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O Abê no Maracatu O abê (ou Agbê ou Chequerê) é um instrumento de percussão à maneira de um chocalho. É formado por uma cabaça revestida por uma malha de contas. Toca-se o abê segurando na cabaça e balançando-a de um lado a outro fazendo com que a malha de contas repercuta na parte externa da cabaça. Ultimamente têm-se notado uma quantidade crescente desse instrumento nos conjuntos percussivos do maracatu, tanto em alguns grupos tradicionais quanto em grupos de percussão que utilizam por vezes o ritmo do maracatu. O abê tem rapidamente ganhado espaço entre os instrumentos tradicionais do maracatu: Alfaia, Caixa, Ganzá e Gonguê. Por suas variadas cores, seu ritmo forte, sua sonoridade poderosa e a necessidade de se dançar um bocado ao tocá-lo, o abê é sem dúvida um instrumento capaz arrebatar o público (e o instrumentista) por suas qualidades. Porém, a utilização do abê como instrumento participante de um baque de maracatu não é uma prática das mais inspiradas e a idéia de inserir o instrumento na tradição do maracatu não é uma idéia que podemos chamar de interessante. Historicamente, o abê nunca fez parte de um conjunto de maracatu. Originário da África e chegando ao Brasil pelas habilidosas mãos dos negros escravos, o abê se firmou como instrumento imprescindível dos grupos de afoxé de Salvador, Bahia - herança de sua utilização em afoxés ainda na África. Até o final da década de 1980, o abê não era um instrumento popular no estado de Pernambuco. É nessa época que o afoxé começa a se tornar comum no carnaval de Recife. São criados então vários grupos que hoje mantém maravilhosamente bem essa tradição. Anos mais tarde (mais precisamente no carnaval de 1997) dois tradicionais maracatus de Recife colocam o abê entre seus instrumentos. A partir de então, outros copiam a iniciativa e também inserem o abê em suas orquestras. Tal inserção pode ser compreendida: Ao se disputar um título na avenida, os grupos tentam chamar a atenção dos jurados colocando elementos novos e inusitados em seus quadros. Isso acontece não só na percussão, mas também na dança, nas fantasias e adereços, nas evoluções dos brincantes, enfim, em tudo o que possa garantir um ponto a mais na contagem final. A desvirtuação não acontece apenas no ponto de vista histórico, sonoramente a inserção do abê no maracatu é ainda mais complicada. O ritmo do maracatu tem como principal característica o contratempo bem marcado na segunda semicolcheia de alguns tempos de seus compassos. Esse contratempo pode ser notado em todos os instrumentos e em vários desenhos rítmicos da grande maioria das variações (senão todas) que compõe a música do maracatu. Exemplificamos musicalmente com a escrita de algumas variações comuns encontradas nos toques dos maracatus nas alfaias, a frase mais típica do gonguê e uma frase básica da caixa. Os sinais “>” nas partituras indicam esses contratempos - notas fortes deslocadas de sua posição mais óbvia. Esses contratempos são tão importantes que é justamente pela existência deles que podemos reconhecer um maracatu como tal. Maracatu Lua Nova http://www.maracatuluanova.com.br/artigos/Abe.htm 1 de 3 23/10/2009 08:03

O Abê no Maracatu

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O Abê no Maracatu

O abê (ou Agbê ou Chequerê) é um instrumento de percussão à maneira deum chocalho. É formado por uma cabaça revestida por uma malha decontas. Toca-se o abê segurando na cabaça e balançando-a de um lado aoutro fazendo com que a malha de contas repercuta na parte externa dacabaça.

Ultimamente têm-se notado uma quantidade crescente desse instrumentonos conjuntos percussivos do maracatu, tanto em alguns grupos tradicionaisquanto em grupos de percussão que utilizam por vezes o ritmo do maracatu.O abê tem rapidamente ganhado espaço entre os instrumentos tradicionaisdo maracatu: Alfaia, Caixa, Ganzá e Gonguê.

Por suas variadas cores, seu ritmo forte, sua sonoridade poderosa e anecessidade de se dançar um bocado ao tocá-lo, o abê é sem dúvida uminstrumento capaz arrebatar o público (e o instrumentista) por suasqualidades.

Porém, a utilização do abê como instrumento participante de um baque demaracatu não é uma prática das mais inspiradas e a idéia de inserir oinstrumento na tradição do maracatu não é uma idéia que podemos chamarde interessante.

Historicamente, o abê nunca fez parte de um conjunto de maracatu.Originário da África e chegando ao Brasil pelas habilidosas mãos dos negrosescravos, o abê se firmou como instrumento imprescindível dos grupos deafoxé de Salvador, Bahia - herança de sua utilização em afoxés ainda naÁfrica. Até o final da década de 1980, o abê não era um instrumento popularno estado de Pernambuco. É nessa época que o afoxé começa a se tornarcomum no carnaval de Recife. São criados então vários grupos que hojemantém maravilhosamente bem essa tradição.

Anos mais tarde (mais precisamente no carnaval de 1997) dois tradicionaismaracatus de Recife colocam o abê entre seus instrumentos. A partir deentão, outros copiam a iniciativa e também inserem o abê em suasorquestras.

Tal inserção pode ser compreendida: Ao se disputar um título na avenida, osgrupos tentam chamar a atenção dos jurados colocando elementos novos einusitados em seus quadros. Isso acontece não só na percussão, mastambém na dança, nas fantasias e adereços, nas evoluções dos brincantes,enfim, em tudo o que possa garantir um ponto a mais na contagem final.

A desvirtuação não acontece apenas no ponto de vista histórico,sonoramente a inserção do abê no maracatu é ainda mais complicada.

O ritmo do maracatu tem como principal característica o contratempo bemmarcado na segunda semicolcheia de alguns tempos de seus compassos.Esse contratempo pode ser notado em todos os instrumentos e em váriosdesenhos rítmicos da grande maioria das variações (senão todas) quecompõe a música do maracatu.

Exemplificamos musicalmente com a escrita de algumas variações comunsencontradas nos toques dos maracatus nas alfaias, a frase mais típica dogonguê e uma frase básica da caixa.

Os sinais “>” nas partituras indicam esses contratempos - notas fortesdeslocadas de sua posição mais óbvia. Esses contratempos são tãoimportantes que é justamente pela existência deles que podemos reconhecerum maracatu como tal.

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Obs. M.D. se refere à mão direita, M.E. à mão esquerda

Note-se que na maioria das vezes os contratempos soam no mesmo lugar ena segunda semicolcheia do terceiro tempo todos os contratempos seencontram. (como indica a marcação abaixo).

Porém, se compararmos as variações com a frase do abê, que tem seu ritmoprincipal caracterizado pela acentuação nos tempos fortes (e não emcontratempos como no maracatu) vamos notar que suas acentuações nãobatem com as acentuações em contratempo dos demais ritmos, comomostra o exemplo abaixo (as marcações indicam os tempos fortes do abê).

No entanto, se compararmos as acentuações do abê com as acentuações doijexá, ritmo mais presente nos afoxés, notaremos que suas acentuações seencaixam perfeitamente.

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encaixam perfeitamente.

Nota-se, portanto que o abê se presta perfeitamente a acompanhar umritmo de ijexá, mas não se adapta ao ritmo do maracatu. Na prática, issosignifica que o ritmo do maracatu caracterizado pelos contratempos perdemuito pela intervenção do abê realizando um ritmo marcado pelasacentuações nas cabeças dos tempos. A conclusão disso é que em maracatusque utilizam o abê, a sonoridade tem uma resultante mais dura, maisquadrada, quebrando assim toda a flexibilidade e a ginga do ritmo originaldos maracatus de baque virado.

Além disso, o abê tem uma freqüência muito alta, o que atrapalha aindamais a compreensão das letras das músicas pelo público, já dificultada pelapotência sonora das alfaias e caixas. Logicamente no caso de umaapresentação onde se pode contar com microfones de palco ou carros desom, isso não tem a menor importância, mas num cortejo acústico, modotradicional de apresentação do baque virado, isso não é só um detalhe vistoque as letras do maracatu dizem muito da história das tradições e dascaracterísticas dessa manifestação.

Mesmo assim, grupos de maracatuzeiros continuam enchendo as percussõesdo baque virado com seus abês com as cores do time do coração, as coresdo maracatu preferido ou as cores da Jamaica.

André Salles-Coelho

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