamento sistêmico.

De acordo com a Mensagem seguinte, “a tendênciamoderna, em matéria de ensino, é simplificá-lo e torná-lo o mais prático possível, não se enchendo a cabeçado menino de teorias e conhecimentos abstractos, quede pouca ou de nenhuma utilidade lhe venham a ser nofuturo (MATO GROSSO, 1908, p. 19).”

As práticas de aprendizagem estavam relacionadasàs matérias de ensino que, por sua vez, estavam ligadas aométodo intuitivo, o qual era praticado em sala de aulamediante o uso de um manual que servia como guia, comoaparelho disseminador do conteúdo aos professores, pais ealunos. Observam-se, assim, a descontinuidade das medidaseducacionais, as tentativas de reformas parciais e arbitrárias,o isolamento em que vivia a escola em relação a outrasinstituições, os métodos tradicionais, a falta de espírito críticoinvestigativo; uma escola preocupada apenas com aformação de mão de obra para atender às necessidades domercado de trabalho, sem nenhum compromisso com odesenvolvimento intelectual, social, cultural e político dohomem.

Muitas escolas encontravam dificuldades defuncionamento por falta de professores e funcionárioscapacitados e interessados em exercer a docência. Quandouma pessoa possuía um tipo de preparação, era convidadapara assumir aulas e ou a direção da escola. Em algumaslocalidades, era muito difícil conseguir profissionais paratrabalhar nas escolas, além da má remuneração, ainda haviadificuldade em colocar pessoas nesses lugares distantes,

ou fora de Cuiabá.Na Mensagem seguinte, evidencia-se o papel da

mulher no magistério primário matogrossense como umprolongamento da educação familiar, cabendo à escola eao professor realizar a soma do amor ou da simpatia comuso da autoridade.

Desse modo,

Pensa-se que à mulher é que compete o magistério primá-rio, visto como esse magistério é um prolongamento daeducação familiar, na qual a família exerce a sua funçãoeducativa com a disciplina, o exemplo e o ensino. É nessaeducação do lar e na educação primaria que a prolonga,que se deve realizar o consorcio do amor ou da simpatiacom autoridade, convindo que seja demasiado impositivapara deixar espaço à chamada auto-educação. Seja comofor, porém, a verdade é que nada se consegue sem essetacto pedagógico, que permite o conhecimento do sujei-to da pedagogia ou pedagógica, isto é, o educando(MATO GROSSO, 1916, p. 55).

O papel da professora, no início do PeríodoRepublicano, restringia-se a estar em condições deincorporar novos controles emocionais, não discutir, usandotermos inadequados, com o inspetor escolar, por exemplo.Deveria também estabelecer novas disposições mentais,estar disponível para incorporar novos conhecimentos, teruma função educativa disciplinada, ser bom exemplo ededicada ao ensino.

Outro papel atribuído à professora era o de educarpara a sensibilidade, para os bons modos, amar os alunoscomo se fossem seus filhos, amar a pátria e dispor-se asacrifícios pessoais em nome de entidades tão abstratasquanto a pátria e a educação da nação. Deveria, também,prever quais seriam os resultados de sua conduta e quecomportamentos adotar em função dos espaços ondetransitava. Adotar os procedimentos que se esperava daprofessora, por exemplo, amealhar o mérito ou ossignificados do mérito: as comprovações que poderiamassegurar-lhe a ascensão profissional, o que hoje é chamadode comprovação profissional ou de desempenho profissionalem atividades didáticas e pedagógicas.

Ser professora, naquela época, era muito mais doque conquistar a possibilidade de renda financeira e seguraou de adquirir prestígio social para si e para sua família. Serprofessora era, principalmente, conquistar um direito que,desde a abolição da escravatura, era concedido a todos osbrasileiros, o direito de ir e vir, de fazer escolhas pessoais.

O ingresso nos espaços de estudo e trabalho docentepossibilitava às moças transitar sozinhas pela cidade. Porém,se deixavam de ser vigiadas em casa, não escapavam deser vigiadas na rua. O exercício do trabalho docenteimplicava uma vigilância implícita de todos aqueles que

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transitavam pelo espaço público.Se a vigilância e o controle - próximos da invasão

de privacidade - sobre a conduta de professoras eram umaexigência social e política, o binômio instruir e educarintegrava supostos valores para erigir um tipo de sociedade,marcada pelo caráter, uma vez que a ausência deste eraentendida como a fonte de todas as crises sociais, comopode ser verificado na Mensagem a seguir:

Nota-se, porém, que a instrução publica é também educa-ção publica. Instruir é pouco. Digo mais: instruir sem edu-car, é armar o criminoso de amanhã.A instrução ilumina océrebro; só a educação é que firma a vontade em princípi-os imutáveis. Uma produz a ciência, outra o caráter: luz eforça para a vida. Já tivemos o século da luzes; prepare-mos o século do caráter. Não é a crise da instrução quenos angustia. É justamente a crise do caráter, fonte maldi-ta de todas as crises sociais. Instruir e educar pelo exem-plo, pela palavra, pela disciplina: eis, pois, a grande mis-são das nossas escolas e dos nossos mestres. Prouveraa Deus que todos a compreendessem! Estaríamos salvos(MATO GROSSO, 1918, p. 24).

O discurso político do Presidente de estado era claroe direto. Tratava a educação pública como via para construira identidade cultural do homem, superando o viés pelainstrução, alcançando outro patamar de educar pelo exemplo,pela palavra e disciplina, como a Mensagem acima observa:“instruir sem educar, é armar o criminoso de amanhã.” Emprimeiro lugar, o papel de educar cabe à família e, emsegundo, à escola primária, que tem por obrigação formara criança para ser um cidadão brasileiro educado comoindivíduo pronto para viver em sociedade. A escolainstrumentaliza-se para educar suas crianças a assumir umpapel social, cujos comportamentos e pensamentos eramdesejados pelo estado republicano, de modo a se constituirem uma sociedade harmônica, e, dessa forma, receber oprogresso.

Para o governo do estado do Mato Grosso, no finalda década de vinte, a educação já era considerada um dosserviços públicos mais eficientes oferecidos pelo estado,pois trazia benefícios para a sociedade, formando homensde caráter e com a missão de integrar os conhecimentosrelacionados à sociedade.

A Mensagem seguinte trata das transformaçõesocorridas nas escolas.

Iniciada em 1910 a adoção dos método pedagógicos mo-dernos com a introdução de professores paulistas, a se-mente se desenvolveu nesta capital, como em terrenofértil, e propagou pelas cidades principais em grupos es-colares que vão apresentando resultados compensadoresdo esforço e dos encargos que impõem ao Thesouro(MATO GROSSO, 1930, p. 39).

A instrução pública, enquanto preocupação com otempo escolar e a influência da sua organização na instruçãoe formação da infância, fundamentou as reformas modernasda Instrução Pública de Mato Grosso, e a escola foitransformada em espaço responsável pela formação dofuturo cidadão, com disciplina e, além de tudo, cumpridorde seus deveres. Assim sendo, o estudante não poderiadesperdiçar o seu tempo, mas deveria utilizá-lo de formaracional.

A escola primária de Mato Grosso serviu deexemplo para muitos outros estados brasileiros, em relaçãoà sua organização, dedicação ao ensino primário, à aplicaçãodos métodos pedagógicos modernos, e à inserção deprofessores paulistas, convidados e contratados pelosPresidentes do estado.

Os professores contratados buscavam interagir edialogar, a partir de interpretações advindas da compreensãoda educação escolar primária em seu contexto, vista comoprodutora de uma visão social harmônica, ordeira e, acimade tudo, produtiva, em um período em que as ideias liberaisestavam disseminando-se no território matogrossense.

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Mensagens de Presidentes do Estado de Maranhão(1889-1930)

MARANHÃO. Mensagem dirigida pelo Vice-Presidentede Estado do Maranhão, Alfredo da Cunha Martins, aoCongresso do Estado. crl.edu/brazil (1898, p. 94).

______. Mensagem dirigida pelo Presidente de Estado doMaranhão, Herculano Nina Praga, ao Congresso do Estado,3ª sessão a 8ª Legislatura. crl.edu/brazil (1915, p.12).

______. Mensagem dirigida pelo Presidente de Estado doMaranhão, Herculano Nina Praga, ao Congresso do Estado,1ª sessão a 9ª Legislatura. crl.edu/brazil (1916, p. 12- 16, p.03, Anexo III A).

______. Mensagem dirigida pelo Presidente de Estado doMaranhão, Raul da Cunha Machado, ao Congresso doEstado, 1ª sessão a 10ª Legislatura. crl.edu/brazil (1919, p.61).

______. Mensagem dirigida pelo Presidente de Estado doMaranhão, Urbano Santos da Costa Araújo, ao Congressodo Estado, 1ª sessão a 11ª Legislatura. crl.edu/brazil (1922,p. 39).

Mensagnes de Presidentes do estado de Minasgerais(1889-1930)

MINAS GERAIS. Mensagem dirigida pelo Presidente deEstado de Minas Gerais, Chrispim Jacques Bias Fortes, aoCongresso Mineiro, em sua 4ª sessão ordinária da 2ªlegislatura. Bello Horizonte: Imprensa Official do Estadode Minas Gerais. crl.edu/brazil (1898, p. 13-14).

______. Mensagem dirigida pelo Presidente de Estado deMinas Gerais, Francisco Antonio de Salles, ao CongressoMineiro, em sua 1ª sessão ordinária da 4ª legislatura. BelloHorizonte: Imprensa Official do Estado de Minas Gerais.crl.edu/brazil (1903, p. 30-32).

______. Mensagem M dirigida pelo Presidente de Estadode Minas Gerais, Francisco Antonio de Salles, ao CongressoMineiro, em sua 3ª sessão ordinária da 4ª legislatura. BelloHorizonte: Imprensa Official do Estado de Minas Gerais.crl.edu/brazil (1905, p. 25).

______. Mensagem dirigida pelo Presidente de Estado deMinas Gerais, João Pinheiro da Silva, ao Congresso Mineiro,em sua 2ª sessão ordinária da 5ª legislatura. Bello Horizonte:Imprensa Official do Estado de Minas Gerais. crl.edu/brazil(1908, p. 39).

______. Mensagem dirigida pelo Presidente de Estado deMinas Gerais, Wenceslau Braz Pereira Gomes, ao CongressoMineiro, em sua 4ª sessão ordinária da 5ª legislatura. BelloHorizonte: Imprensa Official do Estado de Minas Gerais.crl.edu/brazil (1910, p. 09- 41).

______. Mensagem dirigida pelo Presidente de Estado deMinas Gerais, Julio Bueno Brandão, ao Congresso Mineiro,em sua 2ª sessão ordinária da 6ª legislatura. Bello Horizonte:Imprensa Official do Estado de Minas Gerais. crl.edu/brazil(1912, p. 24-27).

______. Mensagem dirigida pelo Presidente de Estado deMinas Gerais, Artur da Silva Bernardes, ao CongressoMineiro, em sua 1ª sessão ordinária da 8ª legislatura. BelloHorizonte: Imprensa Official do Estado de Minas Gerais.crl.edu/brazil (1919, p. 31- 38).

______. Mensagem dirigida pelo Presidente de Estado deMinas Gerais, Raul Soares de Moura, ao Congresso Mineiro,em sua 2ª sessão ordinária da 9ª legislatura. Bello Horizonte:Imprensa Official do Estado de Minas Gerais. crl.edu/brazil(1924, p. 225- 240).

______. Mensagem dirigida pelo Presidente de Estado deMinas Gerais, Fernando Mello Vianna, ao CongressoMineiro, em sua 4ª sessão ordinária da 9ª legislatura. BelloHorizonte: Imprensa Official do Estado de Minas Gerais.crl.edu/brazil (1926, p. 73- 166).

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Mensagens de Presidentes do Estado de MatoGrosso (1889-1930)

MATO GROSSO. Mensagem dirigida pelo Presidente deEstado de Mato Grosso, Manoel José Murtinho, àAssembleia Legislativa, em sua 2ª sessão ordinária da 2ªlegislatura. Cuiabá: Tipografia do Estado. crl.edu/brazil(1895, p. 10-11).

______. Mensagem dirigida pelo Presidente de Estado deMato Grosso Presidente, Antonio Correia da Costa, àAssembleia Legislativa, em sua 2ª sessão ordinária aberta.Cuiabá: Tipografia do Estado. crl.edu/brazil (1897, p. 29).

______. Mensagem dirigida pelo Presidente de Estado deMato Grosso, Antonio Cesário de Figueiredo, à AssembleiaLegislativa, em sua 2ª sessão ordinária aberta. Cuiabá:Tipografia do Estado. crl.edu/brazil (1899, p. 14- 29).

______. Mensagem dirigida pelo Presidente de Estado deMato Grosso, Pedro Leite Osório, à Assembleia Legislativa,em sua 2ª sessão ordinária da 7ª legislatura. Cuiabá:Tipografia Official. crl.edu/brazil (1907, p. 16-18).

______. Mensagem dirigida pelo Presidente de Estado deMato Grosso, Generoso Paes de Souza Ponce, à AssembleiaLegislativa, em sua 3ª sessão ordinária da 7ª legislatura.Cuiabá: Tipografia Official. crl.edu/brazil (1908, p. 18-19).

_____. Mensagem dirigida pelo Presidente de Estado deMato Grosso, Caetano Manoel de Faria Albuquerque, àAssembleia Legislativa, em sua 2ª sessão ordinária da 10ªlegislatura. Cuiabá: Tipografia Official. crl.edu/brazil (1916,p. 54-57).

______. Mensagem dirigida pelo Presidente de Estado deMato Grosso, Camilo Soares de Moura, à AssembleiaLegislativa. Cuiabá: Tipografia Official. crl.edu/brazil (1918,p. 24).

______. Mensagem dirigida pelo Presidente de Estado deMato Grosso, Mário Correia da Costa, à AssembleiaLegislativa, em sua 1ª sessão ordinária da 14ª legislatura.Cuiabá: Tipografia Official. crl.edu/brazil (1927, p. 122).

______. Mensagem dirigida pelo Presidente de Estado deMato Grosso, Mário Correia da Costa, à AssembleiaLegislativa, em sua 3ª sessão ordinária da 14ª legislatura.Cuiabá: Tipografia Official. crl.edu/brazil (1929, p. 87- 93).

______. Mensagem dirigida pelo Presidente de Estado deMato Grosso, Aníbal Toledo, à Assembleia Legislativa, emsua 1ª sessão ordinária da 15ª legislatura. Cuiabá: TipografiaOfficial. crl.edu/brazil (1930, p. 39- 46).

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