Nunca é muito tarde para a razão: notas sobre solidariedade em Hans-Georg Gadamer

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    Nunca muito tarde para a razo:

    notas sobre solidariedade em Hans-Georg Gadamer

    Raimundo Rajobac*

    Resumo

    O tema da solidariedade tal como pensado por Gadamer merece uma atenoespecial, justamente pelo fato do mesmo nos ajudar a pensarmos as relaeshumanas de forma a superar estruturas monolgicas e posies de supremacia,caractersticas da modernidade. A produtividade do conceito gadameriano desolidariedade justifica-se, pelo fato de o mesmo, se encontrar profundamenteentranhado na malha (tradio) da vida social e oferecer uma esperana realista para a expanso das formas de mutualidade e do comum, nas quais asolidariedade em si depende. Experimentar uma nova solidariedade significa,portanto, criar novas sadas, explorar novos recursos e recursos j existentes queajude a humanidade a salvar a si mesma.

    Palavras-chave: Hermenutica. Solidariedade. Prxis Social.

    Abstract

    The theme of solidarity such as is thought by Gadamer deserves specialattention, precisely because of that help us think about human relationships inorder to overcome monological structures and positions of supremacy,characteristics of modernity. The productivity of Gadamer's concept ofsolidarity is justified by the fact that even if you find deeply ingrained in thefabric (tradition) of social life and offer a realistic hope for the expansion offorms of mutuality and common, in which solidarity itself depends. Try a newsolidarity means, therefore, create new outlets, to explore new resources andexisting resources that will help humanity save itself.

    Key words: Hermeneutics. Solidarity. Social Praxis.

    *

    RAIMUNDO RAJOBAC Professor efetivo no Departamento de Msica da UFRGS, Mestreem Educao pela UPF e Doutorando em Educao pela PUCRS.

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    1. Sobre a esperanahermenutica

    Gadamer constri seusistemahermenutico-filosfico com umaforte base na filosofiaexistencialistaheideggeriana: suafilosofia se chamahermenutica, porqueentende a existnciacomo interpretao.(VATTIMO, 2002, p. 02). O conceito de

    linguagem cunhado pelo hermeneuta fezfrente s crticas ao modelo lgico-semntico de linguagem, ao positivismoe consequentemente ao mtodo dascincias da natureza; tomando como

    base a ideia de que a experincia noencontra o mundo refletindo-oneutralmente, mas lendo-o (isto interpretando-o) luz das esperanas,

    projetos, medos e necessidades.(VATTIMO, 2002, p. 02). O conceito de

    solidariedade em Gadamer estintimamente ligado a sua concepo delinguagem, o qual nos ajuda a questionardificuldades para o que diz respeito aodilogo caractersticos da sociedadecontempornea. Gadamer procurasuperar com sua filosofia da linguagema interpretao e entendimento feitos

    pela tradio ocidental, de que nossomodo de ser, conhecer e relacionar

    pauta-se num conceito esttico de razo.

    O autor sugere em Verdade e mtodoque, o que procedeu da parte dosmodernos, foi uma traduo precipitadado ideal aristotlico de homem comoanimal que possui o logos, por homemcomo animal racional: segundoGadamer, em Aristteles logos significamais linguagem do que propriamenterazo. Tal diagnstico embora pareasimplrio, fundamental paracompreendermos as pretenses do

    hermeneuta ao desenvolver seu projeto

    de uma filosofiahermenutica.

    Linguagem emGadamer s

    possvel no dilogo, oqual nos permite ir aoencontro de nossa

    prpria humanidade, eseu conceito de

    solidariedadeencontra-se

    intimamente ligado aessa perspectiva.

    Contudo, para investigarmos o conceitode solidariedade em Gadamer temos de

    levar em conta o sentimento deesperana que o terico nutre em relaoaos problemas que o homem modernosofre, os quais apontam objetivamente

    para resultados catastrficos quecomprometem nosso modo de vida. Oque resumido pelo hermeneuta numaentrevista agncia alem DPA: Quersaber uma coisa? O que eu penso no to importante. A nica frase que querodefender sem nenhuma restrio queos seres humanos no podem viver semesperana. (apud VATTIMO, 2002, p.01).

    2. Diagnstico gadameriano sobre o

    planejamento do futuro

    Data de 1965, um dos ensaios deGadamer que compe o segundo volumeda obra Verdade e Mtodo. O ensaiointitula-se: Sobre o Planejamento do

    Futuro. Serviremo-nos das reflexesapresentadas pelo terico nesse ensaio para num momento seguintedestacarmos a necessidade de uma

    prxis solidria na perspectivahermenutica. Gadamer est convencidode que, bem mais do que o significativo

    progresso pelo qual tem passado ascincias da natureza, foi aracionalizao de seu emprego tcnico-cientfico, que produziu essa nova fase

    da revoluo industrial em que nos

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    encontramos. (2004, p. 182-183).Dessa forma, o que passa a sercaracterstica marcante de nossa poca,mais do que o exagerado domnio da

    natureza, o desenvolvimento demtodos cientficos de controle para avida da sociedade. (GADAMER, 2004,

    p. 183). Tal caracterstica constitui-senum momento vitorioso da cinciamoderna, o qual resulta de um processoiniciado no sculo XIX, e agora seapresenta como fator social

    predominante. Acontece em nossapoca, portanto, um apoderamento detodos os mbitos da prxis social, por

    parte do pensamento cientfico: ainvestigao cientfica do mercado, aconduo cientfica da guerra, a cinciada poltica externa, o controle cientficoda natalidade, a cincia para a conduoda vida humana, conferem aoespecialista em economia e sociedadeum lugar central. (GADAMER, 2004,

    p. 183).

    Gadamer chama ateno para a questo

    da ordem mundial. Para o autor, nossapoca no pode mais crer na ideia deuma ordem instituda, mas na

    possibilidade de planejamento e criaode uma ordem no instituda, ou seja,

    para alm da estaticidade erepresentao racional de ordem. Nessesentido, o filsofo apresentaquestionamentos fundamentais:

    Ser possvel pensar a ideia de umaordem poltica determinada que nosuscite idias contrrias? Ser possvel pensar ideias polticas deordem que favoream a uma ououtra das potncias polticasexistentes, de tal modo que seufavorecimento implique odesfavorecimento das outras? Serque se deve dizer que a existnciadesses antagnicos interesses depoder constitui uma desordem? Nosero eles a prpria essncia da

    ordem poltica? (2004, p. 185).

    A passagem acima merece umcomentrio. Ela nos ajuda a perceber emque direo vai a crtica gadameriana eque discusso o hermeneuta quer

    despertar. No ensaio, anteriormente essa passagem, Gadamer diz: Sabemosque, mesmo sendo desejo de todos, noexiste uma ordem mundial entre os

    povos. (2004, p. 183). O autor procuraalertar para a pretenso de ordemmundial impulsionado pelos ideaisdominadores da razo cientfica. Nessesentido o alerta de Gadamer nos ajudano entendimento de que estamos aindamuito distantes de ter alcanado uma

    conscincia comum no sentido de queo que est em jogo o destino de todossobre esta terra em que ningum podesobreviver semelhana do queacontece com a insensata utilizao dearmas de destruio atmica j que ahumanidade, ao longo, de, talvez, muitase muitas crises e muitas experinciasdolorosas no consegue encontrar pornecessidade uma nova solidariedade.

    Ningum sabe quanto tempo ainda nosresta. Porm, quem sabe, saudvelrecordar o princpio: nunca muitotarde para a razo. (1983, p. 55). Assim, necessrio um olhar para o que comumente visto e vivenciado entre ns:a realidade na qual no h ordem ou

    postura pretendida que no sugiracontrariedades. Fechar os olhos a talrealidade o que motiva ideais polticosa favorecerem determinadas potncias.

    A diversidade do modo de ser humano o que determinada nossa essncia como pessoas. Contrariedade e pontos devistas diversos so marcas permanentesde nossas vises de mundo e pretensesde organizaes. A preocupao deGadamer vai em direo da naturezainacordvel dos divergentes interessesem relao a uma ordem poltico-econmica, a qual no pode ser tomadacomo algo negativo. Como sugere o

    prprio autor, a conscincia da

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    desordem talvez seja o ponto de partida para os planejamentos futuros. Dessaforma, deve-se entender que interessesantagnicos, e desordens poltico-

    econmicas, so prprios da nossacondio humana, assim, ao invs deorientar supremacia, deveria suscitar odilogo e entendimento mtuo.Precisamos, portanto, operar com a

    pretenso de superao da ideia de quedeterminadas por tantos pontos de vistadiversos, parece impossvel quedeterminada idia poltica de ordemconsiga alcanar unanimidade geral.(GADAMER, 2004, p. 186). O que

    parece impossvel de realizao segundoGadamer, a pretenso racionalizada de

    pensar a totalidade da ordem mundialcomo puro e simples objeto de

    planificaes racionais. Contrariamente,pensar uma ordem mundial que confiradireitos a todos, deve levar emconsiderao, a profunda tensoexistente entre autoridade da cincia, deum lado; e as formas de vida dos povos,cunhadas pela religio, usos e costumesda tradio, de outro.1 (GADAMER,2004, p. 186).

    Os ideais relacionais encontram-seaprisionados ao giro cego comum ao

    1 Conforme Gadamer, conhecemos essa tenso,por exemplo, pelos contatos estabelecidos entreantigas culturas da sia ou forma de vida dosassim chamados pases subdesenvolvidos com acivilizao europeia. Todavia, essas culturas

    representam apenas um caso particular de uma problemtica mais abrangente. No me pareceque a questo mais premente seja como se h deconciliar as civilizaes europeias com tradiesestrangeiras de pases distantes e chegar a umequilbrio fecundo, mas como se deve, em nossoprprio solo cultural, avaliar o significado desse processo civilizatrio possibilitado pela cinciae concili-lo com as tradies religiosas emorais de nossa sociedade. Pois esse naverdade o problema da ordem mundial que hojenos ocupa. O sucesso civilizatrio da cinciaeuropeia fez com que esse problema fosse

    colocado em todas as partes com a mesmaradicalidade. (2004, p. 186-187).

    mtodo cientfico. Nesse mbito prevalecem possibilidades de controlecientfico das coisas. Dito de outraforma, a tendncia imanente do prprio

    pensamento cientfico precisamentetornar suprflua e relegar a umaprofunda inconscincia, a pergunta pelosfins, mediante a tendncia crescente de

    progresso, assumida como obteno econtrole de recursos. (GADAMER,2004, p. 188). Em sentido estrito, a

    pergunta pelo ordenamento de nossomundo deve superar a estaticidadecientfica e focar o diferente. Assim,

    planejar o futuro significa antes de tudo,

    superar a monologia moderna, o que emoutras palavras indica precisamenteabandono da pergunta cientfica comofundamento para vida social.

    Gadamer trata ainda do papel da tcnicano mundo moderno, e alerta para sua

    principal caracterstica: a de no existirem vista de si mesma, nem por causa deum objeto a ser produzido que tivesseseu fim em si mesmo; [sendo que], o

    modo e a aparncia do objeto a ser produzido dependem [necessariamente]do uso a que se destina. (GADAMER,2004, p. 189). Os procedimentos esaberes tcnicos expropriam oscriadores, e os resultados de seustrabalhos fogem a seu controle. No

    possvel mapear o uso devido ouindevido das criaes: eles tero sempreum, o qual ser aquele que favorecer aossistemas dominantes. Nessas condies,

    o mundo moderno, nada mais que umatrama hierrquica dessas estruturas demeios e fins, no qual surge naturalmentea idia de uma tkne superior, ou saberespecfico que conhece o empregocorreto de todo saber especfico, umaespcie de saber rgio: a tkne poltica(GADAMER, 2004, p. 189-190).

    Gadamer acredita que a superao dascondies tcnico-cientficas em que se

    encontram a prxis social se d pela

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    retomada de condies que nosdeterminam a priori. A final de contass nestas condies se faz possvelconsiderar experincias originalmente

    humanas. Em Gadamer o que determinao ser humano em sua essncia alinguagem, ela o centro do serhumano, quando considerada no mbitoque s ela consegue preencher: o mbitoda convivncia humana, doentendimento, do consenso crescente,to indispensvel vida humana como oar que respiramos. Lembra-nos ohermeneuta: realmente o homem serque possui linguagem, segundo a

    afirmao de Aristteles. Assim, tudoque humano deve poder ser dito entrens (2004, p. 182). A linguagemcompreendida para alm de um sistemade signos que pode ser criadoartificialmente realiza-se e efetiva-sevinculada diretamente s tradiesvivas, especificamente onde se encontraa humanidade em sua historicidade:isso garante a toda vida da linguagemuma finitude interna [...] inalienvel dohomem (GADAMER, 2004, p. 200). Alinguagem em Gadamer o universo deonde tudo emana de forma dialgica edinmica, o terreno frtil para que se

    ponha em aberto o homem em suafinitude e pluralidade. Portanto, emnosso mundo globalizado, faz-senecessrio o cultivo de uma conscinciaque ao Pensar uma prxis solidria emnossa sociedade exige de antemo que

    ao invs de superar as diferenas em busca de unicidade, consiga ver nas prprias diferenas de nosso mundo asada para uma ordem respeitosa edialgica. Como nos diz Gadamer,

    preciso que ns como seres humanos,entendamos que no so apenas asdiferenas de desenvolvimentoeconmico e tecnolgico o que divide os

    povos e que no apenas sua superaoque ir uni-los, mas que so justamente

    as diferenas insuperveis entre eles,

    suas diferenas naturais e histricas, quenos ligam como seres humanos (2004, p.201).

    3. O ideal gadameriano de

    solidariedade

    Verdade e mtodo sugere em vriosmomentos noes de solidariedade.Considero ainda A razo na poca dacincia uma obra com um potencialsignificativo para contribuir com asinterpretaes possveis sobre a noode solidariedade em Gadamer. Junto aisso se juntam as diversas entrevistasdadas pelo filsofo a diferentes

    peridicos cujo tema da solidariedade ea preocupao constante com a

    possibilidade de uma catstrofe planetria, so temas determinantes.2 No ser objetivo nosso neste trabalhoinvestigar a todas essas fontessistematicamente. Conscientes de que otrabalho possui um carter propeduticolimitamo-nos a apresentar algumas notasimportantes quando se pretende refletirsobre a noo de solidariedade em

    Gadamer.Em Gadamer a tradio existe a partir deacordos profundos estruturados

    2 Conforme Lawn, em muitas das entrevistascom Gadamer em assuntos de poltica, tica e domundo dos negcios o tema da solidariedade frequentemente discutido. Lawn sugere aindaque significantemente durante o perodo ps-1960, as referncias tradio, ocupando um papel importante em Verdade e mtodo,

    parecem ter desaparecido do lxico. Isso dlugar sugesto de que a ideia da solidariedadese transforma numa substituio para atradio inicial, ou numa maneira deamplificar e expandir sobre ela. De muitasmaneiras, a sugesto de uma mudana de uma para a outra tem certa plausibilidade lgica. Atradio, como j foi definida, o condutoatravs do qual fluem os elementos centrais davida social, conectando o passado ao presente eao futuro. Toda interpretao acontece contra opano de fundo de uma tradio constantementeem mudana, e ainda assim a tradio em si

    baseada em acordos profundos, e seria possveligualar tais com uma forma de solidariedade.

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    implicitamente, nesse sentido, alinguagem e a histria so sinnimos datradio. (LAWN, 2007, p. 140).Consequentemente, linguagem e histria

    pressupem formas de solidariedade. Naperspectiva hermenutica, solidariedade perpassa a simples ideia de um acordoimplcito que compe o pano de fundoda existncia, ela muitas vezes partede uma agenda de aspiraes polticas eticas para o futuro. (LAWN, 2007, p.141). Gadamer acredita que a superaode posturas utilitaristas que ameaamconstantemente a vida humana, pode ser

    possvel com o suscitar de uma

    conscincia da solidariedade, o queincide na superao de um problema depercepo que pode ser muito bemtraduzido pela falta de viso [...] dooutro no s de seu par, mas de todosos outros seres vivos falta de dilogo,[...] de noo de unicidade.(DEMOLINER; SARLET, 2008, p. 03).O filsofo acredita encontrarmo-noscegos no interior de uma superexcitadasequncia de progresso de civilizaotcnica, deixando passar pordespercebidos elementos estveis eimutveis de nossa convivncia social.Assim poderia surgir com o despertar deuma conscincia de solidariedade, umahumanidade que lentamente comearia aentender a si mesma, ou seja, que estreciprocamente vinculada, tanto no quediz respeito ao seu florescimento, como sua decadncia, e que tem que

    solucionar o problema de sua vida sobreo planeta. (GADAMER, 1983, p. 55).

    O sentido hermenutico de solidariedadesurge em Gadamer com um sentidoutpico de esperana. Diz o filsofo:

    [...] naturalmente, tenho f que afutura sociedade pode experimentaruma nova solidariedade: vejo certostraos do mundo latino, que, comuma assombrosa capacidade deresistncia, se defende da febre

    industrial de ganho, uma alegria da

    vida natural que encontramos nospases do sul como uma espcie dedemonstrao da existncia de umcentro mais estvel de felicidade ede capacidade de satisfao dohomem. (GADAMER, 1983, p. 55-56).3

    Experimentar uma nova solidariedadesignifica, portanto, criar novas sadas,explorar novos recursos e recursos jexistentes que ajude a humanidade asalvar a si mesma. A busca pelorompimento com a monologia modernae superao de ideais de dominao,exige ateno ao dilogo hermenutico e

    ao respeito aos seres humanos: trata-senecessariamente de repensar o conceitode prxis social. Gadamer procuraalertar para uma interdependnciahumana em sentido profundo: noexistem ideais particularizados, o queexiste so ideais comuns,interdependentes, responsveis de formacomum pela forma de vida humana e

    pelo planeta em que vivemos. Dessaforma, para o hermeneuta, prxis

    [social] comportar-se e atuar comsolidariedade. A solidariedade,entretanto, a condio decisiva e a

    base de toda razo social.(GADAMER, 1983, p. 56). Nessecontexto, a produtividade do conceitogadameriano de solidariedade justifica-se por estar profundamenteemaranhado na malha (tradio) da vidasocial e oferecer uma esperana maisrealista para a expanso das formas de

    3 Na sequncia a esse trecho Gadamer nos lanaalguns questionamentos pertinentes. Sua preocupao e pergunta fundamental se nasgrandes culturas estrangeiras, que agora so, pouco a pouco, recobertas tecnicamente pelacivilizao europia-americana, isto a China, oJapo e ndia, sobretudo, no continuamsobrevivendo, sob o manto europeu e o Jobamericano, algo da tradio religiosa e social desua cultura milenar que, talvez, na atual situaode necessidade possa despertar a conscincia de

    novas solidariedades conjuntas e obrigatrias,faam falar a razo da prtica. (1983, p. 56).

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    mutualidade e do comum, nas quais asolidariedade em si depende. (LAWN,2007, p. 145). O conceito hermenuticode solidariedade4 cunhado por Gadamer

    posiciona-nos de forma crtica emrelao s estruturas intelectuais, polticas, econmicas da sociedadecontempornea. Orienta-nos a relaeshumanas pautadas no dilogohermenutico, nas quais, as diferentesvozes possuem, em sua singularidade, odireito de vir tona sem qualquer

    pretenso de sufocamentos ousuperioridade.

    Solidariedade , portantoresponsabilidade recproca. Devemotivar os seres humanos a olharemsuas condies materiais (historicidade,tradio, corporeidade, ecossistema,terra, universo), e suas condiesimateriais (o eu, ou outro, a razo,os conceitos, o conhecimento), eentenderem-se como responsveis uns

    pelos outros e todos pela Terra. Comodiz Gadamer: h uma frase de

    Herclito, o filsofo que chora: o logos comum a todos, porm os homens secomportam como se cada um tivesse oseu (1983, p. 56). A razo comolinguagem viva pertence a todos, e s a

    4 Segundo Almeida, do ponto de vista danomenclatura a expresso solidariedadecertamente foi popularizada, a partir da dcadade oitenta, pelo Sindicato Solidariedade(Solidarnosc) da Polnia. No podemos

    esquecer que, no mesmo perodo, em 1978, umpolons, Karol Wojtyla, foi eleito para a IgrejaCatlica, assumindo o nome de Joo Paulo II.Uma de suas primeiras encclicas justamenteSolicitudo Rei Socialis. Ali a doutrina socialda Igreja Catlica nitidamente construda a partir do conceito de solidariedade que definido como a determinao firme eperseverante de se empenhar pelo bem comum;ou seja, pelo bem de todos e de cada um, porquetodos ns somos verdadeiramente responsveis por todos. Seguindo essa linha poderamosdefinir a solidariedade como determinao

    pessoal de responsabilidade mtua. (2007, p.68).

    conscincia da interdependncia humanano seio da linguagem pode nosdirecionar superao das condies dedominao, comuns sociedade

    contempornea. Atuar comsolidariedade , pois, saber dasinsuperveis diferenas que possumoscomo povos, culturas e pessoas, e rumarem busca de um cuidado mtuo esolidrio constante.

    Referncias

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