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O ANFÍBIO Revista do Corpo de Fuzileiros Navais – n o 23 – Ano XXIV- 2004 Operação Haiti

o anfibio

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O ANFÍBIORevista do Corpo de Fuzileiros Navais – no 23 – Ano XXIV- 2004

Operação Haiti

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Como órgão de divulgação do Corpo de Fuzileiros Navais (CFN), a primeira revistafoi editada em setembro de 1939 com o nome de “O Naval”, circulando até 1943. Emmarço de 1954, surgia o primeiro jornal dos Fuzileiros – “O Anfíbio” –, publicadoaté 1977.

Aproveitando esta denominação, a partir de 1961, iniciou-se a edição da Revis-ta dos Fuzileiros Navais – O ANFÍBIO – em circulação até hoje. Destina-se a divul-gar a doutrina anfíbia e o moderno emprego de Forças de FN, difundir a história etradições do CFN, e constituir-se em foro para debate de idéias que estimulem oaperfeiçoamento técnico-profissional.

As opiniões emitidas nos artigos deste periódico são de inteira responsabilidadede seus autores, não refletindo, necessariamente, o pensamento ou atitude do Co-mando-Geral do Corpo de Fuzileiros Navais, a não ser que assim esteja expressa-mente declarado.

Todos os trabalhos aqui publicados são de caráter gratuito.É permitida a reprodução total ou parcial das matérias. Solicita-se a citação da

fonte e a remessa de um exemplar da publicação.

Editorial ........................................................................................................ 2Haiti 2004: contribuições do CMatFN ....................................................3O Grupamento Operativo de Fuzileiros Navais Haiti: o pouso doAlbatroz ........................................................................................................ 9Operação Haiti: aspectos navais ........................................................... 19As Operações de Paz no terceiro milênio .............................................. 23A participação da Marinha do Brasil na Força Interamericanade Paz (FIP) na República Dominicana (1965-1966) ......................... 43Ainda a Guerra do Iraque ....................................................................... 61Operação Iraqi Freedom: a mobilização norte-americana eo apoio logístico em terra ....................................................................... 77A guerra centrada em rede ..................................................................... 83Grupo de Ataque Expedicionário: uma nova concepçãode emprego para as Forças de Fuzileiros Navais americanas ........... 91Amazônia Azul: espaço de batalha para oscombatentes anfíbios ............................................................................... 95Armas não-letais .................................................................................... 105O Plano Schliefen: falhas que o levaram ao insucesso ................... 115

O ANFÍBIO – no 23 – Ano XXIV – 2004

Comandante-Geral do Corpo deFuzileiros NavaisAlmirante-de-Esquadra (FN)Marcelo Gaya Cardoso Tosta

Editor ResponsávelCapitão-de-Mar-e-Guerra (FN)Ricardo Lício Gonçalves Neto

CoordenaçãoCapitão-de-Fragata (FN)Marcos José Ferreira VianaCapitão-de-Fragata (FN)Renato Rangel Ferreira

Projeto Gráfico e EditoraçãoCapitão-de-Fragata (T)Yeda Lúcia Arouche Nunes

Assessoria de Relações Públicas doComando-Geral do Corpo deFuzileiros NavaisFortaleza de São José, s/nIlha das Cobras – CentroRio de Janeiro – RJ – 20091-000Tel.: (21) 3870-6627

BRASILCorpo de Fuzileiros Navais

Sumário

O ANFÍBIO

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EDITORIAL

“O Anfíbio”, do ano de 2004, assinala com especial atenção a

destacada participação do Corpo de Fuzileiros Navais e da Marinha do

Brasil na Operação Haiti. O chamado da Organização das Nações Unidas

para participar da Missão de Estabilização no Haiti – MINUSTAH – pôde

ser prontamente atendido, atestando a capacidade extraordinária do

CFN para, com o apoio dos meios navais, realizar operações distantes

de suas bases.

Visando registrar todos os fatos relacionados a essa complexa missão,

apresentamos uma série de artigos que abordam seus aspectos logísticos e

de material, navais, organizacionais e operacionais, ressaltando o esforço

sinérgico para a mobilização dos setores Operativo e de Apoio da MB.

Outros dois trabalhos buscam aprofundar e ilustrar a temática das

Operações de Paz: um deles abordando a dinâmica dos mecanismos

voltados ao planejamento e controle dessas operações e suas perspectivas

para o terceiro milênio; e outro versando sobre a participação da Marinha do

Brasil na Força Interamericana de Paz na República Dominicana, entre os

anos de 1965 e 1966.

Fazemos publicar, também, oportunos artigos sobre: os Grupos de

Ataque Expedicionários das Forças de Fuzileiros Navais norte-americanas; a

Guerra Centrada em Rede; o emprego de armas não-letais; a execução do

Plano Schlieffen; e as possíveis contribuições dos Fuzileiros Navais para a

defesa da Amazônia Azul. E, ainda, dois importantes trabalhos a repeito da

Operação Iraqi Freedom: o primeiro, analisando os níveis político e

estratégico-militar do conflito; e o segundo, comentando os aspectos

logísticos da operação.

O presente trabalho é o resultado das valiosas contribuições de diversos

colaboradores. Ao reunir uma multiplicidade de artigos de elevado nível

técnico-profissional, pretende preservar a tradição de ser um foro para o

debate de idéias e, ao mesmo tempo, veículo de divulgação de temas

relacionados à doutrina anfíbia e ao moderno emprego de Forças de

Fuzileiros Navais. É pois, com grande satisfação e orgulho que

apresentamos a 23a edição da revista “O Anfíbio”.

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Em primeiro de janeiro 2004,o Haiti completou 200 anos deindependência em clima de dis-putas internas pelo poder. A opo-sição recusou um Plano de Pazelaborado pela OEA, EUA e Fran-ça, reiterando a sua exigência so-bre a renúncia do Presidente Aris-tide, e as manifestações de repú-dio ao governo tornaram-se cadavez mais violentas. No final defevereiro, rebeldes já controlavamas principais cidades. Na capital,Porto Príncipe, forças governa-mentais levantavam barricadasnas principais vias de acesso, natentativa de evitar o avanço dosrebeldes ao último reduto da re-sistência do Governo.

Em função destes fatos, o Presi-dente da República verificou a ne-cessidade de proteger cidadãos bra-sileiros naquele país e manter fun-cionando a representação diplo-mática local. O Ministério da Defesa(MD) atribuiu tarefas à Marinha do

Brasil (MB) e à Força Aérea Brasi-leira (FAB).

No âmbito da Marinha, coube aoComandante-Geral do Corpo de Fu-zileiros Navais (ComGerCFN) de-sencadear as ações decorrentes vi-sando enviar àquele país um Grupa-mento Operativo de Fuzileiros Navais(GptOpFuzNav) para evacuar não-combatentes e prover segurança àsinstalações diplomáticas brasileiras.

Posteriormente, a ONU decidiurealizar uma Operação de Manu-tenção da Paz naquele país; e o Con-gresso Nacional, atendendo solici-tação do Presidente da República,aprovou o envio de um contingente,com efetivo de 1.200 militares – 970do Exército Brasileiro (EB) e 230Fuzileiros Navais –, organizado emuma Brigada. Em seqüência, o Co-mandante de Operações Navais de-terminou à Força de Fuzileiros da Es-quadra (FFE) a constituição de umGptOpFuzNav para integrar a Forçade Paz, cabendo à Esquadra prover

navios para transporte e apoio aocontingente brasileiro, principalmentetransporte de pessoal, de viaturasoperativas e material pesado, em co-ordenação com o apoio de aerona-ves da FAB.

O Comando do Material de Fu-zileiros Navais (CMatFN), comoserá descrito a seguir, participoudesses dois eventos, empregando oBatalhão Naval (BtlNav) e o Centrode Reparos e Suprimentos Espe-ciais do CFN (CRepSupEspCFN)e desempenhando suas tarefas espe-cíficas como Órgão do Sistema deAbastecimento da Marinha.

GRUPO DE SEGURANÇA EEVACUAÇÃO

Em 26 de fevereiro, após receberdiretiva do Comandante da Marinha,o ComGerCFN expediu uma Ordemde Movimento, constituindo umGptOpFuzNav, sob controle admi-nistrativo do CMatFN, a ser em-

HAITI-2004:Contribuições do

CMatFNEvacuação de não-combatentes,

segurança da Embaixada eapoio ao GptOpFuzNav HAITI

HAITI-2004:Contribuições do

CMatFNEvacuação de não-combatentes,

segurança da Embaixada eapoio ao GptOpFuzNav HAITI

CALTE (FN) JOSÉ HENRIQUE SALVI ELKFURY

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pregado com o propósito de garantira integridade física dos cidadãos bra-sileiros e das instalações diplomáticasna capital daquele país. O Grupo-Tarefa 5.1, Grupo de Segurança eEvacuação, foi organizado em duasUnidades-Tarefa, uma para segu-rança da Embaixada, da Chancelariae do Corpo Diplomático; e outra parasegurança dos nacionais não-com-batentes que regressariam ao Brasil.

No dia seguinte, às cinco horasda manhã, dezesseis horas após orecebimento da missão, o GT 5.1 es-tava, na Base Aérea do Galeão, pron-to para embarcar. Neste curto prazo,foram reunidos no BtlNav um oficiale 15 praças, com armamentos, muni-ções, equipamentos de comunica-ções, medicamentos, rações, gêne-ros e água potável para 20 dias. Aindaneste dia, foram para Boa Vista –Roraima, de onde partiram, em 28de fevereiro, para o Haiti. O GT 5.1foi recebido, no aeroporto de PortoPríncipe, pelo Embaixador ArmandoVitor Boisson Cardoso que rapida-mente coordenou e protegeu o em-barque dos não-combatentes para oretorno ao Brasil, pois a aeronave daFAB não poderia permanecer no solopor muito tempo. Tendo em vista ascondições locais, com a aprovaçãodo Embaixador, a UT de Evacuaçãopermaneceu no Haiti, para reforçaras ações da UT de Segurança. Emfunção da evolução dos aconteci-mentos, o GT teve o término da mis-

são prorrogado para 29 de maio,quando foi desativado. Parte do efe-tivo ficou em Porto Príncipe, comoDestacamento de Segurança de Em-baixada, sob controle administrativodo EMA, e o restante retornou aoBrasil, encerrando a comissão. Du-rante esse período, o abastecimentodo GT 5.1 coube ao CMatFN, que,utilizando vôos da FAB, assegurou ofluxo de suprimentos e complementouo material inicialmente levado, in-clusive enviando duas viaturas opera-tivas (VtrOp) Toyota ½ TON TNE.

Vários fatores contribuíram parao sucesso desta operação, particu-larmente no que diz respeito à prontaresposta, com pessoal qualificado ematerial apropriado. Inicialmente, oplanejamento já existente para aten-der este tipo de missão, consolidadonas Normas para Ativação de Desta-camentos de Segurança de Embai-xadas do Brasil (DstSEB). Este do-cumento, expedido pelo Comando-Geral do CFN (CGCFN) em 2003,apresenta quatro tipos básicos deDstSEB, com organização e com-posição de acordo com a situaçãodo país sede da Embaixada a serprotegida. Estes tipos básicospoderão ser adaptados em função daespecificidade da missão, todaviatodos os integrantes devem possuiro Curso Especial para DstSEB (C-Esp-SEB), realizado na Companhiade Polícia do Batalhão Naval(CiaPolBtlNav). As Normas citadas

apresentam, também,detalhadamente, o ma-terial previsto para cadatipo de DstSEB, queproporciona auto-sufi-ciência para 15 dias eque pode ser rapida-mente concentrado naCiaPolBtlNav. Nas Nor-mas para Ativação, estãoprevistas, ainda, tarefas

de caráter administrativo, de adestra-mento e de apoio social aos familiaresdo pessoal selecionado, envolvendoo CPesFN, o CMatFN e o BtlNav.

Também foi fundamental para apronta preparação do GT 5.1 acooperação de outras OM, par-ticularmente Unidades da FFE, for-necendo itens específicos de material,bem como as Diretorias de Admi-nistração e de Finanças da Marinhae a PAPEM, que facilitaram trâmitesrelativos a recursos financeiros epagamento de pessoal. Na execução,devem ser ressaltados o profissio-nalismo e a cordialidade dos repre-sentantes do Ministério das RelaçõesExteriores, com destaque para aatuação do Embaixador ArmandoCardoso, que envidou esforços parabem apoiar o GT 5.1 e, posterior-mente, o DstSEB.

Tendo em vista que o períodoentre o recebimento da diretiva e oembarque nem sempre permitirá quetodas as ações preparatórias sejamdesencadeadas, foi proposto que osmilitares pré-selecionados para subs-tituir as tripulações dos DstSEB ati-vados – Paraguai e Argélia – sejamperiodicamente concentrados noBtlNav para adoção de medidas ad-ministrativas (documentação parapassaporte, vacinas, abertura deconta em banco etc.) e adestramento(tiro e outros tópicos, visando reciclaros conhecimentos adquiridos duran-te o C-Esp-SEB). Além disso, parte

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do material será previamente se-gregado e mantido no BtlNav e noCRepSupEspCFN.

FORÇA DE PAZ

A Brigada Haiti está constituídapor um Batalhão de Infantaria Moto-rizado do EB e um GptOpFuzNav,além do Comando da Brigada eapoios.

O GptOpFuzNav foi organizadoem:

� Componente de Co-mando, nucleado no Coman-do da Tropa de Desembar-que;

� Componente de Com-bate Terrestre, nucleado noBatalhão Paissandu, forma-do por um Comando deBatalhão e uma Companhiade Fuzileiros Navais, es-tando em condições de aco-lher companhias e pelotõesde outros países; e

� Componente de Apoiode Serviços ao Combate,com meios do Batalhão Lo-gístico de Fuzileiros Navais,do Batalhão de Engenhariade Fuzileiros Navais, daCompanhia de Apoio ao De-sembarque e da Base de Fu-zileiros Navais do Rio Meriti.

O Batalhão de Comando e Con-trole forneceu meios para os trêscomponentes. Há, ainda, 12 oficiaisFN nos Estados-Maiores combi-nados da Brigada Haiti e da ONU.

Para o contingente da Força dePaz, pode-se dividir o apoio presta-do pelo CMatFN em três fases, rea-lizadas em coordenação com a FFE,divididas em função das atividades dopróprio GptOpFuzNav: planeja-mento, ações preparatórias e exe-cução. No planejamento, ocorreu adeterminação de necessidades e

levantamento de custos e prazos paraentrega. Como ações preparatórias,realizou-se a obtenção e a distri-buição de material e a preparação demeios, para embarque e transporte,em navios e aeronaves, seguindo-seo estabelecimento do contingente emPorto Príncipe, integrado à BrigadaHaiti, quando iniciou-se a execução.Vale ressaltar que, tendo em vista afreqüente alteração da situação, estasfases, uma vez iniciadas, não termi-naram para iniciar-se a seguinte.Assim, mesmo após o início da exe-cução; planejamento e ações prepa-ratórias prosseguiram, para atendernovas necessidades e futuras subs-tituições dos contingentes. Desde jávisualiza-se, também, uma quartafase, tendo em vista a futura desa-tivação do GptOpFuzNav, quando amissão estiver concluída.

Planejamento

O detalhamento das necessidadesde Abastecimento e Manutenção,para o material do CFN, foi facilitadopor vários aspectos, destacando-se:

� existência de umanorma permanente da FFE,elaborada com participaçãodo CMatFN, listando o ma-terial previsto para um Ba-talhão de Proteção;

� realização, pela FFE,de um exercício de plane-jamento de Força de Paz pa-ra o Haiti;

� ativação, no ComFFE,de uma “célula de plane-jamento”, com Oficial doCMatFN; e

� existência, no CMatFN,de cadastro de fornecedorese prestadores de serviços.

A lista de material prevista para oBatalhão de Proteção precisou seradaptada à situação, em especial à

especificidade da organização-por-tarefas adotada, limitada a um efetivode 230 Fuzileiros Navais e com auto-nomia em VtrOp, fonte de energia,produção de água potável, rancho earmazenamento de perecíveis. A inte-ração com os demais comandos en-volvidos, dinâmica por natureza, re-sultou em alterações no planejamento– por exemplo, inclusão de outros“clientes” para a água potável a serproduzida. Neste ponto, é importan-te destacar a versatilidade e a flexi-bilidade proporcionadas pelosGptOpFuzNav que, por sua natu-reza, podem ser ajustados à missãoatribuída, com amplo espectro de ta-refas, e podem ser facilmente redi-mensionados ao longo do planeja-mento e da execução.

Quanto ao Abastecimento, apósdefinir o material a ser empregado,procurou-se identificar o existente nasUnidades da Força de Fuzileiros daEsquadra e no CRepSupEspCFN,para, então, determinar o que pre-cisaria ser adquirido. Nesta faina, foiimportante contar com o Sistema deControle de Material (SisCoMat),desenvolvido pelo CMatFN com afinalidade de apoiar a tomada dedecisões sobre as atividades de A-bastecimento e Manutenção. Com-patível com o Sistema de Infor-mações Gerenciais de Abastecimento(SINGRA), o SisCoMat mostra oexistente de cada item de material emtodas as OM do CFN, apontandoinclusive o paiol da OM em que oitem está estocado. Todavia, para queas decisões sejam precisas, é fun-damental que os dados constantes doSistema reflitam exatamente a reali-dade de cada paiol, exatidão esta quedepende exclusivamente do trabalhodas próprias OMU em manter osregistros atualizados.

Nesta fase, houve a definição dequais VtrOp seriam empregadas,

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optando o ComFFE pelas marcasUnimog e Toyota. Definidas asmarcas, coube ao Departamento deManutenção do CMatFN, em coor-denação com o CRepSupEspCFNe com o BtlLogFuzNav, estabelecerlistas de sobressalentes e ferramentalque deveriam ser conduzidos para aoperação. Para isso foram consi-deradas as rotinas de manutenção arealizar-se e a disponibilidade de me-cânicos e de material no GptOpFN.A seguir, novamente aproveitando-seo SisCoMat, verificou-se o que haviaem paiol e o que precisaria ser com-

prado. Para definir a lista final de itensa serem adquiridos utilizou-se o cri-tério ABC, tendo em vista a limitaçãode recursos financeiros.

Neste ponto, vale citar mais umensinamento: como o material não-existente nas OM teve de ser soli-citado pelo SINGRA, mesmo apósa ativação do GptOpFuzNav Haiti,foi preciso que cada OM que o con-stituía fizesse as Requisições de Ma-terial para Consumo (RMC) para oseu material, o que poderia ter sidorealizado de forma centralizada e commelhor controle se feito pelo próprio

GptOpFuzNav ou pela OM Co-mando da Tropa de Desembarque(ComTrDbq). Para isso, algumas al-ternativas foram consideradas para aspróximas comissões:

� estabelecimento dedotação para o ComTrDbq,que seria mantida virtual-mente e completada somentede acordo com a missão re-cebida;

� criação de uma Do-tação para o GptOpFuzNav,ativado como “nova OM”,específica para a missão re-cebida;

� estabelecimento deuma Dotação para a missão,alocada ao BtlLogFuzNav,núcleo do Componente deApoio de Serviços ao Com-bate.

Tendo em vista que, para oSINGRA “aceitar” uma dotação, faz-se necessário que a OM tenha emsua dotação o meio ou equipamentoao qual o item se destina, verifica-seque a primeira opção é a mais acei-tável, pois sendo o ComTrDbq umaOM, a ela seria atribuída uma dota-ção virtual de VtrOp e equipamentose os respectivos sobressalentes. Estadotação incluiria uma combinaçãodos meios previstos para o Batalhãode Proteção e para a Unidade Anfíbiade Planejamento, prevista na normapermanente que regula a Força deEmprego Rápido (FER) da FFE.Uma vez ativado um GptOpFuzNav,com a definição do material a ser con-duzido para a comissão, o Coman-do da Tropa de Desembarque po-deria então, de forma centralizada,desencadear as RMC necessárias.Para o atendimento, o CMatFN uti-liza o Procedimento de Apoio Lo-gístico de Manutenção (PALM),ferramenta que, em combinação como SisCoMat, permite identificar a

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maneira mais rápida para atenderuma necessidade de sobressalente,que pode ser por fornecimento peloCRepSupEspCFN (onde o materialdestinado ao GptOpFuzNav já esta-ria segregado), remanejamento deoutra OM ou mesmo aquisição comprioridade.

No que diz respeito à Manuten-ção, alguns aspectos podem ser des-tacados. Inicialmente, a escolha dasVtrOp: Unimog por serem cami-nhões mais novos em relação aosReo e por estarem ainda em garantia;e Toyotas, pois não estava disponí-vel, naquela oportunidade, umaquantidade de Land Rover suficientepara a comissão.

Considerando-se que os Unimogestavam em garantia, foi feito contatoentre o CMatFN e a Mercedes Benzdo Brasil, acordando-se o seguinte:autorização para os SG-FN-MOcursados na Mercedes executarem amanutenção das Vtr como se fossemmecânicos daquela empresa; estabe-lecimento de ligação “on line” entreo GptOpFuzNav Haiti e o Serviço deAtendimento ao Cliente da Merce-des para orientações técnicas; dispo-nibilidade do concessionário local pa-ra prestação de serviços; e assesso-ramento pela Mercedes para a defini-ção de sobressalentes a serem leva-dos preventivamente. Este posicio-namento da Mercedes mostra a preo-cupação da empresa em propor-cionar um tratamento especial aoCFN, tornando o relacionamento for-necedor-cliente uma parceria cons-trutiva. Além disso, o credenciamentodos mecânicos FN mostra a confiançadaquela empresa na qualificação e noprofissionalismo dos SG-FN-MO.

Ações preparatórias

A obtenção do material exigiu es-treita coordenação entre o CMatFN

e o ComFFE, o quereforçou a impor-tância da “célula deplanejamento” daFFE. A principalquestão foi o tempoentre a autorizaçãooficial para a par-ticipação do Brasilna Força de Paz daONU – com a con-seqüente liberaçãodos recursos neces-sários – e a data li-mite para o carrega-mento do material nosnavios. Para fazerfrente a este tipo deproblema, quandonormalmente não háprazo hábil para osprocessos licitatóriosrotineiros, faz-se ne-cessário escolher entreduas alternativas:

aquisição antecipada de ma-terial, a ser mantido segre-gado no CRepSupEspCFN;ou

� aquisição por con-tratação direta, sem processolicitatório.

O ideal é poder contar com todoo material, adquirido previamente earmazenado, pronto para emprego,mas isto representa elevada imo-bilização de recursos, críticos emépoca de contenção orçamentária,como nos dias atuais. Assim, deve-se buscar uma combinação das duasalternativas, levando-se em conta osprazos para embarque e forneci-mento, o custo, os recursos existentese o grau de imprescindibilidade doitem considerado.

A atividade de obtenção foi fa-cilitada tendo em vista o efetivoreduzido, inferior ao previsto para o

Batalhão de Proteção; mas, em com-pensação, coube ao CMatFN aaquisição de ampla variedade dematerial, pois foram adquiridos itensde outros Símbolos de Jurisdição,como medicamentos e equipamentosde saúde – alguns, inclusive, emquantidade para apoiar toda a Bri-gada Haiti. Em dez dias, foram con-tatadas 122 firmas, algumas de ou-tros estados, como o Rio Grande doSul, selecionando-se cerca de 50 for-necedores para em torno de 800 itensdesde baterias, ferramentas e sobres-salentes até grupos geradores deenergia elétrica, equipamentos parapurificação de água e “containers” es-peciais (escritório, sanitário etc.).

O CMatFN, após trabalho in-tegrado com a FFE de determinaçãode necessidades, empenhou-se naaquisição de alguns itens de equi-pagem e sobressalentes de viaturas

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para o segundo contingente doGptOpFuzNav HAITI, que assumiusuas tarefas em dezembro de 2004.

Para a preparação do material,particularmente das VtrOp, oCRepSupEspCFN foi exigido e res-pondeu com a eficácia que já é pe-culiar àquela OMPS-I. Em seis dias,44 VtrOp (14 Unimog, 16 Toyotase 14 reboques) foram revisadas epintadas no padrão ONU. Pode-sedizer que o CRESUMAR, como éconhecido o CRepSupEspCFN, jáhavia feito um ensaio, pois, no apoioao Grupo de Segurança e Evacua-ção, havia preparado duas VtrToyota, realizando as rotinas demanutenção de um Período Especialde Reparo em apenas dois dias.

Execução

Esta fase, para o CMatFN, con-siste em assegurar o Abastecimentopara manter os níveis de estoque epara atender novas necessidades,além do apoio de Manutenção,reforçando os meios de apoio doGptOpFuzNav. Tem funcionado deforma satisfatória, aproveitando-se osvôos da FAB para envio do material.

Esta fase, evidentemente, só termi-nará com o retorno do último con-tingente, horizonte este ainda não de-finido. Ocorrerá, então, a desmo-bilização dos meios empregados,que, por sua vez, precisa ser pla-nejada desde já.

Tendo em vista a experiência ad-quirida em missões semelhantes,como em Angola, por ocasião daUNAVEM, em que as Vtr foramutilizadas sob condições adversas; noplanejamento da Operação Haiti, foiconsiderada a possibilidade de reali-zar-se a manutenção de terceiro es-calão em Porto Príncipe, empregandoEquipe Móvel de Manutenção, compessoal do CRepSupEspCFN, nosnavios, por ocasião da substituiçãode contingentes, caso sejam empre-gados meios navais, aproveitando-seinclusive os recursos de bordo, alémdo ferramental da própria Equipe.

Verificou-se, ainda, ser desejávelque, com um ano de comissão, sejafeita a troca das viaturas com maiordesgaste. Este evento – substitui-ção de contingente – está previstopara o final de 2004 e, caso ocorracom navios, incrementará a parti-cipação do CMatFN nesta fase, comos benefícios decorrentes para oGptOpFuzNav Haiti e mais ensi-namentos para o CMatFN.

CONCLUSÃO

As duas operações decorrentesda situação no Haiti evidenciarammais uma vez o grau de prontidão, aversatilidade e a flexibilidade dosFuzileiros Navais, características que,combinadas com a mobilidadeestratégica conferida pelos meios na-vais e pelas aeronaves da FAB, re-forçam e ampliam as característicasinerentes ao Poder Naval, permitindoaplicar, no momento oportuno e nolocal apropriado, o poder adequado.

Mais uma vez, os Fuzileiros Navaismostraram que, mesmo sob as atuaisrestrições orçamentárias, estão ple-namente capacitados ao seu espe-rado poder militar, cumprindo os re-quisitos impostos a um navio deguerra – flutuar, navegar e combater.Mais uma vez mostraram que re-presentam importante vetor de proje-ção de poder, despendendo apenascerca de dois por cento do orçamentoda MB, embora represente trinta porcento do seu efetivo.

Foram, também, oportunidadespara destacar a capacitação expedi-cionária do CFN, que, praticada aolongo de décadas, tem proporcio-nado valioso conhecimento acumu-lado, em especial para o conjugadoanfíbio Esquadra-FFE, com reflexospositivos nas atividades de caráterlogístico. Os meios navais, além damobilidade estratégica, proporcio-nam aos GptOpFuzNav reforços noapoio de serviços ao combate, taiscomo uso de recursos de bordo paramanutenção e para apoio de saúde erancho, com o conseqüente incre-mento na capacidade de permanênciaem áreas distantes, no mar e em terra,como a Operação Haiti pode com-provar.

Conforme foi apresentado, osacontecimentos no Haiti propor-cionaram para o CMatFN um anoatípico, pois tanto o Comandocomo as OM subordinadas –CRepSupEspCFN, BtlNav eCiaPolBtlNav – foram exigidos ematividades fora da “rotina normal”.Engenho e arte foram necessáriospara sobrepujar as dificuldades,principalmente os prazos, mas asOM subordinadas responderam comeficiência e eficácia e o Comando doMaterial agregou valor ao seu acervode experiências, em especial nasnovas ferramentas de apoio à decisãoe de controle dos processos.

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O Grupamento Operativo deFuzileiros Navais Haiti

O Pouso do AlbatrozCMG(FN) MARCO ANTONIO NEPOMUCENO DA COSTA

CMG(FN) PAULO MARTINO ZUCCARO

CF(FN) JOSÉ CÍCERO DE LIMA FILHO

CC(FN) MARCOS ROBERTO XAVIER SANCHES

A Força de Fuzileiros daEsquadra (FFE) contribui,além de outros elementos,com uma Unidade Anfíbia(UAnf) para a constituiçãoda Força de Emprego Rá-pido (FER) da Marinha doBrasil. Para tanto, semes-tralmente, designa as uni-dades e frações que inte-grarão a UAnf FER no pe-ríodo seguinte.

Antes de serem, formal-mente, designadas para aFER, essas unidades e fra-ções são inspecionadas peloComandante da FFE, jun-tamente com o Coman-dante da Tropa de Desem-barque, oficial que coman-da a UAnf FER em caso deemprego real. Para conferirmaior realidade a essainspeção, normalmente elaé realizada ao final de umexercício de planejamento,

dentro de um tema tático.Vivia-se o final da pri-

meira quinzena de feve-reiro, e o 3o BtlInfFuzNav(Batalhão Paissandu) deregresso de sua férias pre-parava-se para constituir onúcleo da UAnf FER, noprimeiro semestre deste ano.No Comando da FFE, cogi-

tava-se do tema que seriadesenvolvido para avaliar oaprestamento das unidadese frações que comporiam aFER.

Enquanto isso, num paísamigo, desenhava-se umquadro de instabilidade po-lítica que desaguaria, maistarde, na renúncia do seupresidente e no emprego detropas internacionais sob aégide da ONU para recu-perar sua estabilidade po-lítico-social. O Haiti e suacrise serviram, então, deinspiração para a monta-gem do tema de inspeção daprontificação da FER daFFE. Sem dúvida alguma,a escolha do tema de empre-go da FER naquele paísreuniu desafios interessan-tes e estimulou a criativida-de e a inteligência dos esta-dos-maiores envolvidos.

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Assim, nasceu a Operação AL-BATROZ, nome do pássaro de vôoalto, como elevados são os ideais dosFuzileiros Navais, que do mar tira seusustento e lá desenvolve sua arte.

A ALBATROZ visava a testar ograu de prontificação dos meios daForça de Emprego Rápido (FER) daForça de Fuzileiros da Esquadra eaproveitar a oportunidade para rea-lizar o planejamento de um possívelemprego real, fazendo uso de umtema atual.

O cenário fictício projetado paraemoldurar o planejamento da ope-ração tinha tons fortes de realidade eatualidade. Era considerada umaResolução do Conselho de Seguran-ça da ONU “autorizando o envio deuma Força Internacional de Paz(FIP) com propósito de assegurara manutenção da ordem e dasegurança no Haiti”. O Brasilaceitara o convite da ONU paraintegrar a FIP e enviar seu con-tingente precursor.

O processo decisório nacionalteria indicado o emprego imediatode um GptOpFuzNav, tipo UAnf,embarcado numa Força Navalpara ocupar e manter o porto e oAeroporto Internacional de PortoPríncipe, a partir de 25 março de2004, até a chegada dos demaiscontingentes e manter a segurança nasdemais áreas sensíveis daquela ci-dade. A UAnf teria 950 militares epermaneceria no Haiti integrando aFIP, assumindo responsabilidadesobre a porção do país que lhe fosseconfiada e deveria, também, sercapaz de atuar em apoio a operaçõesde ajuda humanitária. Para essadecisão, foram fatores preponde-rantes: a prontidão operativa dosFuzileiros Navais, sua capacidadeexpedicionária e a total integração àForça Naval.

Nesse cenário, a Força Naval (fic-

tícia) contaria com os seguintes na-vios para o transporte da UAnf:NDCC Mattoso Maia; NDD Cea-rá; e o NTrT Ary Parreiras.

No dia 9 de março de 2004, nocampo de parada do Batalhão Pais-sandu (núcleo do Componente deCombate Terrestre), no Batalhão Lo-gístico de Fuzileiros Navais (núcleodo Componente de Apoio de Ser-viços ao Combate), no Batalhão deOperações Especiais de FuzileirosNavais e na Base de Fuzileiros Na-vais da Ilha das Flores foram inspe-cionados, simultaneamente, todos osmeios e o pessoal da FER.

Ali, iniciava-se, verdadeiramente,a viagem do Grupamento de FuzileirosNavais HAITI para Porto Príncipe,

capital daquele país amigo, nas asasdo ALBATROZ, embora, naquelaaltura, ninguém disso se desse conta.

DO ALBATROZPARA A MINUSTAHA CONEXÃO ENTRE OS

PLANEJAMENTOS

Muito pouco tempo passou-seentre a conclusão do exercício de ati-vação da FER e a constatação de queum Grupamento Operativo de Fuzi-leiros Navais (GptOpFuzNav) seriaempregado em operação real no Hai-ti. Já na reunião de avaliação da Ope-ração ALBATROZ, o Comandante

da FFE deu a notícia de que o Brasilparticiparia da operação de paz quese estava preparando para execuçãoem curto prazo.

Tendo recebido a tarefa de pre-parar um contingente brasileiro paraparticipar da estabilização do Haiti,necessária ante o quadro de convul-são político-social instalado, o Mi-nistério da Defesa (MD) solicitou oconcurso do Comando de Opera-ções Terrestres (COTER) do Exér-cito Brasileiro (EB) para a realizaçãodo planejamento, posto que o Es-tado-Maior de Defesa (EMD) da-quele Ministério considerou maisapropriado delegar essa tarefa àForça a quem caberia liderar a ope-ração e ceder a maioria dos meios

necessários.Inicialmente, com ba-

se nas informações dis-poníveis, o planejamentodo COTER contemplavaa inserção do contingentebrasileiro na própriaForça Multinacional In-terina (MIF), lideradapelos Estados Unidos daAmérica e com as partici-pações de Canadá, Chilee França, rapidamente

constituída e enviada para o Haiti afim de controlar, dentro do possível,a situação.

Com um efetivo de planejamentoda ordem de 1.500 a 2.000 homens,sendo aproximadamente 1.200 bra-sileiros, optou-se pela constituiçãode uma Brigada a duas peças de ma-nobra, sendo uma unidade do EB,valor Batalhão, e um GrupamentoOperativo de Fuzileiros Navais, tipoUAnf, contando com efetivos deFuzileiros Navais e de outras naçõesamigas. O efetivo inicial de FuzileirosNavais foi estipulado em 230 ho-mens. Posteriormente, foi consi-derada, também, a possibilidade de

Inspeção da FER no 3OBtlInfFuzNav -Batalhão Paissandu

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ter-se um efetivo de 500 FuzileirosNavais, hipótese que não se efetivou.

OS GptOpFuzNavNAS OPERAÇÕES DE PAZ

As operações que, atualmente,conhecemos como Operações dePaz começaram com a denominaçãode operações de manutenção da paz,não se contemplando, inicialmente, asações adotadas para garantir a paz ea segurança internacionais, e sim,como um mecanismo de ajuda que,pouco a pouco, foi-se impondo co-mo um instrumento de intervençãodas Nações Unidas nos conflitos esituações de crise.

Durante os últimos 40 anos, oconceito de operação de paz evoluiuaté converter-se em um conceito ge-ral que abarca uma ampla variedadede operações militares limitadas,autorizadas internacionalmente eacompanhadas de ações diplomá-ticas com objetivos pacíficos que, emseu conjunto, definem todas as atua-ções que realiza a comunidade in-ternacional para apoiar a paz e a es-tabilidade das nações.

Esta nova situação, junto com adecisão política internacional deintervir nos conflitos entre países enos conflitos internos dos países, tempropiciado o elemento de cultivo pa-ra o extraordinário desenvolvimentodas Operações de Paz e de AjudaHumanitária em todas as suas con-cepções e modalidades.

Hoje, são aceitos os seguintesconceitos para definição das Ope-rações de Paz, que são divididas,segundo o “Manual de Operações dePaz – MD33-M-01”, em cincocategorias:

a) Diplomacia Preventiva –compreende as atividades destinadasa prevenir o surgimento de disputasentre as partes e a evitar que as dis-

putas existentes se degenerem emconflitos armados, e a impedir queesses, uma vez eclodidos, se alastrem;

b) Promoção da Paz – designaas ações diplomáticas posteriores aoinício do conflito, para levar as parteslitigantes a suspender as hostilidadese a negociarem;

c) Manutenção da Paz – tratadas atividades levadas a cabo noterreno, com o consentimento daspartes em conflito, por militares,policiais e civis, para implementar oumonitorar a execução de arranjosrelativos ao controle de conflitos esua solução, em complemento aosesforços políticos realizados paraencontrar uma solução pacífica eduradoura para o conflito;

d) Imposição da Paz – corres-ponde às ações adotadas ao abrigodo capítulo VII da Carta das NaçõesUnidas, incluindo o uso da forçaarmada para manter ou restaurar apaz e a segurança internacionais emsituações nas quais o Conselho deSegurança das Nações Unidas tenhadeterminado a existência de umaameaça à paz, ruptura da paz ou atode agressão. Nesses casos, o Con-selho tem delegado a coalizões depaíses ou a organizações regionais esub-regionais a execução, mas não acondução política, do Mandato deIntervenção; e

e) Consolidação da Paz – refe-re-se às iniciativas voltadas para otratamento dos efeitos do conflito,visando a fortalecer o processo dereconciliação nacional por meio deimplementação de projetos destina-dos a recompor as estruturas ins-titucionais, a recuperar a infra-estru-tura física e a ajudar na retomada daatividade econômica.

Os Fuzileiros Navais nunca tive-ram dúvidas quanto às capacidadesoperativas de um Grupamento Ope-rativo de Fuzileiros Navais: “Gene-

ricamente, uma organização-por-ta-refas nucleada por tropa de FuzileirosNavais, constituída para o cum-primento da missão específica e es-truturada segundo o conceito orga-nizacional de componentes, queagrupa os elementos constitutivos deacordo com a natureza de suas ati-vidades” (Manual CGCFN-1000).Embora, concebidos, prioritaria-mente, para o combate, podem serempregados em quaisquer cenáriose, devido ao seu estado de prontidãooperativa, aliado à mobilidade, à ver-satilidade de emprego, à flexibilida-de, à capacidade de atuar indepen-dente e durar na ação, característicasque conferem às Forças de FuzileirosNavais a qualidade ímpar de expedi-cionárias, podem desempenhar im-portante papel na realização de qual-quer operação.

O que restou, mais uma vez, pro-vado nesta oportunidade de empre-go real.

A PREPARAÇÃO DOGptOpFuzNav HAITI

Cingindo-se ao planejamento rea-lizado com base no efetivo de 230Fuzileiros Navais, foi organizado umGptOpFuzNav, tipo Unidade Anfíbia(UAnf), capaz de enquadrar, em seuComponente de Combate Terrestre,até duas companhias de países ami-gos, segundo a organização preco-nizada em nossa doutrina, porém comalgumas adaptações impostas pelasituação.

Em primeiro lugar, o reduzido efe-tivo autorizado fez com que diversasfunções, normalmente encontradasem uma UAnf não fossem imple-mentadas e que muitas outras fossemacumuladas, em todos os níveis, des-de a função de Chefe do Estado-Maior, acumulada com a de Oficialde Operações, até outras mais espe-

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cíficas, como por exemplo, as debarbeiro e corneteiro.

Em segundo lugar, a possibilidadede operar com aeronaves condicio-nou a existência de um Componentede Combate Aéreo (CCA) com ca-pacidade limitada à orientação deaeronaves. Em face da limitação deefetivos, esse componente foi orga-nizado segundo o conceito de “quan-do ativado” (QA), a ser constituídocom elementos provenientes do Com-ponente de Apoio de Serviços aoCombate (CASC), qualificados parao desempenho das tarefas envolvidasna orientação de aeronaves.

Em terceiro lugar, a possibilidadedo enquadramento de contingentesvalor companhia provenientes de ou-tros países impôs a constituição deequipes de ligação com esses contin-gentes.

Quanto à constituição e preparofinal do GptOpFuzNav, a maioria dosmilitares selecionados foi provenientedo 3o BtlInfFuzNav, na época desig-nado como núcleo da Força de Em-prego Rápido (FER), o mesmo quejá havia participado da Operação AL-BATROZ. Os militares foram subme-tidos a um processo seletivo, o qualbuscou identificar e dispensar, dentreos inicialmente indicados, indivíduoscujas condicionantes familiares, so-ciais, sanitárias ou de carreira contra-indicassem suas participações naoperação de paz que estava por se con-firmar. O processo iniciou-se com umefetivo da ordem de 30% superior aonecessário para compor o Grupa-mento, chegando-se ao final com onúmero exato mais uma pequena re-serva para cobrir eventuais contin-gências.

Os militares selecionados foramsubmetidos às vacinações necessá-rias, as quais, por sinal, já haviam sidoidentificadas por ocasião da Opera-ção ALBATROZ, à revisão médico-

odontológica e aos diversos procedi-mentos administrativos decorrentes.Tais precauções mostraram-se, pos-teriormente, bastante válidas, pois, oapoio médico doutrinário adicional àscapacidades orgânicas de saúde dastropas empregadas em operações depaz teve sua implementação, no Haiti,completada com bastante atraso.

No que diz respeito à preparaçãomaterial, é importante explicitar que,já a partir de abril de 2004, a MBpassou a contar com representantesno planejamento que vinha sendoconduzido no MD e no COTER.Dentre as decisões imediatas maisimportantes, destacam-se:

� Como forma de favorecer oadestramento das forças, auferir umacapacidade logística adicional e aten-der ao requisito de segurança nosprimeiros dias da missão, bem comodemonstrar considerável capacidademilitar, o deslocamento do pessoal edos meios da Brigada dar-se-ia, tantoquanto possível, por navios da MB eaeronaves da FAB, além de vôosperiódicos de reabastecimento;

� O aprestamento dos compo-nentes da Brigada dar-se-ia de formadescentralizada, cabendo a cada For-ça Singular mobilizar seus meios esolicitar os recursos financeiros ne-cessários aos primeiros seis meses deoperação; esses recursos foram apre-sentados tanto em termos de neces-sidades para obtenção de materialpermanente como de consumo, orga-nizados segundo as dez classes de su-primentos preconizadas na doutrinade logística para operações combi-nadas do MD, consubstanciada nomanual MD34-M-01; e

� A fim de obter flexibilidadelogística, foi acordado que a Brigadaseria enviada à Área da Operaçãocom 30 dias de ração para todo o seuefetivo (36 mil rações operacionaisde 24 horas), sendo a MB a única

Força a dispor desse suprimento emseus estoques.

No que se refere às adaptaçõesposteriores na estrutura organiza-cional da Brigada como um todo, édigna de nota a perda do destaca-mento de helicópteros, que havia si-do, inicialmente, planejado, e dos ele-mentos de operações especiais, jul-gados desnecessários para o tipo deoperação que seria realizada.

Quanto ao uso dos meios navaise aéreos brasileiros, ficou acordadoque a FAB faria o transporte do Des-tacamento Precursor, dividido emdois grupos, além da maioria dos mi-litares do GptOpFuzNav e de outrosdo EB comissionados em OM daárea do Rio de Janeiro (RJ) e Brasília(DF).

Já à Marinha do Brasil coube trans-portar a quase totalidade das viatu-ras e dos equipamentos de engenha-ria, com seus respectivos motoristase operadores, bem como a totalidadede containeres utilizados (79 unida-des de 20 pés, sendo 28 destinadosao GptOpFuzNav), além de três ge-radores estacionários de grande por-te e considerável quantidade de palletsde ração e água engarrafada. Tam-bém foi transportada uma parte doCASC, com o propósito de realizara manutenção, durante a travessia,dos meios embarcados. Isto foi lo-grado mediante a constituição do GT705.2, composto pela F Rademaker,NDD Ceará, NDCC Mattoso Maiae NT Gastão Motta. O GT perma-neceu em águas haitianas durantecinco dias, período em que ocorreuo desembarque administrativo dosnavios anfíbios, diretamente em PortoPríncipe, sendo que o NDCC Matto-so Maia permaneceu num total de 30dias na área, tendo-se afastado so-mente por cinco dias para reabas-tecer-se na Jamaica.

É redundante ressaltar-se a im-

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portância da presença de meios na-vais para se projetar poder adequa-damente, ainda que numa operaçãode paz.

Não só pela quantidade de meiosque transportam mas também, e so-bretudo, pelo apoio nos dias iniciaisda operação, quando muitas agên-cias logísticas, cuja montagem está acargo de terceiros, não se encontramestabelecidas, a presença dos meiosnavais é imprescindível ao sucesso damissão. Como exemplo, pode-se citara média de 20 toneladas diárias deágua potável fornecida pelo NDCCà tropa, nos primeiros 20 dias de ope-ração, até que a ONU pudesse fazê-lo com seus próprios meios.

Quanto ao aprestamento doGptOpFuzNav e mais, especifica-mente, ao levantamento dos recursosnecessários para tal, adotou-se umaabordagem bottom-up: os meiosforam levantados nos escalões maisbaixos e consolidados nos escalõessuperiores até o nível CmdoTrDbq.Foram feitas numerosas planilhas, acargo do CASC, que possibilitarama obtenção de subsídios financeiroscom razoável grau de precisão, osquais foram decisivos para justificar,junto ao MD, os valores solicitadospela MB para a operação. É bomlembrar que parcela ponderável dasnecessidades já havia sido vislum-brada na Operação ALBATROZ.

O curso das operações no Haititem demonstrado que o levantamentodos meios foi executado de formacorreta, com poucos lapsos, já quenão foram observadas deficiênciasmateriais de vulto.

Finalmente, quanto à quantidadede rações operacionais estipulada, osfatos demonstraram que o estabele-cimento de um valor expressivo parao primeiro contingente foi uma me-dida acertada, tendo em vista que:

� permitiram os trabalhos do Des-

tacamento Precursor com total auto-nomia logística;

� possibilitaram o emprego de fra-ções valor Pelotão e Grupo em di-versas partes do território haitiano,conforme a situação político-militarimpunha;

� teriam grande valor no caso daocorrência de um evento climáticoperigoso (ECP) que atingisse a áreade operações da Brigada HAITI,pois, certamente, o fluxo de alimentosa cargo da ONU seria interrompido,já que dependem da infra-estruturade transporte e abastecimento deempresas contratadas.

O Grupamento Operativo de Fu-zileiros Navais HAITI foi ativado pormeio de um memorando do Coman-dante da Força de Fuzileiros da Es-quadra e recebeu a seguinte missão:

“Deslocar-se para o Hai-ti, integrar-se à Brigada HAI-TI, como parte do compo-nente militar e realizar asoperações de paz, em prin-cípio, por um período de seismeses, a fim de contribuirpara a consecução e esta-bilização daquele país, combase no Capítulo VII da Car-ta da ONU e nos limites dalegislação brasileira.”

Como a participação da Briga-da Haiti e, conseqüentemente, doGptOpFuzNav HAITI, parte in-

tegrante dessa Brigada, estava pau-tada no Capítulo VII da Carta das Na-ções Unidas, de acordo com a Reso-lução No 1542 (2004), de 30 de abrilde 2004, o qual, de acordo com aspublicações doutrinárias da ONU, tratada imposição da paz, o GptOpFuzNavHAITI preparou-se para uma opera-ção de paz em que seu emprego, numconfronto, era uma alternativa possível.

Para tanto, foi estruturado con-forme o organograma abaixo.

Devendo ser capaz de, simulta-neamente:

a) instalar e operar até três Postosde Verificação (Check Points);

b) prover a guarda de até três ins-talações;

c) proteger propriedades e insta-lações das Nações Unidas e pessoalsob sua custódia;

d) prover a segurança de até trêscomboios;

e) estabelecer uma área de segu-rança entre partidos oponentes;

f) auxiliar na manutenção da lei eda ordem, apoiando as forças poli-ciais na revista de pessoal e de veí-culo;

g) verificar, monitorar, reportar einvestigar violações de cessar-fogo;

h) dirigir negociações em sua áreade responsabilidade; e

i) prover segurança às organiza-ções humanitárias e seus centros dedistribuição.

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O CMG (FN) Marco AntonioNepomuceno da Costa, Comandanteda Tropa de Desembarque, foi desig-nado Comandante do GptOpFuzNavHAITI; o CF (FN) Pedro da Silva Mo-reira Filho, Comandante do 3o Bata-lhão de Infantaria de Fuzileiros Na-vais, núcleo da Força de EmpregoRápido, Comandante do Compo-nente de Combate Terrestre (CCT)e o CC (FN) Marcos Roberto XavierSanches, Comandante do Compo-nente de Apoio de Serviços ao Com-bate (CASC).

Uma operação de paz exige apermanência de tropa por um pe-ríodo prolongado em terra comrelativo conforto. Por conseguinte,diferentemente das operações anfí-bias, as necessidades de material deestacionamento, nesse tipo de ope-ração, são de grande vulto. Em con-dições orçamentárias equilibradas,parte significativa desse material deveser adquirida regularmente e mantidaem estoque para posteriordistribuição, quando se configurar oemprego de um GptOpFuzNav emoperação de paz. Contudo, na atualconjuntura orçamentária de fortesrestrições, os escassos recursos des-tinados à obtenção de equipagensoperativas e material de estacio-namento são destinados, prioritaria-mente, às necessidades das opera-ções anfíbias, o que impossibilita aobtenção de material de estaciona-mento para operações de paz emníveis adequados, razão porquehouve necessidade de adquirir-sesignificativo volume desse material,tão logo se confirmou a participaçãode meios da FFE na OperaçãoHAITI.

No que concerne à preparaçãodo GptOpFuzNav, decorreu, exa-tamente, dessas aquisições, o únicoóbice de realce, uma vez que ademora na confirmação da missão

obrigou a que fossem realizadas emcurtíssimo espaço de tempo.

O POUSO DO ALBATROZ

O GptOpFuzNav HAITI come-çou a desembarcar no Haiti em 29de maio, com sete militares dodestacamento precursor. Dois diasapós, o 1o escalão aéreo com 27 mili-tares, ao qual se incorporou o desta-camento precursor, iniciou as açõesde reconhecimento de locais paraestabelecimento de uma área de es-tacionamento.

A seguir, no dia 14 de junho, abordo do NDCC Mattoso Maia edo NDD Ceará, chegou o destaca-mento embarcado, composto por 62Fuzileiros Navais e a maior parte domaterial do GptOpFuzNav. Em 19de junho, chegou o 2o escalão aéreocom 93 militares e, por último, em20 de junho, o 3o escalão aéreo com46 militares.

O GptOpFuzNav HAITI es-tava completo, pronto para iniciaras atividades para as quais sepreparou.

No dia 15 de junho, o Coman-dante da Brigada HAITI decidiu queo GptOpFuzNav HAITI estabele-

ceria sua base na área do AeroportoInternacional de Porto Príncipe.Dessa forma, nesse local, foi esta-belecida a Base de Fuzileiros Navaisno Haiti Acadêmica Rachel de Quei-roz (BFNHARQ).

No dia 25 de junho de 2004, foirealizada a transferência de respon-sabilidade para a Brigada HAITI. AoGptOpFuzNav HAITI foi designadaa Área de Responsabilidade daregião do aeroporto.

Além das atividades abrangidaspelo Capítulo VII da Carta das Na-ções Unidas, o GptOpFuzNav, atémeados de outubro, realizou mais de700 patrulhas, além de diversas es-coltas de autoridades dentre as quaisdestacam-se: pessoal da MINUS-TAH para as cidades de Jeremie, LeCayes e Mirebalais; do Ministro deEstado da Defesa do Brasil; do Pre-sidente do Chile; do Prefeito de No-va York; e da Secretária de Estadopara Cooperação da Espanha.

Realizou-se, ainda, reconheci-mentos para visita da comitiva presi-dencial brasileira ao Haiti e da sele-ção brasileira de futebol, no mesmodia. Por sinal, nesse grande e ímparevento internacional, que foi o jogoda seleção brasileira, coube ao

Área de responsabilidade do GptOpFuzNav HAITI e os pontos de controleestabelecidos para o patrulhamento

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GptOpFuzNav, a segurança do ae-roporto, inclusive do desembarque dacomitiva presidencial, a escolta docomboio dos jogadores e a seguran-ça no interior do estádio.

Outro ponto alto da atuação doGptOpFuzNav, pela relevância hu-manitária que teve, foi a constituiçãode um comboio que transportou,para a cidade de Gonaíves, os itensde ajuda humanitária enviada pelogoverno brasileiro para as vítimas dofuracão Jeanne, que deixou milharesde pessoas desabrigadas e centenasde mortos. Em decorrência daquelefuracão, as estradas que ligam acapital ao norte do Haiti, que já seencontravam em precárias condi-ções, tornaram-se intransitáveis,constituindo um extraordinário testepara nossas viaturas UNIMOG quenele passaram com louvor.

Mais uma vez, o estado de pron-tidão operativa, aliado à mobilidade,à versatilidade de emprego, à flexi-bilidade, à capacidade de atuar deforma independente e de durar naação permitiu que o GrupamentoOperativo de Fuzileiros Navais HAI-

TI cumprisse todas essas tarefas emtempo mínimo, desde o recebimentoda ordem de execução até o desen-cadeamento das ações.

A BASE DE FUZILEIROSNAVAIS NO HAITI

ACADÊMICA RACHEL DEQUEIROZ (BFNHARQ)

A casa do Fuzileiro Naval, emPorto Príncipe, é a BFNHARQ. Nos-sa base de operações leva o nomedaquela que escreveu algumas dasmais belas páginas sobre os Fuzilei-ros Navais e, mais do que isto, pediuque: “Quando acabarem os soldadosno mundo”; ficássemos para guardara PAZ.

Localizada no terreno do Aero-porto Internacional Toussaint Lo-verture, foi estruturada nos moldesdas unidades de Fuzileiros Navais,tendo como comandante o mesmooficial que comanda o Componentede Apoio de Serviços ao Combate.Ocupando uma área de 50 mil me-tros quadrados, engloba dois gal-pões e uma construção menor quepassaram a ser, respectivamente, os

alojamentos e o refeitório dos 235Fuzileiros Navais integrantes doGptOpFuzNav HAITI.

Na segunda quinzena de junho,paralelamente aos reconhecimentosvisando à assunção das tarefas ope-rativas, foram desembarcados dosNDD Ceará e NDCC Mattoso Maiaas 43 viaturas e 28 containers pré-carregados com as equipagens e ma-teriais. No dia 20, a tropa já estavaalojada nos galpões, com beliches earmários montados, com conside-rável grau de conforto. A partir dodia 22, começaram a ser servidas re-feições quentes no recém-criado re-feitório. Em 3 de julho, os contai-neres foram manobrados para suasposições definitivas, abrigando osescritórios e paióis. Em 9 de julho, asala de musculação “Pele e Osso” foiprontificada, permitindo que a higi-dez física dos nossos “CapacetesAzuis” continuasse sendo aprimo-rada. No dia 12, foi inaugurado oCine “Bon Bagay” (bom rapaz, noidioma local) com a apresentação dofilme Sworddfish, propiciando atripulação um pouco de lazer. Em 20de julho, o salão de recreio foi abertoe passou a ser utilizado nos pequenosperíodos de folgas. Em 25 de julho,o Pátio de Cerimônias foi concluído,após ter recebido a última camadade brita.

No início de agosto, toda a áreada Base já havia sido cercada e ilu-

Vista aérea de BFNHARQ

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minada, melhorando a segurança.Assim, a Base de Fuzileiros Na-

vais no Haiti Acadêmica Rachel deQueiroz foi tomando forma e trans-formando-se em um “porto seguro”.

O “BON BAGAY”A CONVIVÊNCIA COM O POVO

HAITIANO

O Haiti é um país de contrastes.Foi o primeiro recanto das Américasa abolir a escravidão e é independen-te desde 1804, porém é consideradoo país mais miserável do continente,com renda média diária inferior a umdólar para cerca de 50% de seusnove milhões de habitantes.

Dos 42 presidentes eleitos, so-mente cinco conseguiram completaro mandato; os demais ou foram as-sassinados ou retirados do poder porgolpes de estado. Tem uma popu-lação dita como 80% católica, maso vodu é praticado por quase a to-talidade dos habitantes. Os hougan,se homens, ou manbô, se mulheres,são os “sacerdotes” desta crença;pessoas preparadas desde a infânciaem santuários. No interior do país,ninguém toma uma decisão im-portante sem, antes, consultá-los e osprocuram em caso de doenças. Omaior líder religioso vodu está se-diado em Gonaíves, no norte, emboraexistam hougan e manbô influentestambém na capital.

A origem africana e algumas mar-cas da colonização européia aproxi-mam-nos, embora existam algumas

diferenças visíveis. O colonizadorportuguês misturou-se com escravose índios e formou uma populaçãomiscigenada, mas com uma únicalíngua falada de norte a sul. O francêsnão se uniu aos nativos ou aosescravos no Haiti, deixando um paíscom dois idiomas, o francês e ocreole, e com uma população depouquíssimos mestiços. Os negrossão 95 % do povo local, os brancos3 % e os demais 2 %. Mas, na ver-dade, o que mais nos aproxima é oamor pelo futebol brasileiro. Talveznão seja exagero dizer que dele gos-tam mais do que os próprios bra-sileiros. Ronaldô bon bagay ou“Ronaldo boa gente”, em português,ouve-se a toda hora em qualquerbeco da cidade. Se a seleção bra-sileira é para os brasileiros quase umsímbolo pátrio, a “pátria de chutei-ras”, para eles, é fervorosa religião,paixão absoluta; e nessa religião,Ronaldô, Roberto Carlos, Didá, Ro-naldinho e Cafu são santos mila-grosos.

Quer conquistar um haitiano?Além de falar dos nossos “magos”da bola, procure sempre cumprimen-tá-los ao chegar : bonjour (bom-dia),bonsoir (boa-tarde) ou, simples-mente, ça va (tudo bem?) a qualquerhora. Se lhe estender a mão, cum-primente-o com vigoroso aperto demão; isto significa que você lhe dáimportância. Tire a cobertura se aconversa prosseguir, caso contrário,será entendido como desrespeito.Mantenha o olhar no seu interlocutor,

olhe para sua face, assim ganhará suaconfiança. Se for mulher, não lhe façaelogios, poderá soar como assédio enão como uma gentileza. Cuidado,também, com as fotografias; jamaistire uma foto de uma pessoa semprévia autorização. Em alguns lu-gares, guarda-se a crença em que asalmas podem ser roubadas pelascâmeras. Saiba, também, que a mu-lher tem grande influência na so-ciedade haitiana, sendo as principaisconselheiras nas estruturas familiares,com grande poder sobre os maridos.Não faça nunca, a não ser que queiraconfusão, aquele gesto que usamospara dizer que alguém está maluco.O gesto de girar o dedo ao lado dacabeça é extremamente ofensivo,assim como unir os dedos da mão,fazendo aquele sinal que para nóspode significar juntar, é uma ofensaimperdoável.

Outro dado interessante sobre opovo haitiano é a vaidade. Apesar dapobreza e da desorganização total doestado e da economia; a população,guardada as devidas proporções, ves-te-se bem. Procuram, mesmo, man-ter um pouco da auto-estima. Demaneira geral, as pessoas não pedemajuda nas ruas. Quando nos procu-ram, normalmente, é para pedir tra-balho, uma vez que a ONU contrataalguns serviços na área. Mesmoquando fazemos ACISO, distribuin-do água potável, bem valioso noHaiti, e comida, não menos impor-tante, as pessoas, normalmente, man-tém-se em filas e aguardam, pacien-

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temente, sua vez, debaixo daquele solde 40 graus. Terminados os itensdoados retiram-se resignados, semesboçar reclamação. É o momentotriste das ACISO.

Por fim, se quiser um pouco deaventura, vá a uma feira em PortoPríncipe. Leve um intérprete ouaprenda, antes, o creole. Aprecie oestilo comercial, a base de trocas poroutras mercadorias ou a cotação emdólar haitiano, uma moeda virtual,com paridade de cerca de 7 para ca-da dólar americano e, no caso dogourde, moeda oficial, 5,5 gourdespara cada dólar haitiano.

AS EXPERIÊNCIASACUMULADAS NA

OPERAÇÃO

Uma operação real, ainda que depaz, traz para o campo prático aaplicação dos conceitos de empregoque se estudam nos cursos e se pra-ticam nos exercícios de adestra-mento. Testa nossas capacidades,impõe sacrifícios, revela carências eexpõe o despreparado. As lições sãodiárias, o aprendizado é contínuo, osfatores adversos saem das páginasdas análises para a zona de ação, lá,esperando-nos, inevitavelmente.

Logo de início, o GptOpFuzNavpercebeu que sua preparação haviasido adequada, mas percebeu, tam-bém, que havia muito a aprender.

A primeira e grande lição é a daconvivência com culturas, hábitos eidiomas distintos. Esta lição vale tan-

to para a vida no país hospedeiro,no caso o Haiti, quanto para as ope-rações em uma Força (MINUSTAH)composta por tropas e funcionáriosde diversas nacionalidades. O idio-ma é uma barreira e pode levar aerros na coordenação de ações queenvolvam forças de diferentes na-cionalidades. Esta barreira impõemuito cuidado no planejamento eexige que sejam revistos todos osprocedimentos acordados entre asforças, visando à certeza do corretoentendimento das partes. Em graumenor, mas também importante, é aconvivência dentro de uma brigadado EB. Temos muitas semelhanças,mas somos diferentes no material, naaplicação de procedimentos e nastradições. Desde o cerimonial, regu-lamentos disciplinares, procedimen-tos operativos, até nos uniformes,convivemos numa força com sen-síveis diferenças, mas coesa e movidapelas mesmas orientações e lide-rança. Respeitar costumes também éfundamental para a manutenção dorelacionamento profissional ade-quado com tropas estrangeiras.

A segunda, mas não menos im-portante, é a do conhecimento da es-trutura e regulamentação da ONUnas missões de paz. A estrutura ad-ministrativa responsável pelo apoiologístico às tropas é extremamenteburocratizada e, em conseqüência,demasiado lenta. Chega, mesmo, aser ineficiente. Conhecer como fun-ciona a estrutura e saber exigir ocumprimento das responsabilidades

da ONU, acordadas com o país par-ticipante da missão de paz, dentrodas normas, pode fazer muita di-ferença nas condições operacionaisda tropa.

As regras de engajamento e asnormas de conduta modelam o usoda força nas missões de paz. In-dependente da situação, não se ad-mite o uso da força sem gradação,avultando a necessidade dos equi-pamentos de autoproteção. Coletesà prova de impactos, capacetes, em-prego de tropas em viaturas blindadassão medidas de grande valia, porque,além da proteção que conferem,dissuadem os possíveis grupos ad-versos. A disponibilidade de arma-mento não-letal também é altamentedesejável para que se evitem fa-talidades desnecessárias.

Por outro lado, situações inespe-radas obrigam ao emprego de diver-sos itens da extensa lista de regras,impondo a constante repetição deadestramentos sobre elas durante as“folgas” na operação.

No campo do material houve di-versos ensinamentos. No nossoEIBC, logo se sentiu que cantis esuspensórios causam desconforto,particularmente quando usados como colete à prova de impactos, o qual,no Haiti, é de uso permanente quan-do em missão. Com o andamento dasoperações, os primeiros foram subs-tituídos com enormes vantagens pe-los cantis costais (CAMELBACK)e os porta-carregadores fixados noscoletes. As viaturas 5 TON UNI-

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MOG receberam equipamentos-rádio, dispensando as viaturas decomunicações. Receberam, também,um banco central, permitindo aobservação das ruas pelas patrulhasnelas embarcadas. À noite, as via-turas trafegam, em patrulha, sem ascapotas, empregando holofotes oulanternas em algumas situações eequipamento de visão noturna emoutras, favorecendo a observação,uma vez que Porto Príncipe só tem30% de suas ruas com iluminaçãofuncionando, isto quando não há faltade energia, o que é freqüente. Nocaso da área de responsabilidade doGrupamento Operativo de Fuzilei-ros Navais HAITI este índice émenor, por ser a área mais pobre dacidade.

A capacidade de comunicaçõesdo GptOpFuzNav HAITI, em todosos níveis, é fundamental. Desde as

comunicações por satélite com oBrasil, até as táticas, com asfrações do nível ET, por meio deequipamentos portáteis EP 450MOTOROLLA, tem sido pos-sível coordenar as ações sempre.Neste tipo de operação o con-tato com as pequenas frações éfundamental, posto que emmuitas ocasiões atuam isoladas,sem a possibilidade de contatovisual.

As condições meteorológicasfazem parte das preocupaçõesdiárias nesta operação. A con-siderável probabilidade do país seratingido por tempestades tropicais oupor furacões exige o acompanha-mento constante das mudanças detempo. Estar preparado para as mu-danças climáticas é essencial parapoder prestar socorro à população.Para tanto, foi criada a função co-lateral de Oficial Responsável peloAcompanhamento de Eventos Cli-máticos Perigosos (OECP). Este ofi-cial acompanha, quotidianamente, asprevisões expedidas pela Diretoria deHidrografia e Navegação, além deconsultar cerca de dez diferentes sitesna Internet; entre eles, o site da NA-SA e um especializado no estudo eacompanhamento de ECP, o Hurri-cane Weather Center. Ademais, oPlano de Segurança Orgânica (PSO)do GptOpFuzNav HAITI contémum anexo específico com ações aserem desencadeadas no caso daocorrência de eventos climáticosperigosos em Porto Príncipe, tratandoda ocupação de abrigos, des-montagem e guarda de material eoutras providências que visam à pre-servação do pessoal e do material.Esse anexo de ECP do PSO foi ati-vado quando da passagem do fu-racão Ivan e, também, na eminênciado furacão Jeanne que vitimou acidade de Gonaíves.

ADSUMUSA VOLTA PRA CASA

Em meados de setembro, foi di-vulgado o cronograma de substi-tuição do 1o contingente, quando trêsmeses de missão já haviam decor-ridos. Embora a saudade de casa jáseja grande e o desejo de rever o quedeixamos não seja menor, criamosvínculos novos. O Haiti não é mais,apenas, um país distante e poucoconhecido. Na verdade, ele já fazparte da nossa história pessoal e, até,das nossas preocupações. De certaforma, sentimos que levaremos paracasa algo além da experiência profis-sional, do orgulho de representar oBrasil no exterior e de termos con-tribuído para a paz. Levaremos co-nosco um pouco da dor que fomosaliviar. O povo haitiano cativou-nosdefinitivamente; desde os intérpretescom os quais trabalhamos, até aspessoas simples da rua que acenamà nossa passagem em patrulhas.

Assim, já nos preparamos parapassar a cana do leme para o segundocontingente, como quem entrega umbem precioso, do qual cuidamos como profissionalismo que a missão im-põe e com a amizade que nos con-quistou Porto Príncipe.

Missão cumprida, voltaremospara a rotina dos quartéis, preparan-do-nos para o próximo chamado,certamente, muito mais experientes econfiantes, na esperança de, sempre,confirmar o que um dia de nós escre-veu Rachel de Queiroz: “O mote dosFuzileiros é uma expressão latina quediz ADSUMUS – e se traduz porAqui Estamos, sim estão semprepresentes, sempre impecáveis desfi-lando tão bonito que dá vontade dechorar de emoção, e nos deixando atranqüila certeza de que, enquantocontarmos com a vigilância e o amordos Fuzileiros, o Brasil estará em paz”.

A convivência profissional, Tenentes daMB e do EB, acompanhados pelos

intérpretes haitianos

Intérprete haitiano ematividade

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CT JORGE JOSÉ DE MORAES RULFF

Para conseguir obter o sucessonessa missão, o primeiro passo foiestabelecer uma força militar comrazoável capacidade operacional emterritório haitiano. Essa força, cons-tituída por cerca de 1200 militares eseu equipamento, deveria ser trans-portada para a cidade de Porto Prín-cipe, onde seriam estabelecidas aBase das Operações e a Sede do Co-mando.

O esforço logístico decorrenteoriginou o planejamento de uma Ope-ração Combinada entre a Marinha doBrasil (MB), o Exército Brasileiro (EB)e a Força Aérea Brasileira (FAB);coordenada pelo Ministério da De-fesa, para viabilizar uma operaçãorápida e eficiente, cujo desafio incluíanão só superar a distância que separao Brasil do Haiti mas também as res-trições orçamentárias vigentes.

Coube à MB a tarefa de contri-buir com uma Força Naval para otransporte do material e viaturas, bemcomo parte do contingente brasileiroda Força de Paz.

Pela Carta de Instrução nº 003/2004do Comando de Operações Navais,foi criado o Grupo Tarefa (GT)705.2, composto pelos navios: NDD

navais envolvidos e sua dis-ponibilização, antes que fos-sem liberados os recursosprevistos, o que só foi possí-vel pela dedicação, organi-zação e profissionalismo doSetor do Material;

- abastecimento e o esta-belecimento de Apoio Logís-tico Móvel para a travessiapelo esforço do Setor de Abas-tecimento; e

- planejamento detalha-do e ao mesmo tempo flexí-vel, bem como o embarquede 143 viaturas, 82 “contai-ners” e “palets” de carga ge-ral totalizando 3 mil tonela-das, decorrente da integra-ção harmoniosa de todos osníveis do Setor Operativo.

O PLANEJAMENTONesta fase, montava-se o alicerce

de toda a Operação; o cumprimentoda missão recebida exigiu um pla-nejamento detalhado e, ao mesmotempo, flexível. Para vencer as 4.200milhas que separam Porto Príncipedo Rio de Janeiro, foi necessário oestabelecimento de apoio logísticomóvel para os navios envolvidos,permitindo o seu reabastecimento edisponibilizando uma capacidaderazoável para reparar as avarias quepor ventura ocorressem.

Rapidamente, uma frenética ati-vidade começou a desenvolver-se.

O compromissoassumido pelo Brasil,perante a Organização

das Nações Unidas,de comandar a

Força de Paz noHaiti trouxe para oPaís uma enormeresponsabilidade.

Ceará (G-30), NDCC MattosoMaia (G-28), F Rademaker (F-49)e o NT Alte Gastão Motta (G-23),cujo comando coube ao Coman-dante da 2ª Divisão da Esquadra,com a missão de “Realizar o trans-porte, na área marítima compreen-dida entre o Rio de Janeiro e a ci-dade de Porto Príncipe, efetuar o de-sembarque administrativo de pes-soal e material pertencente ao con-tingente brasileiro da Força de Pazdas Nações Unidas no porto daque-la cidade e prestar apoio logísticocom um NDCC estacionado na á-rea de operações por 30 dias, a fimde contribuir para o estabele-cimento do contingente brasileiroem terra”.

O vulto da missão recebida pela2a Divisão da Esquadra demandou oestabelecimento de contato comtodos os órgãos da MB, do EB e daFAB envolvidos, para troca de infor-mações e acerto dos inúmeros de-talhes e mobilização de todos os se-tores da Marinha, os quais res-ponderam de forma tempestiva e efi-ciente, possibilitando no período deaproximadamente 30 dias o estabele-cimento dos seguintes marcos :

- imunização da tropa etripulações dos navios con-tra sete tipos diferentes deenfermidade, fruto de es-forço diuturno do segmentode Saúde;

- prontificação dos meios

Operação HaitiAspectosNavais

Operação HaitiAspectosNavais

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Registro fotográfico da Operação Haiti1 - Vacinação da tropa; embarque em aeronave da FAB.2 - Embarque de material; EDCG em faina de embarque de viaturas; carregamento de“containers”.3 - Fainas de carregamento de material; embarque de pessoal; largada e despedidas dasfamílias.4 - Início da travessia; abastecimento no mar; Base de Fuzileiros Navais no Haiti “AcadêmicaRachel de Queirroz”.

Derrota do GT

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De um lado, os navios designados pararealizar a operação, apoiados peloSetor do Material e o Setor de Abaste-cimento, começaram sua preparaçãopara a longa travessia, realizando asrotinas de manutenção necessárias,aumentando assim a confiabilidade dosseus sistemas. Por outro lado, a 2a Di-visão da Esquadra iniciava o plane-jamento da operação.

Os fatores ambientais da região doCaribe mostravam que a operação se-ria conduzida na rota de passagem defuracões, cuja atividade começa a in-tensificar-se nos meses de agosto aoutubro. Para garantir a segurança dosmeios e dos recursos envolvidos, foirealizado um acurado acompanha-mento das condições meteorológicas,com o apoio da Diretoria de Hidrogra-fia e Navegação e a disponibilizaçãode equipamentos de comunicação porsatélite, para o recebimento dos dadosmeteorológicos.

O CARREGAMENTOPara cumprir o cronograma pre-

visto e suspender na época propícia, omaterial do EB e do Corpo de Fuzilei-ros Navais teve de ser rapidamenteprontificado e disponibilizado paraque fosse dado início à maior mobi-lização de contingente militar já reali-zada pelo Brasil desde a SegundaGuerra Mundial.

Para o início do carregamento, oNDCC Mattoso Maia foi movimen-tado para o Complexo Naval da Ilha doGovernador, a fim de receber as via-turas e disponibilizar duas EDCG parao embarque das viaturas no NDD Cea-rá, por casamento de rampas, atraca-do no cais norte da Base Naval do Riode Janeiro.

Frente às restrições de movimentode cargas na Ponte Rio-Niterói, foinecessário o recebimento e carre-gamento dos “containers” durante anoite no G-30.

No curto período de 10 dias, foramembarcados no NDD Ceará e NDCCMattoso Maia as viaturas de mode-los variados para atender às inúmerasnecessidades em terra, os “contai-

ners” e “palets” de carga geral, a sa-ber: mantimentos, equipamentos decozinha, de comunicações, aloja-mentos e outros itens necessários aoapoio à Força de Paz.

A TRAVESSIASuspendendo no dia 28 de maio,

iniciou-se a travessia de 18 dias até oporto de Porto Príncipe no Haiti. Paraviabilizá-la, o NT Alte Gastão Mottafoi incorporado ao GT, a fim de supriros demais navios com combustível,tendo realizado 15 fainas de trans-ferência em um total de 4.154.000 litrosde óleo combustível transferidos. Paraos dois Navios-Transporte, essas fai-nas representaram um desafio a mais,pois, normalmente, em operações daEsquadra, esses navios de maior portenão são reabastecidos no mar.

Cabe ressaltar o moral elevado dopessoal, fruto de uma preparaçãodetalhada, realizada pelos navios, o quepossibilitou a realização de eventosmilitares e recreativos para as tripu-lações. Com a autorização de com-plementos financeiros para o muni-ciamento, foi possível a confecção deum rancho diferenciado em todas asunidades.

Cumprindo rigorosamente o crono-grama do planejamento, os navios a-tracaram em Porto Príncipe na manhãdo dia 15 de junho, dando início aodesembarque administrativo.

O DESEMBARQUEA enorme quantidade de material,

os requisitos de segurança nessa etapae a meta de concluir o desembarqueem cinco dias representaram mais umdesafio a ser vencido. Novamente, a ca-pacidade de nossos militares mostrouo valor da organização e do profissio-nalismo. De posse de todas as infor-mações sobre o porto, levantado nafase do planejamento, da execução detodas as outras do cronograma de ati-vidades estabelecido, pôde o desem-barque administrativo ser concluído namanhã do quarto dia, permitindo assimque o início do estabelecimento datropa em terra se antecipasse em 36horas.

O REGRESSOConcluído o desembarque, iniciou-

se a fase de regresso de parte do GTpara o Rio de Janeiro, do NDD Ceará,da F Rademaker e do NT Alte Gas-tão Motta, e do início do apoio diretoà tropa em terra realizado pelo NDCCMattoso Maia, que permaneceu emPorto Príncipe com uma aeronaveUH-12 por mais 25 dias.

Finalmente, após 70 dias em co-missão, a última UT do GT atracouno Rio de Janeiro. O planejamento foiexecutado e a missão cumprida emsua íntegra. Ficou demonstrada a ca-pacidade de mobilização, de plane-jamento e de execução da Marinha doBrasil. A Força de Paz encontra-se noHaiti com todo o seu material e ope-rando plenamente, contribuindo sig-nificativamente para que os objetivosda ONU sejam alcançados.

Cabe ressaltar alguns marcos al-cançados frente à magnitude dessaoperação, incluindo a rápida respostado pessoal da MB, militares e civis,que participou das diferentes etapaspara o pleno cumprimento dessamissão.

– primeira vez que o NDCCMattoso Maia recebeu combustívelno mar;

– maior desdobramento de tro-pa desde a Segunda Guerra Mun-dial;

– maior quantidade de combus-tível transferida pelo NT Alte Gas-tão Motta em uma só Comissão:(4.154.000 L);

– maior quantidade de com-bustível recebida no mar pelo NDDCeará em uma só Comissão:(2.528.000 L);

– maior número de exercíciosinter CIC/COC e de comunicaçõesrealizados;

– menor tempo para prepara-ção/disseminação da Diretiva apósrecebimento de ordem superior; eprodução e transferência para atropa em terra cerca de 350 tone-ladas de água durante os 25 diasque o NDCC Mattoso Maia esteveem apoio direto à Tropa.

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AS OPERAÇÕESDE PAZ NO

TERCEIRO MILÊNIO

AS OPERAÇÕES DE PAZ ESUA EVOLUÇÃO

Caracterizar essa evolução é, emresumo, tomar como grande limiar otérmino do período conhecido comoGuerra Fria. Assim, temos corres-pondendo ao período de 1948 a1988 as OpPaz denominadas clás-sicas ou de primeira geração; e, apartir de 1988, o surgimento das pri-meiras operações denominadas mul-tidisciplinares ou de segundageração.

As Operações de Paz Clássicasou de Primeira Geração

O enorme poderio militar de cadalíder de bloco ideológico estabeleceu,no período da Guerra Fria, um equi-líbrio natural motivado pelo receio

mútuo de um conflito global de con-seqüências catastróficas. As crisesque escapavam do controle diplomá-tico eram de caráter localizado, res-tritas às questões de fronteiras ou àsguerras em regiões de nações jovens,recém-saídas do regime colonialista.Conseqüentemente, as primeirasOpPaz, conhecidas como clássicas,foram essencialmente criadas paramonitorar ou supervisionar processosde cessar-fogo, tréguas ou acordosde armistícios nessas regiões.

A primeira dessas operações foia Organização das Nações Unidaspara Supervisão de Trégua (UnitedNations Truce Supervision Organi-zation – UNTSO), uma missão deobservação iniciada em junho de1948, na Palestina, para monitoraro cessar-fogo entre árabes e israe-lenses.

As divergências políticas e ideo-lógicas dos anos de Guerra Fria, aopasso que constituíam uma contençãoa conflitos de grandes proporções,eram entraves para que o Conselhode Segurança atuasse em prol da so-lução de conflitos pelo emprego dasmodalidades de OpPaz então exis-tentes. As iniciativas do Conselhoeram engessadas pelo uso do veto,o que culminou com a omissão departicipação das grandes potênciasnas OpPaz e no emprego dessasoperações restrito às guerras civis eàs guerras de independência nosantigos impérios coloniais.

É importante ressaltar duas carac-terísticas marcantes das OpPaz clás-sicas. A primeira foi o número limitadode países que contribuíram com oenvio de tropas para a execução dosmandatos. Isso implicava na demora

AS OPERAÇÕESDE PAZ NO

TERCEIRO MILÊNIOCMG (FN) FERNANDO IRINEU DE SOUZA

Nos quase sessenta anos de existência da ONU, as Operações de Paz(OpPaz) têm angariado crescente credibilidade e acumulado experiências que

possibilitaram o aperfeiçoamento da sua estrutura organizacional e daaplicação dos princípios básicos que as norteiam, experimentando assim,

grande evolução, mormente na última década.O presente artigo, enfocando particularmente a atuação da ONU, se propõea apresentar a evolução das OpPaz, a presente estrutura da Organização no

que tange à essas operações e a dinâmica dos mecanismos voltados ao seuplanejamento e controle. A título de conclusão, apresenta, ainda, uma breve

perspectiva sobre o futuro dessas operações diante das ameaças surgidas nesteinício do Terceiro Milênio, onde se insere o nosso País.

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para a estruturação de uma Força dePaz (ForPaz). A segunda foi a estru-tura predominantemente militar dasForPaz. Os poucos civis que integra-vam essas Forças dedicavam-se, es-sencialmente, às tarefas de apoio.Com isso, resolvia-se o temporaria-mente o problema militar, mas pelarelativa simplicidade dessas opera-ções, não se evitava o aparecimentode novos desafios e o ressurgimentode conflitos gerados pela permanên-cia de vários outros problemas.

Além das dificuldades de mobi-lização e orçamentárias para o em-prego de tropas, as OpPaz clássicasenfrentaram contradições em seusprincípios de consentimento, impar-cialidade e relutância ao uso da força.Isso se refletia na instabilidade ou nainconsistência das resoluções e dosmandatos.

A necessidade do consentimentopelo país anfitrião para o estabeleci-mento e desdobramento das OpPazrevelou-se, várias vezes, um outroobstáculo à sua ação efetiva.

Apesar de todos esses óbices, asOpPaz conseguiram, na maioria dasvezes, a redução efetiva dos choquesarmados e a eliminação dos riscos deintervenção, fossem de estados vizi-nhos, fossem das grandes potências.Em outras situações extremamentecríticas, tais operações tiveram, ainda,o mérito de manter os conflitos locaisafastados do foco do grande conflitoLeste-Oeste.Uma análise mais atentadas OpPaz de primeira geração nosmostra, ainda, que elas sempre forammenos problemáticas quando as par-tes envolvidas no conflito demons-traram boa-vontade em solucionarsuas controvérsias de forma pacífica,tendo a ONU atuado tão somentecomo mediadora. Da mesma forma,a solução foi sempre facilitada quan-do, além do consenso, não houvecontestação ou dúvidas quanto à

imparcialidade e quando não se feznecessário o uso da força.

O cenário internacional que sedelineou com o fim da Guerra Friatrouxe novos e surpreendentes de-safios, o que obrigou a repensar asOpPaz quanto à estrutura organi-zacional, aos mandatos e ao tempode reação necessários à solução dasnovas crises.

As Operações de PazMultifuncionais ou de Segunda

Geração

O surto de crises ocorrido apóso término da Guerra-Fria elevou onível das atribuições do Conselho deSegurança a partir do início dos anosnoventa. Isso teve um papel deter-minante na proliferação de OpPazem todo o mundo. Ao passo que oConselho buscava critérios cada vezmais amplos para identificar as crisesque viessem a constituir ameaça à paze à segurança, 39 OpPaz foram de-sencadeadas no período entre 1988e 1999.

A fragmentação da antiga URSS,anunciada por Boris Yeltsin em 8 dedezembro de 1991, representou,também, o esfacelamento de umagrande potência militar. A ausênciade coesão e de coerção no bloco li-derado até então pela URSS trouxeà tona antigos anseios, mágoas edisputas latentes até então sufocados.O mundo passou a assistir, então,uma desenfreada eclosão de confli-tos regionais. E o desmembramentoda ex-Iuguslávia, com um estarrece-dor saldo de crimes contra a huma-nidade em plena Europa, mostrouque nenhum lugar do mundo estarialivre do espectro da guerra, a maispreocupante das mazelas da novaordenação mundial.

Por um lado, a nova política dogoverno soviético passou a declarar

o Conselho de Segurança como oprincipal guardião da segurança in-ternacional, ressaltando a importân-cia das OpPaz como importanteferramenta para a revitalização doConselho. O governo norte-ameri-cano, por outro lado, também reco-nhecia a necessidade de se ampliar oescopo de atuação da ONU, corro-borando a opinião soviética de queas Nações Unidas poderiam desem-penhar um importante papel na me-diação de conflitos internacionais. Oconsenso das duas grandes potênciasrepresentou um grande impulso namultiplicação das OpPaz

Um outro importante fator paraessa proliferação foi o surgimento decrises de características extrema-mente complexas, misturando aspec-tos étnicos, religiosos, nacionalistase decorrentes da fragilidade do teci-do político-social dos estados menosfavorecidos. Esses aspectos eramrevestidos de um radicalismo queconstituíam terreno fértil para viola-ções aos princípios democráticos eà observância dos direitos humanos.Sufocadas até então pelas tensões daGuerra-Fria, essas crises espocavamnos mais diversos recantos do mun-do, sobretudo no continente africano.Em um mundo globalizado, com aaguda onipresença da mídia, essascrises já não eram mais ignoradaspelo coração do mundo, por maisafastadas dele que viessem a eclodir.

Um terceiro fator foi o despertare a polarização das nações de-mocráticas para a busca do respeitoaos direitos humanos, do pluralismopolítico e da liberdade de expressão.Nesse contexto, a ONU apresentou-se como o fórum ideal para a pro-moção desses preceitos. E as OpPaz,como instrumento de reconciliação ede defesa dos direitos humanos, porexcelência, tiveram nesse fator, maisuma razão para a sua proliferação.

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Dessa forma, as operações desegunda geração assumiram carac-terísticas multifuncionais – ou mesmo,multidisciplinares – como são defi-nidas pela ONU. Essas operaçõesexpandiram suas atividades, incorpo-rando tarefas de caráter civil e hu-manitário, além das militares. Com opassar do tempo, passaram, também,a atuar em campos voltados ao resta-belecimento das instituições básicase à reconstrução do país anfitrião. En-tre esses, podemos enumerar a des-mobilização de forças, o desarma-mento e a reintegração de ex-com-batentes à vida civil, a execução deprogramas de remoção de minas, arecolocação de refugiados e deslo-cados aos seus lares, a ajuda huma-nitária, o treinamento de forças poli-ciais, a supervisão do respeito aos di-reitos humanos, a implementação dereformas constitucionais, judiciais eeleitorais, e o auxílio na retomadadas atividades econômicas e na re-construção nacional, incluindo a re-paração da infra-estrutura física.

Para desempenhar esse papelmultidisciplinar, as ForPaz, até entãocompostas preponderantemente porforças militares, assumiram uma ca-racterística predominantemente po-lítica, incorporando em sua estruturacomponentes civis para a participa-

ção direta na execução de tarefasprescritas no mandato de cada mis-são. Esses novos componentes sãointegrados por recursos humanos daárea de administração pública, de ge-renciamento econômico e de assis-tência humanitária. O componentemilitar, por sua vez, recebeu, em a-créscimo, a responsabilidade de pro-porcionar um ambiente seguro a es-ses componentes civis.

Entretanto, essas mudanças nãoatendiam aos novos desafios que seapresentavam à eficiência das OpPazde segunda geração. E, em sentidomais amplo, era necessária maioratenção aos seguintes óbices:� falta de agilidade no desdo-

bramento das ForPaz, o que acar-retava em grandes e dispendiososreajustes no planejamento inicialdevido ao recrudescimento da si-tuação que normalmente ocorria;� treinamento heterogêneo e

fora da realidade das tropas em-pregadas nas OpPaz, conside-rando-se a diversidade de seuspaíses de origem e a sua destinaçãoprimordial;� gerenciamento inadequado

das OpPaz, principalmente no quese refere ao planejamento estra-tégico desenvolvido no âmbito daONU e entre ela e os contribuintes;

� dificuldades para os paísesmembros prover, plenamente, osrecursos financeiros e humanosnecessários à implementação dasOpPaz em face de sua prolifera-ção; e� a discrepância entre o nú-

mero de mandatos autorizados e osrecursos disponíveis para tais.

Paralelamente a esses desafiostécnicos, financeiros, estratégicos, tá-ticos e logísticos, tornaram-se percep-tíveis desafios de natureza conceitual.

Para responder a esses desafios,foram implementados um sistema dereembolso pela ONU aos paísescontribuintes e um sistema de prontoemprego, o quais serão abordadosnos tópicos seguintes.

O SISTEMA DEREEMBOLSO

A contribuição de qualquer natu-reza, militar ou civil, para as OpPaz,encontra sempre grandes entravesnos aspectos orçamentários e logísti-cos. Especificamente no caso militar,esses entraves assumem um vultomaior, uma vez que é bastante dispen-dioso preparar, equipar, transportare manter tropas fora do seu territórionacional.

Reintegração de ex-combatentes: um novodesafio para as OpPaz

Populações civis: novo enfoque nos novos papéisdas OpPaz

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Para estimular a contribuição, re-duzindo os custos, a ONU adotou,em 1973, o procedimento de reem-bolsar os países contribuintes no quediz respeito à depreciação do materialempregado, pagamento de pessoal edespesas com transporte para asáreas das missões e de regresso aopaís de origem. No tocante ao ma-terial, até 1994, a ONU procedia aoreembolso com base em inspeçõespor ocasião do ingresso e da saídade áreas de missão (in-survey e out-survey). Da mesma forma, a inde-nização dos custos com pessoal nãoera abrangente, ficando a critério daOrganização atender ou não às so-licitações específicas de cada paíscontribuinte. Tal sistemática redun-dava na falta de padronização, no tra-tamento diferenciado de um país parao outro e em atraso no reembolso,criando um clima de desconfortoentre os contribuintes e destes paracom a Organização, apesar do esfor-ço em revisar os valores em reuniõespromovidas nos anos de 1977, 1980e 1991.

Em 1995, dois grupos de trabalhorecomendaram ao Secretariado aadoção de uma sistemática de re-embolso fundamentada no conceitode leasing, a qual foi aperfeiçoadanos anos subseqüentes. As grandescategorias abarcadas por essa siste-mática são o Major Equipment, oSelf-sustainment, os Medical Sup-port Services e os Troop Costs.

O Major Equipment enquadra,genericamente, viaturas e máquinasde emprego genuinamente militar eitens de equipagem de uso coletivo,bem como as taxas de reembolso pa-ra a sua caracterização para a mis-são e por sua depreciação pelo uso.A catalogação dos itens dessa cate-goria tem sido objeto de polêmica,pois determinados países utilizammaterial que, por não ser de destina-

ção militar, são de custo de aquisiçãoe manutenção mais barato. Assim,para esses países, o reembolso é umaatividade lucrativa, provocando odescontentamento dos demais.

Outro aspecto afeto ao MajorEquipment são os chamados Spe-cial Cases – semanticamente tradu-zível como “casos especiais”. Trata-se de material ainda não catalogadocomo Major Equipment, mas cujoemprego é reconhecidamente neces-sário ao desempenho das tarefas ouao conforto da tropa na área da mis-são. Existe uma tendência a que, emfuturo próximo, todo o material em-pregado por forças de paz seja ho-mogeneizado em uma categoria de-nominada Standard Major Equip-ment.

Por Self-sustain-ment, entenda-se acapacidade de auto-sustentação de tropasno que diz respeito àsatividades de comandoe controle, apoio deserviços e de conforto.Cada país informa, porocasião do planeja-mento de uma OpPaz,as subcategorias em que é auto-sus-tentável, bem como a auto-suficiênciaem termos de dias de duração naação, sendo por isso, reembolsadodentro de valores proporcionais pa-dronizados. O apoio complementara ser prestado pela ONU poderá serobjeto de detalhamento no Memo-rando de Entendimento, documentoque será descrito adiante.

A categoria Medical SupportServices refere-se ao reembolso peladepreciação do material de saúde eaquisição de medicamentos utilizadospelas Unidades Médicas, quandoenviadas às áreas de missão pelospaíses contribuintes. Exclui-se, por-tanto, desta categoria, o apoio de

saúde orgânico de uma tropa, por es-tar enquadrado como Self-sustain-ment.

Troop Cost pode ser definido co-mo o reembolso pelo custo individualde cada militar integrante de umaForPaz durante o período da missão.Para o aprimoramento de sua siste-mática, estuda-se a inclusão dosgastos com exames e tratamento desaúde pós-missão, emissão de pas-saportes e movimentações no interiordo país de origem para a região deembarque para a área da missão. Es-tá também em estudo, a inclusão, nabase de cálculo, dos custos relacio-nados à preparação operacional decada contingente, aí incluídas todasas atividades afetas ao treinamento

pré-emprego – deslo-camento para áreas deexercício e consumode rações, entre ou-tros – e viagens paraatender reuniões decoordenação e de pla-nejamento.

Existem conceitosadicionais que per-meiam entre a siste-mática de reembolso e

os aspectos logísticos acordados noMemorando de Entendimento.Dentre eles, ressalta-se o de Itens deUso Comum – Common User Itens(CUI) – o de Itens de Uso não-Comum – Non Common User Itens(NCUI). No primeiro caso, trata-seda identificação, dentro das classesde suprimentos, de itens reconheci-dos como de uso comum por um gru-po de países, sendo por isso indeniza-dos ou fornecidos pela ONU. No se-gundo caso, por serem determinadositens uma especificidade de um país,seu fornecimento será uma responsa-bilidade nacional.

Um aspecto importante para oreembolso é a possibilidade dos

Self-sustainment:capacidade própria de

cada paíscontribuinte

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contribuintes optarem pela modali-dade Wet Leasing ou Dry Leasing.Na primeira opção, o país contribuin-te fornece os equipamentos, seus so-bressalentes e se responsabiliza pelamanutenção, tendo, por isso, maiorreembolso. Na segunda, a ONU for-nece os sobressalentes e providenciaa manutenção, reduzindo, com isso,o reembolso. Em termos práticos, oWet Lease constitui-se em uma exce-lente oportunidade para um paísexercitar sua capacidade de manterforças operando distantes do seu ter-ritório. E essa tem sido a opção doBrasil.

A publicação da ONU intituladaContingent Owned EquipmentManual encerra a sistemática dereembolso apresentada, bem comoapresenta tabelas com valores e ba-ses para cálculos do reembolso.

EM BUSCA DE RESPOSTASMAIS RÁPIDAS PARA AS

CRISES

A proliferação e, sobretudo, orápido recrudescimento das crisesnos mais diversos recantos domundo, passou a exigir da ONU umaresposta mais rápida para a suasolução. Entretanto, a constituiçãodas ForPaz não ocorria na rapidezdesejável. Isso ensejou uma série deiniciativas visando respostas maisrápidas e oportunas.

A idéia não é nova, uma vez queno início dos anos 50, estudos paraa implementação de um Sistema dePronto Emprego já haviam sidodiscutidos pela Assembléia Geral.Nesse mesmo período, a AssembléiaGeral recomendava que os paísesmembros mantivessem dentro deseus territórios forças militares per-manentemente treinadas e equipadaspara, rapidamente, serem colocadasà disposição da ONU. Mas a

situação econômica, política e militarda maioria dos países, associada aoclima de desconfiança no pós-guerra,impediram que a iniciativa prospe-rasse.

O assunto voltou à pauta da Or-ganização a partir de 1992, quandoo então Secretário-Geral da ONU,Boutros-Ghali, propôs um documen-to intitulado “Uma Agenda para Paz”.Objetivava aquele documento açõescom vistas ao fortalecimento da ca-pacidade da ONU na sua cruzadapela paz.

O Sistema de Pronto Emprego

Paralelamente a outras propostasa serem comentadas adiante, in-tensificavam-se, no âmbito da ONU,levantamentos visando à criação de umbanco de dados contendo informaçõessobre os recursos humanos e materiaiscom os quais os países membrosestivessem efetivamente dispostos acontribuir para as OpPaz. Traduzia,essencialmente, a proposta de cria-ção de um Sistema de Pronto Empre-go da ONU (United Nations Stand-by Arrangements System – UNSAS)nos moldes daquele já discutido nosanos 50, agora dentro de um con-texto mundial bastante diverso do da-quela década. Entre outras virtudesque o tornaram amplamente aceitávelpela Comunidade Internacional, des-tacava-se a soberania que os signa-tários teriam para decidir por contri-buir para as OpPaz de maneira con-dicional.

Apesar da sua simplicidade, oprocesso de adesão não ocorreu co-mo esperado. Isso se deveu, entreoutros motivos, às particularidadespolíticas e orçamentárias de cada paísem relação aos exíguos prazos de se-te a trinta dias exigidos pelo Secreta-riado para o desdobramento dastropas.

O UNSAS ainda encontra muitasdificuldades para funcionar efetiva-mente. Os resultados obtidos desdesua instituição, em 1993, ficaram, cer-tamente, muito aquém do esperado.Duas experiências mostraram quenão seria nada fácil compatibilizarmandatos aprovados pelo Conselhode Segurança com a capacidade daONU de mobilizar ForPaz com vul-tos adequados. A primeira foi aconstituição da Força de Proteção dasNações Unidas na Bósnia-Herze-govina (United Nations ProtectionForce – UNPROFOR). Apesar daexistência do UNSAS, a Organiza-ção levou mais de um ano para con-centrar os recursos necessários.

A segunda ocorreu no mandato daMissão de Assistência das NaçõesUnidas para Ruanda (United Na-tions Assistance Mission for Rwan-da – UNAMIR), em 1994. Naqueleano, o banco de dados das NaçõesUnidas já contava com 39 mil sol-dados de infantaria. Entretanto, dospaíses que haviam ofertado essastropas, nenhum se disponibilizou acontribuir em tempo de impedirgenocídio de 500 mil pessoas. Comisso, ficava claro que o UNSAS tinhagraves limitações e que o aprimo-ramento do tempo de desdobra-mento de uma ForPaz continuavasendo um dos principais problemasdas Nações Unidas.

Quartel-Generalde Missão Rapidamente

Desdobrável

Em 1994, o governo do Canadáiniciou um estudo detalhado sobre acapacidade da ONU de reagir rapi-damente frente aos conflitos. Esseestudo, intitulado Em Busca da Ca-pacidade de Rápida Reação paraas Nações Unidas (Towards a Ra-pid Reaction Capability for the Uni-

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ted Nations), tinha o intuito específi-co de elaborar e sugerir propostaspara o aprimoramento do tempo dedesdobramento das Operações dePaz. Entre as várias propostas dorelatório canadense, a idéia dacriação de um Quartel-General deMissão Rapidamente Desdobrável(Rapidly Deployable MissionHeadquarters – RDMHQ) foi,certamente, a proposta que maismobilizou os países membros paraa causa do aprimoramento dacapacidade de desdobramento dasForPaz.

A idéia refere-se à constituição deum grupo de oficiais à disposição,pronto para ser enviado à Área daMissão imediatamente após a au-torização de uma OpPaz. A essegrupo caberia a responsabilidade deorganizar a operação e comandá-lanos primeiros meses, evitando-se oproblema que ainda hoje se verificados componentes da operação che-garem à Área da Missão antes daexistência de um comando estru-turado.

O núcleo do RDMHQ seriacomposto por funcionários doDepartamento de Operações dePaz, com dedicação exclusiva.Outros oficiais, previamente sele-cionados, formariam um grupo queficaria de prontidão para assistiràquele núcleo. Um terceiro grupo deoficiais qualificados permaneceriamem seus países de origem em con-dições de serem mobilizados emcurto espaço de tempo.

Caso o RDMHQ venha a se con-cretizar, ele constituirá um importanteinstrumento para dotar o Departa-mento de Operações de Paz de umnúcleo qualificado de comando eplanejamento à disposição, o quesolucionará um dos problemas maissérios para o desencadeamento dasOpPaz.

A Força deReação Rápida

Em 1995, um outro documentodenominado Suplemento de umaAgenda para a Paz trouxe novoânimo ao assunto, uma vez queapontava, de maneira mais objetiva,os óbices ao êxito das OpPaz, es-pecialmente quanto à disponibilida-de de tropas e seus equipamentos eao tempo de desdobramento dasoperações. O Suplemento de umaAgenda para a Paz sugeria, entreoutras, a proposta de constituição deuma Força de Reação Rápida (RapidReaction Force), a qual atuariacomo elemento de contingência daONU para, principalmente, reduzir otempo de desdobramento de umaOpPaz após a aprovação da resolu-ção pelo Conselho de Segurança. Emsuma, a proposta referia-se a cria-ção de uma Força de Reação Rápidaque permaneceria à disposição daONU para desdobramento imediato.Entretanto, questões de ordem finan-ceira e política, alegadas pela grandemaioria dos países membros, con-tribuíram para que essa proposta nãoprosperasse.

A Brigada de DesdobramentoRápido das Nações Unidas

Uma outra proposta bastanteinteressante foi apresentada pelosPaíses Baixos. Em essência, sugeriaa constituição de uma Brigada deDesdobramento Rápido das NaçõesUnidas (United Nations RapidDeployment Brigade), a qual seriaempregada de maneira preventiva, naiminência de uma crise, podendoainda ser utilizada durante emer-gências humanitárias. Seu carátercoercitivo e intervencionista, contu-do, contribuiu para a sua rejeição pelaComunidade Internacional.

A Brigada de AltaProntificação à Disposição

Frente às limitações do UNSAS,a proposta para a criação de umaBrigada de Alta Prontificação à Dis-posição (Stand-by High ReadinessBrigade – SHIRBRIG) foi desen-volvida em 1996 por um grupo depaíses membros liderados pela Di-namarca. Essa proposta previa aconstituição de uma força comefetivos de quatro a cinco mil homenspermanentemente adestrados. Oemprego dos efetivos deveria serautorizado pelo Secretário-Geral emcumprimento de mandatos aprova-dos pelo Conselho de Segurança.Seu desdobramento não deveria sersuperior ao prazo de trinta dias. Suapermanência na Área de Operações,no entanto, não deveria ultrapassarseis meses, tempo julgado necessárioà organização e ao desdobramentode uma OpPaz especificamenteconstituída para um mandato daONU. Ao fim desse período, a Bri-gada seria desativada ou substituídapor outras forças.

A SHIRBRIG teve sua consti-tuição prontificada em janeiro de2000. Embora tenha sido criada pararesolver os óbices do UNSAS, a exis-tência da SHIRBRIG não é plena-mente aceita pelos países membrospor, entre outras alegações, nem to-dos os países dela integrantes seremsignatários do UNSAS o que, naopinião deles, coloca o desdobra-mento dessa força à margem dalegitimidade.

O Painel Brahimi

Uma das mais recentes iniciativasvisando aprimorar a pronta resposta àscrises foi um painel levado a efeito noano de 2000, no âmbito da ONU. Essepainel foi presidido pelo diplomata pa-

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quistanês Lakdar Brahimi – razão pelaqual o seu resultado ficou conhecidopelo título Relatório Brahimi.

Fruto de suas linhas de aborda-gem, o Relatório apresentou inte-ressantes propostas, muitas das quaisjá estão implementadas e outras emadiantada fase de implementação.Uma de suas importantes conclusõesé que os princípios básicos continuemsendo as pilastras mestras para aatuação das ForPaz. A experiênciatem mostrado, contudo, que o prin-cípio do consentimento tem sido ma-nipulado maneira perniciosa, contri-buindo para o agravamento das crisese para o atraso na sua solução. A im-parcialidade, por sua vez, tambémrequer aderência e fidelidade à Cartadas Nações: tratamento igual paratodos os partidos. Entretanto, quandoum dos partidos claramente viola ostermos de um acordo de paz, dartratamento igualitário, na melhor dashipóteses, resultará na ineficácia epoderá ser interpretado como cum-plicidade da ONU com o mal. Nadaé mais danoso à Organização do quea sua relutância em distinguir a vítimado seu agressor. Isso equivale dizerque Relatório propõe que a Orga-nização não deva aplicar a melhorhipótese da imparcialidade quando osatores locais apresentarem o pior casode comportamento. Assim, nos seusrelatos ao Conselho de Segurança,o Secretariado deverá dizer, no quese tratar do aconselhamento do em-prego da força, o que deve ser co-nhecido, e não o que ele gostaria deouvir. Isso implica na adoção deresoluções realísticas, desprovidas deadornos políticos.

Disponibilidade de lideranças éoutro aspecto interessante propostono Relatório. Experiências recentestem demonstrado que os componen-tes de uma ForPaz iniciam seu desdo-bramento na área da missão sem que

o seu comando tenha sequer sidodefinido. Para evitar esse óbice, aOrganização deve dispor de umarelação de potenciais RepresentantesEspeciais do Secretário-Geral, deComandantes de Força, de Comis-sários de Polícia Civil e chefes de ou-tros componentes de uma ForPaz.Essa relação deve contemplar umaampla e igualitária distribuição geo-gráfica mundial.

As primeiras seis a doze semanasque se seguem a um cessar-fogo oua um acordo de paz são, histori-camente, críticas para o estabeleci-mento de uma paz estável e para acredibilidade de uma OpPaz. Asoportunidades perdidas nesse perío-do dificilmente serão recuperadas.Com esse argumento, o Relatório jul-gou aconselhável o desdobramentode uma OpPaz, nos moldes tradicio-nais, até 30 dias após a adoção deuma resolução. Para as crises maiscomplexas, que requeiram a compo-sição de uma ForPaz robusta, esseprazo pode ser elevado para 90 dias.

Outra recomendação importantefoi a de que o UNSAS seja desenvol-vido de formas a incluir várias bri-gadas multinacionais, criadas porpaíses membros trabalhando emparceria, de formas a integrar asForPaz robustas propostas pelo Pai-nel. O Relatório recomendou aindaque o estado de prontificação dessastropas seja verificado in loco porequipes da ONU, objetivando ava-liar as condições específicas deadestramento e equipamento reque-ridas antes de seu desdobramento.Tropas fora dos requisitos não devemser desdobradas.

Para maior eficácia do desdobra-mento, o Relatório Brahimi reco-mendou ainda que o UNSAS fosseincrementado com uma relação de100 oficiais altamente qualificados eexperientes em OpPaz, avaliada e

aprovada pelo Departamento de O-perações de Paz, em condições deatender a uma rápida convocação.Para as equipes extraídas dessa rela-ção, estaria previsto o emprego em,no máximo, sete dias, para transfor-mar os conceitos do nível estratégicoproduzidos no âmbito da ONU emplanos concretos dos níveis estraté-gico e tático. Adicionalmente, pode-riam ser empregadas nas áreas demissões como núcleo inicial de co-mando até que este se efetivasse.

No que diz respeito às questõesorçamentárias, o Relatório consi-derou que o Secretário-Geral deveter autonomia para autorizar o dis-pêndio de até US$ 50 milhões parao estabelecimento de uma OpPazcom probabilidade de desencadea-mento, antes mesmo da emissão dacompetente resolução pelo Conse-lho. Contudo, essa matéria carece deaprovação pelo Comitê de Assesso-ria em Questões Administrativas eOrçamentárias (Advisory Com-mittee on Administrative and Bud-getary Questions – ACABQ).

O Relatório Brahimi foi uma im-portante iniciativa cujas propostas jáapresentam seus frutos quer na siste-mática do planejamento e desdobra-mento das ForPaz, quer no aprimo-ramento da estrutura da ONU, mor-mente do Secretariado.Um conceito vem ganhando campopor seu pragmatismo nas OpPaz: ode Nação Líder, assim escolhidapela capacidade demonstrada nessecampo, pela constância de suas po-sições perante a ONU e, sobretudo,por sua aceitação e respeito da partedos partidos em conflito.

A PRESENTE ESTRUTURADA PAZ

Para atender à administração e àexecução das múltiplas tarefas pre-

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vistas na Carta, a ONU é estrutura-da no Secretariado (The Secreta-riat), na Assembléia Geral (The Ge-neral Assembly), no Conselho deSegurança (The Security Council),no Conselho Econômico-Social (TheEconomic and Social Council), noConselho de Tutela (The TrusteeshipCouncil) e na Corte Internacional deJustiça (The International Court ofJustice).

Cada um desses órgãos, emmaior ou menor grau, tem partici-pação nas decisões, no planejamentoou na execução das OpPaz. Essaparticipação tem sido crescente àmedida que aquelas operações as-sumem caráter cada vez mais mul-tifacetado. Contudo, pelo que sepropõe o presente artigo, aborda-remos aqui apenas os mais direta-mente envolvidos com a paz e a segu-rança, quais sejam, o Secretariado eo Conselho de Segurança.

O Secretariado

Entre outras atribuições para eleestabelecidas na Carta das Nações,cabe ao Secretariado a responsabi-lidade pelo planejamento, preparo,condução e orientação das OpPaz.É assessorado pelo Vice-Secretário(Deputy Secretary-General – DSG),pelo Gabinete Executivo (ExecutiveOffice of the Secretary-General –EOSG), pelo Gabinete de Assuntos

Legais (Office of Legal Affairs – OLA),pelo Gabinete para a Coordenaçãode Assuntos Humanitários (Officefor the Coordinate of Humanita-rian Affairs – OCHA) e Gabinetepara a Supervisão Internacional deServiços (Office of InternationalOversight Services). A ele estão su-bordinados os seguintes departa-mentos:

� Departamento de AssuntosPolíticos (Department of PoliticalAffairs – DPA);� Departamento de Opera-

ções de Paz (Department of Pea-cekeeping Operations – DPKO);� Departamento de Gerencia-

mento (Department of Manage-ment – DM);� Departamento de Assuntos

Econômicos e Sociais (Departmentof Economic and Social Affairs– DESA);� Departamento para Assun-

tos de Desarmamento (Departmentof Disarmament Affairs – DDA);� Departamento para Assun-

tos da Assembléia Geral e Serviçosde Conferência (Department ofGeneral Assembly Affairs andConference Services); e� Departamento de Informa-

ção Pública (Department of Pu-blic Information – DPI).

Cada um dos departamentos aci-ma é dirigido por umsubsecretário ou car-go de nível hierár-quico equivalente.

Existe uma grandeinteração entre os de-partamentos do Se-cretariado no plane-jamento e execuçãodas OpPaz. A res-ponsabilidade prin-cipal cabe ao DPKO,

cujas tarefas e organização serãoapresentadas a seguir.

O Departamento deOperações da Paz

O Subsecretário-Geral do DPKO(Under Secretary-General – USG DPKO)é a autoridade responsável pelo pla-nejamento, preparação, condução eorientação de todas as operações decampanha da ONU, especialmenteas OpPaz, sendo por isso conside-rado o braço operacional do SG.

Para a consecução de suas tarefasbásicas, o USG-DPKO é assesso-rado pelo Gabinete Executivo (Exe-cutive Office), por um Diretor deGerenciamento (Management Direc-tor) e pela Unidade de Boas Práticaspara a Paz (Peacekeeping Best Practi-ces Unit) e é estruturado nos seguintesórgãos:

� Escritório de Operações (Offi-ce of Operations), subdividido emtrês divisões geográficas regionais(África, Ásia, Oriente Médio e Eu-ropa/América Latina) e em um Cen-tro de Situação (Situation Centre);� Serviço de Ação de Minas

(Mine Action Service);� Divisão de Polícia Civil (Ci-

vilian Police Division);� Escritório de Apoio a Mis-

sões (Office of Mission Support),este subdividido em uma Divisãode Apoio Logístico e uma Divisãode Apoio Administrativo; e� Divisão Militar (Military Di-

vision).

No que tange às OpPaz, a Di-visão Militar do DPKO constitui ocoração das atividades. É ela quemassegura que as melhores capacida-des militares sejam desdobradas emapoio aos objetivos da ONU. É che-fiada pelo Conselheiro Militar (Mili-tary Adviser – MILAD) e desempe-

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nha ações voltadas ao planejamentomilitar (Military Planing Service –MPS), à convocação de força e pes-soal militar junto aos países contri-buintes (Force Generation and Mi-litary Personnel Service – FGMPS),à instrução e avaliação de ForPaz emvias de serem empregadas (Trainingand Evaluation Service – TES) eao acompanhamento de operaçõesem andamento (Current MilitaryOperations Service – CMOPS).

O MPS, principal assessor doMILAD para efeito de elaboração deconceitos de operações e planos deoperações para as OpPaz em an-damento e em potencial, preparaainda as orientações e diretivas donível estratégico da ONU, entre elas,as Regras de Engajamento. É o elode ligação com os outros elementosdo DPKO e outros organismos eagências intra e extra-ONU. É ele

quem presta o apoio às missões depesquisa nas áreas em crise, as quaisservirão de subsídios para a decisãodo Conselho quanto a autorizar umaOpPaz.

O FGMPS, principal assessor doMILAD no que diz respeito à con-vocação de forças e pessoal militarpara a organização de uma ForPaz,mantém, para tal, cerrada ligaçãocom os países contribuintes. Detém,para a eficiência de seu desempenho,bancos de dados atualizados sobrepessoal militar. É o responsável pelapreparação de diretivas genéricaspara os Comandantes de Força, paraos Chefes de Observadores Militarese para os Chefes de Oficiais deLigação. Elabora, ainda, orientaçõesgerais para unidades militares eObservadores Militares colocados àdisposição da ONU. Gerencia asofertas de contribuição para pronto

emprego e assessora as missõespermanentes de países membrosjunto à ONU quanto ao UNSAS,promovendo o incentivo para aadesão e incremento do Sistema.

A atividade de convocação deforça é afetada pela aceitabilidadepolítica da OpPaz pela ComunidadeInternacional. A avaliação das pos-sibilidades do êxito da operação éum aspecto crucial que leva em con-ta, entre outros fatores, a compa-ração da capacidade militar obtidaem face da situação na área em crise,o estado de prontificação e a capa-cidade de auto-sustentação dastropas componentes da ForPaz, osmeios de comando e controle dis-poníveis e os custos envolvidos.

O Conselho de Segurança

É o órgão da ONU responsávelpela manutenção da paz e da se-gurança internacionais. É integradopor quinze países membros, sendocinco deles permanentes desde acriação da Organização, em 1945.Os demais são denominados não-permanentes, eleitos pela AssembléiaGeral para um período de dois anos.O grupo dos membros permanentes,também denominado P5, é integradopela China, pelos Estados Unidos daAmérica (EUA), pela FederaçãoRussa, pela França e pelo Reino Uni-do. O Conselho pode ser convocadosem aviso prévio, a partir de qualquera denúncia de ameaça à paz e à se-gurança internacionais, bem como dedesmandos que provoquem indig-nação na Comunidade Internacional.

O Conselho age em nome daComunidade Internacional estando,nesse contexto, revestido de auto-ridade para identificar e investigarqualquer ameaça ou perturbação dapaz, bem como para implementarações que visem à solução pacífica

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de controvérsias ou a neutralizaçãode atos de agressão e conseqüenterestauração da paz quando da e-closão de conflitos, determinando ouso da força militar quando neces-sário. Suas deliberações quanto àsOpPaz são baixadas em documentosdenominados resoluções e mandatos.Para que uma decisão seja adotada,é necessária a aprovação integral doP5 e de nove dos membros não-per-manentes. As resoluções resultarãoem autorização para o desenca-deamento de OpPaz quando estasforem conduzidas por outros orga-nismos como, por exemplo, a OTANe a UE. Quando as operações foremtranscorrer sob a égide da própriaOrganização, as resoluções resul-tarão em mandatos.

DENOMINAÇÃO EESTRUTURA DE UMAOPERAÇÃO DE PAZ

Denominação

Uma ForPaz ou missão de obser-vação recebe, tradicionalmente, umnome que fará menção à ONU, po-dendo explicitar o tipo ou forma deinstrumento a ser empregado para ogerenciamento da crise e o nome dopaís ou região onde se realizará. Onome da missão será em uma das seislínguas mais faladas no mundo, asaber: árabe, espanhol, francês, in-glês, mandarim ou russo. As missõesabaixo constituem exemplos:

– UNPROFOR – United Na-tions Protection Force; e

– MINUSTAH – Mission desNations Unies pour la Stabilizationen Haiti.

Composição

Vimos que as OpPaz do períododa Guerra Fria – ditas de primeira

geração –, eram de estrutura predo-minantemente militar. Seu compo-nente civil era essencialmente voltadopara o apoio administrativo às açõesmilitares. Atualmente, dependendo dasituação na área em crise, uma OpPazserá estruturada por todos ou partedos seguintes órgãos:� Componente de Assuntos

Políticos (Political Affairs Compo-nent);� Componente Militar (Milita-

ry Component);� Componente Aéreo (Air Com-

ponent);� Componente Marítimo (Ma-

ritime Component);� Grupo de Observadores Mi-

litares (Military Observers Group);� Componente de Polícia Civil

(Civilian Police Component)� Componente de Assuntos Hu-

manitários (Humanitarian AffairsComponent);� Componente de Direitos Hu-

manos (Human Rights Compo-nent);� Componente Eleitoral (Elec-

toral Component); e� Componente Administrativo

Civil (Civilian AdministrativeComponent).

A estrutura variará de acordo coma situação de cada crise, podendodeterminado componente ou órgãoexistir em uma operação ou serabsorvido por outro correlato ou sim-plesmente inexistir em outra. Existemsituações em que o órgão constituiráuma simples assessoria da chefia daoperação.

Essa estrutura interage, no exer-cício de seu mandato, com os diver-sos segmentos do país anfitrião, comos escalões superiores da ONU ecom outros parceiros existentes naÁrea de Operações – organizaçõesnão-governamentais e agências daONU, entre outros. Seus componen-

tes mais freqüentes são o de Assun-tos Políticos, o Militar, o Grupo deObservadores Militares, o de As-sistência Humanitária e o Ad-ministrativo Civil.

A seguir, serão tratados os prin-cipais cargos de chefia de umaForPaz, bem como os componentesintegrados por forças ou gruposmilitares.

O Representante Especialdo Secretário-Geral

O Representante Especial doSecretário-Geral (Special Represen-tative of the Secretary-General –SRSG) é o Chefe da Missão. É umdiplomata de carreira de um paíscontribuinte designado pelo Secre-tário-Geral para representá-lo naÁrea de Operações e conduzir a o-peração, coordenando as atividadesdos componentes segundo as orien-tações da ONU.

A designação do SRSG o maiscedo possível é uma das chaves dosucesso de uma OpPaz, uma vez quedele emanam as orientações de níveloperacional para o planejamentocoordenado dos componentes deuma OpPaz.

O Componente Militar

É integrado por forças militares depaíses contribuintes. As unidades esubunidades desse componente re-cebem setores ou áreas de respon-sabilidade que têm a seu encargo ta-refas relativas à interposição, sepa-ração e retirada de forças em conflito,à verificação de acordos, ao apoio àdesmobilização das forças, à des-truição de armas, à criação ou re-estruturação das forças armadas esegurança à ajuda humanitária.

Em determinadas OpPaz, tem-seobservado a presença dos compo-

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nentes Aéreo e Marítimo. Essescomponentes são empregados emoperações e ações típicas dos po-deres aéreo e naval, respectivamente.Contudo, a decisão para o empregode cada um deles será sempre objetode cuidadoso e específico plane-jamento, pois envolve uma série defatores entre os quais o controle dopoder de destruição, a interdição deespaços aéreos e áreas marítimas ea autoridade para execução de ins-peções e apresamento.

O Comandante da Força

O Comandante da Força (ForceCommander – FC), é o Coman-dante do Componente Militar. É umoficial-general de um país contribuin-te escolhido pelo Secretário-Geralpara essa função. É o responsávelpor transformar ou ajustar as dire-trizes políticas recebidas do SRSGem ordens militares contidas em seuplano de operações. A ele estarãosubordinadas as forças militares dis-ponibilizadas pelos países contri-buintes sobre os quais exercerá onível de autoridade Comando Ope-racional (Operational Command),Controle Operacional (OperationalControl) ou Controle Tático (Tac-tical Control).

No primeiro caso, lhe é permiti-do expedir ordens detalhadas semsolicitar o consentimento prévio aospaíses contribuintes. Não tem res-ponsabilidades administrativas elogísticas. Isso significa não poderinterferir em assuntos afetos à dis-tribuição de suprimentos, nos aspec-tos disciplinares, nas questões de pro-moção ou na estrutura organizacionaldos contingentes participantes.

No segundo caso, o FC poderádeterminar o cumprimento de mis-sões específicas constituídas portarefas limitadas por propósitos es-

peciais, tempo ou localização. Nestetipo de controle, o FC não poderáalterar as missões básicas das forçasparticipantes ou desdobrá-las foradas áreas de responsabilidade pre-viamente acordadas com os paísescontribuintes sem o seu consenti-mento. Cabem, no Controle Opera-cional, as mesmas restrições doComando Operacional quanto aosaspectos logísticos e administrativos.

O terceiro caso é o mais restritivodos três níveis de relações de co-mando. Nele, o FC limitar-se-á aorientar a execução das tarefas decaráter eminentemente tático de seuselementos subordinados, em suasáreas de responsabilidade.

O Comandantede Contingente Nacional

É a função exercida normalmentepelo oficial mais antigo dos elementosnacionais desdobrados em uma Áreade Operações. É por seu intermédioque se processam as comunicaçõesentre as autoridades multinacionais daoperação – FC, Chefe dos Obser-vadores Militares, comandantes deoutros contingentes e outros – e oscomponentes do respectivo contin-gente nacional. Uma de suas ativi-dades mais importantes é a super-visão e o trato, no que lhe for deter-minado, das questões disciplinares deseu contingente.

Salvo quanto às suas atividadescomo comandante de unidade ougrande unidade, o Comandante deContingente não faz parte da cadeiade comando operacional.

O Grupo deObservadores Militares

O Grupo de Observadores Mi-litares é constituído por oficiais depaíses contribuintes que cumprem

suas tarefas desarmados, distribuídosem Equipes de Militares Observa-dores. Suas atividades básicas com-preendem a monitoração e verifi-cação de trégua, acordo de cessar-fogo ou de paz; a investigação dealegações de violações nos aspectosanteriormente citados; o patrulha-mento, dentro de suas possibilida-des, da Área de Operações; e a ela-boração e emissão de relatórios so-bre os aspectos sob sua responsabi-lidade.

Embora ambos atuem em estreitacoordenação e apoio, a experiênciade subordinar o Grupo de Observa-dores Militares ao Componente Mili-tar não tem se mostrado satisfatória,pois as atividades de ambos sãobastante distintas no mandato daOpPaz.

O Chefe dos ObservadoresMilitares

O CMO (Chief of Military Ob-servers) é o oficial responsável pe-rante o SRSG por planejar e su-pervisionar as atividades do Grupode Observadores Militares para aexecução das tarefas para ele es-tabelecidas no mandato da OpPaz.É, ainda, o responsável por emitir re-latórios acerca da situação observadapelos integrantes do Grupo. Para tal,o Grupo é normalmente subdivididoem Equipes de Observadores Mili-tares (Military Observers Teams)multinacionais distribuídas geografi-camente pela Área de Operações.

OS INSTRUMENTOSUTILIZADOS PELA ONU

As características peculiares dosconflitos atuais vêm impondo aadoção de uma ampla gama deinstrumentos para promover a paz ea segurança que, colocados à dis-

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posição da Comunidade Interna-cional, permitem evitar o surgimentodesses conflitos, solucioná-los demodo duradouro e atenuar suas con-seqüências.

Instrumentos Principais

A ONU considera o emprego dealguns instrumentos distintos, poréminter-relacionados, que são a Diplo-macia Preventiva (Preventive Diplo-macy), a Promoção da Paz (Peace-making), as Operações de Manu-tenção da Paz (OMP) (Peacekee-ping Operations – PKO), a Impo-sição da Paz (Peace-enforcement)e a Consolidação da Paz (Post-conflict Peace-building). Tais ins-trumentos poderão ser empregados,em conformidade com a resolução,de acordo com os ditames da situa-ção na Área de Operações. Contudo,nem todos implicam na constituiçãode uma ForPaz, como veremos aseguir. Esta, por sua vez, quandoconstituída, terá seu vulto e seu poderbélico proporcional ao propósito doinstrumento empregado.

As OpPaz passaram a apresentarainda, por força da situação, novas epolêmicas tipificações como, por exem-plo, a Intervenção Humanitária (Hu-manitarian Intervention), cuja ca-racterização veremos mais para seguir.

Diplomacia Preventiva

Compreende o conjunto de me-didas destinadas a evitar o surgimentoou acirramento de controvérsiasentre duas ou mais partes. Não pre-sume, portanto, a constituição de umaForPaz.

Promoção da Paz

Consiste no processo destinadoà obtenção de acordos que extingam

a confrontação e possibilitem a so-lução das motivações que originaramo conflito. Normalmente, é desenca-deado por intermédio da diplomacia,de mediações, de negociações e deoutras formas de acordos políticos.

Manutenção da Paz

Uma OMP (Peacekeeping Ope-ration – PKO) é planejada paramonitorar uma trégua negociada epromover condições que apóiem osesforços diplomáticos para o esta-belecimento de uma paz duradou-ra.Constitui-se no emprego de pes-soal militar, policial e civil para auxiliarna implementação de acordos decessação de hostilidades celebradosentre as partes em litígio. É essen-cialmente fundamentada, além dosprincípios básicos do consentimentodas partes em litígio e da impar-cialidade, no uso mínimo da força.

Dentre os instrumentos disponí-veis para responder de modo efetivoaos diferentes conflitos, a OMP con-tinua sendo o mais empregado, emvista de suas características de versa-tilidade e capacidade de transforma-ção em outro instrumento, excetoquanto à Imposição da Paz. Quandoas circunstâncias excederem a ca-pacidade da ForPaz nesse tipo deoperação, o Conselho de Segurançada ONU considerará a possibilidadede alterar e redefinir suas atribuições,de ordenar sua retirada ou de em-pregar uma força com constituiçãomais robusta.

Imposição da Paz

As operações de imposição dapaz (OIP) consistirão, normalmente,de ações de combate. Esse instru-mento é de caráter coercitivo e en-globa as medidas desencadeadas porintermédio do emprego de forças mi-

litares ou da ameaça de seu emprego.Normalmente, a OIP será empregadocom a autorização internacional paracompelir a aceitação de resoluçõesou sanções acordadas para a res-tauração da paz ou estabelecer con-dições específicas em uma área deconflito. As partes estarão envolvidasem confrontação bélicas e, pelo me-nos, uma delas não estará de acordocom a intervenção. É amparado peloCapítulo VII da Carta das Nações eserá dirigido contra as partes queinsistam na violação da paz. Nor-malmente ocorrerá quando todos osoutros esforços falharem.

Consolidação da Paz

Consiste de ações posteriores aum conflito interno ou entre estados.Destinam-se a tornar efetivo o pro-cesso de paz e evitar o surgimentode novas controvérsias utilizando-se,como instrumentos, projetos de de-senvolvimento político, social e eco-nômico, bem como o estímulo demedidas de confiança e interaçãoentre as partes até então em conflito.

Outros Instrumentos

Dentre outros instrumentos adota-dos pela ONU, destaca-se o Em-prego Preventivo, a Implementaçãode Acordos Amplos e a Proteção deOperações Humanitárias.

No Emprego Preventivo, a partemilitar da operação é desencadeadacom a aplicação de medidas paraevitar confrontações tais como, o es-tabelecimento de zonas e faixas des-militarizadas e a interposição deforças. Essas medidas são comple-mentadas pelo patrulhamento de fis-calização e pela observação, com asituação formalizada em relatóriosdivulgados às partes envolvidas e aoConselho de Segurança.

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No que diz respeito à Implemen-tação de Acordos Amplos, a ONUpode auxiliar as partes em conflito nocessar-fogo, em outros acertos decaráter militar e em assuntos civis. Éimportante ressaltar que existemações de caráter predominantementecivil e outras de caráter essencial-mente militar. Contudo, sendo umaOpPaz, em qualquer de seus estágios,uma operação predominantementede natureza política, as ações de ca-ráter civil não podem prescindir dapresença e do apoio militar, bemcomo as ações de caráter militar nãopodem prescindir da presença, doapoio e da supervisão dos compo-nentes civis da estrutura da ForPaz.O Componente Militar poderá serempregado na supervisão do cessar-fogo; no desarmamento, na desmobi-lização e na reintegração de forçasirregulares à sociedade, atividade estaconhecida na comunidade da ONUcomo DD&R; na destruição de ar-

mamento e munições; na elaboraçãoe implementação de planos para a lo-calização, demarcação, interdição elimpeza de áreas minadas; e na pro-teção ao retorno de refugiados e pes-soas deslocadas aos seus locais deorigem.

Proteção de OperaçõesHumanitárias

O ambiente peculiar de um con-flito bélico freqüentemente submeteas agências humanitárias, no desem-penho de suas atividades em am-

bientes caóticos, onde a necessidadee o desespero já corroeram a es-trutura social, ética, moral e legal, asituações de extremo risco.

Essas situações, não raro, sãoagravadas pelo fato do atendimentoàs populações contrapor-se aos ob-jetivos de uma das partes. Assim, tor-na-se necessário que as ações de as-sistência humanitárias sejam con-duzidas sob a proteção de força mili-tar, o que pode acontecer através dasegurança aos comboios daquelasagências às suas sedes, aos seus de-pósitos e às suas ações de distribui-ção da assistência.

Um outro tipo de instrumento de-nominado Intervenção Humanitária –Humanitarian Intervention – vemganhando espaço em cenários onde

existam flagrantes violações dos di-reitos humanos como o genocídio, oextermínio ou segregação racial ereligiosa entre outras, praticadas porpartes em conflito ou por membrosde regimes absolutistas. Em que pesea sua finalidade, este tipo de ins-trumento requer especial atenção noque concerne à sua aplicação por:poder desencadear violenta reaçãode uma ou mais das partes; aplicar,em um cenário difuso, força militarcom atividades de assistência huma-nitária; e, devido à sua sensibilidadepolítica, desencadear uma operação

de Imposição da Paz.

A GÊNESE DEUMA OPERAÇÃO

DE PAZ

Como Nasce umaOperação de Paz

Uma crise tem,freqüentemente, suasraízes em condiçõeshumanas extrema-mente severas. Tais

condições são atingidas, por sua vez,pela superpopulação, agravada pelasituação econômica local; por acir-rados conflitos étnicos, políticos e re-ligiosos; e por governos despóticos,fundamentados no terror. Sejam quaisforem as razões, cedo ou tarde a si-tuação será trazida à tona pela mídiainternacional, pela comunidade diplo-mática ou por organizações gover-namentais e não-governamentaisatuando na área em crise.

OpPaz: ações deassistência e

militares de formaconjugada

O Componente Militar noapoio ao recolhimento edestruição de armas e

munições

Proteção a comboios de assistência: novaresponsabilidade das OpPaz

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A classe política é naturalmenteinclinada a investigar, discutir e des-cobrir o que se passa. Em termos deComunidade Internacional, o Quar-tel-General da ONU, em Nova Ior-que, é o local por excelência onde, deforma não oficial, essas discussõesganham vulto, constituindo a gênesede um processo de paz. Quando umnúmero considerável de represen-tantes – especialmente, de membrosdo Conselho de Segurança – conclui,nessas discussões informais, quantoà gravidade de determinada situação,a questão será, então, trazida oficial-mente à mesa do Conselho. Este,após deliberações iniciais, encaminha,pelo seu Presidente, uma carta oficialao Secretário-Geral solicitando-lheum relatório detalhado sobre asituação com vistas a um possíveldesencadeamento de uma OpPaz.

Após receber a carta, o Secre-tário-Geral inicia sua consulta àcomunidade diplomática na ONUvisando à seleção de um EnviadoEspecial. Freqüentemente, emborapareça prematuro, já nesse estágioele delega ao MILAD do DPKO atarefa de propor o futuro FC ou oseu chefe de estado-maior. Casonenhuma das duas alternativas venhaa ocorrer, o MILAD indicará umoficial da própria Divisão Militar doDPKO para assessorar o EnviadoEspecial quanto aos aspectos da

OpPaz em perspec-tiva.

No âmbito do DPA,será iniciada a mo-nitoração mais acura-da da região em crise.Essa ação enfocará asituação política. Si-multaneamente, essedepartamento condu-zirá consultas acercadas implicações de-correntes de uma

OpPaz na região, especialmentequanto à posição dos organismosregionais a ela afetos.

Paralelamente às ações acima, oUSG DPKO, principalmente com oMILAD, inicia apreciações e esbo-ços de planos para a possível OpPaz.Sob condições ideais, é constituídoum grupo de trabalho ad hoc for-mado por um representante do Es-critório de Operações do DPKO(OO) – da Divisão responsável pelaárea da crise – e três oficiais, sendoum para assessorar o OO, outro doServiço de Planejamento Militar –para o planejamento específico daação militar. Um terceiro, do Escri-tório de Apoio a Missões do DPKO,participará do planejamento logístico.

A esse grupo de trabalho, sãoaderidos elementos de ligação pro-venientes do DPA e do OCHA. Ou-tros elementos, dependendo da si-tuação, poderão ser acrescentadosao grupo, mormente das áreas de or-çamento e finanças, transporte, co-municações, engenharia, policia civile remoção de minas.

O Convite aos PaísesContribuintes

Tão logo a primeira idéia sobre oconceito da operação tenha sidoconcebida, o Serviço de Geração deForça (FSG) elabora uma primeira

lista dos possíveis contribuintes edas modalidades de contribuiçãodeles esperada – militar, diplomáti-ca, de saúde, de polícia civil, deassistência humanitária e outras. AEquipe do Sistema de Pronto Em-prego (UNSAS) do FGS pesquisará,em seu banco de dados, os paísescadastrados a contribuir e as con-dições dos mesmos para tal.

Os primeiros contatos são ver-bais, feitos com as representaçõesmilitares junto à ONU, dando contade que algo está sendo delineado.Quando uma relação satisfatória decontribuintes estiver pronta, um faxcontendo a solicitação não-oficial aosgovernos será encaminhado atravésde sua representação junto à Orga-nização. Normalmente, a solicitaçãoenglobará a possibilidade de envio deforças militares, diplomatas para afunção de SRSG, policiais civis, equi-pes de experts em processo eleitorale apoio de reconstrução. Em média,cerca de sessenta países são con-sultados.

Cada país dá um tratamentopróprio à solicitação, mas de mo-do geral, o pedido entra pelo seurespectivo ministério das relaçõesexteriores, é apreciado pelos mi-nistérios relacionados ao conteúdo– normalmente, da fazenda, dajustiça e, principalmente, da defesa.Ao governante máximo tambémserá dado conhecimento sem que,contudo, haja alguma intervençãosua nesse estágio. Avaliadas as pos-sibilidades de apoio, o governoconsultado dá, através de seuMRE, sua resposta em termosbreves. Em caso afirmativo, dirá osaspectos em que apoiará a ope-ração. A maioria, nessa corres-pondência informal, condiciona aresposta oficial a uma descriçãomais detalhada do apoio, à pu-blicação do Relatório do Secre-

Uma comissão da Cruz Vermelha inspecionaas condições de prisioneiros

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tário-Geral à adoção da Resoluçãopelo Conselho de Segurança.

O Reconhecimento Inicial e asDiretrizes para os Países

Contribuintes

Tão logo exista um esboço de pla-nejamento, uma equipe técnica che-fiada pelo Enviado Especial (SpecialEnvoy – SE) visita a área em crisepara um reconhecimento. Essa açãoé, na verdade, uma pesquisa deta-lhada sobre a situação local para con-firmar as conclusões a que já se tenhachegado e para subsidiar o relatóriodo Secretário-Geral ao Conselho deSegurança. Para tal, a equipe buscarácontato com as autoridades locais ecom os líderes das partes em conflito.Será feita uma apreciação sobre ascondições do conflito ou da confia-bilidade do cessar-fogo, caso este úl-timo já tenha ocorrido. Os dadosobtidos pela equipe sobre os recur-sos locais permitirão uma avaliaçãosobre os requisitos de sustenta-bilidade da futura ForPaz.

Com base nessa pesquisa e naexperiência acumulada em outrasoperações, será elaborado umdocumento denominado Diretrizespara os Países Contribuintes (Gui-delines for Troops ContributingCountries – GTCC). Como sugereseu título, esse documento transmiteaos países consultados as informa-ções por eles requeridas, aquilo quea ONU oferece e o ela que exige.Em linhas gerais apresentará umsumário da situação geral na área,incluindo os fatos que conduziram aoconflito. Conterá uma idéia das ta-refas militares projetadas e a organi-zação da ForPaz requerida, bemcomo o nível de adestramento e asequipagens e armamento a seremutilizados.

Nessas Diretrizes, já poderá ser

feita uma menção às Regras deEngajamento, consideração de ex-trema importância para o sucesso dequalquer operação a ser apresentadamais adiante. Considerações logís-ticas iniciais, incluindo acordos quan-do ao desdobramento das forças ede reembolso da parte da ONU,também serão abordadas prelimi-narmente no documento. Contudo,deve ficar claro que essas mençõesnão representam um compromissooficial, para o qual está reservadoespaço especial em termos e acordostambém a serem comentados adiante.

O Relatório doSecretário-Geral

Esse relatório é elaborado no âm-bito do DPKO, sob intensa troca deinformações entre este, o DPA e oOCHA. Simultaneamente, as de-legações junto à ONU vão sendo co-locadas a par de seu conteúdo. Apóssua conclusão e aprovação pelo USGDPKO, sua minuta é encaminhadapara o DPA, onde será cuidadosa-mente avaliada quanto às implicaçõese aos aspectos políticos da situação.

Nesse estágio, são tratados comos governos e os partidos envolvidos,de maneira informal, os aspectos re-lativos à atuação do componente mi-litar da ForPaz. Esses aspectos, maistarde, virão a ser incorporados a umdocumento denominado Acordo So-bre o Status da Força.

Após sua apreciação e aprovaçãopelo Secretário-Geral, o relatório éimpresso e encaminhado para oConselho de Segurança, ganhandocunho oficial. No Conselho, seu con-teúdo e propostas são analisadospelos países membros e outros paí-ses interessados na questão. Após in-tensos debates e discussões, o Con-selho adotará uma resolução ou o seuPresidente restituirá o documento ao

Secretário-Geral solicitando maisdetalhes em novo relatório.

A adoção da resolução será oponto de partida para as ações maisconcretas, tanto no âmbito da ONUquanto em âmbito nacional. Muitosgovernos recusam-se a tomar de-cisões definitivas antes que isso venhaa ocorrer.

O PLANEJAMENTO DEUMA OPERAÇÃO DE PAZ EO DESDOBRAMENTO DA

FORÇA

O Planejamento

Nesse estágio, o planejamento éconduzido envolvendo paralela e si-multaneamente os setores do DPKOe a estrutura de comando da ForPaz,nas pessoas do SRSG, do FC e doChefe do Componente Administra-tivo da ForPaz (Chief Admnistra-tive Officer – CAO), os quais jádeverão estar designados. Por incrí-vel que possa parecer, na maioria dasvezes essas designações, conside-radas vitais para o planejamento epara o sucesso de uma OpPaz, aindanão terão ocorrido.

O DPKO administra dois outrosproblemas: acompanhar as condiçõese preparativos das tropas dos paísesque se comprometeram e providen-ciar o seu transporte para a área damissão. O último é particularmentesensível, pois nesse momento o or-çamento para a missão provavel-mente estará longe de ter sido apro-vado.

Com as informações extraídas dasOrientações aos Países Contribuintese, principalmente, dos termos daResolução, o SRSG reúne-se com osseus principais subordinados – FC eoutros chefes de componentes daForPaz – para, com o apoio doDPKO, a elaboração e distribuição

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da Ordem de Operação para a For-ça, como um todo, uma vez que cadacomponente elaborará a sua própria;das regras de engajamento definitivas,já esboçadas em fase anterior; e dosprocedimentos operativos padroniza-dos, também para toda a Força.

O Convite Formal e as AçõesInternas nos Países

Contribuintes

O convite é formulado por uminstrumento denominado, na co-munidade da ONU, Notes Verbalesque, ao contrário do que sugere seusignificado semântico, é apresentadona forma escrita. Seu recebimentooficial é, também, feito pelo ministériodas relações exteriores de cada paíse, dirigido, desta feita, ao seu man-datário supremo. Em algumas na-ções, essa autoridade tem o poderde autorizar a participação sem con-sultar os representantes do povo; emoutras, essa consulta existirá, de-pendendo do capítulo da Carta – VIou VII – que reger a operação.

No Brasil, toda e qualquer OpPazserá, necessariamente, autorizadapelo Congresso tendo um decretolegislativo como instrumento. Comesse respaldo, o Presidente, por suavez, autoriza a emissão da respostaoficial e emite determinações porintermédio de um decreto.

No que diz respeito ao empregode forças militares, o Ministério daDefesa emite uma diretriz aosComandos das três Forças com asinformações extraídas de docu-mentos da ONU sobre a situação naregião em crise e sobre as condiçõesem que a operação se desenvolverá.Convém ressaltar que esse do-cumento não substitui e nem seespera seja conflitante com a Ordemde Operação do FC, pois ambos temfinalidades distintas e emanam de

acordos entre a ONU, os contri-buintes e as partes beligerantes.

OS PRINCIPAISDOCUMENTOS

O Mandato

É um documento elaborado noâmbito da ONU que detalha as ta-refas e os objetivos extraídos da Re-solução do Conselho de Segurançapara uma determinada OpPaz. Nor-malmente, os mandatos têm umavigência de seis meses, o que coincidecom os rodízios de contingentes na-cionais e permite reajustes que com-patibilizem a atuação da ForPaz coma evolução da situação.

O Acordo sobre oStatus da Força

O Status of Force Agreement –SOFA – é o documento que formalizatodos os aspectos relativos e neces-sários à atuação da ForPaz acor-dados entre a ONU, o governo dopaís anfitrião e as partes em conflito.Englobam canais de ligação com ogoverno local, armamento autorizadopelo país, uniformes e sinais de iden-tificação, instalações e serviços à dis-

posição da ForPaz, respeito aos há-bitos culturais e religiosos dos seusintegrantes, uso da infra-estrutura

portuária e de rodagem, liberdade demovimento para a Força, aspectosconstitucionais e legais a serem ob-servados, utilização dos recursos co-merciais e de serviços locais e aspec-tos trabalhistas a serem observadospara a contratação de pessoal civillocal.

O conhecimento dos termos doSOFA é essencial para que os paísescontribuintes consultados decidamquanto a participar da operação,sendo desejável a sua divulgação jános estágios iniciais, do planeja-mento. É temerário um país assumiro compromisso de tomar parte deuma OpPaz antes da emissão doSOFA.

O Memorando deEntendimento

O Memorandum of Understan-ding – MOU – é um acordo sobreas responsabilidades administrativase logísticas celebrado entre a ONUe cada país contribuinte para umamesma OpPaz.

De maneira geral, o MOU esta-belecerá as responsabilidades pelotransporte para e da área da missão,a modalidade de leasing, o reem-bolso pela depreciação do material,

a indenização dos integrantese a auto-suficiência de cadacontingente nacional porclasse de suprimento. Seuconteúdo pode ser abrevia-do por referências a aspec-tos pré-acordados no Con-tingent Owned EquipmentManual.

Os termos do MOU sãoacordados em reuniões entreos mais altos escalões daONU e do país contribuinte.

Contudo, acordos verbais não podemser considerados suficientes para osníveis operacional e tático. Nor-

O SOFA: estabelece o reconhecimento,pelo anfitrião das necessidades da

ForPaz

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malmente, ocorrem retardos no aten-dimento das necessidades de contin-gentes quando estes são desdobradosantes da assinatura do MOU, po-dendo os mesmos vir a enfrentar si-tuações logísticas difíceis, depen-dendo da personalidade e do grau derelutância do funcionário em funçãode CAO. Desta forma, é desacon-selhável que os contribuintes desdo-brem seus contingentes sem a as-sinatura de seus respectivos MOU.

Aspectos não abordados noMOU, ou que surjam em decorrênciada evolução da situação, serãotratados em um documento a seremitido pelo país contribuinte para aONU denominado Letters of Assis-tance – LOA.

Os ProcedimentosOperacionais Padronizados

O Standing Operating Proce-dures – SOP – é um documento queestabelece, para cada OpPaz, umapadronização de ações em todos oscampos da atuação militar. Seu de-lineamento começa no âmbito doDPKO, desde os primeiros mo-mentos do planejamento, sendoconcluído pelo FC, após a orientaçãodo SRSG.

As Regras de Engajamento

As Rules of Engagement – ROEsão diretrizes que orientam o em-

prego da força pelo ComponenteMilitar, desde os níveis mais eleva-dos até o nível elementar. São ela-boradas especificamente para cadaOpPaz e seu esboço já ocorre comvistas a uma primeira disseminaçãopor ocasião das Diretrizes para osPaíses Contribuintes. Isso porque asROE apresentam implicações nograu de autodefesa dos contingentesnacionais, cabendo aos paísescontribuintes o direito de conhecer ograu de risco a que estará submetidoo seu contingente e, por conseguinte,aceitar ou recusar o convite departicipar da operação. Por outrolado, a ONU não pode descurar-seda observância do princípio do usomínimo da força, sob o risco deindesejáveis efeitos colaterais. Dentreestes, podemos enumerar baixasentre civis inocentes, destruição demonumentos considerados patri-mônio da humanidade e confron-tações com crianças combatentes.

O uso da força por uma ForPazcontra um dos partidos poderá serexplorado como um ato de im-parcialidade e ser utilizado comoargumento para o revide. Conse-

qüentemente, a negociação tornar-se-á mais difícil. Os já mencionadosefeitos colaterais poderão afetar aesfera política, alterar a postura dapopulação local em relação à ONUe, finalmente, tornar a OpPaz um

desastre. Por isso, a elaboração dasROE constitui um sério embate entrea esfera política e a militar da ONU.

Os Capítulos VI e VII da Carta,que regem o tipo de instrumento aser empregado em determinada crise,constituem o limiar das ROE. Noprimeiro caso, a ênfase está na au-toproteção, com foco na atuação daspequenas frações – pelotão oumenores. As situações por elas en-globadas envolvem agressões com ouso de armas de pequeno calibre –dirigidas ou não contra a fração –,ação de um dos partidos tentandoimpedir a liberdade de movimentose a ameaça ou a execução de fogospor um dos partidos contra um grupode pessoas sob a proteção dessasfrações.

No segundo caso, as ROE en-focam a atuação das subunidades eescalões maiores de tropa. Além dassituações englobadas pelo primeirocaso, as ROE de uma OpPaz regidapelo Capítulo VII poderão preverações mais contundentes como, porexemplo, a captura de líderes con-siderados criminosos e confrontaçãocontra um partido em flagranteviolação a um determinado mandatoda ONU. Há que ser considerado,ainda, o uso de armas para as quaisé impossível dar tiros de advertência.Neste caso, as ROE devem reco-mendar a adoção de cuidados es-peciais como, por exemplo, o uso deradares, de designadores laser e de

Aspecto do desdobramento deuma ForPaz

Efeitos colaterais e as ROE

“Crianças combatentes”: sériaconsideração para a definição das

ROE

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outros sistemas de direção quereduzam a margem de erro eseus efeitos colaterais.

Em qualquer caso, é impor-tante ressaltar que o sucesso po-lítico e militar de uma OpPazreside, na maior parte do tempo,na orientação precisa e na ca-pacidade de discernimento donível elementar, por ser este oque estará exposto a situaçõesque requerem o emprego daforça. Assim, é desejável quenesse nível as ROE apresentem-se em cartões com orientaçõesobjetivas, claras e indubitáveis.

A elaboração final das ROE éda competência do FC, em estreitacoordenação com o DPKO. Damesma forma que ocorre com oSOFA e com o MOU, é extrema-mente recomendável que os contin-gentes só venham a ser desdobradosapós a sua disseminação. É impor-tante ressaltar que as ROE consti-tuem um consenso da comunidade daONU, não cabendo a qualquer paíselaborar as suas próprias ou adulteraras aprovadas, sob pena de arcar coma responsabilidade de qualquer re-sultado mal-sucedido.

A ONU E OUTROSORGANISMOS

INTERNACIONAIS

Dentre os organismos interna-cionais, destacaremos a Organizaçãodo Tratado do Atlântico Norte(OTAN) e a União Européia (UE)pela importância das nações que osintegram. Cada um deles disputa coma ONU, de maneira velada, um es-paço no cenário mundial, particular-mente no que diz respeito às OpPaz.

A ONU é, indubitavelmente efruto de sua experiência, a melhor es-truturada em termos políticos, ju-rídicos e humanitários – software –,

tendo ainda a possibilidade, atravésde compromissos da parte de paísescontribuintes, de estabelecer umaestrutura militar – hardware – emresposta a uma crise internacional.

A OTAN, em seu re-direcio-namento pós-Guerra Fria, encontranas OpPaz uma razão não só parajustificar sua existência, como tam-bém para ampliar sua atuação paraoutras áreas do mundo. Essen-cialmente patrocinada pelos EstadosUnidos, é a melhor estruturada eequipada em para uma pronta res-posta em termos militares, carecendo,contudo, de uma estrutura softwarepara, em uma primeira instância,solucionar crises através da nego-ciação e, no caso do emprego da for-ça, abrandar o peso se suas ações.Essa estrutura lhe confere a carac-terística de um brutamontes desa-jeitado, o que se tornou emblemáticoapós a sua malfadada participaçãonos Balcãs.

A UE, organismo regional denatureza tipicamente político-econômica, busca organizar seucomponente militar para, em umaprimeira fase, resolver suas crisesdomésticas e, ao mesmo tempo,afastar do território europeu qualquerpossibilidade de solução alienígenapara essas crises. A UE tem por

objetivo, em fases posteriores,estender seu alcance para outrasáreas do mundo onde haja in-teresses europeus em jogo.Porém, seu braço militar nãoestá ainda estruturado, sendoconstituindo por “ilhas” comsérias barreiras a serem sobre-pujadas entre as quais sobres-saem-se diferentes línguas, tra-dições e costumes; a formaçãode subgrupos – países nórdicos,países da Europa Ocidental epaíses mediterrâneos, por e-xemplo – com diferentes ob-

jetivos e prioridades militares; a au-sência de um quartel-general, ficandosuas ações de coordenação por contade comissões ou outras represen-tações militares itinerantes; um graude confiança mútua desejável aindaem consolidação; a visível disputa dossubgrupos pela liderança militar daUnião; e a ausência de interopera-bilidade e de tecnologia comum atéos níveis elementares.

Apesar da tácita aceitação, per-cebe-se uma indisfarçável relutânciada OTAN e da UE em condicionarsuas decisões às resoluções do Con-selho de Segurança da ONU. Con-tudo, a recente Operação IraqueFreedom foi um exemplo mal-sucedido dessa revelia, provocandodistensões internas nos dois orga-nismos regionais – OTAN e UE – ecausando a reprovação generalizadada Comunidade Internacional. Essequadro permite afiançar que, pelasensatez e pelo já tradicional acertode suas resoluções, a ONU angariouum grau de confiança e respeito talque permanecerá por muito tempoainda como o fórum detentor dasdecisões afetas à paz e à segurança.Há que ser notada, ainda, a per-meabilidade existente entre os or-ganismos em tela, haja vista queimportante parcela da Comunidade

As ROE: uma séria consideraçãoentre a esfera política e a militar

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Internacional integra os três, o queimplica no subjugo dos interessesindividuais aos objetivos que mais seaproximarem dos interesses co-letivos. Assim, é de se esperar quetanto a OTAN quanto a UE con-tinuem acatando as resoluções daONU e que esta, por sua vez,continue valendo-se da parceria deambas, sobretudo nos aspectosmilitares.

CONCLUSÃO

A paz absoluta é um objetivo aindamuito distante. Na entrada do Ter-ceiro Milênio, as ameaças assumemnovas e surpreendentes facetas,provocando rápidas e violentas es-caladas de crise. Nesse contexto, asOpPaz vem confirmando sua im-portância como instrumento de quedispõe a Comunidade Internacionalpara a solução de conflitos. A figuramostra os números e a atual dis-

tribuição geográfica das operaçõesem andamento (Ongoing Opera-tions), o que corrobora essa impor-tância.

É verdade que, conforme mostraa figura, determinadas crises não fo-ram de todo solucionadas, perma-necendo, por décadas, em situaçãoestabilizada. Contudo, a manutenção,nessas regiões, de ForPaz sob a égi-de da ONU, corrobora a sua im-portância como fator de equilíbrio.

Os recentes insucessos de inter-venções executadas à revelia do con-senso da Comunidade Internacionalnos mostram a importância dasdiscussões no fórum do Conselho deSegurança. Hoje, observa-se, aindaque de forma tímida, uma tendênciaque deve crescer no decorrer do mi-lênio: a de outros organismos e po-tências internacionais não tomaremdecisões sem o respaldo de uma re-solução ou da autorização do Con-selho de Segurança.

Em termos prospectivos, a ten-dência é de que as novas ameaçasvenham a exigir ForPaz de cons-tituição cada vez mais complexa emultidimensional. Da mesma forma,elas obrigarão o aprimoramento doUNSAS de formas a beneficiar odesdobramento de forças cada vezmais rápido.

Quanto ao uso da força militar, oaperfeiçoamento de dispositivos co-mo os SOP e as ROE, bem como aapresentação clara das razões que ojustifiquem, é de se esperar quemandatos mais vigorosos, regidospelo Capítulo VII da Carta, tornem-se mais toleráveis pela ComunidadeInternacional. É admissível que oCapítulo VIII ganhe, finalmente,maior efetividade, com a ONU es-timulando soluções conquistadas porpaíses e organizações da própriaregião em crise, sob a sua égide. Nin-guém melhor para solucionar umacrise do que quem está próximo e,

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por conseguinte, por ela pode serafetado. E o Continente Africano seráa região, por excelência, para isso.

Os mencionados reveses por con-ta da revelia às decisões do Conselhode Segurança mostram que o melhorcaminho, no que diz respeito à paz eà segurança internacionais, é o con-senso. Assim, espera-se também queas nações mais desenvolvidas aban-donem o isolacionismo e juntem-seao grupo dos países contribuintes nosassuntos de paz e segurança.

O conceito de Nação Líder deuma OpPaz tem demonstrado umapraticidade que leva a concluir porsua manutenção. Resta ressaltar ape-nas que, para o seu sucesso, a esco-lha deve recair sobre uma naçãotenha pontos de identificação com aspartes em conflito e conte com acredibilidade e o respeito dessas par-tes e da Comunidade Internacional.

No que tange à liderança de umaOpPaz, a função de SRSG tende aconsagrar-se por sua característicacatalisadora na Área de Operações,executando primordialmente o jogopolítico e recorrendo à força estrita-mente dentro do necessário. Para osucesso dessa atuação, além do pre-paro profissional, especiais carac-terísticas pessoais como a flexibi-lidade, a capacidade de lidar com aambigüidade e a naturalidade paraconsultar e negociar são cruciais.

Quanto ao nosso País, sua vo-cação para a promoção da paz vem

de muito, desde a participação de umOficial da Marinha do Brasil (MB)em uma Comissão para mediar umlitígio entre a Colômbia e o Peru, naregião de Letícia, em 1933, ainda soba égide da Liga das Nações. Em1947, tivemos nova participação deum oficial da MB e outro do ExércitoBrasileiro (EB) na Comissão dasNações Unidas para os Bálcãs, a qualoperou na Grécia. Já nos idos dosanos 50 e 60, o País prestou seguidascontribuições para a paz, respec-tivamente na Faixa de Gaza, na Re-pública Dominicana e no conflito Ín-dia/Paquistão*. Após um interregnode quase trinta anos, o País voltou aprestar sua contribuição direta paraa paz, mormente com tropas, obser-vadores militares e policiais, nos maisdiferentes recantos do mundo. Oprofissionalismo dessas represen-tações tem sido reconhecidamentedecisivo para o sucesso das missõese para o aumento da admiração e dorespeito angariados pelo Brasil.

O reconhecimento e a confiançada Comunidade Internacional ficarampatenteados com a recente atribuiçãoao Brasil da condição de NaçãoLíder na Operação MINUSTAH.Não pode aqui deixar de ser feita umamenção ao vulto do EmbaixadorSérgio Vieira de Mello, verdadeiroparadigma de liderança que, con-solidando todas as virtudes inerentesa um mensageiro da paz no supremo

sacrifício, corroborou a nossa voca-ção para a paz. Assim, todos essesacontecimentos mostram o impor-tante papel não apenas reservado,mas já sendo desempenhado peloBrasil no Terceiro Milênio.

Por fim, escolhidos dentre tantasformas de tributo prestadas àquelesque, em uniformes ou em trajes civis,abdicam de seus tesouros pessoaisem desprezo à morte, em nome dapaz, ficam aqui alguns versos ex-traídos da canção Universal Sol-dier, do trovador inglês DonovanLeitch:

“.... ele é, ao mesmo tempo,católico, hindu, ateu, budista,batista e judeu. .... Ele luta peloCanadá, pela França, pelosEUA, pela Rússia, pelo Japão,enfim, por todo o mundo; ofertao sua própria vida como arma,porque acredita que só assimporá fim às guerras ....”

* Dados extraídos do livro “O Brasil e asOperações de Manutenção da Paz das NaçõesUnidas”, de Paulo Roberto Campos Tarisseda Fontoura, editado pela Fundação AlexandreGusmão.

Fuzileiros Navais brasileiros nasruas de Porto Principe e Cite Soleil,

Haiti

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A PARTICIPAÇÃO DA MARINHADO BRASIL NA

FORÇA INTERAMERICANA DE PAZ (FIP)NA REPÚBLICA DOMINICANA (1965-1966)

A PARTICIPAÇÃO DA MARINHADO BRASIL NA

FORÇA INTERAMERICANA DE PAZ (FIP)NA REPÚBLICA DOMINICANA (1965-1966)

Após a Segunda Guerra Mundial, o mundo ficou polarizado em torno dos ven-cedores, os Estados Unidos da América (EUA) e a União das Repúblicas SocialistasSoviéticas (URSS).

A maioria das nações alinhou-se a uma das concepções políticas dessas po-tências hegemônicas, iniciando a denominada guerra fria, que traria, ao longodo tempo, conseqüências de ordem bélica em grande parte do planeta.

Em 1959, Fidel Castro, com sua revolução a partir da Sierra Maestra, conquistouo poder em Cuba, localizada praticamente no quintal dos EUA, instalando o co-munismo na ilha, perfilando-se ao lado da URSS.

A crise dos mísseis de Cuba, em 1961, que, por pouco, não desencadeou umaguerra nuclear, trouxe ao governo do Presidente Kennedy a preocupação constanteem monitorar, de forma efetiva, tudo o que se passava nas repúblicas americanas.Em particular, ficaram em permanente observação àquelas localizadas maispróximas dos EUA, de modo a impedir-se, a tempo e a contento, uma nova Cuba,ou seja, a comunização de outro país no continente americano. Cuba já era demaispara a política imperialista dos americanos.

O assassinato, em 1961, do ditador Trujillo, na frágil República Dominicana(RD) permitiu a ascensão ao poder, segundo a inteligência americana, de líderesde esquerda, que, mais cedo ou mais tarde, implantariam no país a tão decantadaditadura do proletariado. Antes que isso se tornasse uma realidade, em abril de1965, os EUA intervieram naquela República, sob a alegação de proteger e evacuaros seus cidadãos, antes mesmo que a Organização dos Estados Americanos (OEA)obtivesse parecer favorável para intervir, dentro dos preceitos que regem a suacarta.

A crise, uma vez instalada, não permitiu uma outra solução, a não ser a criação de uma Forçade Paz que, sob a égide da OEA, desembarcaria na RD com a tarefa de criar as condições favoráveispara o retorno da ordem e o estabelecimento de um governo democrático, legalmente escolhidopor meio de eleições gerais e livres. O governo brasileiro, consoante a decisão da X Reunião deConsulta dos Ministros das Relações Exteriores das Repúblicas Americanas, decidiu enviar tropapara integrar a Força Armada Interamericana (FAI). A participação do Brasil, em particular dasua Marinha, é o tema abordado neste ensaio, que relata, também, a fase que antecedeu a chegadadas tropas da OEA.

Cabe ainda consignar que, quase quarenta anos depois, as referências bibliográficas deixamdúvidas quanto à realidade de muitos fatos. Fontes americanas reportam uma intervenção com afinalidade de defender a democracia e a integridade dos cidadãos americanos que se encontravamna ilha na época dos conflitos. As dominicanas alegam que, mais uma vez, o imperialismo americanofez-se presente, violando o princípio da não-intervenção, simplesmente por conta dos seusinteresses, como já houvera acontecido no passado.

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CMG (RM1 - FN) JAIME FLORENCIO DE ASSIS FILHO

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ANTECEDENTES

Na pequena ilha “Hispaniola”,descoberta em 1492 pelo navegadorCristóvão Colombo, habitavam, tão-somente, os nativos que, depois daaproximação dos espanhóis, foramdizimados por conta de epidemiastrazidas do velho continente.

Com a vinda de escravos e a na-tural miscigenação com os espanhóis,a população começou a definir-se,sendo hoje a maioria formada pormestiços. Com a chegada dos fran-ceses, parte da ilha passou a ser co-lonizada por eles e, ao longo do tem-po, o poder na ilha alternou-se entreespanhóis e franceses, até que no anode 1795, com o tratado de Basilea,a Espanha cedeu Santo Domingo àFrança. A ilha ficou em poder dosfranceses até 1809, quando foi res-tabelecido o governo espanhol. Pos-teriormente, o setor francês da ilhatornou-se o Haiti. Em 1822, o Presi-dente haitiano Jean Pierre Boyer ocu-pou o setor espanhol anexando-o aoHaiti. Em 1845, Santo Domingo de-clarou sua independência, cons-tituindo-se na RD.

Entre 1861 e 1863, foi restabele-cido o governo espanhol, porém umaintervenção dos EUA anulou a ane-xação. Em 1865, foi proclamada aSegunda República Dominicana.

Em 1906, devido ao grande endi-vidamento, o governo dominicanoassinou um tratado com os EUA,permitindo que eles assumissem aadministração e as finanças domini-canas e, em troca, ajustariam as obri-gações financeiras externas do país.Distúrbios internos culminaram como estabelecimento de um governo mi-litar da Marinha norte-americana, queocupou o país em 1916. Somente em1924, um governo constitucional as-sumiu o poder, pondo fim à ocupa-ção, mantendo, entretanto, a admi-

nistração e o controle aduaneiro até1941.

Em 1930, Rafael Leonidas Tru-jillo Molina assumiu o poder,governando a República Dominicanapor mais de 30 anos com mãos deferro, ora pessoalmente, ora por meiode seus prepostos, cometendo ver-dadeiras atrocidades, fazendo-sereeleger por diversas vezes e, por úl-timo, colocando no poder seu irmãoHector Trujillo, tendo como vice oJoaquim Ballaguer, que assumiu ogoverno logo em seguida ante a re-núncia de Hector.

As críticas da OEA à ditadura cul-minaram, em 1960, com uma reso-lução que exigia a ruptura das rela-ções diplomáticas com a RD. Aspressões externas junto com a cres-cente oposição interna acabaram porderrubar Hector.

Os acontecimentos dos últimosanos de ditadura culminaram com oassassinato de Rafael Trujillo, em 30de maio de 1961, orquestrado porum grupo de oficiais do regime, coma ajuda dos organismos de inteli-gência dos EUA. Com a morte do di-tador, sua família tentou manter o po-der, entretanto, o Presidente Kenne-dy colocou a sua Marinha de pron-tidão e disse: “É hora de se estabe-lecer uma democracia na RepúblicaDominicana”. A era da família Trujilloestava encerrada.

Joaquim Ballaguer governou opaís até o final de 1962, sob constantepressão para realizar eleições livres.Elas vieram a ocorrer sob a supervi-são da OEA, na qual saiu vencedor,com cerca de 58% dos votos, JuanBosch, escritor e líder do Partido Re-volucionário Dominicano (PRD), umhomem de esquerda, segundo os a-mericanos. Participaram dessas elei-ções 29 partidos políticos.

Bosch assumiu a presidência em27 de fevereiro de 1963, pautando

suas ações de governo em apoio àpopulação. No seu governo, foi a-provada uma constituição demo-crática que consignava a distribuiçãoracional da terra nas mãos dos cam-pesinos. Atitudes como essa foramde encontro aos interesses políticose econômicos da oligarquia localque, aos poucos, passou a identifi-cá-lo como comunista e a conspirarcontra o seu governo. Seu mandatodurou apenas sete meses, pois, natentativa de demitir o Coronel EliasWessin y Wessin1 , foi deposto epreso por chefes militares, que cria-ram e empossaram uma Junta Civil(Triunvirato), prometendo eleiçõesgerais e livres para 1965. A Junta eracomposta por Emilio de Los Santos(Chefe), Manuel Enrique Tavares Es-paillat e Ramon Tapis Espinal. Essainstabilidade frustou os verdadeirospatriotas que esperavam reconstituiro país após a morte de Trujillo. A in-satisfação do povo crescia dia a dia.O ambiente era propício ao cresci-mento dos grupos de esquerda.

O ano de 1964 começou com ossinais das ações de guerrilha do “Mo-vimiento 14 de Junio” (de linha cas-trista, era o mais bem organizado gru-po de esquerda), provocando a re-núncia, em 3 de janeiro, de Los San-tos. Em julho foi a vez de Espaillat,que foi substituído por Donald ReidCabral, que passou a governar efe-tivamente o país.

Dos vários partidos políticos exis-tentes, dois foram discordantes e seisaprovaram um plano de elaboraçãode uma nova constituinte e de elei-ções para 1965. Os integrantes doPRD defenderam a volta de Boschao poder. Aos poucos Donald, que

1 Wessin queria acabar com o PartidoComunista, o que ocorreu somente apósa queda de Bosch.

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vinha governando o país sem contur-bações e que contava com o apoiodo Brigadeiro-General Wessin yWessin, foi perdendo sua populari-dade, até mesmo, entre os militares.

Em janeiro de 1965, uma conspi-ração em marcha, envolvendo civise militares, e as constantes greves edesordens projetavam mais uma crisena capital dominicana. Posteriormen-te, sob a alegação de que Donaldpretendia, por ambições pessoais,suspender as eleições marcadas parasetembro e tornar-se ditador; no dia24 de abril, o povo, civis e militares2 ,foi às ruas e instaurou uma insurreiçãoarmada. Militares rebeldes entrega-ram suas armas aos civis e abriramos arsenais de Santo Domingo. OPalácio Nacional e a estação de rádiodo governo foram cercados. Tropasdo governo retomaram a rádio dosrebeldes, auto-intitulados “constitu-cionalistas”, integrados basicamen-te, por oficiais mais jovens, grupospolíticos de oposição e baderneiros.Muitos deles esperavam que o mo-vimento os levasse de volta à situaçãodemocrática de 1963, outros, entre-tanto, eram comunistas e queriam opoder.

No dia seguinte, Donald, sem con-dições de continuar no poder, re-nunciou, pediu intervenção dos EUA

e deixou o Palácio, que foi invadidoe saqueado pela multidão. Sem pre-sidente, os rebeldes empossaram Jo-sé Rafael Molina Ureña3, até queJuan Bosch, que se encontrava noexílio, retornasse ao país. As tropasleais ao antigo governo retornarampara San Isidro (local onde se con-centravam as unidades militares do-minicanas, uma espécie de vila mili-tar, destacando-se a Base Aérea e oCentro de Entrenamiento de lasFuerzas Armadas – CEFA) comalguns feridos e algumas perdas ma-teriais.

Os legalistas reagiram contra arevolução e a nomeação de MolinaUreña e instituíram uma Junta Militarde governo, chefiada pelo Coronel-Aviador Pedro Benoit. O GeneralWessin y Wessin, comandante doCEFA, apoiou aquela Junta. En-quanto isso, os rebeldes instalaram oseu centro de atividades na CiudadNueva e na Zona Norte da Capital,tendo como sua maior preocupaçãoo bloqueio da ponte Duarte, sobre orio Ozama, isolando San Isidro, ondea maioria apoiava a Junta Militar, daárea em poder dos rebeldes.

O Exército com a adesão da Ma-rinha e da Força Aérea bombar-dearam, no dia 26, as áreas de possedos rebeldes (Palácio Nacional, pon-

te Duarte, a Rádio e Televisão deSanto Domingo). As tropas do CEFAtentaram liberar a ponte Duarte, masencontraram forte resistência.

A situação agravara-se, entre-tanto, os embaixadores resolveramesperar um pouco mais antes desolicitarem ajuda. O Presidente dosEUA, Lindon Johnson, colocou a 82nd

Airborne Division e os marines emalerta e enviou uma frota para blo-quear a ilha. Enquanto isso, os comu-nistas continuaram armando o povonas ruas e mantendo o controle sobrea massa popular.

Em resumo, com a deposição daJunta Governativa, duas facções opu-nham-se: a primeira, que colocou nopoder Molina Ureña; e uma segunda,favorável à manutenção da Junta Mi-litar para dirigir os destinos daquelepaís, até que pudessem assegurar arealização de eleições.

O chefe da primeira facção era oCoronel Francisco Caamaño Denó,rebelde atuante que, mais tarde, foiproclamado Presidente Constitu-cional da RD, ocupando militarmenteo centro de Santo Domingo.

A outra facção, chamada de Go-verno de Reconstrução Nacional, erachefiada por uma Junta Militar degoverno, presidida inicialmente peloCoronel-Aviador Pedro BartoloméBenoit. Posteriormente, visando aangariar popularidade, a Junta foireorganizada, passando a ser consti-tuída por três civis e dois militares,sob a presidência do General AntonioImbert Barrera. O General Wessin y

Vista aérea daponte Duarte

2 Importantes unidades do Exército, comoos acampamentos 27 de fevereiro e 16 deagosto, aderiram ao movimento.3 Presidente da Câmara dos Deputadosdurante o governo de Bosch, a quemcaberia a chefia do Executivo pelaausência do titular que fora deposto.

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Wessin passou a controlar quase quetotalmente o Exército, a Marinha e aForça Aérea, e a dar apoio ao Go-verno de Reconstrução Nacional.

Os choques armados entre asduas correntes continuaram a causarbaixas, incêndios e danos materiais.Crescia o estado de tensão a todoinstante, principalmente devido àaproximação de comunistas no go-verno do Coronel Caamaño e a atua-ção de civis armados com tendênciasextremistas e criminosas, praticandoterrorismo, ações de guerrilha, as-saltos, intimidações, roubos e outrasatividades subversivas.

Molina Ureña, instalado no Palá-cio Nacional, não tinha o menor con-trole da situação, enquanto isso aOEA esforçava-se para negociar umcessar fogo.

A INTERVENÇÃOAMERICANA E O

DESEMBARQUE DE TROPAS

Em razão da evolução e do agra-vamento dos acontecimentos na RD,os EUA decidiram estacionar nascostas daquela república uma Força-Tarefa que incluía, dentre outros na-vios, o USS BOXER (LPH-4), um an-tigo porta-aviões transformado emnavio porta-helicópteros, com mais

de 1.500 fuzileiros navais a bordo.De 24 a 27 de abril, a situação só

havia deteriorado. Prevendo o fim doseu governo, Molina Ureña renunciou

no dia 27, deixando no seu lugar osverdadeiros “constitucionalistas”.Nesse mesmo dia, navios america-nos, atracados no porto de Haina,receberam a bordo centenas de ame-ricanos que foram evacuados.

A situação, entretanto, continuavaincerta. Os legalistas lançaram-se emcombate contra os rebeldes e aler-taram que, a partir daquele dia, nãoteriam mais condições de garantir aintegridade dos cidadãos estrangeirosno país.

A regra do Presidente Johnson eraclara. Sua intenção era evitar umaoutra Cuba nas Antilhas, pois, nos úl-timos seis anos, o comunismo tinhatentado, por duas vezes, tomar opoder na RD. A mais notável delasem 14 de junho de 1959 (daí o nomedo movimento de esquerda), quandouma pequena força de guerrilha cas-trista tentou liberar a ilha, mas foirapidamente esmagada. Em 1963, eletinha visitado o país, por ocasião daposse de Bosch, e percebera que,mais cedo ou mais tarde, o país cairiano domínio comunista, a não ser quealgo fosse feito enquanto o movimen-to estivesse ainda fraco.

No dia 28, o corpo diplomáticoreunido pediu garantias. O CoronelBenoit, chefe da Junta, em vista dasituação reinante e considerando-se

incapaz de conter a desordemgeneralizada, escreveu uma cartaao embaixador dos EUA na RD,Willian Tapley Bennett Jr, soli-citando uma intervenção tempo-rária visando a restabelecer a or-dem no país. Retransmitida aoPresidente Johnson e comple-mentada pela informação de que“havia vidas americanas em pe-rigo”, resultou na decisão do go-

verno norte-americano de intervir naRD. Na noite daquele dia, 400marines deslocaram-se, por helicóp-tero, para a cidade de Santo Domin-

go com o propósito de proteger oscidadãos americanos. Na manhã se-guinte, já estavam em terra cerca de530 fuzileiros. Ainda à tarde, outrosmil fuzileiros desembarcariam parareforçar o primeiro grupo, e outras uni-dades deslocariam-se para a região.

Enquanto os marines estabele-ciam uma zona de segurança entre aembaixada americana e o hotel Em-bassador, onde vários refugiados ha-viam-se concentrado, os helicópterosiam, aos poucos, retirando, em segu-rança, os civis das embaixadas parabordo do BOXER, mais tarde transfe-ridos para outros navios na cidadede San Juan, em Porto Rico. O em-barque dos civis realizou-se no cam-po de golfe do hotel Embassador,que serviu de Zona de Desembarquede Helicópteros.

Enquanto essas ações eram exe-cutadas, os combates continuavam nacidade. Os rebeldes atiravam alea-toriamente nas vidraças do hotel Em-bassador. Os aviões P-51 dos lega-listas faziam suas incursões silenciandoa rádio rebelde, e a Marinha estabe-lecia barragens com fogos dos na-vios. As embaixadas do EUA, de ElSalvador e do Equador passaram aser alvos de snipers. Johnson auto-rizou o desembarque de mais fuzilei-ros navais. Isto ocorreu no dia 29quando os navios da Força-TarefaAnfíbia aproximaram-se do porto deHaina (a 20 km a oeste da capital) edesembarcaram o restante dos fuzi-leiros navais da 6o Brigada de Fuzi-leiros com seus carros-de-combate,artilharia e outros materiais pesados.Naquele mesmo dia, à noite, a OEAreuniu-se e votou uma resolução pro-pondo uma trégua e o estabeleci-mento de uma Zona Internacional deSegurança (ZIS).

No dia 30 de abril, os fuzileirosamericanos ocuparam a ZIS na parteoeste da cidade, que incluía a maioria

USS LPH-4 Boxer

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das embaixadas e o hotel Embassa-dor. Mais tarde, alguns diplomatas daOEA intitularam a atitude dos EUAcomo a volta da diplomacia imperia-lista, pois decidiram agir sem a con-sulta dos líderes do hemisfério.

No dia 1o de maio, unidades depára-quedistas da “82nd AirborneDivision” já tinham chegado à ilhapelo aeroporto4 de San Isidro, de-sembarcando com uma Força de cer-ca de 4.200 homens. Quando a ZISestava estabelecida e uma área nolitoral já tinha sido assegurada, osnavios americanos retornaram aoporto de Haina e receberam a bordoos refugiados. Com a chegada dasforças americanas, a ponte Duarte foiliberada, os rebeldes recolheram-seem Ciudad Nueva, ficando isoladosdas forças legalistas.

No dia 2, mais de 1.415 civis jáhaviam sido transportados para San

Juan, quantitativo que viria a chegara 3 mil nos dias seguintes. Em SantoDomingo, outros 5 mil cidadãos (demais de trinta nacionalidades) aguar-davam uma chance e a vez de seremevacuados. Além do USS BOXER, ocapitânia do Esquadrão Anfíbio-10,participaram da maior parte dasações de resgate os navios WOOD

COUNTY (LST-1178), RUCHAMKIM

(APD-89) e o YANCEY (AKA-93).No dia 8 de maio, as tropas ameri-canas em Santo Domingo ultrapas-savam o total de 14 mil homens, aíincluídas as tropas pára-quedistas ede fuzileiros navais.

O BRASIL PARTICIPA DAFORÇA DE PAZ

Na madrugada do dia 6 de maio,na reunião consultiva ministerial daOEA, foi decidida, por 14 votos a

favor, cinco contra (México, Uru-guai, Chile, Equador e Peru) e umaabstenção (Venezuela), a criação deuma Força militar interamericana.Segundo a deliberação, a tarefa des-sa Força seria: colaborar “com espí-rito imparcial” e sob a autoridade daorganização regional, no restabele-cimento da ordem na RD.

No centro da capital Santo Do-mingo, os fuzileiros americanos con-tinuavam em choque com as forçasrevolucionárias.

Naquele mesmo dia, o PresidenteCastelo Branco recebeu no Paláciodo Planalto o texto da resolução daOEA, que participava a constituiçãode uma força internacional para ma-nutenção da paz na RD. Na resolu-

4 Estava planejada a chegada por pára-quedas, porém, em razão da segurançaprovida em San Isidro, não o fizeram.

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ção, a organização solicitava aos paí-ses membros, que tivessem condi-ções, o envio de tropas para aquelaRepública. A solicitação demandoua ida do presidente para o Rio de Ja-neiro para se reunir com o Alto Co-mando Militar e debater o assunto.O Ministro da Justiça Milton Cam-pos foi chamado para elaborar o tex-to do documento que seria encami-nhado ao Congresso Nacional, quesolicitava a autorização para o em-prego das Forças Armadas.

Nessa época, a única unidade bá-sica de combate de infantaria que oCorpo de Fuzileiros Navais (CFN) dis-punha era o 1o

Batalhão de Infanta-ria (Batalhão Riachuelo), entãocomandado pelo CF (FN) ClintonCavalcante de Queiroz Barros.

Enquanto se aguardava uma de-finição do Congresso, o CFN plane-java e adotava uma série de provi-dências administrativas, em especial,de ordem logística, tendo em vista apossibilidade de integrar a Força bra-sileira que seria constituída.

No dia 7 de maio, o Comandodo Núcleo da 1a Divisão de Fuzilei-ros (Nu1aDivFuzNav), comandadopelo CMG (FN) Haroldo do PradoAzambuja, expediu a Diretiva de Pla-nejamento (Secreto), para a Opera-ção Dominique, endereçada ao co-mandante do Batalhão Riachuelo. Nadiretiva, atribuiu a missão de “Iniciaros trabalhos de planejamento a fimde estar em condições de, em curtoprazo, deslocar sua unidade, no todoou em parte, para a área de opera-ção” e, adicionalmente, as tarefas deplanejar e iniciar o adestramentoreferente às ações de contraguerrilhae de Assuntos Civis e Governo Militar– este só para os oficiais.

Em 15 de maio, o Conselho deSegurança Nacional aprovou, porunanimidade, o envio de tropa. Amensagem presidencial tramitou com

prioridade – “regime de urgência” –e, uma vez aprovada, esperava-seque a tropa pudesse seguir para a RDa partir do dia 21.

No dia seguinte, o Núcleo da 1a

Divisão de Fuzileiros expediu a Or-dem Preparatória – Operação Renas-cimento (Secreto) que, em síntese,relatava os acontecimentos na RD,determinava o início dos trabalhos,de modo a ficar em condições de, noprazo de 24 horas, atender ao cha-mado da OEA.

Como ainda não se tinha definidoo valor da tropa, a Ordem Prepa-ratória apresentou três hipóteses deorganização e, por fim, alterou o no-me-código para Renascimento nolugar de Dominique. No dia 20, oCongresso Nacional, por meio doDecreto Legislativo Nº 38, assinadopelo Presidente do Senado Federal,Auro de Moura Andrade, deu o sinalverde para o envio de tropa para aRD.

No dia 21 de maio, o Presidenteda República assinou o Decreto no

56.308 criando o Destacamento Bra-sileiro da Força Armada Interameri-cana – FAIBRAS 5 – para integrar aForça Interamericana na RD. Pormeio da Instrução no 1 FAIBRAS,determinou, dentre outros, a cria-ção de uma Comissão EspecialFAIBRAS/Estado-Maior das ForçasArmadas (EMFA)6 , composta poroficiais e praças das três Forças.

Naquele mesmo dia, o Comando-Geral do CFN expediu a Carta deInstrução No 2-65, na qual atribuiuao Nu1aDivFuzNav a seguinte tarefa:“Organizar um Grupamento Operati-vo de Fuzileiros Navais (GptFuzNav)para integrar a Força Armada Intera-mericana Brasileira, FCD, MO, des-locar-se para a República Domini-cana.”

No conceito da operação, o Co-mandante-Geral do CFN estabelecia

três fases para a operação: o deslo-camento de um destacamento pre-cursor (Fase I); o deslocamento dogrupamento de FN (fase II); e porfim, o recompletamento (fase III).Atribuiu-se ao Comando-Geral a ta-refa de fornecer os meios necessáriosao Grupamento. Na sua Carta deInstrução, fazia referência, também,de que todo o assunto relativo à po-pulação civil seria da alçada do co-mandante da FAIBRAS, que baixariaas instruções pertinentes.

O comandante do Btl Riachueloassinou, no dia 17 de maio, o Planode Operação (Renascimento) e seusanexos.

No dia 22 de maio, às 8h, o des-tacamento precursor do GptFuzNav,constituído pelo comandante do Gru-po de Apoio Logístico e mais seis pra-ças, embarcou em um avião C-54 daFAB, saindo do aeroporto SantosDumont com destino à cidade deSanto Domingo. Na mesma aerona-ve, embarcaram, também, 20 mili-tares do Exército e um da Aeronáu-tica.

No dia 24, o Comandante Clintonrecebeu, na Praça D’Armas do Ba-talhão Riachuelo, a imprensa. Naoportunidade, deu a versão oficial doCFN a respeito da atuação de suatropa na RD. Após a entrevista, pre-sentes, também, o Vice-AlmiranteArnoldo Toscano, Chefe do Estado-Maior da Armada, e o AlmiranteHeitor, recebeu a visita do Ministroda Marinha, Almirante Paulo Bosísio,que passou em revista o contingentede FN que iria para Santo Domingo.

No dia seguinte, em cerimônia

5 O efetivo total da FAIBRAS era de 1150homens.6 A Marinha de Guerra fez-se representarinicialmente pelo CF (FN) DurvalPereira de Buarque, CF Paulo de BonosoDuarte Pinto e 4 praças.

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realizada no pátio do então Centrode Instrução do CFN, todas as uni-dades do Campo da Ilha do Go-vernador reuniram-se para participarda cerimônia de Assunção de Co-mando do Grupamento e da entregado Estandarte do CFN ao coman-dante empossado.

Na sua Ordem do Dia 076/1965,o Comandante-Geral ressaltou, aoscomponentes do Grupamento Expe-dicionário de Fuzileiros Navais, a ne-cessidade de carregarem consigo o“Espírito de Corpo”, característicodos Fuzileiros Navais.

O CC (FN) Paulo de Oliveira Reisfoi empossado (Portaria 0798 de 20de maio de 1965 do MM) como co-mandante do GptFuzNav, cujoefetivo era de 270 homens e estavaorganizado da seguinte forma:

� uma Companhia de Fuzi-leiros Navais – sob o comandodo CT (FN) Rubens AlmeidaMoreira Piedras;

� um Pelotão de Polícia7 –sob o comando do 1o Ten (FN) Dan-te Manoel da Rocha Santos; e

� um Grupo de Apoio Logís-tico (GAL) – sob o comando do1o Ten (FN) Artur Xavier Mo-reira.

DETALHES DEEXECUÇÃO DA

OPERAÇÃORENASCIMENTO I

Em se tratando da primeira parti-cipação do CFN em emprego real de

tropa, após a criação daForça de Fuzileiros daEsquadra, em 1957, nãoé difícil imaginar asdificuldades encontradaspara a constituição, emcurto prazo, de um gru-pamento para operar lon-ge do país, por um tempoindeterminado. Problemasde dotação dos mais va-riados tipos, equipamen-tos gastos, dotação demunição, falta de plaquetas de identi-ficação, dentre outros, que podem serrelacionados.

A aptidão física do homem sele-cionado para compor o Grupamentotinha de satisfazer várias condições,principalmente as relativas ao estadomédico e odontológico. Não era ad-missível que o homem viesse apre-sentar, no espaço de um mês, qual-quer tipo de problema.

Visando a preservar a higidez du-rante o seu emprego, toda a tropa foisubmetida ao teste de abreugrafia(realizado pelo Serviço Nacional deTuberculose) e foi vacinada contravaríola e febre amarela, no Rio de Ja-neiro. As vacinas contra o tifo foramencaminhadas posteriormente para aRD pelo Btl Riachuelo.

No tocante ao adestramento, emque pese as dificuldades da época,ainda foi possível adestrar o grupa-mento em combate em localidadese fazer pequenas correções de ru-mo.

Do ponto de vista logístico, a tro-pa embarcou levando os seguintessuprimentos e quantidades:

� Classe I– quatro dias de ração R-2;– dez dias de gêneros de paiol; e– água para quatro dias, por ho-

mem. (no local a cargo das Forçasdos EUA).

� Classe IIO constante da dotação.� Classe IIIQuantidade necessária para ope-

rar um Posto de Suprimento (PSup)Cl III, ficando o fornecimento localsob a responsabilidade das Forçasdos EUA.

� Classe VA dotação básica com os homens

e três dias de suprimentos na cargageral.

Havia a previsão de reabasteci-mento no local, a ser realizado pelosnavios-transportes da Marinha e pelaFAB.

No dia 26 de maio, às 6h, o Gru-pamento foi concentrado na BaseAérea do Galeão, para o embarquenas aeronaves C-130 da “UnitedStates Air Force” – USAF. Os aviõesdecolaram intercalados de dez mi-nutos, tendo o primeiro partido às 9h30m.

Complementando o material doGrupamento, foram embarcados noNavio-Transporte Custódio de Mellotrês viaturas e seus respectivos Con-dutores Motoristas8, e vários volu-mes-padrão e material para monta-

I GptFuzNav – da esq. para a dir.: CC(FN) Reis,CT(FN) Lopes, 2Ten(FN) Baumeier,

1Ten(FN) Aroeira, 2Ten(FN) Cantone,1Ten(FN) Dante, 2Ten(FN) Almeida,CT(FN) Piedras e 1Ten(FN) Arthur Embarque da FIP no Galeão - 1-Alte Luiz Teixeira Martinez

(Chefe do EMFA); 2-Alte Heitor Lopes de Souza ComGerCFN;3-TenCel (EB) Theotonio Luiz L. de Vasconcellos Sub-cmt e

Chefe do EM BdaLA; 4-CC(FN) Paulo de Oliveira Reis(CmtGptFN); 5-CF(FN) Clinton Cavalcante de Queiroz Bastos

(Cmt Btl Riachuelo)

7 Tropa fornecida pela Cia de Políciaestabelecida na Fortaleza de São José.8 Especialidade extinta e substituídapela de Motorista - MO.

1 2 3 45

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gem final do acampamento. O Cus-tódio de Mello, comandado peloCMG Paulo Theophilo Gaspar deOliveira, atracou no Sugar Quay noporto de Haina – RD, às 16h20m dodia 11 de junho de 1965 9 .

O armamento individual do FNera o fuzil FS 7,62mm, com depósitode capacidade para 10 cartuchos. Osoutros armamentos eram o fuzil-me-tralhador FMB (carregador para 20cartuchos), o morteiro 60mm (o 2o

contingente já levou o Mrt 81mm),lança-rojão (LR) 2.36 pol. (devidoa problemas de abastecimento, foisubstituído pelo LR 3.5, cedido pelosamericanos) e a metralhadora Brow-ning .30 pol. Em complemento, umapeça AC 106mm foi colocada à dis-posição pelo I/Regimento Escola deInfantaria (REsI). Também foramempregadas a pistola .45 Colt e asubmetralhadora .45 INA.

O uniforme usado foi o caqui debrim com gandola de mangas com-pridas.

CONSTITUIÇÃO DA FORÇAINTERAMERICANA DE PAZ

(FIP)

Conforme comentamos, a OEA,em sua resolução, estabelecia aconstituição de uma Força que teriade colaborar, como único fim, dentrode um espírito de imparcialidadedemocrática, na restauração danormalidade na RD, na garantia dasegurança de seus habitantes, nainviolabilidade dos direitos humanos,no estabelecimento de um clima depaz e conciliação, que permitisse ofuncionamento das instituiçõesdemocráticas naquela República.

Os primeiros contingentes che-garam a Santo Domingo nos dias 14e 15 de maio e foram os de Hon-duras, Nicarágua e Costa Rica. AFAIBRAS chegou nos dias 23

(elementos precursores) e 28 demaio.

Essa diversidade de tropas en-sejou a criação de um comando uni-ficado que realizasse o empregocoordenado e eficiente da Força Ar-mada Interamericana (mais tardealterada para Força Interamericanade Paz), inicialmente constituídocomo na figura 1.

Por solicitação da Secretaria daOEA, instalada no hotelEmbajador, Brasil eEUA colocaram à suadisposição um oficial-general para exercer,respectivamente, as funções de co-mandante e subcomandante da FIP.Foram designados o General-de-Exército Hugo Panasco Alvim e oTenente-General (US Army) BrucePalmer Junior.

O comando unificado da FIPinstalou, em 25 de maio, o seu quar-tel-general no hotel Jaragua, loca-lizado a uma quadra da linha decontato com as forças rebeldes emCiudad Nueva, e passou a exercerdiretamente a sua ação sobre os cin-co contingentes nacionais.

A organização estabelecida aten-deu aos aspectos administrativos,mas dificultou o emprego de elemen-tos de combate, em vista da diver-sidade de organizações, efetivos ematerial, que aumentava os proble-mas de coordenação para o comandoda FIP.

No dia 29 de maio, o GeneralPanasco Alvim assumiu o comandoe, imediatamente, buscou dar à FIPuma estrutura operacional adequa-da às ações em desenvolvimento.Ficou estabelecida a partir dessa data

a organização mostrada na figura 2.A Brigada Latino-Americana era

formada pelo 1o Batalhão do REsI,unidade do EB, e um batalhão, quese denominou Fraternidade10 , cons-tituído pela Companhia de FuzileirosNavais do Brasil, das Companhiasde Fuzileiros de Honduras, Paraguaie Nicarágua, e do Pelotão da Costa

Rica 11 .O contingente

brasileiro era omaior entre os la-tino-americanos e

o que mais meios dispunha em ofi-ciais e elementos de transporte.Esses recursos foram aproveitadospara estruturar os dois comandosoperacionais indispensáveis ao me-lhor enquadramento dessas tropas.

O comando e o núcleo da Com-panhia de Comando da Brigada La-tino-Americana foram organizadoscom elementos do Comando da tropada FAIBRAS. O comando da Bri-gada LA foi atribuído ao CoronelCarlos de Meira Matos, que acu-mulou essa função com a de coman-

9 Termo de Viagem No 81/1965 doCustódio de Mello.10 Solução encontrada para integrarelementos de nacionalidades distintas,dotando-os de capacidade de manobra,inicialmente sem um estado-maiorconstituído.11 Embora figurasse na estrutura doBatalhão Fraternidade, ficou durantetodo o período da Campanha destacadopara cumprir tarefas de segurança noquartel-general da FIP.

Figura 1

Figura 2

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dante do contigente brasileiro, fatoque se deu, também, com os seusoficiais que acumularam as funçõesda FAIBRAS e da Brigada LA.

Os elementos de comando doGptFN do Brasil foram empregadospara estruturar o comando do Ba-talhão Fraternidade, assumido ini-cialmente pelo CC (FN) Reis.

Com a chegada, a 26 de maio,do contingente paraguaio, constituídopor uma Cia, completou-se a estru-tura do comando e do estado-maiorda Brigada LA e do Batalhão Fra-ternidade. Em 20 de julho, chegou aSanto Domingo o 2o escalão do con-tingente paraguaio, constituído por umpelotão de comunicações, que inte-grou o contingente do Btl Fraterni-dade, ficando a organização finalcomo na figura 3.

Independente da consolidaçãodessa estrutura, tanto a Brigada LAquanto o Batalhão Fraternidade re-ceberam tarefas operativas desde osprimeiros dias de junho, conformecomentaremos, a seguir, tratando,especificamente, daquelas atribuídasao contingente de FN do Brasil.

PERÍODO PÓS-GUERRACIVIL E AS AÇÕES DOS

FUZILEIROS NAVAIS

Durante os dias que sucederam àchegada das tropas da FIP, muitosembates ocorreram nas ruas de San-to Domingo. A FIP estava ali para

mediar a situação sem tomar partidode nenhuma das facções. A tentativade intervenção da ONU (gerada porum conflito de competência legalpara a solução da crise), mal inter-pretada em alguns momentos, emapoio a Caamaño, gerou um certodesconforto com os representantesda OEA, que tentavam acalmar osânimos. Felizmente, a ONU retirou-se da área, deixando com a OEA atarefa de criar as condições neces-sárias para o restabelecimento daordem.

Durante a chegada dos contin-gentes que integrariam a Bda LA, astropas americanas ocupavam a ZIS,limitada a leste pela calle Pasteur(linha de contato com as forças re-beldes), ao sul pelo Mar do Caribe eao norte pela avenida Francia. Essatarefa estava sendo cumprida pela 6a

Bda de FN americanos (setor norteda ZIS) e pela 3aBda da “82nd Air-borne Division” (setor sul da ZIS).

A atuação da FAIBRAS na RDpode ser dividida em três fases assimcaracterizadas:

� 1afase – da chegada da tro-pa até o dia 25 de outubro (dia daintegração da área rebelde à ZIS).

Ao chegarem em Santo Domingono dia 28 de maio, todo o contingentedo GptFN ficou estacionado na árealocalizada a cavaleiro da avenida In-dependência, a 500 m a oeste da Li-nha de Contato (LC) – calle Pasteur.

As refregas do combatepodiam ser ouvidas pelozunido dos projetis quepassavam sobre a área du-rante a noite, período queos rebeldes atuavam.

No dia 1o de junho, umacordo assinado pelas fac-ções de Imbert e Caamañodeu origem ao Status delPalacio que permitiu que

toda a área em torno do mesmo fosseocupada por tropas da FIP. Foi a pri-meira missão do I/REsI, realizada ecumprida com sucesso no dia 2 dejunho.

No dia seguinte, foi criada, ofi-cialmente, a Bda LA, sob o comandodo Cel Meira Mattos. Dentre as ta-refas da BdaLA, coube ao GptFN,em sua primeira participação, no dia7 de junho: substituir os elementos da3aBda /82nd Airborne Division; ocu-par a área leste da ZIS, limitada aonorte pela calle Santiago (inclusive)e ao sul pela linha de praia; e bloquearas avenidas George Washington e In-dependência, ocupando, nesta últi-ma, um Posto de Controle de trânsito(PCtran). Para o cumprimento dessatarefa, o comando do GptFN emitiua Ordem de Operação No 2/65 (SE-CRETO), assinada pelo CC (FN) Reis.

A área de retaguarda era limitadapela avenida Maximo Gomez. A açãofoi iniciada às 4h30m com o deslo-camento da tropa para a LC, onde asubstituição foi realizada com suces-so. O PCtran foi ocupado pelos ele-mentos do PelPol do GptFN, quepassou a operá-lo no período de 6hàs 18h, exercendo o controle rigo-roso de pessoal e de todo tipo de via-tura que por ali passasse. O Postode Comando do GptOp e do Ba-talhão Fraternidade foi instalado noInstituto Domenico-Americano, loca-lizado na esquina da Pasteur com aIndependência.

Figura 3

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Os prédios mais altos, num totalde três, foram utilizados como Postosde Observação, fonte permanente deinformes, e como posições vantajo-sas de resistência. Em cada um deles,foi colocado um perito atirador, do-tado de granadas e iluminativos.

As posições de resistências eramorganizadas com sacos de areia, dis-postos em uma, duas ou três linhas,conforme a sua localização e o inimigoem potencial. Um canhão anticarro106mm SR foi posicionado a cavalei-ro da avenida George Washington, avia de acesso mais importante e próxi-ma do QG da FIP no hotel Jaragua.

A tropa americana, de valor bri-gada, que compunha a FIP, ocupou,também, uma área ao norte de Ciu-dad Nueva12 , limitando a atuação dosrebeldes, tão-somente, àquela áreaem Santo Domingo.

As ações da Bda LA e, portando,dos FN do Btl Fraternidade foram,durante vários meses, de ocupaçãoe manutenção de posições defensivasem localidade urbana (cabe lembrarque existia um revezamento entre astropas do Btl Fraternidade, o que nosobrigou a assumir posições pordiversas vezes na LC) e de operaçãode PCtran – check-point. Tudovisava, basicamente, a impedir apassagem de elementos armadospara a ZIS, manter as posições eimpedir que integrantes dos doislados políticos viessem a engajar-se.

As tarefas de check-point, emparticular, eram fainas demoradas deinspeção, basicamente, em busca dearmas e munições que, de certaforma, irritava a população. Alémdisso, por esses mesmos postos,entravam e saíam todos os diaselementos rebeldes disfarçados detranseuntes, e que durante o dia ob-servavam atentamente nossas posi-ções13 e de noite as atacavam comtiros de armas portáteis e auto-

máticas. Do outro lado e durante umcerto período, os rebeldes instalaram,também, os seus Punto de Chequetornando a situação da populaçãoainda mais caótica. Com a chegadado contingente paraguaio (valor Cia),os elementos em primeiro escalãopassaram a revezar-se a cada 15 dias,o que de certa forma permitiu dimi-nuir, em tese, o estresse da tropa. Oprimeiro emprego dos FN na frentede combate durou três semanas.

Redes de arame, concertinas,obstáculos de madeira (cavalos de fri-sa), armamentos instalados em edifí-cios, posições de defesa instaladasnas ruas e protegidas por sacos deareia, cuidados com o armamento,com a higidez física e o moral consti-tuíram, na frente de combate ou nareserva, a base dos trabalhos desen-volvidos na área.

Essa situação repetiu-se, diaria-mente, até o final de setembro. En-tretanto, durante a noite, o estado detensão aumentava por conta dos cho-ques armados e dos ataques, pelofogo, das forças “constitucionalis-tas”14 às nossas posições. Duranteesse período, somente nos dias de13 a 16 de junho é que a situação seagravou motivada pelas ações datropa americana atuando ao norte deCiudad Nueva, aumentando o cor-redor de segurança e diminuindo,cada vez mais, o espaço dos rebeldesnaquela parte da cidade. Nesses dias,grande parte da população evadiu-se para outras áreas da cidade con-gestionando os check-points. OGptFN dividia a frente da BdaLAcom a Cia de Honduras. Houve gran-des trocas de tiro, principalmente naavenida George Washington, esquinacom a calle Pasteur, inclusive um dis-paro de canhão 106mm SR para si-lenciar uma posição de metralhadorarebelde que há dias fustigava nossasposições.

No dia 23 de junho, o jornal “Tri-buna da Imprensa” do Rio de Ja-neiro, publicou na íntegra o telegramaenviado pelo General Panasco Alvinque dizia: “É com muito orgulho quecomunico a V.Exa. que nos graves eviolentos episódios dos dias 15 e 16aqui passados, o Corpo de FuzileirosNavais atuou de forma excepcionalmantendo sempre alto o padrãomoral e profissional de sua tropa. Éuma tropa de elite, de grande con-fiança, respeitada e admirada portodos. É uma honra para mim ter, sobordens, elementos de tal valor”.

Em agosto, boatos disseminadosentre os rebeldes davam conta de umataque das Forças da FIP às suas tro-pas. Em verdade, tropas do CEFA,do General Wessin y Wessin, faziamsua guerra particular atacando pormeio de morteiros, que se movimen-tavam na faixa norte da cidade du-rante a noite, atingindo as posiçõesdos rebeldes que, por sua vez, de-duziam que os tiros eram prove-nientes das tropas da FIP.

Em ambos os lados, os mais radi-cais agiam de forma a desmoralizar aFIP, classificando-a como tropa be-ligerante. Isso tudo por não concor-dar com os rumos tomados pelas ne-gociações promovidas pela Comis-são Ad Hoc da OEA em busca dapaz.

Na sucessão de tentativas deacordo entre as facções de Caamaño

12 Ciudad Nueva tinha aproximadamentequarenta (40) quadras num total de 6km2 .13 Tal situação ensejava uma constantealteração ao final das horas de luz, doslocais das seteiras nos sacos de areia,desorientando os rebeldes quanto àsinformações obtidas durante o dia.14 Os rebeldes empregavam fuzis Mauser1908, Metralhadoras .30 pol., .50 pol. egranadas.

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(os constitucionalistas) e de Imbert(os legalistas), a Comissão Ad Hocconseguiu superar o maior obstáculodas negociações, a radicalização deambas as partes e, no dia 3 de agosto,conseguiu dar publicidade a trêsdocumentos frutos dessas nego-ciações:

� o Ato Institucional;� a Ata de Reconciliação Domi-

nicana; e� a Declaração ao Povo.Os caamanistas discordaram do

teor dos artigos 4o (incorporação deCiudad Nueva à ZIS), 5o (possibili-dade de emprego da FIP para amanutenção da ordem) e 8o (sobre aforma de reintegração dos militaresque combateram ao lado de Caama-ño) da Ata de Reconciliação e prega-ram a necessidade da criação de umGoverno Provisório.

No tocante ao artigo 4o, Caamañofoi forçado, pelos partidos de tendên-cias de esquerda, a declarar que: “Asforças Interamericanas de Paz nãopisarão nunca nesta zona” – refe-rindo-se à Ciudad Nueva.

Nos dias que se seguiram (de 11a 14 de agosto), a Comissão Ad Hocreuniu-se várias vezes com as fac-ções, obtendo poucos, porém ex-pressivos resultados, e acertou a datade 31 de agosto para a assinatura dosAtos. Nesse dia, Imbert renuncioupara não assinar os Atos e ao mesmotempo protestar contra os EUA, que,no começo, havia lhe prestado apoioe agora lutava para a criação de umGoverno Provisório. A comissãoobteve uma grande vitória ao conse-guir a aceitação do nome de HectorGarcia Godoy para a presidência doGoverno Provisório.

Finalmente, no dia 3 de setembro,ante a renúncia de Caamaño e de to-do o seu gabinete, com o povo nasruas em volta do Palácio Nacional,protegido por tropas do I/REsI e com

a participação das CiaFuz de Hon-duras nos check-points, Garcia Go-doy assumiu a presidência do Gover-no Provisório. Após 132 dias de au-sência de um Governo legalmenteinstituído, a RD voltou momenta-neamente à normalidade.

No dia seguinte, Brasil, EUA,Israel e El Salvador reconheceram onovo governo, seguidos mais tardepor outras dez nações.

O Presidente Garcia Godoy as-sumiu, mas enfrentou vários pro-blemas; dentre eles:

� integração da zona rebelde� reincorporação de militares

rebeldes� desarme dos revolucionários� constituição do GabinetePara impor suas ordens, dispunha

da Ata de Reconciliação e do AtoInstitucional assinados pelas partes,para exigir o cumprimento dessastarefas, tinha como meios:

� as Forças Armadas Domi-nicanas – desacreditadas e com osseus chefes sendo alvo de acusações.Wessin y Wessin era o mais atacadode todos, entretanto, além dele, osrebeldes exigiam, ainda, a retirada dopaís de outros chefes militares.

� a FIP – acusada pelos revo-lucionários de ser elemento de ma-nobra dos EUA, atacada pelos adep-tos de Imbert por não os deixar ter-minar a revolução e antipatizada pelopovo, que a julgava a causa da de-mora na solução da situação da RD.

� manobras políticas – o úni-co instrumento que lhe restava paraintervir até recuperar aqueles normaisde um Poder Nacional. Com a omis-são dos políticos de direita e de cen-tro na solução dos problemas, acomposição política acabou tenden-do para os elementos menos extre-mados da esquerda.

Vários problemas surgidos apósa implantação do Governo Provisório

foram resolvidos com a intervençãoda Comissão Ad Hoc e da FIP, emface de uma nova ameaça de conflitoarmado. Para exemplificar, citamoso afastamento do General Wessin yWessin, a tentativa de Garcia Godoyde substituição do Ministro da Defe-sa Rivera Caminero (desaprovadapelo embaixador americano e pelocomando da FIP), a revolta dos uni-versitários, que culminou com amorte de um deles, a integração aoExército do CEFA – comandada porWessin e considerada a mais arbi-trária das unidades para o povo etc.

Além desses problemas, o pre-sidente do governo provisório tevede enfrentar ainda:

� o ultimatum dos militares paraanular a decisão de atos relativos àclasse, como a mudança de subordi-nação das polícias militares;

� a integração das zonas re-beldes;

� a entrega das armas pelos re-beldes;

� o regresso de Bosch ao país,que acentuou divergências entre Gar-cia Godoy e suas Forças Armadas; e

� a forte propaganda comunista,que se sobrepunha à capacidade dosórgãos de imprensa do governo deanulá-la, propiciando uma enormepreparação das massas e criando si-tuações embaraçosas entre os pró-prios setores do governo.

No dia 24 de outubro, após reu-niões entre militares dominicanos e daFIP, da Comissão Ad Hoc e do Pre-sidente Garcia Godoy, foi decidida aocupação da área “constituciona-lista”, a qual se seguiriam a ocupaçãopela Polícia Nacional e as comissõesde desarme. Tal decisão foi conside-rada fundamental para a manutençãoda ordem pública na “Ciudad Nueva”.

O início da operação deu-se às4h30m do dia 25 de outubro. A açãocomo um todo previa o emprego

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combinado da BdaLA e da 1a Bdada 82nd “Airborne Division”, ata-cando simultaneamente em direçõesconvergentes. As tropas da BdaLA,reforçadas por três pelotões de car-ros-de-combate, dois do Exércitodominicano (um dos quais ficou nareserva da Brigada) e um do Exércitoamericano, deslocaram-se para a zo-na rebelde, ficando os Fuzileiros Na-vais do Brasil com a responsabilidadedo flanco sul, a cavaleiro das aveni-das George Washington e Indepen-dência. Os rebeldes foram surpreen-didos e, em pouco mais de uma horae meia de ação, todo o setor já estavaintegrado à BdaLA. Nossas tropasprogrediram rapidamente, empre-gando o princípio da surpresa, porruas e avenidas, onde eram grandesas possibilidades de ação dos sni-pers. As resistências esboçadas pe-los “constitucionalistas” não im-pediram o avanço dos nossos sol-dados e fuzileiros de alcançar seusobjetivos. Participaram dessa ação,além dos FN do Brasil, o I/REsI etropas de todos os outros países in-tegrantes da FIP.

Cabe ressaltar que, a Companhiade Fuzileiros comandada pelo CT (FN)Caio Pompeu de Souza Brasil Filhofoi reforçada por um PelCC doExército americano, por ter sido a suaZona de Ação considerada a maisprovável de encontrar resistência.

As tentativas de agitação dos gru-pos extremistas não terminaram coma ocupação de Ciudad Nueva. Asações da BdaLA passaram, a partirdesse momento, a contribuir para:

� consolidação da autoridadedo Governo Provisório e a volta danormalização da vida na RD com arealização de eleições livres previstaspara junho de 1966; e

� favorecer, pela simples pre-sença, a consolidação do governo aser eleito.

No dia seguinte à ocupação deCiudad Nueva, as “Equipes de Ins-peção de Armas” (constituída pelaPolícia Nacional, Polícia Técnica eelementos civis) iniciaram os traba-lhos de busca, localização e apreen-são de armas. Com o tempo, foi-severificando a ineficiência dos grupospara essa tarefa. O máximo queconseguiram foi apreender armasvelhas e em mau estado. A populaçãoe os grupos comunistas continuavamarmados.

No final de outubro de 1965, por-tanto, continuavam a existir duas for-ças que pesavam nas soluções polí-ticas: as Forças Armadas e o grupoBosch-Caamaño, sendo que o pri-meiro, em face das críticas e da não-cooperação, fez com que o governode Garcia Godoy tendesse a inclinar-se para o segundo, aproximando-sede uma solução imprevisível agra-vada, também, pela dívida nacional.

Foi diante desse quadro que ocontingente de substituição dos Fuzi-leiros Navais e do I/REsI preparou-se para enfrentar quando de sua idapara Santo Domingo no mês de no-vembro.

A ocupação de Ciudad Nuevamarcou o fim da 1a fase, caracteri-zada, também, pela intensa “guerrapsicológica” com grande apelo aopatriotismo do povo dominicano, vi-sando a torná-lo hostil à “ocupaçãoestrangeira”.

OPERAÇÃORENASCIMENTO II

Enquanto persistia a instabilidadepolítica na RD; no Brasil, o CFN ini-ciou, em setembro, o planejamentopara a substituição do 1o contigente– a Operação Renascimento II.

Em 13 de setembro de 1965, oComandante-Geral do CFN expediua Carta de Instrução No 3-65,

endereçada ao comandante doNu1aDivFuzNav. Nesse documentodeterminava: “Organizar e adestrar oII Grupamento de FN, o qual deveráFCD, MO, ser transportado paraSão Domingos, a fim de substituir o IGrupamento e integrar a FAIBRAS”.

Esse Grupamento foi organizadocom uma estrutura ligeiramente dife-rente do primeiro, porém, com o mes-mo efetivo de 270 militares, contou,basicamente, com voluntários. Umadas poucas restrições impostas eraque o militar não poderia ser arrimode família.

Em relação ao primeiro Grupa-mento, aumentou-se o efetivo de ofi-ciais fuzileiros navais; e foi indicado,também, um oficial intendente. Dentreos oficiais FN, alguns deveriam pos-suir, obrigatoriamente, o Curso da Es-cola de Aperfeiçoamento de Oficiaisdo Exército (EsAO), de modo a mo-biliar o EM do Batalhão Fraternidade.Foi criado e incorporado um Pelotãode Comando, composto de umaseção de comunicações, uma seçãode AC 106mm e uma seção demorteiros 81mm.

O comando do Nu1ªDivFuzNavindicou o CC (FN) Fernando do Nas-cimento para o comando do II Gru-pamento de FN, tendo como ime-diato o CT (FN) Geraldo de AbreuPinheiro. A indicação foi aceita e maisuma vez o Batalhão Riachuelo nu-cleou o Grupamento.

No dia 11 de outubro de 1965, oComando-Geral do CFN recebeu oexemplar No 11 do Plano de Ope-ração No 1 do EMFA, regulamen-tando a substituição da Tropa daFAIBRAS.

O EMFA determinou que, no pe-ríodo de 6 de novembro a 10 de de-zembro, fosse realizada a substitui-ção do pessoal em São Domingos.A Marinha programou a substituiçãointegral, enquanto o EB a realizou

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parcialmente, mantendo na RD 50%dos quadros – oficiais, subtenentes esargentos.

A tropa que viria a substituir o 1o

contingente recebeu, no Rio de Ja-neiro, um adestramento específico decombate em localidades, estabe-lecimento e conduta em PCTran e depequenas noções de guerrilha. Foidada uma particular atenção à edu-cação moral, que incluía, também,todo um entendimento sobre a missãoe a responsabilidade da FAIBRASna RD. O deslocamento da tropa foirealizado em aeronaves da FAB – osC-82 e C-119.

O segundo contingente de FN foidividido em cinco escalões para efeitode deslocamento, tendo o primeirodeles (somando duzentos FN) deixa-do a Base Aérea do Galeão nos dias6 e 7 de novembro, fazendo escalasna cidade de Belém e na base dePiarco em Trinidad, com destino àBase Aérea de San Isidro. O últimoescalão dos FN chegou à RD no dia6 de dezembro.

� 2a fase – de 26 de outubroaté 23 de abril de 1966

Essa fase foi caracterizada porações de limpeza e redução de focosrebeldes, distribuídos por toda aCiudad Nueva, e pela manutenção dasegurança e ordem públicas. Nesse

período, todo o contingente da FIPficou vulnerável pela inexistência delinhas-limites com os rebeldes, o quefavorecia a infiltração mais fácil deelementos hostis em área ocupadapela tropa, exigindo, em contrapar-tida, redobrada vigilância.

No final de outubro e início denovembro na RD, houve um incre-mento de ações terroristas e agitaçõesde rua. Ataques a edifícios, incêndiose saques e até mesmo atentados con-tra as tropas da FIP e elementos nãosimpatizantes tornaram-se freqüen-tes. As ruas e as praças de CiudadNueva continuaram a ser alvos dechoques e agitações. Enquanto isso,aumentava a campanha contra osnorte-americanos e as tropas da FIPque mantiveram a ocupação dospontos críticos na área, apesar dadiminuição de seus efetivos.

No dia 21 de novembro, as açõeschegaram ao interior do país, ondeum grupo de direita tentou desenca-dear um golpe de estado em Santia-go, mas logo dominado pelas ForçasArmadas dominicanas. As ações nointerior ensejaram um programa detreinamento para as tropas da FIP,visando ao seu provável emprego nointerior da RD com ações de patru-lha, o que efetivamente aconteceusem maiores conseqüências.

As ações da FIP e, portanto, do

segundo grupamento de FN foramligeiramente diferentes das realizadasna 1a fase. Elas ficaram voltadas paraa ocupação de Ciudad Nueva e,conforme abordado, com tarefas demanutenção da ordem pública15 .Essa ocupação foi realizada efetiva-mente pelo estabelecimento de pon-tos de controle nos cruzamentos deruas em pontos críticos, patrulhasmotorizadas e pela destruição de lo-cais levantados como paióis de ar-mamento dos rebeldes. Devido àscaracterísticas arquitetônicas dascasas (a maioria de dois andares comtelhados de laje, que permitia a pas-sagem de um prédio para o outro),os pontos de controle foram esta-belecidos no alto dessas edificações.

Não houve emprego tático do ar-mamento AC, entretanto, os mortei-ros foram bastante empregados parailuminar o “campo de batalha”16 nasações noturnas, uma vez que toda acidade permanecia às escuras du-rante a fase de ocupação.

Os check-points foram desativa-dos, liberando o pessoal do Pelotãode Polícia (PelPol) para ações de se-gurança. O PelPol passou a ser em-pregado na segurança do PC daBdaLA e na segurança pessoal docomandante da FIP, especialmentedurante os seus deslocamentos, bemcomo, das comitivas da OEA pre-sentes na área. A segurança do QGda FIP, operando no hotel Jaragua,era provida pela 82nd Airborne

General Hugo Panasco Alvim, acompanhado do CC (FN) Fernando doNascimento, passa em revista o II GPT FN

15 Enquadram-se nessas tarefas, ações dedispersão de esquerdistas e baderneiroscom o intento de prejudicar ofuncionamento normal das atividadescomerciais de Ciudad Nueva.16 O Campo de batalha era na realidadeas ruas de Ciudad Nueva que, à noite,ficavam às escuras devido aos cortes deenergia provocados pelos esquerdistas.

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Division e pelos contingentes nacio-nais do Btl Fraternidade, em regimede rodízio.

O período de maior agitação, nes-sa fase, ocorreu entre 13 e 17 de de-zembro, por ocasião de uma greve,com a ocorrência de tumultos emdiversos pontos da cidade, onde osrebeldes ergueram barricadas incen-diando pneumáticos. Os FN fizeram-se presentes controlando os tumul-tos. No interior, em Santiago, no dia19, as Forças Armadas dominicanasenfrentaram os “constitucionalistas”,com saldo de 28 mortos e vários fe-ridos, agravando, ainda mais, a crise.Até o final do ano de 1965, a situaçãoacalmou-se, voltando a ficar tensa noinício de 1966 com algumas açõesterroristas. Em 21 de janeiro, os lí-deres “constitucionalistas” decidiramdeixar o país, sendo escoltados atéo aeroporto pelos FN.

Durante toda a segunda fase, osFN do Brasil revezaram-se nasações com as tropas paraguaias, ni-caraguenses e hondurenhas. Foiestabelecido um sistema de rodízioentre elas de modo a ter-se sempre,além daquela que estava em ação,ocupando os pontos de controle, umaforça de retém e outra de folga. Emcaso de necessidade de reforço ouemprego imediato de força, a tropade retém estava pronta para entrarem ação, enquanto que a de folga de-dicava-se mais à manutenção domoral, com a realização de com-petições internas, exercícios físicos,e, quando possível e oportuno, licen-ças para San Juan de Puerto Rico 17

(o primeiro contingente também go-zou dessa condição) ou para áreasem Santo Domingo afastadas de Ciu-dad Nueva.

Dos diversos ensinamentos tra-zidos de Santo Domingo, os de maio-res repercussões, na tropa, até hojesão:

� o emprego de vassouras a-marradas à frente dos pneus dasviaturas, varrendo do chão os diver-sos grampos jogados proposital-mente nas ruas da cidade, para con-ter o movimento das viaturas nas suastarefas de patrulhamento; e

� a colocação de uma barra ver-tical na frente das Vtr ¼ ton18 , ba-tizadas de “trombas de elefante”,para evitar a degolação dos moto-ristas e outros acompanhantes, porconta de arames colocados, pelosrebeldes, transversalmente nas viaspúblicas, na altura das jugulares.

No final de abril, o Presidente Gar-cia Godoy, na presença do Embai-xador Bunker da Comissão Ad-Hoce do novo comandante da FIP, Ge-neral do Exército Brasileiro ÁlvaroAlves da Silva Braga, propôs asubstituição das tropas da FIP queainda ocupavam pontos de seguran-ça na antiga zona rebelde (CiudadNueva) pelas Forças Armadas daRD. A ação de Garcia Godoy foi, narealidade, o primeiro passo para, su-tilmente, negociar com a OEA aretirada total da FIP, antes da pas-sagem do seu cargo de presidente.

No dia 23, as tropas da FIP foramsubstituídas pelo Exército da Re-pública Dominicana nos pontos decontrole e regressaram aos seusacampamentos, marcando o final dasegunda fase. A FIP tinha alcançadoplenamente o seu objetivo, que eraprover condições para a consoli-dação do Governo Provisório, e fazerretornar ao país a situação de nor-malidade, capaz de permitir a rea-lização de eleições livres.

� 3a fase – de 24 de abril de1966 até 16 de setembro (términoda missão).

Com a rendição das tropas da FIP,essas mantiveram-se em estado deprontidão, em condições de reassumir

o controle militar da área, caso seconfigurasse um recrudescimento deações rebeldes.

No período de 24 a 29 da abril,os FN guarneceram as instalações daembaixada brasileira, resguardando-a de possíveis manifestações con-trárias aos países que integravam aFIP, por ocasião do primeiro ani-versário da revolução e da chegadados marines.

A 28 de abril, os EmbaixadoresBunker e Penna Marinho (da Co-missão Ad-hoc), Generais Braga eLinvill, e o Coronel Meira Matosreuniram-se no hotel Embassador eestabeleceram que o prazo mínimopara a retirada da FIP seria de 30dias, embora planejassem também de60 e 90 dias.

Apesar disso, estava previsto,para maio de 1966, a substituição do2o contingente da FAIBRAS. AMarinha optou, mais uma vez, pelasubstituição completa do seu pessoal,enquanto o EB manteve em SãoDomingos 20% de seus quadros.Iniciava-se a Operação Renasci-mento III.

OPERAÇÃORENASCIMENTO III

O 3o contingente de FN, nucleadono 2o Batalhão de Infantaria – Bata-lhão Humaitá (ativado em março de1965), teve o seu escalão avança-do transportado por uma aeronaveC-119 no dia 23 de abril. O restante

17 A operacionalização de licenças paraPorto Rico dava-se pela emissão, peloComando Unificado da FIP, das“Ordenes de Viaje”, assinadas peloAjudante do C-1 da FIP.18 As Vtr ¼ ton circulavam, na maioriadas vezes, com os pára-brisas rebatidos,para evitar acidentes provocados pelosestilhaços dos vidros, caso fossem atin-gidas por projetis.

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do pessoal, seguiu para Santo Do-mingo em aeronaves C-130 da FAB,recém-adquiridas. Diariamente, de 2a 15 de maio, saiu da Base Aérea doGaleão um C-130 conduzindo tropada FAIBRAS. No dia 6 de maio, to-do o GptFN já havia sido substituído.Esse contingente foi comandado peloCC (FN) Umberto Barbosa LimaMartins. Sua organização e efetivoeram iguais a de seu predecessor.

Nessa fase, os FN depararam-secom uma situação de normalidadepolítica e no ritmo de vida das pes-soas. A tropa de FN ficou voltadapara o cumprimento de um programade adestramento, mantida em con-dições de futuro emprego no caso deum retrocesso na situação local, oque acabou não acontecendo. O a-destramento englobou operações he-litransportadas, e em áreas monta-nhosas e de selva, bem como açõesde contraguerrilha19 e tiro de combate.

Procurou-se manter o preparo fí-sico e o moral do combatente, evi-tando-se, ao máximo, o relaxamento.Realizou-se, também, um trabalhoconstante de inteligência à luz dasituação no país e da sua evolução, ede muito trabalho de Estado-Maior,atualizando, dia-a-dia, os planos pre-vistos para uma ocupação imediata.Nesse contexto, nossa tropa deu pro-vas de alto espírito de disciplina e pre-paro psicológico.

O planejamento da retirada daFIP iniciou-se na primeira quinzenade maio, com a divulgação da OrdemPreparatória do seu comandante,estabelecendo, de imediato, que astropas brasileiras e americanas seriamas últimas a retirarem-se, proporcio-nando segurança aos demais contin-gentes.

As Forças brasileiras não teriamcondições de retirarem-se em menosde 45 dias, tendo em vista o empregodos navios-transportes da Marinha

de Guerra em outras missões, osquais fariam parte do processo deretirada.

Ficou decidido, pelo comandanteda BdaLA, que a retirada dos con-tingentes seria realizada por ordemcrescente de seus efetivos, ou seja:Costa Rica, Nicarágua, Paraguai,Honduras e Brasil. Além disso, oprazo mínimo ficou sendo o de 60dias, sendo que o QG da BdaLA fi-caria na RD até o último dia.

Enquanto a FIP planejava a suaretirada (prevista mas ainda nãosolicitada oficialmente), o povo do-minicano preparava-se para as elei-ções para Presidente da República(cuja posse estava prevista para o dia1o de julho). Garcia Godoy, por suavez, esforçava-se para entregar opaís devidamente pacificado e semproblemas, tanto que em 29 de maio,durante entrevista à imprensa nacionale estrangeira, disse que, se as eleiçõestranscorressem normalmente no dia1º de junho, o seu governo oficiariajunto à Reunião de Consulta o pedidode retirada da FIP.

Joaquim Ballaguer20 venceu e to-mou posse em clima de total tran-qüilidade. Na resolução de 24 dejunho da Reunião de Consulta de Mi-nistros Exteriores da OEA, ficoudecidida a retirada da FIP a partir do

dia 1º de julho com prazo máximode 90 dias até à retirada total, aten-dendo à solicitação de Garcia Go-doy. A população (cerca de 70% dosentrevistados), entretanto, conformepesquisa realizada pelo jornal “El Ca-ribe”, respondeu que ainda era cedopara a saída da FIP.

De qualquer jeito, a FIP já haviaplanejado a sua retirada, com em-prego de meios aéreos e marítimos,para as diversas hipóteses de tempo(em 30, 60 e 90 dias), escalonando-a,segundo a natureza da tropa, alte-rando a decisão anterior que se ba-seava nos efetivos. Por fim, em funçãodas várias mudanças no planejamentoa retirada da Bda LA ficou comomostra a Tabela A.

No tocante às tropas do Brasil, acoordenação ficou com o EMFA,que planejou o retorno do contin-gente brasileiro em quatro Grupa-mentos de Embarque21 , conformeTabela B.

19 Existia uma suspeita de formação deuma guerrilha no interior da RD.20 Ballaguer foi reeleito por duas vezes(1966 e 1974) e governou até 1978.Posteriormente, foi eleito em 1986 ereeleito (1990) e governou até 1996.21 Dados de planejamento, que foramcumpridos com alterações de pequenamonta.

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Os deslocamentos aéreosforam realizados a partir da BaseAérea de San Isidro, com es-calas previstas em Piarco eBelém, e os deslocamentos ma-rítimos, a partir do Porto deHaina.

Pelo Decreto 59.276, de 23de setembro de 1966, o Presi-dente da República, consi-derando o parecer da DécimaReunião de Consulta dos Ministrosdas Relações Exteriores, que de-clarava terem sido alcançados osobjetivos que motivaram a criaçãoda FIP, determinou a extinção, apartir de 30 de setembro, do desta-camento brasileiro da Força ArmadaInteramericana – FAIBRAS.

A participação dos Fuzileiros Na-vais brasileiros nessa campanha re-sultou no emprego total de 810 mili-tares nos três contigentes, dos quais40 oficiais e 770 praças, com o regis-tro de uma perda em ação22 .

Cumprida a missão, poderíamosaqui realçar, por outros fatos de rele-vância, a atuação dos FN na RD.Contudo, achamos que ela pode sermais bem interpretada por meio daleitura de uma mensagem enviada emjunho de 1966 pelo Coronel Carlosde Meira Matos ao Comando-Geraldo CFN e que aqui transcrevemos:

É com indisfarçável or-gulho que tenho sob meucomando, na FAIBRAS, oGrupamento de FuzileirosNavais. Essa tropa de escol,vem confirmando integral-mente no Caribe, o alto con-ceito de que desfruta no seiodas Forças Armadas bra-sileiras. Empregados em mis-sões complexas, variadas eperigosas, no quadro de umaForça Interamericana e noambiente tumultuado doconflito dominicano, os

FUZILEIROS NAVAIS DOBRASIL, revelaram sempreespírito combativo e efi-ciência profissional. O pa-drão de seus quadros deoficiais e sargentos e o valorde sua tropa, patenteadosdiariamente perante os mi-litares de todas as naçõescomponentes da FIP, cons-tituem-se em motivo de ufa-nia para todos os brasileiros.

Santo Domingo (República

Dominicana), junho de 1966.

Com o retorno do 3o contingentede FN da República Dominicana,encerra-se um dos principais ca-pítulos da história moderna do Corpode Fuzileiros Navais do Brasil. Em-bora o emprego dos Fuzileiros Na-vais não tenha sido em ações de na-tureza anfíbia, o CFN teve uma opor-tunidade ímpar de participar de ações

22 A 3 de junho de 1966, do 3oSG-CN Paulo Barreto de Mendonça, vitimado poracidente de tiro.

operativas, lado a lado, comcontingentes de outros países,adquirindo uma excelente ex-periência.

A presença na RD ensejouque os FN tivessem um extensoadestramento com recursos en-tão escassos no Brasil, como foio largo emprego de helicópterosnas ações táticas e logísticas.

Além disso, houve a opor-tunidade de trazer para o seuinventário, equipamentos e meios nãoexistentes até então no CFN: asmáscaras contragases americanas deúltima geração; as esteiras metálicasusadas, posteriormente, por umlongo período, no DP; a máquina deconfeccionar plaquetas de identi-ficação; os shot guns; as viaturas ¼Ton M-151 Ambulância; as barracasde campanha (de 14 homens, deemprego geral e de manutenção deviaturas); e o aprendizado das técni-cas de preparação de material parao transporte em paletas.

Assim foi, assim tem sido e assimsempre será. O CFN estará semprepronto para responder aos chamadosda nação, reafirmando o significadodo lema dessa tropa de elite:

Adsumus!

Retirada do III GPT FN – à esquerda oCC(FN) Barbosa Lima

Oficiais da Terceira Turma e oficiais do EBe da US Army.

Missa em Ação de Graças pelo Aniversário9do CFN (1966) - Segunda Turma

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PARTICIPAÇÃO DE OFICIAIS DA MBForça Interamericana de Paz na República Dominicana

( 1965-1966 )

Estado-Maior da Força Interamericana de Paz (FIP)CF RAPHAEL DE AZEVEDO BRANCO

CF JOÃO BAPTISTA TORRENTS GOMES PEREIRA

CC (FN) PAULO DE OLIVEIRA REIS

(Comandante / Sub-comandante)

1oTen (FN) VICENTE DIAS COSTA AROEIRA NEVES

(S-4)

CC (FN) FERNANDO DO NASCIMENTO

(Sub-comandante / Comandante Interino)

CT (FN) SIEBERTH MAGNO DINIZ CERQUEIRA

(S-2)

CT (FN) VALDIR BASTOS PONTE

(S-4)

CC (FN) UMBERTO BARBOSA LIMA MARTINS

(Sub-comandante / Comandante Interino)

CT (FN) COSME NUÑEZ

(S-4)

CT (FN) FERNANDO MAURÍCIO DE MORAES SARMENTO

( S-2 )

Observações:(1) Os Comandantes dos GptFuzNav

eram os Chefes de EM/Sub-comandantesdo Btl Fraternidade

e nos impedimentos dos Comandantes(Exército da Nicarágua) exerciam o cargo

de Comandante,o que ocorria com freqüência;

(2) Os demais oficiais do Estado-Maiordo Btl Fraternidade eram dos Exércitos

do Paraguai(S-3 e OCom/Comandante do PelCom)

e Nicarágua (S-1).

Batalhão Fraternidade

Estado-Maior da Brigada Latino-Americana(BdaLA)

CF RAPHAEL DE AZEVEDO BRANCO

(S-1, S-4 E S-5)CF (FN) CLINTON CAVALCANTE DE QUEIROZ BARROS

(S-1, S-4 E S-5)CF (FN) DURVAL PEREIRA BUARQUE

(S-3 E S-4)

1-TenCel(EB) Theotonio Luiz Lobo deVasconcellos,Chefe do EM da BdaLA; 2-Cel(EB)

Carlos de Meira Matos, Cmt do FAIBRAS eBdaLA; 3-CF(FN) Clinton Cavalcante de Queiroz

Bastos, S-4 da BdaLA

1 2

3

Acampamento na Av. Independência:CT(FN) Sieberth,CT(FN) Ponte, CC(FN) Fernando, CT(FN) Pinheiro

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Grupamentos de Fuzileiros Navais (GptFuzNav)I – Grupamento de Fuzileiros Navais (25/05/1965 a 18/11/1965)Fonte: Ordem do dia 083/65, do CGCFN; e Boletim Interno 086/65, do Btl Riachuelo.

CC (FN) PAULO DE OLIVEIRA REIS ............................................. Comandante

CT (FN) LUIZ LOPES DOS SANTOS .............................................. ImediatoCT (FN) RUBENS ALMEIDA MOREIRA PIEDRAS .............................. Comandante da CiaFuz(substituído interinamente, quando do seu regresso definitivo ao Brasil, pelo Imediato da

CiaFuz e posteriormente, pelo CT (FN) CAIO POMPEU DE SOUZA BRASIL FILHO)

1oTen (FN) SÉRGIO DE ALMEIDA VALLIM ......................................... Imediato da CiaFuz

1oTen (FN) VICENTE DIAS COSTA AROEIRA NEVES ........................... PelPtr

2oTen (FN) ERICH BAUMEIER FILHO ................................................ 1oPelFuz

2oTen (FN) JOSÉ DA SILVA ALMEIDA ................................................. 2oPelFuz

2oTen (FN) AMARO VICENTE TEIXEIRA CANTONE ............................. 3oPelFuz

1oTen (FN) DANTE MANOEL DA ROCHA SANTOS ............................... PelPol

1oTen (FN) ARTHUR XAVIER MOREIRA ............................................ Comandante do GAL

II – Grupamento de Fuzileiros Navais (18/11/1965 a 02/05/1966)Fonte: Ordem do dia 083/66. do CGCFN ( Parte Confidencial ).CC (FN) FERNANDO DO NASCIMENTO.......................................... Comandante

CT (FN) GERALDO DE ABREU PINHEIRO ...................................... Imediato

CT (FN) SIEBERTH MAGNO DINIZ CERQUEIRA.............................. S-2 do Btl Fraternidade

CT (FN) VALDIR BASTOS PONTE................................................. S-4 do Btl Fraternidade

CT (IM) JOSÉ LEONEL VILLA-FORTE MACHADO........................... Oficial de Intendência

CT (CN) ITAMAR PEREIRA COSTA ................................................ Capelão da BrigLA

1oTen (FN) CARLOS AUGUSTO COSTA ............................................. S-1 e OCom do Gpt

CT (FN) OCTÁVIO ARMANDO LOPES DE ALMEIDA ........................ Comandante da CiaFuz

1oTen (FN) JOÃO BAPTISTA CORDEIRO DE MELLO ........................... Imediato da CiaFuz

(substituído, quando do seu regresso definitivo ao Brasil, pelo 1ºTen(FN) CARLOS ALBERTO GOMES COUTO)

1oTen (FN) SYLVIO LUIZ VERÇOSA SERÔA DA MOTTA ....................... PelPtr

2oTen (FN) WILLIAM ALVES DE SOUZA ............................................ 3oPelFuz

2oTen (FN) ANTONIO LUIZ DE OLIVEIRA DANTAS ............................. 1oPelFuz

2oTen (FN) FERNANDO MULÉ ......................................................... 2oPelFuz

1oTen (FN) LUIZ GONZAGA VALLE .................................................. PelPol

1oTen (QC-FN) ALOÍSIO DOS SANTOS CARNEIRO ...................................... Comandante do GAL

III – Grupamento de Fuzileiros Navais (02/05/1966 a 01/08/1966)Fonte: Ordem do dia 146/66, do CGCFN (Parte Confidencial).

CC (FN) Umberto Barbosa Lima Martins................................. Comandante

CT (FN) Jayme César Gerin Guimarães .................................... Imediato

CT (FN) Cosme Nuñez ............................................................. S-4 do Btl Fraternidade

CT (FN) Fernando Maurício de Morais Sarmento ..................... S-2 do Btl Fraternidade

CT (IM) Jorge Luis Vargas Marques ........................................ Oficial de Intendência

CT (CN) Itamar Pereira Costa .................................................. Capelão da BrigLA

CT (FN) Rubens Feitoza de Carvalho ....................................... S-4/Comandante do GAL e OEmb do Gpt

1oTen (FN) Joseny Azarany Bezerra ............................................. S-1 e OCom do Gpt

CT (FN) Lyrio Bravin ............................................................... Comandante da CiaFuz

1oTen (FN) Leonardo de Castro França ........................................ Imediato da CiaFuz

1oTen (FN) José Armando Carvalho de Carvalho .......................... PelPtr

1oTen (FN) Sylvio Ferreira da Silva ............................................... 1oPelFuz

2oTen (FN) Carlos Alberto Fonseca Dantas.................................. 2oPelFuz

2oTen (FN) Osny Câmara Fagundes .............................................. 3oPelFuz

1oTen (QC-FN) Jair Baptista Lopes ..................................................... PelPol

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Ainda a Guerrado Iraque

CALTE GUILHERME MATTOS DE ABREU

Ainda a Guerrado Iraque

Oficiais Fuzileiros Na-vais, neste O Anfíbio e na Re-vista do Clube Naval, publicaram bri-lhantes artigos sobre a Guerra do Iraque.Um desses oficiais, conhecendo o teor de umapalestra que havíamos apresentado no Colégio Naval,instigou-nos a escrever sobre o assunto.

Daí nasceu este artigo, que guarda alguma relação com a palestraoriginal. Nele procuramos aplicar a um evento bélico relevante e atual,de forma didática e apolítica, ensinamentos colhidos ao longo do tempo, semesgotar o assunto, nem alcançar um nível de profundidade significativo. Para tanto,nos baseamos em conferências, documentos oficiais, artigos e livros, bem como emnossa observação pessoal. Julgamos por bem incluir alguns conceitos básicos, de modoa contribuir para a assimilação do assunto por um público mais jovem.

Eis, pois, este “marinheiro da gola” aventurando-se nos domínios dos “marinheirosdo gorro de fita”.

IntroduçãoNós recebemos múltiplas informações a cada dia. Nem sempre elas são completas ou adequadas.

Afinal, não conhecemos as coisas como são, mas como nos apresentam.Desde março de 2003, o mundo vive um episódio importante, que é a Guerra do Iraque. Mas, será que

conseguimos interpretar todas as informações que nos chegam?Quando ocorreram os atentados de 11 de setembro de 2001, muitos não conseguiram alcançar a

relevância do acontecimento. Os reflexos ainda não terminaram e atingem toda a humanidade.Entre outras conseqüências, a necessidade de maior fiscalização das mercadorias em trânsito, em

função de medidas de segurança, afetou o fluxo de cargas e tornou o transporte mais caro e sujeito a

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atrasos devido às medidas decontrole e fiscalização; as pessoaspassaram a ter receio de viajar; aserem mais cautelosas na apli-cação de suas economias etc. Comisso, de imediato, reduziram-se astransações comerciais e finan-ceiras, o que significa menos di-nheiro em circulação, o que, porsua vez, significa menos emprego.Menos emprego significa menospessoas comprando... Inúmerasatividades foram comprometidas,em reações em cadeia, com re-percussões globais.

Também algumas inovaçõesconceituais quanto à arte daguerra tornaram-se mais conhe-cidas, a partir do conflito de-corrente. Mas, será que são real-mente novas ou constituem, ape-nas, a adequação de velhos con-ceitos à realidade atual?

Neste texto, abordaremos al-guns pontos relevantes deste mo-mento que é parte de um processode inflexão da história da hu-manidade.

Conceitos Básicos

O Conceito dePoder Nacional

As disputas entre nações nadamais são do que confrontos entre osPoderes Nacionais respectivos.

Mas o que é Poder Nacional? Deforma simplificada, seria a capacida-de de cada país fazer valer a sua von-tade. Tradicionalmente, ele se divideem quatro segmentos interdepen-dentes: o Poder Político, o PoderEconômico, o Poder Psicossocial eo Poder Militar.

O Poder Político lidera o pro-cesso. Delineia as estratégias. Faz asalianças. O Poder Econômico atua

oferecendo recompensas e transa-ções favoráveis, dificultando a açãodo concorrente, facilitando a açãodaqueles que se deseja cooptar, limi-tando o que se pode realizar etc..

O Poder Psicossocial relaciona-se à decisão, à vontade, ao que sepassa na mente das pessoas. A se-melhança de uma agência de pu-blicidade, grupos de interesse ou paí-ses procuram moldar esse segmento,tentando influenciar a vontade e ocomportamento das pessoas.

O Poder Psicossocial e o PoderEconômico fazem parte do chama-do poder suave ou soft power.Trata-se do poder capaz de fazercom que as pessoas (e por extensãoas instituições e os países) procedamcomo o mais poderoso (ou maisesperto) deseja, seja pelo atrativo deidéias, pela convicção em ideolo-gias, em função de uma recompensapela cooperação, mediante o forne-cimento de informações privilegia-das a uma das partes em confrontoetc..

O Poder Militar é a força brutaou o hard power. Para ter efeito,não é obrigatório que seja efetiva-mente empregado. Em muitas opor-tunidades, basta existir como amea-ça de emprego.

Estes quatro segmentos são inter-dependentes. Ou seja, afetam-se re-ciprocamente.

Nos contenciosos entre as na-ções, uma constatação importante éque democracias não costumamentrar em guerra entre si. As guerrasmodernas, normalmente, envolvemgovernos ditatoriais. Podemos en-contrar uma democracia em guerracontra uma ditadura. Mas, será di-fícil apontar um caso em que umademocracia se confronte militarmen-te de modo pleno com outra. É queas democracias tendem a esgotar osseus contenciosos nos segmentos

político, econômico e psicossocial, oque não significa ausência de so-frimento ou de aspirações não aten-didas.

O segmento psicossocial é muitoimportante. Conquistá-lo, rendeprestígio e ganhos significativos. As-sim como as pessoas dão preferênciaa um produto, em função de sua ori-gem, soldados podem desistir de lutar,por medo do inimigo, fundamentadona fama que ele tem.

Conquistam-se os corações emoldam-se as mentes das pessoas,afetando o seu modo de agir. Con-seqüentemente, afetando o modo deagir dos respectivos países.

As disputas acontecem no dia-a-dia das nações. Muitas vezes, são depequena intensidade ou disfarçadaspor boas intenções, o que as tornampor vezes imperceptíveis. Os obstá-culos intencionalmente criados aosgrandes empreendimentos promo-tores de desenvolvimento, baseadosem um possível dano ao meio am-biente não claramente configurado oudimensionado (ou, por vezes, umasimples conjectura) constituem umbom exemplo.

O apresentado até aqui não sig-nifica que os países em que se exercea democracia, principalmente os demaior relevância, possam pensar emabolir o seu Poder Militar. Continuaválida a prescrição secular do Barãodo Rio Branco que diz ser necessárioter a capacidade de mostrar cara feiaao inimigo.

Nas ditaduras, os segmentos psi-cossocial e econômico têm pesomenor no processo decisório. O rígi-do controle coercitivo exercido so-bre a população inibe as manifes-tações espontâneas (campo psicos-social) e neutraliza as pressões eco-nômicas (via de regra, o resultadodas sanções econômicas atinge a po-pulação, enquanto a classe dirigente

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se mantém preservada). Aí, só restaa guerra, ou a ameaça de guerra,como instrumento de pressão.

O emprego do Poder Militar tor-na-se o último recurso para atingir-seum objetivo. Como assinalou Clau-sewitz: “A guerra é a política poroutros meios”.

A interação entre os poderesprossegue na vigência de um conflitoarmado. Tomemos o exemplo daGuerra do Vietnã: os Poderes Eco-nômico e Militar norte-americanoeram incontrastáveis; mas o PoderPolítico limitava expressivamente aaplicação do Poder Militar. O resul-tado foi a retirada dos EUA, sem queas suas Forças Armadas perdessemuma única grande batalha. Isso acon-teceu pelo sucesso da ação conti-nuada do oponente no segmentopsicossocial. Os norte-americanosem seus lares constituíam os alvos querealmente importavam. Assim, a par-tir de determinado momento, oconflito tornou-se insustentável porfalta de apoio interno, o que com-prova que a guerra, em qualquer cir-cunstância, envolve toda a Nação.

Limites daPolítica Nacional

O que levaria um povode um país democráticoa empenhar-se em impora sua vontade, chegandoaté mesmo à guerra?Alguns conceitos relevan-tes podem ser demons-trados por uma pirâmide(figura 1).

A seta da esquerdaindica a disponibilidadeda sociedade em arcarcom os custos; a do ladodireito representa a vontade, o livrearbítrio.

Vemos que, quando se trata de

defesa de território, praticamente nãohá o que discutir. É compulsório. Vai-se à luta a qualquer custo.

Quando se trata de bem-estareconômico, já existe algum poderdiscricionário. Dentro de determi-nados limites, aceita-se fazer con-cessões, pagar mais, ou restringir oconsumo, para evitar o conflito.

Quando se trata de ambiente fa-vorável, o livre arbítrio pesa mais. Opaís ou as pessoas podem escolher,por exemplo, o isolamento e convivercom o problema.

No topo da pirâmide, temos osvalores. Dificilmente vamos encontraresforços em larga escala baseadosem valores. Podem até ocorrer. Osnorte-americanos, entre 1991 e1993, lideraram uma seqüência deintervenções humanitárias na So-mália, envolvida em conflito interno,o qual provocava grande sofrimentoà população. A partir de um certoponto, os soldados dos EUA co-meçaram a ser mortos por facçõeslocais. O povo norte-americano,então, passou a pressionar os con-gressistas, e estes o presidente, parainterromper as ações. A sociedadenorte-americana não estava disposta

a arcar com os altos custos de umamissão sem objetivo estratégicodefinido, fundamentada em um valor

chamado “solidariedade humana”, ouseja, no apoio à população miserávelda Somália.

A figura sofre distorção nas di-taduras e em sociedades menos de-senvolvidas. É possível, por exem-plo, ir-se a guerra por motivos pro-saicos, como uma disputa de futebolmal resolvida1 ; ou precipitar-se emuma conjuntura desfavorável, comofoi a ocupação do Kuwait pelo Ira-que, em 1990.

EUA x Iraque

Os Estados Unidosda América

É importante destacar algumascaracterísticas, cujo grau de relevân-cia pode não ser perfeitamentecompreendido por nossa cultura,mas que afetam sobremaneira asatitudes que podem ser tomadaspelos EUA.

O povo norte-americano desta-ca-se por cultuar os valores na-cionais, pela valorização dos cons-trutores da nação e daqueles que sesacrificaram pelo país, bem como

pelas freqüentes manifes-tações de patriotismo. Sualiderança habitualmente éproativa e age consoanteuma visão prospectiva.Haverá sempre uma ten-dência de reagir segundo

1 Entre El Salvador e Honduras,em julho de 1969, tendo como es-topins, os conflitos entre torcidas,o desrespeito recíproco aos sím-bolos nacionais e, por fim, a per-seguição e fuga de imigrantes

salvadorenhos que viviam em Honduras, emconseqüência das partidas seletivas para aCopa do Mundo de 1970. Foi o clímax de umagrande animosidade que existia entre os doispaíses.

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objetivos definidos, ainda que pos-sam ser encontradas distorções.

O norte-americano manifestauma tendência ao isolamento (um fe-nômeno comum em países grandes,onde há relativa auto-suficiência e,para o homem comum, existe menosnecessidade de lidar-se com outrospaíses). As peculiaridades nacionaisexacerbam esta característica.

Essa tendência, ao manifestar-senas classes dirigentes, pode levar auma maior independência na condu-ção da política internacional em deter-minadas circunstâncias ou com re-lação a determinados temas, sendoque os dois principais partidos políti-cos norte-americanos apresentam di-ferenciais quanto a essa característica.

Encontramos nos escritos do ex-Presidente Richard Nixon susten-tação para esta assertiva2 . Citandouma conversa emblemática comChurchill, Nixon aponta que o líderinglês entendia que “em nenhumacircunstância uma grande naçãopode submeter os seus interesses àOrganização das Nações Unidas,ou a qualquer outro corpo coletivode decisão”. Mais adiante o ex-pre-sidente, ainda que reconheça a im-portância da ONU, afirma: “Umcorpo coletivo não pode ser efetivose não tiver liderança... Pode al-guém seriamente achar que umcorpo coletivo como a ONU, ondeum terço dos países tem populaçãomenor que o estado do Arkansas ea metade deles não são democra-cias estáveis, seja capaz de seimpor?”

�Interesses NacionaisPermanentes

Historicamente, os principais in-teresses norte-americanos3 são osseguintes:

� Defesa do território;

� Bem-estar econômico epromoção dos produtosestadunidenses no exterior;

� Promoção no exterior dosvalores dos EUA;

� Criação de uma ordemmundial favorável (ambienteinternacional seguro).

A promoção dos valores norte-americanos e do american way oflife no exterior torna o país uma re-ferência a ser imitada, modifica cos-tumes e cria novos hábitos e vín-culos, trazendo resultados políticose econômicos importantes.

A promoção de tais valores en-cerra, ainda, uma dose de prag-matismo. A promoção da demo-cracia, por exemplo, é manifestaçãorecorrente, visto que amplia o al-cance dos instrumentos do PoderNacional (soft power), que podemser usados para influenciar asrelações com outros estados.4

� A Mídia

A mídia norte-americana é po-derosa e significativamente inde-pendente5. A imprensa é muito in-fluente, e, na prática, somente estácontida por sua política interna, porseus princípios, por seus interesses,pela concorrência e pela ética. Taiscaracterísticas constituem tanto fatorde força quanto de fraqueza. Histo-ricamente, em sentido amplo, é fatorde força, porque a mídia, comoinstituição, faz parte de um sistemade pesos e contrapesos que conse-guiu corrigir os rumos da nação aolongo da história.

Em um conflito, é fator de força,quando se transforma em elementocatalisador, moldando a atitude dopaís. Na guerra ou em situação degrave crise, para que ocorra um bomdesempenho, é necessário que os lí-deres políticos tenham o apoio deseu povo, o qual tem de estar con-vencido de que vale a pena pagarum preço elevado em vidas humanase em recursos materiais para que sealcance um determinado objetivo,ou seja, há necessidade de quetodos os componentes do PoderNacional estejam voltados para aluta. É a mídia que torna isto pos-sível.

Um exemplo marcante de cola-boração em uma situação de crisegrave foi a cobertura dos atentados

2 NIXON, Richard (1994), Beyond Peace.Randon House, Inc., New York. Páginas 31 e32.

3 NUECHTERLEIN, Donald (1997). AmericaRecommitted: United States National Interestsin a Reconstruction World. Capítulo 7, in‘Security and Force Planning”. Second Edition.Naval War College, Newport, Rhode Island,EUA. Página 97.

4 PUBLIC DIPLOMACY, in Strategic Assessment– 1996: Instruments of U. S. Powers (1996).Institute for National Strategic Studies. NationalDefense University. Washington, D.C., EUA.Páginas 29-30.

5 Nos Estados Unidos, a Primeira Emenda daConstituição (1791) garante à imprensaamplos direitos e torna a regulamentaçãogovernamental tarefa de resultados limitados.Assim, a mídia tem notável independência.Essa independência implica que a imprensa seauto-regule, ou se mantenha, ao menos,responsável e aberta à avaliação do público.Note-se que a existência de garantiaconstitucional, por si só, não asseguraria essestatus à imprensa norte-americana. Háregistros de tentativas de controle,perseguições e de vínculos aos grandesinteresses políticos e econômicos, ao longo dahistória.

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de 11 de setembro de 2001. A gran-de mídia norte-americana, pratica-mente, não veiculou imagens de fe-ridos graves ou mortos, como écomum em ocorrências desse tipo emoutras regiões, o que traria conse-qüências ainda mais danosas aomoral do povo norte-americano, poracentuar a sua vulnerabilidade(compare-se com a cobertura doatentado de 11 de março de 2004,na Espanha).

Prevaleceu a veiculação da ima-gem de um povo forte, capaz de su-perar mais uma adversidade, tendocomo símbolo de luta, sempre pre-sente, a bandeira nacional. Tal pos-tura persistiria até se acentuarem as

divergências, principalmente devidoà evolução da conjuntura no Iraque,onde as perspectivas de sucessorápido desvaneceram-se, o númerode mortos entre as tropas norte-americanas tornou-se elevado e ostratamentos desumanos a prisioneirostornaram-se públicos (um contrastecom os valores cultuados); e devidoà disputa pelo voto dos eleitores, comvistas à eleição presidencial.

Nesse ambiente, em função daampla liberdade de pensamento e dolimitado tempo entre a obtenção damatéria jornalística e a sua divulgação(o que dificulta ou inviabiliza aconfirmação tempestiva), a mídiatorna-se fator de fraqueza, por ser

permeável à desinformação e à açãode grupos de interesse.

No caso da Guerra do Iraque,devido a seu prolongamento, há orisco de acontecer um processosemelhante ao que ocorreu durantea Guerra do Vietnã, ocasião em quea mídia, por estar descrente dogoverno e também por sofrer ma-nipulação, passou a enfatizar osaspectos negativos, contribuindopara quebrar a vontade do povonorte-americano, o que definiu oresultado da guerra6 . Dessa vez, no

A mídia é um fator de força ao destacar aspectos positivos de um país, valorizando os construtores da nação e aqueles que se sacrificam pelapátria, elevando o amor próprio de seu povo; e ao abordar os temas negativos relevantes de forma a não agravar os seus efeitos, como

ilustram essas reportagens de capa da revista Time.

Em um ambiente de ampla liberdade de pensamento, a mídia torna-se fator de fraqueza em um confronto, por ser permeável à desinformaçãoe à ação de grupos de interesse. No caso norte-americano, isto passa a ser relevante, no momento em que se acentua a percepção de que oconflito será longo, com custos elevados; passa-se a expor a contradição entre o que se prega e o que se executa; e que os valores cultuados

pelo país são desrespeitados pelos próprios nacionais.Essas reportagens de capa da revista Time indicam a mudança de postura.

6 A cobertura tendenciosa pode existirindependente de sua correção. O simples fatode se privilegiar determinado tipo de notíciaspode configurar uma manipulação.

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campo da propaganda, o oponenteé muito mais capaz e sofisticado; bemcomo os recursos disponíveis sãomuito mais efetivos.

� A Luta contra oTerrorismo

Tratava-se (e trata-se) de umaameaça relevante, que preocupava opaís há muito tempo. No passado,na época da “democracia prag-mática”, os EUA não teriam pu-dores em tomar medidas mais drás-ticas para esse tipo de ameaça. Háalguns anos, após casos que tiveramrepercussão (Irã-Contras –1986, porexemplo), uma série de restriçõesforam adotadas, limitando a ação doestado praticamente a medidas ju-diciais e a cooperação ou pressão in-ternacional, direta ou via organismoscomo a Organização das NaçõesUnidas.

Assim, os EUA limitaram de mo-to-próprio as ações clandestinas.Isso estava tolhendo uma repressãomais efetiva. Inúmeros artigos forampublicados a este respeito, em quese viam opiniões diversas, sendo quealgumas propunham a adoção demedidas mais duras e desconside-ravam aspectos consagrados do di-reito internacional.

Havia uma grande apreensão deque grupos terroristas empregassemarmas de destruição em massa, comoas nucleares, biológicas e químicas(NBC). Tal apreensão era agravadapela divulgação de que determinadospaíses que apoiavam o terrorismopossuíam ou tinham intenção dedesenvolver programas NBC. Se-gundo um dos documentos pesqui-sados7 , Iraque, Irã, Líbia, Coréia doNorte, Sudão, Síria e Cuba eram sus-peitos de possuir programas de ar-mas biológicas; exceto Cuba, os de-mais possuiriam programas de armas

químicas; sendo que os quatro pri-meiros também desenvolveriam pro-gramas de armas nucleares. Tais paí-ses despontavam como atores im-portantes no apoio ao terrorismointernacional.

A história recente aponta inúme-ras ações de terror. O atentado deOklahoma (1995) foi obra do terro-rismo doméstico; mas, de origem ex-terna, ocorreram atentados e tenta-tivas em New York, inclusive noWorld Trade Center (1993). A maiorparte das ações teve como alvo ins-talações no exterior, principalmenteembaixadas e as militares, como oataque ao Contratorpedeiro USSCole (12 de outubro de 2000).

Enquanto as vítimas forampessoas, em tese, expostas ao riscopor dever do ofício, como diplomatase militares, não houve grande reação.Até que ocorreram os atentados de11 de setembro de 2001, data queassinala uma mudança de atitude.

Neste ponto, é interessante fazerum paralelo entre o ataque à base dePearl Harbor, na II Guerra Mundial,e os ataques terroristas de 11 de se-tembro de 2001. Em ambas as situa-ções, existiam divergências internasnos EUA quanto à postura a seradotada pelo país: no primeiro caso,com relação ao conflito; no segundo,contra o terrorismo. Antes do ataquede 11 de setembro, ainda que deter-minados segmentos desejassem umapostura radical, predominava umaatitude mais moderada. Após os ata-ques, os segmentos radicais preva-leceram.

A necessidade desse trauma paraprovocar a reação da sociedade foimuito bem descrita por ZbigniewBrzezinsk, Assessor de SegurançaNacional no Governo Carter, em umestudo do Conselho de RelaçõesExteriores, datado de 1997 8 : “... namedida que a sociedade america-

na vai se tornando cada vez maismulticultural, talvez ache mais di-fícil chegar a um consenso sobreas questões da política externa, ex-ceto na circunstância de uma a-meaça exterior direta de propor-ções verdadeiramente maciças eescancaradas.”

O livro Shock & Awe – ActivingRapid Dominance 9 , apontado comoformulador dos conceitos que le-varam à criação da Doutrina deRápido Domínio, a qual norteou ospreparativos para essa guerra, tam-bém aborda o tema no capítulo três.Cita que não há mais uma ameaçamassiva e direta de um competidorde nível equivalente aos EUA. Comisso, a tolerância do público em rela-ção ao sacrifício no exterior perma-neceria baixa e poderia decrescer. Arelutância por parte dos norte-ame-ricanos em tolerar a dor estaria dire-tamente relacionada à percepção deameaça aos interesses dos EstadosUnidos. Sem a existência de um peri-go claro, a definição dos interessesnacionais poderia ficar restrita.

7 JOSEPH, Robert. REICHART, John. De-terrence and Defense in a Nuclear Biologicaland Chemical Environment (1999). Center forCounterproliferation Research. NationalDefense University, Washington, D. C., EUA.Página 26.

8 Intitulado “The Grand Chessboard: Ame-rican Primacy and its Geostrategic Impe-ratives” (1997), conforme citado em Sonhandoa Guerra: Sangue por Petróleo e a JuntaCheney-Bush, de Gore Vidal (tradução),Editora Nova fronteira, RJ, 2003. Página 35.

9 ULLMAN, Harlan; WADE, James et alii.Shock & Awe: Activing Rapid Dominance(1996).National Defense University (NDU)Press. Washington, D.C. Obtido via Internet.

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� A Estratégia deSegurança Nacionaldos Estados Unidos

A Estratégia de Segurança Na-cional dos Estados Unidos (NationalSecurity Strategy of the United States– NSS) é um documento emitidoperiodicamente pelo Poder Execu-tivo, desde os anos oitenta. É de ca-ráter amplo. Descreve os múltiplosaspectos relacionados à segurança dopaís, e inclui tópicos sobre energia,comércio exterior, relações inter-nacionais etc.. A leitura desta série dedocumentos fornece pistas impor-tantes para os acontecimentos maisrecentes.

A NSS de 1991, entre outros as-pectos, apontava que os EUA bus-cariam contrapor-se efetivamente àsameaças à segurança do país, inclusi-ve à ameaça do terrorismo interna-cional, se possível, em concerto comos seus aliados. Que a segurança na-cional e o poder econômico são indi-visíveis; que o país buscava asseguraro acesso aos mercados internacio-nais, energia, recursos minerais, ocea-nos e espaço; e manter balanços milita-res regionais estáveis, de modo a deteras potências que buscam obter o do-mínio regional.

Sobre o Oriente Médio, apontavaque a reversão da agressão do Iraqueao Kuwait era um divisor de águas;que, mais que nunca, a política básicapara a região mostraria continuidade.A estratégia norte-americana incluíaa promoção da estabilidade e da segu-rança dos países amigos, a manuten-ção do livre fluxo de petróleo, o im-pedimento da proliferação de armasde destruição em massa e de mísseisbalísticos.

Sobre energia, citava que “o su-primento de energia segura, abun-dante e desimpedida é essencialpara a prosperidade econômica e

segurança do país; e que o petró-leo continuaria sendo um elemen-to vital na matriz energética, emum futuro previsível”. Previa anecessidade de substituição por al-ternativas, ao apontar que o uso in-tensivo de petróleo era a chave davulnerabilidade do país aos distúr-bios de suprimento. Para diminuiressa vulnerabilidade, teriam de tra-balhar para reduzir o consumo depetróleo e usá-lo mais eficiente-mente.

Apontava que a segurança dosuprimento de petróleo seria as-segurada por uma política externade sustentação e uma capacidademilitar apropriada. Os interessesvitais dependeriam de um GolfoPérsico seguro e estável.

A edição de 1993, oferece-nosindícios de como seria a reação dosEstados Unidos em caso de ataqueterrorista grave, em que houvessevinculação a um país estrangeiro:“Os países que praticam ouapóiem ativamente o terrorismosofrerão isolamento internacionale conseqüências econômicas. OsEstados Unidos se reservam o di-reito de agir unilateralmente econtinuar a trabalhar em coope-ração com outras nações, na pre-venção e resposta aos ataquesterroristas.”

Por fim, chegamos a edição de2002, que consagrou a ação pre-emptiva de autodefesa, a qual jáera discutida em publicações não-oficiais, mas de credibilidade comoindicadores de linhas de pen-samento.

� Enquadramentoda Situação nosLimites da Política Nacional

Vamos voltar à nossa pirâmide eanalisar a situação:

� Temos ameaça concretizadaao território?

Sim, portanto a sociedade,particularmente a que cultivavalores como a norte-ameri-cana, estará disposta a pagaro preço da guerra.

� Vai ser necessário apoio in-ternacional?

É desejável, mas nãoimprescindível, a luz da linha depensamento vigente.

� Qual será o inimigo?As organizações terroristas

e os países que apóiem oterrorismo.

Uma vez que a tarefa émuito ampla, podemos inferirque ao menos um país queapoiasse o terrorismo deveriaser atacado, como exemplodissuasório.

� Mas qual deles?Considerando que a ação

no Afeganistão não foi voltadacontra o país, mas sim contraa organização terrorista aliabrigada, precisamos pensarem outro.

Esse outro seria aquele dalista que melhor atendesse osinteresses nacionais, ou seja,uma vez que a sociedade estádisposta a ir à luta, vai-seaproveitar a oportunidadepara obter-se o melhor ganhoestratégico.

Além disso, poder-se-iaesperar o apoio doméstico einternacional, se fossem aten-didos os demais interesses queconstituem blocos da pirâ-mide.

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Dentre os possíveis alvos, o quereuniu “melhores características” foio Iraque, como veremos a seguir.

b) O TerrorismoInternacional

Tanto se falou e escreveu sobre otema, que seria exaustivo discor-rermos sobre o assunto. Mas algunsaspectos merecem destaque:

O terrorismo segue uma regramilenar: evita os pontos fortes do ini-migo e o ataca onde ele é débil. E,pontos fracos não faltam na socie-dade moderna. Em nosso tempo,mais que no passado, organizaçõesclandestinas e mesmo indivíduospodem criar o caos com poucos re-cursos. Há um efeito contraditório nodesenvolvimento tecnológico: a so-ciedade, à medida que evolui, torna-se mais vulnerável a ataques assi-métricos.

Observou-se uma mudança noperfil das ações terroristas, no finaldo século XX. As estatísticas mos-travam que cresceram em brutali-dade, produzindo um maior númerode vítimas por evento. Os estudiososdo tema indicavam que, tradicio-nalmente, aspectos morais e condi-cionantes políticas inibiam a reali-zação de ações que provocassem umgrande número de mortos. Nesseponto vista, havia uma certa racio-nalidade no terrorismo, que perseguiaobjetivos políticos específicos e con-siderava o assassinato em massacomo contraproducente. Mais recen-temente, observou-se que esse mo-delo não podia ser generalizado paratodas as vertentes terroristas, poisalguns grupos consideravam o assas-sinato em massa como coerente comos seus objetivos. No último terço doséculo, houve um incremento nonúmero de organizações terroristasde motivação religiosa, geralmente

associadas a incidentes envolvendomorte e destruição em larga escala.Essencialmente, essas organizaçõesoperavam de acordo com os seusimperativos de ordem moral e polí-tica, os quais não incluíam os as-pectos inibidores que constrangiamos grupos terroristas tradicionais.Como exemplo, cita-se o culto ja-ponês Aum Shinrikyo, responsávelpelo ataque com gás sarin no metrôde Tóquio, em março de 1995, (eque também tentou desenvolver eaplicar armas biológicas), tinha co-mo objetivo original provocar amorte de milhões.10

Durante a Guerra Fria, os gruposterroristas tradicionais, normalmente,eram dirigidos ou apoiados por go-vernos. Tais grupos eram treinados eorganizados. Possuíam motivaçãopolítica definida, o que facilitava a suaidentificação e, conseqüentemente, oenfrentamento. Pressões internacio-nais contra o estado patrocinador, porexemplo, poderiam ser suficientespara neutralizá-los ou extingui-los.

A nova safra de terroristas nãomanifesta tais características. Apre-senta motivação religiosa acentuada,é menos organizada e possui poucoou nenhum laço ou vínculo de subor-dinação a qualquer estado particular.Como é difusa e possui estrutura me-nos definida, é mais difícil de com-bater. Terroristas “amadores”, ope-rando de forma independente e poriniciativa própria, e mercenários in-troduziram dificuldades adicionais aoprocesso.11

Especificamente no que se refereàs atitudes do terrorismo de origemmulçumana, observamos, ainda, quecontrasta primitivismo e sofisticação.

Em primeiro lugar, é extrema-mente difícil combater alguém quenão tem medo de morrer. No caso,o sacrifício extremo seria regiamenterecompensado em uma outra vida.

Segundo os radicais, “enfrentar depé o inimigo infiel no campo debatalha vale mais que cinqüentaanos ajoelhado em uma mesquita”(conforme inscrição em um esconde-rijo de terroristas, nos EUA).

O segundo aspecto é a aprimo-rada estratégia que envolve as açõesterroristas, com o emprego, inclusive,dos mais avançados conceitos de pro-paganda e marketing.

Em 11 de setembro, por certo, oseqüestro das aeronaves esteve con-dicionado aos horários de pico de trá-fego aéreo, quando seria mais difícilpara os serviços de segurança con-trolar o ingresso de passageiros abordo; bem como os aviões-alvo fo-ram escolhidos em função de seu ta-manhos e de estarem realizando vôosde longa distância, o que implicariaem grande quantidade de combustívela bordo. Mas, outras condicionantesforam levadas em conta, entre elas,a necessidade de publicidade, que éinerente às ações de terror.

Especificamente, o atentado às tor-res do World Trade Center parece-nos ter obedecido a uma coreografiaprimorosa. O impacto do primeiroavião assemelha-se a um grandeacidente, no final do rush matinal,quando as emissoras de rádio e tele-visão ainda estão mobilizadas cobrin-do as vias de acesso a Manhattan.

10 JOSEPH, Robert. REICHART, John.Deterrence and Defense in a Nuclear Biologicaland Chemical Environment (1999). Center forCounterproliferation Research. NationalDefense University, Washington, D. C., EUA.Páginas 25 e 26.

11 THACHUK, Kimberley. TransnationalTrends: New Threats?, in Strategic Assessment– 1999: Priorities for a Turbulent World (1999).Institute for National Strategic Studies. NationalDefense University. Washington, D.C., EUA.Páginas 247 e 248.

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Segue-se um intervalo de algunsminutos, de modo a permitir que asgrandes redes entrem em cadeia in-ternacional. Então, temos o choquena segunda torre, ao vivo.

Outro exemplo de estratégia bemsucedida foi a data escolhida para osatentados na Espanha, influenciandoas eleições naquele país, tendo comoreflexo a retirada das tropas espa-nholas do Iraque, atitude seguida poroutros aliados de pouca convicção.

c) O Iraque

O Oriente Médio é uma regiãoconturbada. Na verdade, historica-mente conturbada. Particularmenteno passado, isso poderia ser ex-plicado por tratar-se de uma área emque há carência de recursos naturaisfundamentais, como água, ou seja, oambiente não é capaz de atender àsnecessidades das pessoas que alivivem. Essas carências contribuíram,e contribuem para a geração inter-minável de conflitos.

Um aspecto importante é a exis-tência de estados confessionais (oucom características desses), onde nãohá separação entre o estado e a igre-ja. O fato de tais estados serem re-gidos por leis pautadas na religiãoconfigura uma característica poten-cialmente geradora de conflitos, emfunção da intolerância religiosa.

Outros ingredientes foram sesomando, na história recente. Na vi-rada do Século XIX para o XX, opetróleo começou a tomar o lugar docarvão. A região, então sob o con-trole dos turcos, começou a des-pontar como fonte farta de petróleoe, portanto, a ter importância es-tratégica.

Os ingleses concluíram que, parapermitir o abastecimento de com-bustível para os seus navios, deveriamassumir o controle da área, no que

foram bem sucedidos. Após a Pri-meira Guerra Mundial, na partição doAntigo Império Otomano, assumi-ram o controle de ampla área ricaem petróleo, na qual se inseria oIraque.

Mais tarde, após a Segunda Guer-ra Mundial, em seqüência ao pro-cesso de descolonização, o nacio-nalismo despontou na região, es-timulado pela então URSS. Lídereslocais assumiram o governo, nacio-nalizando as empresas de petróleoestrangeiras. Contrapondo-se a essenacionalismo, os Estados Unidos ealiados passaram a estimular o de-senvolvimento de grupos religiososcomo poder político, em oposição aocomunismo.

Note-se que aí temos apenas autilização de tendências já existentesna região. Nos países desenvolvidos,existe um grande número de pessoasdedicadas aos mais variados camposda ciência. Há sempre indivíduosdisponíveis para orientar a política aser conduzida sobre qualquer assuntoe em qualquer região do mundo.

Mas, o crescimento do movimen-to religioso ficaria sem controle.Evento marcante seria a deposiçãodo governo pró-ocidental iranianopor muçulmanos xiitas, lideradospelo Aiatolá Rudollah Khomeini(1979). Outra ocorrência importan-te foi o surgimento de grupos radicaiscomo o Al Qaeda.

Nesse contexto, surge SaddamHussein, com a ambição de tornar-se o grande líder do mundo árabe.Como presidente12 , seguiu umapolítica que atendia aos interessesocidentais (principalmente norte-americanos e ingleses), ao conter oIrã, travando uma guerra que seestenderia de 1980 a 1989. Maistarde, cometeria o erro estratégico deatacar o Kuwait (1990), precipitan-do uma reação da comunidade

internacional, inclusive do mundoárabe.

A guerra que se seguiu (1991), emtese, não foi encerrada, mas apenasinterrompida, visto que as suas causaspermaneceram latentes (principal-mente por Saddam Hussein ter con-tinuado no poder). Desde então, oIraque sofreu contínua retaliação dacomunidade internacional, sob aacusação de possuir (ou ter mantidoa capacidade de desenvolver) armasde destruição em massa, desrespeitaros direitos humanos, apoiar o ter-rorismo etc.. Sua produção de pe-tróleo foi limitada ao necessário paraa compra de alimentos e medica-mentos. Duas áreas de exclusão aé-rea foram estabelecidas em seu ter-ritório.

Especificamente com relação aoIraque de Saddam Hussein, verifi-camos que se tratava de uma ditaduraque exercia rigoroso controle da so-ciedade, em que não faltavam atitu-des de extrema crueldade. Um regimedeste tipo é pouco sujeito a outrostipos de pressão que não seja acoercitiva.

É digno de nota o fato de possuirmuitos seguidores entre a popula-ção, o que é fácil de explicar. Comotodo país subdesenvolvido, o Iraquedispõe de uma população predo-minantemente jovem. A maior partedela nascida, ou ao menos educada,com Saddam Hussein no poder, emum regime de culto a personalidade.Além disso, existe a fidelidade re-

12 Saddam Hussein era figura de relevo nogoverno iraquiano desde 1969; foi um doslíderes do processo de nacionalização daindústria de petróleo, até então sob o controlede empresas ocidentais (junho de 1972); e,por fim, assumiria a presidência, em 16 dejulho de 1979.

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lacionada a aspectos religiosos eétnicos.

Registre-se que algumas maté-rias publicadas sobre Saddam Hus-sein destacam suas qualidades co-mo governante, ou que, ao menos,ele não seria pior que outros líderesárabes apoiados pelos governosocidentais. De qualquer modo, édifícil, senão impossível, justificar aação de um regime brutal como oexercido por ele.

Voltando a nossa pirâmide: vimos,em tópico anterior, uma listagem dosprincipais países que apoiavam oterrorismo, e que, em nosso entender,deveria haver uma retaliação contraao menos um desses países. E, que aescolha cairia naquele que melhoratendesse aos interesses estratégicosdos EUA (e, por extensão, do seuprincipal aliado, a Grã-Bretanha).

Desprezando a análise dos demaispaíses, para não nos alongarmos,respondamos as seguintes perguntas,baseadas nos demais blocos da pi-râmide:

� Substituir o governo de Sad-dam Hussein contribuiriapara o bem-estar econômi-co dos EUA (e Grã-Bretanha)?

Sim, visto que o Iraque épotencialmente um produtorde petróleo barato e de pri-meira qualidade. A sua in-serção no mercado traria umamaior oferta e, em tese, re-dução nos preços praticados.Para as potências envolvidas,a existência de um controladorde um suprimento vital pro-penso a prejudicar o for-necimento em caráter vo-luntarioso representa umproblema significativo. Alémdisso, existia a tendência, ouao menos a ambição, deSaddam Hussein tornar-se o

líder da região, agravando asituação. Seria importante,portanto, interromper o pro-cesso.

Nesse aspecto, uma açãocontra os demais países queapoiavam o terrorismo nãotraria ganhos significativos.

Também deve ser consi-derado que um governo pró-EUA no Iraque representa umanova configuração geopolíticana região, pois o país ocupaposição estratégica, particu-larmente em relação à ArábiaSaudita, ao Irã e à Síria. Dessemodo seria possível obter umamaior estabilidade no OrienteMédio.

Em 1999, as análises indi-cavam a perspectiva de que aregião do Golfo Pérsico, nosanos seguintes, seria respon-sável por 40 a 65% da pro-dução mundial de petróleo13,o que salienta a necessidade depaz na região.

� A derrota do Iraque e a ins-talação de um governo pró-ocidental no país contri-buiriam para a criação deum ambiente internacionalfavorável?

Sim. A derrota do Iraqueconfigura um exemplo para osdemais países que desafiam apax americana (dissuasão).Reduz as fontes de financia-mento e oportunidades deabrigo para o terrorismo inter-nacional. Contribui para o com-bate ao terrorismo interna-cional.

(A atual postura “com-portada” da Líbia aparentater sido influenciada por esseprocesso de dissuasão.)

� A derrubada de SaddamHussein e a instalação de umgoverno pró-ocidental, como compromisso de estabele-cer a democracia, atendemao idealismo de promover-sea liberdade entre os povos(atendendo ao último blocoda pirâmide, que se refere a“valores”)?

Sim, ainda que fossemprevisíveis dificuldades, emfunção das diferenças culturaise a existência de grupos rema-nescentes pró-Saddam. Naprática, trata-se de uma metautópica, ao menos a médioprazo, considerando o mosai-co de culturas e tendênciasque coexistem no Iraque.

Estimativas publicadas an-tes da guerra apontavam parauma expectativa de que o pro-cesso de estabilização demo-rasse de cinco a dez anos.

Portanto, o Iraque atendeu aosrequisitos para tornar-se o oponenteem uma guerra que contou com umarejeição mínima por parte da popu-lação norte-americana. Estabele-ceram-se exigências para a sua nãoeclosão, como a renúncia de SaddamHussein, as quais não foram aten-didas, abrindo-se as portas para oconflito armado.

d) A ComunidadeInternacional

A Comunidade Internacional, quese manteve solidária logo após o

13 CLAWSON, PATRICK, KIMBERLEY.Energy and Resources: Ample or Scarce?, inStrategic Assessment – 1999: Priorities for aTurbulent World (1999). Institute for NationalStrategic Studies. National Defense University.Washington, D.C., EUA. Página 39.

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ataque terrorista e por ocasião dainvasão ao Afeganistão, em grandeparte opôs-se à coalizão.

O processo foi liderado pela Ale-manha, França, Rússia e China. A li-teratura indica que estavam movidospor interesses e não propriamente porprincípios.

Há de notar-se, adicionalmente,peculiaridades do atual governo dosEUA, que não foi capaz de mobilizara comunidade internacional para acausa, embora tivesse grande sucessono campo interno. A administraçãoBush sacralizou a tese de ação pre-emptiva, dispensando a conveniênciade empreender ações com o apoiointernacional ou sob o respaldo daONU.

Ocorre que, no mundo atual, atecnologia de comunicações passoua expor demasiadamente o trabalhodo governo, mesmo o da grande po-tência, a qual necessita de respaldointernacional, ao menos simbólico, eaprovação interna para legitimar assuas ações.

Tal aspecto cria uma dificuldaderelevante na execução de empreen-dimentos militares de grande enver-gadura e duração.

O Confronto

O Iraque preparou-se para aguerra adotando a postura do maisfraco, uma vez que o oponente eramuito poderoso. Buscou atingir asvulnerabilidades do inimigo ou redu-zir a eficiência deste, tentando obterposição vantajosa, mesmo na der-rota:

• Os oponentes principais, porserem democracias, são muito sus-ceptíveis à opinião pública. Assim,seria necessário atuar neste seg-mento. Os registros apontavam a lo-calização de instalações militares

junto a edificações civis, inibindo oataque a elas; ou, caso o ataque fosseconcretizado, permitir o uso de ima-gens como propaganda. O Iraqueprocurou desenvolver intensa ativi-dade de propaganda externa e in-terna, com algum sucesso.

• No Campo Militar, por falta deopção, adotou postura defensiva,deixando toda a iniciativa com o opo-nente. Neste segmento e no CampoEconômico estava bastante debili-tado em função do embargo impostopela Organização das Nações Uni-das. Recorreu a acordos sigilosos eao contrabando para garantir supri-mentos vitais. Recebeu apoio clan-destino de outros países, direta ou in-diretamente (via organizações pri-vadas).

Os Estados Unidos prepararam-se para essa guerra por longo tempo(pode-se dizer que esse conflito éprolongamento do anterior). O Ira-que foi continuamente enfraquecidopelo boicote internacional.

Nesse conflito, destacam-se osseguintes pontos, em relação aos Es-tados Unidos:

• Alta tecnologia desenvolvidapara C3I e para o combate – OsEUA utilizaram tecnologia altamentesofisticada desde antes da guerra.Todos os aspectos relacionados aoIraque foram exaustivamentelevantados por satélites e aviões deobservação, inclusive controladosremotamente. O levantamento foiexecutado a tal ponto, que as missõesde combate eram ensaiadas emsimuladores pelos pilotos, antes deserem desencadeadas.

• Contexto temporal / preocu-pação com o front interno (número

mínimo de baixas, resultados rá-pidos, mídia, tecnologia) – Havia apreocupação de que as ações fossemencerradas com brevidade, a fim denão desencadear um processo derejeição por parte da opinião pública;pelo mesmo motivo, havia umagrande preocupação com o númerode baixas. Outro aspecto conside-rado era o encerramento das ope-rações antes do surgimento de con-dições climáticas desfavoráveis,como o forte calor que se verifica apartir de abril.

• Ação política (embargo, ONU,alianças) – Bem sucedida no que serefere ao enfraquecimento do opo-nente, antes do início das ações. Foipouco eficaz na conquista de aliançasque legitimassem o ataque. Entre-tanto, após o conflito tornar-se umfato consumado, algumas posturasforam reformuladas. Inicialmente,houve indícios de que alguns paísespassaram a apoiar os EUA em mis-sões fora do Iraque (a fim de aliviaro esforço dos Estados Unidos em ou-tras frentes, sem contrariar a opiniãopública desses países). Com o passardo tempo, o apoio passaria a ser maisostensivo, mediante o envolvimentode organizações internacionais.

• Preocupação com o númerode baixas civis iraquianas (pre-cisão cirúrgica, mídia) – Há razõesmorais para esta preocupação, mastambém de ordem prática. As baixascivis podiam ser exploradas pelapropaganda adversária. A precisãocirúrgica é uma realidade, ainda quetenham ocorrido inúmeras baixascivis. As primeiras avaliações davamconta de que o número foi menor doque o observado em outras guerras,considerando como referência a datade término formal do conflito, 1o demaio de 2003.

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• Guerra psicológica – Conduziuoperações psicológicas maci-çamente, tendo como alvo a popu-lação e as Forças Armadas iraquia-nas, com o propósito de intimidar,reduzir a capacidade de resistência einduzir à colaboração; e o público in-terno e internacional, com o objetivode angariar apoio.

• Choque e pavor – A operaçãofoi fundamentada na “Doutrina deOperações Rápidas Decisivas”, queconsta ter sido inspirada em umapublicação de nome Shock & Awe:Activing Rapid Dominance, maisconhecida pelo seu nome abreviado:Shock & Awe ou Choque e Pavor(possivelmente, o mais apropriadoseria traduzir “awe” comoperplexidade ou intimidação). A dou-trina preconiza um ataque forte, coma finalidade de destruir o controle eas comunicações do inimigo equebrar a vontade de lutar, em curtoespaço de tempo, sem envolver-seem um confronto capaz de provocarum grande número de baixas.

Tais conceitos encontraram no

Secretário de Defesa Donald Rums-feld um grande entusiasta (por estarazão tornou-se conhecida comoDoutrina Rumsfeld). A aplicação dadoutrina determinou uma reduçãoexpressiva no efetivo mobilizado paraa guerra, em comparação com oconflito de 1991, contrariando a po-sição de chefes militares importantes.A postura deu margem a críticasconservadoras, as quais levavam emconta as necessidades de uma forçade ocupação. Tais críticas ganhariamalento em função de alguns revezesjá na primeira semana de combates(logo abafadas em face da rápidavitória) e, mais tarde, devido ao gran-de número de baixas na fase deocupação.

• O planejamento executado –Para entender-se o planejamentoexecutado pelos EUA, é necessárioconhecer-se a geografia do Iraque.Grande parte do país, a sul/sudoeste,é constituído de desertos sem grandeselevações, o que facilita a progressãorápida e dificulta a defesa. O terrenopossui características diferentes ao

longo dos rios Tigre e Eufrates; e émontanhoso ao norte.

A estratégia norte-americana, emlinhas gerais, baseou-se na neutra-lização preliminar das defesas anti-aéreas e aéreas inimigas, obtendo ocontrole do espaço aéreo; bem comopela destruição do comando e con-trole. Foi maciço o emprego de mís-seis e aeronaves lançados de unida-des navais.

As forças terrestres avançaramconduzindo operações aeromóveis,aerotransportadas e aeroterrestres,ou em velozes deslocamentos deblindados, ultrapassando as linhasinimigas ou desbordando as cidades(assim, evitando o combate em nú-cleos urbanos) e pontos que pode-riam oferecer alguma resistência.Obviamente, esses avanços muitovelozes criaram longas e vulneráveislinhas de suprimento. Essas linhasforam alvo de diversos ataques bemsucedidos, o que foi explorado pelapropaganda iraquiana e apontadocomo fracassos dos atacantes. Umaanálise fria indicava serem percalçosinerentes à linha de ação escolhida.

Nessa guerra, o quadro políticoera diferente do que ocorrera em1991. A coalizão não obteve apoiopleno dos países vizinhos, nem mes-mo da Turquia, grandemente inte-ressada nesse conflito. Com isso, oeixo do ataque ocorreu de sudestepara noroeste, a partir do Kuwait eda estreita linha de costa iraquiana,logo tomada em operação anfíbia.Ao norte e a oeste, o ataque deu-sepor elementos aerotransportados e deoperações especiais, que tomarambases aéreas ou aeroportos, parapermitir a chegada de abastecimentoe de equipamentos. Contou-se como apoio dos curdos, no norte.

No início do conflito, aparente-mente, surgiu a possibilidade de atin-gir-se diretamente a cúpula do regime

As forças terrestres avançaram conduzindo operações aeromóveis,aerotransportadas e aeroterrestres, ou em velozes deslocamentos de blindados,

ultrapassando as linhas inimigas ou desbordando as cidades e pontos que poderiamoferecer alguma resistência. A figura permite avaliar a ordem de grandeza desses

saltos. No caso, indica os movimentos da 101st Airborne Divisiondurante a Guerra do Golfo, 1991

(fonte: palestra institucional da “101st Airborne Division”, datada de 04 de março de 2000)

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e foi tentada uma ação de “decapi-tação”, a qual não obteve sucesso.

Cronologia das ações:• 19 de Março de 2003 –

primeiro ataque – decapitação.• 14 de Abril – cessam os

grandes combates (decorrerampouco mais de três semanas).

• 1o de Maio – o PresidenteBush declara o fim dos combates,após 41 dias de luta.O número de baixas do lado da

coalizão, até 1o de maio, foi menorque o registrado na guerra de 1991.Como se vê, essa etapa foi decididarapidamente.

Fase de OcupaçãoRestou a condução do pós-guer-

ra. O que está sendo difícil, mas nãoinsuperável. Além das dificuldadesinerentes ao processo de estabiliza-ção do Iraque, existem desafios adi-cionais no front interno, relacionadosà credibilidade do governo, vistoque, até agora (julho de 2004), nãohouve comprovação de parcela dasacusações imputadas ao Iraque.

As dificuldades nessa fase estãosendo relevantes e, em parte, estãorelacionadas ao efetivo disponívelpara a ocupação, bastante inferiorao que seria desejável. Quando seestá na situação de combate quaseque homem a homem, em ambienteurbano, é difícil se quebrar a vontadede lutar de um inimigo que defendea própria terra e não teme a morte,como é o caso de boa parcela doscombatentes irregulares iraquianos.Assim, as limitações de pessoal im-postas às Forças Armadas dos EUAestão significando um ônus con-siderável, particularmente nessa fase(ainda que, ironicamente, as prin-cipais vítimas dos ataques sejam ospróprios iraquianos).

Uma das lições importantes daGuerra do Vietnã foi que nenhuma

intervenção militar deve ser exe-cutada sem um objetivo definido,uma estratégia claramente entendidae delineada e os meios adequadospara se alcançar o objetivo.

O conflito atual, ainda que con-duzido contra um país enfraquecidopor anos de boicote internacional,demanda a ocupação de um extensoterritório, com 23 milhões de habi-tantes. Derrotados os iraquianos, ossoldados da coalizão foram cha-mados a guardar bancos, depósitosde armas, instalações de petróleoetc., em um tipo de operação bas-tante semelhante com as de im-posição de paz. É fácil avaliar-se agrandeza da empreitada, quando secompara com os efetivos empre-gados na Bósnia (60.000, para umapopulação de quatro milhões depessoas) e em Kosovo (40.000,para uma população de dois mi-lhões de pessoas).14

Os críticos apontam que haviaa convicção de que o povo dariaboa acolhida às forças de ocu-pação, as quais seriam vistas comolibertadoras, e que se previa queExército iraquiano se renderia emmassa, como ocorrera em 1991(ainda que algumas unidades ira-quianas oferecessem resistênciaefetiva naquele conflito). Assim, sepensava, poder-se-ia utilizar essamassa organizada na tarefa dereconstrução do país. Tal nãoocorreu. O que se viu, foi a deban-dada dos militares iraquianos, queforam engrossar as fileiras dosguerrilheiros. Por fim, o Exército ira-quiano seria dissolvido.

Desse modo, as forças de ocu-pação se viram sem condições paracontrolar de forma apropriada opaís. No caso, as limitações impos-tas ao Poder Militar pela liderançapolítica introduziram dificuldades àoperação.

A “Doutrina de Operações Rá-pidas Decisivas” representava apromessa de efeitos imediatos, comforças leves e um reduzido número debaixas. Mas, em combate não épossível se combinar os resultadoscom os outros atores em cena, e asdificuldades da guerra à moda antiganão tardariam a se manifestar.

A proximidade das eleições pre-sidenciais nos Estados Unidosinseriu novos ingredientes capazesde afetar a percepção que se temdo conflito, visto que as aborda-gens passaram a ser grandementeinfluenciadas pelas vertentes po-líticas em confronto.

Os aspectos citados até aqui nãoindicam dificuldades insuperáveis.Nos últimos meses, notou-se umamaior aproximação dos EUA comos seus aliados tradicionais daOTAN. Esses aliados, mesmo nãose envolvendo diretamente no Ira-que, podem atuar em outras frentes,aliviando a carga cometida àsForças Armadas dos EUA. Com opassar do tempo (julho de 2004)esse apoio passou a ser mais os-tensivo, mediante o envolvimentode organizações internacionais,visto que os governos, conscientesdos problemas que podem advir daação, se sentem mais seguros emfazê-lo com o respaldo de uma or-ganização internacional. A Espanha,por exemplo, menos de uma sema-na após retirar as suas tropasremanescentes no Iraque, anunciouque iria dobrar o efetivo alocado àmissão da OTAN no Afeganistão15.

14 SLEVIN, Peter. LOEB, Vernon. Plan toSecure Postwar Iraq Faulted. The WashingtonPost. 18 de maio de 2003.

15 De 150 para 300 militares, conforme pu-blicado em: McLean, Renwick, TheReach ofWar: Peacekeapers; Spain to Send AfghanMission Reinforcements. The New York Ti-mes, seção A, página 8. 3 de julho de 2004.

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Shock & AweNo início dos anos noventa, após uma interessante palestra sobre Gestão de Qualidade Total (GQT),

ouvimos de um vice-almirante: “Isso nada mais é do que bom-senso aplicado à administração. Umacoletânea de conceitos bem integrados, que corretamente utilizados apresentam bons resultados”.

Em 1993, por ocasião de um seminário sobre GQT realizado em Brasília, um palestrante norte-americano,vinculado ao Departamento de Defesa dos EUA, criticou o planejamento da Guerra do Golfo (1991). Apontouque os militares mobilizaram tanto material (além de tropas) para a Guerra que, findo o conflito, levarammeses para trazer tudo de volta. Isso teria acontecido porque cada escalão acrescentava uma margem desegurança às necessidades identificadas. Segundo o palestrante, os militares teriam que aprender a planejarde forma eficiente, apresentando demandas compatíveis com as necessidades da “empreitada”.

Era a Doutrina de Rápido Domínio em gestação. Tratava-se de uma crítica direta à Doutrina “Tudo ouNada” do General Colin Powell, que estabelecia que as Forças Armadas dos EUA entrariam em um conflitosomente com superioridade irresistível, ou não entrariam em guerra. A Doutrina Powell maximizava apossibilidade de sucesso e estava diretamente relacionada à experiência profissional de seus formuladores –oficiais-generais, que como majores, capitães e tenentes participaram da Guerra do Vietnã.

O livro Shock & Awe – Activing Rapid Dominance surgiria em meados dos anos noventa, e guardarelação com as idéias de reengenharia e de aprimoramento de gestão então em evidência16. Segundo onoticiário, os seus conceitos encontrariam em Donald Rumsfeld, atual Secretário de Defesa dos EUA, um deseus maiores entusiastas. O livro sintetizaria a Doutrina de Rápido Domínio defendida por Rumsfeld.

E, assim como a aplicação dos conceitos de gestão administrativa em moda nos anos noventa dariamargem a histórias de sucesso e de infortúnio, a aplicação da Doutrina de Rápido Domínio colhe, na Guerrado Iraque, resultados semelhantes, devido às características do conflito.

Tal como o almirante se referira à GQT, o livro constitui uma coletânea de conceitos, que, corretamenteutilizados, podem apresentar resultados adequados. Lendo-o, vamos nos lembrando de Douhet, Sun Tzu,Clausewitz, da blitzkrieg, dos princípios da guerra; enfim, de pensadores e conceitos aplicados à guerra.

A obra procura adequar o preparo das Forças Armadas e a ação militar à situação atual dos EUA:inexistência de um opositor em nível compatível na arena internacional; uma superioridade tecnológicainigualável; custos militares crescentes; necessidade de estar apto a empregar o Poder Militar em qualquerlugar do globo; efetivos menores (cerca de 40% do que existia ao final da Guerra Fria); dificuldade em serecrutar pessoal, associada a uma elevada taxa de evasão; e pouca aceitabilidade, para o povo, de umconflito prolongado.

O livro neutraliza antecipadamente algumas críticas. No prefácio, cita que o conservadorismo dos militaresfaria com que eles resistissem aos novos conceitos. Defende-se de um provável questionamento quanto àaplicabilidade desses conceitos no confronto com um inimigo que não tenha receio de morrer (como osradicais islâmicos), apontando que os japoneses também não o tinham, mas se renderam, indicando osbombardeios nucleares a Hiroshima e Nagasaki e a subseqüente capitulação nipônica, como exemplo. Cita,ainda, que “é também verdade que certas operações como as de paz tendem a ter um emprego intensivode pessoal”; que deve ser notado que em certas circunstâncias, como na guerra de guerrilha, a maior partedas medidas necessárias para se obter “shock & awe” não são aplicáveis; e que o “Rápido Domínio”deveria ser testado em todo o espectro de OOTW” (“operations other than war”17 – “operações não-bélicas”).

Ao vislumbrar o emprego do “Rápido Domínio” no futuro (apêndice b), ressalta que permanecerá anecessidade de uma força suficiente no campo de batalha para expulsar a outra força e ocupar a terra

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16 Sobre o tema, ver artigo “Rapid Decisive Ops Are Risky Business”. Proceedings – U. S. Naval Institute. Outubro de 2003. p: 52 a 55.

17 Assim são denominadas as operações militares que têm como objetivo impedir guerras, resolver conflitos, promover a paz,contribuir para estabilizar estados desorganizados, apoiar autoridades civis em caso de emergência etc. Podem ou não incluiroperações de combate.

18 Iridium – Sistema comercial de telefonia celular por satélite, com cobertura mundial.

contestada, de modo a assegurar que os objetivos do conflito sejam alcançados. “O Poder Aéreo podecastigar e, simultaneamente, destruir os centros de gravidade (do inimigo), e assim desmoralizar asforças oponentes, de modo que forças terrestres menores possam ser empregadas. Em alguns casos....o efeito alcançado pela campanha aérea pode resultar na cessação prematura do conflito e a campanhaterrestre tornar-se desnecessária. Isto é mais provável de acontecer contra um estado moderno edesenvolvido do que com um governo subdesenvolvido.”

Preocupado com os orçamentos crescentes, recomenda usar serviços de entregas rápidas e exemplifica,citando a empresa Federal Express, que pode ser “federalizada” com algum custo durante as emergênciasnacionais, mas não consome recursos em tempo de paz. Apontando que os custos tornam impeditivomanter uma estrutura militar capaz de resolver a totalidade dos problemas, sugere, como exemplo, empregaros telefones Iridium18 , que podem não ser seguros nem resistentes a bloqueio, “mas satisfarão asnecessidades em 80% do tempo, com 2% do custo.”

Destaca a importância da inteligência, enfatizando a necessidade de se conhecer a si próprio, o adversárioe o ambiente.

Dizem que os militares tradicionalmente se preparam para a guerra anterior. Dessa vez, à luz do noticiário,as lideranças civis foram contaminadas por esse equívoco recorrente, preparando-se, apenas, para umaparte do confronto (consta que Secretário de Defesa interferiu diretamente nos planos de campanha; antesdo início das hostilidades; e que a versão oficial otimista menosprezava as repetidas advertências quanto àsdificuldades em se gerir um Iraque pós-Saddam).

A adoção da doutrina sem balizamentos eficazes aparenta ter sido influenciada por interpretaçõesequivocadas da Guerra do Golfo, assumindo a existência de uma conjuntura favorável não condizente coma realidade: em 1991, as forças iraquianas se renderam em massa (percepção: os militares iraquianos sãoincapazes de lutar; se aconteceu daquela vez, aconteceria de novo); Saddam era um tirano que oprimiao seu povo (percepção: após a derrota, o povo oprimido apoiará as forças estrangeiras libertadoras).Assim, se teria raciocinado com as intenções (presumidas) do inimigo e não com o que o inimigo poderiarealizar.

Doutrina não é dogma, mas sim um conjunto de princípios. Os métodos e técnicas empregados têm queser adequados aos desafios presentes. As razões do sucesso e das dificuldades de aplicação da Doutrinade Rápido Domínio na Guerra do Iraque residem nas peculiaridades do conflito. Na primeira fase, em quea guerra ocorreu nos moldes tradicionais, com forças organizadas dos dois lados, foi bem sucedida. A faseseguinte, de ocupação, assemelha-se a uma operação de imposição de paz, em que há necessidade de umefetivo muito grande para permitir o real controle da situação. Nesse ponto, a própria experiência norte-americana, a luz dos efetivos empregados em operações de paz, é eloqüente o bastante para demonstrar orisco de se limitar o Poder Militar além do que seria razoável.

Daí se colhe um grande ensinamento: os militares têm que estar sempre abertos às inovações, mas nãopodem admitir a realização de empreendimentos de caráter voluntarioso sem reunir todas as condiçõespara se alcançar o sucesso.

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ConclusãoEm nossa opinião, os acontecimentos que permeiam o período que vai da ocupação do Kuwait pelo Iraque até

os nossos dias parecem ter seguido um roteiro interativo não escrito, mas que poderia ser inferido a partir dastendências indicadas na ampla documentação existente. Erros e acertos podem ser imputados a qualquer uma daspartes, pois cada ator cumpriu o seu papel, pautado na sua percepção e nos seus interesses.

Acompanhar a evolução dos acontecimentos e buscar associá-los à análise teórica constituiu um exercíciogratificante. Mais ainda foi constatar que esta Guerra confirma importantes lições:

• Na arena internacional prevalece a lei do mais forte. As nações se confrontam deacordo com os seus interesses. Podem ser disputas suaves e imperceptíveis. Se interessesvitais estiverem em jogo, é possível que se chegue ao confronto bélico em curto espaço detempo.

• É importante o fortalecimento de todos os segmentos do Poder Nacional, de modoa tê-los em nível compatível com o enfrentamento das possíveis pressões, principalmenteem países de porte e com vastos recursos.

• A guerra moderna é rápida e de elevado nível tecnológico. É impossível prepararas Forças Armadas após o surgimento da crise.

• A guerra envolve toda a nação. Não é responsabilidade apenas dos militares.

• Os militares devem ser capazes de assimilar novas tecnologias e inovações, massem abdicar das prescrições basilares da arte da guerra. O compromisso dos comandantesé conduzir as suas forças à vitória. Os chefes militares devem resistir ao extremo àspressões para reduzir efetivos e material, em função de restrições econômicas ou políticasarbitrárias, particularmente quando se tratar de empreendimentos de caráter voluntarioso.Aí incluímos as denominadas “Operações Não-Bélicas” (operations other than war - OOTW),como as operações de paz. Salvo quando relacionada a uma situação que afete aosinteresses nacionais diretamente, a participação nessas operações é uma decisão destinada,normalmente, a atender compromissos com outros países ou angariar prestígiointernacional. Para tanto, devem ser oferecidas todas as condições para o bom êxito. Docontrário, o efeito pode ser adverso. E nesse caso, provavelmente, a responsabilidadepelo insucesso será atribuída ao segmento militar.

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A MOBILIZAÇÃO NORTE-AMERICANA E O APOIOLOGÍSTICO EM TERRA

A MOBILIZAÇÃO NORTE-AMERICANA E O APOIOLOGÍSTICO EM TERRA

OPERAÇÃO IRAQI FREEDOM:

CMG (FN) CESAR LOPES LOUREIRO

A mobilização norte-americana para o Teatro de Operaçõesbaseou-se no conceito de Força Marítima Pré-posicionada (MPF),

concebido na década de oitenta para o Exército Americano (USArmy) e para oCorpo de Fuzileiros Navais Americano (USMC). No caso do USMC,

a MPF é uma organização por tarefas que tem por propósito inserir em uma área segura um

Grupamento Operativo de Fuzileiros Navais (MAGTF),com seus equipamentos e suprimentos, a partir de onde poderá ser

empregado. A MPF é compostapor um Elemento de Comando, um grupo de

navios pré-posicionados (MPSRON), um elemento deapoio naval (NSE) e pela MAGTF a ser inserida.

MV Pvt. Franklin J. Phillips – MPS-2 –Diego Garcia

MV 1st LT Jack Lummus – MPS-3 –Guam

O MPSPRON é integradopor navios particulares, tripu-lados por civis, fretados peloComando de Transporte Ma-rítimo Militar (Military Sea-lift Command), e por naviosativados da reserva pronta,carregados com equipamen-tos (inclusive veículos blinda-dos) e com suprimentos para30 dias (de todas as classes)necessários a uma MAGTFvalor BAnf (MEB). Existemtrês MPSPRON permanente-mente posicionados: um noMar Mediterrâneo (MPS-1),um em Diego Garcia, no Ocea-no Índico (MPS-2), e outroem Guam, no Oceano Pací-fico (MPS-3).

Dentre os itens embarca-dos em um MPSRON paraatender a uma MEB pode-se

citar 19.682.000 litros decombustível, 105 Carros-La-garta-Anfíbios (CLAnf), 30carros-de-combate M1A1Abrahms, 30 obuses 155 mm,282 Vtr 5 ton e 530 veículosHUMVEE (HMMWV).

O NSE, por sua vez, é for-mado pelo estado-maior epelo pessoal subordinado deum grupo naval de praia(NBG), por um destacamen-to de manuseio de carga, poruma unidade de defesa (quan-do ativada) e por outros com-ponentes navais, de acordocom a necessidade. Há, ba-sicamente, dois grupos noNSE: o grupo que executatarefas na praia e o grupoque executa, a bordo, tarefasrelacionadas com o movi-mento navio-para-terra.

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Uma operação de MPF consisteem deslocar uma MAGTF para umaárea segura, por meio do uso com-binado de transporte aéreo estraté-gico e navios pré-posicionados, emontar, operacionalizar e disponi-bilizar os equipamentos para a tropa.Sua concepção se baseia no deslo-camento do pessoal da MAGTF edo NSE por via aérea para uma áreade chegada e montagem, localizadaem um país hóspede, reunindo-osaos equipamentos e suprimentos pré-posicionados que foram deslocadospor via marítima.

O transporte aéreo estratégico ga-nha relevância na operação por sero responsável pelo deslocamento datropa. Os dados de planejamentoprevêem 250 sortidas para o trans-porte de uma MEB. Este dado foi con-firmado durante a Primeira Guerrado Golfo, quando a 7th MEB foitransportada para a Arábia Sauditaem 259 sortidas. São utilizados, paratal, o C-141 Star Lifter, o C-17Globemaster e o C-5 Galaxy.

O propósito de uma operação daMPF é estabelecer rapidamente umaMAGTF em terra, em condições deconduzir operações de combate sub-seqüentes. A operação pode consistirno emprego de um único navio comequipamentos/suprimentos apro-priados a uma MAGTF valor UAnf(MEU) – o que totalizaria 2.700combatentes – até o emprego, na ou-tra extremidade da escala de força,

de todos os três grupos de navios pré-posicionados e uma MAGTF valorForça Expedicionária (MEF).

A operação da MPF não deve serconfundida com uma operaçãoanfíbia. A MPF consubstancia, juntocom Força de Contingência Aérea(ACF) e com as Forças-Prontas An-fíbias, a tríade representativa da ca-pacidade de resposta do USMC.MPF e operações anfíbias são capa-cidades complementares; uma não ésubstituta equivalente para a outra.Operações anfíbias provêem meiospara desembarque à viva força, en-quanto que operações da MPF per-mitem o rápido desdobramento emáreas onde a entrada da força é es-sencialmente sem oposição, assimpermanecendo durante a fase dachegada e montagem. Operaçõesanfíbias podem ser realizadas nomesmo ambiente em que se realizamoperações da MPF, mas o inversonão é verdadeiro. Por outro lado, as

operações da MPFpodem complementaruma operação anfíbia.

Um requerimentoessencial para a rea-lização de uma opera-ção da MPF é a exis-tência de uma regiãosegura que permita achegada dos navios edos aviões, o desem-barque das suas car-gas, e a reunião da tro-pa com o seu materialnas áreas de chegadae montagem (AAA)da MAGTF. Não étão simples. A regiãoem questão deve man-ter-se segura até o tér-mino da fase de che-

gada e montagem; possuir infraes-trutura de abastecimento de com-bustíveis; campo de pouso que a-tenda aos aviões utilizados; porto comprofundidade suficiente para atenderaos calados dos navios e com baciade manobra e maquinaria apro-priadas; e, finalmente, uma rede deestradas comunicando porto-praia-campo de pouso que permita areunião da tropa aerotransportadacom os equipamentos e suprimentostransportados por via marítima.

Uma operação da MPF possuiquatro fases: planejamento, reunião,movimento e chegada/montagem,esta última a mais crítica. A operaçãoé encerrada quando os pré-requisitosestabelecidos pela diretiva inicial fo-

MV 1st Lt Harry L. Martin –lançamento de CLAnf

O C-141 Star Lifter em operação

Fileira de C-17 Globemaster

Área dedesembarque de

material noPorto de Arifjan

durante a Guerrado Iraque

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rem atingidos, com a MAGTF emterra, em condições de emprego.

Prevêem os manuais que 10 diassão suficientes para o desembarque,montagem e entrega para a tropa detodos os equipamentos, equipagense suprimentos de uma MEB. Em1990, na Guerra do Golfo, o materialda 7th MEB desembarcou e foi pron-tificado em quatro dias, possibilitan-do que a Força ocupasse posiçõesdefensivas próximas a Al-Jubayl,pronta para operar. O maior pro-blema relatado pela 7th MEB, nestafase, foi a grande dificuldade emapoiar o reabastecimento das suasaeronaves de asa fixa.

Na Guerra do Golfo, o tempodespendido na movimentação es-tratégica das forças e no seu posi-cionamento – aí incluídas a monta-gem e a entrega dos equipamentos eequipagens à tropa – foi de setemeses. Na Guerra do Iraque, que as-sinalou o primeiro emprego dasoperações da MPF desde a invasãoda Somália em 1993, este tempo foireduzido para quatro meses.

Críticos do Departamento de De-fesa (DoD), contudo, consideram

que este tempo podee deve ser melhorado,sobretudo porque oefetivo total, desdo-brado na área de ope-rações, foi pratica-mente a metade da-quele deslocado para oGolfo em 1991. Argu-mentam também que,em determinados mo-mentos, a demanda

por alguns equipamentos ou itens desuprimentos foi quase impossível deatender, ficando o sistema no limiteda sua capacidade.

O General (USAF) John Handy,comandante do Comando de Mobi-lidade Aérea, cita que itens de prio-ridade mais baixa não foram mo-vimentados tão rápido quanto odesejável. Considera também que,apesar de o investimento em trans-porte militar estratégico na última

década ter obtido algo próximo a153% de acréscimo na capacidade

de carga, faz-se necessário,ainda, um aumento na capa-cidade de transporte aéreo.Enquanto o equipamento pe-sado e os suprimentos mais vo-lumosos são transportados pormar, pessoal e itens selecio-nados são transportados por ar.Em função disso, a Força AéreaAmericana (USAF) terminou aGuerra do Iraque advogando aobtenção de 220 C-17 Globe-master, contra os 180 plane-

jados para os próximos anos.Comprar mais aviões, contudo, é

uma opção bem mais dispendiosa, eo Congresso Americano parece nãoestar muito disposto a autorizargastos. O transporte marítimo con-tinua sendo uma opção bem menoscara: um navio roll-on/roll-off podetransportar a carga de 201 C-5Galaxy.

O emprego das MPF permitiu àsforças americanas desdobrarem-se

Entrega de veículos à tropa na Guerra do Iraque

Estiva desuprimentos no

depósito emArifjan

MV Cape Texas no Mar Mediterrâneo rumoao Golfo

C-17 Globemaster noaeroporto do Kuwait

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no Teatro de Operações em tempohábil para dar início à campanhaterrestre. Críticas importantes, po-rém, são verificadas em relatóriosconfeccionados por escalões me-nores. Detectou-se que a grande par-te dos veículos estocados para usodas MPF não estavam manutenidosapropriadamente. Lubrificantes egraxas não estavam disponíveis paramanutenção preventiva ou mesmopara a utilização inicial, criando umpotencial perigoso de defeitos em boaparte das viaturas.

Muitos veículos foram alocados àsunidades sem possuir equipamentosrádioveiculares, obrigando o uso, porparte da tropa, de equipamentosportáteis a bordo. Em conseqüência,ocorreram sensíveis dificuldades decomunicação entre as subunidades esuas unidades pelas redes tática-1 etática-2.

O APOIO LOGÍSTICOÀS TROPASEM TERRA

No campo do apoio logístico, afunção suprimento merece umaanálise detalhada pelas novidadesque apresentou e por seus resultados.

A concepção de ressuprimentoadotada na Guerra do Iraque per-mitiu que as unidades terrestres man-tivessem cinco a seis dias de água,

ração, munição e combustíveis emestoque, contrastando com os 70 diasde suprimentos mantidos como nívelmínimo na Guerra do Golfo. Foi ex-perimentado o conceito “Just-in-ti-me supplies” que, apesar dos exten-sos eixos logísticos criados pelo con-tínuo avanço, atendeu às necessi-dades que se apresentaram.

A extensão desses eixos, conse-qüência da aplicação dos conceitosda Guerra de Manobra, foi um difícilteste para o ressuprimento. As con-dições climáticas e meteorológicas,os ataques e as emboscadas reali-zadas contra os comboios resultaramem momentos de escassez, particu-larmente, de água e de ração, tendoaté mesmo suspendido o movimentoem direção a Bagdá por aproxima-damente 24 horas.

Apesar deste entrave, em uma

perspectiva delogística do Teatrode Operações,pode-se conside-rar que o ressu-primento foi rea-lizado com suces-so. Movimentar1,5 milhões de li-tros de água e 350mil rações, dia-riamente, por mais

de 560 km, é uma marca notável.As idéias centrais do “Just-in-

time supplies” são evitar grandes es-toques, eliminar intermediários e fazeras entregas diretamente ao solicitante.O conceito de emprego é resumidopelo General Jack Stoltz (USArmy),Comandante do 377th Comando deApoio ao Teatro de Operações:“Nós não construímos montanhas(de suprimentos) nesta campanha,nós movemos e entregamos notempo certo, sem obstáculos, assimcomo se faz no setor civil”.

Buscando atingir esta meta, oDoD fez, ao longo dos últimos 10anos, grandes investimentos em tec-nologia da informação, procurandodesenvolver e adotar práticas típicasde comércio e incrementando,também, a capacidade estratégica demovimentação de carga utilizando,

C-5 Galaxy em operação

C-5 Galaxy carregando

Ressuprimento de água

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além dos meios clássicos, compa-nhias e empresas comerciais. A ne-cessidade de ressuprimento foi de-terminada com base na “velocidadede administração”, que considerou otempo despendido em mover o su-primento do porto para o campo,diretamente para o usuário. Os co-mandantes de fração, utilizandotecnologia de rede, localizavam eguiavam a remessa solicitada. Paratal, foram utilizados programascomerciais tais como o “Joint FlowAnalysis System for Transporta-tion”. Esses incrementos, somadosaos estoques pré-posicionados e àcapacidade de mobilizar, a partir dosEstados Unidos, itens consideradoscríticos, fizeram com que as forças,como um todo, estivessem, via deregra, abastecidas e que a logísticade Teatro de Operações fosse consi-derada um êxito.

O sucesso, constatado a partir deuma macroperspectiva, porém, foiapenas em parte, verificado junto aousuário final. Relatórios das uni-dades para seus escalões superioresmostram uma realidade diferente nofinal da cadeia de ressuprimento. Sãomencionados dados que colidemfrontalmente com a imagem de efi-ciência absoluta da “grande logís-tica”, tais como o atendimento deapenas 6% dos itens requisitados, aobtenção de sobressalentes em fun-ção de contatos pessoais ou porcanibalização de veículos ao longodas rodovias e a dificuldade emidentificar, ante uma infinidade deagências para apoio logístico, aquelaresponsável pelos atrasos verifi-cados. O Sistema Automático deInformações para Gerenciamento daManutenção (MIMMS) também foiseveramente criticado, sugerindo-sesua substituição por um aplicativoutilizador do Windows NT, 2000 ouXP.

O número de viaturas disponíveispara as unidades foi insuficiente,levando à utilização de HMMVWpara o transporte de suprimentosclasse I.

As maiores críticas, porém, atin-gem a função logística saúde e o res-suprimento relacionado com estaatividade.

O transporte de baixas, dos re-fúgios de feridos para o posto de so-corro dos batalhões, foi realizado pormeio de veículos HMMVW M998,julgados inapropriados por sua ca-pacidade – duas baixas por vez, porsua instabilidade e pela falta de pro-teção blindada. Conseqüentemente,recomendou-se a utilização de CLAnfcomo ambulâncias, adaptando-oscom equipamentos de suporte de vida.

Itens como desinfetantes, sabo-netes e pasta de dentes foram críticostodo o tempo.

Observou-se, ainda, que medica-mentos básicos como Robitussim,descongestionantes e Tylenol de-veriam passar para o estojo de pri-meiros socorros, a fim de possibilitarque o combatente se automediquecom a orientação do enfermeiro naprópria companhia, evitando a indis-ponibilidade decorrente da sua ida aoposto de socorro. Foi verificado queo estoque de antibióticos e de outros

importantes medicamentos do postode socorro dos batalhões não foramsuficientes para atender à demanda,particularmente após o recebimentodo pessoal destacado e em apoio, eque o ressuprimento destes itens emcombate jamais foi efetivo. Os pa-cotes contendo bandagens e bolsasde fluidos intravenosos diversos,planejados para entrega periódica acada 24 ou 48 horas, não chegaramàs unidades antes do término doconflito.

A função logística transporte tam-bém foi criticada no pequeno escalão.Além do número insuficiente de via-turas colocadas à disposição das uni-dades para o transporte de muniçãoe de ração, verificou-se a necessida-de de que cada viatura empenhadaem tarefas táticas dispusesse de umjogo contendo equipamento-rádio,carta e equipamento de visão no-turna.

CONCLUSÕES

O futuro da MPF já começa a serestudado em função da aprendizagemobtida na Guerra do Iraque. A con-cepção de “Sea-basing” ganha rele-vância, agora combinada com asoperações da MPF, por possibilitaralternativas ao indesejável confrontocom outros países por problemas desoberania, como o ocorrido ao nortedo Iraque com a Turquia.

O DoD cita, como exemplos des-ta que seria “uma manobra opera-

Comboio rumo a Bagdá

Renoção de ferido

Comboios se preparando para odeslocamento

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cional a partir de distâncias estra-tégicas”, os movimentos da 26th

MEU do mar para seus objetivos, eda 173rd Brigada Aeroterrestre parao norte do Iraque. No primeiro caso,a 26th MEU desdobrou, sob seucontrole, os helicópteros do seucomponente de combate aéreo parao nordeste do Iraque, a partir de umGrupo Anfíbio de Pronto Emprego(ARG) que estava no Mar Mediter-râneo; e aviões C-130 realizaram omovimento do seu pessoal e de seusequipamentos. No segundo caso, a173rd Brigada Aeroterrestre foi lan-çada diretamente no norte do Iraque,a partir de sua base em Vicenza, Itá-lia, em 26 de março de 2003, asse-gurando o campo de pouso de Harir,na maior operação aeroterrestre damemória recente. Após a conquistado campo de pouso, estabeleceu-seuma ponte aérea com aviões C-17Globemaster fazendo o transportede equipamentos pesados tais comoveículos blindados de transporte detropas Bradley.

O novo grande conceito visua-lizado prevê plataformas marítimasque aumentem a capacidade das

forças conjuntas em operações “seabasing”, sendo conhecido nosmeios militares americanos comoForça Marítima Pré-posicionada doFuturo (MPF-F). O conceito deMPF-F combina os navios da MPFcom navios de assalto anfíbio,reduzindo a dependência dosterritórios estrangeiros a serem uti-lizados como AAA e, conseqüen-temente, as limitações impostas porportos e aeroportos.

Complementarmente, visualiza-seo incremento do transporte militarestratégico a partir dos Estados Uni-dos para qualquer ponto do planeta.O projeto prevê que cada MPF-Fterá a capacidade de deslocar umaMEB com aproximadamente oito milcombatentes, com todos equipamen-tos, equipagens e suprimentos para30 dias de operação.

No que se refere ao apoio lo-gístico, apesar do sucesso verificadono nível operacional, foram obser-vadas importantes dificuldades nosmenores escalões. Em função disto,melhorias na área do ressuprimentojá começam a ser visualizadas noDoD. Veículos rastreados por satélite

foram testados recentemente, comêxito, utilizando um sistema decomunicações e alarme para veículoslogísticos chamado “MovementTracking System”. A idéia é, embreve, dotar o maior número possí-vel de veículos logísticos com estaferramenta.

Comandantes de frações sobre-carregaram o sistema de requisiçãocom pedidos repetidos, gerando umafalsa demanda, configurando umasituação típica da falta de confiançano sistema.

O pequeno número de baixas foiprovidencial em face das deficiênciasobservadas no pequeno escalão. Aocorrência de baixas em massa,associada com as limitações notransporte de saúde e a escassez demedicamentos importantes, poderiaresultar em uma situação crítica.

Ficou patente a necessidade dainclusão das instalações logísticassumárias nos exercícios no terreno enos diversos adestramentos, com opropósito de se identificar a ne-cessidade de comunicações, deefetivos e de transporte para umcorreto atendimento ao primeiroescalão.

O emprego do conceito “just-in-time supplies” no abastecimento fezcom que as linhas de ressuprimento,por sua grande extensão, estivessemvulneráveis às ações de pequenosefetivos, evidenciando um fatorcomplicador no contexto da Guerrade Manobra. Cumpre ressaltar quea maior fragilidade, em tese, existentenão pôde ser colocada à prova nasituação vivida: a vulnerabilidade aosataques aéreos.

A mobilização e o apoio logís-tico, em síntese, podem ser ava-liados como um sucesso no níveloperacional, sendo observadas,porém, importantes ressalvas nonível tático.

C-17 Globermaster decolando de Harir

Pára-quedistas da 173rd

Brigada Aeroterrestre nosarredores de Harir

Combinação de navios de assaltoanfíbio com navios da MPF

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A GUERRA

CENTRADA EM REDE“Se conheceres o inimigo e conheceres a

ti mesmo, não estarás em perigo emnenhuma entre centenas de batalhas;

se não conheceres o inimigo, masconheceres a ti mesmo, vencerás uma

batalha e perderás outra; se nãoconheceres o inimigo e nem a ti mesmo,

estarás em perigo em todas asbatalhas”.

Sun Tzu, A Arte da Guerra.

A GUERRA

CENTRADA EM REDECF (FN) TOMÁS DE AQUINO TINOCO BOTELHO

A guerra tem as caracte-rísticas de cada época. Asferramentas e táticas sem-pre evoluíram em consonân-cia com o conhecimento e atecnologia disponíveis. Estaevolução, algumas vezes,ocorre de forma violenta.

A Guerra da Era da Infor-mação irá embutir as carac-terísticas que distinguem es-ta época que estamos viven-do das anteriores. Caracte-rísticas estas que afetam osmeios carreados para o espa-ço de batalha, bem como oambiente no qual o conflitoocorre.

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Um fato que oferece diferençafundamental, sendo portador de fu-turo, mostra que os maiores de-senvolvimentos em Tecnologia daInformação (TI) estão sendo rea-lizados por empresas do meio civil,não necessariamente apoiadas porpesquisas militares, ou seja, o avançotecnológico está ocorrendo sem anecessidade de guerras que o im-pulsione.

No setor comercial, as empresasestão aplicando conceitos de ne-gócios centrados em redes para au-mentar sua competitividade. Asações no campo comercial têmfornecido subsídios para o emprego,no campo militar, de conceitossimilares que permitem aproveitar aspotencialidades da superioridadeobtida pela posse de informações devalor na condução das operaçõesmilitares.

Para exemplificar, imagine-se aintrodução do radar no final da Se-gunda Guerra Mundial. A mudançacausada na estrutura de Comando eControle (C2) ofereceu aos aliados umacréscimo de poder de combatedecisivo. Conseqüentemente, a apli-cação das novas tecnologias da erada Informação vai-nos obrigar àexploração de novos conceitos de em-prego, especialmente de guerra demanobra, que vão gerar transfor-mações importantes na estrutura e noemprego de Grupamentos Operativosde Fuzileiros Navais (GptOpFuzNav).

A Guerra Centrada em Rede(GCR) é baseada na experiência deorganizações que se adaptaram comsucesso a um espaço competitivoonde a mudança é uma constante.Uma das lições obtidas foi a que, semmudanças na forma como uma or-ganização busca realizar suas metas,é impossível utilizar o poder da in-formação na plenitude de suas po-tencialidades.

A GCR reconhece a informaçãocomo um insumo central nos con-flitos de hoje. O potencial desteinsumo toma forma como umresultado direto de uma nova formade relacionamento entre indivíduos,organizações e processos, gerandonovos comportamentos, relacio-namentos e modos de operação. Oimpacto cumulativo de novos tiposde relacionamento entre organi-zações de combate amplia o podercombatente de um GptOpFuzNav.

Como será visto, a GCR estabe-lece um novo modelo lógico ou es-quema conceitual por meio do qualse passa a examinar operações eorganizações militares. É uma teoriasobre a guerra na era da Informação.

���

A GUERRA DAERA DA INFORMAÇÃO

A humanidade moveu-se da eraAgrária para a Industrial e, final-mente, para a era da Informação. Es-ta nova era é caracterizada por mu-danças constantes e complexidade.Iniciada no final do último milênio, foiassim classificada devido à proli-feração de tecnologias da informaçãoe da comunicação que permitemsuperar as barreiras de tempo e es-paço como eram anteriormente per-cebidas.

Cada uma das duas primeiraseras teve sua forma peculiar de guer-ra. Em uma era onde a economia e ocomportamento social são centradosna aquisição, manipulação e comu-nicação de informação, inevitavel-mente, as operações militares tam-bém serão.

A Guerra da Era da Informaçãochegou em 1991 nos céus noturnose nas areias do deserto do OrienteMédio, quando foi travada a cha-mada Guerra do Golfo. Desde o iní-

cio dos combates, ficou evidenciadaa importância da informação e dasarmas inteligentes. Essa guerra foiclassificada como a primeira guerrada Era da Informação. Foi o primeiroconflito em que forças de combateforam posicionadas, mantidas, co-mandadas e controladas, em grandeparte, por meio de comunicações, viasatélite.

Os Estados Unidos da América(EUA) enviaram para o Golfo 365mil soldados, mas a guerra foi ganhapor apenas 2 mil deles, sendo que oapoio logístico chegou a incluir pro-gramadores de computador situadosno interior de seu território, algunsdos quais trabalhando em suas pró-prias casas.

Isto foi possível graças à criaçãoda “estrada eletrônica”, uma infra-estrutura essencial para as guerrasnos dias atuais. Este fato demonstraque o soldado e o civil estão, cadavez mais, “informacionalmente” in-terligados. A forma como o mundocivil adquire, processa, distribui eprotege seus ativos de conheci-mento, agora passa a afetar a formacom que as forças armadas cumpremas suas tarefas.

Nessa guerra, o conhecimentoteve sua importância ampliada emrelação às armas e à tática, mostrandoque o inimigo tinha um “calcanhar deAquiles” nos meios de C2, onde gran-des quantidades de dados devem sertransmitidos e recebidos de muitasformas distintas. Armas como osmísseis balísticos são muito maisbaseadas em informação do que emvolume de fogo, afinando muito maisa precisão e a seletividade. O co-nhecimento é agora o recurso essen-cial de destrutibilidade nos conflitosarmados.

Assim, da mesma forma que CarlVon Clausewitz pensou a Guerra daSegunda Onda (era Industrial), há

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que se pensar, de agora em diante,na Guerra da Terceira Onda (era daInformação), onde as “estratégias doconhecimento” irão dominar o ra-ciocínio militar.

As forças militares precisam desoldados bem treinados que usem oraciocínio e possam lidar com adiversidade de situações que se apre-sentam durante o combate, tolerarambigüidades e bem usar a tecnologiaa seu dispor, afinal, os sistemas dearmas foram criados para empregopor indivíduos com inteligênciacompatível ao seu uso. Precisam,também, de um exército deintelectuais, com e semuniforme, dedicado ao estudodo emprego das inovaçõestecnológicas e do de-senvolvimento de umadoutrina para a informação,objetivando vencer ou evitarguerras. A definição dos com-ponentes, a identificação dascomplexas inter-relações e osmodelos de conhecimento aserem criados juntamentecom o resultado daquele es-tudo irão gerar as “estratégias doconhecimento”.

O arcabouço para a “estratégiado conhecimento” está baseado emquatro funções realizadas sobre asinformações aquisição, processa-mento, distribuição seletiva e pro-teção. O preparo e o emprego de umGptOpFuzNav devem contemplar asfunções acima descritas.

Como características do conheci-mento, cita-se que é inesgotável, podeser utilizado por ambos os lados deum conflito armado e, ao mesmotempo, é não-linear, ou seja, um frag-mento de informação correta podeproporcionar imensa vantagem táticaou estratégica. Isto permite inferir quea qualidade do conhecimentodisponível em dado momento pode

representar um ponto de inflexão naguerra.

É errôneo pensar que a forma deguerra dominante será aquela definidapor satélites, robôs ou armas inte-ligentes. O elemento comum que unetodas estas tecnologias não é ma-terial, é intangível e chama-se conhe-cimento. A maturidade da Guerra daEra da Informação acontecerá quan-do estiverem maduras as “estratégiasde conhecimento” e estas tornarem-se competitivas, incluindo a infra-estrutura de suporte necessária a suaoportuna disseminação, ampliando

uma consciência compartilhada doespaço de batalha.

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A GUERRA CENTRADA EMPLATAFORMAS

A guerra atual ainda é centradanas plataformas (Platform-centricwarfare). Examinando a Guerra Cen-trada em Plataforma (GCP), verifica-se que há um isolamento no empregodos meios. Como exemplo, serãoanalisados o engajamento com umalvo e as ações e o tempo consumidoneste processo.

Inicialmente, o alvo deve ser de-tectado, identificado e tomada adecisão de engajar. Esta decisão de-ve vir acompanhada do sistema de

armas a ser utilizado no engajamento.Finalmente, este sistema de armasdeve ser acionado e realizar umaação contra o alvo. Associado àsações acima, existem uma molduratemporal (consumo de tempo) e umalcance.

A moldura temporal varia deacordo com a mobilidade do alvo esua capacidade de utilizar contra-medidas. O tempo consumido de-pende do sistema de armas empre-gado, do tempo para seu aciona-mento e do alcance para o alvo. Oalcance efetivo depende da ca-

pacidade dos sensores emdetectar o alvo o mais afas-tado possível, ou seja, quantoantes o alvo for detectadomaior o tempo disponível paraa tomada de decisão e oacionamento do sistema dearmas escolhido para engajaraquele alvo.

A figura 2 mostra o mo-delo lógico para um enga-jamento centrado na plata-forma, onde a capacidade dedetecção e de engajamento

residem na mesma plataforma. Pode-se perceber a existência de uma li-mitada consciência compartilhada dasituação, uma vez que as informaçõesque poderiam ser obtidas de outrasplataformas não são acessíveis. Estafigura descreve os componentesfuncionais de um engajamento, sendoválida para um combatente indivi-dualmente, um carro-de-combate ouuma aeronave.

Na maioria dos casos, isto podeser melhorado ao ligar este modelo aum nó de C2. Esta ligação é suficientepara guiar o combatente até umazona de engajamento, mas não paraauxiliá-lo no engajamento direto.Além disto, a ligação entre o nó e ocombatente é feita via voz, o quereduz a capacidade de transmitir-se

Figura 1 – Ilustração da ampliação daconsciência compartilhada do Espaço

de Batalha usando redes

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um quadro mais amplodo espaço de batalhaem um curto espaço detempo. Isto só poderáser feito a partir de umaimagem gráfica na qualo combatente possa teruma consciência maiordas forças amigas einimigas.

Nas operações ba-seadas em plataformas,o poder de combateestá diretamente as-sociado à capacidade eà qualidade dos sensores em proveruma consciência do alvo. Estaconsciência está limitada ao envelopeefetivo de engajamento (E3), descritona figura 3 pela área cinza.

Assim, o poder de combate ficareduzido pela incapacidade daplataforma em gerar uma consciênciado alvo além de seu alcance efetivo.

���

A GUERRACENTRADA EM REDE

A Guerra Centrada em Redeestabelece uma teoria para a guerrana era da Informação. Esta teoriatenta abranger os níveis estratégico,operacional e tático, buscando aauto-sincronização com o emprego

de processos colaborativos em rede.O início do desenvolvimento teóricodata de 1990; e sua evolução, comoprevista pelo Departamento deDefesa (DoD) dos EUA, está mos-

trada na figura 4.

O ESPAÇODE BATALHA

O termo campo de batalhavem sendo substituído porespaço de batalha, de formaa expressar a idéia de que oambiente do combate abrangemais do que áreas contíguas.Na busca de simplificação,pode-se dizer que o adventoda era da Informação e osavanços em tecnologia

introduzem três mudanças funda-

mentais que explicamesta substituição. A pri-meira envolve a noçãode que o campo de ba-talha não está limitado aum espaço físico contí-guo, mas pode envolveráreas geograficamentedistantes. A segunda dizrespeito à natureza doscombatentes, e a tercei-ra versa sobre a perdade isolamento e reduçãodas distâncias.

A teoria da GCRpermite o estabelecimento de obje-tivos diferentes daqueles a queestamos acostumados. Por exemplo,o ataque cibernético a instalações deTecnologia da Informação (TI) doinimigo por meio de um vírus, deforma a degradar o seu sistema deC2 ou o bombardeio de instalaçõesde C2, conforme aconteceu na últimaguerra do Iraque. O uso de sofisti-cados sistemas de armas combinadoscom sensores e um Centro de Análisede Inteligência (CAI) vai gerar oestabelecimento de objetivos com-pensadores. Com o uso de satélitese da Internet, o processamento dasinformações e o controle das Ope-rações de Apoio Logístico podemestar fora do campo de batalha.Como é mais barato o fluxo de

Figura 2 – Modelo Lógico da GuerraCentrada em Plataforma

Figura 3 – Envelope de EngajamentoEfetivo de uma Plataforma

Figura 4 – Moldura temporal do DoD para implantação da GCR

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informações do que o movimento detropas, haverá uma tendência àutilização maior do princípio daconcentração ou massa seguindo osresultados fornecidos pelo CAI.

A natureza dos combatentes, emum determinado espaço de batalha,sofreu alterações consideráveis. Emoperações de busca de informações,os “combatentes” podem ser todoscivis. Operações de Manutenção daPaz envolvem civis e militares. Oterrorismo é um tipo de ameaça quepode atacar, quase em qualquerlugar, civis e militares. Assim, civis emilitares estarão atuando emconjunto.

Além disto, o poder de combatede um pelotão, atualmente, é muitomaior do que o de cinqüenta anosatrás. E mais: o poder de combatede um combatente individual am-

pliou-se muito em relação ao da Se-gunda Guerra Mundial, por exemplo.

A terceira característica do espaçode batalha reside no fato de que atransmissão de informações em tem-po real deixou de ser prerrogativa dogoverno. A CNN, por exemplo, uti-lizando-se da Internet, transmite pa-ra o mundo, ao vivo, o que ocorre.Mesmo as nações mais pobres ou osatores não estatais têm acesso aosacontecimentos. O campo de batalhadeixou de ser isolado ou remoto.

DEFINIÇÃO

A GCP deverá evoluir para estarem consonância com o conhecimentoe a tecnologia hoje disponíveis. O ter-mo Guerra Centrada em Rede (Net-Work Centric Warfare - NCW) pa-rece ser o melhor termo para descre-ver a forma de organização militar ede combater na era da Informação.

Assim, podemos definir GCR co-mo Operações realizáveis com asuperioridade obtida pela posse deinformações de valor que geram umaampliação do poder de combate pormeio de sensores, decisores e com-batentes, interligados em rede paraalcançar um entendimento comum ecompartilhado do espaço de batalha,ampliar a velocidade de transmissãode ordens, aumentar o ritmo das

operações e a letalidade, reduzir onúmero de baixas e alcançar um mí-nimo de auto-sincronização.

A superioridade na posse deinformações de valor é obtida pelacapacidade de coletar, processar edisseminar um fluxo ininterrupto deinformação, enquanto se explora ounega ao inimigo a habilidade de fazero mesmo.

A GCR transforma esta superio-ridade em poder de combate ao ligar,com eficácia, entidades conhecidasno espaço de batalha, oferecendocompartilhada e claramente a situaçãoe a intenção do comandante, atin-gindo uma unidade de procedimentose auto-sincronização.

AUTO-SINCRONIZAÇÃO

Auto-sincronização é a capacida-de de uma força bem informadaorganizar e sincronizar operações mili-tares complexas a partir dos níveishierárquicos menos elevados. Osprincípios de organização relacio-nados são a unidade de esforços,entendimento da intenção do co-mandante e regras de engajamentobem elaboradas. A auto-sincro-nização é obtida por meio de um altograu de conhecimento de suas pró-prias tropas, das forças inimigas e doambiente de combate.

Para exemplificar este tópico,será utilizada a conhecida batalha deTrafalgar, ocorrida em 1805. A frotabritânica tinha as seguintes caracte-rísticas:

� Conhecimento claro da intençãodo Almirante Nelson;

� Competência entre os decisores(Comandantes dos navios);

� Conhecimento amplo e dissemi-nado do espaço de batalha; e

� Confiança entre os comandantesde todos os níveis.

Figura 5 – Civis e militares atuando emconjunto em Operações de Combate

Figura 6 – Ampliação do Poder deCombate Individual devido ao avanço

tecnológico

Figura 7 – Recepção e transmissão deinformações em tempo real

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A auto-sincronização teveinício bem antes do primeirodisparo. A decisão de cortar o“T”, atravessando a linha deformação da esquadra franco-espanhola em dois pontospróximos ao centro, comomostrado na figura 8, foiamplamente discutida com oscomandantes na noite anterior,uma vez que durante a batalhanão haveria boas condições decomunicação.

Durante os combates, umanau sempre buscava auxiliar a outra,deixando os franceses e espanhóisentre dois navios ingleses. O resulta-do da capacidade de auto-sincroni-zação dos ingleses foi a vitória, sema perda de uma nau sequer, em quepese a morte do Almirante Nelson.

VELOCIDADEDE COMANDO

Velocidade de Comando é o pro-cesso pelo qual uma posição superiorem relação ao conhecimento produ-zido a partir das informações obtidasé transformada em uma vantagemcompetitiva.

Este processo é caracterizado poruma alteração nas condições iniciais,

pelo desenvolvimentode altas taxas de mu-dança e foco na im-plementação das de-cisões ao mesmo tem-po em que as estra-tégias inimigas sãobloqueadas. Ele reco-nhece todos os ele-mentos envolvidos nasituação como partesde um complexo siste-ma adaptativo.

A velocidade decomando é compostade três partes.

(1) A força alcança a superioridadede informação, ganhando uma melhorconsciência ou compreensão do es-paço de batalha e não apenas umamassa de informação não pro-cessada. Tecnologicamente, isto vairequerer excelentes sensores; redesrápidas, interoperáveis e tolerantes afalha; alta tecnologia de apresentaçãode informação; alta capacidade demodelagem e simulação; e um CAIbem estruturado.

(2) Forças atuando com veloci-dade, precisão e que buscam al-cançar concentração de efeitos aoinvés de concentração de forças.

(3) Os resultados alcançados sãoum rápido bloqueio do avanço ini-

migo e o choque causado pela ve-locidade das ações. Isto quebra ociclo de Boyd do adversário e favo-rece que outras ações que viriam aser empreendidas nem sequer sejaminiciadas.

MODELOLÓGICO DA GCR

Como evolução do modelo lógicoda GCP, surge o da GCR. Para estamigração, é necessária uma infra-estrutura de TI de alto desempenho,interoperável, que suporte grades decomputação e comunicação, consti-

tuintes da chamadagrade de informação.Esta infra-estruturapermite o estabele-cimento de arquite-turas operacionaispara uma grade desensores e uma gradede engajamentos.

A grade de senso-res gera rapidamenteum alto nível de cons-ciência compartilhadado espaço de batalhaaumentando a sincro-

nização em operações militares. Agrade de engajamentos explora estealto nível de consciência compar-tilhada, traduzindo-o em um aumentono poder de combate.

Observam-se, na figura 9, arealimentação em todos os níveis e ofluxo constante e massivo de in-formação. O bloco relativo aos sen-sores representa qualquer tipo desensor, incluindo equipes de re-conhecimento a pé ou motorizadas emicro sensores construídos com na-notecnologia, enviando informaçõespara análise pelo subsistema de C2,ou diretamente para o sistema dearmas. O bloco relativo ao comba-tente representa um sistema de armas

Figura 8 – Diagrama esquemático da disposiçãoinicial das naus na Batalha de Trafalgar

(Ingleses em azul)

Figura 9 – Modelo Lógico da Guerra Centradaem Rede

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acionado por um ou mais operadores,engajando um alvo.

Em contraste com a GCP, a po-tencialidade da GCR para o uso desensores, C2 e engajamentos é for-temente suportada pelo uso de en-laces de dados digitais. Existe umaumento no conteúdo, na qualidadee na oportunidade das informaçõesque fluem entre os nós que, aliadoao uso de displays gráficos de altaresolução, vão permitir o comparti-lhamento da consciência do espaçode batalha. O resultado líquido é umasignificativa melhora na capacidadede se observar, orientar, decidir e agir.

Conforme pode ser observado nafigura 10, a integração dos nós emuma rede amplia o E3 por meio deuma maior capacidade e qualidadedos sensores em prover uma cons-ciência do alvo. Isto permite aumen-tar o poder de combate, uma vez quea plataforma consegue gerar umaconsciência do alvo além de seualcance efetivo, ao aproveitar as in-formações de outros nós da rede.

OPERAÇÕES CENTRADASEM REDE

Na GCR, a capacidade de usarsensores, de comandar, de controlare de engajar é difundida via link de

dados digitais. A fonte de ampliaçãodo poder de combate em uma ope-ração centrada em rede deriva, emparte, do conteúdo, da qualidade eda oportunidade do fluxo de infor-mação entre os nós da rede. Este flu-xo de informações é a chave que ha-bilita uma consciência compartilhadado espaço de batalha.

O advento da GCR permite oestabelecimento de novos tipos derelações e de colaboração virtual. Pormeio da colaboração virtual, é possí-vel que as entidades reconhecíveis emum espaço de batalha venham a in-teragir trocando informações em vezde moverem-se. O uso da tecnologiade teleconferência reduz os custos dedeslocamento e aumenta o tempodisponível para ensaios ou mesmopara descanso, resultando em au-mento da eficácia na implantação dasdecisões.

A seguir, são apresentados doisexemplos de novos tipos de relaçõese de colaboração virtual. No primeirocaso, trata-se de novas relações en-tre comandantes. Imaginem-se co-mandantes de Unidades que se mo-vimentam através do campo de ba-talha para reuniões de planejamentoe avaliação de operações terrestres.Utilizando os conceitos de GCR, jáexpostos, os comandantes poderiam

interagir via teleconferência,reduzindo o tempo de pla-nejamento e o tempo e riscosde deslocamento. A reduçãono tempo de planejamentopermite que as Unidadesganhem tempo para ensaios,para realizar marchas para ocombate em menor ritmo dedeslocamento, para ressu-primento e descanso, resul-tando em um aumento dopoder de combate.

O segundo exemplo tratada parte de Inteligência.

Normalmente, os analistas de In-teligência operam em áreas geo-graficamente distantes com limitadacapacidade de interagir e colaborarna geração de conhecimentos. Em-pregando os conceitos de GCR eferramentas colaborativas como datamining e data warehouse sobrebancos de dados distribuídos, osanalistas poderão acessar grandesvolumes de dados, atuais e on line,e realizarem suas análises e in-tegração, a fim de gerar conhe-cimentos. Após a geração, os co-nhecimentos serão disseminados,oportunamente, em função da infra-estrutura disponível.

INTEROPERABILIDADE

Sob o enfoque das OperaçõesMilitares, a interoperabilidade podeser considerada como a capacidadede realizar operações combinadas.Deve estar presente nos níveis tático,operacional e estratégico, permitindoque as entidades reconhecíveis secomuniquem, troquem informações ecolaborem entre si.

O grau de interoperabilidade entreforças militares afeta sua capacidadede conduzir Operações Centradasem Rede (OCR). Uma baixa inte-roperabilidade reduz a taxa de troca

Figura 10 – Envelope de Engajamento Efetivo de um Sistema de Armas em Rede

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de informações na rede e aumenta oscustos materiais e financeiros. Emconseqüência, não serão alcançadosuma consciência compartilhada dasituação e um entendimento, portodos, da intenção do comando.

Na recente guerra contra o Iraqueem 2003, a interoperabilidade dese-jada foi atingida, principalmente,porque os equipamentos utilizadospara Comando e Controle, espe-cialmente os de comunicação, foramos norte-americanos, cedidos parauso pelas forças da coalizão.

���

CONCLUSÃO

Em resumo, GCR não trataapenas de tecnologia, mas enfoca,amplamente, como realizar opera-ções militares na era da Informação.De fato, a GCR, trata mais acercade trabalho em rede do que, so-mente, de redes de computadores eInternet. O poder de combate am-pliado poderá ser gerado por umaforça centrada em rede. O poder daGCR é derivado da ligação efetivaou trabalho em rede de entidadesreconhecíveis que estão geográfica ouhierarquicamente dispersas no es-

paço de batalha. O fato de traba-lharem em rede proporciona a essasentidades reconhecíveis a partilha deinformação e a colaboração no de-senvolvimento de uma consciênciacompartilhada, ao mesmo tempo emque se apóiam mutuamente paraatingirem um determinado grau deauto-sincronização. O resultado lí-quido é um poder de combate au-mentado.

A GCR permite um deslocamentoda guerra de atrito para um combatemais acelerado baseado na velo-cidade de comando e auto-sincro-nização, valorizando a manobra.

Os conceitos de GCR podem seraplicados no mundo empresarial ouem combate. A diferença reside nofato de que em combate o ritmo dasações transforma o tempo em umfator crítico.

Tradicionalmente, os militaresestão acostumados a um tipo decomando de cima para baixo (topdown). Para atingir a auto-sin-cronização, será necessária umaadaptação a uma organização debaixo para cima (bottom up) ou domeio para cima e para baixo, per-meando a organização (middle out).

Alcançar um alto grau deinteroperabilidade entre as forças

envolvidas é fundamental para osucesso de qualquer operação militarcentrada em rede.

A grande possibilidade do uso desofisticados sistemas de armas in-dica-nos que se mantenha a par-ticipação de aspirantes FuzileirosNavais na habilitação de Sistemas deArmas na Escola Naval e que sebusquem meios de avaliar e garantirque as praças estarão em condiçõesde habilitar-se ao correto aciona-mento desses sistemas. Uma formade verificar que o combatente anfíbiopoderá habilitar-se a bem usar ossistemas de armas, já disponíveis noCFN, é a aplicação de uma provade conhecimentos para acesso aoCurso de Especialização, constituídapor questões que explorem a ca-pacidade de raciocínio e de absorçãode novos conhecimentos ao longo dacarreira.

Finalmente, o uso de simulaçãoreveste-se de importância ao reduziros custos e acostumar o combatenteao uso dos equipamentos deapresentação de imagens que estarãodisponíveis na hora do combate. Sobeste prisma, o Centro de JogosDidáticos do CIASC apresenta-secomo a ferramenta de simulação maisavançada de que dispõe o CFN.

BIBLIOGRAFIA

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3. ALBERTS, David S.; GARSTKA, John J.; Stein, Frederick P. Network CentricWarfare: Developing and Leveraging Information Superiority. 2 ed. Washington D. C., DoDCCRP, 2000. 282p.

4. ALBERTS, David S., and HAYES, Richard E. Power to the Edge: Command andControl in the Information Age. Washington D. C., DoD CCRP, 2003. 303p.

5. TZU, Sun. A Arte da Guerra. Tradução de Thomas Cleary. 10 ed. Rio deJaneiro:Pensamento, 1998.195p.

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Grupo de Ataque Expedicionário:uma nova concepção de emprego

para as Forças de Fuzileiros Navaisamericanas

Grupo de Ataque Expedicionário:uma nova concepção de emprego

para as Forças de Fuzileiros Navaisamericanas

O fato de um general do United States Marine Corps (USMC) estar nocomando de um grupo de navios de guerra, além das forças de fuzileiros navaisque compõem a Marine Air Ground Task Force – MAGTF em missão no Golfoda Arábia, não causa perplexidade, uma vez que tal estrutura já foi empregadaem outras missões atribuídas ao USMC, caso da Operação Restore Hope, naSomália e da Sea Angel, em Bangladesh, em 1991. Mais recentemente noAfeganistão, em 2001-2002, durante a Operação Enduring Freedom, o General-Brigadeiro James Mathis foi o Comandante da Força-Tarefa 58, costituída devários navios que compunham dois Grupos de Pronto Emprego Anfíbio(Amphibious Ready Group – ARG), nucleados nos Navios de Assalto AnfíbioPeleliu e Bataan, na 15a Unidade Expedicionária de Marines (15th MEU) e na26a Unidade Expedicionária de Marines (26th MEU).

O Grupo de Ataque Expedicionário 3 (Expeditionary Strike Group 3 – ESG-3), em campanha naval no Golfo da Arábia, vem a ser o resultado da evolução doconceito de emprego da ARG, há muito utilizado nas operações singulares econjuntas da Marinha americana que necessitam do emprego de meios navais ede fuzileiros navais. Muito mais que o simples acréscimo de navios ao ARG, oESG é uma força expedicionária integrada, com navios de guerra de superfície,submarinos, tropas e meios de fuzileiros navais capazes de cumprir uma gama demissões nas mais diversas partes do mundo. Com novos navios sendo projetadosou em construção e os novos meios de fuzileiros navais em fase de aprovação,como é o caso do MV-22 OSPREY, o ESG surge como a materialização da visãorevolucionária contida nos documentos Naval Power 21, emitido pelo alto escalãoda “Navy”; e Sea Power 21, elaborado em 2002 pelo Chefe de Operações Navais,Almirante Vern Clerk, que estabeleceram metas a serem atingidas no futuro, demodo a tornar a Marinha americana mais inventiva, mais coesa e mais flexível.

CF (FN) JOSÉ ROBERTO TINOCO DO NASCIMENTO

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Sea Power 21 e o Conceito deOperações Navais paraOperações Conjuntas

Os acontecimentos trágicos doonze de setembro mostraram aoGoverno dos Estados Unidos quedeveriam ser implementadas, a cur-tíssimo prazo, várias medidas paralivrar o povo americano de defron-tar-se novamente com a possibili-dade de ataques em seu solo.

A Marinha americana, no bojodeste esforço e continuando a evo-lução da doutrina de emprego de suasForças Navais divulgada nos docu-mentos Maritime Strategy (1986),...From the Sea (1992) e Forwardfrom the Sea (1994), concepçõesfocadas exclusivamente na guerra nomar ou litorânea, elaborou o NavalPower 21 e, posteriormente, o SeaPower 21 e o Marine Corps Stra-tegy 21, que tencionam estabeleceruma estratégia na qual as Forças Na-vais e de Fuzileiros Navais estarãototalmente integradas, atuando emoperações singulares, combinadas ouconjuntas contra as ameaças regio-nais e transnacionais.

Segundo as concepções doutriná-rias disseminadas pelo AlmiranteVern Clark1 , o Poder Naval ameri-cano vislumbrado para o Século XXIdeverá repousar em três pilares fun-damentais: o Sea Strike, o Sea Shielde o Sea Basing. Cada um representaum segmento do Poder Naval quedeverá ter a sua capacidade amplia-da para que se alcancem os objetivospropostos pela política de governoamericana. Sea Strike é a capacida-de de projetar um poder ofensivosuperior vindo do mar de modo de-cisivo, contínuo e com precisão emapoio aos objetivos das forças; SeaShield é a capacidade de assegurara defesa total das Forças, não so-mente pelo controle das vias ma-

rítimas, mas também do espaço aé-reo e terrestre, negando ao inimigoqualquer possibilidade de interferên-cia nas ações das forças americanase aliadas no Teatro de OperaçõesMarítimo; e, finalmente, Sea Basingque amplia a independência opera-cional das forças, dotando-as de umacapacidade logística de tal magnitu-de que a possibilita operar do marsem a necessidade de montagem debases terrestres numa nação hospe-deira ou no interior da área de ope-rações.

O Conceito de Operações Navaispara Operações Conjuntas2 e a na-tureza pontual da guerra global contrao terrorismo desfechado pelos EUArequerem um tipo de força naval queseja capaz de gerar um poder decombate que atue simultaneamenteem qualquer parte do mundo e atra-vés de todos os espectros de conflito.Tal como as ameaças, estas forçasdeverão estar dispersas, porém per-feitamente interligadas e integradascom capacidade para formarem for-ças-tarefas conjuntas.

A concepção organizacional daMarinha americana para o empregoem situações de conflito foi erigidaem torno de grupos de batalha deporta-aviões, grupos de ação de su-perfície e dos ARG, que não atendemmais aos requisitos de mobilidade,manobra operacional, interligação emrede e distribuição. Desta forma, parasatisfazer a demanda atual destesrequisitos, a Navy e o USMC estãoorganizando as suas forças para for-marem trinta e sete grupos de ataqueindependentes, cada qual com capa-cidade para agir com dissuasão frenteàs ameaças locais ou, se necessário,com capacidade de conduzir opera-ções de ataque e incursões. Ao todo,será empregada uma frota de 375navios, distribuídos entre 12 gruposde navios-aeródromos de ataque

(Carrier Strike Group – CSG), 12grupos de ataque expedicionário(Expeditionary Strike Group –ESG), 12 grupos de ação de super-fície, além de quatro submarinoscarregados com mísseis balísticosTomahawk.

A Constituição do ESG

A idéia de combinar-se meiosanfíbios com os meios de combatede superfície não é inovadora, tendosido anteriormente empregada nascampanhas das Ilhas do Pacífico naSegunda Guerra Mundial3 . Em Abrilde 2003, o primeiro ESG partiu deSasebo, no Japão, exercitando-se naOperação Tandem Thrust 03, mar-cando o início do teste operacionalde uma nova combinação de unida-des navais e de Marines. Ao tradi-cional ARG, foram acrescentadosum maior poder de combate no mar,com a adição de navios de superfíciedotados dos precisos mísseis To-mahawk, e uma capacidade de au-todefesa em guerra submarina como apoio direto de submarino e aampliação da área de defesa aero-espacial.

O ESG caracteriza-se pela flexi-bilidade e pela prontidão conseguidapela combinação de uma unidadeexpedicionária de Marines com umARG. Na sua plenitude, provê umaliberdade operacional e um poder decombate bastante ampliados. A sua

1 CLARK, Vern, Almirante USN, “SeaPower 21: Projecting Decisive JointCapabilities”. Proceedings. Annapolis,Outubro de 2002.

2 Conceito contido no “Marine CorpsConcepts and Programs 2004”

3 PETREA, Howard et all. “Expeditio-nary strike group becomes reality”.Proceedings. Annapolis, Outubro de2003.

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configuração definitiva ainda está emprocesso de análise, contudo, naatualidade, consiste dos seguintesmeios:

– Navio de Assalto Anfíbio (Am-phibious Assault Ship – LHD /Landing Helicopter Amphibious –LHA) – principal navio de desem-barque, semelhante a um navio-ae-ródromo de pequenas dimensões, é

projetado para o emprego em ope-rações anfíbias. Numa função se-cundária, utilizando as aeronaves AV-8B Harrier e helicópteros de com-bate anti-submarinos, efetua o con-trole de área marítima e missõeslimitadas de projeção de poder sobreterra.

– Navio-Transporte-Doca (Am-phibious Transport Dock – LPD) –são navios de guerra que embarcam,transportam e desembarcam ele-

mentos de uma força de desem-barque para uma variedade de mis-sões de combate expedicionárias.

– Navio de Desembarque Doca(Landing Ship Dock – LSD) – estesnavios apóiam as operações anfíbias

desembarcando as LCAC (LandingCraft Air Cushion), as embarca-ções de desembarque convencionaise os helicópteros de transporte e deassalto.

– Cruzador com Mísseis Guiados(Guided Missile Cruiser – CG) – sãonavios de superfície equipados commísseis Tomahawk, com capacidadede ataque em longo alcance.

– Contratorpedeiro com MísseisGuiados (Guided Missile Destroyer– DDG) – navios de superfície utili-zados principalmente para a guerraantiaérea.

– Fragata (Fast Frigate – FFG)– navios de superfície utilizados prin-cipalmente para a guerra anti-sub-marina.

– Submarino de Ataque (AttackSubmarine, Nuclear Propulsion –SSN) – submarino nuclear empre-gado em tarefa de apoio direto, paralocalizar e destruir submarinos enavios de superfície inimigos.

– Unidade Expedicionária deMarines (Marine ExpeditionaryUnit – MEU/SOC) – organizaçãopor tarefa nucleada em um batalhãode infantaria de fuzileiros navais, comcapacidade para realizar operaçõesanfíbias, operações especiais e ou-tras, como: assistência humanitária eevacuação de não-combatentes.

– Aviões de Ataque AV-8BHarrier II, Helicópteros de AtaqueAH-1W Super Cobra, Helicópterosde Transporte CH53 D Sea Stallione CH46 D Sea Knight (estes últimosem fase de substituição pelo MV22

4 PETREA, Howard et all.“Expeditionary strike group becomesreality”. Proceedings. Annapolis,outubro de 2003.

OSPREY e pelo MH-O6 KnightHawk, respectivamente).

Estruturas de Comando

A Operação Tandem Thrust 03,levada a termo entre os meses de abrile maio de 2003, teve, como propó-sito, entre outros, de avaliar as es-truturas distintas de comando daESG, que foram chefiadas ora por umcontra-almirante da Navy, ora porum general do USMC. O exercíciodemostrou a eficácia da estrutura co-mandada pelo oficial fuzileiro navalamericano, quando submetida às di-versas situações de crise planejadas4 .

Posteriormente, em Agosto de2003, a ESG-1 foi nucleada em tornodo Navio de Assalto Anfíbio Peleliu(LHA-5) e a 13a MEU(SOC), ba-seados na costa leste. Simultanea-mente fazia-se ao mar a ESG-2,partindo da costa leste, nucleada noUSS Wasp (LHD-1) e na 22nd MEU(SOC). A organização dessas ESGera idêntica, porém possuía estruturasde comando bastante diferentes. OESG Peleliu foi comandado por umalmirante da Navy, em uma estruturacentralizada, na qual todos os meiosnavais e de fuzileiros navais estavamsob seu controle operacional. Poroutro lado, o ESG Wasp empregouas relações de comando tradicionais,estabelecidas na Joint Doctrine forAmphibious Operation (Joint Pu-blication 3-02) e na Composite War-fare Commander’s Operations(Naval Warfare Publication 3-56),onde a responsabilidade pelo cum-primento da missão alternou entre ocomandante do esquadrão anfíbio e

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o da unidade expe-dicionária, conformepode ser observadono Quadro no 1. Nocomando do ESG-3Belleau Wood, nu-cleado no 5o Es-quadrão Anfíbio ena 11a Unidade Ex-pedicionária de Ma-rines, está o Gene-ral-Brigadeiro Joseph V. Medina, oprimeiro oficial fuzileiro naval ame-ricano a comandar um ESG, detendoo controle operacional de toda aForça Naval e de Fuzileiros Navaiscolocados a sua disposição. Emmissão real no Golfo da Arábia, oESG-3 responde pela segurança eestabilidade do nordeste daquelaárea marítima, de Al Basrah e dosterminais de óleo de Khawr AlAmaya. Vários outros ESG estãosendo planejados para se fazer ao maraté 2005, porém ainda sem uma de-finição das estruturas de comando queserão empregadas (ver Quadro no 2).

ConclusãoA concepção e o

emprego do ESGtêm provocado di-versas discussõesque variam desde aconjectura acerca dotamanho da estru-tura de seu estado-maior até a quemcaberia a responsa-

bilidade sobre o seu comando. Acre-ditam os planejadores em que as res-postas a estas questões, ainda em fasede elaboração pelo Centro de Aná-lises Navais da Marinha dos EUA,serão a chave para capacitar o PoderNaval americano a agir de formacada vez mais integrado, dotando-ocom os requisitos fundamentais quelhe permitam manter uma soberaniaconquistada desde o desfecho daSegunda Guerra Mundial e consoli-dada após o desmoronamento daUnião Soviética. A guerra contra oterrorismo, iniciada de forma impla-cável após o onze de setembro, in-

tensificou a urgência de reforço nacapacidade dos EUA de defender-see de buscar destruir o inimigo, cada vezmais fluido e invisível, onde quer queele esteja. O emprego do ESG ampliaa capacidade das Forças Navais e deFuzileiros Navais americanos de agiremem conjunto e de forma decisiva.

A quebra de paradigmas significauma mudança de cultura e atitude quenecessita de um grande esforço para aaceitação, mesmo num país como osEUA que prima pela busca de novasidéias e soluções. A designação de umgeneral do USMC para comandar oESG concretizou-se não sem antes so-frer alguma resistência por parte dosOficiais da Navy, contudo tal fatoparece não permitir um retrocesso.Dessa forma, o USMC cada vez maisreforça o seu caráter híbrido: tanto seaproxima da tendência da guerraexpedicionária praticada pelo USArmy, com o qual exercita uma saudá-vel competição, quanto se integra aprópria Marinha, por meio de conceitosinovadores como o emprego do ESG.

Missão Comandante designado1 – Assalto Anfíbio ......................................... ComForTarAnf ; em seqüência, ComForDbq.2 – Incursão com ameaça costeira................. ComForTarAnf ; em seqüência, ComForDbq e, novamente,

................................................................. ComForTarAnf.3 – Incursão sem ameaça costeira................. ComForDbq.4 – Demonstração .......................................... ComForTarAnf.5 – Retirada ................................................... ComForDbq ; em seqüência, ComForTarAnf.6 – Assistência humanitária ........................... ComForTarAnf ou ComForDbq.

Quadro n.° 1- Relações de comando nas Operações Anfíbias (“Joint Publication 3-02”)

Grupo Composição da Força Saída Retorno

LPD LSD CG DD/G FFG SSN MEU

Kearsarge ESG-5 LPD-4 LSD-51 CG-60 FFG-59 26 MEU Mar05

Saipan ESG-4 LPD-14 LSD-51 CG-66 DDG-68 FFG-36 24 MEU Fev05

Belleau Wood ESG-3 LPD-9 LSD-45 CG-53 DDG-70/DDG-88 11 MEU Mai04 Fev 05

Wasp ESG-2 LPD-12 LSD-41 CG-48/CG-55 DDG-74 SSN-22 22 MEU Fev 04 Ago 04

Peleliu ESG-1 LPD-5 LSD-42 CG-73 DDG-73 FFG-33 SSN-772 13 MEU Ago 03 Mar 04

Essex ESG-FDNF LPD-10 LSD-43 CG-54 DDG-54DD-975 SSN-705 31st MEU Abr03 Mai 03

Quadro n.°2 - Tabela de Composição das Forças e período de emprego das ESG(fonte: www.globalsecutity.org)

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CF (FN) RENATO RANGEL FERREIRA

A Guerra Naval moderna exige braço anfíbio forte. Forte, por ser atuante eeficaz, nunca pesado. Com o deslocamento do espaço de batalha naval para próximodos litorais, o modelo de combate a ser travado nesse ambiente passou a exigircaracterísticas distintas das de outrora. Não que haja profundas mudanças táticasou operacionais na forma de conduzir-se a guerra no mar, mas, sim, pela ênfasemaior que passa a ser dada à guerra anfíbia. Quando a “arena” marítima se aproximada costa e busca nela pontos focais, seja para base ou objetivo, estabelece-se umvínculo indissociável entre esses dois ambientes: o mar e a terra. Que tropa énaturalmente apta a fazer a intermediação do combate nesses dois meios?

Este artigo pretende tecer considerações acerca das possíveis contribuições dasforças anfíbias na condução da guerra naval próxima ao litoral. Para tanto, iniciaráobservando o passado, na tentativa de identificar o padrão de atuação dos FuzileirosNavais que, com o passar dos anos, conformou sua vocação para o Assalto Anfíbio.Da mesma forma, buscará explicitar a natural vocação das Forças Navais para ocontrole de área marítima no Atlântico Sul, para, ao final, analisar a demanda doambiente litorâneo, em particular da Amazônia Azul, por uma convergência dessasduas vocações. Este estudo lançará mão, ainda, de observações sobre como outrasnações, bem como a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), têmsolucionado a equação do emprego judicioso dos meios navais e anfíbios nasoperações próximas à costa. Ao final, será esboçada uma opção para o emprego detropa anfíbia que possibilite ampliar a versatilidade das Forças Navais, vindo aconstituir ferramenta apta, e quiçá indispensável, para a condução do combate navalmoderno.

AMAZÔNIA AZULESPAÇO DE BATALHA PARA OS COMBATENTES ANFÍBIOS

AMAZÔNIA AZULESPAÇO DE BATALHA PARA OS COMBATENTES ANFÍBIOS

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“Art. 1º - Fica criado o Corpode Fuzileiros Navais, ... , com amissão de cooperar com as ForçasNavais na defesa nacional e par-ticipar dos serviços em geral daMarinha de Guerra.”

Decreto de criação do Corpo deFuzileiros Navais (CFN), em 29 de

fevereiro de 1932.

VOCAÇÃO ANFÍBIA

Em 1948, o CFN participou deuma Operação Anfíbia denominadaPÉ LIGEIRO. Na baía de Sepetiba(RJ), a Companhia de Desembarquedo Comando do Corpo de FuzileirosNavais, reforçada por um destaca-mento de guerra química do ExércitoBrasileiro (EB), desembarcou e con-quistou a Ilha de Pombeba. Essaação visava criar condições para o-perações posteriores que buscariama retomada, por parte de Forças doEB, de parcela do território nacionalocupada pelo inimigo.

Para esse exercício, foi levantadauma hipótese básica: Não se esperaqualquer oposição aérea ou navalpor parte do inimigo nas cercaniasda Ilha da Marambaia. Ao quetudo indica, esta medida, adotadadurante a fase de planejamento, pre-tendia concentrar o esforço do exer-cício em seu aspecto anfíbio, ex-

cluindo a possibilidadeda prática de outrasações de Guerra Navalnessa operação. Esseexemplo, em que pese tersido tirado da infânciaoperativa de nossasForças Anfíbias, já per-mite denotar uma carac-terística do emprego dosFuzileiros Navais: um forte en-volvimento com as ações conduzidasno Teatro de Operações Terrestre(TOT) e um certo alheamento comas demandas do Teatro de OperaçõesMarítimo (TOM).

No final da década de 50 e iníciode 60, ativou-se o núcleo da 1ª Di-visão de Fuzileiros Navais e estru-turou-se a Força de Fuzileiros daEsquadra. Foram realizadas as ope-rações com nomes de ventos e peixes(ARAGEM, BADEJO, CORVINAe ARFAGEM), todas voltadas parao adestramento do Movimento Na-vio-para-Terra (MNT). Essas opera-ções tiveram o grande mérito deiniciar a formação de uma men-talidade operativa no CFN, voltadapara a condução de exercícios an-fíbios.

A partir de 1964, tiveram inícioas Operações DRAGÃO, mantendoo mesmo padrão de atuação, porémcom um considerável acréscimo de

efetivos e meios envolvidos. Em seuperíodo inicial, destacou-se a Ope-ração DRAGÃO III, a primeira quecontou com a participação de doisbatalhões e um Grupamento de ApoioLogístico. Ela previa a conquista doPorto de São Sebastião (SP) para oposterior desembarque de tropas doExército, que deveriam reduzir umfoco de guerrilhas na Serra do Mar.Nesse exercício, foi levantada aseguinte hipótese básica: As ForçasNavais amigas manterão o do-mínio do ar e do mar na área dosobjetivos.

As Operações DRAGÃO que seseguiram até o ano de 1975 tinhamtodas o mesmo perfil: o inimigo eraum grupo de guerrilheiros e haviasempre a previsão de uma ultra-passagem por tropas do EB. A partirda DRAGÃO XII, em 1976, o ini-migo passou a ser uma tropa regular;sendo, contudo, mantido o propósitode apoiar as ações do EB, que após

Operação PÉ LIGEIRO

Operações DRAGÃO: consolidação da vocação anfíbia do CFN

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a ultrapassagem prosseguiria ata-cando para derrotar um inimigo queteria invadido nosso território pelo suldo país. Esse perfil de operação,Assalto Anfíbio em apoio às açõesmilitares no TOT, foi adotado emtodas as operações até a DRAGÃOXXVII, em 1991.

No ano seguinte, a DRAGÃOXXVIII foi de todas a mais inova-dora. Fugindo, totalmente, aos pa-drões então convencionais, ela com-binou no mesmo exercício um AssaltoAnfíbio (AssAnf) e uma IncursãoAnfíbia (IncAnf). A IncAnf tinha opropósito de promover a evacuaçãode não-combatentes, enquanto oAssAnf – pela primeira e última vez– não se preocupava em apoiar asações no TOT e, sim, apoiar as açõesnavais, negando o uso do litoral aoinimigo.

De uma forma simplificada, pode-se dizer que, a partir de 1993, osexercícios dos Fuzileiros Navais pas-saram a explorar um desses doistipos de operações: uma IncAnf paraevacuar não-combatentes ou umAssAnf para abrir uma nova frentede combate para o EB ou, mais re-centemente, para uma Força Inte-raliada de Paz (FIP). No início, asIncAnf ficavam restritas aos exercí-cios tipo INCURSEX ou UANFEX,enquanto as DRAGÕES, sempre demaior vulto, se voltavam para oAssAnf.

No início dos anos 2000, a IncAnfpassou a prevalecer nos exercíciosoperativos. Muitos fatores contri-buíram para isso, mas é interessantenotar que a aproximação com aIncAnf foi uma iniciativa dos Fu-zileiros Navais, que deve ter sido bemaceita pelas Forças Navais, poisevacuar nacionais é, segundo a pers-pectiva naval, ação de maior prio-ridade e mais viável do que contribuirpara a retomada de parcela do ter-

ritório nacional invadida por paíslindeiro.

Em decorrência disso, o AssAnf,a verdadeira vocação operativa doCFN, passou a ficar restrito aos pla-nejamentos acadêmicos dos cursosde carreira. Ainda que nestes sejaadotado o mesmo perfil de vincular-se o assalto à abertura de uma novafrente de combate para uma força doEB ou uma FIP.

Observa-se nesse histórico umaconstante: as Operações Anfíbias,principalmente os AssAnf, guardamestreita relação com as ações desen-cadeadas no TOT e, apesar de ocor-rerem em águas e litorais do AtlânticoSul, seus propósitos raramente estãodiretamente associados à preser-vação de nossa soberania neste ocea-no. No entanto, cabe ressaltar, des-se breve relato dos últimos 57 anosde vida operativa do CFN, que fo-ram esses exercícios que permitirammoldar nossa doutrina de emprego eequipar nossas forças de modo quehoje possamos desempenhar, comelevado grau de proficiência asmissões impostas ao CFN. Isto ficoupatente na recente expedição aoHaiti, onde pudemos mostrar, interna-cionalmente, nossa bandeira e nossacapacidade operacional.

O preparo para o emprego noAssAnf modelou nossa capacidadeexpedicionária, cuja faceta menosbélica está sendo explorada noHaiti e, ao que tudo indica, deverácontinuar a contribuir e ser útil àpolítica externa nacional, pois cons-titui excelente ferramenta de co-operação internacional. Entretanto,cumpre não descuidar da facetamais combativa desse caráterexpedicionário de nossa Força,materializada na capacidade de,por meio de AssAnf, impor nossopoder onde se fizer necessário. Estaúltima opção, apesar de menos útil,

é a que garante, de for-ma mais direta, poderde dissuasão às For-ças Navais e Anfíbias, ferramentaigualmente, ou mais, importante paraos países que pretendem ter voz ativano concerto das nações.

A continuidade administrativaestabelecida pelos chefes fuzileirosnavais possibilitou a continuidade daevolução operativa, culminando como nosso atual legado que combinauma doutrina bem firmada com tropase meios aprestados, que, por sua vez,conformam nossa vocação para oAssalto Anfíbio.

VOCAÇÃO ATLÂNTICA

O preparo para o emprego doPoder Naval no Atlântico Sul é o fa-rol para todos que integram a Mari-nha do Brasil. Também não poderiaser diferente, temos a responsabi-lidade de vigiar e proteger os interes-ses brasileiros em toda a AmazôniaAzul. Uma faixa litorânea, que con-gregando a Zona Econômica Exclu-siva (ZEE) e a Plataforma Continental(PC), ocupa uma extensa área de 4,5milhões de km². Junto a isso, deve-se considerar os fatos da economianacional ter forte dependência dotráfego marítimo, internacional oucosteiro, da existência de elementos

AMAZÔNIA AZUL: Zona EconômicaExclusiva e Plataforma Continental

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vitais à infraestrutura nacional locali-zados próximos ao litoral e da pre-sença de grande riqueza, em termosde recursos naturais, submersa emnossas Águas Jurisdicionais, tudo issodemandando uma efetiva capacidadede proteção.

Para prover alguma capacidade dedefesa de nossos interesses e de nossafronteira marítima no Atlântico Sul, aMB precisa dispor de uma Força Na-val capaz de operar tanto em alto-marcomo próximo ao litoral. Em ambos oscasos, essa Força deve ser capaz deimpor seu poder em determinada áreamarítima e/ou litorânea. Assim sendo,a tarefa de controlar áreas marítimas(CAM) merece, por parte da Marinhae segundo sua doutrina básica, atençãoconstante e prioritária.

A vocação naval para o CAM, le-vado a efeito nas grandes extensõesoceânicas, é fruto de prática secular.Muitas marinhas formaram-se tendopor fim essa atividade que buscavagarantir o livre uso, por parte de seusnavios, das Linhas de ComunicaçõesMarítimas (LCM) internacionais. Oobjetivo das campanhas navais era aesquadra inimiga, onde quer que elaestivesse, e era a sua destruição quegarantia ao vencedor o pleno domíniodo mar.

Esse conceito de domínio abso-luto do mar está, hoje, em desuso.Dado à sua extensão e ao fato de nãoser possível a demarcação precisa defrentes de combate, o controle plenodo mar é difícil de ser atingido. O quese emprega atualmente é o conceitode controle de área marítima, com asmesmas características e propósitosque o primeiro, porém com limitaçõesnos seus aspectos temporais e espa-ciais. No caso brasileiro, dado à ca-pacidade do alcance eficaz de nossoPoder Naval e aos interesses de De-fesa Nacional já mencionados, essaárea deverá estar localizada, prefe-

rencialmente, em águas do nosso en-torno oceânico.

Sucessivas gerações de marinhei-ros prepararam-se para conduzir ba-talhas navais no Atlântico Sul. Antesda Segunda Guerra Mundial, a dou-trina e os meios estavam voltados pa-ra o combate de artilharia entre na-vios. Durante e após essa guerra, ofoco do preparo e emprego de nos-sas Forças Navais centrou-se na guer-ra anti-submarina.

Essas demandas por uma atuaçãonaval que garanta nossa soberania nomar forjaram, ao longo dos anos, umaarraigada fé de grupo: a vocação navalpara o controle de área marítima noAtlântico Sul. Qualquer emprego demeios da MB que se afaste desse di-recionamento poderá não receberatenção prioritária, o que é natural,pois não contribui diretamente paraque a Marinha cumpra suas missõesprimeiras.

MODELONORTE-AMERICANO

A doutrina de Operação Anfíbia,tal como a conhecemos e emprega-mos, foi desenvolvida pelo UnitedStates Marine Corps (USMC), no pe-ríodo entre a Primeira e a SegundaGuerras Mundiais (GM). Tendo sidoiniciada graças ao descortino de umjovem oficial fuzileiro naval, MajorEarl H. Ellis, que, ainda em 1921, pres-sentindo a crescente amea-ça representada pelo ex-pansionismo nipônico noPacífico, elaborou um pla-no que previa a projeçãoda Marinha norte-america-na e do USMC pelas ilhasdeste oceano até o litoraljaponês.

A partir deste plano, oUSMC encontrou seu ni-cho. Antes disto, ele era

empregado, basicamente, em reforçoàs operações terrestres do exércitoou em serviço de guarda. Nesse as-pecto, a recém-terminada GrandeGuerra exercia forte influência dou-trinária sobre a oficialidade, que en-tendia que o USMC deveria manterseu adestramento voltado, apenas,para as operações terrestres.

A sucessiva conquista das, for-temente defendidas, ilhas do PacíficoCentral para a instalação de basesnavais demandava um tipo específicode operação: o Assalto Anfíbio. A for-ça para realizá-lo deveria possuirforte relação com os meios navais,não apenas devido à coordenaçãonecessária mas também, e sobretu-do, por constituir um importante eindissociável elemento de manobrada própria Força Naval. Esse impe-rativo direcionou todo o esforço doUSMC para o desenvolvimento dedoutrina adequada, enquanto osfocos de resistência que pretendiampreservar a capacidade puramenteterrestre se desvaneciam.

Dentro desse processo evolucio-nário, merece destaque a ativação, em1933, de uma Força de Fuzileiros deEsquadra. Esse feito materializou apostura adotada pelo USMC aoassumir a missão de servir às esqua-dras, conquistando bases avançadasem proveito das operações navais.

O próximo passo foi a elaboraçãode um manual contendo o detalha-

mento doutrinário dessenovo tipo de operação.Nesse mesmo ano, o Co-mandante-Geral do USMCinterrompeu as aulas doscursos que estavam sendoministrados nas escolas mi-litares da Base de Quân-tico-VA, para que seusinstrutores e alunos pu-dessem dedicar-se à ela-boração do documento

Maj (USMC) EarlH. Ellis

precursor dadoutrina anfíbia

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que ficou conhecido como “Minutade Manual para Operações de De-sembarque”.

Com uma força dedicada às OpAnfe um manual, o USMC iniciou o re-finamento dessa doutrina por meio deuma série de exercícios executadosna Ilha de Culebra, em Porto Rico.De modo que, no início da SegundaGuerra Mundial, os EUA dispunhamde uma força adestrada e pronta pa-ra cruzar o Pacífico apoiando-se embases navais conquistadas por suces-sivos Assaltos Anfíbios.

Toda teoria desenvolvida sofreuseu batismo de fogo nessa guerra,onde recebeu adaptações e aperfei-çoamentos que permitiram aos EUAvencer a campanha do Pacífico. NaGuerra da Coréia, em 1950, essadoutrina demonstrou, mais uma vez,seu valor, ao permitir uma manobraque interferiu diretamente nas linhasde comunicações terrestres norte-coreanas, contribuindo para um des-fecho favorável desse embate. Essaguerra serviu, ainda, como campo deprova para o conceito de Marine AirGround Task Force (MAGTF), queno CFN é conhecido como Grupa-mento Operativo de Fuzileiros Navais(GptOpFuzNav).

Dessa forma, o USMC conso-lidou a Doutrina de Operações An-fíbias, que se transformou em para-digma para os corpos de fuzileirosnavais de todo o mundo. Durante asdécadas de 50 a 70, o USMC deumáxima prioridade ao preparo parao emprego de suas tropas em OpAnfno modelo da 2ªGM.

No início da década de 80, coma aproximação do término da GuerraFria, os EUA adotaram uma posturaestratégica de presença global, pas-sando a privilegiar possíveis ações aserem desencadeadas no terceiromundo. Essas ações demandavamdas Forças Armadas norte-ameri-canas a capacidade de cumprir umavariada gama de tarefas em qualquerparte do globo.

Dentro desse novo contexto, oUSMC deu mais uma prova de suaflexibilidade organizacional e dou-trinária ao adaptar-se a essa novasituação. Em 1984, o General A. M.Gray, Comandante-Geral, encampouo conceito de Special OperationsCapable (SOC), disponibilizandotrês Marine Expeditionary Units(MEU), o equivalente a três Unida-des Anfíbias (UAnf), para serem pré-embarcadas em navios anfíbios e dis-postas em regiões de interesse pelomundo. Esses Grupos-Tarefas, de-nominados de Amphibious ReadyGroup (ARG), além de preservarem,em certo grau, a capacidade de exe-cutar entradas forçadas em litoraishostis, possuíam, ainda, competênciapara executar uma série de tarefas,onde se destacam: evacuação denão-combatentes, conquista de por-tos, incursões anfíbias, operaçõeshumanitárias, resgate de piloto e ae-ronave, defesa de plataforma de pe-tróleo e operações de interdição ma-rítima. Esta última, de particular im-portância, pois confere às ForçasNavais a capacidade de interferir nas

linhas de comunica-ções marítimas, pormeio de visitas e ins-peções aos contatos de interesse.

Em 1986, a Estratégia Marítimanorte-americana previa o empregoprioritário de suas Forças Navais naságuas azuis. Entre 1992 e 1994, com asestratégias “... From the Sea” e “For-ward ... From the Sea”, mudou-seo foco de sua atuação para o litoral.Mais recentemente, em 2002, a Ma-rinha norte-americana deu mais umpasso adiante no processo de evolu-ção do emprego de seu Poder Na-val ao adotar uma nova concepçãode emprego de Força, conhecidacomo Sea Power 21, que pretendeintegrar suas Forças Navais às ope-rações combinadas contra ameaçasregionais ou transnacionais.

Um dos pilares desta nova estra-tégia é o conceito de Sea Strike, queprevê a projeção de poder de com-bate decisivo de forma a permitir queas Forças Navais exerçam influência

USMC na 1a GM – apoio aoexército nas operações terrestres

Assalto Anfíbio em Guadacanal,1942

MEU (SOC)Operação de Interdição Marítima

Amphibious Ready Group (ARG)

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direta sobre terra. Para sua imple-mentação, o USMC tem cooperadocom a Marinha em uma série de ex-perimentos que visam explorar esteconceito por meio de ExpeditionaryStrike Group (ESG). O ESG acres-centa ao ARG dois cruzadores, um des-tróier e um submarino de ataque.

Essa integração permite somar ascapacidades navais e anfíbias em ummesmo Grupo-Tarefa (GT). O que,de certa forma, é natural, pois, paraa projeção de poder sobre terra, faz-se necessário obter um elevado graude controle da área marítima adja-cente. Por outro lado, com a maiorênfase dada ao litoral na guerra naval,é importante que as Forças Navaisampliem suas capacidades de in-terferir nas ações em terra.

Ao analisarmos este breve históri-co da evolução doutrinária no USMC,é digno de nota a predisposição doUSMC em adaptar-se à estratégia na-val de seu país, rapidamente reestru-turando-se e preparando-se para pro-ver forças úteis à sua Marinha e aos inte-resses nacionais. Isso tudo, sem abrirmão da capacidade anfíbia já con-solidada. Cabe citar uma expressãorecolhida de um manual recentementedistribuído pelo USMC: “A entradaforçada por meio de AssAnf permanecesendo a especialidade dos FuzileirosNavais norte-americanos.” (MCDP 1-0Marine Corps Operations).

MODELO SUECO

A tarefa da Real Marinha sueca émanter vigilância no Mar Báltico eevitar uma invasão de seu território apartir do mar. Para tanto, ela dispõede dois grandes comandos: a Esqua-dra e o Corpo Anfíbio. Subordinadosa eles, existe um intrincado sistemadefensivo que busca explorar ao má-ximo as características fisiográficasde seu litoral.

O atual Corpo Anfíbio é umaevolução de sua antiga Artilharia deCosta, que apesar de, também, sersubordinada à marinha, apoiava seusistema defensivo em baterias de de-fesa de costa fixas, encravadas nasrochas. O fim da Guerra Fria, a con-seqüente dissipação da ameaça deum assalto anfíbio soviético em seulitoral, aliado ao desenvolvimento tec-nológico de sua inovadora engenhariae à necessidade de cortar custos eefetivos levaram as Forças Armadassuecas a conduzir um processo dereestruturação organizacional e dou-trinário que culminou, dentro da Ma-rinha, com a formação de seu atualCorpo Anfíbio.

Grande parte das baterias fixas foidesativada, e uma ênfase maior pas-sou a ser dada à mobilidade de seussistemas de armas. Ativou-se a pri-meira Brigada Anfíbia que possui astarefas de negar acesso ao litoral sue-co, contribuir para o controle de áreasmarítimas e participar de operaçõesanfíbias multinacionais. Para tanto,construiu-se, nesta brigada, compe-tência para destruir navios e influir naslinhas de comunicação marítimas,recuperar áreas de interesse, defen-der bases navais avançadas e retardare ameaçar com pesadas perdas as in-vestidas anfíbias de oponente compoder militar superior.

A brigada é composta por doisbatalhões de mísseis antinavio, trêsbatalhões anfíbios, um batalhão deartilharia autopropulsada e um ba-talhão mecanizado. O batalhão demísseis é dotado com o SAAB RBS-15, que possui um alcance além dohorizonte, chegando a atingir 108milhas náuticas (200 km). Os bata-lhões anfíbios, além de suas com-panhias de fuzileiros navais, possuemuma companhia antinavio com noveembarcações Combat Boat (CB) 90E,cada uma com capacidade de trans-

porte de 20 militares, e nove embar-cações G Boat, com capacidade pa-ra oito. A munição empregada poresta companhia é o míssil RBS-17,uma versão terrestre do AGM-114CHELLFIRE, com alcance de 8 km.As CB-90E agregam grande fle-xibilidade operacional à brigada,tratando-se de uma embarcação deapenas 16 metros, mas que atinge avelocidade de 45 nós, possuindogrande manobrabilidade e, também,a capacidade de lançar minas. Re-centemente, realizou-se, com suces-so, um teste de tiro com o RBS-17 apartir das CB-90E, o que amplia suacapacidade de emprego em opera-ções antiacesso.

O Corpo Anfíbio sueco opera“onde a água encontra a terra”, parausar parte de seu lema. Em cimadesta idéia, desenvolveu-se o seu em-prego, conciliando doutrina e equi-pamentos do mar e de terra. Com ofoco centrado na postura defensivada estratégia de defesa de seu paíse na otimização do emprego inte-grado dos meios navais e anfíbios,pôde a Real Marinha sueca proje-tar uma força moderna e plenamenteintegrada à sua estratégia naval. Suapostura antiacesso e sua capacidadede influir nas LCM fazem desta forçauma tropa anfíbia peculiar, mere-cendo, portanto, destaque nos estu-dos sobre Operações Anfíbias.

OTAN

Esta tendência contemporâneade aumentar a integração de meiosnavais e anfíbios, ampliando assima capacitação das forças navais emgeral, pode ser notada, também, naevolução que vem sofrendo a es-trutura naval da OTAN. Esta Or-ganização, mesmo tendo requisitosestratégicos distintos dos nossos,buscou, no reforço anfíbio, solução

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para demandas operacionais queantes não podiam ser atendidas con-venientemente, conforme podemosobservar no histórico de sua evo-lução organizacional.

A Standing Naval Force Atlantic(SNFL), criada em 1967, foi o pri-meiro esquadrão naval multinacionala ser ativado em caráter permanenteem tempo de paz. Sua ativação foifruto da mudança de postura da pró-pria OTAN, que deixou de seguir aestratégia da “retaliação” passandoa adotar uma estratégia de “respostaflexível”. As características do PoderNaval faziam desses esquadrões ex-celentes opções para as manobras decrises que demandavam soluçõesintermediárias, aquém do empregomassivo de força em retaliação aeventuais desafios lançados contra osmembros da organização.

A OTAN ativou, em 1973, a TheMine Countermeasures ForceNorth (MCMFN) e, em 1992, aStanding Naval Force Mediterra-nean (SNFM). A primeira com a ta-refa de conduzir operações de mina-gem e de contramedidas de minageme a segunda para prover segurança

ao tráfego marítimo doMediterrâneo.

O primeiro empregoreal das Forças Navais daOTAN só veio a ocorrerem 1992, por ocasião daguerra civil na ex-Iugos-lávia, quando se iniciou opatrulhamento naval doMar Adriático para moni-torar a imposição de san-ções da ONU contra aSérvia e Montenegro.

Nessa operação, denominadaMaritime Monitor, foram exe-cutadas atividades de visita, ins-peção e aprisionamento de na-vios mercantes suspeitos.

Mais tarde, em 1998, aSNFL e a SNFM participaram daOperação Sharp Watch, em Ko-sovo, como o componente marítimoda Operação Allied Force, ondevoltou a cumprir tarefas de PatrulhaNaval no Mar Adriático.

A crescente demanda pela par-ticipação da OTAN em diversasoperações multinacionais fez com queesse organismo decidisse, em 2001,incorporar tropas e navios anfíbiosaos seus esquadrões. Essa medidatinha a finalidade de aumentar suacapacidade de ação, ampliando oleque de opções para a atuação daorganização.

Já em outubro desse ano, em umaclara demonstração de apoio aosEUA, a OTAN determinou que aSNFM patrulhasse o MediterrâneoLeste, com o propósito de protegero tráfego de cargas de alto valor ouperigosas, ficar preparada para con-trolar pontos focais em terra e proversegurança às LCM da região. OSNFL e o SNFM alternam-se naPatrulha Naval dessas águas até osdias de hoje.Desde meados de 2004,a OTAN dispõe da NATO ResponseForce (NRF), planejada para ser

uma força robusta,pronta e adestrada pa-ra operar em todo oespectro de violência dos conflitoscontemporâneos. A NRF é nucleadaem uma brigada, contando ainda comuma Força-Tarefa Naval multina-cional e um componente aéreo.

As Forças Navais da OTAN, tra-dicionalmente voltadas apenas parao CAM, são, hoje, capazes de proje-tar poder sobre terra, manter livre oacesso marítimo a áreas contestadase prover apoio humanitário. Essaspossibilidades de emprego transfor-mam-as em excelente instrumentoestratégico para que a aliança possadissuadir atitudes hostis, reafirmarantigos laços de amizade e exercerpersuasão.

LITORAL:CONVERGINDO VOCAÇÕES

Com a vitória norte-americana naGuerra Fria e o conseqüente fim dabipolaridade que conformava as es-tratégias militares e navais de diversospaíses, surgiu a necessidade de re-pensar-se o emprego das forças mili-tares. A hegemonia naval da Marinhados EUA impede de considerar-se,em futuro próximo, a possibilidade dequalquer outra marinha aventurar-seou tentar impor-se no mar sem seuaval. Isso conduziu a uma regionali-zação das esferas de atuação dasmarinhas em todo o mundo. A atua-ção livre e desimpedida de ForçasNavais pelas águas azuis de todo oglobo passou a ser uma prerrogativa,quase que exclusiva, da Marinha nor-te-americana. Talvez a China e a Ín-dia, em futuro não muito imediato,poderão contestar a supremacianorte-americana nos mares.

Esta ausência de inimigo em alto-mar fez com que as marinhas vol-tassem suas atenções para o local

RBS-15: ameaça antinavio com 200 km dealcance

CB-90E: mobilidade para o vetor anfíbio

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onde 80% da população mundial vi-ve, onde podem ser encontradosimportantes centros de emanação depoder e de onde marinhas menos for-tes conseguem alcançar e interferir nomar. As águas verdes, por vezes mar-rons, dos litorais e águas interiorespassaram a ser o foco do desenvol-vimento doutrinário para muitos paísesque buscavam uma nova postura es-tratégica para suas marinhas.

Nesse sentido, as marinhas quebuscam esse desenvolvimento pro-curam adaptar sua competência paraa condução da guerra naval em alto-mar à sua capacidade de projetarpoder sobre o litoral. Essa conver-gência de competências pretendeconferir capacidade às Forças Na-vais para defender seus interessesneste ambiente, aumentando suasversatilidades e capacidades dissua-sórias.

O litoral é um portão de acessoao continente. Nas ações ofensivas,o portão precisa ser forçado e aberto;nas defensivas, ele precisa ser tran-cado. Esta figura, quase simplista,permite explicitar duas das principaisformas de emprego de Forças Na-

vais no litoral: entradaforçada e estratégia an-tiacesso.

Nenhuma das duas énova. Estratégias antiaces-sos existem desde que asnações sentiram neces-sidade de proteger suascostas de invasores vindosdo mar. Como destaque,cumpre citar a estratégiadesenvolvida pelo Almirante Aube,da Marinha francesa do final doséculo XIX, conhecida como JeuneÉcole, que previa o emprego de tor-pedeiros, submarinos e minagemdefensiva contra as ameaças ma-rítimas ao território francês.

Nos dias de hoje, dois grandesexemplos são as estratégias suecas efinlandesas de negação de acesso aosseus litorais. Nelas existe a previsãode uso de um intricado sistema de-fensivo envolvendo o emprego de mi-nas, mísseis antinavios, tropas anfí-bias, baterias de costa fixas e móveis,além das esquadras de alto-mar.

As atuais estratégias ofensivas,de entrada forçada, nada mais sãodo que sucessivos aperfeiçoamentosda doutrina anfíbia, adaptados à piorhipótese de ter-se de abrir passagempelo litoral de um país com doutrinaantiacesso consolidada. O destaquemaior, como não podia deixar de ser,fruto do esforço despendido no de-senvolvimento desta doutrina, é aMarinha norte-americana com o re-cente conceito de ESG, que, comovimos, combina em um mesmo Gru-po-Tarefa, meios anfíbios e de guerranaval, que conferem grande capa-cidade de ataque a terra e a alvos deinteresse nas águas menos profundasdos litorais.

Os exemplos citados iluminam ocaminho da conciliação de capaci-dades navais e anfíbias, sem rompi-mento com as competências já con-

quistadas e estabelecidas.Nosso passado trouxe-nosaté aqui e dele não pode-mos abrir mão. A continui-dade administrativa prati-cada sucessivamente peloschefes navais de todos ostempos foi que nos equipou,educou e forjou nossasvocações. Esse legado nãopode ser alterado.

Há, no entanto, espaço de mano-bra para a convergência de vocações.Sem mudanças de meios empre-gados ou alterações doutrinárias.

BRAÇO ANFÍBIO FORTE

Os estudos sobre projetos de for-ça e suas opções de emprego, inde-pendente da metodologia empregada,costumam observar uma seqüênciabásica que partindo de definiçõespolíticas e estratégico-militares chegaao detalhamento organizacional, aoemprego tático e à definição de meiosnecessários. Esta ordem não deveser alterada. Deve-se, portanto, nocaso de Forças Anfíbias, partir daestratégia naval e de suas prioridadesde emprego para a definição da for-ma de atuação dos GptOpFuzNav.

O modelo de OpAnf desenvol-vido em nosso meio acadêmico eoperativo ao longo das últimas dé-cadas teve o grande mérito de mo-delar nossa doutrina e meios paratranspor a guerra do mar para a terra.No entanto, o propósito que supor-tava estas operações estava semprevinculado ao apoio às manobras ter-restres no TOT, com o emprego deum AssAnf apenas para viabilizaruma manobra de envolvimento a serdesencadeada por tropas do EB quecombateriam para reaver parcela doterritório nacional invadida.

As IncAnf, por sua vez, têm seufoco principal voltado para a evacua-

NATO RESPONSE FORCE:SNS Castilla, Navio Anfíbio espanhol,

operando próximo ao litoral

Almirante Aube:estratégiafrancesa

antiacesso

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ção de não-combatentes, na maiorparte das situações idealizadas,trabalhadores de uma empresa bra-sileira vivendo e trabalhando noexterior, a menos de 30 km do litoral.

Conforme podemos observar,nem o AssAnf nem a IncAnf estãodiretamente voltados para a defesade nossa soberania no mar. Com osmesmos meios que hoje equipamnossas unidades e observando ospreceitos da doutrina básica, po-deríamos ser muito mais úteis àsatividades da Esquadra e às de-mandas operacionais do TOM, con-tribuindo de maneira mais ativa parao CAM ou para a Negação do Usodo Mar (NUM).

A nova Doutrina Básica da Ma-rinha (DBM) estabelece que dentreas tarefas básicas do Poder Naval éo CAM que permite atingir os efeitosdesejados de provimento de segu-rança às comunicações marítimas, oconsentimento de exploração e ex-plotação dos recursos do mar e o im-pedimento ao inimigo do uso de áreamarítima para projetar poder sobreterritório ou área que se deseja pro-teger. Assim sendo, o CAM é umadas principais ferramentas para a ga-rantia de nossa soberania na Ama-zônia Azul.

Em uma das modalidades básicaspara o estabelecimento do CAM, énecessário que se conduzam opera-ções fora da área que se deseja con-trolar: conquista de áreas terrestresque controlam áreas de trânsito ouonde estão localizadas bases inimigas;ataques às forças inimigas em suasbases; operações de bloqueio; e des-truição dos meios navais inimigos emalto-mar. Em boa parte dessas ope-rações, as Forças Anfíbias estariamaptas a desenvolver um papel defundamental importância.

Nas operações de conquista deáreas terrestres que controlam áreas

de trânsito ou onde estão localizadasbases inimigas, o emprego de tropasanfíbias é de grande valor. A presençafísica em terra dos “marujos-anfí-bios”, estabelecendo, por meio deAssAnf, uma Cabeça-de-Praia (CP),conferiria uma dimensão maior aocontrole que se pretende exercernesses pontos focais em terra, assimcomo nas áreas marítimas adjacentes.O leque de opções de emprego deforça a partir de terra seria bastanteampliado, nessa CP poderiam serinstaladas bases e posicionados sis-temas de armas ofensivos ou defen-sivos. Além disso, a presença de tro-pas em terra retira a possibilidade doinimigo usufruir do mesmo espaçolitorâneo.

As tropas anfíbias são, também,habilitadas a conduzir ataques àsforças inimigas em suas bases. Pormeio de AssAnf ou IncAnf, uma For-ça Naval pode reduzir os meiosnavais inimigos ainda em suas bases,o que contribuiria diretamente parao sucesso na obtenção, ou manu-tenção, do controle de determinadaárea marítima.

As operações de bloqueio bus-cam impedir o trânsito ou movimentode navios sobre determinada áreaque se deseja controlar. Ela podeenvolver uma variada gama de ope-rações navais como a minagem ofen-siva, o ataque e o esclarecimento.Particularmente, com relação à con-dução dos esclarecimentos, os FNpodem ser de grande valia no cum-primento da tarefa de patrulhamentoe nas necessárias abordagens aoscontatos de interesse. Em situaçõesde combate, a composição dos Gru-pos de Visita e Inspeção (GVI) eGuarnições de Presa (GP) pode serreforçada por FN, o que confeririamaior poder de combate, assim comopoder dissuasório, à atividade.

As visitas e inspeções levadas a

efeito nas PatrulhasNavais em períodosde paz diferem dasrealizadas em operações de bloqueioou de estabelecimento de Zonas deExclusão. Estas últimas apresentamuma forte ameaça à integridade físicados integrantes dos GVI-GP e umamaior possibilidade de emprego deforça contra a tripulação inspecio-nada. Cabe ressaltar que o adestra-mento necessário, tanto para as visitascomo para o apresamento, já é dodomínio dos FN. A Companhia dePolícia do Batalhão Naval, há maisde 15 anos, provê apoio de instruçãoa diversas capitanias, delegacias e a-gências, assim como a navios da Es-quadra, por meio de suas EquipesMóveis de Instrução (MOVIN)sobre GVI-GP.

Dentre as operações acima rela-cionadas, atinentes ao CAM, oscombatentes anfíbios não poderiamcontribuir apenas com a destruiçãodos meios navais inimigos em alto-mar, não no presente. Se, no futuro,pudéssemos incorporar ao nosso ar-senal mísseis antinavios, à semelhançado que ocorre com os fuzileiros na-vais suecos, agregaríamos às nossastropas a capacidade de influir nasLCM próximas ao litoral. E, se, alémdisto, este apoio de fogo tiver ca-racterísticas anfíbias e expedicio-nárias, poderíamos projetar estacapacidade em terra ou em ilhas,ampliando e direcionando o alcancede seus efeitos.

Outra possível e útil aquisição se-riam as embarcações rápidas e an-fíbias, como as de modelo sueco, queincorporariam velocidade e mano-brabilidade aos GptOpFuzNav nomar, mesmo em um litoral não tãorecortado como o escandinavo. Estesmeios poderiam compor, junto comoutros, um sistema naval antiacesso,contribuindo para o CAM ou para a

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futuro, poderão adquirir ca-pacidade semelhante. O quenos torna único, no contexto dasForças Armadas, é nossa ca-pacidade anfíbia, que pres-supõe uma capacidade ex-pedicionária, mas não se res-tringe a ela.

CONCLUSÃO

Os temas abordados nesteartigo, assim como as idéiasapresentadas, não pretendempropor soluções prontas; bus-cam, apenas, lançar luzes econvidar à ponderação acercade assuntos afetos ao empregodos “marujos-anfíbios” emcombate.

Para tanto, identificou-se aimportância de buscar-se umamaior integração dos meiosnavais e anfíbios nas operaçõescosteiras. Integração esta quetem caracterizado, também,novas conformações de ForçasNavais como a norte-america-na, a sueca e a da OTAN, de-monstrando ser, talvez, umaopção eficaz para quem pre-tende proteger seus direitos no mare no litoral. Cabe a ressalva, noentanto, que esta convergência decapacidades não impõe alteraçõesem nosso cabedal doutrinário, arsenalou talhe organizacional.

Este esforço de integração prevê,no entanto, a construção de capa-cidades anfíbias úteis à Força Naval,como a contribuição ao CAM, àNUM e à Patrulha Naval, amplian-do, desta forma, sua versatilidade eseu poder dissuasório. Outro pontoimportante é a valorização de nossavocação para o AssAnf, com a forçae a ligeireza que lhe são necessárias,evitando-se caracterizações de nos-sa Força como pronta, apenas, para

ações pouco bélicas ou meramentevoltadas para as IncAnf de entradasdiscretas e tempos de permanênciaem terra fugazes.

Por fim, o Atlântico Sul, seuscontornos, ilhas e LCM, sendo alinha do vento de nossa estratégianaval, poderiam passar a ser focode muitas das atividades, operaçõese esforços dos combatentes an-fíbios. Assim, os soldados-mari-nheiros passariam a ser o braço an-fíbio e expedicionário, pronto eforte, da Esquadra nos futuroscombates em espaços de batalhaspróximos aos litorais, sempre emdefesa dos interesses nacionais naimensa Amazônia Azul.

NUM, ao inimigo que pretendesseprojetar seu poder sobre nossoterritório.

As soluções para emprego deforça acima apresentadas têm todasum propósito comum: ser útil àEsquadra. Isso implica numamudança do foco de atuação dos FNdo TOT para o TOM, passando aser uma opção pronta e eficaz paraas ameaças e demandas que a guerranaval moderna poderá apresentar àsForças Navais. Esta ferramentaanfíbia precisa, no entanto, ser forteo suficiente para executar AssaltosAnfíbios em ambientes costeiros ouinsulares.

Nesse sentido, cabe ressaltar quenossa vocação para o AssAnf deveser valorizada e sua chama mantidaacesa. Se hoje executamos comgrande proficiência IncursõesAnfíbias e Operações de Paz ex-pedicionárias, foi porque nossosantecessores nos prepararam para oAssalto Anfíbio. Quem assaltaexecuta incursões e expedições. Arecíproca, no entanto, nem sempre éverdadeira. A tropa preparadaapenas para a IncAnf terá grandedificuldade, em termos doutrináriose de equipamentos, para executar oAssAnf. Da mesma forma, umaForça voltada apenas para ativida-des não-bélicas terá de ultrapassaróbices de toda ordem para voltar apossuir características combatentes.Além disto, a capacidade expedicio-nária não é um requisito exclusivo dasForças Anfíbias: outras Forças, no

Operação ADEREX – I / 2004Exercício de Controle de Área

Marítima

Assalto Anfíbio: poder de combate eligeireza

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ARMAS NÃO-LETAIS“A guerra é a

continuação dadiplomacia por outros

meios. Imposição davontade, não a destruiçãofísica, é a correta medida

do sucesso”Karl Von Clausewitz

Armas não-letais – o que, em princípio, pode pareceruma contradição (como armas podem não servir para matar?) representa uma al-ternativa bastante interessante no contexto da guerra moderna, por reduzir os chamados“danos colaterais”, que são, como o próprio nome indica, conseqüências indesejadasresultantes do emprego de determinado sistema de armas, ocasionando mortes de civisou, em certos casos, das forças amigas. Contudo, várias outras denominações podem serencontradas na literatura especializada, tais como soft kill weapons (algo como armasque causam “morte suave”), less-than-lethal weapons (armas “menos letais”) e outras.Isso decorre do fato de que, ocasionalmente, mesmo o emprego desses artefatos pode tercomo resultado a morte. Neste trabalho, porém, adotaremos a primeira denominaçãoapresentada, por ser de uso mais comum e, conseqüentemente, mais aceita internacio-nalmente, já que é, politicamente, um termo mais atraente.

Muito embora armas não-letais (que, para efeito prático, serão representadaspela sigla ANL) sejam, há muito, empregadas pelas diversas corporações policiais tantono Brasil como no exterior, o escopo do trabalho procurará abranger tão-somente suaspossibilidades e limitações de emprego em operações e cenários militares, o que, conformeveremos no decorrer do artigo, aumentou muito de importância nas últimas décadas.Haja vista o caráter resumido do artigo, recomendo, para aqueles que desejam seaprofundar no assunto, a leitura do livro Armas não-letais – Alternativas para osconflitos do século XXI, do Coronel da Reserva do Exército dos EUA John B. Alexan-der, livro este considerado a “Bíblia” das ANL, origem do meu interesse por esse temae, inevitavelmente, no qual algumas passagens deste trabalho se basearam.

O presente artigo será a seguir dividido em tópicos, a saber: conceito, onde seráapresentada a definição mais comumente empregada para esses armamentos; princípiosbásicos, que orientam a pesquisa e o desenvolvimento das ANL; um breve histórico, noqual serão apresentadas as origens dessa nova opção não-letal, ao mesmo tempo queapresenta os cenários de emprego das ANL; uma classificação, onde as ANL serãosubdivididas de acordo com suas características mais marcantes e, por último, umaconclusão, que procurará fornecer elementos para uma reflexão sobre a importânciado desenvolvimento de doutrina e do emprego de novos sistemas de armas baseados emtecnologia não-letal nas operações militares do futuro.

CC (FN) CARLOS JORGE DE ANDRADE CHAIB

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CONCEITO

Segundo o Departamento deDefesa dos Estados Unidos, ANLsão “os sistemas de armas e muni-ções especificamente projetados pa-ra emprego primário na incapaci-tação de pessoas, tendo como obje-tivo não causar fatalidades ou lesõespermanentes, e neutralizar materiaissem causar danos ao patrimônio e aomeio ambiente”. Note-se que a defi-nição deixa claro que as ANL nãosão empregadas para causar mortee comprometimento da propriedadee do meio ambiente (muito embora,como já mencionado, isso acidental-mente possa vir a ocorrer), mas, pelocontrário, têm como propósito princi-pal minimizar os danos permanentesao pessoal, material e meio ambiente,para que os efeitos desejados de in-capacitação durem somente o temponecessário para atender determinadademanda estratégica ou tática que sefizerem necessárias durante umaoperação militar. Isto só é possívelpelo fato de que, ao contrário das ar-mas convencionais, que causamdestruição por intermédio de explo-são, penetração e fragmentação, asANL utilizam processos reversíveis,afetando diferentemente material epessoal dentro do raio de ação con-siderado.

PRINCÍPIOS BÁSICOS

Os princípios básicos, a seguirapresentados, são os principais tó-picos a serem observados por oca-sião do desenvolvimento dos re-quisitos e capacidades das ANL, noque tange aos equipamentos a seremempregados, na doutrina, adestra-mento e considerações de caráterlogístico. Não obstante, não existirá

ANL que consiga atender a todos osprincípios satisfatoriamente, uma vezque, como veremos mais adiante,cada arma possui as suas própriascapacidades e limitações, de acordocom a tecnologia empregada.

I) FLEXIBILIDADE

Uma tropa equipada somente comarmas convencionais possui apenasduas opções: realizar ação de pre-sença ou empregar força mortal. Odesenvolvimento de novas ANL deveser pensado com o intuito de asse-gurar aos comandantes um lequemaior de opções, aumentando a fle-xibilidade em operações militares,possibilitando às nossas tropas en-gajar uma ameaça com riscos re-duzidos de danos colaterais.

II) EQUILÍBRIO

As ANL devem possuir um equi-líbrio no sentido de que devam em-pregar força suficiente para causardor ou inquietação no oponente, semcausar morte ou dano permanente e,por outro lado, sem permitir que ooperador fique desprotegido, peloemprego de força insuficiente. Essaequação (força empregada X danocausado) deve sempre ser mantidaem perfeito equilíbrio, sob risco deproduzirem-se ANL efetivamenteletais ou ANL inofensivas.

III) SIMPLICIDADE

Quaisquer sistemas ou equipa-mentos que sejam difíceis de operarou requeiram pesados encargos logís-ticos para sua operação irão revelar-se impróprios para o uso em situaçõesde combate. As ANL não são exce-ções: além dos requisitos de portabi-

lidade e leveza, os mecanismos deacionamento devem ser simples e,se possível, adaptados às armasconvencionais, de modo que a op-ção letal sempre esteja facilmentedisponível, caso a alternativa não-letal revele-se insuficiente com aevolução da situação.

IV) GRADAÇÃO

É de suma importância a possibi-lidade de graduar-se a potência deuma ANL, pois é sabido que tantoos seres humanos como os materiaisnão são iguais no que tange à resis-tência física. Ajustar esta força, demodo a ampliar os efeitos sobretodos os tipos possíveis de pessoase materiais, é um grande desafiocientífico para o desenvolvimento denovas ANL.

HISTÓRICO

As ANL já são, há muito, conhe-cidas e utilizadas; entretanto, uma rá-pida análise de alguns cenárioshistóricos pode levar ao entendi-mento de como esses sistemas dearmas passaram de uma situaçãopraticamente insignificante, restritaàs utilizações policiais, para umstatus de grande importância, quan-do as ANL passaram a ser consi-deradas uma opção bastante razoá-vel frente às novas característicasdos conflitos modernos.

Durante o período da GuerraFria, onde existia claramente uma bi-polarização do poder entre o blocoocidental liderado pelos EUA e o blo-co oriental comandado pela extintaURSS, todo o aparato tecnológicoligado à indústria bélica concentrava-se na produção e desenvolvimentode armamentos convencionais, como

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grandes blindados, mísseis intercon-tinentais e enormes bombardeiros. Acorrida armamentista desenvolvidapor ambos os lados ajudou a mantero delicado equilíbrio bipolar no mun-do, sem que fosse ultrapassado o li-miar nuclear, que levaria à destruiçãototal.

Dentro desse cenário, ainda du-rante a Guerra Fria, pode-se desta-car um episódio que levou a novasconsiderações sobre o desenvolvi-mento de outras concepções para osconflitos bélicos: a Guerra do Vietnã.A certeza de que só o armamentopesado e a escalada de violência emorte eram suficientes para garantiruma vitória militar sofreu um grandebaque, quando os americanos, incré-dulos, viram suas pesadas forçasmilitares sucumbirem nos arrozais dosudeste asiático. A partir de então,novas concepções de como se fazeruma guerra começaram a tomarvulto.

Dentro deste contexto, ainda ten-do os soviéticos como principal ad-versário, os EUA passaram a consi-derar o emprego de novas tecnolo-gias que, ao invés de destruir comple-tamente o sistema de armas inimigo,faria com que o mesmo sofresse re-tardos, a fim de possibilitar às forçasda OTAN um posicionamento maisvantajoso, que pudesse fazer frenteàs colunas de blindados de altamobilidade das forças do Pacto deVarsóvia, que se supunha iriamdeslocar-se numa feroz investida pelaEuropa Central, por ocasião da de-flagração de um conflito mundial.

Com a derrocada da extintaURSS e o conseqüente fim da GuerraFria, o mundo passou a presenciarum turbilhão de novos conflitos iso-lados, de origens étnicas, religiosas epolíticas. Nesses conflitos, onde as

Forças da ONU passaram a marcarpresença mais acirrada, na tentativade evitar crimes contra a humanidade,proporcionaram aos militares envol-vidos a experiência necessária paraa formulação dos requisitos de sis-temas de ANL. Dentre esses confli-tos, conhecidos nos EUA comoMOOTW (Military OperationsOther Than War – Operações Mi-litares que não a Guerra Conven-cional), destacaremos, pela impor-tância para o desenvolvimento dasANL, os casos da SOMÁLIA,HAITI e BÓSNIA.

> SOMÁLIA

Em dezembro de 1992, iniciava-se a operação de apoio de paz “Res-taurar a Esperança”, levada a efeitopelos EUA para distribuição de ali-mentos com o objetivo de aplacar afome que já havia dizimado milharesde pessoas naquele país africano. En-tretanto, constatou-se que a distri-buição de alimentos não se realizariaassim tão facilmente: no país, havia-se estabelecido um verdadeiro caos,onde senhores-da-guerra locais tra-vavam uma luta sangrenta pelo podere tinham cortado o fluxo de alimentospara o restante da população. Essessenhores eram apoiados por milíciasmal treinadas e armadas pelo próprioEUA e pela antiga URSS, durante ojogo estratégico da Guerra Fria. Lo-go, devido à escalada de violênciaentre as milícias e as tropas ameri-canas, com baixas em ambos oslados e também na população civil,o que originalmente começou comouma operação humanitária tornou-seuma operação de supressão dos se-nhores-da-guerra, culminando com oemprego dos Rangers, tropa espe-cial conhecida por sua tática agressiva

de combate. Essa deterioração damissão levou a um desfecho dra-mático quando, em 3 de outubro de1993, em uma emboscada orques-trada pelos senhores-da-guerra, 18Rangers e mais de 300 somalis, entreguerrilheiros e civis, haviam sidomortos. A reação da mídia america-na, ao ver pela televisão o corpo deum Ranger ser arrastado pelas ruascomo um selvagem troféu de guerra,fez com que as Forças americanasse retirassem da Somália e fossemsubstituídas por outras tropas daONU.

Conclui-se, portanto, que a culpanão pode ser atribuída aos Rangers,pois eles fizeram o que sabiam fazer:conduzir ataques com armas con-vencionais, aceitando a ocorrência debaixas. A questão é que as tropas nãoestavam treinadas em operações hu-manitárias e não possuíam outra al-ternativa a não ser suas armas con-vencionais.

No fim de 1994, mais de 130 sol-dados da ONU já haviam morridona tentativa de acabar com a fomena Somália, sendo que esta já nãoera mais a única preocupação: existiaa necessidade de envidar esforços nareconstrução nacional, a fim de criaruma infra-estrutura mínima para quea barbárie de outrora não viesse aacontecer novamente. Infelizmente,depois de gastos na ordem de algunsbilhões de dólares, tomou-se a de-cisão de acabar com a missão e fazerretornar aos seus países de origemos soldados das Forças de Paz daONU. Entretanto, aí residia mais umgrave problema: havia um grupo,amigável, que considerava a presençada ONU como a sua única garantiade proteção, e este grupo estava de-terminado em impedir a partida dossoldados, como uma espécie de bar-

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reira humana a interpor-se à retirada.Além disso, ainda existiam os perigosproporcionados pelas milícias locais,tornando ainda mais dramática eperigosa essa operação de evacua-ção. Foi então planejada e colocadaem execução o que passou a ser cha-mada de “Operação Escudo Unifi-cado”, realizada pela 13ª UnidadeExpedicionária dos Fuzileiros Navaisnorte-americanos. No entanto, pelaprimeira vez, foram disponibilizadosalguns tipos de ANL, tais comomunição de baixo impacto calibre 12,espuma aderente e um sistema delaser de baixa energia, até então osúnicos sistemas disponíveis nomercado. Essas ANL permitiriam quea operação fosse realizada com su-cesso, sem o disparo de um único tirosequer, proporcionando segurançatanto para os militares quanto para apopulação local. O sucesso da ope-ração motivou uma declaração docomandante das tropas americanas,Tenente-General Anthony Zinni, quedisse que “nunca mais iria para umamissão de apoio de paz sem ANL” eque “havia uma necessidade urgentede desenvolver novas ANL”.

> HAITI

Um dos países mais pobres dasAméricas, com uma população ori-ginária dos escravos que vieram daÁfrica para trabalhar no Novo Mun-do; a história política do Haiti, desdea década de 30, tem sido pautadapor uma sucessão de ditadores. Du-rante décadas, primeiro o pai, Fran-çois Duvalier, conhecido como “PapaDoc”, e depois seu filho, Jean-ClaudeDuvalier, o “Baby Doc”, impuseramum reinado de terror, baseado embrutais perseguições e assassinatosdos opositores do regime por uma

espécie de Polícia Especial (os temí-veis Tontons Macoutes) e no esta-belecimento do medo através da im-posição do Vodoo, um misto de reli-gião com magia negra.

Com a derrocada econômica e aconseqüente oposição popular, oregime Duvalier chegou ao seu fim nofinal da década de oitenta, surgindofinalmente um presidente por escolhado povo: Jean-Bertrand Aristide tor-nou-se o primeiro presidente eleito(e que, conforme verificamos hoje,também não logrou êxito no comandodo país). Entretanto, lideranças mi-litares, descontentes com o ritmo dasmudanças, resolveram depor o pre-sidente através de um golpe militarem 1991. Como a situação econô-mica continuou a declinar, e a quan-tidade de refugiados haitianos aumen-tando consideravelmente (com des-tino principal aos EUA); os EstadosUnidos, com o apoio da ONU, che-garam a um acordo onde os líderesmilitares deveriam deixar o poder epermitir, com isso, o retorno da de-mocracia ao país. No entanto, oacordo não foi cumprido, e sucessõesde crises (dentre elas o episódio donavio de guerra americano HarlanCounty, expulso de Porto Príncipeperante os olhos do mundo) levaramos EUA a enviar tropas para o Haitiem 1994, na tentativa de restabelecera ordem e a democracia no país. Oque se seguiu, então, foi algo total-mente inesperado pelas Forças ame-ricanas: o cenário de extrema miséria,violência desenfreada, anarquia ebarbárie, com mães desesperadasprocurando seus bebês numa pilha decadáveres em cemitérios a céu aber-to, colocaram a tropa americana, quenão possuía outra alternativa que nãoas armas convencionais, em umasituação constrangedora: por vezes,

as câmeras de televisão registravamespancamentos de civis ao lado dossoldados americanos, que perma-neciam impassíveis a fim de cumpriras ordens de não intervir com suasarmas letais. As tropas até podiamameaçar, mas, uma vez colocadas emcheque, teriam de recuar, pois só po-deriam atirar se suas vidas fossemefetivamente colocadas em risco.

Além disso, a extrema condiçãode miséria da população levava a si-tuações perigosas para as tropas,quando as mesmas eram vistas ali-mentando-se. Para um haitiano,aquela quantidade de comida con-sumida em cada refeição de cam-panha era muito mais do que ele pos-suía para comer em uma semana.Conforme alguns oficiais comen-taram, em caso de descontrole dasituação em virtude de uma investidados mais famintos, que poderiacolocar em risco a segurança da tro-pa, nada poderia ser feito, pois “co-mo poderiam atirar em pessoas queestão tentando apenas se alimentardo seu lixo?” Após a experiência noHaiti, o emprego de ANL nesse tipode situação tornou-se uma alternativabastante considerável para os estra-tegistas norte-americano.

> BÓSNIA

A situação política na Bósnia-Herzegovina (ex-Iugoslávia) erabastante difícil, com milhares de ví-timas sendo mortas perante as câ-meras de televisão de todo o mun-do, por motivos raciais e territoriais.Tal situação levou a ONU, emconjunto com a OTAN, a formar aUNPROFOR, Força Internacionalpara restabelecer a paz na região. Aocontrário da Somália e do Haiti, aquias forças beligerantes possuíam ar-

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mamento bem mais moderno, dis-pondo inclusive de artilharia, carros-de-combate e defesa antiaérea. De-vido a esse fato, era inegável que asForças da UNPROFOR deveriamdispor de armamento letal também àaltura. Entretanto, duas situaçõeslevaram ao reconhecimento de quesomente armas convencionais nãoforam suficientes nesse caso: a primei-ra foi a necessidade de garantir-se aproteção das zonas de segurança,onde não raro aconteciam violaçõespor ambas as partes em conflito.

Essa situação, devido ao já men-cionado poderio bélico das forçasopositoras, fez com que o comandodas Forças de Apoio de Paz julgasseque suas tropas eram insuficientespara proteger essas zonas de segu-rança, sendo decidido que as Forçasdeveriam retirar-se. No entanto, co-mo aconteceu também na Somália, apopulação civil, que seria a mais pre-judicada com a retirada das tropasde apoio de paz, postou-se como es-cudo humano para tentar impedir aretirada. Isso provocou embates ten-sos entre as Forças e a populaçãocivil, uma vez que não se poderiaempregar armamento convencionalem pessoas que estavam apenasdesesperadas por causa de suaprópria segurança e pelo fato de queas Forças de Apoio de Paz não es-tarem equipadas e adestradas paraenfrentar esse tipo de situação.

A segunda situação era as cons-tantes violações dos acordos de paz,onde os violadores procuravam lu-dibriar os acordos posicionando in-tencionalmente armas pesadas pertode hospitais (onde as forças de paznão atacariam) e carros-de-combateem depósitos civis e acessos a lo-calidades, onde se tornaria difícilqualquer retaliação devido ao perigo

de se atingirem civis inocentes. Issolevava as Forças da UNPROFOR,sem a alternativa de empregar ar-mamento não-letal, a somente duasopções: empregar armas conven-cionais, que poderiam provocar da-nos colaterais, ou simplesmente ig-norar as violações. Ambas as op-ções eram bastantes desconfor-táveis.

CLASSIFICAÇÃO

As ANL possuem uma variedadeimensa de classificações: quanto aotipo de alvo, tecnologia empregada,espectro de utilização etc. No entan-to, para efeitos práticos, adotarei umaclassificação que permite, de certaforma, combinar as tecnologias uti-lizadas aos efeitos das ANL nos alvosselecionados. São elas:

a) ANL de atordoamento

Estes tipos de ANL, usadas como propósito de causar confusão e de-sorientação nos alvos selecionados(utilizadas, portanto, primordialmentecontra pessoal) são, há décadas, em-pregadas por forças policiais em todoo mundo e, ultimamente, passaram aser consideradas também como umaopção militar. Para a obtenção desseefeito de atordoamento, várias tecno-logias podem ser empregadas. Pode-mos ter, então, ANL de atordoa-mento desenvolvidas com o empregode princípios químicos, acústicos,eletromagnéticos ou mecânicos(ANL de baixa energia cinética).

I) Opções químicas

O uso de armas desenvolvidasquimicamente é bastante limitado,devido ao rígido controle de produ-

ção e desenvolvimento realizado portratados internacionais. Dentre asANL de atordoamento que utilizamprincípios químicos, podemos des-tacar primeiramente os gases irritan-tes, como o CS, também conhecidocomo gás lacrimogêneo, e o gás depimenta. Empregados por meio deprojéteis, granadas e aerossóis (fig.1 e 2) que são lançados em meio amultidões para coibir distúrbios, po-dem apresentar alguns possíveis efei-tos colaterais (náusea e tonturas sãoos mais comuns), mas raramente sãofatais, não obstante altas concentra-ções (que ocorrem principalmenteem ambientes fechados) podemprovocar edema pulmonar tóxico, oque pode representar risco de vida.A principal limitação é a não sele-tividade, ou seja, obriga aqueles queas empregam a terem de proteger-se das mesmas, sob risco de tambémsofrerem seus efeitos.

Outro tipo de ANL química cons-tantemente em desenvolvimento é umtipo de gás do sono, ideal em situa-ções de terrorismo ou resgate dereféns. Entretanto, embora pesquisastenham sido desenvolvidas durantevários anos, ainda não se chegou aum tipo de gás “universal”, ou seja,que possa colocar uma pessoa ins-tantaneamente inconsciente e que

Fig.1 – Projéteisde pimenta

Fig.2 – Armalançadora de

projéteis depimenta1

2

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depois permita sua recuperação apósdeterminado período de tempo, co-mo costumamos constantemente as-sistir nos filmes de Hollywood. Issose deve ao fato de que os efeitos quí-micos no organismo humano variammuito para cada tipo de pessoa, poisdepende de fatores variados, comopeso corporal e condicionamento fí-sico. Uma dose que é inofensiva paraum homem de estatura média podeser fatal se aplicada em uma criança,por exemplo. Um dos casos que bemexemplificam o que aqui foi expostosobre as opções químicas foi a ope-ração de resgate dos reféns no teatrode Moscou em outubro de 2002. Naocasião, as forças de segurança rus-sas usaram um gás derivado da subs-tância incapacitante Fentanyl, umopiáceo empregado como sedativoe analgésico. Grande parte dos 119reféns mortos durante a libertação doteatro morreu vítima desse gás, pro-vavelmente devido à alta concen-tração em ambiente fechado e às di-ferentes reações orgânicas, conformeverificamos anteriormente.

Ainda dentro do grupo das ANLquímicas, o emprego do mau cheiroé um outro recurso em desenvol-vimento: são as chamadas “bombasfedorentas” ou “bombas de pesti-lência”. Essas bombas atuariam deforma psicológica e física. Existe umarelação entre o cheiro e o medo; umforte odor pode provocar reaçõesinesperadas no cérebro, capaz de pro-duzir temor e sentimento de culpa.Entretanto, o grande desafio para oscientistas é desenvolver o “fedorideal”, ou seja, um odor desagradávela qualquer indivíduo, independentede seus hábitos culturais e de suascondições físicas. Alguns produtossão fortes o suficiente para causarreações como engasgos e vômitos,

como por exemplo a putrecina e acadaverina. Taticamente, embora nãoproduzam uma barreira intrans-ponível, essas ANL podem impedirque determinada área seja ocupadatemporariamente e também podemser empregadas como dispersadorasde turbas.

II) Opções acústicas

A tecnologia acústica desenvol-veu-se significativamente nas últimasdécadas. Desde a II Guerra Mundial,cientistas alemães e austríacos desen-volveram estudos no sentido de pro-duzir uma poderosa arma acústica.Após a II GM, cientistas americanosprosseguiram nos estudos e há regis-tros que, antes do final da GuerraFria, também os soviéticos envida-ram esforços no desenvolvimento deANL acústicas. Podendo ser utili-zadas tanto contra pessoal comocontra material, as ANL acústicas po-dem ser usadas para a evacuação deuma área ou estabelecer uma zonade segurança entre a tropa e poten-ciais atacantes, criando uma espéciede “barreira de som”.

Dentre as vantagens dessa tec-nologia, podemos citar: um campoacústico não contamina a área (aocontrário das opções químicas), po-de-se graduar a intensidade do cam-po acústico conforme a reação dostransgressores e as ondas acústicaspropagam-se normalmente em meioà fumaça, fogo e poeira (ao contráriodas ANL eletromagnéticas). Entre-tanto, esse campo acústico não éproduzido somente submetendo aspessoas a ruídos altos; o objetivo dasANL acústicas não é criar um sominsuportável, mas sim fazer vibrarfisicamente o indivíduo-alvo.

Ademais, conforme se verificou

também quanto às opções químicas,as ANL acústicas também podemafetar qualquer um em determinadaárea. Para fazer frente a essa limi-tação, pesquisas vêm sendo desen-volvidas com o objetivo de controlar-se o direcionamento das ondas acús-ticas, o que se constituiria em umgrande passo no emprego tático des-sas armas (fig. 3). Existem três faixasde freqüências que podem ser utiliza-das: infra-som, som e ultra-som.

O infra-som (espectro de somabaixo de 20Hz) pode causar mal-estar no indivíduo e, até mesmo, pro-vocar danos na estrutura de constru-ções, devido à vibração, impercep-tível aos nossos ouvidos. Existe umrelato, não confirmado, de que umcientista francês, exposto aciden-talmente a um protótipo dessas armasacústicas de infra-som, morreu de-vido ao esfacelamento de todos osseus órgãos internos. Além disso, écomprovado que seres humanos sub-metidos à infra-som de alta potênciapodem sofrer de uma incontroláveldiarréia, com conseqüências até mes-mo fatais. Paralelamente, experiên-cias realizadas demonstraram queuma exposição prolongada a um cam-po acústico de infra-som de baixapotência pode provocar distúrbiosmotores e psicológicos, como perda

Fig. 3 – Protótipo de armaacústica direcional

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do sentido de orientação e de con-centração, essenciais quando imagi-namos um cenário tático onde existemequipamentos militares que requei-ram máxima atenção em seu ma-nuseio.

O som, que é a faixa do espectropercebido pelos ouvidos humanos(20 a 20.000 Hz) tem sua aplicaçãopor meio da utilização de uma enormevariedade de sons que provocamreações variadas nos seres humanos.Além disso, aqui fica bastante fácilmensurar os efeitos da graduação:por exemplo, caso uma turba, sub-metida a uma barreira acústica, nãose abstenha de seus propósitos, o au-mento do volume do som, até se tor-nar fisicamente insuportável, poderácontribuir de maneira decisiva para adispersão de multidões agitadas.

Finalmente, o ultra-som (acima de20.000 Hz), de emprego bastanteconhecido na medicina fisiátrica,apesar de causar um aumento detemperatura no local de aplicação(dependendo da potência emprega-da), não se presta para o desen-volvimento de ANL, pois sua fre-qüência, além de propagar-se commais dificuldade, é facilmente blo-queada por barreiras físicas.

III) Opções eletromagnéticas

O sistema de laser de baixa ener-gia empregado na Somália, conformedescrito no histórico, consistia de umsistema de duplo feixe de Neomídio(Nd) que produzia uma luz de corverde, empregada tanto para de-tecção e designação de alvos comopara, principalmente, desencora-jamento (já que não existe situaçãomais desencorajadora do que umapessoa, de repente, perceber que es-tá “na mira”). Os laser empregados

na Somália, ao contrário dos pri-meiros protótipos, não causavamcegueira permanente. Entretanto,armas laser que podem causar sériosdanos aos olhos não só já existemcomo podem ser facilmente ad-quiridas no comércio legalizado dearmas ou pela INTERNET. Alémdisso, muitos países já desenvolveramoutras armas laser prejudiciais àvisão, que podem ser encontradas eadquiridas no mercado mundial dearmamento.

Por último, dentro desse grupo te-mos os tasers, mais conhecidos co-mo armas de choque elétrico. Con-sistem em armas eletrônicas de alta-voltagem e baixa-amperagem, ali-mentadas geralmente por baterias de9 volts e que produzem um choqueelétrico na faixa de 20 a 25 mil volts,suficientes para que a vítima perca ocontrole neuromuscular dos membrosinferiores, indo ao chão instanta-neamente. Existem vários tipos deaparelhos de tasers, no formato depequenas pistolas (fig. 4) até omodelo de tasers-a-ar (fig. 5), queconsiste em um lançador de ar-

comprimido que impulsiona osdardos elétricos no alvo, atingindoassim maiores distâncias.

IV) Opções mecânicas (baixaenergia cinética)

As ANL que utilizam o impactocom baixa energia cinética são muitocriticadas pelos opositores do em-prego da tecnologia não-letal. Os ar-gumentos principais são os casos e-xistentes de pessoas feridas grave-mente ou, em alguns casos, até mor-tes que ocorreram devido ao uso detais artefatos. O uso de ANL pode,por acidente ou falta de adestramentodos utilizadores, levar a desfechosnão desejados; porém, é inegável (equanto a isso não há controvérsia)que estas conseqüências são irrele-vantes se comparadas com os efeitoscausados pelas armas convencionais(fig. 6).

Neste grupo, a primeira ANL aconsiderar é a mais simples de todas:a água. Disparados por meio de ca-nhões de alta pressão, os jatos deágua podem ser extremamente efica-zes para controle de distúrbios edispersão de turbas, com a grande

Fig. 4 – Modelos de pistolas “Taser”

Fig. 5 – “Taser-a-ar”

Fig. 6 – Comparação entre o estragocausado por um tiro de munição não-letal bean-bag (esquerda) e por uma

munição convencional de 9mm(direita), à mesma distância de

disparo

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vantagem de serem raríssimos os da-nos físicos advindos de sua utilização.Outra ANL bastante conhecida é agranada de luz e som, também de-nominada simulacro. Apesar de tam-bém empregar princípios eletromag-néticos e acústicos, pode ser inseridadentro do grupo das ANL de ator-doamento de baixa energia cinética.Usada há algum tempo em ades-tramentos aqui no Corpo de Fuzilei-ros Navais, é conhecida internacio-nalmente pelo nome flash-bang,devido ao fato de que, quando acio-nada, cria um clarão seguido de umaforte explosão. Estas característicasconduzem ao atordoamento mo-mentâneo da ameaça em questão. Aprincipal limitação decorre do fato deque, se forem empregadas muitopróximas ao alvo, poderão trazerconseqüências indesejáveis (em al-guns casos até mesmo a morte) e,por outro lado, se empregadas agrandes distâncias, poderão revelar-se inofensivas, não cumprindo oefeito desejado e, pior, tornando vul-nerável o atacante, ao denunciar suaposição, facilitando uma reação porparte das forças opositoras. A situa-ção ideal para o uso desse primeirotipo de ANL é, no controle de dis-túrbios, para dispersar turbas.

O segundo tipo de ANL dessegrupo são os projéteis plásticos e deborracha (fig. 7), desenvolvidos eempregados pela primeira vez pelosingleses contra os irlandeses no inícioda década de setenta. Lançados pormeio de armas específicas ou de a-daptadores para armas convencio-nais (fig. 8) – o que é uma grandevantagem, já que o atirador tem sem-pre disponível, de imediato, a opçãode fogo letal, caso a situação evolua–, têm como principal objetivo infli-gir a quantidade certa de dor física

ao opositor de modo que o mesmodesista de continuar em ação. Curtasdistâncias no emprego destes projé-teis podem ocasionar conseqüênciasfatais, o mesmo ocorrendo quandoo disparo inadvertidamente atingir aregião da cabeça da vítima. Por con-seguinte, os alvos principais no indi-víduo deverão ser os membros infe-riores ou a região do tronco. Umaderivação deste segundo tipo são oschamados bean-bag bullet, que sãocartuchos que contém uma certaquantidade de sacos de malha, cadaqual com uma pequena carga deprojeção. Desse modo, ao seremdisparados, os sacos espalham o im-pacto em uma grande área, restrin-gindo, desse modo, os danos físicos.Podem ser adicionados a essasmunições tintas especiais de difícilremoção que servirão para iden-tificação posterior de indivíduos queparticiparam do distúrbio, pos-sibilitando a adoção de medidas coa-toras a posteriori.

Como combinação dos dois pri-meiros tipos apresentados, foi de-senvolvida uma granada de luz e somque também contém pequenas esfe-ras de borracha em seu interior. Por

ocasião de sua detonação, além daperplexidade causada aos oponentesem decorrência do forte estrondo edo clarão, essas microesferas tam-bém se espalharão, atingindo os alvossem danos graves, ampliando suapropriedade dissuasora (fig. 9).

b) ANL de restrição física

As ANL desse grupo são empre-gadas com o intuito principal de di-ficultar e até mesmo impedir o des-locamento, tanto de pessoal como deveículos. Os principais restritores fí-sicos são: redes, espumas e superlu-brificantes.

I) Redes

Utilizadas desde a antiguidadecontra animais e inimigos; as redes,quando lançadas, desorientam o ini-migo, facilitando sua captura. En-tretanto, para que isto ocorra, o ope-rador deve chegar a uma curta dis-tância do alvo, o que se pode tornarperigoso (fig. 10). Para atenuar essanecessidade, um dos dispositivosdesenvolvidos foi o netgun – arma-de-rede (fig. 11 e 12) –, que consistenuma espécie de fuzil que dispara, a

Fig. 8 – Arma específica paralançamento de projéteis de plástico

(esquerda) e fuzil M-16 com adaptadorpara lançamento de munição plástica

não-letal.

Fig. 9 – Granada de luz e som commicroesferas de borracha.

Fig. 7 – Projéteis de plástico. O dadireita contém tinta amarela de

identificação de alvos

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uma distância de 15 m, quatro pesosacolchoados, que conduzem e armamuma rede de três metros quadrados,ideal para a captura de indivíduosdescontrolados ou armados com ar-mas brancas de curto alcance.

Uma outra opção consiste nacombinação das redes com fios finoselétricos ligados a uma pequena bate-ria, criando uma malha eletromagnéti-ca que confere pequenos choques noindivíduo capturado, quando este tocana rede com o intuito de libertar-se.

Dentro desse grupo, estudos co-meçam a ser desenvolvidos para acriação de uma rede antiveículo.Ideal para emprego em postos decontrole de trânsito, esse sistema seriacapaz de parar veículos de mais deduas toneladas a uma velocidade su-perior a 90km/h, sem causar danosgraves aos ocupantes do veículo.

Outra tecnologia adaptada ao em-prego de redes, que atualmente é oestado da arte em se tratando denovas ANL, é o desenvolvimento deminas que, uma vez detonadas, em

vez de estilhaços mortais, lançam noar redes com substância aderente. Amissão dos campos de mina – retar-dar ou conter o inimigo – continua aser cumprida, só que sem as conse-qüências mortais das minas conven-cionais.

II) Espumas

Uma opção não letal são as es-pumas aderentes.Lançadas por meiode equipamentos se-melhantes a lança-chamas, os jatos deespuma são direcio-nados para os mem-bros inferiores do in-divíduo-alvo, com a fi-

nalidade de impedir seu movimento(fig. 13 e 14). Uma vulnerabilidadeconsiste no fato de que, nesse caso,o indivíduo continuará com suasmãos livres, o que poderia possibilitarum contra-ataque, caso o mesmodispusesse de armas de longo al-cance. A contramedida para isto seriaa aplicação da espuma sobre todo ocorpo do indivíduo, o que não setorna aconselhável devido aos riscosde sufocamento. A fim de minimizaresse risco, foram desenvolvidas es-pumas a base de água, com umaconsistência parecidacom a espuma de sa-bão. Ainda que dificul-te o movimento daspessoas envolvidaspor esse tipo de es-puma, não existe riscode sufocamento. Aremoção da maioriados tipos de espumadeve ser realizada em-pregando-se solventesespecíficos, já que,

Fig. 11 e 12 – Netgun em ação

Fig. 10 – Lançador de redeconvencional. Repare na curta

distância entre o operador e o alvo

caso se tente remover apenas fisi-camente, através de movimentosbruscos, a pele do individuo pode serarrancada junto com a espuma.

Além da utilização contra pessoal,também existem grandes geradoresde espuma, capazes de produzir elançar centenas de litros por minuto.Pode-se, então, lançar uma barreirade espuma em uma rodovia, porexemplo, forçando um veículo a pararquase que imediatamente.

III) Superlubrificantes

Os superlubrificantes, como onome já sugere, são produtos quí-micos com alto grau de viscosidade,capazes de serem aplicados de talforma que impeçam o trânsito depessoal e veículos por determinadaárea. Esses superlubrificantes pos-suem em sua constituição básica oteflon, sendo bastante efetivos nacriação de barreiras físicas que im-peçam o trânsito rápido, tanto de tro-pas quanto de veículos variados, semo risco de queda ou derrapagens.

c) ANL de energia dirigida

As ANL de energia dirigida sãoempregadas basicamente contra

Fig. 13 e 14 – Lançador de espuma e indivíduo-alvo atingido nas pernas pela espuma

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partes específicas de sistemas dearmas ou equipamentos, provocan-do a falência ou o mau funcionamen-to do sistema como um todo. Co-nhecidas como demons (direct ener-gy weapons) , as principais ANLdesse grupo são armas de micro-ondas e pulso eletromagnético.

I) Microondas

As ANL baseadas na utilizaçãode microondas funcionam com oprincípio básico de superaqueci-mento. As armas desse tipo utilizama energia dirigida por meio de pulsode alta potência na direção detransistores e outros componenteselétricos ou eletrônicos dos sistemasde armas, “fritando-os” e causandoseu conseqüente colapso. ExistemANL de microondas sendo de-senvolvidas para serem usadascontra aeronaves, de modo que aenergia dirigida de aquecimento sejaempregada para danificar os ins-trumentos de controle, provocandoa queda do avião. Apesar de ba-sicamente ser empregado contraequipamentos, existe um tipo deANL de energia dirigida desen-volvido para emprego contra pes-soal: trata-se do Active Denial Sys-tem, ADS) conhecido como tec-nologia da onda dolorosa. Segundodados do programa de pesquisa, jáfoi consumido cerca de US$ 40milhões no desenvolvimento dessanova tecnologia. O ADS concentraum feixe de microondas que con-segue penetrar nos tecidos aque-cendo a umidade na superfície paraaté 54 graus centígrados, causandoextrema dor, porém sem alcançar ascamadas mais profundas da pele.Empregado para dispersar gruposhostis, pode ser instalado em jipese também, posteriormente, em ou-

tros meios de combate, como aviõese helicópteros.

II) Pulso eletromagnético

Os pulsos eletromagnéticos foramobservados pela primeira vez emtestes com armas nucleares. Emboraseja um subproduto das armasnucleares, uma espécie de efeitocolateral de uma explosão nuclear, ospulsos geraram uma grande preo-cupação nos projetistas bélicos nosentido de procurar tornar os veículose equipamentos mais resistentes aosefeitos causados por esse fenômeno.Entretanto, nem todo pulso eletro-magnético é causado por uma ex-plosão nuclear. Os pulsos podem sergerados por fluxos de compressãointerna, por meio de implosões cau-sadas por esferas ocas de explosi-vos, por geradores magnéticos à basede explosivos e também por enge-nhos que utilizam microondas da altapotência. Entretanto, a idéia básicade todas essas tecnologias que em-pregam o pulso eletromagnético é ageração de um ou mais pulsos quesejam capazes de penetrar nos e-quipamentos, danificando ou des-truindo os circuitos eletrônicos. Achave para o sucesso dessas ANL éo desenvolvimento de armas quepossam aliar alcance e precisão, umavez que, caso não se consigam essascaracterísticas, corre-se o risco devermos afetados também os nossosequipamentos.

CONCLUSÃO

O principal objetivo desse artigofoi fazer uma concisa introdução aomundo da tecnologia não-letal.Apesar de possuírem ferozesopositores, que consideram as ANLcomo um potencial instrumento de

tortura e um método quase perfeitode repressão aos direitos de mani-festação política (já que dificilmenteultrapassam a chamada “barreira damorte”), esses novos equipamentos,muito embora ainda em desenvol-vimento, crescem de importância nocenário da guerra moderna. Graçasao chamado “efeito CNN”, as ati-tudes no campo de batalha ou noscenários das operações de paz sãojulgadas pela opinião pública mun-dial quase que imediatamente quandoocorrem, não dando tempo nemoportunidade de se trabalhar uma“versão oficial”, que possa porven-tura tentar explicar como e porquedeterminada atitude foi tomada – ahistória não será mais reescrita pelosvencedores... Por outro lado, os sol-dados precisam adquirir confiançanessas novas opções, a tal pontoque, mesmo possuindo sob mão aopção letal, que com certeza irá re-solver a situação (de maneira radical,mas vai resolver), o adestramento ea confiabilidade da opção não letalpoderá revelar-se como o modomais correto de agir, sem causar osjá mencionados “efeitos colaterais”.Historicamente, a tendência é que anatureza dos conflitos em que asforças armadas de todo o mundo irãoenfrentar requeiram cada vez mais aexistência das ANL, pelo menoscomo uma alternativa.

Assim, ao levarmos em consi-deração que o soldado do séculoXXI, da pós-era da Informação,também já se conscientizou do graude exposição dos seus atos, é justocomeçar a pensar em conferir àquelesque estão no calor da batalha – comcentésimos de segundo para tomaruma decisão que pode ou não causaruma comoção mundial – uma novaopção, no meio termo entre não atirare atirar para matar.

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Em 1906, o Conde Alfred vonSchlieffen, Chefe do Estado-MaiorGeral alemão1, finalizou seu pla-no para conquistar a França emseis semanas. Planejou um envol-vimento através da Bélgica, ondeexércitos alemães atacariam aretaguarda das tropas francesas,evitando os atrasos e desgastes deum ataque frontal às posições de-fensivas inimigas (Épinal, Toul eVerdun) na fronteira com a Ale-manha2. Schlieffen acreditava que“o coração da França situava-seentre Bruxelas e Paris”.

Após a vitória contra a França,os alemães se voltariam para outrafrente da guerra: a Rússia. O Pla-no Schlieffen somente veio a serimplementado efetivamente, em1914, por Helmut von Moltke.3

Este artigo pretende apresen-tar, inicialmente, antecedenteshistóricos que compuseram o ce-nário europeu à época e, em segui-da, sob o enfoque estratégico deLiddell Hart4, analisar alguns as-pectos da concepção do PLANO

SCHLIEFFEN e da sua posterior e-xecução, no início da Primeira

Guerra Mun-dial. Preten-de, ainda, a-pontar falhasadvindas doseu planejamento original ede alterações introduzidas noplano, até 1914, identificando,assim, algumas das causas que olevaram ao insucesso.

ANTECEDENTESHISTÓRICOS

No final do século XIX, a Ale-manha unificada transformou-seem potência européia. Seu desen-volvimento econômico, associado ànecessidade de incremento comer-cial, levou à busca de novos merca-

dos e colocou em risco as aspiraçõeseconômicas das demais nações eu-ropéias. O choque de interesses, di-vergentes e imperialistas, formou umintrincado e perigoso sistema de a-lianças entre os principais Estadoseuropeus.

O sistema de alianças5 europeuera evidenciado princi-palmente pela: TrípliceAliança (Áustria-Hun-gria, Alemanha e Itália),formada desde 1882;Dupla Aliança, acordomilitar entre a Rússia ea França, desde 1894;

PLANO SCHLIEFFEN:FALHAS QUE O LEVARAM AO INSUCESSO

O Plano Schlieffen foi durante muito tempo (...)considerado uma obra-prima da estratégia ...”.

(Guia de Estudos Estratégicos)

1 Figura 1 – Alfred von Schlieffen foi Chefe doEstado-Maior Geral alemão de 1891 a 1906 eidealizador do Plano Schlieffen.2 A figura 3, na pág 116, apresenta o movi-mento previsto por Schlieffen em seu plano e afronteira franco-germânica demarcada pelasfortalezas em Épinal, Toul e Verdun.3 Figura 2 – General alemão que sucedeuAlfred von Schlieffen na Chefia do Estado-Maior Geral alemão, em 1906.4 Basil Henry Liddell Hart, oficial do Exércitoinglês, advogava o emprego da ação indiretano combate, visando ao desequilíbrio estra-tégico do inimigo.5 A figura 4, na pág 116, apresenta as princi-pais alianças antes da Primeira Guerra Mundial.

CF (FN) PEDRO LUIZ GUEIROS TAULOIS

Fig.1 – Schlieffen

Fig. 2 – Moltke

PLANO SCHLIEFFEN:FALHAS QUE O LEVARAM AO INSUCESSO

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116 - O Anfíbio - 2004

Entente Cordiale, de 1904, entre aFrança e Grã-Bretanha; e a TrípliceEntente, de 1907, entre França,Rússia e Grã-Bretanha. Definia-se,assim, na Europa dois grandesblocos: a Tríplice Aliança (Ale-manha, Áustria e Itália) e a TrípliceEntente (Rússia, França e Grã-Bre-tanha).

O crescimento alemãoincomodava a Inglaterra nasdisputas comercial e colo-nial, bem como nas do cam-po bélico, em especial naconstrução naval. A Rússiacom pretensões expan-sionistas buscava uma saídapara as águas do Mar Me-diterrâneo.

A perda dos territórios daAlsácia e Lorena, na Guer-ra Franco-Prussiana, mar-

cou profundamente a França, acir-rando a rivalidade contra a Alema-

nha. Em 1890, com o afasta-mento de Bismarck6 dogoverno, as relações franco-germânicas deterioraram-serapidamente e propiciaram aoImperador alemão Guilherme

II adotar uma política de expansãopela força.

As conseqüências da Guerra Fran-co-Prussiana, a competição comercial,o colonialismo, a corrida armamen-tista e o sistema de alianças europeuconfiguraram o cenário de tensão quecaracterizou a Europa do final do sé-culo XIX e criou as condições para a

eclosão da Primeira Guerra Mundial,no início do século XX.

CONCEPÇÃO DO PLANOSCHLIEFFEN

1892-1906

A posição geográfica da Alema-nha na Europa e a aliança entre Rússiae França impunham aos germânicosuma guerra em duas frentes: a oci-dental e a oriental .

A maior proximidade das tropasfrancesas com a fronteira alemã e suamaior rapidez de mobilização (duassemanas) em relação às russas (seissemanas) recomendavam o início daofensiva pela França, pois a Rússiapoderia frustrar as pretensões ger-mânicas de vitória rápida, recuandoem seu amplo território. Asseguradaa vitória sobre os franceses, tropasgermânicas seriam, então, transferidaspara a frente oriental, onde refor-çariam o VIII Exército alemão7 e blo-queariam os russos, que estariamfinalizando sua mobilização. Amobilização russa foi estimada pelosalemães em seis semanas, em face daextensão territorial e dificuldades detransporte russas.

O PLANO SCHLIEFFEN8 previa aconquista da França no prazo de seissemanas. Consistia de um ataque se-cundário9 da ala esquerda, fixando asdefesas francesas na Alsácia-Lorena,podendo, ainda, recuar e cederespaço no território alemão para que

Fig.4 – Alianças

Fig.3

6 Otto von Bismarck, Primeiro-Ministro daAlemanha entre 1862 e 1890.7 A figura 5 apresenta a posição do VIII Exér-cito alemão.8 Para facilitar a compreensão, a figura 3 e oquadro A (ver pág. 118) apresentam o po-sicionamento, efetivos e os movimentosprevistos das alas esquerda, direita e centro.9 Ataque de fixação (ou secundário) para im-pedir que o inimigo mude sua frente a tempode defender-se contra o movimento que oca-sionará o seu desequilíbrio estratégico.

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os franceses penetrassem pela Lo-rena, até o rio Reno. Simultaneamen-te, a ala direita, com efetivo sete vezessuperior ao da ala esquerda, realizariaum envolvimento através do territóriobelga, encerrando Paris num grandearco, para, então, avançando paraleste, incidir sobre a retaguarda dastropas francesas, forçando-as contraas fortalezas da fronteira. Essas açõesalemãs caracterizavam a manobra do“martelo e bigorna”10. Para Schlieffen,o sucesso do seu Plano estava con-dicionado a constituição de uma aladireita forte.

Os IV e V Exércitos alemães a-vançariam lentamente nas Ardenas,constituindo-se no eixo de rotaçãopara as duas alas.

Ressalta-se que o movimento doflanco direito de Schlieffen buscavamaior espaço para manobrar seus

grandes exércitos eevitar um ataque fron-tal às defesas france-sas da fronteira, oqual poderia prolon-gar o combate e in-viabilizar a conquistada França no prazoplanejado.

Além disso, veri-fica-se que o planoalemão procurava,com o envolvimentoda forte ala direita,obter condições maisvantajosas para a ba-

talha decisiva na retaguardafrancesa. Com as ações defixação da ala esquerda, osgermânicos privavam a li-berdade de ação das tropasfrancesas da fronteira e asimpediam de mudar sua frentedo leste para o norte, difi-cultando as ações de reforçocontra a ala direita. Esta, uti-lizando-se do movimento e da

surpresa, obteria a superioridade lo-cal na retaguarda inimiga e o dese-quilíbrio estratégico11 da França. Asações alemãs, bem como a propor-ção na distribuição de forças entresuas alas, evidenciam o que LiddellHart definiria, mais tarde, comoestratégia de ação indireta12.

Por outro lado, o plano francêsde ataque à Alemanha, denominadoPlano 17, previa uma ação direta13

de suas tropas, através da fronteirafranco-germânica, para penetrar emterritório alemão e reconquistar a Al-sácia-Lorena. Segundo Liddell Hart,o plano francês tornava o alemão umverdadeiro “ataque estratégico decaráter indireto”, pois suas ações o-fensivas aperfeiçoavam, involunta-riamente, o PLANO SCHLIEFFEN, namedida em que o avanço das tropasfrancesas pela Lorena era o que

desejavam os germânicos, quandoplanejaram a inferioridade da sua alaesquerda e o seu eventual recuo atéo rio Reno.

Vulnerabilidade do apoiologístico na ala direita

Como previa uma guerra de curtaduração, Schlieffen não planejou ade-quadamente o apoio logístico parasua ala direita, a qual teria as linhasde abastecimento alongadas, em fun-ção do envolvimento que realizaria.Os suprimentos dos soldados, muni-ções e o reforço de suas tropas se-riam transportados pelas ferrovias,enquanto que as forragens para oscavalos seriam obtidas do que seencontrasse ao longo do avançoalemão.

Ao assumir a chefia do Estado-Maior germânico, em 1906, o Ge-neral Moltke verificou a inviabilidadedo apoio logístico do plano original,que não considerava as prováveisdificuldades do combate, como umaresistência da Bélgica e a destruiçãode suas ferrovias e pontes. Iden-tificou, na motorização,14 a alternativapara o problema, entretanto, ela não

10 Manobra onde a tropa inimiga fica cercadaentre uma força móvel que pressiona (martelo)e um obstáculo ou uma força fixa que impedesua retirada (bigorna).11 Entende-se por desequilíbrio estratégico oresultado de uma manobra que separe as forçasdo inimigo, ameace seus suprimentos ou seueixo de retirada, ou ainda, que o force à mu-dança de frente repentina .12 A ação indireta busca as condições favoráveispara a batalha decisiva, com o inimigo já en-fraquecido pela manobra. Dá ênfase ao empregoda surpresa e do movimento, atuando nascondições psicológicas do oponente.13 Obtida pelo emprego de forças militares emuma ação frontal direta, com o objetivo dedestruir a força inimiga.14 Prover veículos suficientes, com motor decombustão interna, para o adequado apoiologístico.

Fig.5 – Frente Oriental

Fig.6 – Ferrovias no apoio logístico

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foi executada em face da escassez detempo para sua implementação.

Ressalta-se, então, que o fluxologístico para a ala direita era depen-dente da manutenção das ferrovias epontes belgas, constituindo-se numavulnerabilidade do planejamento es-tratégico alemão em função da faltade flexibilidade logística, tendo emvista não haver alternativas exeqüí-veis, além das ferrovias. Resumindo,pode-se afirmar que o planejamentooriginal de Schlieffen pautava-se emavaliações favoráveis aos alemães,como as de que a Rússia não estariamobilizada e pronta para combatercontra a Alemanha antes de seis se-manas, e a França estaria derrotadanesse prazo. Além disso, acredita-vam os alemães que a Bélgica limitar-se-ia a protestar no cenário inter-nacional, sem oferecer resistência àinvasão alemã por seu território, emanteria intacto seu sistema ferro-viário. O planejamento original não

possuía a flexibilidade necessáriapara superar as dificuldades advin-das do combate. Não havia PlanoContigente.

A execução do PLANO SCHLIEFFEN

mostrar-se-ia diferente!

EXECUÇÃO DO PLANOSCHLIEFFEN

Após suceder Schlieffen na Chefiado Estado-Maior alemão, em 1906,e preocupado com o reduzido poderde combate da ala esquerda frenteas ações ofensivas francesas previstasno Plano 17, Moltke foi redistribuin-do suas forças ao longo dos anos,até estabelecer uma nova proporçãoentre os efetivos das duas alas: 3x1.Ressalta-se, assim, a primeira redu-ção no efetivo da ala direita15.

Além disso, as tropas russassurpreenderam os germânicos,atacando-os em apenas duas se-manas, lançando sua ofensiva sobre

a Prússia Oriental e obrigando o VIIIExército alemão a recuar até o rioVístula16. Moltke decidiu transferirdois Corpos de Exército e uma Di-visão de Cavalaria, destinados aocombate na frente ocidental, para re-forçar a oriental. Dessa forma, aAlemanha iniciava a guerra com aRússia antes do planejado e sua aladireita sofria nova redução de efe-tivo.

Ala esquerdaO sucesso inicial dos VI e VII

Exércitos17 fez Moltke priorizar oataque frontal a Épinal e Toul, visandoà ruptura e penetração de sua linhafortificada. A ala que deveria fixar osfranceses na fronteira e, eventual-mente, recuar até o rio Reno, ata-cava-os, agora, frontalmente.

Pode-se afirmar que essa ofensivada ala esquerda prejudicou o PlanoSchlieffen, na medida em que o ata-que frontal – ao contrário de privaros franceses da sua liberdade de a-ção – obrigou-os a recuarem para ointerior do país, aumentando suacapacidade de resistência. Permitiu,ainda, por meio de ferrovias, a trans-ferência de tropas do leste para ocentro da França, onde, mais tarde,reforçaram suas defesas contra oenvolvimento da ala direita germâ-nica.

Segundo Liddell Hart, a transfe-rência de divisões francesas da fron-teira para Paris não teria sido pos-sível se elas tivessem aprofundado naLorena.

15 O quadro A apresenta a comparação entreos efetivos previstos para as duas alas noplanejamento original de Schlieffen e naexecução implementada por Moltke.16 A figura 5 (ver pág.117) apresenta o avançorusso na frente oriental.17 A figura 7 apresenta a movimentação dastropas germânicas e francesas durante aexecução do plano.

Quadro A

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Além disso, Moltke foi obrigadoa manter, na esquerda, tropas quereforçariam a direita, equilibrando osefetivos das alas em cerca de trêsexércitos. Verifica-se que, dessaforma, foi alterado um dos pilares doplano original: efetivos da ala direitasete vezes superiores aos da es-querda.

Ala direitaNa Bélgica, a inesperada resis-

tência e destruição de ferrovias epontes, principalmente sobre o rio

Meuse,18 retarda-ram os trens emLiège e atrasaramo cronograma ale-mão de conquistada França. Alémdisso, trouxeramconseqüências paraa ala direita: exi-giram a manuten-ção de um Corpode Exército na An-tuérpia e de umaBrigada em Bru-xelas, reduzindo,mais uma vez, o seuefetivo; impediramque seus Exércitosrecebessem refor-

ços de tropas; e limitaram,consideravelmente, o fluxode suprimentos para seusmilitares e forragens paraseus cavalos. Confirmou-se,dessa forma, a inflexibilidadelogística do Plano Schlieffen.

Assim, ressalta-se quea ala direita forte, conformeplanejada por Schlieffen, foienfraquecida pelas sucessi-vas reduções em seu efetivoe pela falta de apoio logís-tico adequado.

No norte da França, amudança de direção19 do

Exército do General Kluck, Coman-dante do I Exército alemão (tropamais próxima ao Canal da Mancha),permitiu que seu flanco direito – semsuprimentos e exausto, após longasmarchas forçadas – fosse atacadopela Guarnição de Paris. O GeneralKluck considerava que as tropasfrancesas que defendiam Paris nãopoderiam ser reforçadas para realizarum ataque no seu flanco, pois tal re-forço estaria engajado com a ala es-querda alemã. Ao contrário do queimaginavam os alemães, as forças de

Paris encontravam-se reforçadaspelas tropas provenientes da fronteirafranco-germânica. Eram 13 divisõesgermânicas contra 27 inimigas.Kluck, com seu efetivo reduzido edebilitado, não obteve a superiori-dade local na retaguarda francesa efoi obrigado a recuar .

“Enquanto a inferioridade alemãresultava da diminuição de efetivo naala direita, a superioridade francesadecorria da mal orientada ação da alaesquerda alemã” (Liddell Hart).

Com a mudança de direção deKluck, desistia-se do envolvimentode Paris, transformando-o quase emum ataque frontal às defesas dacapital. Em setembro, Moltke decidiuabandonar o plano original, atacandoe penetrando com os exércitos cen-trais, na direção sudoeste, atravésdas fortificações de Toul e Épinal,enquanto que a ala direita, dire-cionada para oeste, bloquearia açõesfrancesas oriundas das vizinhanças deParis. Segundo Liddell Hart, taisações transformaram a ação indiretado Plano Schlieffen em ação direta.

Resumindo, pode-se afirmar quea superioridade local necessária paraa batalha decisiva na retaguardafrancesa não foi obtida pela ala direitadevido ao seu apoio logístico que sedemonstrou ineficaz, pelas reduçõesde seu efetivo e pela alteração do seuenvolvimento para uma ação maisdireta em direção ao centro da Fran-ça. Além disso, as defesas francesasencontravam-se, nas proximidadesde Paris, reforçadas pelas tropasoriundas da fronteira, decorrente daprioridade estabelecida ao ataquefrontal da ala esquerda.

18 Rio Meuse e Liège. Ver figura 6.19 As figuras 6 e 7 apresentam a mudança dedireção da ala direita alemã e o ataque ao seuflanco direito.

Fig.6– Mudança de direção na ala direita

Fig.7 – A ofensiva alemã

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O fracasso das alas esquerda edireita alemãs e, conseqüentemente,do PLANO SCHLIEFFEN, marcava o fimda guerra de movimento e o início daguerra de trincheiras na PrimeiraGuerra Mundial.

CONCLUSÃO

Durante a sua execução, o PLANO

SCHLIEFFEN se revelou deficiente, poisalgumas falhas advindas tanto do seuplanejamento original como de alte-rações implementadas por Moltkecontribuíram para o enfraquecimentoda ala direita alemã e, por outro lado,para o fortalecimento das defesas nasproximidades de Paris. O resultadodessa combinação não permitiu quea Alemanha alcançasse a superiori-dade local na retaguarda francesa.

O plano originalmente formuladopor Schlieffen pautava-se em ava-liações favoráveis aos alemães que,no decorrer da guerra, demonstra-ram-se equivocadas e reduziram su-cessivamente o efetivo da ala direita.A Rússia, mobilizando-se em apenasduas semanas, acarretou a transfe-rência antecipada de tropas da frenteocidental para a oriental. A resistência

belga exigiu a manuten-ção de forças germânicasem Bruxelas e Antuérpia,além de atrasar e desgas-

tar seu flanco direito.Depender do sistema ferroviário

para prover o apoio lo-gístico às tropas mostrouser uma vulnerabilidadealemã, pois não propor-cionou o adequado fluxode suprimentos para aala direita. Esta, já en-fraquecida pelas suces-sivas reduções de seuefetivo, ficou ainda maisdebilitada pela falta deabastecimento.

As mudanças implementadas porMoltke, por sua vez, agravaram asituação.

A prioridade estabelecida ao ata-que frontal da ala esquerda alterou aação indireta do Plano Schlieffen parauma ação direta e – ao contrário deproporcionar as condições vanta-josas para a batalha decisiva na reta-guarda francesa – dificultou as açõesgermânicas, pois, além de não fixaras tropas francesas na fronteira, forç-ou-as para o interior da França, au-mentando a capacidade de resistên-cia contra o avanço da ala direita.

Mudar a direção do Exército deKluck, abandonando o envolvimento

da capital francesa, permitiuque essa reduzida e debilitadatropa fosse flanqueada pelaGuarnição de Paris, que seencontrava reforçada por tro-pas da fronteira.

Desta forma, a superiori-dade local da ala direita alemãna retaguarda francesa não foialcançada e Kluck, então, teve

que recuar.Era o fracasso do PLANO

SCHLIEFFEN.

GeneralKluck

Guerra de trincheiras

Liège

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