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O aprendizado da análise crítica sobre as obras audiovisuais

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O aprendizado da análise crítica sobre as obras audiovisuaisProfessor Edson Gardin

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1 Introdução 3

2 Poética de Aristóteles 3

3 Crítica jornalística 4

4 Exemplo de crítica jornalística 5

5 Crítica ou resenha 6

6 Primeiras impressões 6

7 Conhecimentos específicos 77.1 Roteiro 7

7.2 Direção 8

7.3 Interpretação 8

7.4 Direção de arte 9

7.5 Fotografia 9

7.6 Efeitos visuais 9

7.7 Mixagem, edição de som e trilha sonora 10

7.8 Finalização 11

8 Gêneros 12

9 Analisando críticas 26

Referências bibliográficas 39

SUMÁRIO

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1 INTRODUÇÃO

Mais do que uma apreciação, criticar é desenvolver um olhar minucioso, um exame com objetivos elucidativos. É o julgamento do valor de obras científicas, literárias ou artísticas. Frequentemente vista com desconfiança e até mesmo temida pelos autores, a construção de uma crítica vai muito além da subjetividade ou da intuição. O cinema como arte para contar histórias e fomentar o debate através de imagens se desenvolveu e construiu uma linguagem própria, formas narrativas e absorveu os gêneros literários.

A crítica cinematográfica nasceu da interpretação e análise dos filmes e pode ser realizada de maneiras diversas através dos mais variados meios. Podemos considerar qualquer texto que fale dos filmes e de seus conteúdos, porém, interpretar um conteúdo narrativo com relevância, seja para um estudo acadêmico ou para fins jornalísticos, requer conhecimento e habilidades específicas de acordo com o meio a que a crítica se destina.

Pode-se dizer que não há uma metodologia aceita ou consensual. O crítico observa o que pode para produzir sua convicção além do subjetivo, apoiado inteiramente em suas qualidades, ou seja, em sua habilidade literária, cultura e talento. Não é por isso que a falta de uma disposição metódica amplamente compartilhada, com caráter normativo, impossibilite que caminhos sejam percorridos com a utilização de técnicas e preceitos já desenvolvidos. As técnicas cinematográficas empregadas na narrativa, o roteiro, a homogeneidade, a coerência narrativa e seu impacto dramático são apenas alguns aspectos da obra fílmica a serem observados na construção da crítica.

Com o desenvolvimento da indústria do cinema e a destinação de filmes como objeto de consumo, a crítica jornalística assumiu o lugar como formadora de opinião na tomada de decisão para o consumo cultural. Muitas vezes a análise em programas para

televisão e em jornais, revistas e diversos periódicos, feitas pelos chamados críticos de cinema, visa mais conduzir os hábitos de consumo cultural com base em suas próprias preferências e as do grande público do que desenvolver um texto capaz de interpretar e compreender as relações entre os elementos do filme.

Criticar um filme é, de forma isenta, atribuir um juízo de valor através de uma minuciosa avaliação de muitos aspectos técnicos, culturais, entre outros, considerando a beleza, a verdade e o público a quem o filme se destina.

2 POÉTICA DE ARISTÓTELES

Ao pensar uma metodologia para a crítica cinematográfica, temos que voltar para muito antes da invenção do cinema. Aristóteles, em sua obra A Poética, analisou o modo de ser e proceder da epopeia e da tragédia. Para Aristóteles, toda arte tem um valor em si mesma e a experiência estética possui uma finalidade em si mesma.

A primeira contribuição importante retirada da Poética consiste na ideia de que a obra deve ser pensada em função da sua destinação. Quando se efetiva, quando produz um efeito, é que uma operação se torna obra, resultado. Podemos dizer que para Aristóteles cada gênero de representação tem uma própria destinação, isto é, provocar um determinado efeito sobre os seus apreciadores.

Temos assim a criação de um programa de estudos que se encarregam com os efeitos da composição de cada um dos gêneros e da relação entre tais efeitos realizados e as estratégias presentes. Em cada um dos gêneros de representação, o autor deve buscar um efeito próprio e conveniente. Ele deve projetar, prever e organizar os efeitos no apreciador adequado para o seu gênero de obra.

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Quando aplicamos a Poética ao cinema, deve-se constituir um programa teórico e metodológico que assume duas teses como seus próprios pressupostos. Um dos pressupostos é uma tese sobre a natureza da peça fílmica, e o outro é uma tese sobre a natureza da apreciação do filme.

- Natureza da peça fílmica: consiste em identificar e tematizar os artifícios que estrategicamente foram postos no filme para despertar esta ou aquela reação no espectador. Esses artifícios ou recursos expressivos dizem respeito aos materiais visuais (escala de planos, fotografia, enquadramento, movimentos de câmera, luz, profundidade de campo), sonoros (trilha sonora e música), cênicos (direção de atores, cenários, figurino, maquiagem, direção de arte) e narrativos (roteiro, movimento de câmera, edição).

- Natureza da apreciação fílmica: um filme não existe enquanto obra em qualquer lugar ou momento exceto no ato da sua apreciação por um espectador, isto é, só existe no momento que provoca efeitos e sentidos para o receptor.

Podemos observar que cabe ao analista identificar em que instância o filme exerce seus efeitos nos telespectadores e desabrocha como arte, em que universo obscuro e intangível o mesmo penetra. Identificá-lo equivale a isolar as sensações, os sentimentos e os sentidos que se realizam no telespectador durante a experiência do filme e por causa dela.

De outra forma, no programa teórico e metodológico da poética o começo de tudo é a identificação daquilo que compõe a experiência fílmica, daquilo que o filme faz com os seus apreciadores, daquilo que emerge da cooperação entre intérprete e texto, esta experiência se estrutura como uma composição, variável em sua materialidade singular, de sensações, sentimentos e sentidos. Alcançar tal extrato da experiência significa a identificação dos tipos e modos de sensações, sentimentos e sentidos

que um filme determinado é capaz de produzir na apreciação. (MIMURA, 2011, p. 6).

No entendimento de Wilson Gomes (2004 apud PENAFRIA, 2009, p. 6) e sua análise poética, o filme é uma programação ou criação de efeitos. A seguinte metodologia rege tal análise:

1) Enumerar os efeitos da experiência fílmica, ou seja, identificar as sensações, sentimentos e sentidos que um filme é capaz de produzir no momento que é visionado; 2) A partir dos efeitos chega à estratégia, ou seja, fazer o percurso inverso da criação de determinada obra dando conta do modo como esse efeito foi construído. Se considerarmos que um filme é composto por um conjunto de meios (visuais e sonoros, por exemplo, a profundidade de campo e a banda sonora/musical) há que identificar como é que esses meios foram estrategicamente agenciados/organizados de modo a produzirem determinado(s) efeito(s).

3 CRÍTICA JORNALÍSTICA

Rabaça e Barbosa (2001 apud CASSAROTI, 2006, p. 31) definem a crítica jornalística como uma

Discussão fundamentada e sistemática, a respeito de determinada manifestação artística, publicada geralmente em veículos de massa (jornal revista, livro, rádio, TV) e emitida por jornalista, professor, escritor ou por outros especialistas. Em geral profissionalmente vinculados ao veículo como colaboradores regulares. Apreciação estética e ideológica, desenvolvida a partir de um ponto de vista individual, em que entra a experiência prática e/ou teórica do crítico, a respeito de trabalho literário, teatral, cinematográfico, de artes plásticas etc. O exercício da crítica implica

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na compreensão de tudo o que participa do processo de criação de uma obra artística, suas técnicas, significados, propostas e importância no âmbito de um contexto cultural. “A crítica visa ao conhecimento e valoração da obra, tendo em mira orientar o gosto e a da curiosidade leitor”. Elaborada a partir de um padrão – moderno ou acadêmico – de proposta artística e pela comparação dos valores e informações da obra com o ideal estético daquele que analisa e opina, a crítica é também uma atividade criativa, na medida em que reinterpreta intelectualmente o objeto examinado e propicia ao leitor um conjunto de impressões, ideias e sugestões, enriquecendo a informação original.

A posição da crítica jornalista, atualmente, é a de direcionar a decisão em torno do consumo cultural:

A crítica jornalística distancia-se cada vez mais de funções que o ambiente cultural lhe atribuía no passado, de forma que entre o exame analítico dos filmes, de um lado, e o registro jornalístico do produto e a caracterização veloz dos elementos que permitem que um público de massa forme a sua decisão de consumo, de outro, tende decisivamente a ficar com o segundo. Importa ao analista identificar as características fundamentais que estabelecem as pequenas diferenças entre os produtos em oferta de modo a orientar a decisão sobre o filme que deverá ser consumido. (MIMURA, 2011, p. 2).

Como observamos, a qualidade interna da crítica de cinema acaba por pautar-se em sua influência nas decisões e hábitos de consumo cultural, com o objetivo de que a audiência adote a sua agenda cultural.

Para uma boa análise crítica, o analista deve ter predicados relacionados ao campo do cinema. Devemos considerar os ambientes técnico, artístico e de apreciação (do espectador). Do ambiente

técnico, os analistas deverão possuir conhecimentos relacionados à linguagem visual e de todas as ferramentas necessárias de produção, gravação e edição. Na apreciação, o mesmo deverá possuir cultura suficiente para um domínio seguro daquilo que está comentando. No artístico, o processo de compreensão do filme e a interpretação do roteiro dependerão do conhecimento do filme e das relações do argumento, dotada de um grau considerável no domínio da informação.

4 EXEMPLO DE CRÍTICA JORNALÍSTICA

Fonte: <http://search.genieo.com/results.html?v=smtsem&q=a+arvore+da+vida&page=1&category=images>. Acesso em 25/06/2014.

Considerar Terrence Malick como diretor genial – um trono ocupado por vários diretores, como Stanley Kubrick – é uma posição da crítica. A realização de um filme está diretamente ligada ao humor e ao tempo dos considerados gênios do cinema. Esses diretores sempre acabam confundindo os críticos, dando um nó com suas obras-primas e dessa forma são considerados gênios do cinema.

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Apesar da crítica admitir que ambos trabalham paralelamente em algumas felizes coincidências, pois A árvore da vida, filme que Malick dirigiu, pode ser da mesma competência que Kubrick, tal disposição não leva Malick a ser considerado um “novo Kubrick”.

Malick nunca fez cinema pensando na bilheteria. Seus filmes são épicos, nem um pouco religiosos, e ultrapassam o happy end com verdades próprias. Ao invés disso, são mais filosóficos. Há mais do que uma frase de efeito ou uma lição de moral antes da subida dos créditos.

Com um roteiro sobre uma família do Texas, A árvore da vida fala sobre as dores da rejeição e da inveja de um filho, com uma melancolia do pai frustrado e uma doce mãe linda e tolerante. Propositalmente, há pouco diálogos no filme e uma bela fotografia de Emmanuel Lubezki. Quando à parte musical, completada pelas obras primas de Bach, Brahms entre outros, Malick liga a vida de uma família com a criação do universo, onde um espetáculo visual é apresentado ao espectador, formando uma sucessão de milagres, luzes e efeitos.

Para onde vamos? Pode ser uma caminho onde o filme A árvore da vida nos faz pensar.

5 CRÍTICA OU RESENHA

Crítica e resenha se apresentam como segmentos distintos. No jornalismo, os textos que aparecem em obras teatrais, cinematográficas e de artes plásticas estão no campo da crítica, isto é, no olhar da construção da obra, avaliando as qualidades técnicas, artísticas e de entretenimento. Já a resenha olha para o relato da obra, avaliando para onde a obra poderá seguir, criando assim debates dentro do campo das ideias.

Dessa forma, apesar das possíveis semelhanças, entendemos que resenha e crítica sejam dois gêneros distintos. Podemos dizer que a resenha trabalha em um processo mais acadêmico, destinado à avaliação

de livros, mas também está no jornalismo. A crítica acaba trabalhando com outras expressões artísticas, como cinema, teatro, exposições, e característica veículos de comunicação como jornais, revistas etc.

6 PRIMEIRAS IMPRESSÕES

Bagagem cultural

A crítica do cinema é, sem dúvida, uma atividade que vai além de entender a forma, meios e trucagens contidas no filme. Como se trata de contar histórias através de imagens e sons, temos inseridos contextos culturais, sociais, filosóficos, literários, estéticos, históricos e artísticos em geral. É fundamental o entendimento das técnicas inseridas no roteiro, na luz, na montagem e nos mais diversos recursos empregados na peça fílmica, além de pensar o filme, o que ele pretende comunicar com o próprio olhar e para quem ele possivelmente se destina.

Podemos dizer, portanto, que a atividade do crítico é a de um mediador cultural. A interpretação, derivada do seu conhecimento, sensações e talento, possibilitará ou não a aproximação do público, influenciando diretamente em sua decisão de consumir e, muitas vezes, no modo de consumo das obras de cultura. A relação que se dá entre mediador e o público é essencial. Nela acontece uma troca de experiências entre os espectadores e o crítico, que leva toda a sua bagagem cultural e expõe ao observador as indicações de forma isenta para facilitar seu entendimento sobre as obras de arte.

Nessa relação de mediação, principalmente no cinema, também são incluídas as peças publicitárias e as diversas formas de divulgação. Como o filme é produto de uma indústria, o convencimento para o seu consumo é realizado com frequência de forma maciça, criando um novo fato cultural e social, influenciando não só opiniões, mas o próprio interesse do publico, o que torna o objeto-filme uma necessidade de consumo.

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7 CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS

É essencial que o crítico de cinema conheça as diversas áreas, departamentos e meios utilizados na construção de um filme. Sem nos atermos às minúcias, vamos destacar as principais questões e pontos importantes a serem apreciados pelo olhar crítico.

7.1 Roteiro

Roteiros originais ou adaptados, assim como suas versões menores, argumento e sinopse, são as primeiras traduções de uma ideia para a possibilidade de se fazer um filme. Assunto amplamente discutido e com diversas publicações importantes, as técnicas de como escrever um roteiro capaz de prender a atenção do espectador durante toda experiência fílmica devem ser amplamente conhecidas pelo crítico de cinema.

De um bom roteiro poderemos ter um bom filme, mas de um roteiro ruim, nunca poderemos ter um bom filme. Essa afirmação demonstra bem a importância do roteiro, mas também acaba por induzir os roteiristas a buscar formas de desenvolvimento já amplamente testadas e aceitas pelo público, apesar do roteiro não poder ser classificado como uma obra literária, uma vez que não cumpre a função de comunicar em si.

Filmes com grandes orçamentos, principalmente no cinema americano, têm optado por roteiros engessados com um único plot, atores reconhecidos e muitos efeitos visuais para garantir um publico permanente. Já os filmes com menor orçamento tendem a ousar mais, construindo uma narrativa menos linear desde o roteiro para despertar interesse e comunicar. Como em toda arte, não existem regras ou modelos rígidos, e cabe ao crítico de cinema identificar a qualidade do roteiro, o modo como foi desenvolvido, o enredo, a qualidade dos diálogos, o que e para quem ele comunica e se consegue

emocionar, questionar, discutir, acrescentar ou simplesmente reforçar ideias já estabelecidas.

Por ter a função de mediador, o crítico precisa perceber já no roteiro o público para quem o filme se destina. Roteiros são pensados e escritos para um determinado tipo de espectador, para quem ele quer comunicar. Essa identificação, porém, não exime o trabalho do crítico em julgar e fomentar o olhar mais seletivo do público. Assim formam-se as opiniões.

Filmes como Cidadão Kane, Pulp fiction, Beleza americana e Noivo neurótico, noiva nervosa são ótimos exemplos para o estudo de roteiros que superam os padrões e ainda assim resultam em filmes amplamente aceitos pelos mais diversos tipos de público.

Fonte: <http://3.bp.blogspot.com/-D6HRfvCeZvU/TrX2ZwCGgaI/AAAAAAAACA8/LwScyHovyZI/s1600/citizen-kane2.jpg>. Acesso em 25/06/2014.

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7.2 Direção

Também conhecido pelo nome de cineasta, a função do diretor acaba por acompanhar praticamente todos os processamentos do filme, a partir do roteiro pronto até a cópia final. Por conduzir a execução das filmagens, entre tantas outras funções, o diretor imprime seu olhar na imagem se posicionando como uma espécie de autor do filme. Essa importância precisa ser observada com muita atenção pelo crítico de cinema.

Se um bom roteiro pode resultar em um bom filme, uma boa direção e roteiro aumentam incrivelmente as chances de sucesso. Assim como acontece com o roteiro, os cineastas buscam um público determinado, desenvolvendo um estilo muitas vezes associando ao gênero – Alfred Hitchcock com o suspense, James Cameron com aventura e ficção cientifica, Michael Moore com seus documentários polêmicos etc.

O chamado “cinema de autor” normalmente é observado – mas não como regra – quando o diretor e roteirista estão em uma única pessoa. Dessa forma, além da impressão do olhar ao dirigir, o roteiro é

pensado e escrito para obedecer a uma visão estética ou narrativa específica a ser conduzida. Como exemplo, podemos citar o dinamarquês Lars Von Trier, Woody Allen, Federico Fellini, Glauber Rocha etc. O crítico de cinema precisa ler as marcas de autoria do diretor e avaliá-las sem cair na armadilha do “culto estético à personalidade”. André Bazin alerta para o risco de assumir que um filme de determinado diretor é bom apenas porque é desse diretor.

Analisar o trabalho de um diretor é mais do que avaliar a estética ou condução narrativa de um filme. Os diferentes gêneros também alteram a forma narrativa e, consequentemente, o público. Independentemente de todas essas questões, o crítico de cinema observará como as sequências e cenas se desenvolvem, o trabalho de direção dos atores, movimentos de câmera na construção narrativa e muito outros aspectos que vão variar de acordo com a direção, gênero e estética. Existem, porém, dois resultados que praticamente todo diretor procura fazer em seus filmes: comunicá-lo ao seu publico e prender a atenção do espectador, seja através de emoções ou de informação.

7.3 Interpretação

O ator dá vida à personagem e a personagem dá vida ao filme. Uma boa atuação – a química, como costumamos dizer – entre dois protagonistas, ainda que um narrador se faça presente, fazem toda a diferença para um bom filme. Afinal, o drama é conduzido pela ação das personagens.

Assim como o espectador se identifica com determinado gênero ou diretor, o mesmo acontece com o ator. Não seria exagero dizer que muitas pessoas escolhem os filmes que pretendem ver com base nas preferências por determinados atores. Essa tomada de decisão nem sempre propicia ao espectador a experiência desejada, mas o fenômeno social do culto à personalidade e a possibilidade de ir ao cinema para ver uma pessoa admirada interpretando uma personagem, vivendo vidas possíveis ou impossíveis,

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faz com que os produtores escolham atores que se identifiquem com o mesmo público pretendido pelo filme desde o roteiro.

A interpretação é parte importante para a boa condução narrativa do filme. Representações exageradas ou inexpressivas podem abalar a boa-fé do espectador. Por outro lado, uma boa interpretação, além de criar identificação com o público, valoriza a narrativa, o tempo diegético e a própria peça fílmica como um todo. Bons exemplos de grandes interpretações, entre muitos outros, podem ser vistos em A Dama de Ferro, interpretado por Meryl Streep, no papel da ex-primeira ministra da Inglaterra Margaret Thatcher na idade mais avançada, ou Marlon Brando em O poderoso chefão.

7.4 Direção de arte

A direção de arte responde pela concepção visual do filme, ou seja, cenários, objetos, maquiagem, figurino, entre outros. Mesmo fazendo parte de apenas um departamento, é salutar desmembrar cada função para realizar uma análise melhor. Cabe ao cenógrafo o desenvolvimento, a construção e a manutenção dos cenários de acordo com a proposta e as decisões anteriormente estabelecidas para proporcionar verossimilhança. Os objetos são de grande força narrativa e devem ser cuidadosamente escolhidos. A maquiagem, mais facilmente percebida em filmes do gênero terror, ficção cientifica e filmes de época, também são essenciais, assim como o figurinista, que seleciona e muitas vezes confecciona as roupas a serem utilizadas pelos atores.

O olhar crítico deve se ater a todos os detalhes que impulsionam a ação dramática. Muitas vezes, um objeto como um anel em Senhor dos anéis ou uma dentadura de ouro em Boca de ouro, cenários como nos filmes de Stanley Kubrick, a maquiagem em Hellraiser ou Alice no país das maravilhas e o figurino em Maria Antonieta são itens da direção de arte que podem adicionar valor inestimável à narrativa fílmica.

7.5 Fotografia

Sem deixar de lado os produtores executivos e outros, as decisões que definirão a estética e, por que não dizer, a visão artística do filme é tomada por três pessoas: o diretor, o diretor de arte e o fotógrafo. São esses os profissionais que definirão de fato como será feito o filme. A função primária do cinema é registrar a luz em um filme fotográfico de forma contínua, dando a ilusão do movimento para a percepção do olho humano. A importância da fotografia, então, é singular e de caráter decisivo, tanto para a verossimilhança como para a narrativa.

As cores possuem uma influência muito forte às emoções humanas. Cabe ao fotógrafo a escolha da paleta de cores. Um filme como O último imperador, do respeitado fotógrafo Vittorio Storaro, é um bom exemplo da utilização das cores para causar uma reação psicológica no espectador, iniciando com vermelho e finalizando com o violeta. O olhar crítico deve observar a luz propriamente dita e as cores, mas principalmente a união e integração entre fotografia e a direção de arte e como estas produzem, em conjunto, o efeito narrativo desejado.

7.6 Efeitos visuais

Com o advento dos efeitos visuais gerados por computadores e sua respectiva evolução, o cinema – principalmente dos Estados Unidos, com seus orçamentos milionários – utilizam esse recurso não só narrativamente, mas também para atrair o espectador das mais variadas faixas etárias, que busca o desligamento com a realidade que o envolve, ainda que por algumas horas. Os efeitos visuais possibilitaram à peça fílmica elementos, ângulos de câmera, cenários e até mundos digitais com personagens, como podemos ver em Avatar, de James Cameron.

Os efeitos visuais devem funcionar como um meio e não como um fim. É inegável, porém, que filmes com muitos efeitos visuais atraem grandes públicos

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às salas de cinema e que muitas questões ainda serão apontadas à medida que avanços tecnológicos aparecerem e influenciarem na forma de fazer e ler o cinema.

Na avaliação de um filme, devemos observar os efeitos visuais como recurso para impulsionar a ação de forma verossímil e criar meios e formas de contar. A crítica destina-se ao público, que, por sua vez, vê nos efeitos visuais um fator importante na tomada de decisão de consumo do filme. Não devemos fazer uma separação preconceituosa entre o cinema com características europeias – que busca despertar emoções e questões baseadas em uma condução dramática tradicional – e o cinema que se utiliza de tecnologia e recursos visuais. O objetivo de provocar emoções e prender a atenção está presente em ambos os casos e comumente atrai públicos distintos.

7.7 Mixagem, edição de som e trilha sonora

O áudio – tanto as falas como os ruídos e o score – é uma arte por si própria. Aliado à imagem, se transforma em um poderoso meio de comunicação sensorial. Profissionais como sound designers, compositores, arranjadores e cineastas se valeram desta aliança para adicionar ao filme verossimilhança e reforçar as emoções pretendidas. Não é por acaso que sistemas sofisticados de som em salas de cinema ou mesmo em nossas casas fazem tanto sucesso, assim como cada vez mais recursos como o panning, utilizado para simular o deslocamento do som entre caixas introduzido na fase de mixagem, são cada vez mais utilizados.

Com a evolução da tecnologia de efeitos visuais digitais e com o crescente aumento das animações, técnicos passaram a criar sons que nunca poderemos ouvir de fato, mas que fornecem uma experiência convincente, como no filme Jurassic Park, com todos os ruídos emitidos pelos dinossauros, ou mesmo na animação Tá chovendo hambúrger, onde foram

utilizadas esponjas molhadas para a chuva dos hambúrgueres.

O score, composto por artistas especializados, confere grande identificação e força narrativa ao filme. Muitos cineastas fizeram uma espécie de dupla com compositores, o que adicionava grande identidade aos seus filmes. Podemos citar como exemplo Federico Fellini e Nino Rota, Alfred Hitchcock e Bernard Hermann e, mais recentemente, Steven Spielberg e John Willians, Tim Burton e Danny Elfman, entre muitos outros.

Apesar de serem artes diferentes que se complementam na experiência fílmica, cada compositor possui um estilo próprio, o que torna fundamental o acerto na escolha do mesmo para um determinado filme. A análise crítica do som para o cinema deve vir acompanhada de certa experiência, e o ideal é possuir um conhecimento prévio das várias escolas de cinema: a americana, a europeia, a indiana, entre outras, e analisar como o som é utilizado na condução da ação nos filmes. Enquanto Hollywood se utiliza de grandes orquestras, sistemas de mixagem e muita tecnologia para maximizar a experiência do espectador, o cinema europeu utiliza mais o silêncio, pausas e mais simplicidade, sem abrir mão da originalidade. Já a indústria indiana adiciona muitas canções aos seus filmes para atrair um público que gosta de cantar e participar durante a exibição do filme.

Os principais usos do som são:

- Ambiente: captado de forma direta ou mixado para ter um aspecto natural.

- Establishing sound: mistura de sons e ruídos colocados sob uma imagem para informar ao espectador o que ele está vendo. Uma imagem com prédios e sons de buzinas, sirenes, tráfego e vozes remetem à um lugar especifico, como uma grande cidade.

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- Soundscape: complexa massa de diálogos, música, ruído e efeitos sonoros que compõe a maior parte dos filmes. Muitas vezes é desenvolvida antes mesmo do filme ser rodado. Uma espécie de filme auditivo, com todas as chaves emocionais da narrativa visual, mas em forma de som.

7.8 Finalização

Dar ordem ao material colhido implica em:

- dar a forma final do filme;

- criar o ritmo da narrativa;

- acrescentar camadas, dando significado às imagens;

- criar “realismo emocional”, mesmo que o espectador, racionalmente, saiba ser “apenas um filme”.

No início da produção cinematográfica não havia montagem, até porque não havia o que montar. A necessidade de aumentar a duração das sessões, oferecendo mais ao público, só podia ter sido resolvida com a adição de mais imagens. Em 1903, Porter levou adiante sua experiência com o que pode ser considerado o primeiro filme de ação. Com doze minutos e possuindo característica de western, O grande roubo do trem narra a conquista do Oeste utilizando recursos ousados que se tornariam parte integrante da linguagem do cinema. Eventos acontecendo ao mesmo tempo em dois lugares diferentes, compreensão do tempo, tela dividida e naturalidade nos cortes fizeram o espectador acreditar que o cenário da estação de trem e a floresta por onde os bandidos fugiram fazem parte da mesma realidade e compõe uma história sem interrupções.

Atualmente, a montagem na finalização é tão importante que muitos diretores a tomam nas mãos sem medo do enorme, sistemático e paciente trabalho

que ela representa. Como um artesão, o montador possui vários recursos e os principais são:

- O ritmo do corte

- Fade in, fade out

- Superposição

- Cutaway

- Cortes casados (matched)

- Cortes contínuos

- Jump cut

Além de controlar o modo como o espectador experimenta a narrativa, o montador também tem domínio sobre o tempo e o espaço.

- Tempo subjetivo: tempo como percebido por determinada personagem (mais lento ou rápido demais).

- Tempo comprimido/passagem de tempo: pode ser breve (o subir de uma escada) ou longo (dias ou anos).

- Tempo simultâneo: eventos diferentes em locais diferentes que parecem acontecer ao mesmo tempo.

- Tempo ambíguo: tempo subjetivo, quando a personagem está alterada por algum motivo (apaixonado, sonhando, drogado).

- Tempo natural: normalmente obtido pelo plano-sequência, sem interrupções ou cortes.

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8 GÊNEROS

Alvo de incansáveis discussões entre teóricos e cinéfilos, os gêneros servem de código de compreensão, tanto para os realizadores como para o espectador. É importante salientar que os gêneros são como organismos vivos que se modificam e evoluem, como o próprio cinema. Herdeiro de muitas formas de expressão, assim como a literatura, o teatro, as artes plásticas, a fotografia, entre outras artes, o cinema se debruçou sobre praticamente todas as facetas da atividade e do sonho humano, expressando-as em uma profusão de formas. Ao reorganizar estes elementos em uma narrativa que possa ser compreendida pelo público, unidas apenas pela cumplicidade de uma sala escura, o cinema criou seus códigos interiores – os gêneros.

Segundo Barthes, não se pode definir gêneros estudando a realidade. Ninguém foi perseguido por um androide assassino pelas ruas e, no entanto, aceitamos perfeitamente que estas imagens componham um elemento importante da história de filme O exterminador do futuro, de James Cameron. O espectador já sabe o que esperar ao deparar-se com o androide nas telas antes mesmo de vê-lo. Esse “saber antes mesmo de ver o filme” cria uma série de associações que permitem que a narrativa visual se conecte de maneira mais intensa na mente. É como se o filme solicitasse uma parceria com o público, dando-lhes os sinais necessários para o diálogo.

O cinema é uma arte empírica. Tempo e prática se encarregam de acumular signos e realizá-los em gêneros. Elementos que definem um gênero são:

- Narrativa: tramas, premissas, situações, obstáculos, conflitos, resoluções etc.

- Caracterização das personagens: tipos semelhantes de personagens (próximo aos estereótipos) com qualidades, motivações, objetivos e aparência similares.

- Temas básicos: os filmes são sobre temas semelhantes, frequentemente em contextos históricos, culturais e sociais semelhantes.

- Ambiente: lugar e tempo onde a trama se passa.

- Iconografia: uso de “ícones” semelhantes: objetos, atores, cenários, uso de certo tipo de linguagem e terminologia.

- Técnica e estilo: iluminação, paleta de cores, movimento de câmera e enquadramento semelhantes.

O cinema é uma arte em constante evolução. Temas e estilos que encontram grande aceitação por parte do público podem se tornar gêneros, e seus elementos podem ser copiados, reinterpretados e respondidos por outras visões e realizadores. Através da repetição, o gênero se cristaliza, tornando-se plenamente um clichê pronto para ser criticado, destroçado, ironizado, satirizado e eventualmente esquecido, até virar novidade de novo e reinterpretado por um novo olhar.

O ciclo aproximado da vida de um gênero passa pelas seguintes fases:

- Enunciação: os primeiros elementos se formam normalmente emprestados de outras formas de expressão.

- Sofisticação: elementos recorrentes são estabelecidos.

- Apogeu: elementos claros, amplamente repetidos e reconhecidos.

- Fórmula: a repetição supera a possibilidade de renovação, não há mais espaço para a criatividade.

- Dissolução: o público perde o interesse pelo excesso de clichês.

- Retomada: novos elementos, renovação e renascimento através do processo crítico.

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O aprendizado da análise crítica sobre as obras audiovisuais

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É fundamental, na função de crítico de cinema, o entendimento dos gêneros e seus respectivos ciclos. Muitos filmes lançados recentemente pertencem ou possuem aspectos de gêneros ou subgêneros cada vez menos utilizados: a nova safra de filmes de terror, western, musicais e até o cinema mudo. Reconhecer um possível ressurgimento ou mesmo saber avaliar obras de gêneros menos filmados e identificar o público a quem ele se dirige é uma função do crítico, que precisa estar sempre atento.

Apesar das intermináveis discussões em torno dos gêneros cinematográficos, podemos identificá-los da seguinte forma:

- Ação

- Comédia

- Drama

- Fantástico

- Ficção científica

- Film noir

- Musical

- Terror

- Suspense

- Western

Ação

De uma forma simples, filmes de ação são caracterizados por uma narrativa dramática impulsionada pelas ações, e não pelos diálogos. Nesses filmes, os heróis e vilões constituem um contraponto fundamental em uma história.

O filme de ação/aventura ganhou péssima reputação nos anos entre 1980 e 1990, quando foi

reduzido à sua forma mais simplificada, com heróis musculosos e com poucas palavras. Suas origens e propósitos, porém, são tão nobres quanto às do drama, e, por apelar para nossas emoções mais instintivas, o filme de ação é extremamente eficiente e poderoso quando aliado a ideias e propostas bem fundamentadas.

Na Poética, Aristóteles ressalta a importância da ação: “A ação é o princípio vital, a alma mesma do drama. O drama é uma imitação não de pessoas, mas de ações” (BAHIANA, 2012, p. 295). Para Aristóteles, a ação é mais eficiente em provocar a catarse quando são respeitadas as três unidades:

Unidade de tempo

Quanto mais contido e claro é o período em que o filme se passa, mais eficiente é a ação dramática. Idealmente, um drama impulsionado pela ação deve se desenrolar em um dia e uma noite.

Unidade de lugar

Idealmente, a ação deve se desenrolar em somente um local, onde mandatoriamente tem que se dar a crise e sua resolução.

Unidade de ação

A trama deve se limitar a apenas uma cadeia de incidentes claramente relacionados por causa e efeito, e com um começo, um meio e um fim igualmente claros.

Mesmo que Aristóteles tenha se referido ao teatro, mais propriamente à tragédia grega, a ação dramática vale igualmente para o cinema e, de fato, os melhores filmes de ação respeitam pelo menos uma dessas unidades, se não todas. A série Bourne (A identidade Bourne, Doug Liman, 2002, A supremacia Bourne, Paul Greengrass, 2004, e O ultimato Bourne, Paul Greengrass, 2007) é um bom exemplo de cinema de ação com ideias. Mantém-se presa a uma clara cadeia de incidentes: a jornada do protagonista em

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busca de sua identidade enquanto é perseguido por inimigos. Embora a trama se movimente por unidades diversas de espaço, a unidade de tempo de cada um dos episódios é absolutamente precisa e limitada a alguns poucos dias.

O filme de ação versa sobre o herói e sua capacidade de superar obstáculos trazidos por acontecimentos externos e alheios à sua vontade. Idealmente, o filme de ação deve falar ao nosso herói interior, despertando nossos recursos pessoais de coragem, resistência, abnegação e engenho. Como no princípio aristotélico, o herói não deve precisar de palavras para nos empolgar. Seus atos, decisões e reações frente a obstáculos que o espectador não ousaria enfrentar deve nos convencer de seu heroísmo. No filme de ação, os obstáculos não são gratuitos, são como testes das virtudes dos heróis.

A conclusão do filme obrigatoriamente deve se dar com o triunfo do bem contra o mal, mesmo que isso represente enormes sacrifícios para o herói ou até mesmo resulte na sua própria morte. A meta não é o alivio com um final feliz, mas a catarse heroica – o herói nos redime por encarnar o que há de melhor em nós.

Podemos ressaltar três elementos essenciais para que a ação seja produtiva, neste gênero:

- Heróis extraordinários

Os heróis são pessoas comuns, assim como nós. Seus dotes são usados somente quando surge algum desafio.

- Antagonistas à altura dos heróis

- Violência

O que no drama pode se resolver com diálogos, nos filmes de ação, o confronto deve ser físico, expressado em atos extremos.

Na composição de críticas para filmes de ação ou aventura, não se pode deixar levar pelos clichês, rotulando-os como bons ou ruins. A apreciação fílmica deve ocorrer em sua totalidade e alguns aspectos são quase inevitáveis nesse gênero. Situações como o fim do mundo, a péssima pontaria dos vilões, o herói multifunção que pilota até helicópteros, bordões, força acima do normal, entre muitos outros são inerentes aos filmes de ação e devem ser compreendidos por uma realidade própria.

Como exemplos de filmes de ação podemos citar: Indiana Jones e os caçadores da arca perdida (Steven Spielberg, 1981), Duro de matar (John McTiernan, 1988), Homem-Aranha (Sam Raimi, 2002), As aventuras de Robin Hood (Michael Curtiz e William Keighley, 1938), Rambo 2 - A missão (George P. Cosmatos, 1985) e Os sete samurais (Akira Kurosawa, 1954).

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Fontes: <http://2.bp.blogspot.com/_x4zyfqt8jH0/SaFyyxBT9zI/AAAAAAAAABY/hV9GYVeaqDQ/s320/homem-aranha-poster02.jpg>;<http://2.bp.blogspot.com/_1wf806qKQXE/TE7K4GGd7iI/AAAAAAAAAxk/tIJPwrFNIEU/s1600/Seven_Samurai_poster.jpg>. Acesso em 25/06/2014.

Comédia

Segundo Aristóteles, a comédia é a “irmã” menor e menos importante do drama. Sua origem está no Komos, danca-pantográfica fálica praticada na antiguidade nos vilarejos gregos. A comédia como forma mais exaltada de imitação da ação tem a hamartia (falha de caráter/“errar o alvo”) como essência. Uma falha ridícula, um erro não doloroso ou destrutivo, um caráter inocente, ao contrário do drama, em que lições são aprendidas, mas nada se pode fazer depois de deflagrada a ação, na comédia o herói deve ter a oportunidade de corrigir o erro e escapar das consequências. Seu objetivo é necessariamente suscitar o riso.

No drama, os heróis nos proporcionam, por exemplo, duras lições de existência. Por sua vez, na comédia, os heróis somos nós. Uma boa comédia deve encontrar ecos nas experiências individuais dos

espectadores. Para isso, recursos e estratégias, assim como modalidades, são amplamente utilizados:

- o exagero, o equívoco, o absurdo, o insólito, o escatológico, o anacrônico, o imprevisto, entre outros, serão utilizados de acordo com o tom e o propósito de como serão utilizados, e então teremos a paródia, a sátira, a ironia, o escárnio, o sarcasmo, o ridículo, o cáustico, o espirituoso etc.

Os heróis cômicos não precisam salvar o mundo, curar doenças, fazer resgates ou compor sinfonias. Tarefas simples já são suficientes para ele, como regar o jardim ou passear com o cachorro. Nesses momentos, ocorrem estratégias como o imprevisto ou mesmo o exagero, entre as mais diversas possibilidades. Muitas vezes, a personagem não é propriamente uma figura cômica, mas acaba figurando em situações que fogem ao seu controle, deflagrando momentos engraçados. Para melhor entendermos, vamos separar os tipos de comédias cinematográficas em três categorias:

- Na alta comédia, as situações cômicas nascem das ideias, do comportamento das personagens.

- A comédia de situação busca o riso nas situações em que as personagens sem encontram.

- A comédia/pastelão é a forma mais simples de comédia: a casca de banana, o tombo etc.

Entender o gênero comédia e saber classificá-lo, sentir o timing correto das piadas, identificar as estratégias e modalidades é essencial para o crítico cinematográfico. Filmes como Primavera para Hitler (Mel Brooks, 1968) e Bananas (Woody Allen, 1971) são bons exemplos de farsas, onde exageros de gestos, vozes, expressões e situações passam pelo surreal, o absurdo. Os diálogos são rápidos, cheios de piadas contidas em uma única frase e as trocas ou confusões são constantes. A crítica social está fortemente presente. Por sua vez, filmes como Noivo neurótico, noiva nervosa (Woody Allen, 1977) se

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utilizam de uma comédia mais intelectualizada, mais cerebral. Ao contrário da farsa, a comédia cerebral se utiliza de ideias, ironias, sarcasmo e referências culturais para provocar o riso sem a necessidade de situações ou gestos exagerados. Outro tipo de comédia muito apreciado é a chamada comédia romântica. É retratado o amor e seus percalços, com um final normalmente favorável ao protagonista. Comumente vemos no primeiro ato o rapaz que ganha a moça, ou vice-versa, depois a perde e depois a ganha de volta. Simples, mas eficiente. Bons exemplos são Ligeiramente grávidos (Judd Apatow, 2007), Bonequinha de luxo (Blake Edwards, 1961) ou até Sex and the city (Michael Patrick King, 2008), que, apesar de poder ser visto como uma comédia romântica, é carregada de cinismo e reproduz uma convivência mais áspera entre os sexos.

Fonte: <http://2.bp.blogspot.com/_czP55vlU1D4/S6yPnez2BXI/AAAAAAAAAfc/7kcNY2caSGI/s1600/annie-hall.jpg>. Acesso em 25/06/2014.

Temos ainda filmes que podem ser classificados como comédia musical. É a estilização suprema do musical, intermediado pelo romance e com finais felizes, onde o canto e a dança têm permissão para

interromper livremente, impulsionando ou pontuando a narrativa. Como exemplo, temos Sete noivas para sete irmãos (Stanley Donen, 1954). A sátira, que exercita de forma cirúrgica a missão da catarse, pode ser vista nos filmes do Mel Brooks, como Banzé do oeste (1974) ou Jovem Frankenstein (1974). E temos ainda a animação cômica em filmes como Shrek (Andrew Adamson e Vicky Jenson, 2001) e a Black comedy, que se caracteriza pela fusão da comédia com terror em filmes como Marte ataca (Tim Burton, 1996) ou Queime depois de ler (Ethan e Joel Coen, 2008).

Fonte: <http://www.pinterest.com/pin/380624605979781334/>. Acesso em 25/06/2014.

Para facilitar a identificação dos filmes, denominaremos subcategorias da comédia para uma melhor compreensão:

- Farsa

- Comédia cerebral

- Comédia romântica

- Comédia musical

- Sátira

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- Animação cômica

- Black comedy

Drama

Recorreremos mais uma vez à Poética de Aristóteles. Para ele, o drama, visto em sua época como tragédia, é a forma mais perfeita e exaltada da arte dramática. A única capaz de nos proporcionar lições duradouras e catarses poderosas. De certa forma, quase todos os filmes, até mesmo as comédias poderiam ser encaixadas na categoria «drama». Psicologicamente, ansiamos pelo drama como uma forma de enxergar o pior que acontece aos outros para termos algum conforto, tanto na humanidade compartilhada quanto no saldo final de nossas tormentas e perdas.

Ao traduzir as regras aristotélicas da tragédia para os três atos da narrativa filmada, o cinema codificou o gênero em torno de alguns temas-chave:

- Superação: o protagonista deve ser submetido a provas de uma forma que ele chegará ao terceiro ato somente se recorrer às suas insuspeitas qualidades e vencer seus piores medos.

- Heroísmo: em geral, o herói é conduzido ao sacrifício. O heroísmo da sobrevivência do dia a dia.

- Destino: mais do que na tragédia grega, o drama cinematográfico acredita na fatalidade, no acaso e na necessidade de cumprir uma missão predeterminada.

- Descobertas interiores: o drama apoia-se fundamentalmente na capacidade de o protagonista descobrir de que substância moral ele é feito.

- Grandes questões morais: há um dilema moral que aparece na maioria das vertentes do drama como prova das qualidades morais dos heróis.

No drama, a caracterização dos personagens ganha sempre muita complexidade e os acontecimentos acabam tendo grande relevância, pois as consequências do conflito são centrais no filme. Nesse sentido, a tensão dramática é sempre maior e provoca confrontos com situações diversas.

O drama pode ser visto como a base narrativa cinematográfica da ficção. Suas principais variantes são o drama social, o drama bélico, o drama psicológico, o drama romântico/melodrama, o drama familiar, o drama político e o drama de crime (policial).

Exemplos de filmes do gênero drama: Touro indomável (Martin Scorsese, 1980), A doce vida (Federico Fellini, 1960), Forrest Gump - O contador de histórias (Robert Zemeckis, 1994) e Menina de ouro (Clint Eastwood, 2004).

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Fontes: <http://www.cinemadetalhado.com.br/2012/03/critica-touro-indomavel-raging-bull.html>;<http://2.bp.blogspot.com/_Pn96fSqXU1k/S8xSeCq7GJI/AAAAAAAAAqE/wMdi4ISx2FQ/s1600/Forrest_Gump.jpg> ;<http://nuke.romeheritagetours.com/Portals/0/la_dolce_vita(2).jpg> ;<http://www.kino.tv/wp-content/uploads/2011/05/Million-Dollar-Baby.jpg> . Acesso em 25/06/2014.

Fantástico

Na fantasia, o realismo interno se dá puramente na imaginação. A única lógica necessária é a lógica interna. Mundos são criados com suas próprias regras, mantidas a todo custo durante toda a narrativa.

A causalidade é um dos fatores decisivos para a compreensão da narrativa. No filme fantástico, as concepções realistas e leis comuns se afastam da causalidade.

Outros gêneros podem ser misturados a este, como filmes de aventura, ação, terror e ficção científica, mas é necessário ficar atento a essas contaminações.

No gênero fantástico, a imaginação toma conta da razão e da lógica. Não se imita mais a realidade, como no universo descrito por Aristóteles em Poética, mas imagina-se, sonha-se, cria-se outra realidade. Uma nova lógica é criada e se atém em si. O espectador se propõe a aceitar praticamente tudo, menos a incoerência.

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Por estar tão além de qualquer conexão com a realidade, o filme de fantasia é um bom veículo para abordar temas filosóficos, como a mortalidade e o sentido da vida.

Como exemplo de filmes do gênero fantástico temos: Senhor dos anéis - A sociedade do anel (Peter Jackson, 2001), O mágico de Oz (Victor Fleming, 1939) e A fantástica fábrica de chocolate (Mel Stuart, 1971).

Fontes:<http://2.bp.blogspot.com/-esR7aVJ1NwI/UOkoXagjGEI/AAAAAAAADhc/0axjyD2HV7M/s1600/The_Wizard_Of_Oz.jpg>;<http://clipandfollow.com/wp-content/uploads/2013/04/Willy-Wonka-the-Chocolate-Factory.jpg>. Acesso em 25/06/2014.

Ficção cientifíca

Ao nos debruçarmos sob a morfologia contida no gênero ficção científica, podemos facilmente identificar e entender seu significado e destinação. Ficção científica é portanto o gênero em que a narrativa imaginária leva em consideração as premissas do conhecimento científico vigente ou especulável acerca de um determinado fato ou fenômeno, projetando, sempre a partir delas, as suas consequências ou desenvolvimentos em um momento futuro. Se esta especulação tende a virar-se para o futuro, nada impede, porém, que o seu objeto seja os acontecimentos passados, como observamos em filmes sobre viagem no tempo.

O elemento essencial para guiar essa lógica interna é a ciência. Outros elementos podem ser

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tolerados desde que sejam uma extensão da ciência ou por ela puderem ser explicados. Por isso, neste gênero a tecnologia é essencial. O público de ficção científica gosta de ver se concretizar diante de seus olhos objetos possíveis mas inexistentes. Isso reforça a sensação de realismo e nos dá a percepção de que estamos vendo projeções coletivas das nossas possibilidades.

Tanto esse gênero, assim como o fantástico, deixa de se basear essencialmente sobre o que está acontecendo no mundo no momento em que o filme foi feito. Esse distanciamento de tempo e espaço leva ao espectador a sensação de conforto e tranquilidade quando são abordados temas mais fortes como fome, holocausto nuclear, superpopulação, entre tantos que acabam por causar menos impacto no espectador ao serem abordados na ficção científica.

Exemplos de filmes de ficção científica: 2001 - uma odisseia no espaço (Stanley Kubrick, 1968), ET - o extraterrestre (Steven Spielberg, 1982), Guerra nas estrelas - o retorno de Jedi (Richard Marquand, 1983) e Solaris (Andrei Tarkovski, 1972).

Fontes: <http://kalafudra.files.wordpress.com/2011/02/2001_a_s p a c e _ o d y s s e y. j p g > ; < h t t p : / / 2 . b p . b l o g s p o t . c o m / _v42LCUO_1aQ/TSi0EGQ8zeI/AAAAAAAABZc/RtL65SkU458/s1600/et.jpg>. Acesso em 25/06/2014.

Film noir

Nascido na década de 1940 com um estilo muito específico de contar o drama de crime, o film noir está longe de ser consenso quanto à sua classificação como gênero. Muitos autores entendem se tratar mais de um estilo nascido naturalmente de uma interessante conjugação de fatores artísticos e econômicos.

Esses filmes tinham em comum influências estéticas do expressionismo alemão dos anos 1920 e 1930. Usavam poucos recursos, mas conseguiam boa eficiência dramática. Em um período pós-guerra e com orçamentos restritos (portanto, menos equipamentos), os cenários eram mais simples e com poucas fontes de luz. A fotografia em preto e branco ressaltava o contraste. O ponto de vista era pessimista, sofrido, cínico. Os heróis repletos de problemas e contradições, muitas vezes não muito distantes dos vilões. As mulheres são perigosas e atraentes, mas falsas. Finais amargos e sem maiores

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consequências, tanto para os maus como para os bons.

As narrativas eram fracionadas, com vários fatos novos fazendo mudar o curso da história. Ângulos inusitados, vasto uso de sombras e ambientes repletos de crimes, gangues e quadrilhas onde transitam os anti-heróis e as mulheres fatais. Inspirado nas novelas pulp de detetive da época, o film noir se caracterizou pela narrativa em off, normalmente do ponto de vista do anti-herói.

O cinema noir ainda hoje se faz presente com boas produções e influencia muitos filmes. Como exemplos do noir pós-guerra temos A dama de Xangai (Orson Welles,1947) ou À beira do abismo (Howard Hawks, 1946). No chamado neo-noir temos Chinatown (Roman Polanski, 1977) e filmes que sofreram fortes influências, como Sin City - a cidade do pecado (Robert Rodriguez e Frank Miller, 2005) e Blade Runner (Riddley Scott, 1980).

Fontes: <http://1.bp.blogspot.com/-gHo1HRWF8E0/UacL93a_DwI/AAAAAAAIWb0/T66SKic0TZY/s1600/Lady_from_Shanghai-1947-MSS-dvdcover-1.jpg>;<http://3.bp.blogspot.com/_edvj69xeTPM/TO0zgVKi_lI/AAAAAAAACp4/KUk8gWQpuWM/s1600/Sin%2BCity%2B-%2BA%2BCidade%2Bdo%2BPecado.jpg>. Acesso em 25/06/2014.

Musical

O gênero musical nasce nos EUA como um gênero de grande sucesso. A música assume um papel de entretenimento e caracterização de personagens, e se transforma em um dispositivo narrativo em si mesmo. Entretanto, a música não está sobre a trama, mas surge a partir da própria vivência das personagens e determina os seus comportamentos. Com isso a música detém um papel singular na morfologia da narrativa.

No musical, as motivações, as decisões dos protagonistas, formam elementos musicais distintos, agindo muitas vezes como se de um bailado ou de uma ópera se tratasse. Essas cenas, em muitos casos, possibilitam a caracterização das personagens e propulsionam o desenvolvimento da ação.

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No final do século XX e inicio do século XXI, o gênero cinematográfico musical voltou a ser exaltado devido ao aumento da variedade dos públicos. Esse gênero se adaptou às novas tecnologias e tendências e, para envolver os espectadores, os musicais tiveram que atingir um nível de qualidade e sofisticação muito alto, a ponto do canto e a dança se tornarem parte contínua e importante da história.

Como exemplos do musical clássico, temos Cantando na chuva (Stanley Donen e Gene Kelly, 1952) e a Noviça rebelde (Robert Wise, 1965). Exemplos do musical contemporâneo são Mamma Mia! (Phyllida Lloyd, 2008) e Nine (Rob Marshall, 2009).

Fontes: <http://2.bp.blogspot.com/E8I7clxGV3M/UYfbE6sLsiI/AAAAAAAAF28/568l6XekgKw/s1600/Cantando+na+Chuva.jpg>;<http://www.sinemablog.com/wp-content/uploads/2008/09/mamma_mia.jpg>. Acesso em 25/06/2014.

Terror

No gênero terror, a catarse já não se faz pelo transe ou pelo encantamento, mas pelo sofrimento alheio. É um olhar para si e nossos piores medos em um ambiente seguro e controlado, mantendo a devida distância da narrativa fictícia, mas com o completo envolvimento que as imagens provocam. O espectador escolhe por vivenciar o medo com o máximo de intensidade e depois saber que acabou, ficou na tela. É uma exibição sem finalidade ou propósito de crueldades, com um convite implícito para que o espectador traduza que a tortura, o massacre e barbarismo é diversão. Dessa forma, a identificação do público não se faz com as “pessoas comuns”, mas sim com quem comete os atos de crueldade.

O filme de terror desde muito cedo encontrou seu lugar no cinema. O expressionismo alemão entre os quais O Gabinete do Dr. Caligari (Robert

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Wiene, 1920) e Nosferatu (Friedriche Murnau, 1922). Trevas, penumbras e mistério são características a este gênero. Uma linguagem muito própria e que se alargaria para o futuro do gênero em Hollywood, onde conheceria as suas mais destacadas obras.

Narrativas complexas, vítimas e vilões fazem com que o gênero terror avance para fronteiras e características que acabam se confundindo com outros gêneros parecidos, como o fantástico e a ficção científica, bem como filmes de ação e thriller.

Herdeiro de uma tradição literária de gênero que antecedeu o surgimento do cinema, o filme de terror desde cedo encontrou um lugar privilegiado na produção fílmica, como o demonstram títulos fundamentais do expressionismo alemão, entre os quais O Gabinete do Dr. Caligari (Robert Wiene, 1920) e Nosferatu (Friedriche Murnau, 1922). As ambiências de trevas, penumbras e mistério tão características a este gênero haveriam de encontrar na estilística do cinema alemão dos anos 1920 um contexto extremamente propício e que se alargaria para o futuro do gênero em Hollywood, onde conheceria as suas mais destacadas obras.

A enorme variedade de situações e pretextos narrativos, bem como de vítimas e vilões, faz com que o gênero de terror estenda as suas fronteiras para lá das convenções que lhe são características ou as confunda mesmo com outras categorias de filmes. Entre estas contam-se o fantástico, a ficção científica, filmes de ação e principalmente o thriller. Exemplo paradigmático desse cruzamento é a série Alien, sempre indecisa entre o terror, a ficção científica, o fantástico e o filme de ação.

Por se tratar de um gênero que possui um público especifico e concebe filmes normalmente de orçamento modesto, com atores desconhecidos e enredo de qualidade duvidosa, o olhar crítico deve entender que o filme de terror pode divergir completamente do que Aristóteles descreve. É possível que o filme de terror sequer contenha uma

linha dramática clara em sua narrativa. Na série Sexta-feira 13, por exemplo, temos jovens acampando perto de lago, onde são assassinados por um morto-vivo com uma mascara e um facão. O espectador sabe que o assassino conhecido como Jason não vai morrer, sabe que ele terá um duelo no final com o “bonzinho” entre os jovens que foram acampar – como uma fórmula independente do ambiente/espaço, que sempre segue da mesma forma. Criticar esse gênero é se aproximar ao máximo da visão do espectador. A qualidade do vilão, como vampiros, zumbis e outros é decisiva, assim como a identificação dele com o público.

Na busca de referências do filme de terror, podemos ir aos tempos mais recuados e apontar títulos como Drácula (Tod Browning, 1931) ou Frankenstein (James Whale, 1931). Mais recentemente, temos The evil dead (Sam Raimi, 1981) e Sexta-feira 13 (Sean S. Cunningham, 1980).

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Fontes:<http://www.imdb.com/title/tt0080761/>;<http://www.filmaffinity.com/es/reviews/1/358442.html>. Acesso em 25/06/2014.

Thriller

Gênero onde a perspicácia, a crença, a ingenuidade ou a afetividade do espectador são postas à prova. Pela intensidade com que o espectador tende a envolver-se na trama, geralmente complexa, de acontecimentos que são narrados, o thriller é um dos gêneros mais apreciados pelo público. A excitação, o nervosismo, assim como a duvida é sempre ressaltada no espectador, obrigando-o frequentemente a rever as suas hipóteses. A verossimilhança presente pode ser enganosa, fazendo o público entrar em um jogo de permanente inquietação, incerteza, ansiedade e angústia. O que parece ser, normalmente não é.

A tensão dramática provém, em grande medida, do fato de as personagens atravessarem a história em uma situação de risco quase fatal e de perigo iminente, como se, a qualquer momento, algo de irremediável estivesse prestes a acontecer. Assim como no gênero ação, os conflitos vão ocorrendo sempre

em direção uma conclusão final, mas o thriller usa a tensão e a dúvida, adiando a resolução dos conflitos até os limites. O tempo muitas vezes é um elemento essencial na narrativa. É a escassez de tempo, determinada por um prazo, que torna urgentes todas as decisões e atitudes do protagonista, originando uma espécie de ansiedade crescente à medida que o tempo se esgota. Outro recurso muito encontrado é o labirinto. O protagonista acaba frequentemente por se perder em uma espécie de deriva que incrementa a sua angústia e, consequentemente, a angústia do espectador.

O thriller é um modo de lidarmos coletivamente com questões perturbadoras do indivíduo, da época e da sociedade. Recorrendo novamente à Aristóteles, aquilo que nos dá pena ver acontecer com os outros provoca em nós o medo mais profundo: o “medo trágico”. Para que o medo trágico seja de fato catártico e leve ao exorcismo desejado, temos que nos identificar com o sofredor, sentir o que ele supostamente está sentindo com igual medo, antecipação e dor.

No thriller, a forma narrativa é o que realmente importa e precisa extrair do espectador todas as sensações de forma amplificada. O herói, assim como no gênero ação, deve frustrar os planos do antagonista, deixando o público com a possível vitória do mal até o final, para assim atingir o clímax com uma resolução moralmente satisfatória. Durante o filme, o protagonista e o espectador muitas vezes adquirem conhecimentos distintos. Ou o protagonista sabe mais, obrigando ao jogo de dedução por parte do espectador, ou o espectador sabe mais, o que amplifica as sensações, o medo e a angústia.

Como bons exemplos de filmes desse gênero podemos destacar: O homem que sabia demais (Alfred Hitchcock, 1956), Um corpo que cai (Alfred Hitchcock, 1958), Seven (David Fincher, 1995) e O silêncio dos inocentes (Jonathan Demme, 1991).

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Fontes: <http://3.bp.blogspot.com/_ChkYlXdArdc/TCcB_H71mUI/AAAAAAAAAOI/x i_Qn5SBjyo/s1600/ver t igo.jpg>;<http://2.bp.blogspot.com/-8K8jSK-2Kj0/UIsoXDHUrNI/AAAAAAAADTQ/L7gLGvL6p10/s1600/O%2BSil%25C3%25AAncio%2Bdos%2BInocentes.jpg>. Acesso em 25/06/2014.

Western

O western é uma criação explicitamente cinematográfica e a forma como se incorporou na cultura popular americana no princípio e se espalhou pelo mundo como um gênero notável que, na realidade, está longe de corresponder à sua verdade histórica. Um retrato do Oeste americano, mostrando a civilização na instauração da lei e da ordem, utilizando bandidos e mocinhos, índios e vilões fora de lei.

A cidade e o campo está para a ordem e o caos, como se a imposição da ordem ao nível social fosse acompanhada por uma mesma imposição ao nível territorial. É nesse temática que o gênero Western obteve sucesso no cinema.

Assim como o drama, encontramos elementos da jornada do herói. Superação, heroísmo, destino, descobertas interiores e grandes questões morais em forma de dilema caracterizam o gênero western. A definição clara do bem e do mal e a violência como resolução dos conflitos normalmente impulsionam a narrativa para um embate final, um duelo para restaurar a ordem moral.

Como referência, temos filmes como: Meu ódio serra sua herança (Sam Peckinpah, 1969),

Os brutos também amam (George Stevens, 1953), O dólar furado (Giorgio Ferroni, 1965) e Os imperdoáveis (Clint Eastwood, 1992).

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Fontes: <http://1.bp.blogspot.com/_slNC7I1Jw2Y/TGNokcXmUBI/AAAAAAAAAO8/Bv0nT9-x0Gc/s1600/Meu+%C3%93dio+Ser%C3%A1+sua+Heran%C3%A7a++(The+Wild+Bunch).jpg>;<http://obradoretumbante.files.wordpress.com/2011/02/os_imperdoaveis_poster.jpg>. Acesso em 25/06/2014.

9 ANALISANDO CRÍTICAS

Sem adentrarmos no campo do debate entre erros e acertos, analisaremos a construção e a argumentação de críticas feitas por profissionais experientes em distintos gêneros cinematográficos, visando o entendimento e possíveis caminhos para uma boa crítica fílmica.

Quem quer ser um milionário?, por Marcelo Janot

É difícil dizer em que aspecto Quem quer ser um milionário? é mais falho: como drama de forte cunho social ou como fábula romântica. São quase dois filmes distintos misturados no mesmo saco de gatos para agradar a gregos, troianos e votantes da Academia de Hollywood. Se analisarmos pelo lado do drama social, o que se percebe é um olhar deslumbrado sobre a miséria do terceiro mundo. Para nós, brasileiros, não é nenhuma novidade ver crianças sendo exploradas para pedir esmolas, catando comida em depósitos de lixo para sobreviver, cometendo pequenos golpes contra turistas e até mesmo pegando precocemente em armas – um fetiche já devidamente explorado por Fernando Meirelles em “Cidade de Deus”. Mas o inglês Danny Boyle não só reitera o que Meirelles já havia mostrado – com direito a perseguição frenética na favela, tal qual o início do filme brasileiro –, como vai além, mostrando, de forma superficial, desde os conflitos étnico-religiosos ao desenvolvimento urbano de Bombaim, a bordo de um roteiro que se pretende engenhoso, mas é cheio de clichês e simplificações.

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Fonte: <http://www.purebreak.com/news/dev-patel-et-freida-pinto-slumdog-millionaire-que-sont-ils-devenus/72538>. Acesso em 25/06/2014.

Explicar cada resposta certa no quiz televisivo com flashbacks que mostram a trajetória de vida de Jamal é uma fórmula interessante, mas esquemática demais para se sustentar ao longo das duas horas de projeção. Boyle quer chamar a atenção para as maldades feitas pelos exploradores da miséria infantil, mas permite que o protagonista do seu filme, já como uma celebridade televisiva, aceite ser torturado na delegacia e no dia seguinte desperdice a oportunidade de denunciar os maus-tratos em rede nacional. E como imaginar um novo herói da nação saindo da emissora de TV anônimo e curtindo sua fossa sentado no chão da estação de trem, sem ser incomodado? Esses e outros equívocos não conseguem ser justificados pelo segundo filme que há dentro de “Quem quer ser um milionário?”: a fábula amorosa envolvendo Jamal e Latika. Só mesmo no reino do faz de conta e no cinema de B(H)ollywood somos levados a crer na forma que se dão os encontros e desencontros dos dois, um amor tão puro e irreal que nas cenas em que aparece com uma cicatriz tão bem desenhadinha no rosto, Latika parece a miss Índia numa propaganda de cosméticos.

Tirando a obsessão pelos coliformes fecais (lembram da cena em que Ewan McGregor mergulha numa latrina em “Trainspotting”?), Danny Boyle parece ter se tornado um outro cineasta, que nem de longe faz lembrar o

diretor promissor e ousado de seus primeiros filmes. Depois de uma sequência de realizações decepcionantes em Hollywood, ele parece ter mirado o populoso mercado indiano e, graças à globalização, ampliou seu mercado. Boa música, belas imagens e muita sacarose acabaram bastando para que os cada vez menos exigentes público, crítica e Academia se deliciem com este insosso curry inglês. (Fonte: <http://oglobo.globo.com/blogs/cinema/posts/2009/03/06/bonequinhos-divididos-para-quem-quer-ser-milionario-166256.asp>. Acesso em 27/06/2014).

Comentário

A crítica feita por Janot enfatiza os problemas no roteiro, personagens caricatas e situações inverossímeis. Utiliza-se de uma visão social para demonstrar como o filme tenta fazer uma ligação sentimental do protagonista com o espectador e ainda expõe a relação amorosa, que existe também para buscar um elo com o público, mas que parece ser inusitada e sem bases realistas, assim como a situação vivida no concurso e na polícia por Jamal. Janot termina com uma crítica aos trabalhos anteriores do diretor e ao público pouco exigente, fechando com um recurso muito utilizado: a comparação do filme com algo fora de si, mas que possui laços culturais, sociais ou artísticos. Esses comentários, comumente chamados de “sacadas” ou comparações com o cotidiano comum são muito úteis para fazer um fechamento ou serem utilizadas em momentos adequados durante uma crítica.

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Fonte: <http://4.bp.blogspot.com/8ImKuIz9TiU/T_nblgCkpbI/AAAAAAAAAKA/3wkX8G01UKM/s1600/Quem+quer+ser+um+milionario.jpg>. Acesso em 25/06/2014.

Agente 86, por Celso Sabadin

Transpor para a tela grande do cinema o humor ágil e sutil do antigo seriado de TV “Agente 86” poderia ser um grande desastre. Afinal, o confuso agente secreto criado por Mel Brooks e Buck Henry, com a intenção explícita de parodiar os filmes de James Bond, destilava na telinha um humor sutil, de pequenos gestos e texto inteligente. Ou seja, características que passam longe das comédias americanas de cinema da era pós-Irmãos Farrelly.

Felizmente, porém, os produtores deste novo “Agente 86” realizaram dois grandes acertos: contratar os próprios Mel Brooks e Buck Henry como consultores do filme, e escalar o

eficientíssimo Steve Carell (de “A Volta do Todo Poderoso” e “O Virgem de 40 Anos”) para o papel principal de Maxwell Smart. A consultoria dos criadores manteve o espírito original da série, enquanto Carell se mostrou uma opção mais do que exata, perfeita. Além de fisicamente parecido com Don Adams (o ator principal do seriado, falecido em 2005), Carell também tem na sutileza de gestos e expressões a melhor marca de seu humor, que trafega na contra-mão do escracho atual.

Fonte: <http://s650.photobucket.com/user/zank-29/media/super_agente_86.jpg.html>. Acesso em 25/06/2014.

A trama atualiza a história do Controle, agência secreta de espionagem onde trabalha Maxwell Smart. Agora, o Controle vende a ideia de que ele não existe mais, pois teria sido descontinuado pelo governo dos EUA, logo após o desmoronamento da União Soviética. Como sua principal função era a espionagem contra os antigos comunistas, a agência teria se tornado – literalmente – peça de museu. Porém, este boato nada mais é que uma estratégia para manter o Controle mais secreto ainda. Ele continua

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existindo em algum lugar nos subterrâneos de Washington, por onde só se chega através de um elevador disfarçado de cabine telefônica, ícone inesquecível da abertura do seriado original.

É neste momento que o roteiro confunde um pouco o fã da antiga série. Neste novo contexto, ainda que ambientado nos dias de hoje, Smart ainda é um agente apenas burocrático, interno, sem atuação em espionagens em campo. Ele ainda não conhece a agente 99 (Anne Hathaway, de “O Diabo Veste Prada”, revelando seu lado sensual), tampouco o vilão Siegfried (Terence Stamp, de “Priscilla, a Rainha do Deserto”) da agência do Mal KAOS. Ou seja, se o Controle vive uma nova fase, pós-Guerra Fria, como 86 ainda sequer conhece aquela que viria a se tornar sua inseparável parceira, e como ele também desconhece o grande vilão da era comunista? Em que tempo, afinal, o filme se passa?

Fonte: <http://35mms.files.wordpress.com/2008/06/folheto-agente-86-promocao-fnac-pinheirosfinal.jpg>. Acesso em 25/06/2014.

Engolido este dogma cinematográfico, resta curtir a nostalgia, o bom humor, as situações divertidas, os antigos bordões (“Errei por um tantinho assim” ou “Acreditaria se eu dissesse...”), os diálogos espirituosos e a intensa química que o diretor Peter Segal (de “Corra que

a Polícia Vem Aí 33 1/3”) conseguiu imprimir ao seu elenco. Não somente ao casal central, como também aos ótimos coadjuvantes Alan Arkin (como o Chefe) e Dwayne “The Rock” Johnson, como o Agente 23. Com direito a uma pontinha de Bill Murray.

Graças às suas elaboradas cenas de ação, “Agente 86” é uma produção cara, de custos estimados em US$ 80 milhões. Se for sucesso de bilheteria – o que deve acontecer – espera-se uma continuação. Mesmo porque neste filme Max ainda não disse “eeeeeu... vou adorar!”. (Fonte: <http://www.planetatela.com.br/critica.php?cri_id=206>. Acesso em 27/06/2014).

Comentário

Celso Sabadin inicia sua crítica expondo seus receios quanto a versões modernas de clássicos, o que serve tanto para aproximar o leitor – que possivelmente tem o mesmo sentimento – como serve de estopim para desenvolver o texto, principalmente se for para posteriormente elogiar essa relação do medo com a grata surpresa. Sabadin cita os problemas com o enredo do filme e o do antigo seriado. Mesmo que muitos não os tenham visto, é importante conhecer aspectos do filme aos quais a crítica se destina, principalmente neste caso (uma versão para o cinema de um seriado clássico dos anos 1960). Para isso não basta ver uns episódios, mas conseguir inseri-lo culturalmente e socialmente com a época quando era produzido. No final, temos citações de trabalhos anteriores dos realizadores, o que ajuda a aproximar o espectador com o filme, e dos valores do custo da produção. Ele termina com uma frase muito usada no seriado que não se fez presente no filme, remetendo a uma possível continuação. É uma crítica que inicia bem o texto, desenvolve-se com conhecimento e informação e termina igualmente bem, fazendo um prognóstico para uma possível continuação.

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Os vingadores, por Rubens Ewald Filho

Fonte: <http://2.bp.blogspot.com/-zmhrAkRDl6Q/T5kZ6hLy9fI/AAAAAAAAD-0/iER7U6giXzo/s1600/avengers2.jpg>. Acesso em 25/06/2014.

Já faz anos que a gente está se preparando para a chegada deste Avengers, promovidos de maneira muito hábil com teasers no final dos filmes individuais dos super-heróis e endereçados diretamente aos fãs de quadrinhos.

Também a escolha do diretor parecia acertada ao usar o critério de aproveitar um diretor que fosse fã do gênero (como fizeram com Sam Raimi em Homem-Aranha) e que mesmo fazendo algumas mudanças, respeitasse as regras fundamentais do original. No caso, Joss Whedon, vindo da TV (mais adiante a biografia dele e algumas restrições).

Ainda assim este primeiro grande blockbuster do ano (não esqueçam que o fracassado John Carter levou à derrubada do Presidente da Disney!) deve agradar e fazer sucesso. Para mim, por uma razão básica: é bem divertido!

É verdade que o filme custa um pouco a engatar por uma razão evidente: são muitos personagens e depois de uma primeira sequência de ação há muito o que explicar e contar (o que às vezes é feito em flashbacks recurso pouco usado neste tipo de filme). Mas as informações são fundamentais. Nick Fury (Jackson), que não possui superpoderes, tem surpreendentemente pouco a fazer a não ser gritar ordens e brigar com o Conselho Supremo, já que a ação fica por conta dos outros super-heróis que andou convocando e recolhendo.

O que tem mais presença, a princípio, é mais conhecido do público em geral: O Homem de Ferro (que afinal já teve duas aventuras próprias). Robert Downey está com a língua afiada soltando farpas e sendo até amoroso com Pepper ou implicando com outro que retorna, o Capitão América (Chris Evans, já mais a vontade com o personagem). Logo a princípio, um desconhecido ainda para o espectador, o Gavião (Hawkeye) já é cooptado pelo inimigo (não gosto do ator que o interpreta, Jeremy Renner, que é o único que não me convence) assim como o Professor Erik Selvig (Stellan).

Toda a ação é motivada por um ataque de alienígenas que vêm recuperar uma fonte de energia que estava sendo estudada e explorada pelos humanos, e advinha quem está no comando da invasão? Justamente o irmão adotivo de Thor (que naturalmente se junta ao grupo e em determinado momento, veja que alívio, irá recuperar o seu Martelo!). E o tal de Loki é interpretado sinistramente pelo britânico Tom Hiddleston. Desta vez sem o menor escrúpulo de assumir sua vilania encenando um espetacular assalto e destruição a Nova York. Scarlett Johanson faz a única mulher do grupo, a Viúva Negra, de origem russa (não fizeram o filme dela ainda).

Mas sabem quem rouba o filme? É justamente o Hulk, que já vinha de duas tentativas fracassadas de ser aceito no cinema e que parece encontrar seu passo certo com a cara de Mark Ruffalo (que

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sempre é uma boa figura) e sempre desenhado por efeitos digitais. Acho que Whedon sacou o importante: Hulk vem com senso de humor e provoca duas ou três situações que fazem os fãs vibrar!

Faço restrições apenas a direção de Whedon, já que ele insiste em closes e planos próximos (defeito que adquiriu da televisão de onde veio, que incomodam principalmente na tela grande das salas). Há muita câmera na mão e principalmente uma ausência de estilo, de enquadramentos mais elegantes, de um desenho de produção marcante (melhora a situação na criação dos ETs e principalmente suas naves, já que nesse caso a execução ficou em cima dos computadores).

Mas a restrição acaba não sendo tão importante, porque o filme sabe brincar com os possíveis defeitos (numa hora em que Chris Hensworth que faz o Thor, começa a falar com seu vozeirão empolado, Downey Jr. vem tirando sarro: Para com essa história de fazer Shakespeare (se referindo a Shakespeare no Parque, que é a temporada de peças do autor que são encenadas anualmente no Central Park, em Nova York). (disponível em: <http://noticias.r7.com/> apud <http://cavernadohulk.blogspot.com.br/2012/04/rubens-ewald-filho-elogia-o-hulk-em-os.html>.)

Comentário

Rubens Ewald Filho desenvolve uma crítica opinativa e descritiva do enredo do filme. Ainda que comente de forma rápida aspectos técnicos como enquadramento ou informe dados sobre os realizadores, é com opiniões sobre atores, o andamento do filme e até sobre as ações de promoção feitas pelo estúdio que o texto se desenvolve. Esse tipo de crítica se comunica diretamente com o espectador. Porém, por ser opinativa, acaba criando grupos através de pontos de concordância entre leitores frequentes. Em contrapartida, o grupo que não concordar deixa de ler suas críticas.

UP - altas aventuras, por Luiz Carlos Merten

Fonte: <http://1.bp.blogspot.com/-mZd0vO7ieOg/T4B-SWIpDdI/AAAAAAAABuQ/AmlRs4dhrgI/s1600/up-altas-aventuras-poster.jpg>. Acesso em 25/06/2014.

Cannes habitualmente se veste de gala, mas este ano o festival adotou óculos especiais para a abertura com UP - Altas Aventuras. A nova animação da Pixar, em 3-D, permanece fiel ao primeiro mandamento do estúdio que revolucionou os desenhos - tudo pela história. A de UP lembra um pouco a de Almoço em Agosto. Assim como os produtores italianos diziam ao diretor e roteirista Gianni di Gregorio que ninguém ia querer ver um filme sobre um grupo de velhas, havia a mesma descrença na Disney, par-ceira da Pixar, de que o público pudesse se interessar por um velho rabugento como Carl. (Fonte: <http://cultura.estadao.com.br/noticias/cinema,critica-sobre-up-de-luiz--carlos-merten,429471>. Acesso em 27/06/2014).

Comentários

Normalmente encontramos esse tipo de crítica em espaços diminutos nos jornais, tipo tijolinho e, devido ao espaço muito reduzido, costumam apenas dar uma direção. Luiz Carlos Merten deixa claro do que se pode esperar

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quando comenta que a animação permanece fiel ao estúdio, uma vez que grandes foram os sucessos da Pixar, mas não é muito claro em outros pontos. Esse tipo de crítica costuma estar acompanhada por uma avaliação numérica ou outra qualquer para apoiar os argumentos.

Batman - o cavaleiro das trevas ressurge, por André Miranda

À sombra do herói

“A ideia era ser um símbolo. O Batman poderia ser qualquer um”, justifica Bruce Wayne, entre uma coluna quebrada, um tapa na orelha e uma tentativa frustrada de resolver todos os problemas do mundo. No último filme da trilogia de Christopher Nolan sobre o herói mascarado de Gotham, Batman se transforma num símbolo político de mudança, enquanto o homem, Bruce Wayne, é quem toma a frente das ações. A fantasia perde espaço para a realidade em “Batman — O Cavaleiro das Trevas ressurge”, concluindo com inteligência os melhores filmes já feitos a partir de personagens de histórias em quadrinhos.

O novo “Batman”, que estreia amanhã, se passa alguns anos após os acontecimentos do filme anterior, quando o herói assume a culpa pelos crimes cometidos por um ex-promotor. Wayne (Christian Bale) se tranca em sua mansão com o mordomo Alfred (Michael Caine, perfeito em suas poucas aparições), até que um novo inimigo surge em Gotham. Trata-se de Bane (Tom Hardy), sujeito extremamente forte cujo objetivo é destruir a cidade para dar uma lição à sociedade que considera degenerada.

Fonte: <http://capasdvddahora.blogspot.com.br/2012/07/batman-o-cavaleiro-das-trevas-ressurge.html>. Acesso em 25/06/2014.

Dali para a frente, Nolan oferece aos espectadores uma sucessão de cenas de dar inveja ao catastrófico Roland Emmerich. Nova York, quer dizer, Gotham vira alvo da destruição do terrorista Bane em belas sequências. As pontes explodem, as ruas explodem, o estádio explode. As torres só não explodiram também porque Gotham nunca teve duas torres idênticas em seu centro financeiro, mas não era preciso ser tão óbvio para deixar clara a intenção de relacionar a realidade com a fantasia.

Desde o primeiro filme da trilogia, a trama tem conexão com fatos reais, a começar pelo 11 de Setembro. O diretor já afirmou que Ra’s al Ghul (Liam Neeson), o inimigo de “Batman begins” que volta em “Cavaleiro das Trevas ressurge” como inspiração de Bane, foi levemente baseado em Osama Bin Laden. A ideia é que ambos os vilões, o real e o da ficção,

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se consideram espécies de paladinos de um novo mundo que vai surgir a partir do terror. É um discurso distorcido, é lógico, mas que encontra eco. A dúvida que Nolan deixa no ar é de quem é a culpa pelo clima de guerra. Dos poderosos de Gotham que excluem os menos favorecidos? Ou de quem reage à segregação e sai às ruas, ora para cometer pequenos delitos, ora para gritar palavras de ordem como “Occupy Gotham”?

No entendimento de Nolan, as reações a um sistema falido têm uma mesma origem. Uma década separa os atentados terroristas da Wall Street de 2001 da ocupação da Wall Street de 2011. E quem melhor para representar essa crise capitalista do que o homem mais rico da cidade? Para a população, Bruce Wayne é um playboy excêntrico, um milionário com dinheiro suficiente para comprar quem ele quiser e ainda dar gorjeta. Já Batman é o fruto de uma sociedade que não acredita mais em seus líderes e quer reagir. De dia, um faz o jogo do sistema. De noite, o outro confronta o sistema.

Da mesma forma, os demais personagens são parte desse simbolismo político. Todos têm uma circunstância. Selina Kyle, a Mulher-Gato de Anne Hathaway, é a moça boazinha que se torna ladra por falta de opção; o detetive John Blake (Joseph Gordon-Levitt) é o ex-órfão que luta pelo bem por acreditar no ser humano; e a executiva Miranda Tate (Marion Cotillard) é a esperança no futuro, alguém que surge como uma nova líder para uma sociedade responsável.

Mas nem sempre dá para acreditar que existe um futuro possível para Gotham. Quando Bane grita que seu objetivo é devolver o controle da cidade ao povo, ele se baseia num discurso anarquista para promover seu terror. Os tolos o seguem, o ciclo se alimenta e novos heróis são necessários para garantir a ordem. A melhor questão deixada pela trilogia de Nolan é exatamente saber quando as pessoas vão parar de esperar por um herói para assumirem a responsabilidade pelo mundo. A máscara, como diz Bruce Wayne, é apenas um símbolo.

Comentário

André Miranda constrói sua crítica baseando-se nas relações socioeconômicas presentes no ficcional e o real. Sem qualquer menção quanto às técnicas cinematográficas e fazendo apenas uma comparação quase imperceptível com Roland Emmerich, diretor de filmes como 2012 e Um dia depois de amanhã, descreve os acontecimentos e as personagens dando uma visão ampla ao espectador do que esperar. Em relação ao enredo, como não poderia deixar de ser, encerra com uma lição de moral. Apesar da crítica não ser opinativa, ela comunica com o espectador de forma sensorial, levando o público a construir uma leitura reflexiva, saindo do clichê de comentar a jornada do herói, o que de fato o próprio filme se encarrega em fazer, suscitando questões internas contidas em cada indivíduo. Esse tipo de crítica é normalmente bem visto e prepara o espectador para sua própria análise acerca do que foi dito mesmo antes de assistir ao filme, criando um “modo de ver” próprio e experimentar.

Um método perigoso, por Filipe Quintans

Raros são os cineastas cujos filmes podemos reconhecer num estalo. Assim é com os filmes de Scorsese, assim sempre foi e sempre será com os filmes de Hitchcock e Billy Wilder. Nesse nem tão vasto universo temos David Cronenberg, que com bem menos representatividade e apelo, faz por merecer integrá-lo.

O caso de Um Método Perigoso é exemplar. Nada do que se passa é por força do conflito, mas por força da vontade pura. A direção de arte é um personagem, a palavra é comedida, embora contundente. Se ainda é possível imprimir estilo pessoal no cinema, aí está, sem dúvidas.

Cronenberg talvez tenha dirigido o primeiro filme sobre um triângulo psicanalítico de que se tem notícia. Quando Carl Gustav Jung (Michael Fassbender) tem o primeiro contato com sua

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paciente Sabina Spielrein (Keira Knightley) sabemos que dali sairá um romance. Sairá a fórceps, mas sem maiores prejuízos, apenas deixando o gosto amargo do fim da paixão. O encontro com Sigmund Freud (Viggo Mortensen) faz Jung ficar entalado entre a interpretação de certas neuroses pelo viés sexual (teoria da qual não discorda, mas acha limitante) e o amor, cada vez mais latente, por sua paciente.

O triângulo assim se estabelece e a partir dele o roteiro de Christopher Hampton, também autor do texto teatral no qual ele é baseado, tece conexões e consequências. O trabalho de Cronenberg é tirar a melhor foto. A beleza das locações e o delicado trabalho de cenografia conferem um certo encanto até. A câmera é instrumento de observação – pelo reflexo do espelho, pela porta entreaberta do quarto onde Jung surra Sabina, única maneira de levá-la ao clímax. Eis o tema central do longa: o prazer não é simples, sobretudo entre quem estuda suas motivações. (Fonte: <http://www.jb.com.br/cultura/noticias/2012/03/30/critica-um-metodo-perigoso/>. Acesso em 27/06/2014).

Fonte: <http://4.bp.blogspot.com/-B9na_EP2TxE/T8-qoXFlWXI/AAAAAAAACPQ/V0Q4rnPJfhg/s1600/Um-Metodo-Perigoso-poster.jpg>. Acesso em 25/06/2014.

Comentário

Nessa crítica, Filipe Quintans consegue descrever a beleza do filme de forma técnica e comparativa com dados relevantes sobre os realizadores e sobre o próprio filme em si. É um bom exemplo de uma crítica que reúne conhecimento e comunica com o espectador tudo que ele precisa saber para tomar a decisão de ver ou não e do que esperar. Claro que esse texto pode não atingir a todos. Certamente atingirá mais aos cinéfilos, como os críticos de cinema. Filipe diz o essencial sem ficar descrevendo cenas, com bom ritmo e relevância. É importante ressaltar que o crítico não deve se prender no “culto ao artista” por se tratar de um filme de Cronenberg. Deve levar em consideração as obras anteriores, porém sem gerar influência direta ao texto sobre o filme pretendido.

A pele que habito, por Gabriel Medeiros

O que significa ser genial no cinema contemporâneo? No caso específico de dois grandes cineastas do nosso tempo, Quentin Tarantino e Pedro Almodóvar, a criação de uma obra-prima passa pelo processo de construção de um sistema de referências (filmes vistos, livros lidos, situações vividas etc.), que precisa ser desconstruído, misturado e reinventado para que algo novo possa nascer de coisas que já foram utilizadas antes. No caso do cineasta espanhol, a mescla de gêneros, que podem ir do filme noir ao melodrama, da comédia escrachada à ficção científica, tudo isso em um mesmo filme (ou, até mesmo, em uma única cena!), sempre foi sua marca registrada. Em A pele que habito temos a oportunidade e o privilégio de observar a maestria do diretor em controlar essa salada de gêneros, em mais uma trama de complexidade única, que já nos acostumamos a ver em grandes filmes como Fale com ela (2002) e Má educação (2004).

A história se passa no sugestivo ano de 2012 (seria uma ironia colocar sua história

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futurista tão próxima do nosso tempo?), e traz o impecável Antonio Banderas como o bem-sucedido cirurgião plástico Richard Legrand que, após a trágica morte de sua esposa (que tem seu corpo completamente incinerado em um acidente), parte em busca de uma “pele perfeita”, que poderia tê-la salvado. Sem limites em sua insaciável busca, Richard é capaz de tudo para tentar reescrever a história e evitar o inevitável.

A verdade é que qualquer resenha sobre a nova película de Almodóvar seria redutível em relação à grandiosidade da obra. O diretor vai e volta no tempo e constrói a história de forma que nossas emoções fiquem sempre suspensas, na espera do que pode acontecer no momento seguinte. E as reviravoltas não param em nenhum momento da trama.

Fonte: <http://maniacosporfilme.files.wordpress.com/2012/03/a-pele-que-habito.jpg>. Acesso em 25/06/2014.

O diretor francês François Truffaut disse uma vez que o diretor de cinema era o único que não podia se queixar de nada, pois, independente do que fizesse, o filme teria a sua marca no final. Almodóvar tem a consciência disso e sabe a responsabilidade que sua posição traz. Ele tem o

controle perfeito sobre o tempo cinematográfico, sobre o espaço cênico e sobre o que seus atores têm a oferecer. Com isso, cria momentos de sensibilidade ímpar. A mescla de sentimentos opostos e de gêneros completamente diferentes em uma mesma cena é a maneira que Almodóvar tem de mostrar a sua visão sobre a vida, em que tragédia, comédia e melodrama digno de novela mexicana estão sempre misturados, com limites muito mal-estabelecidos entre eles.

Em A pele que habito, por trás da complexa trama, Almodóvar traz ainda uma complexa discussão. Na busca do homem pelo controle sobre a vida, na tentativa eternamente frustrada de evitar a morte e alcançar a eternidade, vimos nossas ciências e tecnologias chegarem a níveis extremos de evolução. E se, nessa busca, tivermos a chance de enfim darmos à luz a esse “super-homem”? Quais são os limites que estaremos dispostos a ultrapassar e os sacrifícios que estaremos dispostos a fazer? A última fala do filme pode ser, talvez, um sopro desesperado para que se veja a humanidade por trás de toda a “perfeição” técnica. A superficialidade dessa última não pode se sobrepor à intensidade da primeira.

Com seu ensaio sobre amor, ódio, vingança e busca pelo inalcançável, Pedro Almodóvar nos brinda com mais uma pérola de seu cinema único. Um filme imperdível.

Comentário

Gabriel Medeiros faz uma crítica elogiosa, justificando os pontos positivos da narrativa e da habilidade de Almodóvar em mesclar gêneros e prender a atenção do espectador. Tudo bem escrito, com boas referências, exaltando o cinema de autor e tendendo para o elogio. Medeiros faz ainda um breve comentário sobre questões implícitas no filme e termina jogando flores. É importante dizer que esse é realmente um filme muito bom e que Almodóvar

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possui um público específico, fãs acostumados com o seu trabalho. Para esses espectadores, essa crítica comunica muito bem. Cabe, porém, pensarmos mais uma vez sobre o “culto ao autor”.

A primeira coisa bela, por Alice Turnbull

Depois de dois anos, o longa A primeira coisa bela, de Paolo Virzì, chega aos cinemas brasileiros. Indicado ao Oscar de 2010, o filme de teor machista e tragicômico narra a história de uma dramática e fragmentada família que, após muitos anos, se vê reunida pelo estado grave de saúde da mãe.

Sem muita força, porém não sem estética, o filme começa bem ao fazer da breguice do concurso de Mamãe Mais Bela metonímia da época e na produção da beleza natural e sem jeito de Micaella Ramazzotti. Apesar de bem produzida e de encantar visualmente, Ramazzotti, esposa do diretor, não convence no papel da mãe quando jovem. Ao longo de sua atuação ainda sofre com a maquiagem que, na tentativa de envelhecer a atriz, peca. O resultado é apenas estranho. Já mais velha, em 2009, Anna surpreende. Interpretada pela atriz Stefania Sandrelli, a mãe finalmente nos envolve e faz juz ao espírito da personagem.

Repleto de julgamentos e sem nenhuma desconstrução de estereótipos, Virzì apresenta seus personagens de maneira preconceituosa e moralista. O exemplo máximo é a mãe, Anna, que durante todo o filme é tida como uma libertina por quase tudo e todos: sua beleza, seu comportamento dito “ousado”, suas roupas, seu espírito livre, tudo é usado como justificativa para o tratamento que recebe. Por fim, seus acusadores terminam justificados. Uma sentia inveja, um a cobiçava, outro tinha ciúme. Na trama, ninguém julga sem “motivo”. Já Anna, por seu amor materno e sua vontade de viver, é “perdoada”. Ato que a condena como sendo culpada do machismo alheio. Uma linha de

raciocínio que permite pensamentos similares ao, em um estupro, considerar a mulher como motivo.

Outros personagens também sofrem por não serem politicamente corretos. Bruno, o filho, interpretado por Valerio Mastandrea, busca fugir da realidade com drogas lícitas e ilícitas. O porquê é preconceituosamente explicado pela mãe: “desejo de ser infeliz”. Um pensamento um tanto quanto torto.

Por essas e outras, A primeira coisa bela é um filme “quadrado”. Mas nem tudo é tão radical. Também é possível analisá-lo com um olhar conformista do tipo “mas é assim que a maioria enxerga”. A partir daí a beleza de uma crônica pode até ser avistada. Mas o título seria “A Novela da Moral”. (Fonte: <http://www.jb.com.br/cultura/noticias/2012/06/19/critica-a-primeira-coisa-bela/>. Acesso em 27/06/2014).

Fonte: <http://3.bp.blogspot.com/-MNNijCeK4I4/T9Id5nqvvyI/AAAAAAAA8Ns/uHJgqFhRNeM/s1600/14830_1%C2%BA-coisa-bela.jpg>. Acesso em 25/06/2014.

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Comentário

Criticar o cinema europeu requer um olhar diferenciado. Assim como nos filmes nacionais, o roteiro, a estética, as personagens e suas relações são os elementos que normalmente impulsionam a narrativa. Temos assim personagens mais complexos e conflitos sociais constantemente presentes. A crítica de Alice Tumbull descreve as relações e conflitos abordados no filme apontando os erros e acertos segundo sua ótica. Não há certo ou errado, o papel do crítico é julgar, e nesse caso, tudo é justificado.

Heleno, por Marcelo Hessel

“Todo jogador deveria ver ópera antes de entrar em campo”, brada Heleno de Freitas (Rodrigo Santoro) contra os demais jogadores do Botafogo. Cobrar raça e emoção já era, nos anos 1940, comum entre craques de futebol que carregavam seus times nas costas, mas o fato de Heleno falar em ópera, entre a grandiloquência e o esnobismo, diz muito sobre sua figura, como retratada no filme Heleno.

Formado em Direito, com cara de galã de cinema, Heleno não é um dos cabeças de bagre, nas suas palavras, que povoam o esporte. Circula de conversível pelas praias do Rio, canta no rádio em um inglês impecável. Na sua escolha de cenários, o filme faz uma distinção que é gritante: de um lado, os bailes black-tie que Heleno frequenta no Copacabana Palace; do outro, o treino do Botafogo, com o cachorro amuleto do clube presente na arquibancada e o bode, aparador de grama, amarrado na grade.

Rapidamente fica claro que o Heleno do filme, embora grite sua paixão pela camisa, está alheio às coisas prosaicas do futebol – um esporte popularizado no país, em boa medida, justamente por seus prosaísmos. Se fica a impressão de que falta futebol em Heleno (um comentário que já

ouvi mais de uma vez de quem também assistiu ao filme), talvez essa sensação venha do fato de o personagem tratar o esporte como um meio, não um fim, de conservar seu sucesso.

Fonte: <http://3.bp.blogspot.com/-xnGS1-DAUeA/T88xrAZG2RI/AAAAAAAABbk/RTbRCoEqnyw/s1600/cartaz-do-filme-heleno-com-rodrigo-santoro-circula-pelas-midias-sociais-1326583>. Acesso em 25/06/2014.

É um pouco por essa falta de um propósito elevado – quando Heleno cria pra si uma imagem grandiloquente, o que se espera dele é um propósito à altura – que a vida de Heleno soa tão vazia no filme. O constante vaivém temporal reforça isso; a cada excesso do jogador na juventude, o roteiro corta para o futuro, com Heleno demente de sífilis no sanatório onde passou seus últimos dias. É uma relação imediata de causa e efeito que, em si, não precisaria existir (ser bad boy não mata ninguém), mas que o filme intensifica para demarcar a tragédia.

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O que provoca um curto-circuito em Heleno, já que o roteiro cheio de elipses de Felipe Bragança, Fernando Castets e José Henrique Fonseca evita forçar causalidades durante a juventude do jogador. Paira ao fundo o vulto materno (Heleno telefona frequentemente à mãe, que nunca aparece em cena), mas o filme usa isso apenas sutilmente para justificar-lhe o comportamento mulherengo. Assim, sobra ao espectador trabalhar com a relação causa-efeito mais ostensivamente oferecida, que são os saltos temporais vinculando a boa-vida à doença.

Que Heleno de Freitas é uma figura trágica – como outros ícones efêmeros do Botafogo, só conseguiu ser campeão defendendo outro time – não há dúvida. O problema de Heleno, ao tornar patologia os excessos do jogador, é que isso tira do personagem sua única glória: jogar não pelo prazer de jogar, mas pelo prazer narcisista de reafirmar seu gênio ante os demais.

Comentário

Por se tratar de um filme com características biográficas, a crítica de Marcelo Hessel segue pela vertente de comentar o Heleno real e ficcional. Sem se aprofundar na estética ou na interpretação do protagonista, faz ressalvas quanto ao roteiro e se apoia no drama pessoal vivido por Heleno, seus conflitos e frustrações. Ele termina sua crítica fazendo a afirmação mais forte do texto em um ótimo parágrafo que, em si, já poderia ser uma critica.

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