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A D IVERSIDADE DA G EOGRAFIA B RASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 4958 NOVOS USOS DO TERRITÓRIO E A GERAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA: O PAPEL DESEMPENHADO PELA INFORMAÇÃO NO MACROSSISTEMA ELÉTRICO BRASILEIRO MARIANA TRALDI 1 Resumo: A geração de energia elétrica é de grande importância para o território brasileiro, pois garante o suprimento de energia para o funcionamento de outros grandes sistemas técnicos, como o sistema fabril, sistema de transporte e o sistema de comunicação. A geração, transmissão e distribuição de energia elétrica no território nacional é feita no âmbito do Sistema Elétrico Brasileiro. Toda a operação desse complexo macrossistema técnico é de responsabilidade do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). O ONS é organizado de forma hierárquica, existindo um comando central, localizado em Brasília, e centros regionais, que estão espalhados pelas cinco macrorregiões brasileiras. Toda a operação deste complexo sistema está baseada na produção e circulação de informações estratégicas. Este texto é parte de uma pesquisa de doutorado que teve início este ano e que resulta de um trabalho de mestrado. Palavras-chave: uso do território; macrossistema elétrico; informação estratégica. Abstract: The power generation is of great importance for Brazil as it ensures the power supply for the operation of other large technical systems, such as the factory system, transportation system and the communication system. The generation, transmission and distribution of electric energy in Brazil is made under the Brazilian Electric System. The entire operation of this complex technical macrosystem is the National Electric System Operator responsibility (ONS). The ONS is organized hierarchically and there is a command center, located in Brasília, and four regional other centers, which are spread across the Brazilian regions. This text is part of a doctoral research which began this year and that results from a master degree's work. Key-words: use of territory; electric macrosystem; strategic information. 1 Introdução Este texto integra pesquisa de doutoramento ainda em fase inicial que vem sendo desenvolvido com o objetivo de compreender o papel desempenhado pela informação no funcionamento do Sistema Elétrico Brasileiro. 1 - Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual de Campinas. E-mail de contato: [email protected].

novos usos do território e a geração de energia elétrica

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NOVOS USOS DO TERRITÓRIO E A GERAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA:

O PAPEL DESEMPENHADO PELA INFORMAÇÃO NO MACROSSISTEMA

ELÉTRICO BRASILEIRO

MARIANA TRALDI1

Resumo: A geração de energia elétrica é de grande importância para o território brasileiro, pois

garante o suprimento de energia para o funcionamento de outros grandes sistemas técnicos, como o

sistema fabril, sistema de transporte e o sistema de comunicação. A geração, transmissão e

distribuição de energia elétrica no território nacional é feita no âmbito do Sistema Elétrico Brasileiro.

Toda a operação desse complexo macrossistema técnico é de responsabilidade do Operador Nacional

do Sistema Elétrico (ONS). O ONS é organizado de forma hierárquica, existindo um comando central,

localizado em Brasília, e centros regionais, que estão espalhados pelas cinco macrorregiões

brasileiras. Toda a operação deste complexo sistema está baseada na produção e circulação de

informações estratégicas. Este texto é parte de uma pesquisa de doutorado que teve início este ano e

que resulta de um trabalho de mestrado.

Palavras-chave: uso do território; macrossistema elétrico; informação estratégica.

Abstract: The power generation is of great importance for Brazil as it ensures the power supply for the

operation of other large technical systems, such as the factory system, transportation system and the

communication system. The generation, transmission and distribution of electric energy in Brazil is

made under the Brazilian Electric System. The entire operation of this complex technical macrosystem

is the National Electric System Operator responsibility (ONS). The ONS is organized hierarchically and

there is a command center, located in Brasília, and four regional other centers, which are spread across

the Brazilian regions. This text is part of a doctoral research which began this year and that results from

a master degree's work.

Key-words: use of territory; electric macrosystem; strategic information.

1 – Introdução

Este texto integra pesquisa de doutoramento ainda em fase inicial que vem

sendo desenvolvido com o objetivo de compreender o papel desempenhado pela

informação no funcionamento do Sistema Elétrico Brasileiro.

1 - Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual de Campinas. E-mail de

contato: [email protected].

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Neste texto procuramos discutir a importância do papel desempenhado pela

informação no funcionamento do Sistema Elétrico Brasileiro com base na informações

e no conhecimento obtido no desenvolvimento do mestrado, concluído em agosto de

2014.

Tomamos a informação como uma das variáveis-chave do período, uma das

bases da produção em seu sentido mais geral, e compreendemos o Sistema Elétrico

Brasileiro como um macrossistema técnico ou grande sistema técnico. Nossa

discussão teórica se concentra em torno dos conceitos de “macrossistema técnico”

(SANTOS, 2009; SANTOS e SILVEIRA, 2010) e “grande sistema técnico” (HUGHES,

1983; 2008) e da discussão do papel desempenhado pela informação estratégica

neste contexto.

De acordo com Santos (2009), diante da atual combinação entre técnica e

ciência podemos falar na constituição de macrossistemas técnicos (SANTOS, 2009),

Grandes Sistemas Técnicos (HUGHES, 1983, 2008)2, sem os quais outros sistemas

técnicos seriam incapazes de operar. Thomas Hughes (1983; 2008) define os

Grandes Sistemas Técnicos como aqueles formados pela interligação de artefatos

culturais, que optamos por chamar de objetos técnicos (SANTOS, 2009), que

interconectados e funcionando em sistema formam o que ele chamou de sistemas

técnicos menores, subsistemas ou microssistemas.

Dada sua complexidade os macrossistemas técnicos exigem um controle

coordenado que garanta seu funcionamento. Por isso eles são compostos por uma

multiplicidade de instalações e uma pluralidade de comandos que se conectam a um

comando unificado e central (SANTOS, 2009).

2 – Fontes de Energia e o Desenvolvimento de suas Técnicas de Apropriação

As tecnologias da informação permitiram aos sistemas técnicos atuais a

unificação dos processos produtivos no tempo e no espaço. O resultado é a

convergência dos momentos e o fortalecimento da solidariedade organizacional.

Acreditamos que no período atual a informação assume a função que antes era

2 Entendemos os macrossistemas técnicos (SANTOS, 2009) e Grandes Sistemas Técnicos (HUGHES,

1983; 2009) como sinônimos.

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exercida pela energia, se tornando a principal responsável pela promoção da união

entre as diversas partes do território (SANTOS, 2008a).

O homem ao longo de sua história tem se utilizado das mais variadas fontes de

energia, com o objetivo de realizar trabalho e reproduzir-se socialmente. Até meados

do século XVIII destacavam-se como principais fontes de energia a força muscular, a

tração animal, a força da água e os moinhos de vento. Embora estas fontes de

energia tenham elevado a capacidade produtiva do homem e alterado sua forma de

se reproduzir socialmente, seu potencial energético era extremamente baixo.

O período compreendido entre a última metade do século XVIII e a primeira

metade do século XIX foi marcado por uma transformação radical das técnicas de

produção e das formas de utilização da energia. A grande transformação do

paradigma energético se deu com o desenvolvimento da máquina a vapor na

segunda metade do século XVIII. A máquina a vapor movida a partir da queima do

carvão possibilitou a transformação de calor em energia mecânica, resultando em um

rendimento energético antes inimaginável. O carvão ganhou enorme importância por

apresentar elevado teor calorífico e também por ser encontrado em grandes

quantidades nos países pioneiros no desenvolvimento e na utilização desta técnica.

Ao fim do século XIX e início do século XX uma nova invenção contribuiu para

nova mudança do paradigma energético, o desenvolvimento do motor a explosão.

Esta invenção teve como consequência primeira a utilização do petróleo como

combustível. Também ao fim do século XIX ganhou relevância uma terceira forma de

geração de energia, a energia elétrica. Embora a energia elétrica fosse conhecida

desde 1800, tecnicamente ela ainda não era passível de utilização em larga escala,

pois seu transporte a longas distâncias era pouco eficiente. Foi somente após 1880,

quando a invenção do dínamo aliada à invenção do alternador e do transformador

permitiriam a elevação ou a redução de tensão e o transporte da energia a longas

distâncias, é que a energia elétrica teve sua utilização ampliada (LORENZO, 1993).

A energia elétrica ganhou importância para a atividade industrial, pois poderia

ser utilizada em quantidades bastante variáveis, sendo passível de fracionamento ao

infinito, além de apresentar melhor rendimento para certos usos industriais e maior

regularidade, que a energia proveniente da queima do carvão. Como bem coloca

Pierre George (1952) a energia passou a ser, a partir da invenção da máquina a

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vapor, do motor a explosão e do desenvolvimento da energia elétrica, uma condição

técnica fundamental para a produção em seu sentido mais geral. Como resultado o

homem teve sua capacidade produtiva ampliada enormemente.

As diversas fontes de energia passaram a coexistir. No caso do carvão, por

exemplo, embora sua utilização para geração de energia tenha sofrido sensível

queda a partir do desenvolvimento de novas fontes de energia, ele continuou a ser

muito utilizado. Ainda hoje o carvão figura como a segunda fonte de energia mais

consumida no mundo, de acordo com o relatório “International Energy Outlook 2013”,

elaborado pela Energy Information Administration (EIA, 2013). O mesmo podemos

afirmar para a energia elétrica e para o petróleo, que desde o fim do século XIX

aumentaram sua participação na matriz energética mundial, sendo mais utilizados em

alguns períodos e menos utilizados em outros, mas sempre coexistindo com as novas

fontes de energia.

O desenvolvimento técnico dos equipamentos ligados à geração e a utilização

da energia também explica a coexistência das mais diversas fontes de energia, já que

seu aprimoramento e a elevação da produção energética a partir das mais diversas

fontes. Nesse sentido a energia passou a ser o mais importante fator produtivo e

também figurava como um fator de união dos territórios a partir da produção em seu

sentido mais geral. A divisão territorial do trabalho estava relacionada á produção de

energia e sua dispersão pelos lugares.

2.1 – O Protagonismo da Informação

Após a Segunda Guerra Mundial, marcadamente após a década de 1970, com

a união entre técnica e ciência e sob a égide do mercado global, o modo de produção

capitalista passou por profundas transformações (SANTOS, 2009). É neste período

que ciência, tecnologia e informação passam a ser a própria base da produção

levando a um maior aprofundamento da divisão territorial do trabalho. Nesse sentido,

a informação assumiu o protagonismo na reprodução do modo de produção

capitalista e os territórios passaram a ser equipados para facilitar sua circulação,

garantindo assim sua realização.

Os objetos técnicos passam a não ser mais apenas resultado da ciência

aplicada ao aprimoramento das técnicas, mas a carregar consigo intencionalidades

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previamente definidas. A informação além de constituir estes novos objetos técnicos

também passou a ser a responsável por fazê-los se movimentar.

De acordo com Santos (2008a) a informação passa a exercer no período atual,

um papel parecido com aquele que no passado era destinado a energia.

Em um passado remoto, sobretudo antes da existência humana, o que reunia as diferentes porções de um território era a energia proveniente dos processos naturais. Ao longo do tempo a informação vai assumindo essa função, se tornando hoje o verdadeiro instrumento de união entre as diversas partes do território (pág. 140).

É a informação que no período atual vai colocar em funcionamento a produção

e assim interconectar os mais diversos lugares do mundo. O espaço mundial passa a

ser dotado de estruturas que garantam velocidade e eficiência à circulação da

informação. Importante salientar que não se trata de uma informação ordinária, mas

de uma informação especializada e estratégica, depositada de forma desigual no

território, conformando um território reticulado.

Acreditamos que a produção de energia continua a ser muito importante para

viabilizar a produção, entretanto, ela perde seu protagonismo para a informação

estratégica que passa inclusive a garantir o funcionamento dos sistemas de produção

e de circulação energética, garantindo assim interligação dos territórios. Nossa tese

ganha respaldo quando analisamos o funcionamento do Macrossistema Elétrico

Brasileiro (MEB).

2.2 – O Macrossistema Elétrico Brasileiro

A energia elétrica figura como uma das mais importantes fontes de geração de

energia no Brasil. Contando com uma participação de 17,8% na matriz energética

nacional assumindo a posição de segunda fonte mais importante na matriz energética

nacional (EPE, 2014). Ela é produzida no âmbito do macrossistema elétrico nacional,

cujo processo de formação foi longo, iniciando-se com a eletrificação do território

nacional, no século XX, e completando-se em 1998, com a interligação de todas as

regiões brasileiras.

O SIN (Sistema Interligado Nacional), somado ao conjunto dos subsistemas de

geração e de distribuição, juntamente com o ONS (Operador Nacional do Sistema) e

um enorme grupo de empresas fornecedoras de bens e serviços e instituições

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educacionais, financeiras e de pesquisa, forma um macrossistema técnico. Esse

grande sistema elétrico é composto por diversas estruturas físico-territoriais, entre

elas estão as grandes usinas geradoras de energia e as redes de transmissão e

distribuição, que são responsáveis pela circulação da energia produzida. É através

dessas redes materialmente integradas que a energia produzida em um extremo do

país pode ser consumida em outro extremo.

O MEB é responsável, atualmente, por 98% da oferta-demanda de eletricidade

no território nacional e interliga as cinco macrorregiões brasileiras. Ele é composto

por diversas fontes de geração de energia, entre elas estão as fontes hidráulica,

térmica, termonuclear, eólica e solar.

Dentre as fontes de geração destaca-se a fonte hidráulica, que é responsável

por 68,48% da oferta de energia no país.

Fontes Participação na Matriz Elétrica

(%)

Hidráulicas (hidrelétricas, CGH e PCH’s) 68,48

Térmica (diesel, carvão, gás natural e biomassa) 28,21

Eólica 1,68

Nuclear 1,62

Fotovoltaica 0,01

Tabela 02 – Brasil: Participação na geração de energia elétrica por fontes de geração, em 2013. Fonte dos dados: ANEEL, 2013 – Acessado em 15 de outubro de 2014.

Organização: da Autora.

Importante ressaltar que há, ano a ano, uma variação quanto à participação de

cada uma das fontes de geração de energia elétrica no Brasil, isso se deve ao fato de

que em anos mais secos há um maior uso das usinas térmicas, que acabam por

funcionar como backup das hidrelétricas. Em anos mais úmidos há um maior uso da

fonte hidráulica, já que os reservatórios permitem que sendo esta a fonte mais barata

seja ela a mais usada.

Todo este complexo sistema, formado pelos mais diversos subsistemas e

microssistemas, é organizado e controlado por um agente que centraliza as decisões

e comanda todo o MEB, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).

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Fonte: Figura 01 – Brasil: Sistema Interligado Nacional, 2014.

Fonte dos dados: ONS (Disponível em: http://www.ons.org.br) – Acessado em 15 de maio de 2015. Organização: ONS.

A produção de energia elétrica no Brasil não se da homogeneamente pelo

território. A instalação de usinas hidrelétricas, eólicas e solares depende da existência

de potencialidades naturais, como por exemplo, rios planálticos, ventos constantes e

regulares e elevado potencial fotovoltaico. Sendo assim, a geração de energia elétrica

encontra-se localizada apenas em alguns pontos e manchas do território brasileiro,

hierarquizados de forma seletiva segundo suas potencialidades naturais.

Os lugares geradores de energia elétrica, após a conformação do MEB,

passam a não mais controlar sua produção. Com a interligação regional e

posteriormente nacional das usinas geradoras de energia elétrica, os lugares

perderam o poder de decidir sobre sua produção que passou a ser controlada pelo

ONS.

O Brasil nem sempre contou com um macrossistema elétrico, capaz de integrar

o território nacional do ponto de vista da geração, transmissão e distribuição de

energia elétrica. A eletrificação do território brasileiro teve início entre 1880 e 1914,

com a implantação de serviços de iluminação pública e residencial, em especial, nas

cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro (LORENZO, 1993). Contudo, inicialmente,

dadas as limitações técnicas do período, não havia a possibilidade de interligação dos

sistemas, que eram municipais.

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À medida que o uso da eletricidade se generalizou no território nacional, as

redes de transmissão evoluíram, do ponto de vista técnico, e o Estado brasileiro

tomou para si a tarefa de expandir a produção e a circulação da energia elétrica, é

que se configurou uma integração do território nacional a partir da eletricidade.

Primeiro localmente, e posteriormente regionalmente e por fim nacionalmente. A

interligação elétrica do território brasileiro se completou ao fim de 1998, com a

interligação das regiões geoelétricas Norte-Sul e com a entrada em operação do

ONS.

O ONS, criado em 19983, é uma pessoa jurídica de direito privado, organizado

sob a forma de associação civil, sem fins lucrativos. Ele é o responsável pela

coordenação e pelo controle da operação das instalações de geração e transmissão

de energia elétrica no MEB. O Sistema Interligado Nacional (SIN) (Figura 01)

compreende a malha da rede de transmissão que interliga todas as regiões

brasileiras. Pelo SIN circula toda a energia produzida no Brasil, que é transportada

para os locais de consumo através das redes de transmissão e de distribuição.

Contudo, não é a malha de transmissão do SIN que garante o funcionamento do

MEB, ela apenas garante que a energia, produzida em um determinado lugar chegue

ao seu destino.

O ONS está organizado de forma hierarquizada, existindo um centro de

comando nacional com sede em Brasília (CNOS-Brasília), de onde partem as

informações/ordens referentes à produção de energia elétrica em todo o território

brasileiro; e por subcentros regionais, também denominados Centros de Operação do

Sistema Regionais (COSR), que estão conectados ao CNOS-Brasília e são

responsáveis pela operação a nível regional.

Na prática os COSR são responsáveis por estabelecer a comunicação entre o

comando central do sistema (CNOS-Brasília) e os agentes de geração, transmissão e

distribuição de todo o país. O Centro Nacional de Operação do Sistema (CNOS-

Brasília) está também interligado aos centros geradores de outros países, como

Paraguai e Venezuela, de onde vem parte da energia consumida no território

3 Pela Lei nº 9.648/98, de 6 de agosto de 1998, com as alterações introduzidas pela Lei nº 10.848/04 e

regulamentado pelo Decreto nº 5.081/04, como mecanismo viabilizador das privatizações do setor elétrico brasileiro e em substituição ao Operador Independente do Sistema (OIS), atendendo as recomendações do Relatório Consolidado da Coopers & Lydrand.

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brasileiro, sendo ele próprio responsável pelas negociações internacionais de compra

de energia.

Os COSR realizam, em tempo real, a supervisão, a coordenação, o controle e

a execução de toda a rede de operação do SIN. Toda e qualquer informação colhida

pelos centros regionais é repassada em tempo real ao CNOS-Brasília e as ordens

recebidas do centro nacional são repassadas aos demais agentes do sistema pelos

COSR.

O funcionamento do ONS se dá com base na produção, na acumulação, na

sistematização e na circulação de informações entre o centro nacional, os subcentros

regionais e os agentes de geração, transmissão e distribuição de energia. O fluxo e a

velocidade de informações que circula no ONS é tão grande que de acordo com o

próprio CNOS-Brasília, anualmente, os centros de operação controlam mais de

49.000 intervenções (manutenções)/ano, recebem a cada 4 segundos mais de 40.000

sinais (informações), gravam diariamente mais de 10 milhões de registros, têm à

disposição aproximadamente 760 Instruções de Operação e 1.040 documentos4.

Contudo, não se tratam de informações ordinárias ou banais, mas de informação

estratégica, depositada de forma desigual nos lugares (SANTOS, 2009 [1996]).

Entendemos a informação estratégica como aquela que se destina a produção,

e apresenta as seguintes características: difusão seletiva e restrita; produzida por

empresas de consultoria, instituições financeiras, governos, agências de notícias

especializadas e centros de pesquisa; que deve se difundir em tempo real,

apresentando por isso uma enorme dependência tecnológica para sua difusão; cuja

escala de ação é a dos territórios reticulados; que apresenta como centros

consumidores grandes empresas; e que se estabelece segundo uma solidariedade

organizacional (SILVA, 2001).

As informações estratégicas que circulam no MEB são essencialmente de dois

tipos: informações técnicas e informações políticas. Dentre as informações do tipo

técnica temos, dados dos níveis diários dos reservatórios das usinas hidrelétricas de

todo o país, informações de previsão, que oferecem dados meteorológicos,

4 Notas disponíveis na apresentação disponibilizada pelo ONS em visita técnica realizada em

27/11/2013. Disponível também em: http://www4.planalto.gov.br/centrodeestudos/galeria-de-fotos/arquivos-importados/apresentacao-visita-cnos. Acesso em: 21/02/2014.

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anemométricos, entre outros. Dentre as informações de mercado, estão os preços

dos combustíveis no mercado internacional, entre eles gás e carvão, as tarifas de

energia, sejam elas de geração, distribuição ou transmissão, entre outras.

Acreditamos que a circulação da informação, que garante o funcionamento do

MEB, somente se efetiva dadas as condições técnicas disponíveis no período atual.

De acordo com Milton Santos (2008b) a globalização é marcada pela emergência de

um novo sistema de técnicas, que no atual período é presidido pelas técnicas da

informação. As técnicas da informação assumem grande importância, pois são

capazes de garantir a comunicação entre as mais diversas técnicas e permitem a

convergência dos momentos, que resulta na simultaneidade das ações, de modo que

cada lugar passa a ter acesso ao acontecer dos outros.

Lojkine (1995), por sua vez, afirma que o que se configura é uma revolução

informacional, de base organizacional, que não se limita à estocagem e à circulação

de informações codificadas sistematicamente por programas de computador, ela

envolve acima de tudo a criação, o acesso e a intervenção sobre informações

estratégicas, de síntese, que podem ser de natureza econômica, política, científica ou

ética.

Nesse sentido, acreditamos que o funcionamento do MEB pode ser

caracterizado como informacional. Sendo neste caso a informação a responsável pela

integração elétrica do território brasileiro, pois nele a produção e a circulação de

energia elétrica é dependente da prévia produção, sistematização e circulação de

informações técnicas e políticas entre os mais diversos subsistemas de geração e o

ONS, sem as quais o funcionamento deste grande sistema estaria inviabilizado.

Sendo assim, acreditamos que a informação pode ser a grande responsável, no

período atual pela integração do território brasileiro do ponto de vista de geração e

circulação de energia elétrica.

3 – Considerações Finais

O MEB é um importante Macrossistema Técnico que viabiliza o funcionamento

de outros tantos Macrossistemas Técnicos no território brasileiro. Ele abrange

praticamente todo o território nacional. Sua interligação possibilita que lugares não

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produtores de energia possam se beneficiar da energia produzida em outros lugares,

alterando assim a divisão social e territorial do trabalho. Sua organização hierárquica,

com um comando central que controla todo o sistema, impede que os lugares

produtores de energia elétrica decidam sobre a produção e sobre a circulação da

energia por eles produzida.

Apesar de a energia elétrica ser a mercadoria que circula pelas linhas de

transmissão e de distribuição, chegando aos mais diversos pontos do território

nacional, é a produção e a circulação de informações políticas e técnicas que garante

o funcionamento deste complexo sistema. É a troca constante e intensa de

informações estratégicas, sobre preços de combustíveis no mercado internacional,

índices de chuva e de vento, dados de consumo de energia elétrica colhidos minuto a

minuto em todo o território nacional, potência e funcionamento das usinas, dados de

vazão dos rios, entre outras tantas informações, que determina quais usinas devem

produzir, quanto elas devem produzir e por quanto tempo.

Apesar do operador nacional do sistema ressaltar a importância das

informações de tipo técnica, caracterizando-as como decisivas na operação do MEB,

sabemos que elas não são as únicas. Sendo o sistema operado em tempo real, dada

a impossibilidade técnica de estocagem da energia elétrica, com frequência a “ordem

de mérito” 5 não é respeitada e decisões de despacho de usina são tomadas por

quem opera o sistema.

Por tratar-se de uma pesquisa em fase inicial temos apenas hipóteses que

poderão se confirmar ou não ao longo da pesquisa.

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5 É a ordem de prioridade de operação que determina qual usina deve entrar em operação,

preferencialmente. Funcionando como uma espécie de ranking das usinas, que obedece ao critério do menor custo de operação.

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