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RDS VIII (2016), 2, 343-369 Novo regime jurídico das caixas económicas DR. PEDRO SAMEIRO Sumário: 1. Introdução. 2. Caixas económicas, conceito e natureza jurídica. 3. As moda- lidades de caixas económicas. 4. Consequências da transformação de uma caixa económica em sociedade anónima: 4.1. Desenquadramento de sector social da economia e perda do estatuto de utilidade pública; 4.2. Possível novo paradigma sobre aplicação de valores nas relações entre uma mutualidade, instituição titular e a caixa económica; 4.3. Alterações do modo de governo e eventual partilha de poderes; 4.4. Perda da qualidade de caixa económica como entidade do sector social; 4.5. Transmissibilidade e vulnerabilidade a aquisições hostis; 4.6. Acesso ao mercado de capitais; 4.7. Assunção de uma forma jurídica facilmente reconhecível pelo mercado. 5. Apreciação do processo de transformação. 1. Introdução Foi publicado o Decreto-Lei n.º 190/2015, de 10 de Setembro, que passou a ser a fonte de regulamentação especíca das caixas económicas, revogando o velho Decreto-Lei n.º 136/79, de 18 de Maio, que versava sobre a mesma matéria e era o único diploma legal regulador de um tipo especíco de institui- ções de crédito com vigência anterior à entrada em vigor do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras. Desde há muito que fazia sentir-se a necessidade de alteração da regula- mentação deste sector das empresas nanceiras, o que se traduziu numa séria de pedidos, propostas e projectos que, ao longo dos anos têm sido apresentados. Eu próprio, além de um trabalho sobre a reforma da legislação das caixas económicas, publicado na Revista da Ordem dos Advogados 1 , que mereceu 1 Sameiro, Pedro, A Reforma da Legislação das Caixas Económicas em Portugal, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 55-I, Janeiro 1995, também em separata. Book Revista de Direito das Sociedades 2 (2016).indb 343 Book Revista de Direito das Sociedades 2 (2016).indb 343 18/10/16 11:28 18/10/16 11:28

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  • RDS VIII (2016), 2, 343-369

    Novo regime jurídico das caixas económicas

    DR. PEDRO SAMEIRO

    Sumário: 1. Introdução. 2. Caixas económicas, conceito e natureza jurídica. 3. As moda-lidades de caixas económicas. 4. Consequências da transformação de uma caixa económica em sociedade anónima: 4.1. Desenquadramento de sector social da economia e perda do estatuto de utilidade pública; 4.2. Possível novo paradigma sobre aplicação de valores nas relações entre uma mutualidade, instituição titular e a caixa económica; 4.3. Alterações do modo de governo e eventual partilha de poderes; 4.4. Perda da qualidade de caixa económica como entidade do sector social; 4.5. Transmissibilidade e vulnerabilidade a aquisições hostis; 4.6. Acesso ao mercado de capitais; 4.7. Assunção de uma forma jurídica facilmente reconhecível pelo mercado. 5. Apreciação do processo de transformação.

    1. Introdução

    Foi publicado o Decreto-Lei n.º 190/2015, de 10 de Setembro, que passou a ser a fonte de regulamentação específi ca das caixas económicas, revogando o velho Decreto-Lei n.º 136/79, de 18 de Maio, que versava sobre a mesma matéria e era o único diploma legal regulador de um tipo específi co de institui-ções de crédito com vigência anterior à entrada em vigor do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.

    Desde há muito que fazia sentir-se a necessidade de alteração da regula-mentação deste sector das empresas fi nanceiras, o que se traduziu numa séria de pedidos, propostas e projectos que, ao longo dos anos têm sido apresentados.

    Eu próprio, além de um trabalho sobre a reforma da legislação das caixas económicas, publicado na Revista da Ordem dos Advogados1, que mereceu

    1 Sameiro, Pedro, A Reforma da Legislação das Caixas Económicas em Portugal, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 55-I, Janeiro 1995, também em separata.

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    um acolhimento favorável por parte da Doutrina, apresentei ao Banco de Por-tugal um projecto de diploma legal, por solicitações do Senhores Administra-dores Doutor José António Vellozo, primeiro, e, depois, pelo Prof. Doutor Diogo Leite de Campos, de que não resultaram quaisquer consequências. Em 2006 tomou a Caixa Económica Montepio Geral a iniciativa de apresentar ao Banco de Portugal um projecto de reforma também devidamente fundamen-tado e anotado, do que nada resultou. Ao ser, em 2008, feita a primeira dili-gência pelo Ministério das Finanças de rever o estatuto do Instituto Português de Seguros, ampliando a sua competência de supervisão à «actividade das ins-tituições mutualistas que reúna características típicas da actividade seguradora», o que abrangeria o Montepio Geral – Associação Mutualista, foi referida em reunião ocorrida naquele Ministério a extrema urgência e conveniência de se proceder a uma reforma legislativa das caixas económicas, sugestão cuja per-tinência não foi arguida, mas que também não deu origem a qualquer modi-fi cação da Lei. Finalmente divulgada em 2015 a possibilidade de se rever a legislação respeitante às caixas económicas, foram desencadeados vários esforços junto do Banco de Portugal para que a Caixa Económica Montepio Geral (CEMG) pudesse ser ouvida e sugerir o que julgasse pertinente. Tais iniciativas resultaram infrutíferas, assim como uma outra levada a cabo pelo European Savings Banks Group a pedido da CEMG, em que foram contactados o Banco de Portugal, o Ministério das Finanças e vários deputados portugueses do Par-lamento Europeu.

    Entretanto foram sendo produzidos vários textos doutrinais sobre as caixas económicas. Trabalho pioneiro foi o de José Januário Gomes «Natureza Jurí-dica das Caixas Económicas»2, a que se seguiu em 1983 um outro da minha autoria «Las Cajas de Ahorro Portuguesas»3, em data próxima o Prof. António Sousa Franco proferiu uma conferência sobre o tema com o título «As caixas económicas e a reforma do sistema fi nanceiro – aspectos jurídicos». A matéria volta a ser abordada pelo Doutor Augusto de Athayde no seu «Curso de Direito Bancário»4onde de forma muito simpática se referem e perfi lham as posições por mim defendidas no citado estudo sobre a reforma da legislação das caixas. Não posso deixar de citar, o Prof Menezes Cordeiro que na sua obra «Direito Bancário»5 trata extensivamente a matéria descrevendo as principais teses dos autores citados.

    2 In Boletim do Ministério da Justiça, n.º 312, Janeiro 1982.3 In Cuadernos de las Convenciones de Asesores Jurídicos, Madrid, Confederación Española de Cajas de Ahorro.4 Ed. Coimbra Editora, 1999, vol. I, p. 292 e segs5 Ed. Almedina, 5.ª ed., 2014.

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    Resultaram destes trabalhos uma clara caracterização das natureza jurídica das caixas económicas portuguesas e das suas relações com as entidades a que estavam anexas, fossem elas mutualidades ou misericórdias, opiniões que o legislador de 2015 ignorou soberanamente.

    O Decreto-Lei n.º 190/2015 vem, descurando toda a produção jurídica sobre esta matéria elaborada, aprovar o novo regime jurídico das caixas econó-micas, o que faz em repetição nos artigos 1.º, n.º 1 e 2.º, alterar o artigo 29.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, modifi car o artigo 55.º, n.º 2 e acrescentar um artigo 12.º-A, ambos no Código das Asso-ciações Mutualistas e estabelecer preceitos de direito transitório.

    Adiante melhor veremos o sentido e alcance de tudo isto.

    2. Caixas económicas, conceito e natureza jurídica

    O Decreto-Lei n.º 190/2015 reconhece, como fonte primordial do Direito das caixas económicas em Portugal, o Decreto de 17 de Agosto de 1836, afi r-mando-se no relatório inicial do diploma em apreço que «a fi gura das caixas económicas foi evoluindo ao longo dos tempos e ganhou uma dimensão lucra-tiva, mas sem nunca perder o carácter assistencialista e mutualista na actividade bancária». Fixamo-nos nesta declaração inicial do relatório, porque é bem uma evidência das ideias, algo confusas, que presidiram à elaboração da lei.

    Arrumando ideias e conceitos, refi ra-se que desde há muito se distingue uma actividade economicamente interessada, que visa a produção de resultados positivos ordenados à satisfação de um fi m, de um actividade lucrativa, que tem por objectivo a distribuição de lucros, maxime sob a forma de dividendos, destinados a remunerar um investimento. Embora tenham existido caixas eco-nómicas em Portugal com a natureza de sociedades comerciais e consequen-temente prosseguindo fi ns lucrativos, as quais todavia destinavam uma parte dos seus lucros a aplicações de natureza social6, as actuais caixas económicas portuguesas não pagam dividendos a accionistas, pelo que não podemos consi-derá-las entidades lucrativas, nem aliás foram constituídas com o propósito de remunerar um investimento através do exercício de uma dada actividade, ou de partilharem entre os investidores as perdas resultantes de tal prática.

    Veja-se o caso exemplar da Caixa Económica Montepio Geral, cujos resul-tados da actividade feitas a deduções estatutariamente previstas, são colocados à disposição do Montepio Geral – Associação Mutualista «para que este os apli-

    6 Estatutos da Caixa Económica Faialense, S.A.R.L.,artigo 33.º, 4.º; Estatutos da Caixa Económica Picoense, S.A.R.L., artigo 17.º, 3.º; Caixa Económica da Ribeira Grande, Estatutos artigo 47.º, etc.

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    que à satisfação dos seus fi ns»7. Os resultados transferidos da caixa económica não entram para um bolo comum de receitas que possa ser aplicado mais ou menos discricionariamente, destinam-se a ingressar nos Fundos Disponíveis, no Fundo de Reserva Geral e no Fundo de Administração, podendo ainda uma parte deles ser canalizada para o Fundo de Solidariedade Administrativa e para o Fundo de Bolsas de Estudo8. Esta consignação de proventos visa benefi ciar em primeiro lugar os credores de pagamentos resultantes da contratação de benefícios mutualistas, pois que se o associado do Montepio Geral não for cre-dor de tais pagamentos, nada tem a haver dos resultados da Caixa Económica Montepio Geral.

    Falar, a propósito das caixas económicas hoje existentes, em actividade lucrativa é não entender o que é actividade lucrativa, nem compreender o que se diz no Título I da Parte II da Constituição da República Portuguesa, espe-cialmente no seu artigo 82.º.

    E o que dizer do qualifi cativo «assistencialista»?Ilídio das Neves, no seu Dicionário Técnico e Jurídico da Protecção Social,

    defi ne concepção assistencialista como a «concepção de direito à segurança social que tem como objecto a protecção de pessoas que se encontram em situação de carência ou necessidade, isto é, de insufi ciência de recursos, em si ou conjugada com encargos suportados (despesas familiares), para as pessoas poderem viver minimamente de acordo com os padrões reconhecidos em ter-mos de dignidade humana, defi nidos a partir de certos critérios legais»9. As caixas económicas não são, nem nunca foram, instituições de benefi cência des-tinadas a socorrer os necessitados. As suas relações com os clientes processam-se num quadro de boa-fé e de justiça comutativa, não se concedendo esmolas ou bónus. Quando nos primeiros tempos se falava em fomentar e remunerar justa-mente as poupanças, o que se pretendia era responsabilizar as pessoas com eco-nomias mais débeis na constituição de pecúlios de que pudessem socorrer-se em momentos de penúria, remunerando em termos aceitáveis dentro das práti-cas de mercado tais poupanças, por reduzidas que elas fossem. Também não se recusavam as disponibilidades das pessoas afl uentes que quisessem confi á-las às caixas. No que respeita às operações activas, o propósito era conceder crédito justamente remunerado, livrando os clientes da mão dos agiotas. Porém, tratar as pessoas com justiça não é assistencialismo e é este espírito que se pretende manter nas caixas económicas.

    7 Estatutos, artigo 4.º.8 Estatuto do Montepio Geral – Associação Mutualista, artigo 62.º.9 Neves, Ilídio das, DicionárioTécnico e Jurídico de Protecção Social, Coimbra, Coimbra Editora, 2001, p. 101.

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    Passemos ao predicado «mutualista»O mutualismo, como o próprio nome inculca, tem que que ver com esque-

    mas de ajuda mútua, em que um grupo de pessoas, perante a necessidade de solucionar problemas idênticos, resolveu pôr em comum recursos fi nanceiros, técnicos e humanos, que permitissem encontrar soluções para cada um desses problemas, através de meios e processos economicamente mais vantajosos.

    As caixas económicas portuguesas, mesmo as que estão relacionadas com instituições mutualistas, não fecharam as suas operações e actividade a um grupo defi nido de pessoas: captam os seus clientes no mercado em geral e esses clientes não estão relacionados entre si por qualquer vínculo contratual ou asso-ciativo. Falar aqui em mutualismo é, obviamente, despropositado.

    O diploma em análise debate-se igualmente com uma larga imprecisão ao tentar caracterizar as relações entre as caixas económicas e as entidades que ele designa por «instituições titulares», se bem que se reconheça, no relatório, que é propósito do Decreto-Lei e em relação às caixas «defi nir a sua natureza e relação com a respectiva instituição titular e clarifi car o seu enquadramento no sector em que se inserem»

    No mesmo relatório se diz «que apenas entidades do terceiro sector podem ser classifi cadas como instituições titulares, garantido que as caixas económicas são necessariamente controladas, seja em regime de maioria ou até de exclusivi-dade, por instituições titulares que prosseguem fi ns assistencialistas». Encontra-mos aqui uma pista para defi nição sobre o que sejam instituições titulares, uma vez que têm que pertencer ao chamado «terceiro sector». O «terceiro sector» é uma denominação corrente e, como tal, carente de rigor, do «sector coope-rativo e social de propriedade dos meios de produção», referenciado no artigo 80.º b) da Constituição da República Portuguesa.

    E que entidades considera a Constituição englobadas neste «terceiro sector»?De acordo com o artigo 82.º, n.º 4, da Constituição, são as cooperativas, as

    comunidades locais que tenham a gestão ou posse de meios de gestão comuni-tários, as organizações de exploração colectiva constituídas por trabalhadores, as pessoas colectivas sem carácter lucrativo que prossigam fi ns de solidariedade social, dentro das quais se contam as «entidades de natureza mutualista».

    Mas nem todas estas entidades se afi guram elegíveis para poderem ser «titu-lares» de caixas económicas, apesar da previsão genérica contida no diploma em apreço. Admitir que uma cooperativa possa ser titular de uma caixa económica que tem um propósito de utilidade geral e não dominantemente o benefício dos próprios cooperantes, parece francamente incongruente e uma fl agrante distorção às próprias normas do sector do crédito cooperativo. Também não podemos aqui incluir as comunidades locais, uma vez que se não trata da posse ou gestão de meios de produção comunitários. De igual modo não estamos

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    perante situações de exploração colectiva por trabalhadores. Restam as pessoas colectivas sem fi ns lucrativos e, dentro delas, muito especialmente «as entidades de natureza mutualista». Se olharmos para o panorama das quatro caixas econó-micas portuguesas ainda existentes, vemos que três delas se encontravam anexas a associações mutualistas e a quarta a uma Misericórdia. Assim, a referência global ao terceiro sector terá que restringir-se às entidades na alínea d) do n.º 4 do artigo 82.º da Constituição.

    E esta mesma conclusão retiramo-la do próprio relatório do diploma legal, quando afi rma «apenas entidades do terceiro sector podem ser classifi cadas como instituições titulares, garantindo que as caixas económicas são necessa-riamente controladas, seja em regime de maioria ou até de exclusividade, por instituições titulares que prosseguem fi ns assistencialistas». Ora, já atrás vimos que o legislador não é nada rigoroso quanto ao conceito de assistencialismo e agora vemos que ele o confunde com o de solidariedade social, procurando preservar a situação actual, atrás descrita.

    Se dúvidas pudessem existir, seriam esclarecidas pelo artigo 6.º, n.º 1, do Regime Jurídico das Caixas Económicas, onde se declara: «apenas as associa-ções mutualistas, misericórdias e outras instituições de benefi cência podem ser instituições titulares». Em face disto e por acréscimo, lamentamos as impreci-sões do relatório.

    Esclarecido este ponto entramos numa outra área nebulosa, que é a da caracterização da relação existente entre a instituição titular e a caixa económica.

    O n.º 2 do já citado artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 190/2015 diz que se considera titular de uma caixa económica:

    a) Uma única entidade que seja titular da totalidade das participações, dos direitos de voto, ou de um direito de propriedade exclusivo sobre a caixa económica anexa;

    b) Uma única entidade que seja titular directa ou indirectamente da maioria das participações, dos direitos de voto ou de uma quota maioritária numa caixa eco-nómica bancária.

    Daqui resulta que, para o legislador, o vínculo existente entre a associação mutualista ou a misericórdia e a caixa económica tem que ser concebido numa óptica de titularidade.

    A titularidade é o vínculo existente entre um direito e o sujeito que dele tem o gozo ou exercício. Exprime manifestamente uma ideia de domínio.

    Para o legislador esse domínio exerce-se segundo modalidades que ele vai buscar ao Direito Societário e, assim se fala em titularidade das participações, que só poderão existir num capital social, da titularidade dos direitos de voto, da titularidade da própria caixa ou da titularidade de uma quota maioritária.

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    Primeiro que tudo, deve ser tido em atenção que as caixas económicas não são sociedades, tanto que se determina a conversão obrigatória de algumas delas em sociedades (Decreto-Lei n.º 190/2015, artigo 6.º), o que seria incongruente se já o fossem.

    Não sendo sociedades, terão um capital susceptível de ser apropriado, no todo ou em parte, por alguma entidade?

    Os Estatutos da Caixa Económica Montepio Geral (artigo 7.º) dizem que o capital institucional é permanente, não exigível e não dá origem ao pagamento de juros ou dividendos. Em função disto não parece que este capital possa ser apropriado pelo Montepio Geral – Associação Mutualista e que este último possa dispor dele no todo ou em parte, sem passar por uma prévia transfor-mação da caixa económica em sociedade. Se olharmos para os Estatutos da Caixa Económica Social (artigo 3.º) e da Caixa Económica do Porto (artigo 3.º) vemos que o capital fi xo constitui uma garantia de depósitos e deverá ser sempre representado por títulos da Dívida Pública, e neles não se prevê nem a alienação do capital nem o recebimento de dividendos. O capital das caixas não tem a mesma natureza do capital das sociedades, não é um investimento de que se espera uma retribuição: é antes um fundo que fi ca afecto à satisfação de um objectivo estatutário, que é contribuir para a realização dos fi ns de solidariedade social da entidade à qual a caixa está anexa e que é a sua fundadora. Estamos, de facto, perante uma realidade de natureza fundacional e o capital funciona como um verdadeiro fundo de dotação.

    No que respeita a direitos de voto, também não podemos dizer, com rigor, que eles pertençam sempre à instituição titular.

    Os direitos de voto são exercidos em assembleias gerais das caixas econó-micas anexas pelas personalidades que as compõem e nelas participam, que tanto podem ser todos os associados da instituição titular como apenas uma parte destes (caso da Caixa Económica Montepio Geral). A vontade por eles expressa em assembleia geral é a sua vontade individual, não há disciplina de voto, nem a possibilidade de a instituição titular fazer valer na assembleia da caixa a sua vontade institucional, porque os membros da assembleia geral não são seus mandatários, ainda que a sua designação resulte de uma deliberação eleitoral tomada no âmbito da instituição titular. Deve, porém, notar-se que os associados da «entidade titular», ao manifestarem a sua vontade em assembleia geral da caixa económica, têm como dever moral, acautelar em primeiro lugar o interesse colectivo em contraposição ao seu interesse individual.

    Se nos colocarmos na óptica de uma caixa económica bancária, constituída ab initio ou resultante da transformação de uma caixa anterior, que deverá assu-mir a natureza de sociedade comercial sob forma anónima, já podemos admi-tir que a «entidade titular» tenha uma participação integral ou dominante no

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    seu capital social, ou que nela detenha a totalidade ou maioria dos direitos de voto. Nesta conformidade deveremos entender que a detenção da já referida «quota maioritária» signifi ca a detenção de uma participação maioritária no capital social, uma vez que «quota» não está empregada em sentido técnico mas económico.

    Também a instituição titular não pode ser dona da caixa, porque esta é uma pessoa colectiva e as pessoas não são coisas susceptíveis de apropriação.

    Até agora disse maioritariamente os que as caixas económicas não eram. Adiantei que se trata de pessoas colectivas de tipo fundacional, posição que sempre assumi.

    As caixas económicas são o produto de uma longa evolução histórica em que se entrecruzaram as soluções do direito estatutário que ultrapassaram o direito positivo, o qual se limitou a consolidar e redireccionar aquelas soluções. Deixando de lado as caixas autónomas ou independentes que ora se aproxima-ram de modelos associativos com forte motivação de solidariedade social, ou de modelos societários e concentrando-nos nas caixas anexas, nelas verifi camos um longo processo evolutivo que permitiu a transformação de patrimónios autónomos, natureza que assumiram nos primeiros tempos, em verdadeiras pessoas colectivas. Ao obterem um reconhecimento de personalidade jurídica, tornaram-se distintas da entidade fundadora, embora colaborando na realização dos fi ns desta e relacionando-se intimamente com ela em termos de organiza-ção. Estas características dão às caixas económicas que se designaram por anexas uma natureza semelhante à das fundações.

    São fundações de uma natureza especial, pois a sua actividade não visa benefi ciar a sociedade, nem um número alargado de pessoas, mas antes têm um objectivo egoísta que visa benefi ciar o fundador ou, melhor dizendo, concorrer para a satisfação dos seus objectivos socialmente relevantes, nisto assemelhando--se a algumas instituições vinculares do Antigo Regime.

    Esta situação explica que, de acordo com disposições estatutárias, no caso de dissolução de uma caixa económica o saldo apurado em liquidação reverta naturalmente para a «entidade titular» e não seja destinado a outras entidades que prossigam fi ns idênticos como se prevê – em algumas circunstâncias – no artigo 12.º da Lei Quadro da Fundações. No primeiro sentido se dispõe no artigo 35.º, n.º 3, dos Estatutos da CEMG.

    Cabe, à guisa de remate, fazer uma citação do Prof. Menezes Cordeiro, diz ele:

    De seguida, verifi ca-se que algumas das caixas existentes assumem a forma de sociedades anónimas, enquanto que a maioria tem natureza fundacional [acrescenta em nota: Trata-se da doutrina de Pedro Sameiro, de Sousa Franco e, embora com menos clareza, de Januário Gomes].

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    Apenas este último caso careceria de uma explicação suplementar. Na ver-dade as caixas “anexas” a mutualidades, a misericórdias ou outras instituições de benefi cência correspondem a acervos de bens que estas disponibilizam com um fi m específi co. Elas não têm como substracto nenhuma colectividade. A sua estrutura é a de fundações. O inerente regime é aplicável. Como se viu é uma situação que tem claros paralelos noutros países europeus»10.

    Não sendo as caixas económicas mutualidades, não faz sentido que se determine no artigo 3.º, n.º 2, do Regime Jurídico das Caixas Económicas, que elas devam atender na prossecução do seu objecto – ainda que com as devidas adaptações – aos princípios mutualistas previsto no artigo 8.º do Código das Associações Mutualistas. Passando em análise aqueles princípios, podemos per-guntar sucessivamente. Impõe-se às caixas económicas que tenham um número de associados e capital ilimitados? Não tendo elas associados e estando o seu capital defi nido por lei (Regime Jurídico das Caixas Económicas artigos 7.º, n.º 2 e 19.º, n.º 2)? As caixas normalmente constituem-se por tempo indeter-minado, mas deve ser isso um princípio deontológico nos termos do n.º 1 do artigo 8.º do Código Mutualista? Cada associado deve ter um voto, mas exis-tindo várias entidades que participem no capital da caixa, elas não deverão ter um poder de voto em correspondência com os valores com que entraram para o fundo comum? Que dizer de ser facultativa a subscrição de modalidades de benefícios? Não existem modalidades de benefícios e a Lei geral é muito rigo-rosa para impedir a negociação forçada de operações bancárias. Que adaptação é possível fazer na regra que diz que a «atribuição de benefícios representa um direito que é contrapartida das quotizações pagas»? As actividades negociais das caixas económicas não têm que ver com o pagamento de quotizações. Disto tudo fi cam apenas de pé os princípios de que os clientes não podem ser discri-minados em função raça, sexo, religião, etc, se bem que possam sê-lo em razão da sua capacidade económica, e de que os membros dos órgãos sociais devem ser democraticamente eleitos.

    Mas já fará sentido dizer que estão as caixas submetidas aos princípios orien-tadores da economia social defi nidos no artigo 5.º da Lei 30/2013, de 8 de Maio. O que parece resultar do artigo 3.º, n.º 1, do Regime Jurídico das Caixas Económicas.

    O que se disse não tem só um interesse conceptual ou dogmático, pois que o errado entendimento da natureza das caixas prejudica a correcção das solu-ções propostas na lei em apreço, tanto no que respeita à confusão entre caixas e mutualidades, como no que toca à distinção real entre ambas.

    10 Op. cit., p. 1194.

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    A defi nição contida no artigo 1.º Regime Jurídico das Caixas Económi-cas não se ocupa da determinação da sua natureza jurídica. Diz à cabeça que são instituições de crédito, o que tem de ser entendido dentro dos termos da defi nição normativa contida no artigo 2.º-A, alínea w), do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, como sendo «a empresa cuja actividade consiste em receber do público depósitos ou outros fundos reembol-sáveis e em conceder crédito por conta própria». Defi nição a que mais adiante voltaremos.

    Acrescenta a mesma disposição legal que estas instituições de crédito têm «personalidade jurídica e autonomia orgânica, administrativa e fi nanceira». Parece que ao dizermos serem as caixas instituições de crédito, já dizemos implicitamente que têm personalidade jurídica e autonomia orgânica, pois não podemos conceber uma entidade que exerça uma actividade em nome pró-prio sem ser titular de direitos e obrigações e sem que tenha uma estrutura de centros de formação de vontade que exprimam a sua vontade própria. Se não tiverem autonomia fi nanceira, designadamente um património que responda pelo cumprimento das suas obrigações, não se vê como possam exercer uma actividade empresarial. A autonomia administrativa é que pode ser mais ou menos lata na medida em que partilhem centros de actividade ou tenham acor-dos de prestação de serviços.

    Diz ainda a disposição em apreço que «têm as caixas por objecto uma actividade bancária delimitada» de acordo com o Regime Jurídico das Caixas Económicas e os seus estatutos. O legislador sempre tem tido a preocupação de defi nir a capacidade operacional das caixas económicas. Aliás, o revogado Decreto-Lei n.º 136/79, de 18 de Maio, dizia terem elas por objecto «uma acti-vidade bancária restrita», cujos contornos se encontravam defi nidos nos artigos 5.º a 12.º deste diploma, admitindo também que essa actividade pudesse ser ampliada através de excepções concedidas às caixas económicas com sede nas regiões autónomas e à então denominada Caixa Económica de Lisboa (hoje Caixa Económica Montepio Geral).

    Por actividade bancária, em termos genéricos, devemos entender as ope-rações que estão elencadas no artigo 4.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, sendo em relação a este elenco que se obser-vam delimitações, que em termos de restrição de capacidade apenas abrangem as caixas económicas anexas, como se vê dos artigos 8.º, 9.º e 10.º, do Regime Jurídico das Caixas Económicas, uma vez que são as caixas económicas ban-cárias equiparadas a bancos no que respeita a capacidade operacional (citado Regime Jurídico, artigo 18.º).

    Sendo que uma defi nição deve partir de uma categoria genérica que em seguida seria delimitada por diferenças específi cas, encontramos, de facto, a

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    menção à categoria genérica, ou seja à instituição de crédito, mas o resto não são diferenças específi cas porque todas as instituições de crédito têm personali-dade jurídica, autonomia orgânica administrativa e fi nanceira e uma capacidade operativa defi nida nos estatutos e na Lei.

    A diferença específi ca das caixas económicas reside fundamentalmente no seu fi m não lucrativo e na sua inserção no sector social. O que é perfeitamente claro em relação às entidades que a lei actual designa por caixas económicas anexas, tornando-se mais fl uido que concerne às caixas económicas bancárias.

    3. As modalidades de caixas económicas

    O legislador seguindo uma tradição de vinha do velho Decreto-Lei n.º 136/79 faz distinções – como já vimos – no universo das caixas económicas, dividindo-as em caixas económicas anexas e caixas económicas bancárias, inse-rindo-se no primeiro grupo aquelas cujo activo seja inferior a € 50.000.000,00 e do segundo as que tenham um activo igual ou superior ao referido montante.

    Esta diferença quantitativa vai gerar diferenças qualitativas que se traduzem nos aspectos institucionais da organização e governo das caixas e na sua capa-cidade operacional.

    As caixas anexas correspondem, em larga medida, à perduração da situação actual das caixas económicas uma vez que só podem persistir ou ser constituídas tendo em vista a prossecução dos fi ns de associações mutualistas, misericórdias e outras instituições de benefi cência (Regime Jurídico das Caixas Económicas, artigo 7.º, n.º 1)11.

    Num primeiro momento seríamos levados a concluir que as caixas econó-micas anexas existentes manterão a sua forma e natureza jurídica. Poderá ser uma interpretação benévola da Lei, pois nada nela permite impor uma trans-formação tal como o determina o artigo 6.º do Decreto-Lei 190/2015 relativa-mente às caixas económicas bancárias. Note-se que o n.º 1 do artigo 7.º deste mesmo Decreto-Lei apenas compele as caixas económicas anexas a «promover as alterações estatutárias necessárias para assegurar o cumprimento do disposto no regime jurídico das caixas económicas em anexo ao presente diploma» e, como adiante veremos, existe um preceito que vai por muito em causa a natu-reza e actividade destas caixas.

    11 Esta orientação corresponde ao que se dispunha no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 136/79, com a diferença que neste diploma a constituição de novas caixas económicas só podia ser autorizada com carácter excepcional e por despacho do Ministro das Finanças, ouvido o Banco de Portugal.

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    Não diz, porém, a lei e deveria dizê-lo, o que deverá ocorrer na hipotética situação de se constituírem novas caixas económicas anexas. Não me parece que a reprodução do modelo fundacional seja possível, visto que a lei não consagra a existência de fundações empresas e porque a fi gura da fundação actual não é amoldável ao exercício de uma actividade comercial e fi nalmente porque tipos de pessoas colectivas sem correspondência com os previstos na Lei não podem hoje ser criados por disposição estatutária. Assim, novas caixas que eventualmente venham a constituir-se deverão adoptar um modelo socie-tário, com uma particularidade, que é o de todas as acções ou partes sociais pertencerem a uma única entidade, dado que se dispõe no artigo 6.º, n.º 1, a), do Regime Geral das Caixas Económicas, o que constitui uma excepção ao regime da pluralidade de sócios, estabelecido como regra de base, no Código das Sociedades Comerciais.

    Apontam ainda para a adopção do modelo de sociedade anónima pelas novas caixas anexas aos artigos 11.º, n.ºs 1 e 4 e 12.º do citado Regime Jurídico. No artigo 11.º (números citados) não só se estabelece um elenco de órgãos coincidente com uma das modalidades de governo previstas paras as sociedades anónimas, como expressamente se diz (n.º 4) «À eleição, composição e funcio-namento da direcção e do conselho fi scal aplicam-se as normas constantes do Código das Sociedades Comerciais relativamente a sociedades anónimas que adoptam a estrutura de administração e fi scalização prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 278.º daquele Código».

    No mesmo sentido o artigo 12.º, n.º 1, dispõe «à constituição, compe-tência e funcionamento das assembleias gerais das caixas económicas anexas aplicam-se as normas constantes do Código das Sociedades Comerciais, quanto às sociedades anónimas, e dos respectivos estatutos»; a isto acrescenta o n.º 2 do mesmo artigo que as assembleias gerais das caixas económicas não podem coincidir com a assembleia geral da instituição titular. Obviamente que não, porque se organizamos a assembleia da caixa anexa como a assembleia geral de uma sociedade anónima, em que no caso existe um único «detentor do capital», existirá um único representante da entidade titular da assembleia geral da caixa, o que a torna em termos de presença humana muito diferente da assembleia de associados da instituição titular.

    Em relação às caixas anexas existentes – como dissemos – não se impõe a sua transformação em sociedades anónimas. Porém, o artigo 7.º do Decreto--Lei n.º 190/2015 impõe que adaptem os seus estatutos ao disposto no Regime Jurídico das Caixas Económicas, o que deve entender-se como a inserção nos mesmos estatutos da regras contidas nos artigos 11.º a 14.º deste último texto normativo

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    A capacidade operacional das caixas anexas também sofrerá uma conside-rável limitação.

    Comparando as disposições do Regime Jurídico das Caixas Económicas com as do Decreto-Lei n.º 136/79 não se afi gura haver grandes modifi cações , segundo resulta do seguinte quadro comparativo:

    Operações RJCE DL 136/79

    Recepção de depósitos e fundos reembolsáveisCrédito garantido por penhor e hipotecaAplicações fi nanceiras em títulosPrestação de serviçosOperações cambiaisObtenção de crédito junto de outras ICs

    8.º, n.º 1, a)8.º, n.º 1, b)8.º, n.º 1, c)8.º, n.º 1, e)8.º, n.º 1, f)8.º, n.º 1, d)

    1.º5.º, n.º 1

    9.º1.º7.º(*)

    (*) Operações não previstas no DL 136/79 mas admitidas pelas normas gerais.

    O que representa uma reviravolta na capacidade operativa das caixas anexas é o que dispõe no n.º 6 do artigo 8.º do Regime Jurídico das Caixas Econó-micas, onde se diz o seguinte «as caixas económicas anexas exercem as activi-dades referidas no n.º 1 exclusivamente junto ou em benefício dos associados ou benefi ciários da respectiva instituição titular». Até agora os limites impostos à clientela de uma caixa económica resultavam, em termos práticos, da sua implantação territorial, todavia, a partir da entrada em vigor desta disposição, passa a haver uma limitação normativa que determina quais são as categorias de clientes com quem podem praticar operações bancárias. E uma vez que essas categorias de clientes correspondem a um universo restrito, em larga medida de parcos recursos fi nanceiros, só nos resta esperar por uma agonia mais ou menos rápida destas instituições.

    Poderiam ter tido uma morte mais decorosa, que foi sabiamente proporcio-nada, anos atrás, a várias das suas congéneres.

    A outra espécie de caixas económicas, as caixas económicas bancárias, são caixas económicas com a forma de sociedade comercial anónima, com uma social capital mínimo e uma capacidade operacional equivalente à dos bancos (Regime Jurídico das Caixas Económicas, artigos 18.º e 19.º, n.ºs 1 e 2)

    Devem obedecer estas caixas aos seguintes requisitos:

    1. Integrar na sua denominação a expressão «caixa económica bancária» (Regime Jurídico das Caixas Económicas, artigo 19.º, n.º 3), o que em termos de denominação as distingue dos bancos.

    2. A maioria do seu capital social ou dos direitos de voto que nelas pos-sam ser exercidos devem pertencer a única entidade que seja associação

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    mutualista, misericórdia, ou outra instituição de benefi cência [Regime Jurídico das Caixas Económicas, artigo 6.º, n.º 1 e 2, b)]. O legislador do Decreto-lei 190/2015 não esclarece o que se entendem por «instituições de benefi cência», fi gura que não tem nomen juris; terá provavelmente querido referir outras instituições particulares de solidariedade social e, sendo assim, estaria a referir as associações de solidariedade social e as fundações de solidariedade social, ou pretenderia alargar o leque destas entidades às pessoas colectivas de direito público?

    3. Aos órgãos sociais das caixas económicas bancárias aplica-se o disposto no Código das Sociedades Comerciais, quanto às sociedades anónimas (Regime Jurídico das Caixas Económicas, artigo 20.º, n.º 1). Preceito perfeitamente redundante, porque já tinha sido referido (artigo 19.º, n.º 1) que as caixas económicas bancária seriam sociedades comerciais sob forma anónima, donde que não teriam órgãos correspondentes a uma sociedade por quotas…

    4. «Os órgãos de administração e de fi scalização das caixas económicas ban-cárias, bem como os seus membros, são distintos e independentes dos órgão e respectivos membros da instituição titular, não sendo permitida a ocupação de cargos em caixas económicas bancárias designadamente por inerência» (Regime Jurídico das Caixas Económicas, artigo 20.º, n.º 2). A recomendação de que os órgãos sejam «distintos e independentes» só é entendível se tivermos em conta que houve uma errada apreciação de algumas situações passadas, em que pelo facto de as mesmas pessoas físicas terem assento nos órgãos equivalentes de duas instituições distintas se falava em «órgãos comuns», não se descortina a possibilidade de uma entidade de natureza associativa e uma sociedade anónima terem órgãos comuns. Já se percebe a exigência de não coincidência das mesmas pes-soas físicas em certos órgãos. Todavia, na hipótese de uma mutualidade ser accionista maioritária de um banco, encontramos limitações para que os membros do órgão de fi scalização da empresa-mãe possam participar no órgão de fi scalização da participada [Código das Sociedades Comer-ciais, artigo 414.º-A, n.º 1, c)], já o mesmo não acontece em relação à acumulação da cargos em órgãos de administração, resguardada a hipó-tese da acumulação de cargos ser casuisticamente proibida se estiver em causa o requisito da disponibilidade (Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, artigo 33.º), pelo que a regra de não coincidência de pessoas acaba por conduzir a soluções mais radicais que as impostas pelo Código das Sociedades Comerciais.

    5. Os membros dos órgãos de administração e fi scalização não podem aufe-rir qualquer remuneração paga pela entidade titular, sendo apenas remu-

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    nerados pela própria caixa (Regime Jurídico das Caixas Económicas, artigos 20.º, n.º 3 e o que aliás também se aplica às caixas anexas – artigo 11.º, n.º 3).

    No que respeita ao montante do capital social mínimo regem-se pelas regras aplicáveis aos bancos (Regime Jurídico das Caixas Económicas, artigo 19.º, n.º 1), capital que deve estar representada por acções nominativas, tal como sucede com os bancos [Regime Jurídico das Caixas Económicas, artigo 19.º, n.º 2 e Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras artigo 14.º, n.º 1, d)].

    4. Consequências da transformação de uma caixa económica em sociedade anónima

    4.1. Desenquadramento de sector social da economia e perda do estatuto de uti-lidade pública

    A caixa económica que passar a sociedade anónima perde, por si mesma, a caracterização como entidade do sector social da economia, uma vez que não a conseguiremos enquadrar no elenco das entidades classifi cadas como tal e se encontram mencionadas no artigo 4.º da Lei de Bases da Economia Social (Lei n.º 30/2013, de 8 de Maio), nem poderemos dizer que terá como fi nalidade «prosseguir o interesse geral da sociedade», tal como é exigido no n.º 2 do artigo 2.º do mesmo diploma legal. E muito menos assumirá as formas coope-rativas, associativas ou fundacionais previstas na mesma Lei.

    E embora às entidades de economia social garanta a Lei n.º 30/2013 um «estatuto fi scal mais favorável» (artigo 11.º), convém ter em consideração que o conjunto de isenções de que benefi ciavam as caixas económicas têm sido progressivamente reduzidas. A isenção do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) já tinha sido retirada a algumas entidades, que todavia mantinham algumas vantagens fi scais decorrentes da sua qualidade de pessoas colectivas de utilidade pública.

    Mas mesmo o elenco dos benefícios fi scais de que usufruíam pela sua qua-lidade de pessoas colectivas de utilidade pública tem sofrido perdas sucessivas, estando actualmente reduzido a:

    1. Imposto do selo quando seja da sua responsabilidade – Código do Imposto do Selo, artigo 6.º, alínea d);

    2. Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis, quando estes bens forem destinados directa e imediatamente à realização dos seus

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    fi ns estatutários – Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, artigo 6.º, alínea d);

    3. Imposto Municipal sobre Imóveis, desde que se trata de imóveis, ou partes deles, destinados directamente à realização dos seus fi ns – Estatuto de Benefícios Fiscais, artigo 44.º, alínea e).

    As caixas económicas que vierem a ser objecto de uma transformação em sociedade comercial sob forma anónima, não é natural que mantenham a qua-lidade de pessoa colectiva de utilidade pública, com todas as consequências daí decorrentes.

    4.2. Possível novo paradigma sobre aplicação de valores nas relações entre uma mutualidade, instituição titular e a caixa económica

    As regras fundamentais sobre aplicações de valores por parte das associações mutualistas estão contidas no artigo 56.º do respectivo Código onde se impõe, no seu número 2, que «o conjunto das obrigações, das acções, dos títulos de participação ou de outros títulos negociáveis de dívida ou fundos consignados de uma única empresa não podem, em caso algum, representar mais de 10% do activo líquido de uma associação mutualista». Todavia, no âmbito desta regra geral não tem sido computado o valor do capital institucional das caixas económicas anexas, porque no artigo 55.º do mesmo Código quando faz a lista das aplicações fi nanceiras das mutualidade, distingue, por um lado [alínea b)], os activos em obrigações, acções, e outros títulos e, por outro [na alínea i)], o activo constituído pelo capital da caixa anexa, o que desde logo evidencia exis-tirem regimes diferentes para as aplicações e enquanto que o artigo 56.º, n.º 2, estabelece limitações para o valor das aplicações em obrigações, acções e outros títulos de uma única empresa, nada na mesma disposição estabelece valores máximos no que respeita a aplicações no capital da caixa económica.

    Transformando-se uma caixa económica anexa em sociedade anónima, se nada se alterar normativamente, parece que a participação fi nanceira da mutua-lidade no capital da caixa deveria passar a ser considerada no âmbito das limita-ções impostas pelo n.º 2 do artigo 56.º do Código das Associações Mutualistas, uma vez que deixa de existir uma caixa anexa.

    Esta modifi cação substancial resulta de ter havia uma dessincronia relativa-mente à publicação do Regime Jurídico das Caixas Económicas e a publicação do novo Código das Associações Mutualistas. O regime excepcional aplicável às caixas económicas relacionadas com mutualidades, está directamente previsto e acautelado no artigo 66.º, n.º 1, do «Projecto de Código das Associações

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    Mutualistas» nos seguintes termos: «com excepção dos activos representados em capital social ou património afecto à caixa económica anexa ou em capital de sociedades em relação equiparável à de domínio ou de grupo, incluindo cai-xas económicas bancárias, as associações mutualistas devem observar, supletiva-mente, na gestão dos seus activos, as limitações prudenciais que sejam aplicáveis aos regimes complementares de iniciativa colectiva ou individual e, na ausência destas, as que sejam aplicáveis na gestão de fundos de pensões».

    Feitas estas considerações, entende-se o problema não carece de resolução imediata, uma vez que só existe após conclusão do processo de transformação, o que levará o seu tempo. Entretanto poderá ocorrer a publicação do Código das Associações Mutualistas.

    O problema situa-se na coincidência da ainda não entrada em vigor do novo código das mutualidades e na aparente difícil conjugação do que se diz no Código ainda em vigor com o que se dispõe no Regime Jurídico das Caixas Económicas.

    Em todo o caso não nos repugna que se mantenha a solução tradicional quanto à aplicação dos activos da mutualidade no capital da caixa – reconhe-cendo sem esforço que se trata de um risco fi nanceiro signifi cativo – porque a intenção do legislador, que não estabeleceu limites quantitativos à participação das instituições titulares no capital das caixas, é, até, a de manter na entidade titular o domínio total das caixas bancárias resultantes da transformação das antigas caixas anexas, como claramente se evidencia no artigo 6.º do Decre-to-Lei n.º 190/2015, pois não é chamada ao processo de transformação mais nenhuma entidade a não ser a instituição titular.

    4.3. Alterações do modo de governo e eventual partilha de poderes

    Até agora a entidade a que estava anexa uma caixa económica, como seu instituidor e único benefi ciário da actividade por ela levada a cabo, exercia uma função semelhante à do accionista único, se bem que a sua representação em assembleia-geral da caixa não se fi zesse através de um mandatário único, mas por meio dos membros da assembleia geral, investidos no dever funcional de encontrarem as soluções mais justas e equilibradas, mas pronunciando-se sob os ditames da sua própria consciência e não nos termos de um mandato.

    O Regime Geral das Caixas Económicas não veio estabelecer – como se disse – limites quantitativos máximos às participações que instituições titulares possam constituir ou deter no capital das caixas.

    No que respeita às caixas económicas anexas existentes não temos qualquer dúvida que a «instituição titular» pode ser o único contribuinte para o seu capi-

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    tal de dotação, aliás de acordo com o artigo 6.º, n.º 1, a), do Regime Jurídico das Caixas Económicas, e por aplicação, nos casos em que aquela instituição titular seja uma mutualidade, do artigo 55.º do Código das Associações Mutua-listas, como também admitimos que na eventualidade de se constituir ex novo uma caixa económica anexa, com forma societária segundo vimos, ela tenha apenas um único accionista

    No que respeita às caixas económicas bancárias teremos que fazer uma distinção.

    As caixas económicas já existentes que se transformem em sociedades anó-nimas, não carecem de constituir à partida uma pluralidade de sócios, uma vez que a única intervenção prevista no processo de transformação é a da «institui-ção que a detém», segundo se determina no artigo 6.º, n.º 4, g), do Decreto-Lei n.º 190/2015, não sendo necessária a intervenção de terceiros para perfeição do processo de transformação, nem para o regular funcionamento posterior da sociedade. Trata-se de uma aplicação a este caso do mesmo princípio que pre-side ao disposto no artigo 488.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais, que admite poder uma sociedade constituir uma sociedade anónima de cujas acções ela seja inicialmente o único titular, situação que pode ser posterior-mente mantida, sob uma forma analogicamente equiparável a um grupo de sociedades.

    Em relação a caixas económicas bancárias que venham a constituir-se, eventualmente, no futuro, não me parece dispensável a existência de uma plu-ralidade de sócios, imposta pelo artigo 273.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais, desde que se mantenha na instituição titular a maioria das partici-pações ou direitos de voto. Neste caso haverá necessariamente uma partilha de poder entre os diversos accionistas, se bem que o domínio esteja francamente assegurado por uma entidade.

    Existe uma outra matéria que o Regime Jurídico das Caixas Económicas silenciou, que é a relativa à possível existência de um fundo de participação, que na emergência de um processo de transformação pode sofrer destinos vários.

    Para melhor se entender esta matéria convém fazer uma nota prévia sobre as circunstâncias de aparecimento de um fundo de participação e respectiva natureza jurídica.

    O fundo de participação, aliás admitido nos Estatutos da Caixa Económica Montepio Geral na reforma estatutária de 1990, inspirou-se nas quotas par-ticipativas das caixas económicas espanholas e nos fundos de participação das caixas económicas italianas, que estiveram na génese das primeiras. Pretendia-se através do fundo de participação encontrar um meio de fi nanciamento de uma entidade não societária através de um instrumento que, pelas suas características de estabilidade e remuneração, se assemelhasse o mais possível a um capital

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    social, meio de fi nanciamento este que pudesse ser uma via alternativa de fi nan-ciamento em capitais de risco relativamente à entidade fundadora.

    O seu fundamento legal em Direito português não são os títulos de par-ticipação, previstos no Decreto-Lei n.º 321/85, de 5 de Agosto, que apenas podiam ser emitidos por empresas públicas ou sociedades anónimas pertencen-tes maioritariamente ao Estado, mas o contrato de associação em participação, regulado pelo Decreto-Lei n.º 231/81, de 28 de Julho.

    Na verdade, encontram-se no regime consagrado pelo artigo 8.º dos Esta-tutos da Caixa Económica Montepio Geral, as características fundamentais do mencionado contrato de associação em participação, nomeadamente: i) asso-ciação, sem que se adquira o estatuto de sócio, de uma pessoa a uma actividade económica exercida por outra, fi cando a primeira a participar nos resultados (lucros e perdas) que desse exercício resultarem para a segunda (artigo 21.º); ii) possibilidade de tanto o associante como o associado serem pessoas colectivas ou singulares (ibidem); iii) participação de um associado ou de vários associados independentes entre si (artigo 22.º); iv) realização de contribuições pelo asso-ciado que ingressarão no património do associante (artigo 24.º).

    O associante está, é certo, adstrito ao dever de voluntariamente não «alterar a forma jurídica da sua exploração» sem consentimento do associado [Decreto--Lei n.º 231/81, artigo 26.º, n.º 1, b)], consentimento que fi ca perfeitamente dispensado numa transformação ope legis.

    Perante uma transformação do associante de entidade fundacional, que explicava a necessidade de um fundo de participação para recorrer ao mercado, em sociedade anónima, várias soluções são possíveis. A primeira consistirá na amortização do próprio fundo de participação, desde que existam meios para o fazer e o supervisor o autorize. A segunda será manter a situação existente, porque, embora pouco frequente, é perfeitamente compaginável com regime legal do contarto de associação em participação. A terceira, que caberá na ini-ciativa do associante uma vez que os associados não detêm direitos políticos na sociedade, consistirá na passagem dos titulares das unidades de participação a accionistas, através de uma aumento de capital exclusivamente destinado a absorver essas unidades e onde se proceda à troca de unidades por acções, o que só é possível através de um processo complexo e com a acordo dos interessa-dos. Em relação a esta última alternativa convém verifi car o que se dispõe no prospecto da emissão de unidades do fundo de participação, reconhecendo-se, todavia, que os exemplos existentes, não impõem a conversão das unidades em acções no caso de transformação do emitente em sociedade anónima.

    Ocorrendo a última alternativa, na nova assembleia geral da sociedade par-ticipará um mandatário do accionista instituição titular, francamente maiori-tário e os restantes accionistas, que apenas têm de curar dos seus interesses de

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    investidores, com o que fi ca claramente modifi cado o modo de agir e sentir na assembleia geral.

    No futuro, mercê de aumentos de capital (não só os necessários para absor-ver o fundo de participação), podemos assistir à progressiva erosão da infl uência do accionista maioritário.

    É certo que existem mecanismos de blindagem, mas também é verdade que não funcionam em situações de crise, em que o accionista maioritário pode não dispor dos meios fi nanceiros sufi cientes para garantir a subsistência da sociedade e a protecção da sua posição. Se por efeito destas circunstâncias a instituição titular perder os seus direitos maioritários, a caixa económica bancária, como tal, deverá deixar de existir e, na alternativa de uma dissolução, poderá passar a banco, mas segundo o processo imposto pela mudança de tipo de instituição, previsto no artigo 34.º, n.º 2, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, porque o legislador não alargou a esta hipótese a solu-ção prevista no artigo 6.º, n.º 6, do Regime Jurídico das Caixas Económicas, que isenta daquela aplicação a passagem de caixa económica bancária não socie-tária a caixa económica bancária sociedade anónima.

    4.4. Perda da qualidade de caixa económica como entidade do sector social

    A Constituição da República Portuguesa garante a existência de um sector de economia social, como já atrás se disse, o que implica liberdade de escolha sobre o modo de apropriação das empresas, podendo os interessados optar por uma perspectiva de investidores, constituindo sociedades comerciais, ou por uma perspectiva de prestação de serviço social, criando empresas englobáveis no sector da economia social, o que aliás se enquadra em princípios também consagrados a nível do Direito da União Europeia.

    Convém notar que esta liberdade de opção não é absoluta e ilimitada, pois a Lei ordinária, como também acontece com a Lei europeia, reserva o exercício de certas actividades a sociedades comerciais, designadamente constituídas sob forma anónima, porque se entendeu ser a forma mais adequada para garantir a estabilidade fi nanceira dos investimentos e a qualidade dos serviços a prestar ao público.

    O Regime Jurídico das Caixas Económicas não contraria em termos abso-lutos a protecção constitucional do sector social, pois admite a existência de pequenas caixas anexas, em situação – diga-se – de problemáticas condições de subsistência. O que fi ca afastado do sector social são as entidades que tenham uma dimensão considerável, ou porque inicialmente assim foram constituídas ou porque adquiriram essa dimensão e o Banco de Portugal entendeu apartá-las

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    do sector social, e isto por homenagem a outros princípios de Direito Consti-tucional, como o que se revela no artigo 101.º, da Constituição, ao dispor que «o sistema fi nanceiro é estruturado por lei, de modo a garantir a formação, a captação e a segurança das poupanças, bem como a aplicação dos meios fi nan-ceiros necessários ao desenvolvimento económico e social».

    Por outro lado, se o artigo 86.º, n.º 3, da Constituição, autoriza que a lei vede à actividade de empresas privadas e a outras entidades da mesma natureza, certos sectores básicos, também pode admitir-se que algum tipo de restrições de actividade possam ser impostas ao sector social.

    O que podemos discutir é racionalidade destas restrições à actividade do sector social.

    Também não podemos trazer à defesa da protecção do sector social, argu-mentos que não podem ser generalizados, como seja a da protecção às farmá-cias sociais reconhecida pelo Tribunal Constitucional. As farmácias sociais são meros estabelecimentos e o seu inêxito empresarial não põe em causa nem a segurança das poupanças, nem a estabilidade dos mercados fi nanceiros.

    Entendo, por isto tudo que a invocação de uma protecção constitucio-nal tem consideráveis debilidades no caso concreto das instituições de maior dimensão.

    É claro que se passarmos de um plano estritamente jurídico para o do pres-tígio e imagem pública a situação merece outras considerações.

    As instituições existentes que se virem afastadas do sector social deixam de poder invocar a sua natureza de «banco diferente», porque passarão a ser um banco igual aos demais, mesmo continuando fortemente ligadas às insti-tuições titulares. Não há dúvida que isto constitui a perda de um importante argumento promocional, sobretudo num país onde os propósitos de lucro e de ganho são diabolizados.

    Porém, indo mais além, podemos perguntar se uma caixa económica ban-cária ao deixar de ser caixa anexa, ou mesmo se deixar de ser caixa, isso cons-titui uma diminuição do seu prestígio como entidade existente no mercado português. Não se trata já de considerar o seu afastamento do sector social, mas o de fi car desligada de um grupo específi co de entidades desse sector – as caixas económicas.

    As caixas económicas são percebidas no mercado nacional como bancos, ainda que com características peculiares. A realidade caixa económica nunca foi muito valorada entre nós e nos últimos anos assistimos sem qualquer comoção, ao desaparecimento de um considerável número delas.

    No estrangeiro as caixas económicas perderam reconhecimento e impor-tância, encontrando-se numa situação de progressivo desaparecimento, às vezes tranquilamente com é o caso de Itália, outras vezes dramaticamente, como

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    sucedeu em Espanha. Se há alguns anos pertenciam as caixas portuguesas a um grupo europeu de entidades ganhadoras e prestigiadas, hoje já não pertencem. O próprio Agrupamento Europeu de Bancos de Poupança, designa-se hoje Agrupamento Europeu de Bancos de Poupança e de Retalho, em reconheci-mento da progressiva deterioração da imagem e declínio de importância dos bancos de Poupança (Savings Banks) e das caixas económicas.

    Portanto, deixar de pertencer ao grupo das caixas económicas não é um mal em si mesmo.

    4.5. Transmissibilidade e vulnerabilidade a aquisições hostis

    Uma caixa económica anexa, dada a sua natureza fundacional, é intrans-missível, porque foi constituída e existe apenas para satisfazer os fi ns do seu fundador. Uma transmissão redundaria numa impossibilidade de realização do fi m fundacional, porque os resultados já se destinariam a um terceiro, e não ao fundador, o que teria como consequência a dissolução da fundação.

    O fundador só poderá transmitir os seus direitos em relação à caixa anexa se previamente a transformar de entidade com natureza fundacional numa socie-dade comercial, maxime anónima.

    Em alternativa poderão ser transmitidos os activos e passivos inscritos no balanço da caixa económica, revertendo o valor destas transmissões para o fun-dador a que ela está anexa, em resultado de um processo de liquidação da caixa, do que existem sufi cientes exemplos.

    Nem mesmo através de um processo de fusão essa transmissão seria possível, salvo se a fundação incorporante garantisse a satisfação dos fi ns da incorporada.

    Transformada a caixa em sociedade anónima, as suas acções são livremente transmissíveis, assim como a ocorrência de sucessivos aumentos de capital pode redundar numa progressiva redução do domínio exercido pela instituição titular.

    4.6. Acesso ao mercado de capitais

    O principal argumento a favor da transformação reside no acesso da caixa bancária ao mercado de capitais de risco. Efectivamente em caso de incapaci-dade ou impossibilidade legal da instituição titular para aumentar o capital da caixa, poderão recolher-se capitais no mercado, junto de investidores dispostos a aceitar o risco.

    É este, ao fi m e ao cabo, o grande argumento do supervisor que se eviden-cia no relatório do Decreto-Lei n.º 190/2015 através da seguinte expressão «o

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    diploma vem ainda indicar que apenas entidades do terceiro sector podem ser classifi cadas como instituições titulares, garantindo que as caixas económicas são necessariamente controladas, seja em regime de maioria ou até de exclusi-vidade, por instituições titulares que prosseguem fi ns assistencialistas. Conco-mitantemente, vem esclarecer-se que esta relação de participação qualifi cada. A construção destas modalidades e a clarifi cação da relação de participação ou titularidade entre a caixa económica e a respectiva instituição titular permite abrir ainda abrir o capital das “caixas económicas bancárias” a entidades operando fora do terceiro sector e assegurar, simultaneamente, a prossecução do intuito assistencialista destas instituições».

    Sucede, porém, que o acesso ao mercado só é uma vantagem desde que nele existam investidores que queiram tomar o risco de participação no capital social da caixa e o que temos verifi cado nos últimos tempos é que o investimento em instituições de crédito, sobretudo portuguesas, não é particularmente atractivo.

    Acresce que uma caixa bancária não pode recorrer ilimitadamente ao mer-cado para aumentar os seus capitais, visto que o Regime Jurídico das Institui-ções de Crédito, no seu artigo 6.º, impõe que a instituição titular detenha a maioria das participações ou dos direitos de voto, se estes limites não poderem ser resguardados, terá a caixa que encontrar soluções alternativas que garantam a sua subsistência como instituição de crédito e não já como caixa económica bancária, que a lei não desvenda mas presumivelmente será a sua transformação em instituição de outro tipo.

    4.7. Assunção de uma forma jurídica facilmente reconhecível pelo mercado

    Os operadores no mercado fi nanceiro desde os supervisores às contrapartes, passando pelas agências de rating, têm uma evidente difi culdade em entender que um agente económico não assuma a forma de sociedade comercial anó-nima. E as próprias leis fi nanceiras reconhecem apenas, por favor, instituições que não tenham a forma societária e nas suas disposições genéricas têm sempre como pano de fundo um modelo societário.

    Não é fácil fazer entender que existe uma entidade sem accionistas, ou que o seu benefi cial owner não pode dispor do capital, nem dar os títulos dele repre-sentativos em garantia, que os membros da assembleia geral não sejam accionis-tas e que aí manifestem a sua vontade pessoal, ou ainda que o acesso ao mercado de capitais só pode ser feito segundo processos não correntes.

    Todavia, ainda que as negociações e explicações se prolonguem para além do que seria normalmente expectável, nunca deixou de realizar-se uma opera-ção pelo facto uma caixa económica não ser uma sociedade anónima.

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    5. Apreciação do processo de transformação

    A transformação de uma caixa económica anexa, cujo activo seja igual ou superior a € 50.000.000 em caixa económica bancária, opera-se automatica-mente por efeito da Lei, conforme se dispõe no artigo 6.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 190/2015, o que tem como consequência, de acordo com a citada dispo-sição, a sua sujeição a «todos os efeitos legais previstos no regime jurídico das caixas económicas» com excepção dos respeitantes à sua forma legal.

    Mas que efeitos decorrem da Lei cuja produção seja independente da assun-ção da forma de sociedade comercial anónima?

    Existem, é certo, consequências que resultam de disposições genéricas do Lei, aplicáveis tanto a caixas económicas anexas como a caixas económicas bancárias, de que as últimas não podem excluir-se.

    O primeiro de todos é a sua sujeição a um determinado enquadramento jurídico, constituído, em primeira linha, pelo Regime Jurídico das Caixas Económicas tal como consta do respectivo artigo 2.º, em segunda linha o dever de se submeterem a determinadas regras deontológicas aplicáveis às entidades de economia social e às associações mutualistas (Regime Jurídico das Caixas Económicas, artigo 3.º) e, por último a sua relação exclusiva ou privilegiada com uma instituição titular (Regime Jurídico das Caixas Económicas, artigo 6.º).

    Por seu lado, as caixas económicas bancárias, mesmo que não se transfor-mem em sociedades comerciais, «devem incluir na sua fi rma a expressão “caixa económica bancária”» (Regime Jurídico das Caixas Económicas artigo 19.º, n.º 3). Entendemos que a inclusão da referida expressão não se opera ope legis, por que se assim fosse não haveria um dever de inclusão, mas uma modifi cação da denominação por simples efeito da Lei. Esta inclusão terá que seguir um pro-cesso de modifi cação estatutária.

    A transformação de uma caixa económica bancária com forma não socie-tária, existente à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 190/2015, em sociedade comercial sob forma anónima não resulta automaticamente da Lei, mas de uma determinação do Banco de Portugal, com a natureza de uma acto fundamentado, invocando a complexidade ou o risco da actividade desen-volvida pela caixa (Decreto-Lei citado, artigo 6.º, n.º 2) e implicitamente a demonstração de que a pretendida transformação irá melhorar a situação da caixa para resolver aqueles problemas, porque obviamente não se impõe um processo de transformação de que não resultem consequências práticas positivas.

    A partir do momento em que exista uma decisão de transformação por parte do Banco de Portugal, proferida nos termos legais, a transformação torna--se obrigatória e deverá realizar-se de acordo com o processo previsto (Decre-to-Lei n.º 190/2015, artigo 6.º, n.ºs 4 e 5), sob pena de poder verifi car-se

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    uma aplicação de medidas correctivas e de medidas de intervenção correctiva, previstas respectivamente nos artigos 116.º-C e 141.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.

    As medidas correctivas podem, entre outras, consistir na obrigatoriedade do reforço de fundos próprios para valores superiores aos determinados na Lei, na imposição de uma política específi ca de constituição de provisões ou de trata-mento de activos em termos de requisitos de fundos próprios, na exigência de utilização dos lucros líquidos para reforçar a base de fundos próprios, ou ainda limitar ou proibir o pagamento de juros e dividendos, impor requisitos específi -cos de liquidez, restringir ou limitar actividades, operações ou redes de balcões, etc. Todas estas e outras medidas correctivas são fortemente dissuasórias de uma oposição à transformação.

    As medidas de intervenção correctiva encontram-se elencadas num extenso rol, podem incidir também sobre os aspectos fi nanceiros da instituição e ir ao ponto de intervenção nos respectivos órgãos de governo, através da designação de uma comissão de fi scalização ou de um fi scal único, ou da destituição e substituição dos membros dos órgãos de governo ou fi scalização.

    Dir-se-ia que perante este quadro é fortemente desaconselhável não cum-prir a decisão de transformação, tanto mais que o conhecimento público da aplicação de tais medidas iria abalar fortemente a confi ança do público na instituição.

    Todavia, verifi cados estes pressupostos, a transformação passa pelo desen-volvimento e conclusão de um processo deliberativo, regulado nos n.ºs 3 a 6 do citado artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 190/2015, processo este que se destina fundamentalmente a aprovar, não a transformação em si, mas o relatório infor-mativo da transformação elaborado pelo órgão de administração e o projecto de estatutos da nova sociedade [citado artigo 6.º, n.º 4, a) e c)]. Mas mesmo estas deliberações estão fortemente condicionadas, porque tanto o relatório com o projecto de estatutos têm previamente de ser aprovados pelo Banco de Portugal, a quem cabe autorizar ou recusar que a transformação se faça de acordo com os termos neles propostos [referido artigo 6.º, n.º 4, c)]. Autorizada, em determi-nados termos, a transformação por parte do Banco de Portugal, é a assembleia geral da caixa convocada para deliberar sobre a proposta de transformação, mas se por qualquer forma a modifi car deve ser novamente pedida autorização ao Banco de Portugal, reabrindo-se o processo deliberativo da assembleia geral, que obviamente não pode ser indefi nidamente repetido, sem que dê origem à aplicação das medidas correctivas ou das medidas de intervenção correctiva. A Lei prevê ainda um prazo especial de vinte dias para a convocação da assem-bleia [artigo 6.º, n.º 4, c)], um quórum constitutivo de 2/3 dos membros para reunião da assembleia em primeira convocação [artigo 6.º, n.º 4, c)], regras para

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    segunda convocação e dispensa nesta circunstância do quórum atrás referido [artigo 6.º, n.º 4, d)] e um quórum deliberativo que é o da maioria simples [artigo 6.º, n.º 4, e)]. Disto resulta uma capacidade de intervenção muito redu-zida da assembleia geral, que não pode recusar a transformação, salvo se optar por uma dissolução.

    Admite ainda a Lei que possa verifi car-se a intervenção da instituição titu-lar, caso os estatutos da caixa económica prevejam a ratifi cação da deliberação da assembleia geral da caixa por aquela entidade [artigo 6.º, n.º 4, g)], ratifi cação que pode incidir não só sobre a modifi cação estatutária como sobre a própria transformação. Se tal hipótese se verifi car, a entidade titular, através do seu órgão competente apenas poderá aprovar ou rejeitar a transformação tendo neste caso como alternativa a dissolução, bem como na generalidade os novos estatutos na versão que lhe for apresentada, estando impossibilitada de os dis-cutir na especialidade, porque tal é competência da assembleia geral da caixa.

    Podemos entender a intervenção da assembleia geral da caixa num processo de transformação que se realiza ope legis, porque lhe cabe aprovar um projecto de transformação e uma versão de estatutos, ainda que seja fortemente condi-cionada pela necessidade de aprovação prévia pelo Banco de Portugal, aprova-ção que terá que ser tomada em conta.

    A intervenção da assembleia geral da instituição titular é que parece des-tituída de qualquer utilidade prática. Se aprovar a transformação não faz mais do coonestar o que já estava deliberado e havia sido imposto pelo Banco de Portugal, se recusar apenas pode levar à aplicação de medidas correctivas ou de intervenção correctiva pela entidade de supervisão, do que resultará uma fortíssima penalização para a caixa, salvo se optar pela dissolução desta última.

    Também não se entende porque razão por que razão se criou apenas uma via de expedita de transformação de uma caixa económica bancária em caixa bancária sociedade anónima e não se considerou a possibilidade de a transfor-mação, pela mesma via, ter como objectivo fi nal a mudança para banco socie-dade anónima, uma vez que não haveria diferenças de capacidade operativa nem de forma jurídica. É claro que esta última transformação é possível, mas percorrendo um caminho muito mais complexo, por se tratar de uma mudança de tipo de instituição, previsto no artigo 24.º, n.º 2, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, sendo, aliás, previsível que o destino fi nal de uma caixa económica bancária seja – se tiver sucesso – tornar-se num banco.

    Teria sido também conveniente que, caso isso estivesse no interesse e von-tade da caixa transformada, se previsse um processo expedito e equilibrado na defesa dos interesses em causa, que permitisse a conversão das unidades do fundo de participação em acções, matéria de que já atrás nos ocupámos.

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    Transformação da caixa bancária em sociedade anónima não tem que arras-tar necessariamente a conversão do fundo de participação em capital accionista, sobretudo se tiver fi cado claramente defi nido no prospecto regulador da emis-são daqueles títulos, que tal ocorrência não implica necessariamente a referida conversão.

    No momento actual a conversão das unidades do fundo de participação em acções é possível, mas através de um longo processo negocial, que passaria pela alteração do prospecto de emissão a negociar com a CMV, a fazer aprovar as alterações em assembleia de titulares e ao lançamento de uma oferta pública de conversão, que não se afi gura enquadrável no fi gurino de uma oferta potes-tativa, ainda que residualmente, embora pudesse haver uma amortização de uma parte remanescente da operação de conversão, desde que autorizada pelo supervisor.

    Adiciona-se a difi culdade de ter que se apurar um valor para a conversão dos títulos em acções, o que é uma actividade complexa, como se constata em processo semelhante levado a cabo pelas caixas económicas espanholas.

    Transformada a caixa bancária em sociedade anónima a recolha de fundos no mercado, a incluir nos seus fundos próprios far-se-á, normalmente, através de um aumento de capital com emissão de acções ordinárias, ou de acções pre-ferenciais sem voto, ou warrants de aquisição ou subscrição de acções, podendo os fundos próprios ser ainda compostos por outros instrumentos com caracte-rísticas híbridas, o que não é o caso do fundo de participação. Sendo pouco provável que com a plena abertura do capital se repita a emissão de unidades do fundo de participação, obviamente menos atractivas do que as acções.

    Conclusivamente, lamenta-se que com esta reforma legislativa se tenham perdido várias oportunidades. Primeiro que tudo, não foi dado às caixas econó-micas o verdadeiro enquadramento dogmático que lhes pertence, optando-se por resolver o problema através de uma estratégia de «tiros de canhão». Em segundo lugar, o legislador não abandonou a postura de tradicional descon-fi ança que mantém em relação às caixas económicas, o que passaria por pro-mover ao desaparecimento (pela forma menos penosa) das que se mostrassem inviáveis e dar possibilidade de crescimento e evolução às restantes. Em terceiro lugar deveria o processo de transformação ser mais claro e corajoso e ter em conta todos os interesses satelizados à volta de uma caixa económica.

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