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Rev. Saberes UNIJIPA, Ji-Paraná, Vol 5 nº 1 Jan/Jun 2017 ISSN 2359-3938

O ALIENISTA: UMA ANÁLISE DAS PRÁTICAS PSICOLÓGICAS SOB O PONTO

DE VISTA DA PSICOLOGIA MODERNA

Josefa Aparecida Pereira de Andrade1

Mayara Alves Aristides2

Maria Lima Silva Teixeira3

Mirian Gabriella Gomes da Silva4

RESUMO: Através de um paralelo traçado entre a psicologia Moderna e a aplicabilidade da psicologia clínica pelo médico Simão Bacamarte, no livro “O alienista”, de Machado de Assis, este trabalho visa conhecer a definição de saúde/ doença mental adotada pelo médico bem como, as técnicas de seleção utilizadas para classificar os considerados “loucos”. Buscou-se, ainda, analisar o desdobramento e crescimento dos estudos dos aspectos psicológicos na época, relacionando-o aos fatores históricos bem como os estudos da psicologia na atualidade, compreendendo como se deu o processo de reconhecimento e aceitação da Psicologia como ciência moderna.

Palavras-chave: Psicologia Moderna. Sociedade. Psicólogo. Ciência. Psicologia Aplicada.

.

1 INTRODUÇÃO

A psicologia como ciência e os conceitos derivados da sua aplicabilidade

evoluíram e permanecem em constante aprimoramento. Entender como se deu este

processo de desenvolvimento é essencial para a ciência da psicologia bem como

para os profissionais que dedicam suas vidas a compreender a subjetividade dos

indivíduos.

Pois "A psicologia moderna corresponde várias áreas de estudo que pouco

1 Acadêmica do curso de Bacharelado em Psicologia da Faculdade Panamericana de Ji-Paraná-

UNIJIPA. E-mail: [email protected] 2 Acadêmica do curso de Bacharelado em Psicologia da Faculdade Panamericana de Ji-Paraná-

UNIJIPA. E-mail: [email protected] 3Acadêmica do curso de Bacharelado em Psicologia da Faculdade Panamericana de Ji-Paraná-

UNIJIPA. E-mail: [email protected] 4Docente do curso de Psicologia da Faculdade Panamericana de Ji-Paraná/RO, Especialista em

serviço social com Ênfase em: Educação, Saúde, Gestão e em Políticas Públicas pelo Santo André/SP (2013). Bacharel em Psicologia pelas faculdades integradas de Cacoal-UNESC/RO. (2011). E-mail: [email protected]

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parece termo em comum, exceto o grande interesse na natureza e no

comportamento humano, e uma abordagem que tenta, de algum modo, ser

científica" (SHULTS; SHULTS, 2015).

No Brasil, a Psicologia enquanto ciência,completa pouco mais de meio século

eembora suas raízes históricas sejam oriundas da filosofia e fisiologia, aqui,

influenciadas pelo cientificismoeuropeu, sua história está diretamente vinculadaá

área da medicina, pois foi a partir dos profissionais da saúde que a psicologia,

disfarçadamente, adentra no início do século XX, as divisas territoriais brasileiras.

Após este contato inicial, décadas sucederam e o campo expandiu-se. Agora,

Além da medicina e filosofia, a educação apodera-se também dos estudos e

conhecimentos desenvolvidos pelas ciências psicológicas. Neste momento, a partir

da institucionalização da profissão, a criação do Conselho Federal, a psicologia

brasileira toma novos ares e passa a ocupar o lugar merecido no rol das ciências

modernas.

Assim sendo, este trabalho se desenvolveu através de uma análise reflexiva a

cerca dos fatos históricos que permeiam a história da psicologia como ciência

moderna. A partir deste pensamento,se buscou traçar um paralelo entre a prática

psicológica aplicada pelo médico Simão Bacamarte, personagem da ilustre obra

machadiana, O alienista, ea Psicologia Moderna. Compreendendo a definição, o uso

e aplicabilidade da psicologia naquela ocasião e época, analisando os meios,

métodos, classificações e procedimentos aplicados àqueles tidos como “loucos”

pelo, então psicólogo Simão Bacamarte.

2 METODOLOGIA

Como metodologia, optou-se pela pesquisa bibliográfica sob o ponto de vista

a abordagem qualitativa, tendo como referência, além do próprio livro de Machado

de Assis “O alienista” (2000) e outras obras como Holocausto Brasileiro (2013), livro-

reportagem da jornalista Daniela Arbex e o livro História da Psicologia Moderna de

Shults e Shults (2015). Repletas de detalhes e informações tais obras embasaram,

enriqueceram e nortearam este trabalho.

Segundo Liebscher (1998), a abordagem qualitativa é viável quando o

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fenômeno em estudo é complexo, de natureza social e de difícil quantificação. De

acordo com o autor, para usar adequadamente a abordagem qualitativa, o

pesquisador precisa aprender a observar, analisar e registrar as interações entre as

pessoas e entre as pessoas e o sistema.

Para Chizzotti:

Abordagem qualitativa parte do fundamento de que há relação

dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva

entre sujeito e objeto, um vínculo indissociável entre o mundo

objetivo e subjetivo do sujeito. O objeto não é um dado inerte e

neutro; está possuído de significados e relações que sujeitos

concretos criam em suas ações (CHIZZOTTI p.79 2001).

Entende-se, portanto, que a abordagem qualitativa, neste sentido, é

indispensável, uma vez que analisamos o sujeito como conhecedor e como objeto

de conhecimento.

3 O NASCIMENTO DA PSICOLOGIA COMO CIÊNCIA

O estudo da subjetividade humana, o homem enquanto ser afetivo, psíquico e

social, evoluiu muito ao longo da história e continua evoluindo, pois como sendo um

ser em processo de desenvolvimento, impulsiona também a necessidade da

evolução em seu estudo e compreensão.

Mandler (2007 apud Shults; et al., 2013) afirma que: "com relação á

psicologia, os pontos de vistas dos antepassados ao longo dos últimos 2.500 anos

estabeleceram a estrutura na qual todo o trabalho subsequente tem sido feito".

Neste sentido, a Psicologia nos remonta ao século V a.c. quando Platão e

Aristóteles, no intuito de conhecer e entender os aspectos comportamentais do

homem, iniciavam seus primeiros estudos. Porém, foi com o psicólogo alemão

Wilhelm Wundt que a Psicologia alcançou o título de ciência experimental, sendo

influenciado pelos pensamentos filosóficos e fisiológicos da época, século XIX. Por

meio do trabalho desenvolvido por Wundt e pelos incessantes estudos daqueles que

o sucederam, no início do século XX, a psicologia, embalado pelos fatores, políticos,

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econômicos, culturais e sociais, disseminou-se pelo mundo, alcançando o devido

valor enquanto ciência moderna.

4 O ALIENISTA: CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO

O século XIX, especificamente na sua segunda metade, marca o surgimento

de novas formas de ver o "homem" enquanto ser individual e ser social, atribuindo,

neste novo momento, uma supervalorização da ciência e da comprovação de tudo

através do saber científico e, este, passa a ser visto como verdade absoluta e

inquestionável.

Em meados do século XIX, os métodos das ciências naturais estavam sendo empregados para pesquisar fenômenos puramente mentais. Técnicas foram desenvolvidas, aparelhagens foram criadas, livros importantes foram escritos e o interesse crescente se espalhava (SHULTS et al., 2015, p.63).

Na Europa, estudos davam ênfase ao estudo do homem enquanto ser

biológico e social, surgindo também o interesse em conhecê-lo enquanto ser social.

Neste ambiente surge o naturalismo, e o homem, na busca desenfreada para

encontrar soluções e respostas para todas as indagações e comportamentos

humanos, embarca nesta busca.

Neste período, a psicologia enquanto a ciência capaz de explicar os

comportamentos psicossociais do homem em sociedade instigava o surgimento de

muitos laboratórios na Europa, provocando uma verdadeira "corrida do ouro" para a

ciência. Frente a este cenário mundial, no Brasil, muitos fatos estavam acontecendo,

assim, já no final do século XIX, começam a surgir escritores com enfoque

naturalista, obstinados a compreender os segredos da alma humana sob o olhar

científico e objetivo. Na obra, o autor faz questão de enfatizar por diversas vezes

este fenômeno:

Trata-se de coisa mais alta, trata-se de uma experiência científica. Digo experiência, porque não me atrevo a assegurar desde já a minha ideia; nem a ciência é outra coisa, Sr. Soares, senão uma investigação constante. Trata-se, pois, de uma experiência, mas uma

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experiência que vai mudar a face da Terra. A loucura, objeto dos meus estudos, era até agora uma ilha perdida no oceano da razão; começo a suspeitar que é um continente (p.09 2000).

É esta supervalorização á ciência e a alienação científica que é capaz de provocar

no indivíduo que marca o enredo e obra O alienista de Machado de Assis.

O alienista, escrita no final do século XIX, teve sua primeira edição publicada

no ano de 1882. Este acontecimento marca não só a história da obra machadiana,

mas nos faz perceber como os fatores históricos europeus influenciaram diretamente

a literatura e da sociedade brasileira da época. Enquanto no Brasil fatos como a

abolição da escravidão surgia, foram os movimentos europeus do naturalismo e

cientificismo quem influenciaram a elite brasileira, que via através do domínio da

ciência, a oportunidade para se conquistar o reconhecimento e status social, fato

muito explorado pelo escritor ao relatar, através das personagens.

5 O ALIENISTA X PSICOLOGIA MODERNA: SAÚDE E DOENÇA MENTAL

No livro O alienista, a definição de saúde e doença mental adotada pelo médico

Simão Bacamarte fora associada aos comportamentos tidos como inaceitáveis pela

sociedade da época, melhor dizendo, pelo próprio médico que, na ânsia de explicar

algumas atitudes com base na ciência, agia incontroladamente. Aqueles que agiam

fora dos padrões coerentes para a sociedade, padrões estes, por ele estabelecidos,

atribuíam-se título de louco. O autor do livro cita que: "eram furiosos, eram mansos,

eram monomaníacos, era toda a espécie dos deserdados de espírito” (ASSIS,

2000).

Sobre o tema, a história da Psicologia no traz que:

A história do tratamento da doença mental é tanto fascinante quanto deprimente. O reconhecimento da doença mental data de 2.000 a.C. Os babilônios acreditavam na possessão demoníaca como a causa da doença mental, um estado tratado humanitariamente com uma combinação de magia e orações(SHULTS et al., 2015,p. 285).

Para a psicologia moderna, o reconhecimento de saúde e doença mental vai

além da análise de comportamentos isolados, considerando os múltiplos fatores,

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relacionados os aspectos biológicos, psicológicos e sociais de cada indivíduo, não

sendo situações ou atitudes isoladas capazes de definir se um indivíduo está em

plenas condições de saúde ou acometido de uma doença mental.

6 CASA VERDE X COLÔNIA

No livro O alienista, os "loucos" assim definidos pelo alienista, após serem

analisados e classificados segundo o grau de insanidade, padrão estabelecido pelo

próprio Médico Simão Bacamarte, eram recolhidos á Casa verde, casa de orates

assim definida, ou seja, uma manicômio legalmente instituído. Fazendo uma

analogia entre o alienista e a livro-reportagem Holocausto brasileiro, fato assim

definido pela jornalista Daniela Arbex (2013), ao narrar a história do maior hospital

psiquiátrico brasileiro, em Barbacena Minas Gerais, encontramos algumas

peculiaridades comuns. Neste livro, a jornalista resgata a história da barbárie

ocorrida durante a maior parte do século XX, no maior hospício do Brasil, conhecido

por Colônia. Neste trabalho, a autora faz conhecer as atrocidades ocorridas na

Colônia que, assim como na Casa verde, fazia uso de tratamentos não

convencionais, tão pouco comprovados cientificamente, como o uso abusivo de

medicamentos e o isolamento dos pacientes. De acordo com os relatos e

depoimentos, a autora afirma que:

[...] fome e sede eram sensações permanentes no local onde o esgoto que cortava os pavilhões era fonte de água. Nem todos tinham estômago para se alimentar de bichos, mas os anos na Colônia consumiam os últimos vestígios de humanidade [...] (ARBEX, 2013, p.46).

Assim como no livro O alienista, os comportamentos tidos como fora dos

padrões sociais, selecionava os "loucos". Na Colônia, maioria destes pacientes

diagnosticada como doente mental era formada por epiléticos, alcoólatras,

homossexuais, prostitutas, gente que se rebelava ou que se tornara incômoda para

alguém com mais poder, meninas grávidas violentadas pelos patrões, esposos

infiéis, homens e mulheres de comportamento tímido, filhas de grandes fazendeiros

que haviam perdido a virgindade antes do casamento e outros tantos, cujo

comportamento não era aceito pela sociedade.

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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo desenvolvido a cerca do livro O alienista sob o ponto de vista da

Psicologia Moderna, nos proporcionou construir uma análise reflexiva a cerca da

psicologia como ciência, a compreensão do cientificismo exacerbado durante o

século XIX e como os fatores sociais influenciaram a construção conceitual da

ciência e da psicologia como ciência no Brasil.

Durante a realização deste trabalho, foi possível desenvolver o entendimento

a cerca da evolução da ciência ao longo dos séculos, bem como compreender como

estas mudanças influenciaram a definição dos conceitos da própria psicologia, de

saúde e doença mental e do indivíduo como objeto de estudo. Assim sendo,

consideram-se tais estudos de fundamental importância para a construção das

bases que sustentarão nossa atuação enquanto sujeitos instigadores de mudanças,

capazes de provocar o desejo e a busca por aceitação e transformação de vidas.

REFERÊNCIAS ASSIS, M. O alienista. São Paulo: Ática, 2000. ARBEX, Daniela. Holocausto Brasileiro. 1ª ed. São Paulo: Geração Editorial, 2013. CHIZZOTTI, Antônio. Pesquisas em ciências humanas e sociais. 5ª Edição. São Paulo: Cortez 2001 MANDLER, G. A history of Modern Experimental Psychology. Cambridge:MIT Press, 20007. SHULTS, D. P.; SHULTS S. E. História da Psicologia Moderna. 12 ed. São Paulo. Cultrix, 2015.