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UNIJUÍ UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL CURSO DE MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO, GESTÃO E CIDADANIA TELMO DA SILVA VASCONCELOS O ACESSO AOS CARGOS, EMPREGOS E FUNÇÕES PÚBLICAS E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NA GESTÃO PÚBLICA BRASILEIRA Ijuí (RS) 2006

O ACESSO AOS CARGOS, EMPREGOS E FUNÇÕES … · telmo da silva vasconcelos o acesso aos cargos, empregos e funÇÕes pÚblicas e os princÍpios constitucionais na gestÃo pÚblica

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  • UNIJU UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO

    DO RIO GRANDE DO SUL

    CURSO DE MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO, GESTO E CIDADANIA

    TELMO DA SILVA VASCONCELOS

    O ACESSO AOS CARGOS, EMPREGOS E FUNES PBLICAS E OS

    PRINCPIOS CONSTITUCIONAIS NA GESTO PBLICA

    BRASILEIRA

    Iju (RS)

    2006

  • UNIJU UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO

    DO RIO GRANDE DO SUL

    TELMO DA SILVA VASCONCELOS

    O ACESSO AOS CARGOS, EMPREGOS E FUNES PBLICAS E OS

    PRINCPIOS CONSTITUCIONAIS NA GESTO PBLICA

    BRASILEIRA

    2006

  • TELMO DA SILVA VASCONCELOS

    O ACESSO AOS CARGOS, EMPREGOS E FUNES PBLICAS E OS

    PRINCPIOS CONSTITUCIONAIS NA GESTO PBLICA

    BRASILEIRA

    Dissertao apresentada ao Curso de Ps-Graduao Stricto-Sensu em Desenvolvimento, Gesto e Cidadania

    Mestrado, rea de Concen-trao: Direito, Cidadania e Desenvolvimento, da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul

    UNIJU, para obteno do Grau de Mestre em Desenvolvimento, Gesto e Cidadania.

    Orientadora: Doutora Raquel Fabiana Sparemberger

    Iju (RS)

  • A Banca Examinadora abaixo-assinada aprova a Dissertao:

    O ACESSO AOS CARGOS, EMPREGOS E FUNES PBLICAS E OS

    PRINCPIOS CONSTITUCIONAIS NA GESTO PBLICA

    BRASILEIRA

    elaborada por

    TELMO DA SILVA VASCONCELOS

    como requisito parcial para obteno do Grau de Mestre em Desenvolvimento,

    Gesto e Cidadania, rea de Concentrao: Direito, Cidadania e Desenvolvimento.

    Iju (RS), .... de.......... de 2006.

    _________________________________ Dra Raquel Fabiana Sparemberger Orientadora

    _________________________________ Dr. Examinador

    _________________________________ Dra

    Examinadora

  • AGRADECIMENTOS

    Aos meus pais, pelo passado e presente.

    Carolina, pelo futuro.

    Marlizi, pela presena.

    Professora e orientadora Raquel

    Sparenberger, coragem e confiana absolutas.

    Ao povo da nossa terra, que nos permite

    as luzes enquanto vive na escurido.

  • E eu, na solido do meu rancho, s

    aprendi a fazer garranchos, pra votar nesse

    Senhor [...]

    (CONSELHOS, de Marco Aurlio Vasconcelos e Kenelmo A. Alves)

  • RESUMO

    Este trabalho analisa a questo da forma de acesso aos cargos, empregos e funes pblicas no Brasil. Busca a anlise histrica do regramento constitucional do tema em conjunto com a anlise da conjuntura da poca de cada texto constitucional. Tambm busca a anlise do atual regramento constitucional e das espcies de acesso, tais como os concursos pblicos, cargos em comisso, contratos por prazo determinado e ainda as formas de terceirizao dos servios pblicos, sempre com vistas ao processo de privatizao dos espaos pblicos, que resultam em uma prestao de servios pblicos de baixa qualidade e eficcia. Ainda busca analisar a evoluo conceitual e objetiva das formas de administrao pblica que foram implementadas no Pas, notadamente a administrao patrimonial, com especial relevo ao fenmeno do coronelismo; a administrao burocrtica, na matriz weberiana, e a administrao gerencial, culminando em uma tentativa de se obter um caminho prprio a ser construdo para a efetivao de uma administrao que possa enfrentar os dilemas de sua ineficincia frente aos candentes reclames de uma sociedade cada vez mais desigual.

    Palavras-chave: Cargos pblicos. Constituio. Administrao pblica. Patrimonialismo. Coronelismo. Burocracia. Administrao Gerencial.

  • RESUMEN

    Este trabajo analiza la forma de acceso a los cargos, empleos y funciones pblicas en Brasil. Busca analizar histricamente el reglamento constitucional del tema en conjunto con el anlisis de la coyuntura de la poca de cada texto constitucional. Tambin busca analizar el actual reglamento constitucional y las especies de acceso, tales como los concursos pblicos, cargos en comisin, contratos a plazo y, adems, las formas de tercerizacin de los servicios pblicos, siempre con vista al proceso de privatizacin de los espacios pblicos, que resultan en una prestacin de servicios pblicos de baja calidad y eficacia. Tambin busca analizar la evolucin conceptual y objetiva de las formas de administracin pblica que fueron implementadas en el Pas, notadamente la administracin patrimonial, con especial atencin al fenmeno del coronelismo ; la administracin burocrtica, en la matriz weberiana, y la administracin gerencial, culminando en una tentativa de obtener un camino propio a ser construido para la puesta en prctica de una administracin que pueda enfrentar los dilemas de su ineficiencia frente a los candentes reclamos de una sociedad cada vez ms desigual.

    Palabras llave: Cargos pblicos. Constitucin. Administracin pblica. Patrimonialismo. Coronelismo . Burocracia. Administracin Gerencial.

  • SUMRIO

    INTRODUO...............................................................................................................009

    1 A OCUPAO DE CARGOS, EMPREGOS E FUNES PBLICAS NO BRASIL

    1.1 Apanhado Histrico...............................................................................................012

    1.2 As Constituies Republicanas.............................................................................021

    2 A ATUAL DIMENSO LEGAL DA ADMINISTRAO PBLICA BRASILEIRA

    2.1 O Princpio Constitucional da Acessibilidade aos Cargos Pblicos e as Hipteses Constitucionais de Admisso.......................................................036

    2.2 O Princpio Constitucional da Legalidade e as Formas Originrias e Derivadas de Admisso.......................................................................................043

    2.3 O Princpio Constitucional da Impessoalidade e a Privatizao dos Espaos Pblicos....................................................................................................052

    2.4 O Princpio Constitucional da Moralidade e o Nepotismo................................063

    2.5 As Terceirizaes e a Precariedade das Relaes Pblicas de Trabalho..........071

    3 A ADMINISTRAO PBLICA A CAMINHO DA CIDADANIA 3.1 Introduo..............................................................................................................080

    3.2 O Patrimonialismo.................................................................................................081

    3.2.1 O Coronelismo..............................................................................................084

    3.3 Administrao Burocrtica..................................................................................089 3.4 Administrao Gerencial......................................................................................094

    CONSIDERAES FINAIS.........................................................................................098

    REFERNCIAS..............................................................................................................102

  • INTRODUO

    A histria do Estado brasileiro a histria da apropriao privada do pblico. Desde

    sempre, na sua evoluo, o Estado brasileiro esteve e est nas mos de grupos de presso e de

    poder que se locupletam dessa promiscuidade que mantm com o Estado, ocupando os seus

    espaos de atuao para satisfao de seus mais mesquinhos interesses privados.

    Um dos exemplos mais gritantes dessa realidade a forma como se deu,

    historicamente, a ocupao dos cargos, empregos e funes pblicas.

    Nos primrdios do descobrimento, nos rudimentos da formao do Estado, com a

    instituio de algumas estruturas bsicas, inicia-se a correlao entre o pblico e o privado no

    Brasil.

    J na formao do Estado, a coroa portuguesa no dispunha, considerando-se o carter

    meramente mercantilista de sua empreitada, de recursos financeiros e humanos para fazer

    frente imensa tarefa de adentrar o continente e ocup-lo, lanando sobre os moradores o

    poder do aparato arrecadatrio e repressor do Estado. Tal tarefa somente pde ser levada a

    efeito pela mo do empreendedor privado, a quem foram transferidas as mais comezinhas

    funes pblicas para que, em nome do Estado, agisse e nele se locupletasse, instituindo

    sistemas de poder e manuteno.

  • 10

    Assim at a proclamao da Repblica, com um Estado e uma administrao

    patrimonialistas, cujo poder pblico, por transferncia, exercido pelos potentados rurais,

    configurando um fenmeno caracterstico da sociedade brasileira: o coronelismo.

    O coronel assumia e, por delegao, distribua os cargos pblicos no interior do pas,

    formando um grupo de dependentes de seu poder e influncia, que lhe devotavam reverncia

    e, principalmente, votos.

    A primeira tentativa de controle do patrimonialismo ocorre com a instituio de uma

    administrao pblica burocrtica, de inspirao weberiana, em meados do sculo XX, que,

    em vrios de seus aspectos, permanece at hoje.

    A administrao burocrtica forjada em um amplo sistema de controle e na alocao

    da tcnica nas funes pblicas em substituio pura poltica.

    Assim, a administrao burocrtica transformou-se em um imenso ser a ocupar o

    interior do Estado e, sem muito tardar, tambm ela tratou de instituir seus sistemas prprios de

    poder e manuteno, atravs da apropriao dos segredos e da exclusividade do exerccio das

    tcnicas.

    Efetivamente a administrao burocrtica teve vrios aspectos importantes para o

    fortalecimento das instituies republicanas, e ainda os tem, mas o mundo mudaria com um

    segundo conflito mundial do qual surgiria uma conjuno de idias de uma maior efetividade

    das aes estatais no sentido de prover o cidado dos denominados direitos sociais.

    Surge ento a diretriz gerencial da administrao pblica.

    Como o Estado brasileiro encontrava-se, e ainda encontra-se, inchado e muito

    burocratizado, e a agilidade dos tempos modernos estava a exigir mudanas na forma de ao

  • 11

    para o atingimento dos reclames pblicos; para tanto, houve a importao do paradigma

    gerencial formado na administrao privada, focado nos resultados, na transferncia e diviso

    de atribuies e na busca incessante da qualidade dos servios prestados, com uma

    redistribuio de competncias e maior maleabilidade, especialmente nas formas de

    recrutamento dos servidores pblicos.

    No havendo uma definio cristalina de qual o modelo de administrao pblica que

    melhor se adaptaria ao Estado brasileiro e que lhe possibilitaria prestar seus servios com

    padres mnimos de qualidade, velocidade e custos, essa questo ainda est para ser

    construda em nossa administrao e, para tanto, tambm se faz necessrio o conhecimento de

    todas essas etapas anteriores, suas caractersticas fundamentais e seus institutos principais.

    Para tanto, o primeiro captulo faz uma retrospectiva do tratamento constitucional da

    matria de admisso de servidores, abordando os principais aspectos de cada texto

    constitucional.

    O segundo captulo enfrenta a atual dimenso legal da administrao, considerando,

    principalmente, a devida observncia dos princpios constitucionais regedores, postos pela

    Constituio Federal de 1988 e vinculativos para todos os atos da administrao pblica.

    Em seu terceiro captulo, o trabalho visa compreender a evoluo das formas de

    administrao pblica que tivemos, desde a Colnia at o presente, abrangendo a

    administrao patrimonialista, a burocrtica e a gerencial, com suas principais caractersticas,

    buscando, ainda, vislumbrar uma forma de administrao pblica adequada s nossas

    peculiaridades.

    Esse o mote do trabalho que desenvolvido, com anlise histrica, com estudo da

    atualidade do tratamento constitucional do tema e com uma perspectiva de futuro.

  • 12

    1 A OCUPAO DE CARGOS, EMPREGOS E FUNES PBLICAS NO BRASIL

    1.1 Apanhado Histrico

    A anlise do histrico brasileiro na ocupao dos cargos, empregos e funes pblicas

    deve ser realizada levando-se em conta as circunstncias histricas da evoluo de nossa

    sociedade, desde a ocupao inicial do territrio por parte dos descobridores at os nossos

    dias com sua conformao institucional e constitucional plenamente estabelecida.

    Para tanto, deve-se iniciar com uma anlise retrospectiva da evoluo do tema desde o

    descobrimento at a outorga da Constituio Monrquica.

    Efetivamente a ocupao do territrio brasileiro iniciou com a instituio do sistema

    de capitanias hereditrias ainda no perodo colonial e, para que melhor se possa compreender

    tal sistema, h que se ter compreenso do sentido, das circunstncias inaugurais da

    colonizao do Brasil.

  • 13

    As aventuras ultramarinas dos europeus resultaram no descobrimento de um

    territrio continental, de enorme tamanho e povoado por nativos considerados, pelos padres

    culturais europeus, pouco evoludos.

    As circunstncias que detonam esse processo so basicamente econmicas, como se

    pode apurar consultando uma das obras fundantes da conscincia nacional: Formao do

    Brasil Contemporneo: Colnia, de Caio Prado Jnior, a saber:

    Tudo que se passa so incidentes da imensa empresa comercial a qual se dedicam os pases da Europa a partir do sc. XV, e que lhes alargar o horizonte pelo Oceano afora. Na tem outro carter a explorao da costa africana e o descobrimento e colonizao das Ilhas pelos portugueses, o roteiro das ndias, o descobrimento da Amrica, a explorao e ocupao de seus vrios setores. este ltimo o captulo que mais nos interessa aqui; mas no ser, em sua essncia, diferente dos outros. sempre como traficantes que os vrios povos da Europa abordaro cada uma daquelas empresas que lhes proporcionaro sua iniciativa, seus esforos, o acaso e as circunstncias do momento em que se achavam. (1999, p. 22-23)

    Com o carter unicamente extrativista de sua empresa, o colonizador portugus no

    tinha qualquer inteno ou possibilidade de se estabelecer com nimo de permanncia, como

    foi o caso da colonizao americana do norte.

    Centrando seus esforos na extrao de metais preciosos e explorao de madeira,

    especialmente da espcie Pau-Brasil, no dispunha de populao suficiente e disposta a se

    estabelecer no mundo novo.

    Essa a concluso da anlise histrica levada a efeito por Raimundo Faoro em sua

    monumental obra Os Donos do Poder:

    Na Amrica a situao se apresenta de forma inteiramente diversa: um territrio primitivo habitado por rala populao indgena incapaz de fornecer qualquer coisa de realmente aproveitvel. Para os fins meramente mercantis que se tinham em vista, a ocupao no se podia fazer como nas simples feitorias, com um reduzido pessoal incumbido apenas do negcio, sua administrao e defesa armada; era preciso ampliar estas bases, criar um

  • 14

    povoamento capaz de abastecer e manter as feitorias que se fundassem e organizar a produo dos gneros que interessassem o seu comrcio. A idia de povoar surge da, e s da. [...] No seu conjunto, e vista no plano mundial e internacional, a colonizao dos trpicos toma o aspecto de uma vasta empresa comercial, mais complexa que a antiga feitoria, mas sempre com o mesmo carter que ela, destinada a explorar os recursos naturais de um territrio virgem em proveito do comrcio europeu. este o verdadeiro sentido da colonizao tropical, de que o Brasil uma das resultantes; e ele explicar os elementos fundamentais, tanto no econmico como no social, da formao e evoluo histricas dos trpicos americanos. (2001, p. 135-136)

    Sendo o sentido inicial da colonizao a atividade mercantil-extrativista, intentou o

    colonizador, ao perceber o quanto seria difcil assentar populao que desse sustento aos seus

    intentos, considerando a inapetncia dos indgenas nativos para o trabalho proposto, uma

    diviso e distribuio do territrio descoberto para os portugueses que optassem por se

    estabelecer definitivamente na colnia, baseando o labor na mo-de-obra africana

    escravizada.

    Havia grande reticncia da j pequena populao portuguesa da poca em migrar para

    ser instrumento de trabalho ordinrio e fastidioso, acedendo somente na hiptese de fazer-se

    senhor de terras e patro.

    Essa a observao de Caio Prado Jnior em outra obra: Histria Econmica do Brasil:

    Nas demais colnias tropicais, inclusive no Brasil, no se chegou nem a ensaiar o trabalhador branco. Isto porque nem na Espanha, nem em Portugal, a quem pertencia a maioria delas, havia, como na Inglaterra, braos disponveis e dispostos a emigrar a qualquer preo. Em Portugal, a populao era to insuficiente que a maior parte de seu territrio se achava ainda, em meados do sc. XVI, inculto e abandonado; faltavam braos por toda a parte, e empregava-se em escala crescente mo-de-obra escrava [...]. Se vamos essncia da nossa formao, veremos que na realidade nos constitumos para fornecer acar, tabaco, alguns outros gneros; mais tarde, ouro e diamantes, depois algodo, e em seguida caf, para o comrcio europeu. Nada mais que isto. com tal objetivo, objetivo exterior, voltado para fora do pas e sem ateno a consideraes que no fossem o interesse daquele comrcio, que organizaro a sociedade e a economia brasileiras. Tudo se dispor naquele sentido: a estrutura social, bem como as atividades do pas. Vir o branco europeu para especular, realizar um negcio; inverter os cabedais e recrutar mo-de-obra de que precisa: indgenas ou

  • 15

    negros importados. Com tais elementos, articulados numa organizao puramente produtora, mercantil, constituir-se- a colnia brasileira. (1985, p. 21-23)

    Portanto, nesse contexto que foi estabelecido o sistema de distribuio de terras para

    os colonizadores portugueses, denominado de capitanias ou capitanias hereditrias, ou seja,

    com a clara inteno de ocupar o territrio e fixar o elemento humano e ainda desbravar o

    continente.

    O territrio foi dividido em doze capitanias, irregulares, todas firmadas no sentido

    longitudinal linha do Equador e, portanto, com frente para oceano1.

    Apenas algumas capitanias prosperaram, entretanto colaboraram para a criao dos

    primeiros ncleos de povoamento, que vo repercutir fundamentalmente na ocupao do

    territrio. Tal idia demonstrada por Jos Afonso da Silva:

    A colonizao do Brasil comeou efetivamente pela organizao das capitanias hereditrias, sistema que consistiu na diviso do territrio colonial em doze pores irregulares, todas confrontando com o oceano, e sua doao a particulares (escolhidos entre a melhor gente), que estivessem decididos a morar no Brasil e fossem suficientemente ricos para coloniz-lo e defend-lo. Das doze capitanias, poucas prosperaram, mas serviram para criar ncleos de povoamento dispersos e quase sem contato uns com os outros, contribuindo para a formao de centros de interesses econmicos e sociais diferenciados nas vrias regies do territrio da colnia, o que veio a repercutir na estruturao do futuro Estado Brasileiro. (2006, p. 69)

    Os donatrios, titulares de uma concesso de capitania, tinham poder absoluto dentro

    de seus domnios, eram um reflexo da autoridade do Rei, exerciam jurisdio e nomeavam

    servidores pblicos.

    1 A primeira capitania hereditria foi a de Pernambuco, concedida a Duarte Coelho atravs de carta de doao expedida por D. Joo III, em 10 de maro de 1.534.

  • 16

    Segundo Csar Trpoli (1936) as terras do Brasil, assim partilhadas e dadas pelo rei de

    Portugal a fidalgos portugueses chamaram-se capitanias em virtude de serem atribudas aos

    donatrios a denominao e funes de capito, significando chefe superior. A expresso

    capitania era, portanto, sinnimo de chefia, superintendncia, governana. O adjetivo

    qualificativo hereditrias servia para indicar um dos principais caracteres jurdicos da doao,

    pois somente poderia ser transmitida nos moldes da sucesso. As capitanias hereditrias

    tambm foram denominadas de donatarias para indicar que se tratava de terras em que vinha a

    ser exercida a jurisdio exclusiva dos donatrios.

    Esse sistema de povoao apresentou os primeiros registros de nomeao para o

    exerccio de funes pblicas, ao livre arbtrio do capito.

    Em 1549 foi institudo o sistema de Governo Geral, introduzido um sistema unitrio

    em contraposio ao sistema das capitanias, aos diversos governos autnomos sucedeu um

    sistema de governo centralizador, em coexistncia com as capitanias.

    Tom de Souza foi o primeiro governador nomeado, com poderes estabelecidos em

    documento denominado Regimento do Governador Geral. Francisco Jos Oliveira Vianna

    esclarece o teor do documento:

    Os regimentos dos governadores-gerais tm, de fato, a maior importncia para a histria administrativa do pas: antecipavam-se s cartas polticas, pelo menos na delimitao das funes e no respeito exigido das leis, forais e privilgios, atenuando o arbtrio, fixando a ordem jurdica. [...] em torno desse rgo central organizavam-se outros rgos elementares e essenciais administrao: o ouvidor-mor , encarregado geral dos negcios da justia; o procurador da fazenda , encarregado das questes e interesses do fisco real; o capito-mor da costa , com a funo da defesa do vasto litoral, infestado de flibusteiros.(1956, p.199)

  • 17

    A esse poder tambm foram sendo acrescidas paulatinamente as capitanias, que,

    perdendo o seu carter feudal, pela mitigao de seus poderes onipotentes, tambm perderam

    seu carter de unidades autnomas e tornando-se regies ou provncias, sujeitas diretamente

    ao governador geral. Observe-se que todas as capitanias ficaram em tal situao, tanto as que

    j haviam perdido seu carter hereditrio quanto as que tinham revertido, por abandono ou

    renncia, coroa.

    Faoro, delimitou essa quadra fundamental na germinao das estruturas do Estado

    brasileiro:

    Os quinze anos das donatarias, tempo muito curto para definir uma tendncia ou para definir um rumo, sofrem drstico corretivo. O governo geral, institudo em 1548, instalado na Bahia, no ano seguinte, no extinguiu as capitanias. De imediato, as atribuies pblicas dos capites se incorporaram no sistema do governo-geral, fiscalizados por um poder mais alto, em assuntos militares, da fazenda e da justia. A instituio, no seu lado particular, prolongou-se at o sculo XVIII, quando a ltima capitania reverteu ao patrimnio real, reverso tardia, em homenagem outorga vitalcia e hereditria. (2001, p. 166-167)

    Nesse perodo surgiram os primeiros municpios brasileiros. O municpio, como as

    capitanias e o governo geral, obedecia, no molde de outorga de poder pblico, ao quadro da

    monarquia central do sculo XVI, gerida pelo estamento cada vez mais burocrtico .

    (FAORO, 2001, p. 171-172)

    O Senado da Cmara ou Cmara Municipal era o rgo do poder local, composto de

    oficiais , eleitos entre os denominados homens bons da terra , ou seja, os representantes

    eram os grandes proprietrios rurais ou seus indicados.

    A fase monrquica inicia-se com a chegada de D. Joo VI ao Brasil em 1808.

  • 18

    Conforme Silva (2006, p. 73 e ss), instalou-se a famlia real no Rio de Janeiro, para

    onde foi alocado toda a estrutura estatal, tal como a polcia, a justia, os rgos

    administrativos, especialmente o Conselho de Estado, a Intendncia Geral de Polcia, o

    Conselho da Fazenda, a Mesa da Conscincia e Ordens, o Conselho Militar, o Desembargo do

    Pao, a Casa da Suplicao, a Academia de Marinha, a Junta

    Geral do Comrcio, o Juzo

    dos Falidos e Conservador dos Privilgios, o Banco do Brasil, a Casa da Moeda, a Impresso

    Rgia, etc., sendo que a atuao desses rgos esteve fixada e circunscrita ao Rio de Janeiro,

    poucos efeitos alcanando no restante do Pas, onde a tradio da apropriao privada do

    poder pblico pelos mais aquinhoados permaneceu e se estende at os dias presentes.

    Com a proclamao da Independncia, essa nova estrutura estatal pblica e poltica

    deveria ser fundada em um instrumento regulador do exerccio do poder e que assegurasse a

    unidade nacional, com um poder centralizador e uma organizao nacional que fizessem

    frente aos diversos poderes locais e regionais espalhados pelo interior do Pas.

    A disseminao do constitucionalismo forjou a teoria da necessidade de um texto

    poltico, uma carta fundamental que declarasse os direitos do homem e estabelecesse

    mecanismos de separao dos poderes, em consonncia com a Declarao dos Direitos do

    Homem e do Cidado de 1789, a qual estabelece, em seu artigo 16, que no tem constituio

    a sociedade onde no assegurada a garantia dos direitos nem determinada a separao dos

    poderes.

    O texto que nos foi ofertado foi a Constituio Poltica do Imprio do Brasil, de 25 de

    maro de 1824, que, em eu artigo 1, declara que

    O imprio do Brasil a associao poltica

    de todos os cidados brasileiros , em seu artigo 2 que O seu territrio dividido em

    provncias [...] e em seu artigo 4 que A dinastia imperante a do Senhor D. Pedro I, atual

    Imperador e Defensor Perptuo do Brasil .

  • 19

    A Constituio previu em seu artigo 4 a separao dos poderes em quatro: poder

    legislativo, poder moderador poder executivo e poder judicial.

    O aspecto mais caracterstico desse texto foi a instituio do poder moderador,

    delegado privativamente ao Imperador, que lhe atribua, nos termos do artigo 98, [...] a chave

    de toda a organizao poltica delegada privativamente ao Imperador, como chefe supremo

    da nao e seu primeiro representante, para que, incessantemente vele sobre a manuteno da

    independncia, equilbrio e harmonia dos demais poderes polticos.

    Segundo Rosah Russomano:

    A outorga denotou transparentemente as tendncias de domnio pessoal, que caracterizavam a formao moral e temperamental do Imperador.

    A Constituio de 1824, no entanto, em que pese este vcio de origem, tem sido considerada, ao largo dos tempos, um dos maiores Cdigos polticos produzidos pela cincia e pela experincia do sculo XIX. Nem outro o pensamento de AFONSO ARINOS, quando frisa que esta assertiva se impe, como fato histrico. Apenas uma grande lei poderia derrubar os empecilhos que se lhe opuseram, consolidar a Independncia e a unidade do Brasil, tornar, ao fim e ao cabo, possvel o desenvolvimento, em regra pacfico de nosso Imprio. Sobretudo, se comparado com o drama circundante da anarquia sul-americana .

    [...] A linha clssica da tripartio, advinda, principalmente, de MONTESQUIEU, foi abandonada. Surgiram, como dizamos, quatro Poderes. A par dos tradicionais Legislativo, Executivo, Judicirio

    o Poder Moderador, que, de notar-se, no figurava no projeto elaborado pela Assemblia Constituinte.

    Estabelecia-se, por esta via, um governo forte, pois que, na pessoa do Imperador, se concentravam dois Poderes de prtica pessoal

    o Executivo , que exercitava atravs dos Ministros de Estado (que ele livremente nomeava e demitia) e o Moderador, chave de toda a organizao poltica da poca . (1984, p. 235-236)

    Efetivamente o Imperador exercia o poder moderador nomeando os senadores (art.

    101, 1), nomeando e demitindo livremente os ministros de estado (art. 101, 6) e exercia

  • 20

    o poder executivo, pois dita o artigo 102 que O Imperador o chefe do poder executivo, e o

    exercita pelos seus ministros de Estado sendo que entre suas principais atribuies destacam-

    se a de nomear os magistrados (art. 102, 3) e prover os mais empregos civis e polticos (at.

    102, 4).

    Segundo Silva, o perodo caracteriza-se como de centralizao monrquica:

    As provncias foram subordinadas ao poder central, atravs do seu presidente, escolhido e nomeado pelo Imperador, e do chefe de polcia, tambm escolhido e nomeado pelo Imperador, com atribuies no s policiais como judiciais at 1870, do qual dependiam rgos menores, com ao nas localidades, cidades, vilas, lugarejos, distritos: os delegados de polcia , os subdelegados de polcia , os inspetores de quarteires , os carcereiros das cadeias pblicas e o pessoal subalterno da administrao

    policial. ainda o poder central que nomeia o juiz de direito , o juiz municipal , o promotor pblico . E h tambm a Guarda Nacional , em que se transformaram as milcias locais, a qual, a partir de 1850, passou a ser subordinada ao poder central. (2006, p. 75)

    Tambm essa a opinio de Paulo Bonavides, ao concluir estudo sobre o perodo

    constitucional monrquico:

    Com efeito, a Carta enfeixava numa s pessoa - o Imperador a titularidade e o exerccio de dois Poderes. De tal sorte que a Lei Maior criava assim um monstro constitucional. No criava um rgo legtimo, distinto e capacitado, como seria de sua vocao, a promover a harmonia e o equilbrio dos poderes; um rgo que pudera ter sido

    e nele lhe vislumbramos essa virtude ou possibilidade

    o germe de uma espcie de judicatura poltica, capaz de antecipar na prxis e na teoria, por sua ao preventiva de controle de conflitos, os tribunais constitucionais a quem o sculo seguinte entregaria os freios de constitucionalidade. (2001, p. 197)

    O desenrolar dos anos e o respectivo desencadear dos acontecimentos, assim como o

    ideal republicano e a necessidade de adaptao ao modelo federativo, na viso de Russomano

    (1984), vo desenbocar nos acontecimentos que levaro ruptura institucional, com a

    Proclamao da Repblica e a elaborao da primeira constituio republicana do Brasil.

  • 21

    1.2 As Constituies Republicanas

    O perodo republicano caracteriza-se pela sucesso de textos constitucionais, sendo

    que, para a anlise do tema das formas de ocupao dos cargos, empregos e funes pblicas,

    enfrentaremos cada um dos diplomas constitucionais editados e as suas caractersticas

    fundamentais.

    1.2.1 Constituio de 1891

    A Constituio da Repblica dos Estados Unidos do Brasil foi promulgada em 24 de

    fevereiro de 1891 e estabeleceu como forma de governo a Repblica Federativa e o regime de

    governo presidencialista, alm de assegurar a tripartio e separao dos poderes do Estado,

    estabelecendo um novo ciclo de estruturao que o Estado brasileiro at ento desconhecia.

    Consagrou a unio perptua e indissolvel das suas antigas provncias em Estados

    Unidos do Brasil e estabeleceu que cada uma das antigas provncias formaria um Estado, os

    quais poderiam incorporar-se, subdividir-se ou desmembrar-se para se anexar a outros ou

    formar novos Estados (art. 1 e 4).

    Previu tambm que incumbiria a cada Estado prover, a expensas prprias, as

    necessidades de seu governo e administrao (art. 5).

    O Poder Legislativo, exercido pelo Congresso Nacional, foi composto por duas

    Cmaras: Cmara dos Deputados e Senado, sendo estabelecida a competncia, a cada uma das

    Cmaras, para organizar o seu regimento interno, regular sua polcia interna e nomear os

    empregados de sua secretaria (art. 16 e 18).

  • 22

    Estabeleceu a competncia privativa do Congresso Nacional para criar e suprimir

    empregos pblicos federais, fixar-lhes as atribuies e estipular-lhes os vencimentos (art. 34).

    Foi atribuda competncia privativa ao Presidente da Repblica para prover os cargos

    civis e militares de carter federal, salvas as restries expressas na Constituio; para nomear

    os magistrados federais mediante proposta do Supremo Tribunal: nomear os membros do

    Supremo Tribunal Federal e os ministros diplomticos, sujeitando a nomeao aprovao do

    Senado e nomear os demais membros do corpo diplomtico e os agentes consulares (art. 48).

    Tambm ao Poder Judicirio foi consagrada competncia para, atravs dos tribunais

    federais, na figura de seus presidentes, nomear e demitir empregados da secretaria, bem como

    o provimento dos oficiais de justia nas circunscries judicirias (art. 58, 1).

    Os municpios tambm constaram como entes federativos por fora do artigo 68, que

    estabeleceu que os Estados iriam se organizar de forma que ficasse assegurada a autonomia

    dos municpios em tudo que respeitasse ao seu peculiar interesse.

    Foi institudo um Tribunal de Contas, sendo os seus membros nomeados pelo

    Presidente da Repblica com aprovao do Senado (art. 89).

    Restou estabelecido no artigo 79 que o cidado investido em funes de qualquer dos

    trs poderes federais no poder exercer as de outro.

    Na Declarao de Direitos, a Constituio consagrou os princpios da legalidade e

    igualdade, ao regular que ningum pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa

    seno em virtude de lei e que todos so iguais perante a lei (art. 72, 1 e 2).

    Tambm consagrou o princpio da ampla acessibilidade aos cargos pblicos, regrando

    que os cargos pblicos civis ou militares so acessveis a todos os brasileiros, observadas as

  • 23

    condies de capacidade especial que a lei estatuir, sendo, porm, vedadas as acumulaes

    remuneradas (art. 73).

    Com esse corpo normativo, a nossa primeira Constituio Republicana j se

    preocupava em regrar as formas de acesso aos cargos, empregos e funes pblicas,

    notadamente as federais, ressaltando o carter eminentemente subjetivo das nomeaes, pois

    que no consagrou nenhum mecanismo de controle do acesso e da impessoalidade do acesso,

    em que pese inaugurar o princpio da ampla acessibilidade, mais como corolrio do princpio

    da igualdade formal e menos do que uma forma de assegurar direitos individuais de igualdade

    material de acesso.

    Considerando-se que o histrico nacional era o do mais completo vazio normativo

    quanto estrutura administrativa pblica, nossa Primeira Carta tem inmeros mritos,

    especialmente ao consagrar a criao legal dos empregos pblicos federais e a restrio da

    acumulao de funes.

    A Constituio Federal de 1891 foi emendada em 1926, entretanto sem modificaes

    significativas no trato da matria sob comento.

    1.2.2 Constituio de 1934

    A denominada Primeira Repblica foi deposta com a revoluo civil de 1930,

    capitaneada por Getlio Vargas, vetor das insatisfaes populares que irromperam no ps-

    guerra propugnando pelo reconhecimento de direitos sociais, conforme j estabelecido na

    Constituio de Weimar, de 1919. Eleita a Assemblia Constituinte, a segunda Constituio

    da Repblica Federativa do Brasil foi promulgada em 16 de julho de 1934.

  • 24

    Bonavides resume a turbulncia daqueles tempos:

    Uma tempestade poltica e ideolgica, acompanhada de fortes abalos na ordem institucional marcou, a seguir, a dcada de 30 no sculo XX.

    Foi a dcada mais autoritria da primeira metade dos novecentos. Ficou assinalada no mesmo passo por uma invaso de idias novas e projetos e frmulas de mudana, ilustrativas do quadro de instabilidade e efervescncia, que teve forte repercusso sobre a ndole do ordenamento. Sua tonalidade social, bem distinta das cores do sistema decado, dava a medida das preocupaes transformadoras nsitas aos titulares do poder emergente.

    A cognominada Revoluo de 30 significou dessa maneira o ponto de partida e a base de apoio de um ambicioso projeto de renovao dos costumes polticos, cujo objetivo maior era o estabelecimento da verdade eleitoral, pressuposto de uma ordem representativa mais legtima, em correspondncia com o sentimento nacional vigente. (2001, p. 201)

    A Constituio de 1934 avanou significativamente em matria de regulamentao do

    acesso aos cargos, empregos e funes pblicas.

    Inicialmente, previu a restrio de exerccio, por parte dos Deputados, desde a

    expedio do diploma, de cargo, comisso ou emprego pblico remunerados e, desde a posse,

    ocupar cargo pblico de que seja demissvel ad nutum (art. 33).

    Manteve a competncia do Poder Legislativo para criar e extinguir empregos pblicos

    federais, fixar-lhes e alterar-lhes os vencimentos, sempre por lei especfica (art. 39).

    Tambm manteve a competncia privativa do Presidente da Repblica para prover os

    cargos federais, salvo as excees previstas na Constituio e nas leis (art. 56).

    Inovou significativamente ao estabelecer aos juzes as garantias da vitaliciedade, da

    inamovibilidade e da irredutibilidade de vencimentos e, em contrapartida, manteve a regra de

  • 25

    competncia dos tribunais para nomear, substituir e demitir os funcionrios de suas

    secretarias, dos seus cartrios e servios auxiliares (art. 65 e 67).

    Manteve a forma de nomeao pelo presidente da Repblica para os Ministros da

    Corte Suprema, para os Juzes Federais e para os Ministros dos Tribunais de Contas (art. 74,

    80 e 100).

    Ao tratar do Ministrio Pblico apresenta-se a primeira alterao extremamente

    significativa. O texto constitucional estipula que os membros do Ministrio Pblico, que

    sirvam nos juzos comuns, sero nomeados mediante concurso e s perdero os cargos nos

    termos da Lei, por sentena judiciria ou processo administrativo, no qual lhes ser

    assegurada ampla defesa (art. 95, 3).

    Tambm ao tratar da Justia dos Estados, do Distrito Federal e dos Territrios,

    estabeleceu o constituinte os seguintes princpios: investidura, nos primeiros graus, mediante

    concurso, organizado pela Corte de Apelao, fazendo-se, sempre que possvel, em lista

    trplice e investidura, nos graus superiores, mediante acesso por antiguidade de classe e por

    merecimento (art. 104).

    No trato da Educao e da Cultura, o constituinte estabeleceu, entre diversos artigos

    regulamentando a atividade de ensino, no artigo 158, que vedada a dispensa do concurso de

    ttulos e provas no provimento dos cargos do magistrio oficial, bem como em qualquer

    curso, a de provas escolares de habilitao, determinadas em lei ou regulamento. Tambm

    estabeleceu a possibilidade de contratao, por tempo certo, de professores de nomeada,

    nacionais ou estrangeiros e aos professores nomeados por concurso para os institutos oficiais

    estendeu as garantias da vitaliciedade e de inamovibilidade nos cargos.

  • 26

    Tambm inovou a Constituio de 1934 ao dedicar um Ttulo exclusivamente para

    tratar dos funcionrios pblicos, estabelecendo, em primeiro, o princpio da ampla

    acessibilidade aos cargos pblicos a todos os brasileiros, sem distino de sexo ou de estado

    civil (art. 168).

    A mudana mais importante foi a de que os funcionrios pblicos, depois de dois

    anos, quando nomeados em virtude de concurso de provas, s poderiam ser destitudos em

    virtude de sentena judiciria ou mediante processo administrativo regulado por lei e no qual

    lhes fosse assegurada plena defesa. (art. 169).

    O artigo 170 estabeleceu a obrigatoriedade da votao, pelo Poder Legislativo, do

    Estatuto dos Funcionrios Pblicos e j impondo as normas de que o quadro de funcionrios

    pblicos compreender todos os que exeram cargos pblicos, seja qual for a forma de

    pagamento e que a primeira investidura nos postos de careira das reparties administrativas e

    nos demais que a lei determinar, efetuar-se- depois de exame de sanidade e concurso de

    provas ou ttulos.

    Foi mantida a vedao da acumulao de cargos pblicos remunerados da Unio, dos

    Estados e dos Municpios, excetuando-se os cargos do magistrio e tcnico-cientficos, que

    podero ser exercidos cumulativamente, ainda que por funcionrio administrativo, desde que

    haja compatibilidade dos horrios de servio e o acmulo remunerado de comisso temporria

    ou de confiana, decorrente do prprio cargo (art. 172).

    Realmente foram grandes as alteraes constitucionais. Considerando-se a concesso

    de garantias magistratura e os professores; a exigncia de prvio concurso para o acesso aos

    cargos do ministrio pblico, da magistratura, do magistrio e nos cargos de carreira das

    reparties administrativas, ingressava-se em um novo paradigma institucional, visando a

    criao de uma administrao burocrtica que, consoante com o esprito que norteou a

  • 27

    revoluo, buscava diminuir o espectro do patrimonialismo e suas vertentes sobre a estrutura

    social e administrativa pblica do pas.

    1.2.3 Constituio de 1937

    Infelizmente os bons ventos pouco duraram. Em consonncia com os movimentos

    autoritrios que varavam na Europa e frente aos movimentos de resistncia ao regime atravs

    das quarteladas comunistas que resultaram em tentativas de golpe em 1935, o Presidente

    instaurou um regime desptico e ditatorial.

    Silva recria o clima da poca:

    O pas j se encontrava sob o impacto das ideologias que grassavam no mundo do aps-guerra de 1918. os partidos polticos assumiam posies em face da problemtica ideolgica vigente: surge um partido fascista, barulhento e virulento

    a Ao Integralista Brasileira, cujo chefe, Plnio Salgado, como Mussolini e Hitler, se preparava para empolgar o poder; reorganiza-se o partido comunista, aguerrido e disciplinado, cujo chefe, Luis Carlos Prestes, tambm queria o poder. Getlio Vargas, eleito que fora pela Assemblia Constituinte para o quadrinio constitucional, maneira de Deodoro, como este, dissolve a Cmara e o Senado, revoga a Constituio de 1934, e outorga a Carta Constitucional de 10.11.37. (2006, p. 82)

    Efetivamente, basta um correr de olhos pelo texto de 1937 para que ressalte o vis

    autoritrio de seu contedo. J na distribuio setorial dos poderes do Estado foram

    consignadas seces ao Poder Legislativo e ao Poder Judicirio e, quando do tratamento ao

    Poder Executivo, consta o ttulo Do Presidente da Repblica .

    O artigo 73 desta Carta bem reflete tal desiderato, ao consignar que o Presidente da

    Repblica, autoridade suprema do Estado, coordena a atividade dos rgos representativos, de

  • 28

    grau superior, dirige a poltica interna e externa, promove ou orienta a poltica legislativa de

    interesse nacional e superintende a administrao do pas.

    Foi mantida a competncia privativa do Presidente da Repblica para o provimento

    dos cargos federais (art. 74); as garantias da Magistratura e a forma de nomeao dos

    Tribunais Superiores.

    Houve pequena alterao na investidura dos cargos dos judicirios estaduais, mantido

    o concurso pblico, entretanto submetida a lista trplice de candidatos aprovados ao

    governador do Estado (art. 103).

    No rol dos direitos e garantias individuais foi mantido o princpio da ampla

    acessibilidade aos cargos pblicos (art. 122).

    Tambm a seco dos funcionrios pblicos foi mantida, com a obrigatoriedade de a

    primeira investidura nos cargos de carreira fazer-se mediante concurso de provas ou de

    ttulos, com a criao do quadro de cargos e com a garantia da necessidade de sentena

    judiciria ou processo administrativo para a exonerao de funcionrios concursados, ou seja,

    uma certa garantia contra a exonerao imotivada (art. 156).

    Entretanto, a sustentar as intenes da Carta de ser o sustentculo legal da ditadura que

    se implantava, o artigo 157 estabeleceu que poder ser posto em disponibilidade, com

    vencimentos proporcionais ao tempo de servio, desde que no caiba no caso a pena de

    exonerao, o funcionrio civil que estiver no gozo das garantias de estabilidade se, a juzo de

    uma comisso disciplinar nomeada pelo ministro ou chefe de servio, o seu afastamento do

    exerccio for considerado de convenincia ou de interesse pblico.

    Na seco das disposies constitucionais transitrias, o artigo 177 tambm seguia o

    mesmo tom ao dispor que dentro do prazo de sessenta dias a contar da data desta

  • 29

    Constituio, podero ser aposentados ou reformados de acordo com a legislao em vigor os

    funcionrios civis e militares cujo afastamento se impuser a juzo exclusivo do Governo, no

    interesse do servio pblico ou por convenincia do regime. Tal artigo vigorou at a

    revogao pela Lei Constitucional n 12, de 07 de novembro de 1945.

    Sob a gide dos artigos 157 e 177, no h qualquer possibilidade de se emitir

    consideraes sobre regramento de formas de acesso a cargos, empregos ou funes pblicas,

    pois que tudo se esvai na mo-de-ferro do ditador, que assume poderes onipotentes para

    admitir e exonerar.

    1.2.4 Constituio de 1946

    A Constituio de 1937 no poderia se manter por muito tempo, visto as

    circunstncias internacionais de uma guerra e a vitria das foras democrticas contra o

    nazismo e o fascismo, na qual o Brasil se engajara, inclusive com o envio de foras militares

    ao combate, gerando um sentimento nacional de volta aos parmetros democrticos e de

    repdio ao autoritarismo.

    Russomano, sobre o perodo, esclareceu nos seguintes termos:

    A segunda hecatombe internacional, pela afirmao dos princpios da democracia, levou os soldados brasileiros para os campos de batalha. Em terras estrangeiras, eles deram seu sangue, imolaram sua vida, na defesa de um ideal que, dentro de sua prpria ptria, estava sendo violado.

    Enquanto durou a luta, a situao foi suportvel em nosso pas. medida, porm, que as foras democrticas se impunham, perante as naes ocidentais, tambm no Brasil se levantou uma campanha intensa pela nossa volta vida verdadeiramente constitucional. (1984, p. 247)

  • 30

    Em funo das circunstncias, o Presidente tomou providncias para o retorno do pas

    normalidade democrtica, com a convocao de eleies. Entretanto, com a suspeita de que

    o ditador ardilava para manter o poder, as foras armadas, que haviam se comprometido com

    a reconstitucionalizao do pas, o depuseram a 29 de outubro de 1945.

    Instaurada a Assemblia Constituinte, em 18 de setembro de 1946 foi promulgada a

    Constituio.

    Tal texto abarcou as diversas correntes de pensamento poltico vigentes, como forma

    de obter um consenso mnimo que levasse o pas a uma constituio que garantisse a

    redemocratizao. Sem a base de um projeto prprio, a Carta foi firmada mais para sustentar o

    regime democrtico, apesar de seus avanos sociais e, assim, serviu a seus propsitos,

    vigorando durante vinte anos.

    A anlise do texto constitucional evidencia alguns avanos significativos na

    consolidao da matria de admisso de servidores pblicos a cargos, empregos e funes

    pblicas.

    J no artigo 36, ao estabelecer a independncia e harmonia entre os Poderes

    Legislativo, Executivo e Judicirio, no seu 1, imps a impossibilidade de o cidado

    investido na funo de um deles poder exercer a de outro, salvo as excees previstas na

    Constituio.

    Foi mantida a restrio aos deputados e senadores de exerccio de comisso ou

    emprego remunerado de pessoa jurdica de direito pblico, entidade autrquica ou sociedade

    de economia mista ou empresa concessionria de servio pblico, desde a expedio do

    diploma e, desde a posse, de ocupar cargo pblico do qual possa ser demitido ad nutum (art.

    48).

  • 31

    Foi transferida competncia privativa ao Senado Federal para aprovar, mediante voto

    secreto, a escolha dos magistrados, nos casos estabelecidos na Constituio, do Procurador-

    Geral da Repblica, dos Ministros do Tribunal de Contas, do Prefeito do Distrito Federal, dos

    membros do Conselho Nacional de Economia e dos chefes de misses diplomticas de carter

    permanente (art. 63).

    Ao Congresso Nacional coube a competncia para, com a sano do presidente da

    Repblica, criar e extinguir cargos pblicos e fixar-lhes os vencimentos, sempre por lei

    especial (art. 65).

    Foram mantidas as garantias da Magistratura e designado aos Tribunais a elaborao

    de seus regimentos internos e organizao de seus servios auxiliares, provendo-lhes os

    cargos na forma da lei, bem como propor ao Poder Legislativo a criao ou extino de cargos

    me a fixao dos respectivos vencimentos (art. 95 e 97).

    O ingresso nos cargos da Magistratura e do Ministrio Pblico manteve-se mediante

    concurso pblico (art. 124 e 127).

    No captulo referente Educao, restou obrigatrio, para o provimento das ctedras,

    no ensino secundrio oficial e no ensino superior oficial ou livre, o concurso de ttulos e

    provas, sendo-lhes assegurada a vitaliciedade (art. 168).

    O Ttulo que trata dos funcionrios pblicos abre a seco com a consagrao do

    princpio da ampla acessibilidade aos cargos pblicos, seguindo com a previso de vedao de

    acmulo de quaisquer cargos, respeitadas as excees de dois cargos de magistrio ou um de

    magistrio com um outro tcnico cientfico, contanto que haja correlao de matrias e

    compatibilidade de horrio; regra a primeira investidura em cargo de carreira e em outros

    determinados em lei mediante concurso e consagra a estabilidade dos funcionrios efetivos

  • 32

    nomeados por concurso aps dois anos de exerccio e aps cinco anos de exerccio para os

    funcionrios efetivos nomeados sem concurso. Tambm dispe que o disposto no artigo 188

    no se aplica aos cargos de confiana, nem os que a lei declare de livre nomeao e demisso,

    sendo que pela primeira vez tal figura jurdica aporta em texto constitucional (art. 184 a 188).

    Por fim, no Ato das Disposies Constitucionais Transitrias, no artigo 23, ficou

    estabelecida regra de transio que disps que os funcionrios interinos da Unio, dos Estados

    e Municpios, que contem, pelo menos, cinco anos de exerccio, sero automaticamente

    efetivados na data da promulgao do Ato, e os atuais extranumerrios que exeram funo de

    carter permanente h mais de cinco anos ou em virtude de concurso ou prova de habilitao

    sero equiparados aos funcionrios para efeito de estabilidade, aposentadoria, licena,

    disponibilidade e frias.

    Voltamos a obter um patamar mais moderno de regulao das relaes de trabalho

    entre servidores pblicos e Estado, com regras mais claras e melhores garantias institucionais

    de salvaguarda do corpo tcnico-burocrtico contra as influncias externas, entretanto, sem o

    atingimento pleno de um grau de profissionalismo, visto a existncia de diversos escoadouros

    pelos quais era possvel a manipulao das formas de acesso, especialmente pela inexistncia

    de previso de acesso mediante seleo a concurso pblico a todos os cargos, ficando restrito

    aos cargos da Magistratura, Ministrio Pblico, alguns cargos de Magistrio e aos cargos

    regulamentados em carreira, e, ainda assim, somente para a primeira investidura.

    1.2.5 Constituio de 1967 e a Emenda Constitucional n 1/1969

    Para que se possa analisar a Constituio de 1967, necessrio um passar de olhos

    pelo desfecho do vigor da Carta de 46.

  • 33

    A Constituio Federal de 1946 atravessou duas dcadas sob intensas crises polticas e

    institucionais, tais como a morte de Getlio Vargas e a assuno de Caf Filho; a eleio de

    Juscelino Kubitschek em 1955 e seu mote de crescimento econmico que teve o apogeu na

    construo e inaugurao de Braslia; a eleio de Jnio Quadros em 1960 e seu polmico

    governo que culmina em renncia aps sete meses de mandato e a reao militar posse do

    Vice-Presidente Joo Goulart, que somente aps alguma turbulncia, assume por fora da

    Emenda Constitucional n 06/63, de 23 de janeiro de 1963 e, por fim, deposto pelo golpe

    militar de 1 de abril de 1964.

    O regime militar instalado no Poder exarou, como medida de substrato legal de

    sustentao, um Ato Institucional, em 09 de abril de 1964, mantendo a vigncia da

    Constituio de 1946, entretanto com imposio de cassaes de mandatos e suspenses de

    direitos polticos. eleito o Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco para um mandato

    complementar de trs anos, sendo que neste perodo governou sob a gide de Atos

    Institucionais e Emendas Constituio, que perdeu a sua organicidade.

    A Constituio de 1946 sofreu quatro Atos Institucionais e vinte e uma Emendas, at

    ser substituda pela Constituio promulgada pelo regime militar, a Constituio do Brasil de

    1967, que consolidou as alteraes da Carta de 46 com base no texto constitucional de 1937,

    estabelecendo uma maior preocupao com a segurana nacional e a concentrao de poderes

    na Unio e na figura do Presidente da Repblica.

    Seguindo seu roteiro de crises, foi editado o Ato Institucional n 5, de 13 de dezembro

    de 1968, que rompeu com a ordem constitucional. Sobre a situao poltico-social da poca,

    Goffredo Telles Junior assevera que:

  • 34

    [...] no dia 13 de dezembro de 1968, a treva e o terror do Ato Institucional n 5 e da Lei de Segurana Nacional baixaram sobre a Nao. Parlamentares, juzes, professores, advogados, mdicos, engenheiros, jornalistas, operrios e estudantes amargaram os flagelos do regime. Os decretos do arbtrio reforaram os poderes discricionrios do Executivo e atriburam ao Governo a faculdade de impor medidas repressivas especficas, como as cassaes de mandatos e suspenso de direitos. Criaram ou aperfeioaram organizaes de represso policial-militar, como o SNI (Servio Nacional de Informaes), o CSN (Conselho de Segurana Nacional), o Cenimar (Centro de Informaes da Marinha), o Cisa (Centro de Informao e Segurana da Aeronutica), o Codi (Centro de Operaes de Defesa Interna), o Doi (Departamento de Operaes Internas). Os referidos decretos de fora determinaram o recesso do Congresso Nacional, das Assemblias Legislativas dos Estados e das Cmaras Municipais de Vereadores. Cancelaram a garantia da estabilidade dos juzes. Baniram do territrio nacional cidados considerados incontinentes segurana do regime [...]. (1999, p. 873-874)

    Ato contnuo, promulgada2, em 17 de outubro de 1969, para entrar em vigor em 30

    de outubro de 1969, a Emenda Constitucional n 1, emenda Constituio de 1967 que

    tecnicamente se constituiu em uma nova constituio, que inclusive alterou sua denominao,

    passando a chamar-se de Constituio da Repblica Federativa do Brasil, ao passo que a

    Constituio de 1967 era denominada somente de Constituio do Brasil.

    Tal Constituio sustentou o regime militar, mediante a edio de 26 Emendas at o

    ano de 1985, onde, atravs da Emenda n 26, de 27 de novembro de 1985, foi convocada a

    Assemblia Nacional Constituinte que editaria a nossa Constituio Cidad de 1988.

    Ambos os textos, tanto a Constituio do Brasil de 1967, quanto a Emenda

    Constitucional n 1/69, no produziram mudanas substanciais na normatizao das relaes

    de trabalho entre os servidores pblicos e o Estado, sendo uma reproduo quase fiel do texto

    constitucional revogado em suas virtudes e defeitos, mantendo as caractersticas bsicas de

    2 A promulgao do texto constitucional em verdade constitui-se uma outorga, pois que forjado ao arredio dos pilares democrticos.

  • 35

    regramento de acesso e, em alguns casos, at ampliando o leque de mecanismos de regulao

    de forma a propiciar maior clareza.

    Considerando-se que os executores do golpe militar so servidores pblicos, era de se

    esperar que aos servidores em geral fossem estendidas garantias e regramentos que

    anteriormente nunca haviam constado dos textos constitucionais.

    Entretanto, no se pode deixar de ter em mente que por ser um regime de exceo,

    nada, nem nenhum regramento constitucional, poderia impedir que os mandatrios de planto

    cometessem arbitrariedades contra os direitos de quem quer que se lhes opusesse resistncias,

    seja servidor pblico ou no, de forma que as garantias institucionais postas em lei ou na

    Constituio no passaram, durante todo o perodo do regime militar, de letra morta.

    Aps a redemocratizao e a edio da Constituio Federal de 1988, um novo

    patamar tcnico foi alcanado na matria administrativa pblica, com a introduo de novos

    institutos e conceitos, que, pela sua atualidade e importncia, merecem anlise separada e

    acurada.

  • 36

    2 A ATUAL DIMENSO LEGAL DA ADMINISTRAO PBLICA BRASILEIRA

    2.1 O Princpio Constitucional da Acessibilidade aos Cargos Pblicos e as Hipteses

    Constitucionais de Admisso

    A Constituio da Repblica Federativa do Brasil, em seu artigo 37, caput, e inciso I,

    estabelece regramentos destinados Administrao Pblica, nos seguintes termos:

    Art. 37. A administrao pblica direta e indireta de qualquer dos Poderes da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios obedecer aos princpios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficincia e, tambm, ao seguinte: I

    os cargos, empregos e funes pblicas so acessveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei. (BRASIL, 1988)

    Explicita o texto do artigo 37 da Carta Maior os princpios aos quais est adstrita a

    administrao pblica brasileira, em seus diversos nveis e esferas.

    Analisando referidos princpios constitucionais, manifestou-se Hely Lopes Meirelles:

  • 37

    Os princpios bsicos da administrao pblica esto consubstanciados em quatro regras de observncia permanente e obrigatria para o bom administrador: legalidade, moralidade, impessoalidade e publicidade. Por esses padres que se ho de pautar todos os atos administrativos. Constituem , por assim dizer, os fundamentos da validade da ao administrativa, ou, por outras palavras, os sustentculos da atividade pblica. Releg-los desvirtuar a gesto dos negcios pblicos e olvidar o que h de mais elementar para a boa guarda e zelo dos interesses scias. (1990, p. 77-78)

    A lio de Meirelles anterior Emenda Constitucional n 19, de 04.06.1998, a qual

    acrescentou o princpio da eficincia ao texto do artigo 37, entretanto sem que fenea a

    propriedade e atualidade de sua lavra.

    Tambm estabelecido no pargrafo nico do artigo 37 est o princpio da

    acessibilidade aos cargos pblicos.

    A ampla acessibilidade aos cargos pblicos por todos aqueles que preencham os

    requisitos estabelecidos em lei princpio de concreo dos princpios constitucionais da

    isonomia e da igualdade.3

    Celso Ribeiro Bastos sobre o princpio da isonomia destaca que

    Desde priscas eras tem o homem se atormentado com o problema das desigualdades inerentes ao seu ser e estrutura social em que se insere. Da ter surgido a noo de igualdade a que os doutrinadores comumente denominam igualdade substancial. Entende-se por esta a equiparao de todos os homens no que diz respeito ao gozo e fruio de direitos, assim como a sujeio a deveres. (1990, p. 168-169)

    Ainda o entendimento de Bastos sobre a redao constitucional:

    3 O princpio constitucional da isonomia princpio fundamental da Repblica, posto no artigo 5, caput, da Constituio Federal, segundo o qual todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza.

  • 38

    A expresso atual sem distino de qualquer natureza meramente reforativa da parte inicial do artigo. No que a lei no possa comportar distines. O papel da lei na verdade no outro seno o de implantar diferenciaes. O que no se quer que, uma vez fixado o critrio de discriminao (p. ex.: ser portador de ttulo universitrio para exercer determinada profisso), um outro elemento venha interferir na abrangncia desta mesma discriminao. A por exemplo se diria: as pessoas com mais de quarenta anos de idade ficam dispensadas do referido ttulo. Nisto, portanto, reside a essncia do princpio igualizador. o impedir que critrios o mais das vezes subalternos, portadores de preconceitos ou mesmo voltados estatuio de benefcios e privilgios, possam vir a interferir em uma discriminao justa e razovel feita pela lei. (1990, p. 168-169)

    Efetivamente, sendo o princpio da isonomia ou igualdade um freio terico ao arbtrio

    que constitui distines e estabelece privilgios, notadamente o perpetrado pelo poder

    pblico, d-se o contraponto pela realizao positivada da ampla acessibilidade aos cargos

    pblicos.

    O acesso aos cargos pblicos franqueado a todos os brasileiros que preencham os

    requisitos estabelecidos em lei e aos estrangeiros, na forma da lei.

    A lei que estabelece requisitos para o acesso aos cargos haver de ser lei em sentido

    estrito, emanada do poder legislativo competente, segundo e conforme as determinaes

    constitucionais respectivas.

    Digenes Gasparini esclarece que

    Para o acesso a cargo, emprego ou funo no basta ser brasileiro. O interessado h, ainda, que satisfazer aos requisitos estabelecidos em lei, consoante reza a parte final do referido inciso. A lei responsvel pela instituio desses requisitos a de entidade poltica titular do cargo, emprego ou funo pblica que se deseja preencher, dada a autonomia que se lhes assegura nessa matria. Um dos requisitos sem dvida, lograr aprovao e classificao em concurso pblico de provas ou de provas e ttulos. A lei em apreo da iniciativa do Chefe do Poder Executivo (art. 61, 1, II, c, da CF), em relao aos cargos, empregos e funes desse Poder. Ser, no entanto, resoluo quando tratar-se de criao de cargo do servio administrativo do Legislativo. De fato, no seria lgico, nem

  • 39

    prtico, que esse Poder pudesse criar cargo sem que se lhe reservasse a competncia para estabelecer os requisitos de provimento, por exemplo. O quorum e os turnos de votao so os constantes no Regimento Interno da Casa de Leis competente. (1995, p. 119)

    O ponto de maior divergncia dessa matria reside especificamente na possibilidade

    de introduo, em legislao ordinria, de restries hiptese da ampla acessibilidade.

    A pedra de toque est em infligir as restries devidas para salvaguarda das efetivas

    necessidades dos rgos pblicos sem atropelamento dos princpios assecuratrios de direitos

    e garantias constitucionais.

    Meirelles sobre o assunto assevera que,

    por outro lado, o mesmo art. 37, I, condiciona a acessibilidade aos cargos pblicos ao preenchimento dos requisitos estabelecidos em lei. Com isso, ficam as Administraes autorizadas a prescrever exigncias quanto capacidade fsica, moral, tcnica, cientfica e profissional, que entender convenientes, como condies de eficincia, moralidade e aperfeioamento do servio pblico. Mas lei especfica, de carter local, vedado dispensar condies estabelecidas em lei nacional para a investidura em cargos pblicos, como as exigidas pelas leis eleitoral e do servio militar, ou para o exerccio de determinadas profisses (Constituio da Repblica, art. 22, XVI). E tanto uma como outra dever respeitar as garantias asseguradas do art. 5, da Constituio da Repblica, que veda distines baseadas em sexo, raa, trabalho, credo religioso e convices polticas. [...] Quanto ao princpio da isonomia (Constituio da Repblica, art. 5), preciso ver que, alm das distines acima referidas a igualdade de todos os brasileiros perante a lei veda as exigncias meramente discriminatrias, como as relativas ao local de nascimento, condies pessoais de fortuna, famlia, privilgios de classe ou qualquer outra qualificao social. E assim porque os requisitos a que se refere o texto constitucional ho de ser apenas os que, objetivamente considerados, se mostrem necessrios ao cabal desempenho da funo pblica. (1990, p. 368-369)

    No mesmo diapaso, Dallari, a referir-se especificidade da questo da restrio ao

    acesso pela imposio de condies:

    A questo dos requisitos que a lei poder estabelecer como condio de provimento de cargos, funes e empregos pblicos fica um pouco mais complicada diante da proibio expressa da utilizao de sexo, idade, cor ou

  • 40

    estado civil como critrio de admisso, conforme consta do art. 7, XXX, aplicvel aos servidores pblicos por determinao do art. 39, 2 da CF.4

    Entendemos que a Constituio veda restries estabelecidas por mera discriminao, por puro preconceito. A enumerao de alguns fatores de discriminao no texto do dispositivo no significa que outros sejam tolerados. A relao meramente exemplificativa pois dela no consta a distino por motivo de raa (implicitamente contida no inciso XLII, do artigo 5), que, alm de ensejar as sanes normais a qualquer ato preconceituoso (sua nulidade, a responsabilidade funcional do agente) constitui crime inafianvel e imprescritvel, punido com pena de recluso. Assim sendo, tanto o estabelecimento de condies referentes altura, idade, bem como ao sexo, podero ser lcitos ou no, caso respeitem ou violem o princpio da isonomia, isto , caso sejam ou no pertinentes, o que se verificar em cada caso concreto. Condio pertinente ser somente aquela ditada pela natureza da funo a ser exercida, ou seja, circunstncia, fator ou requisito indispensvel para que a funo possa ser bem exercida, o que no se confunde com a mera convenincia da administrao, nem com preferncias pessoais de quem quer que seja. (1990, p. 32)

    Frente a tais disposies constitucionais, diversas so as possibilidades postas aos

    administradores pblicos para impor restries descabidas e contrrias ao Texto Maior,

    visando a burla ao princpio da ampla acessibilidade aos cargos, empregos e funes pblicas,

    seja atravs da do estabelecimento, em lei, de condies contrrias aos direitos e garantias,

    seja por limitao em regramento inferior, notadamente os regulamentos e editais, os quais

    podem vir a ser instrumentos de excluso e favorecimento de grupos ou indivduos, restando

    aos operadores do direito a necessidade de ateno na anlise e interpretao dos regramentos,

    para salvaguarda dos princpios constitucionais.

    As hipteses constitucionais de admisso esto dispostas nos incisos II e IX do artigo

    37 da Constituio Federal, nos seguintes termos:

    Art. 37. [...] II

    a investidura em cargo ou emprego pblico depende de aprovao prvia em concurso pblico de provas ou de provas e ttulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeaes para cargo em comisso declarado em lei de livre nomeao e exonerao;

    4 O texto constitucional referido passou, com alteraes, para o 3 do artigo 39.

  • 41

    [...] IX

    a lei estabelecer os casos de contratao por tempo determinado para

    atender a necessidade temporria de excepcional interesse pblico. (BRASIL, 1988)

    A regra geral de acesso aos cargos e empregos pblicos a submisso ao certame

    pblico de seleo atravs de provas ou de provas e ttulos, pelos quais a administrao pode

    aferir a capacidade e adequao fsica, intelectual e moral, dentre outros requisitos, dos

    candidatos submetidos aos processos de seleo e que tenham logrado aprovao e

    classificao suficiente frente ao nmero de cargos ou empregos aos quais tenham se

    candidatado.

    A seleo por meio de concursos pblicos instrumento de realizao concreta dos

    princpios constitucionais, especialmente os princpios da legalidade, impessoalidade e

    moralidade.

    Meirelles advoga tal entendimento:

    O concurso o meio tcnico posto disposio da Administrao Pblica para obter-se a moralidade, eficincia e aperfeioamento do servio pblico, e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos da lei, consoante determina o art. 37, II, da Constituio da Repblica. Pelo concurso se afastam, pois, os ineptos e os apaniguados, que costumam abarrotar as reparties, num espetculo degradante de protecionismo e falta de escrpulos de polticos que se alam e se mantm no poder, leiloando empregos pblicos . (1990, p. 370)

    O concurso pblico, para bom desempenho de seu mister constitucional, h de ser

    levado a efeito observando-se os ditames constitucionais, sob pena de constituir-se em letra

    morta, instrumento de manipulao e apropriao dos espaos pblicos.

    Dallari esclarece as caractersticas informadoras dos certames pblicos:

  • 42

    Assinale-se, inicialmente, que o adjetivo pblico se ope s idias de sigiloso, reservado, interno, restrito, etc. Somente ser pblico o concurso aberto a todo e qualquer interessado que preencha os requisitos de inscrio estabelecidos em lei. Tem-se como bvio que o edital do concurso no pode fixar como requisitos de inscrio seno aquilo que tambm for requisito legalmente estabelecido para o provimento de cargo em disputa, pois obviamente estar bloqueada a acessibilidade ao cargo a quem no puder se inscrever. [...] Concurso pblico um procedimento administrativo, aberto a todo e qualquer interessado que preencha os requisitos estabelecidos em lei, destinado seleo de pessoal, mediante a aferio do conhecimento, da aptido e da experincia dos candidatos, por critrios objetivos, previamente estabelecidos no edital de abertura, de maneira a proporcionar uma classificao de todos os aprovados. (1990, p. 32-35)

    O texto constitucional, considerado o acesso aos cargos e empregos pblicos atravs

    de certame pblico como regra geral de permisso, estabeleceu, textualmente, outras duas

    regras excepcionais de permisso de acesso, as nomeaes para cargo em comisso declarado

    em lei de livre nomeao e exonerao e os casos de contratao por tempo determinado para

    atender a necessidade temporria de excepcional interesse pblico.

    O inciso V do artigo 37 da Carta Maior oferece os balizamentos para a efetivao do

    acesso atravs dos denominados cargos em comisso: V as funes de confiana, exercidas

    exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comisso, a serem

    preenchidos por servidores de carreira nos casos, condies e percentuais mnimos previstos

    em lei, destinam-se apenas s atribuies de direo, chefia e assessoramento. (BRASIL,

    1988)

    Os cargos em comisso, em contrariedade aos cargos de provimento efetivo,

    prescindem de seleo pblica para seu preenchimento, sendo de nomeao a livre critrio do

    administrador e de exonerao ad nutum, sem requerer outra circunstncia que no seja a

    convenincia administrativa.

  • 43

    O inciso IX do artigo 37 da Constituio Federal estipula as condies para a

    contratao por tempo determinado: IX - a lei estabelecer os casos de contratao por

    tempo determinado para atender a necessidade temporria de excepcional interesse pblico;

    (BRASIL, 1988)

    A exceo prevista destina-se a possibilitar contratao de pessoal para enfrentar

    situaes extraordinrias, que no podem ser enfrentadas com o contingente normal de

    servidores sob pena de prejuzo para a prestao continuada dos servios pblicos, e em

    carter temporrio a ser estabelecido em lei.

    2.2 O Princpio Constitucional da Legalidade e as Formas Originrias e Derivadas de

    Admisso

    O princpio constitucional da legalidade princpio essencial, especfico e informador

    do Estado de Direito, que o qualifica e lhe e lhe d identidade. (MELLO, 1996, p. 56)

    O inciso II do artigo 5 da Constituio Federal consagrou o princpio da legalidade

    nos seguintes termos: II

    ningum ser obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa

    seno em virtude de lei. (BRASIL, 1988)

    Tambm est explicito o princpio no artigo 37, caput, que estabeleceu a vinculao de

    todo o agir administrativo pblico legalidade.

    Fabio Medina Osrio, em sua obra Improbidade Administrativa, advoga a submisso

    dos atos administrativos ao princpio da legalidade:

  • 44

    Saliente-se que o princpio da legalidade administrativa encontra ressonncia, de um modo geral, na idia de Estado de Direito. De um lado, a legalidade dos atos dos administradores resulta da diviso dos poderes. De outra parte, a legalidade produto, tambm, de uma concepo da lei enquanto vontade geral . A administrao uma funo essencialmente executiva: ela encontra na lei o fundamento e o limite de suas aes.

    [...] A regra, pois, aos particulares, a liberdade de agir. As limitaes, positivas ou negativas, devero estar expressas em leis.

    Aos agentes pblicos, todavia, tal princpio inverso. A liberdade de agir encontra sua fonte legtima e exclusiva nas leis. No havendo leis outorgando campo de movimentao, no h liberdade de agir. Os agentes pblicos, na ausncia das previses legais para seus atos, ficam irremediavelmente paralisados, inertes, impossibilitados de atuao. (1998, p. 126-127)

    A devida conformao do agir administrativo ao princpio constitucional da legalidade

    ganhou corpo e se consolidou, dentre outras, na j clssica lio de Meirelles:

    A legalidade, como princpio de administrao, (Const. Rep., art.37, caput), significa que o administrador pblico est, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei, e s exigncias do bem-comum, e deles no se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato invlido e expor-se responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.

    A eficcia de toda atividade administrativa est condicionada ao atendimento da lei.

    Na Administrao Pblica, no h liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administrao particular lcito fazer tudo que a lei na probe, na Administrao Pblica s permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular, significa pode fazer assim ; para o administrador pblico significa deve fazer assim .

    As leis administrativas so, normalmente, de ordem pblica, e seus preceitos no podem ser descumpridos, nem mesmo por acordo ou vontade conjunta de seus aplicadores e destinatrios, uma vez que contm verdadeiros poderes-deveres, irrelegveis pelos agentes pblicos. Por outras palavras, a natureza da funo pblica e a finalidade do Estado impedem que seus agentes deixem de exercitar os poderes e de cumprir os deveres que a lei lhes impe. Tais poderes, conferidos Administrao Pblica para serem utilizados em benefcio da coletividade, no podem ser renunciados

  • 45

    ou descumpridos pelo administrador, sem ofensa ao bem-comum, que o supremo e nico objetivo de toda a ao administrativa. (1990, p. 78)

    Assim, o princpio da legalidade apresenta-se como um freio aos abusos e

    autoritarismos e personalismos, restringindo a atuao pblica aos ditames legais e

    resguardando diretos pessoais e coletivos.

    No dizer de Celso Antnio Bandeira de Mello:

    Com efeito, enquanto o princpio da supremacia do interesse pblico sobre o interesse privado da essncia de qualquer Estado, de qualquer sociedade juridicamente organizada com fins polticos, o princpio da legalidade o especfico do Estado de Direito, justamente aquele que o qualifica e que lhe d identidade prpria. Por isso mesmo o princpio basilar do regime jurdico-administrativo, j que o direito administrativo (pelo menos aquilo que como tal se concebe) nasce com o Estado de Direito: uma conseqncia dele. o fruto da submisso do Estado lei. em suma: a consagrao da idia de que a Administrao Pblica s pode ser exercida na conformidade da lei e que, de conseguinte, a atividade administrativa atividade sublegal, infralegal, consistente na expedio de comandos complementares lei.

    Para avaliar corretamente o princpio da legalidade e captar-lhe o sentido profundo cumpre atentar para o fato de que ele a traduo jurdica de um propsito poltico: o de submeter os exercentes do poder em concreto

    o administrativo

    a um quadro normativo que embargue favoritismos, perseguies ou desmandos. Pretende-se atravs da norma geral, abstrata e por isso mesmo impessoal, a lei, editada pois pelo Poder Legislativo

    que o colgio representativo de todas as tendncias (inclusive minoritrias) do corpo social

    garantir que a atuao do Executivo nada mais seja seno a concretizao desta vontade geral.

    O princpio da legalidade contrape-se, portanto, e visceralmente, a quaisquer tendncias de exarcebao personalista dos governantes. Opes-se a todas as formas de poder autoritrio, desde o absolutista, contra o qual irrompeu, at as manifestaes caudilhescas ou messinicas tpicas dos pases subdesenvolvidos. O princpio da legalidade o antdoto natural do poder monocrtico ou oligrquico, pois tem como raiz a idia de soberania popular, de exaltao da cidadania. (1996, p. 56-57)

  • 46

    ainda de ser considerada a observao de Gasparini no sentido de que o princpio da

    legalidade estende seus alcances a toda a atividade estatal, no somente atividade de

    administrao pblica:

    Por fim, observe-se que o princpio da legalidade no incide s sobre a atividade administrativa. extensivo, portanto, s demais atividades do Estado. Aplica-se, pois, funo legislativa, salvo nos pases de Constituio flexvel, onde o Poder Legislativo pode livremente, alterar o texto constitucional. O Legislativo, no caso, tambm poder constituinte, como ocorre na Inglaterra. Aplica-se ainda atividade jurisdicional. Assim, no pode o Judicirio comportar-se com inobservncia da lei. Seu comportamento tambm se restringe aos seus mandamentos. O mesmo se pode dizer das cortes de contas. Em suma, ningum est acima da lei. (1995, p. 06)

    Fixada a noo de que a todos os poderes e rgos do aparato estatal devida a

    subservincia ao princpio constitucional da legalidade e a de que a nenhum particular

    obrigatria qualquer ao ou omisso seno mediante previso legal, cabe estabelecer a

    caracterstica de, mais que um direito individual, ser o princpio da legalidade uma garantia

    constitucional. Bastos bem expressa tal opinio:

    O princpio de que ningum obrigado a fazer ou deixar de fazer algo seno em virtude de lei surge como uma das vigas mestras de nosso ordenamento jurdico.

    A sua significao dplice. De um lado representa o marco avanado do Estado de Direito, que procura jugular os comportamentos, quer individuais, quer dos rgos estatais, s normas jurdicas das quais as leis so a suprema expresso. Nesse sentido, o princpio da legalidade de transcendental importncia para vincar as distines entre o Estado constitucional e o absolutista, este ltimo antes da Revoluo Francesa. Aqui havia lugar para o arbtrio. Com o primado da lei cessa o privilgio da vontade caprichosa do detentor do poder em benefcio da lei, que se presume ser a expresso da vontade coletiva.

    De outro lado, o princpio da legalidade garante o particular contra os possveis desmandos do Executivo e do prprio Judicirio. Instaura-se, em

  • 47

    conseqncia, uma mecnica entre os Poderes do Estado, da qual resulta ser lcito a apenas um deles, qual seja o Legislativo, obrigar aos particulares.

    Os demais atuam as suas competncias dentro dos parmetros fixados pela lei. A obedincia suprema dos particulares, pois, para com o legislativo. Os outros, o Executivo e o Judicirio, s compelem na medida em que atuam a vontade da lei. No podem, contudo, impor ao indivduo deveres ou obrigaes ex novo, dizer, calcados na sua exclusiva autoridade.

    No fundo, portanto, o princpio da legalidade mais se aproxima de uma garantia constitucional do que de um direito individual, j que ele no tutela, especificamente, um bem da vida, mas assegura, ao particular, a prerrogativa de repelir as injunes que lhe sejam impostas por uma outra via que no seja a da lei. (1990, p. 172)

    Tambm deve ser observada a evoluo do princpio da legalidade, partindo da

    premissa bsica da obrigatria observncia da lei pela administrao e da ampla liberdade dos

    indivduos frente inexistncia de impedimento legal, para uma esfera mais ampla, em que a

    administrao pblica haver de, alm de submeter-se legalidade formal, ater-se a outros

    conceitos, normas e princpios, informativos do princpio da juridicidade, o qual a legalidade,

    os princpios jurdicos , os princpios constitucionais e demais formas de expresso jurdica,

    ou seja, h a necessidade da submisso dos atos de administrao a todo o ordenamento

    jurdico. Wallace Paiva Martins Jnior define a extenso de tal princpio:

    Verifica-se, portanto, que a expresso legalidade no significa nem se reduz, absolutamente, lei em sentido formal (uma vez que concentrado o cabimento desta em matria referente interveno estatal na esfera das liberdades e direitos fundamentais do administrado, concebendo-se conceitos de legalidade estrita e ampla) e que, concomitantemente, o princpio da legalidade foi evoluindo para um sentido que admite outras formas de expresso jurdica: princpio da juridicidade, abarcando Constituio, Leis, princpios jurdicos, regulamentos, decretos-leis, atos normativos inferiores, compatibilizados, tanto estes como aquelas, com as prescries constitucionais de cada ordenamento jurdico.

    [...] Essa depurao do princpio da legalidade permite, portanto, inferir uma profunda distino entre a legalidade propriamente dita (reserva de lei, legalidade absoluta ou estrita), suas espcies, nveis e juridicidade

    este, sim, um princpio de maior abrangncia, contendo a legalidade, os

  • 48

    princpios jurdicos (como a moralidade) e, mais do que isso, os princpios constitucionais e outras formas de expresso jurdica. (2001, p. 72-74)

    Os atos de admisso de servidores pblicos 5 levados a efeito, nos termos

    constitucionais, pela administrao pblica direta e indireta de qualquer dos Poderes da

    Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios havero de se submeter, dentre

    outros, ao referido princpio constitucional da legalidade.

    As formas originrias de admisso ao servio pblico so as postas em nvel

    constitucional, quais sejam a investidura em cargo ou emprego pblico atravs de aprovao

    prvia em concurso pblico de provas ou de provas e ttulos, as nomeaes para cargo em

    comisso e as contrataes por tempo determinado para atender a necessidade temporria de

    excepcional interesse pblico.

    A caracterstica fundamental do provimento originrio o fato de no estar

    diretamente vinculado a qualquer relao anterior, ou seja, o provimento do cargo, emprego

    ou funo pblica haver de ser a primeira do servidor especificamente naquele cargo,

    emprego ou funo, ou, na lio de Meirelles:

    Provimento o ato pelo qual se efetua o preenchimento do cargo pblico, com a designao de seu titular. O provimento, pode ser originrio ou inicial, e derivado. Provimento inicial o que se faz atravs de nomeao, que pressupe a inexistncia de vinculao entre a situao de servio anterior do nomeado e o preenchimento do cargo. Assim, tanto provimento inicial a nomeao de pessoa estranha aos quadros do servio pblico quanto a de outra que j exercia funo pblica como ocupante de cargo no vinculado quele para o qual foi nomeada. J o provimento derivado, que se faz por transferncia, promoo, remoo, acesso,

    5 Servidores pblicos, para a anlise em curso, so todos aqueles que mantm com o Estado e entidades de sua administrao indireta ou fundacional, relao de trabalho de natureza profissional e de carter no eventual sob vnculo de dependncia. (MELLO, 1996, p. 136) Segundo Meirelles, os servidores pblicos constituem subespcies dos agentes pblicos administrativos, categoria que abrange a grande massa de prestadores de servios Administrao e a ela vinculados por relaes profissionais, em razo de investidura em cargos e funes, a ttulo de emprego e com retribuio pecuniria. (1990, p. 354)

  • 49

    reintegrao, readmisso, enquadramento, aproveitamento ou reverso, sempre uma alterao na situao de servio de provido. (1990, p. 360)

    Os atos de admisso derivados podem ser dispostos em trs grupos: atos de admisso

    derivados verticais (promoo e ascenso), atos de admisso derivados horizontais

    (reenquadramentos, transferncias, transposies de regime, readaptaes) e os atos de

    admisso derivados por reingresso (reintegraes, reverses, aproveitamentos, reconduo).6

    Tanto os atos de admisso originrios quanto os derivados devero estar conformes ao

    princpio constitucional da legalidade e sero submetidos a controles.

    O controle dos atos de administrao pblica, especificamente os atos de admisso,

    ser exercido pelos sistemas de controle interno dos poderes e rgos da administrao e

    pelos rgos de controle externo, considerado nesses o controle efetivado pela esfera judicial.

    A Carta Maior regrou, em seu artigo 74, a imperiosa necessidade de os poderes

    legislativo, executivo e judicirio manterem sistema de controle interno com a finalidade de

    avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execuo dos programas e

    dos oramentos; de comprovar a legalidade e avaliar resultados quanto eficcia e eficincia

    da gesto oramentria, financeira e patrimonial; de exercer o controle das operaes de

    crdito, avais e garantias, bem como dos direitos e haveres da Unio e de apoiar o controle

    externo.

    Tambm na Lei Complementar n 101/00, que estabelece normas de finanas pblicas

    voltadas para a responsabilidade na gesto fiscal, em seu artigo 59, estabelecida est a

    necessidade dos poderes implementarem sistemas de controle interno.

    6 Essa diviso pode ser observada, com algumas diferenas, em Mello. (1996, p. 164-165)

  • 50

    O sistema de controle interno o rgo responsvel pela verificao da adequao do

    agir administrativo aos ditames regulamentares e constitucionais e, por conseqncia, tambm

    o controle primeiro a ser realizado sobre os atos de admisso de servidores.

    Outro controle a ser exercido sobre os atos administrativos pblicos o controle

    externo, que engloba uma tripla distribuio de atribuies entre o controle parlamentar, o

    controle a ser exercido pelo Tribunal de Contas e o controle jurisdicional.

    Efetivamente o texto constitucional, em seu artigo 71, estabelece que o controle

    externo, a cargo do Congresso Nacional, ser exercido com o auxlio do Tribunal de Contas

    da Unio.

    O controle parlamentar tambm est consignado no artigo 49, inciso X, da

    Constituio Federal, segundo o qual da competncia exclusiva do Congresso Nacional

    fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo,

    includos os da administrao.

    Com efeito, a atribuio de fiscalizao est a cargo, compete ao Congresso Nacional,

    em uma clara demonstrao constitucional de que queles aos quais compete a representao

    popular na atividade legislativa especfica tambm havero de realizar o controle popular da

    administrao por representao.

    Aos Tribunais de Contas da Unio, Estados e Municpios (somente onde houver) a

    Carta Magna outorgou uma enorme gama de atribuies e competncias, dentre as quais

    ressalta, para o trabalho presente, a importncia do inciso III do artigo 71, o qual versa que

    compete ao Tribunal de Contas apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de

    administrao de pessoal, a qualquer ttulo, na administrao direta e indireta, includas as

    fundaes institudas e mantidas pelo Poder Pblico, excetuadas as nomeaes para cargo de

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    provimento em comisso, bem como a das concesses de aposentadorias, reformas e penses,

    ressalvadas as melhorias posteriores que no alterem o fundamento legal do ato concessrio.

    pela atuao direta das Cortes de Contas, atravs de seus procedimentos

    fiscalizatrios, que o controle externo dos atos de admisso de servidores pblicos se

    concretiza formalmente, sendo levados ou no a registro conforme estejam adequados s

    determinaes legais e adaptado aos princpios constitucionais, especialmente o da legalidade.

    Os atos que devem ser apreciados para registro so os atos de admisso originrios,

    correspondentes primeira investidura em cargo, emprego ou funo determinados, sendo os

    atos de admisso derivados, verticais, horizontais ou por reingresso, considerados como

    mutaes funcionais, as quais tambm sero objeto de fiscali