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O arquiteto do concredo amado

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Pesquisa FAPESP - Ed. 123

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Apresentação Tatiana FerrazComentários Mariluce Moura

Diretora de redação de Pesquisa FAPESP

Sábados, às 12h30Reprise aos sábados às 19h30 e aos domingos às 14h

■ Novidades de ciência e tecnologia

■ Entrevistas com pesquisadores

■ Profissão Pesquisa

■ Memória dos grandes momentos da ciência

E o que não poderia faltar: sua participação nas seções

■ Pesquisa Responde

■ Promoção da Semana

Rádio Eldorado AMSintonize 700 kHz

Toda semana,em meia hora, você tem:

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Pesquisa Brasil e a telonaCiência na sétima arte

www.revistapesquisa.fapesp.br

Cineasta Nelson Pereira dos Santos, que foi recém-indicado para a Academia Brasileira de Letras, fala de sua obra

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22.04.06

■ Cristiano Cardoso

— O que causou a explosão re-

cente de aparelhos celulares? E

que cuidados é preciso ter para

que isso não ocorra?

■ João Antonio Zuffo,

da Escola Politécnica da

Universidade de São Paulo

(USP)

— Num dos casos, o telefone pe-

gou fogo no bolso da menina.

Era um telefone que tinha sido

alterado. Normalmente, não se

usa plástico inflamável. E aque-

le telefone, segundo me cons-

ta, era cor-de-rosa e o plástico

exterior parecia ter sido muda-

do. Num outro caso que conheço,

a história é um pouco diferente.

O telefone estava recarregando

a bateria quando explodiu. Isso

pode ter acontecido por dois

motivos diferentes: a bateria es-

tava mesmo estragada, aque-

ceu e explodiu; ou havia um de-

feito no próprio carregador, que

era de má qualidade ou pode

ter sofrido um impulso muito

forte da rede elétrica. A queda

de um raio próximo pode ter

queimado os diodos retificado-

res. Por isso é preciso manter o

telefone com muito cuidado e

sempre comprar peças origi-

nais. Não se deve adquirir pro-

dutos de camelôs, que não ga-

rantem a qualidade das peças.

Quem faz isso aumenta muito

a chance de ocorrer falhas e de-

feitos no celular.

22.04.06

■ Márcia Barbosa, física da

Universidade Federal do Rio

Grande do Sul (UFRGS)

— Trabalho com fluidos comple-

xos. É interesssante dizer que

um desses fluidos complexos é a

água. Uma das minhas linhas de

pesquisa tenta entender por que

a água é tão especial e apresenta

comportamento diferente dos

demais fluidos. Explico: quando

se deixa por muito tempo uma la-

ta de cerveja no freezer, ela con-

gela. E expande e se deforma. Se

se tivesse feito o mesmo experi-

mento com outro líquido, e ele

também tivesse passado para o

estado sólido, esse líquido iria se

contrair. Portanto, a água tem

um comportamento diferente

dos demais fluidos e é por isso

que a gente tem vida. Quando,

por exemplo, um rio se congela,

o gelo fica por cima e a água,

por baixo. Por isso, os peixes so-

brevivem. Embora comum, esse

comportamento não é ainda

completamente compreendido.

Outra área de meu trabalho é

tentar compreender por que há

tão poucas mulheres na física.

Nos nossos estudos descobri-

mos que muitas dessas barrei-

ras são comuns a outras profis-

sões, mas se tornam mais fortes

na física porque há, historica-

mente, um número muito pe-

queno de mulheres trabalhan-

do nessa área. Essa situação

decorre de muitos fatores. Um

dos mais mais graves é o este-

reótipo de que o cientista é um

ser feio, isolado, que não traba-

lha com outras pessoas.

01.04.2006

■ Apresentadora

— No Brasil, os casos de morte

por câncer de mama ocorrem

sobretudo em mulheres na fai-

xa etária de 40 a 69 anos. Na

maior parte dos casos, a doença

foi descoberta em estágio avan-

çado. O caminho usual paraa

identificação precoce do tumor,

fundamental para aumentar as

chances de sucesso no trata-

mento, é a mamografia. Quan-

do a imagem do exame deixa

no ar uma suspeita, em geral o

médico propõe que a paciente

seja submetida a uma biópsia,

com a retirada para análise de

um pequeno fragmento do teci-

do mamário. Mas apenas uma

em cada oito biópsias realiza-

das confirma as suspeitas de

câncer. As demais têm resulta-

do negativo. Essas biópsias re-

presentam gastos desnecessá-

rios para o sistema de saúde,

além de ser um transtorno — tal-

vez evitável — para as mulheres.

Exatamente de olho nisso, foi de-

senvolvido na Universidade de

Mogi das Cruzes (UMC) um no-

vo sistema de processamento de

imagens por computador, que

melhora a qualidade e a sensibi-

lidade do diagnóstico por meio

da mamografia. A coordenado-

ra da pesquisa, Annie Slaets,

conta que com o novo sistema é

possível reduzir em 25% o nú-

mero de biópsias benignas, ou

de oito para seis os resultados

negativos, sem diminuir a de-

tecção de casos malignos.

29.04.06

■ Apresentadora

— Você acredita que os temas

políticos podem estimular uma

produção de qualidade no cine-

ma nacional?

■ Nelson Pereira dos Santos

— Acho que a temática não pode

ser única. Tem que ser variada,

como é o atual cinema brasileiro.

Quer dizer, o bonito do cinema

brasileiro de hoje é a pluralida-

de. Cada um faz o filme que tiver

mais necessidade de fazer, algu-

ma coisa que responde a um pro-

jeto pessoal, estético, artístico e

filosófico. Então, se for um tema

que ajude as pessoas, melhor.

Mas, se não for, tudo bem. A te-

mática política não pode ser obri-

gatória, mas, com certeza, ela é

muito fértil. Tem muita coisa para

contar — e não só por causa do

escândalo atual. Há muitas his-

tórias do passado e do presente

que podem dar ótimos roteiros.

PESQUISA RESPONDE

NOTA

Celular: peças não originais aumentam o risco de explosões

ENTREVISTA

PROFISSÃO PESQUISA

Água: fluido complexo

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4 ■ MAIO DE 2006 ■ PESQUISA FAPESP 123

72 SENSORIAMENTO REMOTOAviões não tripuladospodem ser usados paraaumentar a produtividadedas lavouras no país

76 DESENHO INDUSTRIALMinilavadora de roupaspode ser transportada no carro e pendurada noteto ou na parede

Capa: Hélio de Almeida

Fotos: Miguel Boyayan

SEÇÕES

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

IMAGENS DO MÊS . . . . . . . . . . . . 3CARTAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6CARTA DA EDITORA . . . . . . . . . . . 9MEMÓRIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10ESTRATÉGIAS . . . . . . . . . . . . . . . 22LABORATÓRIO . . . . . . . . . . . . . . 36SCIELO NOTÍCIAS . . . . . . . . . . . 60LINHA DE PRODUÇÃO . . . . . . . . 62RESENHA . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94LIVROS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95FICÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96CLASSIFICADOS . . . . . . . . . . . . . 98

80 MICROELETRÔNICAPelícula produzida com composto cerâmicoevita perdas de energia elétrica

82 NOVOS MATERIAISCerâmicas à base de manganês podem melhorar o funcionamento dos computadores

90 ANTROPOLOGIAReligiões da ayahuascasugerem um caminho para uma boa guerra antidrogas

HUMANIDADES

CIÊNCIA

32 PROGRAMA ESPACIALA viagem do astronautaterá influência rala no desenvolvimentotecnológico do país

34 INFRA-ESTRUTURAFAP-Livros liberarecursos para comprade 130 mil títulos

TECNOLOGIA

46 GENÉTICAEquipe de Minas emprega novos marcadores para agrupar as populações do planeta

48 CARDIOLOGIAEquipe da FMUSP associa pressão alta severa à compressão de regiãocerebral por artéria

54 ANFÍBIOSFilhotes de cobra-cega se nutrem com secreçãoe epiderme da mãe

56 RÉPTEISFóssil encontrado na Argentinafortalece a hipótese sobre a origem terrestre das cobras

58 FÍSICAO emaranhamento de partículasde luz é medido por pesquisadoresbrasileiros

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50 ETOLOGIADisputas sociais e capacidade de orientaçãomoldaram o cérebro dos primatas

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www.revistapesquisa.fapesp.br

CAPA/ENTREVISTA

28 INOVAÇÃOUniversidadesbrasileiras ocupamespaço que deveria ser das empresas em ranking de patentes

12 Paulo Mendes da Rocha, ganhador do Prêmio Pritzker, analisa oscaminhos da arquiteturae do desenvolvimento das cidades

40 MEDICINANova pediatriapropõe a prevenção dedoenças crônico-degenerativasainda na infância

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86 HISTÓRIAEpisódios recentesobrigamacadêmicos a repensaro papel dos militares

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66 PATENTESProjetos desenvolvidospela Unicamp são apresentadosnos Estados Unidos

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6 ■ MAIO DE 2006 ■ PESQUISA FAPESP 123

[email protected]

Álcool

Como coordenador da FrenteParlamentar pela Energia Limpa eRenovável da Assembléia paulista,te-nho defendido a importância estraté-gica da biomassa da cana,do álcoolcombustível,valorizando o uso docombustível ecologicamente correto,renovável e gerador de renda e em-pregos.E tive uma grata surpresa aoler a reportagem de capa de PesquisaFAPESP (edição 122).Foi muito bemdiscutida e apresentada a questão mo-te da reportagem,de como aumentara oferta de álcool combustível no país.Assim como as dualidades que en-volvem todo esse mercado da cana,aspesquisas para tornar a cana mais re-sistente às pragas até a já conhecidadiscussão sobre o trabalho dos bóias-frias,questões complexas e arcaicasque fazem parte do cotidiano deste se-tor. Gostaria de parabenizar Yuri Vas-concelos pelo cenário traçadona ma-téria,englobando fatores tecnológicos,econômicos e sociais,além de apre-sentar um bom panorama para dis-cutirmos as inovações como os car-ros flexíveis.Creio que em meio aoempreendedorismo da iniciativa pri-vada em ampliar e conquistar novosmercados,o que mechama a atençãoé a falta de visão estratégica por par-te dos governantes em delimitar e es-tabelecer quala matriz energética quedesejamos para as próximas décadas.Matérias como essa auxiliam a defi-nir rumos e questionar a estabilidadenecessária para este mercado crescere se desenvolver.

ARNALDO JARDIM

deputado estadual (PPS-SP)São Paulo,SP

Parabéns pela reportagem sobreo álcool (edição 122).Nós,enquantopesquisadores inseridos nesse setor,ficamos entusiasmados com essa re-tomada do assunto etanol.Mas senti-mos falta da menção dos projetos fi-

nanciados pela FAPESP,os quaisnos foram contemplados. Acredita-mos que a sua inclusão teria contri-buído para o enriquecimento da re-portagem.Um dos nossos projetosestuda um sistema alternativo paraprodução de etanol;outro tr ata dascaracterísticas das leveduras isoladasde destilarias brasileiras;e,ainda nes-sa linha,o grupo conduz um projetoque estuda a utilização de gomasproduzidas por linhagens de bacté-rias isoladas de canaviais brasileiros.Sendo assim,esperamos que em umapróxima oportunidade esses nossosprojetos possam ser apresentados.

MARIA DA GRAÇA S. ANDRIETTA

(coordenadora da DBP/CPQBA/Unicamp)

e SÍLVIO R. ANDRIETTA, MARIA

DA GRAÇA S. ANDRIETTA e CLÁUDIA STECKELBERG

(pesquisadores)Campinas, SP

Nota da redação: A cada grandetema fazemos muitas entrevistas,masinfelizmente não conseguimos abran-ger todo o universo das pesquisas en-volvidas.Agradecemos os elogios à re-portagem e a indicação dos projetos,que abordaremos em outros textos.

Mulheres

É de extrema relevância a iniciati-va da revista Pesquisa FAPESP emtrazer dois textos com assuntos rela-cionados à condição da mulher nomercado de trabalho (edição 122).Destaco a importante nota “Comba-te ao clube do Bolinha”,inserida naseção Estratégias,na qual relata acriação de um programa para inte-grar pesquisadoras japonesas que seafastaram da carreira para ter filhos ecuidar deles,um programa para sa-nar as desigualdades de gênero emcargos nas universidades e laborató-rios públicos no Japão. Aproveitopara falar das pesquisadoras brasilei-

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As reportagens de Pesquisa FAPESP retratam aconstrução do conhecimentoque será fundamental para o desenvolvimento do país.Acompanhe essa evolução.

■ Números atrasados Preço atual de capa da revista acrescido do valor de postagem.Tel. (11) 3038-1438

■ Assinaturas, renovação e mudança de endereçoLigue: (11) 3038-1434 Mande um fax: (11) 3038-1418Ou envie um e-mail: [email protected]

■ Opiniões ou sugestõesEnvie cartas para a redação de Pesquisa FAPESP Rua Pio XI, 1.500São Paulo, SP 05468-901pelo fax (11) 3838-4181 ou pelo e-mail: [email protected]

■ Site da revistaNo endereço eletrônico www.revistapesquisa.fapesp.brvocê encontra todos os textos de Pesquisa FAPESP na íntegra e um arquivo com todas as edições da revista, incluindo os suplementos especiais. No site também estão disponíveis as reportagens em inglês e espanhol.

■ Para anunciarLigue para: (11) 3838-4008

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Cartas para esta revista devem ser enviadas para

o e-mail [email protected], pelo fax (11) 3838-4181

ou para a rua Pio XI, 1.500, São Paulo, SP,

CEP 05468-901. As cartas poderão ser resumidas

por motivo de espaço e clareza.

EMPRESA QUE APÓIA A PESQUISA BRASILEIRA

dou que lhe cortassem o pescoço: se acoisa se espalhasse, ouro não ia valermais que barro” (Satíricon, 51).

CLÁUDIO AQUATI

Língua Latina e Literatura Clássica/Unesp

São José do Rio Preto, SP

Tijolo com pet

Sou professor universitário de fí-sica da Ulbra Manaus e assinante háquatro anos de Pesquisa FAPESP, eleitor da seção Linha de Produção. Lina edição 118, de dezembro de 2005,uma notícia sobre um projeto de dis-sertação de mestrado de tijolo compet. Quero acrescentar que tambémdesenvolvi a partir do segundo se-mestre de 2003 uma idéia idêntica àda estudante de arquitetura da Uni-versidade Federal de Santa Catarinado artigo em questão, que em outu-bro de 2005 apresentei na 2ª SemanaNacional de Ciência e Tecnologia, emManaus. Na época gerou pouco inte-resse na instituição, porém ao ler oartigo em Pesquisa FAPESP fiqueimuito motivado pela idéia e me sen-ti muito bem por ter executado oprojeto. Estou escrevendo para para-benizar a revista por divulgar idéiassimples mas interessantes.

NEWTON LIMA

Manaus, AM

Revista

Tenho recebido com regularidadea revista Pesquisa FAPESP, que metem sido de grande valia. Faço votospela continuidade de sua excelência.

NÍVIA NOHMI

São Paulo, SP

ras: em nossas universidades o perío-do da licença-gestante não é descon-tado do prazo de integralização doscursos. Infelizmente, a mentalidadede combate às desigualdades de gêne-ro ainda é nova nas políticas brasilei-ras. É o que também demonstra o ar-tigo “Licença para criar”, de CarlosHaag, sobre o projeto de aumento dalicença-maternidade que traz à luz asquestões do mercado de trabalho dasmulheres. Fiquei surpreendida com aausência de discussão sobre a mu-lher-mãe-pesquisadora e tambémcom o descuido ao ignorar as ques-tões da diversidade de gênero, especi-ficamente a defesa da licença-paterni-dade. Temos também que defenderum projeto de licença-paternidadepara possibilitar a opção de uma vi-vência plena da paternidade. O Brasilpode estar em segundo lugar do ran-king no que diz respeito à remunera-ção semanal de benefícios dados àmulher trabalhadora depois do nas-cimento de um filho, mas não ocupalugares de prestígio em relação àigualdade dos benefícios salariais en-tre homens e mulheres. Nós, mulhe-res mães ou não, também queremoster a tranqüilidade para desempe-nhar os diferentes papéis que temosna sociedade moderna, principal-mente aqueles em carreiras profissio-nais sem distinções de gênero.

DANIELA FINCO

Faculdade de Educação/USPSão Paulo, SP

Evaporação de água

Ficou excelente a reportagem“Mistura fina” (edição 122) de Pes-quisa FAPESP, e o retorno foi imedia-to, pois já há pessoas entrando emcontato comigo. Parabéns e muitoobrigado pela valiosa divulgação.

MARCOS GUGLIOTTI

Lótus AmbientalSão Paulo, SP

vidro que não se quebrava. Por isso,foi admitido junto a César levandocom ele o seu presente. O vidreiro fezcom que César examinasse a tigeli-nha com bastante atenção e em se-guida atirou-a de encontro às lajes dochão. César se espantou a não maispoder. O vidreiro, contudo, recolheua tigelinha do chão; ela estava amas-sada como um vaso de bronze. Emseguida, pegou um martelinho quelevava consigo e sossegadamente ar-rumou a tigelinha com perfeição. Porcausa disso pensava que tinha pren-dido um dos bagos de Júpiter, aindamais depois que César lhe disse: ‘Poracaso alguém mais sabe dessa manei-ra de fazer vidros?’ Espia só... Como ovidreiro dissesse que não, César man-

Baquelite

Quando li, na reportagem “A erado plástico” (edição 121), a respostade Baekeland acerca de seu motivopara entrar no ramo das resinas sin-téticas (“... para ganhar dinheiro...”),não pude deixar de lembrar a “histó-ria do vidro inquebrável”, que apare-ce no Satíricon, de Petrônio, obra daliteratura latina de meados do séculoI d.C. A história é a seguinte: “Houveum vidreiro que fez uma tigelinha de

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O vôo da réplica

Uma réplica do 14-Bis (alto) saiu do chão por 40 segundos numa pista de asfalto emCaldas Novas, em Goiás, no início de abril, para marcar o centenário da façanha de SantosDumont (foto de baixo). A cópia foi construída pelo piloto e empresário Alan Calassa, de 43 anos, um aficionado aos aviões sem formação universitária. Sem o projeto original,ele recalculou as dimensões do 14-Bis com base em fotografias, construiu-o com cana- da-índia, freijó e seda, e municiou-o com um motor adaptado de um Fusca. O projeto tevesupervisão do Comando da Aeronáutica do Brasil e participação da Embraer e do Museu Aeroespacial do Rio de Janeiro. Ao todo, quatro réplicas foram construídas.Uma delas está na França, doada pelo governo brasileiro.

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PESQUISA FAPESP 123 ■ MAIO DE 2006 ■ 9

té esta edição 123, Pesquisa FAPESPjamais tivera uma personagem comocapa da revista.Quest ão de política

editorial. Queríamos, sim, valorizar sem-pre o trabalho do pesquisador e a ati-vidade de pesquisa,quer íamos chamar aatenção para sua dinâmica,com freq üên-cia sua beleza,seus resultados e seusefeitos sociais,mas sem espa ço para ospersonalismos indesejáveis e sem estí-mulo à rivalidade no meio científico.Dessa vez,contudo,um coment ário dodiretor científico da FAPESP,Carlos Hen-rique de Brito Cruz,nos levou a pensar senão era esta a hora exata de quebrar talorientação geral,n ão, é claro,para aban-doná-la de vez,mas para flexibiliz á-la. Elefalava do Prêmio Pritzker que o arquitetoPaulo Mendes da Rocha acabara de ga-nhar e,entusiasmado,situava o feitocomo uma das mais relevantes conquistasintelectuais que o país teria doravantepara comemorar,algo de peso ímpar emseu panorama cultural e da produção doconhecimento.Por isso mesmo,BritoCruz disse,isso mereceria a pr óxima capada revista. Sim, fazia todo sentido.

A reportagem de capa desta edição,portanto,assinada pelo editor de hu-manidades,Carlos Haag, é aberta poruma bela entrevista pingue-pongue comPaulo Mendes da Rocha,a partir dapágina 12,na qual ele lan ça de forma pri-morosa e contundente seu olhar filosó-fico,denso e percuciente sobre a arquite-tura – esse campo que em seu olhar lidacom todas as formas de conhecimento –,o espaço urbano,a cidade,e muito mais.Complementa-a um segundo texto deHaag no qual ele aborda o chamadoGrupo Brutalista,formado por jovens ar-quitetos de São Paulo,que,sob as luzes deVilanova Artigas,vai compor ali pelosanos 1950 e 60 do século passado umoutro pólo da arquitetura brasileira ca-paz de contracenar com o racionalismoque ganha corpo no Rio e,principal-mente,com a leveza elegante e as formasflutuantes que se materializavam emBrasília. Aliás, é inevitável lembrar aquique,antes de Paulo Mendes da Rocha,Oscar Niemeyer fora contemplado com

Um brilho intensona arquitetura brasileira

o Pritzker,dividido entre ele e o norte-americano Gordon Bunshaft em 1988.Portanto,em s íntese, não resta nenhumadúvida de que a arquitetura brasileira temum grau de excelência e uma profundi-dade de reflexão que lhe valem indis-cutível reconhecimento internacional.Pesquisa FAPESP se regozija com isso.

A par de uma grande celebração nosdomínios da arquitetura,esta edi ção trazuma boa notícia no campo da medicina:está em curso no país a montagem deuma espécie de nova pediatria,digamosassim.Trata-se de uma bem fundamen-tada revisão do papel do pediatra que,em lugar de se concentrar apenas nas in-fecções agudas e,a rigor,de pequenarepercussão na saúde das crianças a maislongo prazo,ou mesmo naquelas maisgraves que ainda continuam a matar mi-lhares de pequenos pacientes a cada anono mundo inteiro,passaria a tentar evitartambém que seus clientes desenvolvamas chamadas doenças crônico-degenera-tivas.Conforme relata o editor assistentede ciência,Ricardo Zorzetto,a partir dapágina 40,se os novos pediatras con-seguirem impulsionar um bom trabalhode prevenção desses males,as crian ças dehoje podem chegar fortes e saudáveis aos100 anos.

Mais boas notícias:a editora assistentede tecnologia,Dinorah Ereno,detalha emreportagem a partir da página 66 os trêsprojetos inovadores desenvolvidos naUnicamp que serão apresentados numimportante evento internacional comrepresentantes de escritórios de patentesde várias partes do mundo,o TechCon-nect Summit 2006,nos pr óximos dias emBoston, Estados Unidos.

Aliás,a lideran ça que a Unicamp vemconquistando no terreno do registro depatentes está bem explicada na repor-tagem do editor especial Fabrício Mar-ques,a partir da p ágina 28.Ele abordaum levantamento realizado pelo InstitutoNacional da Propriedade Industrial(INPI) que comprova que as universi-dades brasileiras ocupam um espaço quedeveria pertencer às empresas no rankingde patentes.

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

SECRETARIA DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA, DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E TURISMO

FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO

FAPESP

CARLOS VOGTPRESIDENTE

MARCOS MACARIVICE-PRESIDENTE

CONSELHO SUPERIOR

CARLOS VOGT, CELSO LAFER, HERMANN WEVER, HORÁCIO LAFER PIVA, JOSÉ ARANA VARELA, MARCOS MACARI,

NILSON DIAS VIEIRA JUNIOR, SEDI HIRANO, SUELY VILELA SAMPAIO, VAHAN AGOPYAN, YOSHIAKI NAKANO

CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO

RICARDO RENZO BRENTANIDIRETOR PRESIDENTE

CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZDIRETOR CIENTÍFICO

JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLERDIRETOR ADMINISTRATIVO

PESQUISA FAPESP

CONSELHO EDITORIALLUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS (COORDENADOR CIENTÍFICO),

CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ, FRANCISCO ANTONIO BEZERRA COUTINHO,

JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER, LUIZ EUGÊNIO ARAÚJO DE MORAES MELLO, PAULA MONTERO,

RICARDO RENZO BRENTANI, WAGNER DO AMARAL, WALTER COLLI

DIRETORA DE REDAÇÃOMARILUCE MOURA

EDITOR CHEFENELDSON MARCOLIN

EDITORA SÊNIORMARIA DA GRAÇA MASCARENHAS

DIRETOR DE ARTEHÉLIO DE ALMEIDA

EDITORESCARLOS FIORAVANTI (CIÊNCIA), CARLOS HAAG (HUMANIDADES),

MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA)

EDITORES ESPECIAISFABRÍCIO MARQUES, MARCOS PIVETTA (EDIÇÃO ON-LINE)

EDITORES ASSISTENTESDINORAH ERENO, RICARDO ZORZETTO

CHEFES DE ARTEJOSÉ ROBERTO MEDDA, MAYUMI OKUYAMA

ARTE FINALLILIAN QUEIROZ

FOTÓGRAFOSEDUARDO CESAR, MIGUEL BOYAYAN

SECRETARIA DA REDAÇÃOANDRESSA MATIAS TEL: (11) 3838-4201

COLABORADORESANA LIMA, ANDRÉ SERRADAS (BANCO DE DADOS), BRAZ,

FRANCISCO BICUDO, GONÇALO JUNIOR, JAIME PRADES,LAURABEATRIZ, MÁRCIO GUIMARÃES DE ARAÚJO, MARGÔ NEGRO,

SANDRO CASTELLI, SIRIO J. B. CANÇADO, THEREZA DE ALMEIDA, THIAGO ROMERO (ON-LINE),

VERONICA STIGGER E YURI VASCONCELOS

COORDENAÇÃO DE MARKETING E PROJETOS ESPECIAISCLAUDIA IZIQUE (COORDENADORA) TEL. (11) 3838-4272

PAULA ILIADIS (ASSISTENTE) TEL: (11) 3838-4008e-mail: [email protected]

ASSINATURASTELETARGET

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IMPRESSÃOPLURAL EDITORA E GRÁFICA

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DISTRIBUIÇÃODINAP

CIRCULAÇÃO E ATENDIMENTO AO JORNALEIROLMX (ALESSANDRA MACHADO)

FAPESPRUA PIO XI, Nº 1.500, CEP 05468-901

ALTO DA LAPA – SÃO PAULO – SP

Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião da FAPESP

É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL

DE TEXTOS E FOTOS SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO

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MARILUCE MOURA – DIRETORA DE REDAÇÃO

da EditoraCarta

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10 ■ MAIO DE 2006 ■ PESQUISA FAPESP 123

Há 136 anos Charles Harttfazia as primeiras pesquisasarqueológicas na Amazônia

NELDSON MARCOLIN

O cientista múltiploHartt sobre barreira de recifes, em Recife, em trabalho pela Comissão Geológica

o Amazonas, o geólogo quenão se interessar por algumoutro ramo da ciênciaperderá muito tempo;porque, distanciadas, comosão ali as localidadesgeológicas, terá de viajardias consecutivos sem

poder fazer uma observação importante.”A frase abre o texto do livro Mitosamazônicos da tartaruga (Perspectiva,100 páginas) e revela a clara índole de seuautor, o naturalista Charles FrederickHartt. O canadense naturalizado norte-americano (1840-1878) se referia a suas visitas à Amazônia quando tentava entender a geologia da região.Para não desperdiçar tempo,decidiu fazer outros tipos de pesquisa.

Intrigado pelas diferentesversões sobre o mito da espertezada tartaruga contada pelos índios,compilou oito narrativas e aspublicou em 1875, no Rio de Janeiro,em inglês.Em 1950,o folclorista Luís da Câmara Cascudo, admirador deHartt,a quem considerava “um precursor,um veterano do folclore”,traduziu o pequeno livro e o acresceu com notaspessoais. O norte-americano dedicou-setambém a compor um dicionário da língua tupi, que ficou inacabado.

Hartt foi um dos naturalistas quevisitaram o Brasil no século 19. Nasocasiões em que esteve na Amazônia nãoforam apenas a mitologia indígena e a língua tupi que prenderam suaatenção.Hartt passeou pela geografia,

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O naturalistamorreu aos 38 anos, no Rio

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Cerâmica marajoara, óleo sobre tela de Hartt: pioneirismona arqueologia amazônica

Capivara, óleo sobre tela, e Índios botocudos, gravura: talento também

para desenho e pintura

zoologia, antropologia,etnografia, paleontologia e arqueologia.“Na monografiaContribuições para aetnologia do Vale doAmazonas, ele sugere que o sítio Taperinha, umsambaqui fluvial perto deSantarém, deveria ser muitoantigo por causa de suaimplantação na paisagem”,diz Eduardo Góes Neves,do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidadede São Paulo (MAE/USP) epesquisador com amplotrabalho na Amazônia.Cem anos depois,

Hartt, um naturalista noimpério de Pedro II (Editora UFMG, 282páginas), síntese de sua tesede doutorado sobre o tema, feita na BrownUniversity, Estados Unidos.A pesquisa de Freitasprovocou um novointeresse sobre o trabalho do geólogo.

Hartt chegou ao país em 1865 na expediçãoThayer, liderada pelo suíço-americano LouisAgassiz (1807-1873), íconeda ciência nos EstadosUnidos. Criacionistaferrenho, Agassiz acreditavaque poderia achar noterritório brasileiro provasgeológicas de sua teoriasobre a ação glacial no paísque derrubassem oevolucionismo de CharlesDarwin. Não obtevesucesso, mas os 15 mesespassados aqui convenceramHartt a voltar. No total, onaturalista veio cinco vezesao Brasil. Em 1870 e 1871comandou sua própriaexpedição, a Morgan. Comele vieram nove estudantesda Universidade Cornell,onde Hartt trabalhava.Entre eles, Orville Derby,que se tornaria importantepara a geologia no Brasil.

O naturalista dirigiu aComissão Geológica doImpério, criada em 1875graças em boa parte aosseus esforços. O serviço foiextinto em janeiro de 1878por motivos políticos eHartt morreu em março domesmo ano com febreamarela, no Rio. Tinha 38anos. Deixou cinco livros e mais de 50 trabalhoscientíficos, além dedesenhos, pinturas egravuras sobre o país.“Até hoje há materialinédito colhido por eleesperando para serestudado”, diz Freitas.

a norte-americana AnnaRoosevelt datou as conchasrecolhidas por Hartt econfirmou sua antiguidade.Decidiu, então, ir aTaperinha e lá, ao reescavaro sítio, encontrou algumasdas cerâmicas mais antigasdo continente. “Ele foi o pai da arqueologiaamazônica”, resume Neves.Em 2001 o professor de

literatura brasileira daUniversidade Federal de Minas Gerais MarcusVinicius de Freitas lançouHartt: expedições pelo Brasil imperial (Metalivros, 252 páginas)em edição bilíngüe,recheado de fotos da épocae de ilustrações do próprioHartt. Em seguidapublicou Charles Frederick

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Rochae concretoCARLOS HAAG

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riou-me, desde eu menino/ Paraarquiteto meu pai/ Foi-se-me umdia a saúde.../ Fiz-me arquiteto?Não pude!/ Sou poeta menor, per-doai!”, lamentou-se Manuel Ban-deira, optando pela dicotomiaquando podia ter a dialética. Quemdiz que um poeta não é um arqui-

teto de palavras? Tampouco é impossível pensar-se num arquiteto como poeta de formas concre-tas. Em ambos os casos há apenas um requisito:não ser menor. Como não o era Bandeira e comonão o é o Paulo Mendes da Rocha, saudado pelocolega Francisco Fanucci como capaz de “fazer apoesia do concreto”. Daí, não se entender a surpre-sa geral quando se anunciou, no mês passado, queele fora o vencedor do Prêmio Pritzker de Arqui-tetura de 2006, que premia anualmente um ar-quiteto que reúna talento, visão e comprometi-mento, tendo contribuído de forma significativapara a humanidade e o ambiente fabricado. Antesdele, apenas Oscar Niemeyer havia recebido ahonraria, cujo apelido é um retrato de sua impor-tância: o Nobel da arquitetura. O júri, que incluía,entre tantos, Frank Gehry, justificou sua escolhapela capacidade de Paulo em “modificar a paisa-gem e o espaço com sua obra, sempre com umprofundo entendimento da poética espacial e sen-so de responsabilidade pelos habitantes”.

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to para o edifício da Faculdade de An-tropologia e Sociologia, na USP. O reco-nhecimento internacional ocorre em1969, com a criação do pavilhão do Bra-sil na Expo 70, em Osaka, no Japão. De-pois foram vários sucessos: é finalistapara o concurso de construção do Beau-bourg, de Paris; desenha a nova sede doMuseu de Arte Contemporânea, daUSP; projeta o Museu Brasileiro da Es-cultura; ousa, ao criar o espaço da LojaForma, em São Paulo; faz a renovaçãourbana da praça do Patriarca e do via-duto do Chá; reestrutura a Pinacotecado Estado, onde reúne a modernidadeao passado da cidade, em harmoniaperfeita. Mas chega de formas. É a vezdas palavras de Paulo.

■ O seu prêmio foi saudado como umavitória da arquitetura brasileira. O senhoracredita numa “arquitetura brasileira”? — É uma questão intrigante. Não setrata, porém, de buscar, a qualquer cus-to e em qualquer coisa, a idéia de que“essa arquitetura é brasileira”, porque aíentraríamos numa rota de degeneres-cência, de absurdo. Deveria haver, entre-tanto, um traço brasileiro na arquitetu-ra, uma vez que é a América, envolvetoda uma questão de território. O filó-sofo espanhol Eduardo Subirats, numde seus livros, vocifera contra essa des-truição da América Latina pela mão dapolítica colonialista que destruiu tudo.E chama o livro de O continente vazio.Mas é uma forma maliciosa de dizer:não estava vazio, foi tratado como va-zio. Lembro-me sempre, por exemplo,da questão da construção dos nossosíndios, de uma engenhosidade extraor-dinária, com estruturas pênseis, madei-ras envergadas. O que me faz ver que,onde o homem estiver, há uma arquite-tura. E aqui havia qualquer coisa que sedeveria considerar. A nossa herança oci-dental cristã não deve ser a única fontede informação. Mas esse traço brasilei-ro seria justamente por estarmos diantedessa inauguração. Portanto, é a mes-ma arquitetura do neolítico, é o que ohomem sabe, pela história, como expe-riência, e pelos desejos. Esses podemnão ser especificamente brasileiros, mas,com um olhar atento, você vê coisasque não se vê fora daqui. Se você obser-va a nossa transformação da natureza,é diferente de quem observa só o patri-mônio de, por exemplo, uma cidade

como Roma. Um arquiteto romano dis-se que “para nós, geografia é aquilo queestá construído”. O nosso caos é diver-so. Ainda assim, a nossa geografia in na-tura deveria dar alguma força, aindaque na direção lírica ou poética da for-ma. Mas o processo foi muito desastra-do. Pense na orla carioca: aquele “marde edifícios”, cuja justificativa foi “ascrianças querem tomar banho de mar,fiquemos todos aí”. Assim, dá-lhe verti-cal, elevador, cubículo. Para nós, o marsó tem graça se visto de uma janeladentro de uma cidade. Não temos vo-cação de explorador. Porque a partir dajanela se pode voltar para o interior,onde estão os móveis, a cozinha, os con-fortos. A natureza nos dá medo. Assimvamos construindo. E nada foi redese-nhado. Um dos males nesse processo éjustamente isso, não poder editar a úl-tima expressão da inteligência huma-na. Há também uma falta de ideais so-bre a cidade, uma falta de desejo decidade. Pior: há uma ausência de reivi-dicação de urbanidade por parte da so-ciedade. Uma parte dela não deseja acidade e se exclui, foge dela nos condo-mínios fechados. O arquiteto sofre mui-to quando raciocina com essas coisas,porque vê o que não foi feito. E o que sepoderia ter feito.

■ Qual o peso dessa angústia? — As coisas se formam e se desenvol-vem mais rápido do que eu posso acom-panhar e me vejo sempre correndo atrásdo mundo. Então prefiro ver na arqui-tetura os recursos da construção e oideário da cidade. Podemos fazer tudoo que quisermos. Nessa contradiçãohabita, digamos, nosso espanto semprediante das coisas. Você trabalha com oque aprende. Eu gostaria de dizer aosmeus colegas, aos jovens principalmen-te, de um modo geral à universidade,que prestassem atenção no seguinte:nós temos uma boa formação e aomesmo tempo estamos na beira de umabismo de perder a consciência sobreessa formação no âmbito da universi-dade. Os cursos de arquitetura tendema degenerar, na minha opinião, muitofacilmente, pelas indigências do profis-sionalismo, digamos assim, do merca-do. Perde-se o horizonte de que a ar-quitetura lida com todas as formas deconhecimento. Se você quer mobilizara idéia da vontade, você tem que mobi-

Nascido em 1928, em Vitória, Espí-rito Santo, Paulo elenca entre as suas in-fluências Burle Marx,Affonso Reidy, Nie-meyer, Vilanova Artigas, “mas semesquecer, naturalmente, as minhas me-mórias de infância: tanta ventania, tan-tas águas, a Bacia do Prata, a Bacia Ama-zônica, 8 mil quilômetros de costa,navios etc.”, como gosta de ressaltar, deuma forma que arrancaria, com certeza,o perdão do pai de Bandeira. O dele,Paulo, era um engenheiro que trouxe afamília para São Paulo nos anos 1930 edeu aulas na Escola Politécnica da Uni-versidade de São Paulo, nos anos 1940.O filho preferiu estudar no Mackenzie ese formou em 1954, ano da morte deVargas. Curiosa coincidência, já que operíodo de formação da arquiteturamoderna brasileira ocorreu exatamentedurante o Estado Novo, cujo caráter au-toritário fez com que a arte nascentecrescesse desprovida da lógica e desejá-vel ideologia social. Se o resto do Brasilse deleitava com as curvas e a leveza doscariocas, São Paulo não podia parar. Asua natureza de potência industrial exi-gia soluções urbanas e arquitetônicasdiversas do conservadorismo varguista eda capital federal. O edifício Copan éum claro exemplo de descompasso en-tre a escola do Rio e a dura poesia dasesquinas paulistanas, como, aliás, reco-nhece o seu autor, Oscar Niemeyer. Ametrópole rejeitava uma arquitetura deprédios ensimesmados, auto-suficien-tes, mas, paradoxo, exigia um traçadoque privilegiasse a “sociabilidade” entrea construção e seu entorno.

Para tanto, a união entre o técnico, ointelectual e o proletário urbano deuorigem ao mar de concreto – “nas cir-cunstâncias exacerbadas dos anos 1960,Mendes da Rocha consolida um rico vo-cabulário que vai influenciar gerações:abstração formal, pré-fabricação, enge-nhosidade técnica que inclui o desen-volvimento de detalhes construtivos deescala mecânica e a redução da arquite-tura a seus elementos espaciais e cons-trutivos essenciais”, na síntese certeirado arquiteto da FAU-USP, Luiz Reca-mán. O grande passo foi dado em 1958,com o projeto do ginásio, praça de es-portes e piscinas do Clube Atlético Pau-listano. No ano seguinte, Vilanova Arti-gas, vendo o seu amor pelo ensino,convida-o para lecionar na FAU e, em1962, Mendes da Rocha realiza o proje-

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nhecimento humano é a cidade. É tudoo que temos. E é tudo o que de melhorpodemos fazer. Assim, justamente asgrandes contradições que estão aí (quea cidade é caótica, que a cidade destróia natureza com sua poluição etc.), tudoisso é triste por um lado, mas é umgrande estímulo para você convocar oconhecimento e dizer “vamos consertartudo isso, vamos inverter essa rota dodesastre”. É muito político e a arquite-tura se torna, na minha opinião, muitoimportante no âmbito da universidade.Devíamos assumir isso. E, se possível,zelar para que não proliferem tantoscursinhos e coisinhas separadas. Princi-palmente nesse dilema que está aí pos-to para nós: privado ou público. Quehaja liberdade, mas os paradigmas nóstemos que manter. Nisso a universida-de pública é fundamental. Os profes-

lizar não a sua, mas a vontade dos seusconterrâneos, do povo. E se você, movi-do por essa vontade que não é sua, pre-cisa construir, você tem que saber cons-truir muito bem. E essa vontade, porsua vez, obriga você a levar em conside-ração a situação que estamos no uni-verso hoje. Você se envolve com filoso-fia, lingüística, antropologia, geografia,a questão do lugar, do recinto. Na ar-quitetura, você pode discutir a casa. Acasa, hoje, se ela tem um atributo fun-damental é o endereço. Você não podeimaginar uma casa. Gótica, colonial,normanda. Não faz sentido, você temque ver onde ela está. A arquitetura nãopode pretender saber de tudo isso emprofundidade. Obriga-se a ter uma for-ma peculiar de conhecimento, porqueele solicita esses horizontes todos doconhecimento humano. A flor do co-

sores que nós tivemos, o âmbito em quevivemos e fomos formados é muito ri-co. A Escola Politécnica de São Paulo éalgo extraordinário. Mas pode se per-der nesses horizontes do esfacelamen-to, do esgarçamento dos interesses fun-damentais. Acho que a formação daconsciência hoje é fundamental paraa educação. A grande revolução, paramim, será no plano do ensino e da cul-tura. Do cultivo do que possa vir a seruma cultura oportuna no tempo queestamos vivendo. Porque a questão danatureza está posta, no papel. O mun-do inteiro debruça-se sobre essa ques-tão assim ou assado. Por aproximaçõesque sejam um tanto supérfluas, comoessa questão da ecologia. A chamada“cultura popular” moveu a Idade Mé-dia para o Renascimento. Precisamosdessa tomada de posição por indigna-ção: “Isso nós já sabemos, isso é umabesteira, vamos sair para lá”. Eu tenho aimpressão de que nós podíamos assu-mir que está se forjando uma dimensãode cultura popular sobre a natureza nomundo, apesar de alguns desenganos ealgumas reações em contrário, como a

‘Perde-se o horizonte de que a arquitetura lida com todas asformas de conhecimento ‘

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de ter que viajar para Istambul para re-cebê-lo. “Você está enganado, é esse oprêmio”, ele me disse, falando sobre acultura do Oriente, sobre a Igreja deSanta Sofia etc. É uma perspectiva deque a reflexão sobre a arquitetura estáligada diretamente à cidade, ao hábitathumano. Veja você: vê os problemas quenós temos nas cidades brasileiras sãohoje os problemas, de certo modo, quetem a França com seus argelinos, quetem a Espanha com o Marrocos, quetem a Holanda com Sumatra etc. Ago-ra, eu não tenho a preocupação se a ar-quitetura é funcional. Ela não o podeser, porque não conhecemos nem bemas funções que queremos. Lembro dealguém que perguntou ao Niemeyerpor que ele tinha feito o Senado sem ja-nelas. Ele parou, pensou e respondeu:“Só de sacanagem”.

■ Voltando a Santa Sofia, ela é símboloda resolução de um problema arquitetô-nico (colocar uma cúpula redonda numaestrutura quadrada) que tem muito aver com o seu entusiasmo pela técnica.— Essas coisas estão aí como patrimô-nio universal, são conhecimento. Vocêquer ver uma reflexão interessante? Sevocê vê a famosa cúpula do Brunelles-chi, ela está centrada numa virtudecomo essa que você mencionou agora,engenhosa.Você disse “com seu entusias-mo”: mas não sou eu, somos todos nós.É novamente a questão do patrimôniouniversal. Se você inverter o Brunelles-chi, tem a catedral de Brasília. Há o pe-queno círculo lá em cima trabalhandoa compressão e o círculo que não se vê,que seria a borda superior do cilindro,daquela escavação que está lá para bai-xo, que trabalha, no caso, a tração. En-tão Brasília é uma reflexão que o Oscardeve ter feito. Não é uma cópia do Bru-nelleschi, que iria sorrir se visse aquilo.As nossas conquistas, de hoje e de sem-pre, são sonhos antigos que se reali-zam. Mas se realizam porque se pro-meteu que iam se realizar. Nós estamoshá muito tempo desenhando tudo.Portanto são revelações de uma obser-vação meticulosa. É fácil. É só prestaratenção. Com que absurda alienaçãoqualquer um de nós abre uma torneirano 20º andar de um prédio e não temosconsciência da maravilha de realizaraquilo. Qualquer bisavó de um de nósia buscar água na fonte. Às vezes não

proliferação de religiões em cada fundode quintal, coisa assim, uma espécie dereação àquilo que já se viu. E essa cons-ciência talvez mova o mundo de ummodo que nós nunca vimos tão veloz etão extraordinário. Porque nos colocajuntos, todos, nesse pequeno planeta,pela consciência. Não adianta estarmosjuntos como um confinamento. Esta-mos juntos, porque está se forjandoessa consciência. E você pode pôr issopara diante, pode dizer “olha, não sei seo homem não pode viver serenamente”,sem bravata. Estamos começando efeti-vamente a experimentar, a ensaiar, a ex-pansão da vida humana no Universo.Como é que diz Hannah Arendt? “Sa-bemos que vamos morrer e estamostão animados por quê?” Porque sabe-mos que não nascemos para morrer,nascemos para continuar. A arquiteturatoma um sentido muito interessantenesse âmbito, nesse espaço, nesse Uni-verso. Eu achava que as crianças deve-riam ser ensinadas assim, depois vai-seà prática, à construção. Esse ideário hu-mano de necessidades e desejos, comodiria Marx, é que nos move. Portantotemos que forjar e discutir essas neces-sidades e desejos.

■ O senhor é um exemplo do arquitetoengajado, irrequieto, como outros de suageração. Hoje os novos profissionais têmessa mesma visão ampla do mundo? — Não acredito muito no arquiteto dehoje e no arquiteto do passado. Nem nohomem de hoje e homem do passado.Estamos sempre perseguindo a nossacondição humana, senão não haveriahistória e a história não teria valor co-mo experiência. Nem haveria mesmo oque nós chamamos conhecimento, essaconsciência sobre o estado em que esta-mos no Universo. O que pode se mediré um certo descuido em relação a essasquestões, no geral, estamos degeneran-do. O que é possível corrigir, retoman-do a rota. O que se pode também ima-ginar, para não ser sonhador em vão,não viver no mundo da lua, é que, nemque seja por estrita necessidade, já quese convocou essa dualidade, às vezesprevalece a necessidade, às vezes, o de-sejo. A necessidade pode chegar ao ex-tremo. Nós aceitamos com uma passi-vidade coisas que seriam incríveis. Porexemplo, em São Paulo há instrumen-tos na rua que marcam a qualidade do

ar: “regular”, “sofrível” etc. Se aparecer“ruim”, o que você faz? Respira devaga-rinho? Então, eu não tenho medo dodesastre inclusive. Enfrenta-se. Fala-seabertamente, com convicção, na cons-trução da paz. Até pouco tempo a guer-ra era louvável, os países se gabavam deter um exército imbatível. Isso tudo já éum horror hoje em dia. Portanto, a ex-pectativa do homem é que ele acerteseus horizontes para que sua presençano Universo seja eterna. E não é umaquestão de arquiteto. Nenhum arquite-to pode salvar o mundo, a idéia não éessa. É que o mundo tenha alguma coe-rência em relação aos seus horizontes, aponto de a arquitetura poder fluir comgraça. Se o mundo pegar fogo, não adian-ta você chamar dez arquitetos e dizer“agora os senhores salvem essa porca-ria”. Não tem jeito. Porque antes da for-ma a questão é de modo. É o modo quenós vivemos que está destruindo a ci-dade, não é a forma da cidade. A formada cidade é uma conseqüência que estáamparando tudo isso porque queremassim. Nós temos que mudar o querer.A arquitetura só reflete que, desse modo,não há arquitetura que seja possível. Aidéia de cidade que nós temos seria, emduas palavras, uma cidade para todos.

■ Todos entendem esse conceito? O pas-sante distraído das ruas percebe o esforçodo arquiteto, do urbanista em melhorara cidade? — As coisas devem ser vistas como os li-vros devem ser lidos. Não adianta vocêficar andando concentradíssimo de lápara cá, na biblioteca de Alexandria, semler nada. Se você ler dez livros numapensão do Catete, sendo um estudantepobre, você pode ficar sábio. Nós só fa-lamos uns dos outros e só construímosuma coisa pela outra. Só pensamos opensamento que já vinha sendo pensa-do. Essa é a graça da nossa vida. Nós nãoestamos sozinhos, estamos amparadospelo desejo, que está no futuro, e pelopassado como experiência. O presenteé muito breve. É uma questão interes-sante na arquitetura a idéia de urgên-cia. Não temos muito tempo. Não podesalvar pelo fato que fez, pelo fato feito.Mas pode ajudar pelo que faz refletir.Ou seja: a arquitetura é um discurso,antes de mais nada. Flávio Motta, que éum filósofo maravilhoso, me ligou paraparabenizar pelo prêmio e eu reclamei

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favelas, do jeito que estão aí, muito par-ticularmente porque são mais visíveis etêm uma implantação, uma disposiçãoespacial evidentemente selecionada,escolhida pelos homens, estão ali, nocoração da cidade. A favela é a manifes-tação justamente da consciência da ne-cessidade de se urbanizar. É um desejo.O homem mais urbano do Brasil, doponto de vista da consciência sobre ur-banização, é o favelado. Com grandedificuldade ele foi para ali de qualquermodo, para poder conviver principal-mente com o que a cidade engendra,que é serviço, prestação de serviço à suadisposição. Mostra o modo malignocom que isso tudo é feito porque nun-ca se fez habitação para aquela popula-ção e eles chegaram ao ponto que nósestamos vendo aí. O modelo que estáali é da civilização daqueles que foram

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voltava, a onça comia. Essa engenhosi-dade tem que ser avaliada, pensada egozada, portanto, muito mais. Nós go-zamos pouco a vida e não usamos aquestão da consciência sobre o saber. Éum pouco apavorante você imaginar omundo feito por alienados.

■ Nesse contexto, como o senhor vê a cida-de partida de hoje, em que a elite se isolaem guetos e as favelas, na contramão, pa-recem mais orgânicas no todo da cidade? — A famosa periferia, agora, é dos maisricos. O que a cidade pretende, antes demais nada, é introduzir, garantir a tran-qüilidade e o sossego para as pessoas.O famigerado tempo livre, que é o tem-po da reflexão, entender a cidade comoo lugar do saber e da reprodução do sa-ber. A cidade é uma invenção e tanto enão temos outro hábitat possível. As

para lá. São muito mais civilizados doque os outros que se retiram, então, efazem uma muralha, contratam osmesmos favelados para tomar contadeles com metralhadora e tudo isso, eestá dando no que nós estamos vendo.Uma cidade não pode ter segurança ne-nhuma, ela tem que ser aberta, livre edemocrática. A segurança se faz pelonível de civilização da cidade. É impos-sível você botar cerca, guarda, aramefarpado em cada propriedade. Assimvocê não faz uma cidade. Para um ar-quiteto, ou para o universo da arquite-tura e do urbanismo, não há privado,nada privado. É tudo público. Não exis-te uma arquitetura privada nem umurbanismo privado. Privado só temos amente. Se você engendra um poema, aprimeira preocupação é publicá-lo, tor-ná-lo público. Ou então ninguém sabeque você é poeta, não adianta nada.Portanto a nossa vida é pautada, é con-figurada pela dimensão pública da nos-sa existência. Você não consegue serprivado nem que queira.

■ A cidade, hoje, para o senhor, é motivode beleza ou de horror? — Toda cidade é belíssima pelo sim-ples fato de ela existir. São Paulo é be-líssima. Porque você imaginar que es-ses 20 milhões de habitantes todo diadormem, se divertem e no dia seguintevoltam para trabalhar direitinho, mes-mo com todo esse horror que está aí.Não existem cidades feias. Essa popu-lação que está ali de qualquer modomostra que o desejo há. Vamos fazê-la,mais cedo ou mais tarde. Revitalizaçãode áreas centrais abandonadas. Elas es-tão abandonadas, mas estão povoadasde uma população que não era aquela.A cidade será deles, de um modo ou deoutro. Ou fazemos uma bela parceriaou... Existem prédios em São Pauloemparedados por dentro para que nãosejam invadidos. Todos vazios. Você vêde fora, através das janelinhas, o tijoli-nho posto lá dentro para proteger oprédio. Na Inglaterra, se você provacom testemunhos que o prédio estáabandonado há seis meses, você podeocupá-lo. O que é muito lógico. Me-lhor do que você emparedar e ver ocara morrendo morando na rua, dor-mindo ao relento. Não creio que o ho-mem vá, para sempre, contrariar tantouma idéia tão lógica. •

‘A flor do conhecimento humanoé a cidade. É tudo que temos e oque de melhor podemos fazer‘

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Adurapoesia

Grupo Brutalistapaulista questionou a arquitetura após triunfo internacional

e em 1978 Caetano ainda re-clamava da “dura poesia con-creta” das esquinas de SãoPaulo, dá para imaginar o ta-manho da ousadia de um gru-po de arquitetos paulistanos,em plenos anos dourados, aorenegar a leveza elegante dofrisson nacional e internacio-nal arquitetônico, Brasília, acapital bossa-nova, louvadapor Vinicius e Tom Jobim, em

Sinfonia da alvorada, como a “cidade branca epura” construída em meio ao “deserto ermo”.Em oposição direta ao racionalismo do traçadocarioca e das formas flutuantes da coqueluchecandanga, eles propunham caixas de concreto,de absoluta austeridade, em que todos os equi-pamentos funcionais, em especial canalizações,sempre ocultados dos olhares burgueses, apare-ciam com uma sinceridade desconcertante, or-gulhosa de sua função.

O Brasil da garota de Ipanema estava setransformando numa nação de consumidores,com a ascensão das classes média e alta, que se-ria reforçada com a chegada ao poder dos mili-tares em 1964. Gosto e dinheiro nem sempreandam juntos, em especial nos tempos em queo maior intermediário entre o feliz proprietáriode uma casa e sua construção eram as revistasde decoração. Mas nas escolas de arquitetura sedesenvolvia uma geração que queria mudar o

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Passado encontra futuro:intervenção deMendes da Rochana Pinacoteca de São Paulo

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país, construir para o povo,“sem separação en-tre a arte, a sociedade e a ação individual, quesempre deve refletir uma tomada de posição fi-losófica em termos utilitários no plano práti-co”, como gostava de explicar o mentor dessanova arquitetura, Vilanova Artigas. Em 1950,quando Le Corbusier e Gropius eram vistoscomo deuses do desenho, o paulista publicavaartigos raivosos contra eles, acusando-os de“burgueses vendidos aos interesses do imperia-lismo norte-americano”. Com o golpe e as perse-guições políticas, muitos arquitetos acham poucoo conforto da prancheta e passam a denunciaras relações de produção capitalistas na constru-ção, recusando a colocar seu saber a serviço dessasrelações. O novo ideal é a revelação do que esta-va escondido atrás dos ornamentos, a “verdade”arquitetônica que mostra as marcas do trabalhonas casas burguesas e o que elas escondiam.

Não sem razão, Artigas seria considerado olíder de um grupo de jovens arquitetos cujasinovações seriam batizadas de “brutalismo pau-lista”(epíteto execrado por quase todos eles), emverdade um amor pelos materiais sem revesti-mento, pela austeridade draconiana do concretoexposto, que davam, na sua simplicidade,uma monumentalidade às construções,conseguindo, num curioso paradoxo,com que formas geométricas rígidas e es-truturas nuas, brutais, superassem o so-nho que Oscar Niemeyer e Lúcio Costatentaram conseguir, sem sucesso, em Bra-sília: uma arquitetura que facilitava ocontato humano, privilegiava o espíritocomunitário.

Basta olhar as ruas da capital para per-ceber que ele não está lá. Ainda assim, opaulista admirava, para horror de seus co-legas de esquerda, o criador da Pampulha:“Oscar e eu temos as mesmas preocupações eencontramos os mesmos problemas. Mas, en-quanto ele sempre se esforça para resolver ascontradições numa síntese harmônica, eu as ex-ponho claramente. Em minha opinião, o papeldo arquiteto não consiste numa acomodação;não se deve cobrir com uma máscara elegante aslutas existentes. É preciso revelá-las sem temor”.Poética brutalidade.

A influência de Artigas concretizou-se no pré-dio que projetou para a Faculdade de Arquitetu-ra e Urbanismo (FAU-USP) e na concentraçãode um grupo de discípulos de suas idéias. Umdos primeiros foi Joaquim Guedes, um arquite-to da FAU que cursou a Escola de Sociologia ePolítica. Seus projetos reúnem o brutalismopaulista à leveza da “moderna” arquitetura bra-sileira, em que o cimento nu entra como convi-dado digno da casa, um elemento de requinte,apesar da sua rudeza originária. O seu colega

Carlos Millan era um seguidor severo da severi-dade de Artigas, não fazendo concessões para aplasticidade pura, de sinceridade total, foi umdigno “brutalista”. Sem ser aluno de Artigas,Paulo Mendes da Rocha trilhou o mesmo cami-nho. “O arquiteto Vilanova Artigas legou-meessa visão crítica. Minha arquitetura sempre foiinspirada por idéias, não evoca modelos de caste-los ou palácios, mas a habilidade do homem emtransformar o lugar que habita, com fundamen-tal interesse social, através de uma visão aberta,voltada para o futuro”, escreveu Mendes da Ro-cha. As casas que projeta nos anos 1960 são deum rigor extremo, onde as fachadas de cimentosão jogadas na cara dos passantes a ponto deprovocar mal-estar pela sua atmosfera paulista-na de cidade de concreto. Sua casa, quase comona música de Vinicius,“não tinha porta, não ti-nha parede”: os quartos não eram isolados e oarquiteto, observa o historiador Yves Bruand,“impõe seu ideal de vida comunitária, impedin-do qualquer morador dessa casa de escapar dele,fato que fez Flávio Motta a descrever como ‘fa-vela racionalizada’. Mas Artigas jamais tinha idotão longe”. Como ele, viriam outros.

érgio Ferro, Ruy Ohtake, Cândido Cam-pos, entre outros, cada um a seu tempo emaneira, iriam adotar o tal brutalismo,visto por Bruand como “o primeiro ques-tionamento da arquitetura pelos brasilei-ros após o triunfo internacional pós-Se-gunda Guerra, e merece o respeito emrazão de sua honestidade básica”. Aindasegundo o autor de Arquitetura contem-porânea no Brasil, o movimento tratavade “uma volta aos princípios de um fun-cionalismo estrito, de essência decidida-mente técnica e aspirando a uma indus-

trialização da construção, mesmo quando seexpressa pelo caminho artesanal, e de uma es-tética que valoriza a força, a massa e o peso,amando os contrastes violentos e a psicologia dechoque”. Curiosamente, Artigas e seus seguido-res percorreram um caminho inverso ao de Ni-emeyer e Lúcio Costa sem, no entanto, voltaremao ponto de partida racionalista, da mesmicemecânica arquitetônica pesada dos desenhosdos anos 1930, tão criticados pela dupla que cri-ou a “cidade branca e pura”. Os brutalistas, dig-nos ou não do seu apelido, eram a cara da me-trópole onde viviam, o avesso do avesso doavesso. Ainda assim, como prova Caetano, capazde provocar a imaginação e “criar coisas belas”.“A arquitetura é uma visão poética sobre a for-ma, que ultrapassa, na sua dimensão humana, aestrita necessidade. Arquitetura não deseja serfuncional, mas oportuna”, nas palavras de Men-des da Rocha. A imaginação de concreto. •

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Museu Brasileiro de Escultura

Praça do Patriarca

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chai De-Eknamkul, conse-lheiro da Comissão de Edu-cação Superior da Tailândia.Nos próximos dez anos, oprograma espera treinar 9.600doutores, contratar 2.800 pes-quisadores em instituiçõespúblicas, celebrar 700 parce-rias internacionais e criar 60centros de excelência. •

■ Lentidãoque mata

A organização não-governa-mental Médicos Sem Fron-teiras (MSF) denunciou emGenebra que os tratamentosadequados contra a maláriacontinuam a faltar aos doen-tes da África, continente ondea moléstia mata uma criançaa cada 30 segundos. O MSF,segundo a agência de notíciasEFE, afirma que suas equipesvêem os pacientes receber re-médios antigos, como a clo-roquina, mesmo quatro anosdepois de a Organização Mun-dial da Saúde (OMS) ter re-comendado a adoção de umaterapia combinada baseadaem outro remédio, a artemisi-na. Em muitos países, o parasi-ta da malária criou resistênciaaos métodos convencionais. Oproblema é que a artemisina,mais eficaz, custa dez vezesmais. “A transição entre osdois tratamentos está lentademais”, informou o comuni-cado do MSF. •

■ Em honra dovelho monarca

Em 60 anos de reinado, o mo-narca da Tailândia, BhumibolAdulyadej, ficou conhecidocomo um incentivador daciência. Nascido nos EstadosUnidos e formado na Suíça,ele patrocinou a criação dosseis principais centros de pes-quisa agrária do país. Agora,para comemorar o jubileude seu longo reinado, o go-verno tailandês lançou umprograma de US$ 500 mi-lhões para revitalizar o am-biente científico. “Precisamosformar massa crítica de pes-quisadores”, disse à revistaScience o bioquímico Wan-

Aversão às mulheres

Acusações de machismo as-sombram sociedades científi-cas européias e norte-ameri-canas. O caso mais recente,segundo a revista Nature, en-volve a renúncia da geneticis-ta Theresa Markow ao cargode presidente da Sociedadepara o Estudo da Evolução(SSE), em protesto pela esco-lha do novo editor do jornalda entidade, Evolution. Deacordo com as normas daSSE, deve ser constituído umcomitê para selecionar o edi-tor. Mas o conselho da socie-dade realizou apenas umaconsulta informal e indicouum homem. Em 60 anos deexistência, queixou-se Mar-kow, o jornal foi dirigido sóuma vez por uma mulher –ela própria, nos anos 1990. Oproblema se repete em ou-tras entidades. Daphne Fair-bairn, da Universidade daCalifórnia, Riverside, teveuma experiência ruim quan-do propôs nomes de mulhe-res para dirigir o jornal daSociedade Européia de Biolo-gia Evolucionária. “Me olha-ram como se eu fosse idiota.”O jornal da União Americana

dos Ornitologistas nunca teveuma mulher editora em 123anos de história. KimberleySullivan, da Universidade doEstado de Utah, recebeu umabolsa da National ScienceFoundation (NSF) para estu-dar o problema. Primeiro, elatestemunhou o hábito de des-qualificar nomes femininosna seleção de membros da en-tidade, realizada nas reuniõesanuais. “Sempre alguém fala-va mal da candidata”, lembra.Kimberley apresentou seu es-tudo no último encontro daUnião. Causou polêmica. Mas,na hora de escolher os novossócios, os ornitólogos dessavez mediram palavras ao ava-liar as colegas. •

MundoEstratégias

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

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■ Base na América Latina

A América Latina vai ganharum escritório do grupo edi-torial britânico que publica aprestigiada revista científicaNature. A Cidade do México

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foi escolhida para sediar a di-visão regional, que terá juris-dição também sobre a Espa-nha e será comandado peloexecutivo Juan Pablo Guere-ño, que já trabalhou na Ar-gentina, no Brasil, na Espanhae no México. O grupo edito-rial Nature também vai abrirum escritório na Índia, basea-do na cidade de Gurgaon.“Es-tes escritórios vão ajudar ogrupo Nature a construir re-lações com sociedades médi-cas e científicas de prestígio,estreitar laços com universida-des e tornar nosso conteúdomais acessível”, disse AnnetteThomas, diretora administra-tiva do grupo. •

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res dessa violência colocamem risco o futuro do país”,disse Koïchiro Matsuura, di-retor-geral da Unesco, braçodas Nações Unidas para aEducação, a Cultura e a Ciên-cia, em declaração divulgadano site da entidade. •

■ Ciência alvejadano Iraque

Na guerra civil iraquiana, pes-quisadores e professores uni-versitários são alvo recorrentede seqüestros, ameaças e as-sassinatos. Um grupo de de-fesa dos direitos humanos ba-seado na Bélgica, o Tribunalde Bruxelas, compilou umalista de mais de 200 acadêmi-cos mortos no país conflagra-do desde 2003. Ninguém foipreso por participar dos cri-mes. A maioria foi morta emmeio a atentados a civis. Mashá casos de perseguições, co-mo o de Jamhour Al Zargani,professor de história de umauniversidade em Basra, se-qüestrado, torturado e assas-sinado em 2005, e de vítimasdas próprias forças de ocupa-ção norte-americanas, comoBasil Abbass Hassan, alvejadopor engano. “Ao atingir aque-les que detêm a chave para areconstrução e o desenvolvi-mento do Iraque, os causado-

Reencontro histórico

Duzentos pesquisadores dasduas Coréias se encontraramsecretamente em Pyongyang,capital da Coréia do Norte,no início de abril, para dis-cutir formas de impulsio-nar a cooperação científicana península dividida. His-tórica em tamanho e em am-bição, a reunião havia sidomarcada para março, masfoi adiada pela Coréia doNorte, comunista, em pro-testo contra os exercícios mi-litares conjuntos da Coréiado Sul e dos Estados Uni-dos. Autoridades do nortedisseram aos rivais do sul

que o encontro seria sus-penso se uma palavra va-zasse para a imprensa. Oacordo foi cumprido e, nofinal, o diálogo fluiu. Apósum estranhamento inicialcausado pelas diferenças desotaque, “o gelo desman-chou-se quando começa-ram a falar de ciência”, disseà revista Science o organiza-dor da conferência Chan-Mo Park. Os pesquisadoresdiscutiram projetos comuns.Um deles, no campo dossoftwares, busca reduzir ofosso tecnológico que sepa-ra os vizinhos. Os norte-co-

reanos expressaram interes-se em energias alternativas,agricultura e na mitigaçãodos efeitos das tempestadesde areia vindas da China.Os sul-coreanos acenaramcom dinheiro: dispunhamde US$ 600 mil para proje-tos conjuntos. O sucesso doencontro é atribuído à tena-cidade da Soon-Kwon Kim,da Universidade Kyungbuk,em Daegu, que visitou aCoréia do Norte 27 vezesdesde 1998. “A ciência é amelhor opção para mudare ajudar a Coréia do Norte”,disse Kim. •

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MundoEstratégias

De olhos mais abertos

O governo japonês quer mu-dar o programa espacial dopaís, contemplando, pela pri-meira vez, aplicações milita-res. Um comitê do Partido Li-beral Democrático (PLD), dopremiê Junichiro Koizumi,propôs revisão da política es-pacial traçada em 1969, quelimita o uso do espaço a fina-lidades pacíficas. Sob a atuallegislação, o Japão abriu mãode desenvolver satélites mili-tares de alta tecnologia atépara defesa. Coisas de um paísobrigado pela Constituição adevotar-se à paz – decorrên-cia da derrota na SegundaGuerra Mundial. Segundo osite do jornal Mainichi DailyNews, o porta-voz do comitêdo PLD, Takeo Kawamura,anunciou que será proposta arevogação da barreira jurídi-ca para que o país possa cons-truir satélites espiões de altaresolução. A proposta seráapresentada ao Parlamentoem 2007. O governo está preo-cupado com ataques da Co-réia do Norte, que lançou mís-seis nas águas japonesas em1998. Desde então o Japão jálançou dois satélites, mas aresolução das imagens é insu-

Envie sua sugestão de site científico para [email protected]

Ciência na web

http://haydenplanetarium.org/hp/vo/ava/Acervo de filmes e animações sobre eventosastronômicos ou astrofísicos, como explosões solares e choques de cometas.

http://www.discoverlife.org/A enciclopédia virtual sobre a biodiversidadeabrange 270 mil espécies espalhadas pelo planeta e reúne informações, descrições e fotos.

http://www.casadaciencia.ufrj.br/O site traz a agenda de eventos e exposições da Casa da Ciência, centro de divulgação científicada Universidade Federal do Rio de Janeiro.

ficiente para fins de defesa.Os nipônicos dependem dosEstados Unidos para obterimagens adequadas. •

■ Criacionismocanadense

O biólogo Brian Alters, naUniversidade McGill, emMontreal, pediu uma dotaçãode US$ 40 mil a um órgão pú-blico de fomento para pesqui-sar como o design inteligente,controversa teoria criacionistasobre a origem da vida, está setornando popular no país. Fi-cou surpreso ao receber a res-posta do órgão, o Conselhode Pesquisa em Humanidadese Ciências Sociais. A verba foinegada sob o argumento deque Alters não reuniu evidên-cias de que a Teoria da Evolu-ção de Darwin está correta.“É um absurdo. O design inte-ligente é pseudociência”, disseAlters ao jornal The Gazette.“A prova de que essa teoriaestá causando estragos é queconvenceu até um órgão defomento”, reclamou o pesqui-sador. A Universidade McGillpediu ao conselho que recon-sidere a decisão. •

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■ Oxigênio para o INPI

O Instituto Nacional de Pro-priedade Intelectual (INPI)passa por uma reestruturaçãoque, espera-se, irá reduzir denove para cinco anos o prazode análise de patentes e de seis

para apenas um ano o examede pedidos de marcas. A re-forma do INPI se dá em duasfrentes. A primeira passa pelarenovação dos quadros dainstituição, que, até o final de2006, crescerá de 630 para1.091 funcionários. Os res-ponsáveis pelo exame de mar-

cas, que hoje são apenas 43pessoas, em breve serão maisde cem. O quadro de exami-nadores de patentes irá tripli-car. Hoje são 105 funcionáriosde nível superior. Até o finaldo ano haverá mais 240.“Sempessoal em quantidade e qua-lificação necessárias não é pos-

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sível superar os gargalos”, dizRoberto Jaguaribe, presidentedo INPI. A segunda frente é ainformatização dos pedidos,hoje feitos em papel.“A partirde maio tudo será feito pormeio eletrônico, o que vaipoupar muito tempo”, diz Ja-guaribe. A capacidade de ana-lisar pedidos de marca vai cres-cer de 50 mil para 150 mil porano e a de patentes, de 13 milpara 35 mil anuais, mas serãonecessários dois anos para queo atual estoque de pedidos re-presados seja atendido. •

■ Talentosfemininos

Jovens pesquisadoras têm até15 de maio para se inscreverno programa de apoio patro-cinado pela L’Oréal do Brasilem parceria com a AcademiaBrasileira de Ciências (ABC).As bolsas de auxílio vão seratribuídas nas áreas de ciên-cias físicas, biomédicas, bioló-gicas e da saúde. Serão selecio-nadas cinco pesquisadorasque obtiveram título de dou-torado entre 1º de setembro de2002 e 1º de setembro de 2006.O formulário para inscrição ea lista de documentos a ser en-tregues estão disponíveis nosite www. abc.org.br/loreal •

Pesquisa FAPESP na rede

O novo site de Pesquisa FA-PESP está no ar. Totalmen-te redesenhado, com umsistema de busca mais efi-ciente, o endereço eletrô-nico www.revistapesquisa.fapesp.br traz o conteúdointegral de todas as ediçõesda revista, do número 1 aoatual. Além das reporta-

gens e notas publicadas naversão impressa da publi-cação, o internauta vai en-contrar na versão digitaldo periódico seções espe-cificamente produzidaspara o meio virtual, como“O melhor das revistas”,que traz um resumo dosprincipais artigos publica-

dos nas revistas Nature eScience. Também é possívelouvir amostras do progra-ma semanal de rádio Pes-quisa Brasil, uma parceriada revista com a emissoraEldorado AM. O acesso aoconteúdo do site é total-mente aberto e gratuitoaos internautas. •

O site da revista: conteúdo aberto e gratuito

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■ Nova titular na pasta de C&T

O governador Cláudio Lembonomeou Maria Helena Gui-marães para assumir a Secre-taria de Ciência, Tecnologia eDesenvolvimento Econômi-co do Estado de São Paulo nolugar de João Carlos Meirel-les. Maria Helena é professorado Departamento de CiênciaPolítica da Universidade Esta-dual de Campinas (Unicamp)e ex-secretária executiva doMinistério da Educação. •

■ Conselheiros são nomeados

O Conselho Superior da FA-PESP tem três novos integran-tes escolhidos pelo governa-dor Cláudio Lembo. SuelyVilela Sampaio, Sedi Hirano eVahan Agopyan serão os re-presentantes da Universidadede São Paulo (USP) na Fun-dação, para cumprir manda-tos de seis anos. Suely é reito-ra da USP e professora daFaculdade de Ciências Far-macêuticas de Ribeirão Pre-to. Primeira mulher a dirigir a

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consulta, clicando-se sobreelas. Para disponibilizar ummaior número de informações,o CNPq, que comemorou 55anos de criação no dia 26 deabril, irá solicitar aos seus bol-sistas de doutorado no exteriorque depositem suas teses nobanco do Ibict. O acesso facili-tado à produção dos progra-mas de pós-graduação é umassunto recorrente no gover-no federal: em fevereiro, umdecreto da Coordenação deAperfeiçoamento de Pessoalde Nível Superior (Capes) de-terminou a criação de umnovo banco de teses e disserta-ções, disponível no site www.-dominiopublico.gov.br. •

■ Os premiadosdo ano

Foram anunciados os ganha-dores do Prêmio FCW deCiência e Cultura, concedidoanualmente pela FundaçãoConrado Wessel. Na catego-ria Ciência Geral, o vencedorfoi Wanderley de Souza, pro-fessor do Instituto de Biolo-gia da Universidade Federaldo Rio de Janeiro (UFRJ),

■ Integração debancos de dados

A plataforma de currículosLattes, organizada pelo Con-selho Nacional de Desenvol-vimento Científico e Tecnoló-gico (CNPq), será integrada àBiblioteca Digital de Teses eDissertações do Instituto Bra-sileiro de Informação em Ciên-cia e Tecnologia (Ibict). Am-bos os órgãos são vinculadosao Ministério de Ciência e Tec-nologia (MCT). Com a inte-gração, que deve acontecernos próximos meses, teses ci-tadas nos currículos estarãodisponíveis na internet para

Prevenção à biopirataria

Uma lista de 3 mil nomes deplantas tradicionais do Bra-sil, entre as quais o açaí, a ace-rola, o cajá, o cupuaçu, o ma-racujá, o quiabo, o pinhão e oumbu, será divulgada mun-do afora. Busca-se, com isso,prevenir apropriações indevi-das, como a da empresa ni-pônica Asahi Foods, que re-gistrou a marca cupuaçu econseguiu bloquear a vendade produtos brasileiros feitoscom a fruta tropical de saborexótico nos mercados do Ja-

pão, dos Estados Unidos e daEuropa. Levantamento da As-sociação Brasileira de Propri-edade Intelectual (ABPI) sus-tenta que há outros 84 casosde nomes de espécies brasilei-ras registrados como marcasem vários países. O caso doaçaí rendeu uma ação judici-al no Japão, movida por or-ganizações não-governamen-tais, que terminou em vitóriapara o Brasil, com a revoga-ção do registro, e deixou li-ções sobre a necessidade de

prevenir ataques desse gêne-ro. Integrantes do Grupo In-terministerial de PropriedadeIntelectual (Gipi) passaramos últimos dois anos compi-lando nomes de espécies dabiodiversidade brasileira. Oresultado será enviado, em for-ma de software, a escritórios depatentes de diversos países.Assim, quando uma marcafor requerida, os escritóriospoderão saber de antemão sehá apropriação de espéciestradicionais brasileiras. •

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universidade, será a segundamulher a integrar o ConselhoSuperior da FAPESP. O soció-logo Sedi é pró-reitor de Cul-tura e Extensão Universitáriada USP. Agopyan é engenhei-ro civil e professor da EscolaPolitécnica, da qual foi dire-tor. Conselheiro desde 2000,será reconduzido ao cargo.Saem Adilson Avansi deAbreu, do Departamento deGeografia, e Hugo Aguirre Ar-melin, do Instituto de Quími-ca. Os novos integrantes fo-ram escolhidos a partir de trêslistas tríplices feitas pelo Con-selho Universitário da USP eenviadas ao governador. •

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que atualmente é secretáriode Ciência, Tecnologia e Ino-vação do governo fluminen-se. Na categoria Ciência Apli-cada à Água, o laureado foiJosé Galizia Tundisi, do Insti-tuto de Estudos Avançadosda Universidade de São Paulo(USP), em São Carlos. Luiz

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Carlos Fazuoli, da Escola Su-perior de Agricultura Luiz deQueiroz da USP, em Piraci-caba, e do Instituto Agronô-mico de Campinas (IAC), ga-nhou na categoria CiênciaAplicada ao Campo. O geó-grafo Aziz Ab’Saber, profes-sor emérito da Faculdade de

Filosofia, Letras e CiênciasHumanas da USP, foi premia-do na categoria Ciência Apli-cada ao Meio Ambiente. Nacategoria Medicina, o vence-dor foi Adib Jatene, professorda Faculdade de Medicina daUSP. O Prêmio de Literaturacoube ao crítico Fábio Lucas,

professor da UniversidadeFederal de Minas Gerais.Cada um dos vencedores re-ceberá R$ 100 mil. •

■ Política de boavizinhança

Países vizinhos do Brasil po-derão usar gratuitamente ima-gens de seus territórios obtidaspelo Satélite Sino-Brasileiro deRecursos Terrestres (Cbers).A abertura foi decidida emmarço, na reunião do Comi-tê Conjunto do ProgramaCbers, que reúne representan-tes do Brasil e da China, osdois países responsáveis peloprojeto. A distribuição de ima-gens beneficiará Guiana Fran-cesa, Suriname, Guiana, Co-lômbia, Equador, Uruguai,Paraguai e Bolívia; Argentina,Chile, Peru e Venezuela. •

■ Em defesa daTerra do M eio

O paraense Tarcísio Feitosa daSilva, de 35 anos, foi um dosseis vencedores da edição de2006 do prêmio da fundaçãonorte-americana Goldman,um dos mais importantes doambientalismo mundial. Oprêmio é um reconhecimentoao trabalho de Feitosa na de-fesa da Terra do Meio, entreos rios Xingu e Tapajós, noPará. Foi ele quem denuncioua extração ilegal de madeirana região que resultou naapreensão de 6 mil toras demogno. Ligado à ComissãoPastoral da Terra, articulou acriação de um mosaico deunidades de conservação noXingu que somam 240 milquilômetros quadrados deárea. Antes dele outros doisbrasileiros ganharam o prê-mio: Carlos Alberto Ricardo,do Instituto Socioambiental, ea ministra do Meio Ambiente,Marina Silva. •

V iolência e desigualdade

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A Financiadora de Estudose Projetos (Finep), agênciade fomento à inovaçãovinculada ao Ministério daCiência e Tecnologia (MCT),vai investir R$ 6 milhõesem pesquisas voltadas parao estudo da Violência Urba-na e da Desigualdade Social.Podem concorrer projetosde instituições científicascom dotações entre R$ 300mil e R$ 600 mil. A apre-sentação de propostas se-gue até as 18 horas do dia25 de maio (envio eletrô-nico) ou até 26 de maio(envio de cópia impressa).O formulário de apresen-

tação de propostas está dis-ponível no portal Finep(www.finep.gov.br). Os re-sultados da seleção serãoconhecidos em meados dejulho. A chamada públicaPesquisa em Ciências So-ciais, lançada no início deabril, busca financiar pro-jetos que aprofundem oconhecimento sobre vio-lência e desigualdade sociale contribuam para o surgi-mento de soluções práticascapazes de enfrentá-los etambém para a formulaçãode políticas públicas. O pra-zo de execução dos proje-tos é de 24 meses. •

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Universidades brasileiras ocupam espaço que deveria pertencer às empresas em ranking de patentes

28 ■ MAIO DE 2006 ■ PESQUISA FAPESP 123

s universidades ocupam um espaçoque deveria ser das empresas naprodução de conhecimento tecno-lógico no Brasil. Um levantamentorealizado pelo Instituto Nacionalda Propriedade Industrial (INPI)mostra que uma universidade pú-blica, a Unicamp, detém o primei-ro lugar no ranking de pedidos depatentes no país. O estudo leva emconta os registros depositados noINPI entre 1999 e 2003. Nesse pe-

ríodo, a Unicamp apresentou 191 solicitações. Em se-gundo lugar aparece a Petrobras, com 177 pedidos,seguida por empresas como a Arno, a Multibrás, aSemeato e a Vale do Rio Doce. A disputa entre Uni-camp e Petrobras foi acirrada, mas a universidadeesteve em primeiro lugar em três dos cinco anoscontemplados no estudo. Chama a atenção que, en-tre os 20 primeiros colocados, oito estejam vincula-dos ao setor público e cinco sejam universidades. AFAPESP, em 7º lugar, é o órgão de fomento maisbem colocado no ranking, com 83 pedidos. Outrasuniversidades também figuram na lista, como a Fe-

deral de Minas Gerais (UFMG), em 10º lugar, a Uni-versidade de São Paulo (USP), em 12º, a EmpresaBrasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em16º, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Cien-tífico e Tecnológico (CNPq), em 17º, a Universida-de Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 18º, e a Uni-versidade Estadual Paulista (Unesp), em 19º.

“Esse resultado deve ser comemorado, porque éfruto de um esforço consistente da Unicamp, mastambém é motivo de grande preocupação”, diz Ma-ria Beatriz Amorim Páscoa, diretora de articulaçãodo INPI. “Continua a faltar uma participação maisefetiva de empresas neste ranking”, ela afirma. Nospaíses desenvolvidos, o quinhão das universidadesna proteção à propriedade intelectual costuma ficarmuito aquém do da indústria. Nos Estados Unidos,por exemplo, apenas 5% das patentes concedidas paradepositantes nacionais pertencem a universidades. AUniversidade da Califórnia, com seus dez campi, foi ainstituição de ensino superior que mais teve patentesconcedidas no país em 2003. Foram 439. Esse núme-ro é uma pequena fração do desempenho da líder en-tre as empresas, a IBM, com 3.415 registros. Funcio-na assim porque as empresas privadas é que têm a

Sistemaimaturo

FABRÍCIO MARQUES

INOVAÇÃO

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

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necessidade crucial de proteger suas in-venções dos concorrentes.

A missão da universidade é muitomais abrangente: cabe a ela educar es-tudantes e produzir e difundir o conhe-cimento. Eventualmente, isso leva à ge-ração de patentes. “Os dados do INPIcontrariam o argumento de que as boasuniversidades brasileiras deixam em se-gundo lugar o interesse em tecnologia.Apesar das restrições materiais, algumasuniversidades estão conseguindo resul-tados relevantes com a obtenção e o li-cenciamento de patentes, o que ainda sevê em menor escala do lado das empre-sas, com honrosas exceções”, diz CarlosHenrique de Brito Cruz, diretor científi-co da FAPESP e ex-reitor da Unicamp.

É certo que as empresas participan-tes do ranking brasileiro ostentam his-tórias exemplares no caminho da ino-vação. A Arno, que apresentou 148pedidos entre 1999 e 2003, pertence aogrupo francês SEB, que investe 3% de

sua receita em pesquisa e tem tradiçãointernacional no registro de patentes.A indústria de máquinas agrícolas Se-meato, do Rio Grande do Sul, mantém300 funcionários desenvolvendo pro-dutos e sentiu a necessidade de preser-var a propriedade intelectual paracombater as cópias criadas por con-correntes. Mas se pode afirmar que taiscasos não são representativos do com-portamento das empresas brasileiras.

O que seria necessário para queaconteça essa alteração? “É preciso maispesquisadores atuando em empresas,como tem demonstrado a experiênciade vários outros países”, diz o professorBrito Cruz, da FAPESP. O caso da Espa-nha é emblemático (veja quadro). Entre1981 e 2000, o número de pesquisado-res trabalhando em empresas sextupli-cou. E cresceu na mesma velocidade donúmero de patentes espanholas regis-trados no Uspto, o escritório de marcase patentes dos Estados Unidos.

A Pesquisa Nacional de InovaçãoTecnológica (Pintec) de 2003 registrouuma queda no número de empresas bra-sileiras que fazem pesquisa e desenvolvi-mento de forma contínua – eram 2.432em 2003 ante 3.178 em 2000. “Isso émuito grave e o prejuízo vai além daqui-lo que os indicadores sugerem”, observaEduardo da Motta e Albuquerque, pro-fessor do Centro de Desenvolvimento ePlanejamento Regional da Faculdade deCiências Econômicas da UFMG. “A in-teração entre as empresas e a academianão funciona bem. Em outros países, ainovação nas universidades é impulsio-nada por demandas geradas nos centrosde pesquisa e desenvolvimento das em-presas. Aqui no Brasil, como as empresasfazem pouca pesquisa, esse impulso é fra-co”, diz Albuquerque.

Dianteira - A debilidade das empresaspode ser mensurada segundo vários in-dicadores. A comparação entre o Brasil ea Coréia do Sul é significativa. Em 2002,os sul- coreanos depositaram mais de3,4 mil pedidos de patentes nos EstadosUnidos, ante pouco mais de uma cente-na do Brasil. Os dois países têm uma co-munidade de cientistas de tamanho se-melhante, mas, na Coréia, cerca de 80%dos cientistas dedicam-se a fazer pesqui-sa e desenvolvimento na indústria, en-quanto no Brasil a indústria não absor-ve mais que 10% dessa qualificada forçade trabalho.

A dianteira da Unicamp é fruto deuma estratégia traçada nos anos 1980.Foram criados inicialmente a CPPI (Co-missão Permanente de PropriedadeIndustrial), em 1984, em seguida o ETT(Escritório de Transferência de Tecno-logia), em 1990, e depois o Edistec(Escritório de Difusão e Serviços Tec-nológicos), em 1998. Estes escritóriosnasceram com o objetivo de estimularparcerias com empresas e órgãos do go-verno e buscar aplicações práticas parao conhecimento científico (leia re-portagem sobre projetos desenvolvidospela Unicamp na página 66). Nos pri-meiros anos, a média de patentes deposi-tadas ficou em torno de uma dezena porano. Em 2003 foi criada a agência deinovação da Unicamp, a Inova Uni-camp, iniciativa muito mais ousada eeficaz, incluindo na agenda o licencia-

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mento de propriedade industrial. Hoje amédia subiu para 60 patentes por ano, oque perfaz mais de um pedido de paten-te por semana.

Com um acervo acumulado de 300pedidos, a Inova Unicamp passou a sededicar mais fortemente a um segundodesafio: a comercialização das patentespor meio da celebração de contratos delicença com empresas. Se nos 15 anosanteriores à criação da agência a uni-versidade havia feito apenas sete licen-ciamentos, com a criação da InovaUnicamp esse número subiu para dezcontratos em 2004 e 12 em2005. Já há empresas que cele-braram vários contratos de li-cenciamento com a Unicamp,como é o caso dos laboratóriosCristália. Como demora no mí-nimo cinco anos para uma pa-tente ser concedida, a comerci-alização inicia logo após opedido do depósito de patente.Os possíveis riscos são compar-tilhados entre a universidade ea empresa.

O mérito da agência de inovação daUnicamp, observa seu diretor executivoRoberto de Alencar Lotufo, foi o de inau-gurar no Brasil o estilo de um núcleouniversitário de inovação focado na co-

mercialização da propriedade industrial,porém respeitando o caráter acadêmicoda universidade.“A Unicamp talvez sejaa instituição que mais investiu numaagência de inovação, esforço que come-ça a ser compartilhado hoje por outrasinstituições como o IPT e a USP”, dizLotufo.“A qualidade da pesquisa acadê-mica feita na universidade é a base detudo. Não por acaso, as unidades daUnicamp com maior número de licenci-amentos têm as notas mais elevadas naavaliação da Capes e o maior número depublicações internacionais.”

interesse da universidade vaialém daquele conceito tradicio-nal de transferência de tecnolo-gia. A experiência internacionalmostra que está ultrapassada aidéia de que a vantagem de pa-tentear é ganhar royalties parafinanciar suas atividades acadê-micas. Isso porque são raríssimosos exemplos de ganhos financei-ros significativos. Editorial pu-blicado pela revista Nature no

dia 13 de abril abordou essa mudança.“Embora as pessoas às vezes suponhamque a função dos escritórios de transfe-rência de tecnologia seja fazer caixapara as universidades por meio de arre-

cadação de royalties, o pensamento dosdirigentes acadêmicos vem mudando”,registrou o editorial. “Em vez disso, seuprincipal papel é desenvolver os laçosdas universidades com o mundo dosnegócios de uma forma que possa be-neficiar os estudantes, os pesquisadorese a sociedade.” Quase as mesmas pala-vras estão na deliberação com a qual oConselho Universitário da Unicampinstitucionalizou a Inova, na qual seafirma justamente: “Artigo 1º – Fica cri-ada a Agência de Inovação da Unicamp– Inova Unicamp – junto ao Gabinetedo Reitor, com a missão de fortaleceras parcerias da Unicamp com empre-sas, órgãos do governo e demais organi-zações da sociedade, criando oportuni-dades para que as atividades de ensino epesquisa se beneficiem dessas interaçõ-es e contribuindo para o desenvolvi-mento econômico e social do País”.

A utilidade das agências de transfe-rência de conhecimento é proteger apropriedade intelectual para garantirque a difusão do conhecimento produ-zido pela universidade aconteça de for-ma segura, por meio de um contratocom uma empresa. “E não será das pa-tentes das universidades que sairá o de-senvolvimento tecnológico do país. Estesó poderá nascer nas atividades de pes-

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O número de patentes espanholas registradas nos Estados Unidos cresceujunto com o contingente de pesquisadores trabalhando em empresas

Pesquisadores em empresas Patentes registradas no Uspto (United States Patent and Trademark Office)

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quisa e desenvolvimento em empresas”,diz Roberto Lotufo.“Entretanto as uni-versidades têm o papel de formar profis-sionais educados na fronteira do avançotecnológico, e ter experiência em pro-priedade intelectual faz parte desta edu-cação”, completa.

Inventores - A leitura do levantamen-to do INPI revela outros sinais de ima-turidade do sistema de inovação, obser-va Maria Beatriz Páscoa, do INPI. Oranking de instituições que a Unicamplidera responde por apenas uma terçaparte do total de pedidos de registro noórgão. Os outros dois terços são pulve-rizados em milhares de pessoas físicas.“A maioria dos pedidos parte de inven-tores isolados, que poderiam estar arti-culados com instituições”, diz a direto-ra da articulação do INPI. Enquanto asinstituições conseguem emplacar maisda metade dos pedidos, entre as pessoasfísicas esse número é bem menor, poruma série de fatores que vão desde asdificuldades de redigir um pedido até ainadequação do conteúdo da patente.O INPI busca democratizar esse tipo deinformação oferecendo cursos para ca-pacitar gestores – foram 23 só no anode 2004. “A meta é mostrar que o obje-tivo último não é obter a patente, masgarantir o mercado. Nem sempre o in-ventor isolado consegue enxergar isso ebriga para obter a patente de uma ino-vação que não terá aplicação comercial”,diz Maria Beatriz.

Mesmo empresas inovadoras sãomenos afeitas a procurar patentes doque suas concorrentes internacionais.Segundo a diretora do INPI, a Embraer,uma das empresas brasileiras mais inova-doras, não tem registro de patente nosEstados Unidos. Já sua concorrenteBombardier tem mais de 700. Há, é cer-to, alguns dados alentadores. Entre os de-pósitos de patente de instituições, a me-tade deles vincula-se a invenções e aoutra metade a aperfeiçoamentos demodelos.A relação mostra que as institu-ições devotadas à inovação estão levandoo trabalho a sério. Maria Beatriz acreditaque, com os mecanismos previstos na Leide Inovação, o quadro poderá sofrer mu-danças em levantamentos futuros. “Ocontexto é de incentivo à inovação den-tro das empresas. Falta verificar se issoserá suficiente para alterar esse ambientede maneira substancial”, afirma. •

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A viagem do astronautabrasileiro terá influênciarala no desenvolvimentotecnológico do país

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

PROGRAMA ESPACIAL

Com os pés longe dochão

ozes respeitadas da co-munidade científicabrasileira quebraram ocoro ufanista que cer-cou a viagem de dezdias à Estação EspacialInternacional (ISS) dotenente-coronel Mar-cos César Pontes,oprimeiro brasileiro aentrar em órbita.“Osexperimentos levados

ao espaço não justificam um investi-mento de US$ 10 milhões”,disse o físicoRogério Cézar Cerqueira Leite.“É caro-na paga”,afirmou Ennio Candotti,pre-sidente da Sociedade Brasileira para oProgresso da Ciência (SBPC),referin-do-se ao fato de que a viagem não geroudemandas à tecnologia nacional.Em ar-tigo publicado no jornal O Estado de S.Paulo, o biólogo Fernando Reinach pro-pôs umaco nta:com o dinheiro que opaís pagou à Agência Espacial Russapara garantir a viagem,seria possívelduplicar o número de bolsistas de dou-toramento no campo aeroespacial noexterior ou formar quase 300 doutoresno Brasil.“É mais um caso em que in-vestimentos em educação foram troca-dos por publicidade”, disse.

Mas,afinal,qual foi o saldo da via-gem de Pontes à ISS? Do ponto de vistaprático,a Missão Centenário – alusivaaos cem anos do vôo do 14-Bis e celebri-zada pela imagem do astronauta usandouma réplica do chapéu de Santos Du-mont – serviu para levar a cabo oito ex-periências científicas em ambiente demicrogravidade,área de interesse de dis-

Vciplinas como biologia,biotecnologia,medicina,materiais,combustão e desen-volvimento de fármacos.Exemplo:umdesafio à permanência do homem du-rante longos períodos no espaço é o co-nhecimento das conseqüências da au-sência de gravidade sobre a fisiologiahumana.O gerente da Missão Cente-nário,Raimundo Mussi,lembra que aAgência Espacial Brasileira (AEB) ofere-ce há anos oportunidades a cientistas detestar experimentos em microgravidadea bordo de foguetes de sondagem,pe-quenas cápsulas que levam experiênciasao espaço por alguns minutos.“A via-gem de Pontes é um desdobramento na-tural dessas pesquisas”,afirmou Mussi.

Um desses experimentos prestou-seao campo da popularização da ciência,como a germinação na ISS de sementesde feijão enviadas por estudantes de es-colas públicas de São José dos Campos.Os outros eram desdobramentos deprojetos de pesquisa.Entre eles desta-caram-se um teste de reações enzimáti-cas de interesse industrial,a submissãode bactérias à radiação cósmica para es-tudo de mecanismos de reparo celular ea indução do fenômeno da biolumines-cência usando como matéria-prima assubstâncias responsáveis pelo brilho dosvaga-lumes:a enzima luciferase e seusubstrato luciferina.“A análise das ima-gens da reação com luciferase e luciferi-na em gravidade zero ajudará a compreen-der a ligação de pequenas moléculascom as enzimas”,diz o biólogo molecu-lar Vadim Viviani,do Grupo de Biolu-minescência e Luciferases do Institutode Biociências da Universidade Esta-

dual Paulista (Unesp),campus de Rio Cla-ro. A pesquisasobre a biolu-minescência,apoiada pelaFAPESP, teminteresse terapêu-tico.Os genes das luciferases podem serutilizados como biomarcadores lumi-nosos,já que,ao serem transferidos parauma bactéria,ela fica iluminada.“Quan-do a bactéria adquire luz,é possívelacompanhar a sua progressão dentro doorganismo.Esse procedimento já é uti-lizado para testar o funcionamento demedicamentos,detectar se há contami-nação bacteriana em alimentos ou mos-trar a evolução de células cancerígenasem modelos animais”, diz Viviani.

O estudo de microgravidade é ape-nas um dos braços do programa espa-cial brasileiro.Os outros objetivos doprograma,de conteúdo notadamenteestratégico,são a construção de novossatélites nacionais,o desenvolvimentode um foguete lançador capaz de levaros satélites ao espaço e a reconstruçãodo Centro Espacial de Alcântara,noMaranhão,destruído após a explosãodo Veículo Lançador de Satélite (VLS),em 2003,tragédia que matou 21 pessoas.A viagem do tenente-coronel Pontes nãotem influência direta sobre essas facesdo programa.O presidente da AgênciaEspacial Brasileira,Sérgio Gaudenzi,ad-mite que o ganho principal da viagempertence ao terreno do marketing. “Onosso programa espacial teve uma co-bertura da mídia e uma repercussão que

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nunca teve antes e isso tem um valorinestimável”, afirma.

As vantagens dessa exposição sãodifíceis de mensurar, mas Gaudenzi es-pera que isso tenha peso nos próximosanos nas discussões no Congresso so-bre o orçamento do programa espacial.“Os parlamentares seguem a vontadeda população”, diz. Em 2006 o progra-ma espacial brasileiro terá US$ 150 mi-lhões para gastar. Trata-se do maior va-lor destinado nos últimos anos. Emanos anteriores o orçamento chegou acair a escassos US$ 25 milhões. Atri-bui-se a essa asfixia financeira o atrasono desenvolvimento de foguetes lança-dores. A tragédia de Alcântara chamoua atenção para o problema e provocouuma mudança de postura do governo.No ano passado os cerca de US$ 100 mi-lhões destinados ao programa espacialforam quase integralmente disponibi-lizados e gastos, um caso raro em meioao contingenciamento generalizadode verbas. “Empenhamos 99,5% denosso orçamento de 2005, um recordena Esplanada dos Ministérios”, afirmaGaudenzi.

Se o Congresso e o governo serãogenerosos, o tempo é que vai dizer. Nãoserá por falta de projetos capazes de de-

senvolver tecnologia nacional que o di-nheiro não será gasto. O programa deconstrução do VLS foi retomado comassessoria de especialistas da AgênciaEspacial Russa e hoje prevê o lançamen-to de um protótipo em 2007 e outro em2008. Na prática, os dois lançamentosservirão apenas para testar a tecnologiae nenhum deles levará carga útil. A idéiaé usar a experiência com o VLS para de-senvolver uma nova geração de fogue-tes, batizada de Alfa, que terá um estágiode combustível líquido, tecnologia queo Brasil ainda tenta dominar. O primei-ro protótipo da família Alfa deve ir aoespaço em 2009. No campo dos satéli-tes, estão previstos até 2010 o envio aoespaço de mais três membros da famíliaCbers, de sensoriamento remoto, desen-volvidos em parceria com a China, e acriação de plataformas capazes de reali-zar missões variadas. Outro objetivo decurto prazo é reerguer a base de Alcân-tara, em parceria com a Ucrânia, e colo-cá-la no mapa dos lançamentos comer-ciais de foguetes.

Segundo astronauta - Por fim, há dú-vidas sobre o que fazer com a participa-ção brasileira na Estação Espacial Inter-nacional. O tenente-coronel Pontes

começou a receber treinamento para irà ISS em 1998, quando o Brasil com-prometeu-se em construir peças para aestação no valor de R$ 120 milhões ehavia a expectativa de manter até seteastronautas em órbita permanentemen-te. O Brasil não honrou sua parte noacordo, mas Pontes seguiu com seu trei-namento em Houston. Em 2003 a ex-plosão do Columbia interrompeu asviagens dos ônibus espaciais, as princi-pais responsáveis por levar peças e genteà estação. Desde então, a tarefa cabe àscápsulas russas Soyuz e apenas dois outrês astronautas ficam em órbita de ca-da vez. No próximo mês o presidenteda Agência Espacial Brasileira irá à Nasa,acompanhado pelo astronauta Pontes,para discutir se o Brasil continua ou nãoa integrar o consórcio internacional daISS.“Somos sócios minoritários e preci-samos avaliar se os sócios principais vãolevar adiante a iniciativa. Hoje há umadiscussão entre eles se os benefícios daestação estão compensando os custos”,diz Gaudenzi. Se o acordo for renovado,a AEB deverá deflagrar um processo se-letivo para recrutar o segundo astronau-ta brasileiro. •

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FABRÍCIO MARQUES

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FAP-Livros libera recursos para a compra de 130 mil títulos

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

INFRA-ESTRUTURA

s instituições deensino superior einstitutos de pes-quisa do estado deSão Paulo recebe-ram nas últimassemanas uma for-midável injeção

de informações em forma de livros.Pelomenos 130 mil unidades – a esmagadoramaioria composta de material impresso,mas também de e-books, microfilmes eCDs – estão em fase de aquisição.Todo omaterial passará a fazer parte do acervodas bibliotecas que tiveram seus pedi-dos apreciados e aprovados pelo FAP-Livros,o programa da FAPESP que fi-nancia periodicamente a compra delivros científicos e tecnológicos.

Essa é a quinta versão do programa,que recebeu investimento de R$ 27 mi-lhões.“Inicialmente estavam previstosR$ 20 milhões,mas decidimos aumen-tar o valor em razão da demanda e daqualidade dos pedidos”,diz o diretorcientífico da FAPESP,Carlos Henriquede Brito Cruz.Foram aprovadas 161 so-licitações das 172 recebidas.O FAP-Li-vros apóia a compra de obras destinadasà pesquisa científica e tecnológica para aatualização dos acervos.

Pela primeira vez os livros em forma-to eletrônico, os e-books, também foramcontemplados.O Consórcio Cruesp/Bi-bliotecas,que reúne os três sistemas debibliotecas das universidades estaduaispaulistas,integra 92 bibliotecas que aten-

dem a mais de 230 mil estudantes e foi oresponsável pela indicação dos títulosde obras eletrônicas.“A aprovação paraa compra de e-books foi muito impor-tante por colocar à disposição da comu-nidade do Cruesp o mesmo conjunto deinformações,com a vantagem de trans-cender as barreiras físicas e geográficasdas bibliotecas”,explica Adriana CybeleFerrari,uma das três gestoras do con-sórcio e diretora do Sistema Integradode Bibliotecas (SIBi) da Universidade deSão Paulo (USP).“Todas as bibliotecasdas três universidades estaduais se bene-ficiarão dos livros virtuais,na sua maio-ria títulos estrangeiros”,diz.“Esse proje-to complementa os pedidos individuaisfeitos pelas bibliotecas.”

Uma das contrapartidas exigidas pe-la FAPESP é a garantia de manutençãodo acesso aos e-books ou às publicaçõesem outras mídias,com recursos própriosdas instituições,por cinco anos,no mí-nimo.De acordo com Adriana,a exigên-cia é uma garantia de continuidade deacesso a essas coleções e fez com que osprojetos fossem bem dimensionados.

Microfilmes e CDs - Dos 130 mil títu-los aprovados pelo programa,a maiorparte,cerca de 30 mil,coube à bibliotecado Instituto de Filosofia e Ciências Hu-manas (IFCH) da Universidade Esta-dual de Campinas (Unicamp).Quase atotalidade dos livros virá do exterior.“Há coisas fantásticas na Europa e nosEstados Unidos e conseguir comprá-

Biblioteca contemporânea

las para nossa biblioteca representaum grande avanço”,conta MichaelMcdonald Hall,coordenador da Co-missão de Biblioteca da Unicamp eprofessor de história.

Além de livros,serão compradosmicrofilmes e CDs.“Existem atas dereuniões,material publicado na im-prensa e documentos históricos que nãoviraram livro,mas estão microfilmadose serão importantes para o trabalho dospesquisadores”,diz Clarinda RodriguesLucas,bibliógrafa e ex-diretora da bi-blioteca do IFCH.“A Inglaterra,porexemplo,tem excelente documentaçãosobre o tráfico de escravos.”A históriada África foi um dos temas de interesseindicados pelos pesquisadores do insti-tuto,assim como livros e CDs sobre his-tória da arte.

A Biblioteca Florestan Fernandes daFaculdade de Filosofia,Letras e Ciên-cias Humanas (FFLCH) da USP teveaprovada a compra de cerca de 20 millivros.O ex-diretor da faculdade e atu-al pró-reitor de Cultura e ExtensãoUniversitária,Sedi Hirano,comemora aatualização da biblioteca que já tem umacervo de 500 mil volumes sobre filo-sofia,ciências sociais,literatura,histó-ria e geografia.Embora o FAP-Livros se-ja voltado para acervos compradosespecialmente para pesquisa,utilizadosmais pelo pessoal da pós-graduação,ele ressalta que o benefício atingirá to-dos os docentes e alunos da FFLCH.“O conhecimento que o professor da

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pós-graduação acumula é repassadopara o estudante, não fica restrito aopesquisador”, diz Hirano. “Os novos li-vros tornarão a biblioteca mais con-temporânea.”

Como ocorre com o ConsórcioCruesp/Bibliotecas e com o IFCH, qua-se todo o material comprado pelaFFLCH vem do exterior. “Coletamos assugestões dos professores e cremos terconseguido contemplar a grande maio-ria delas”, afirma Márcia de Grandi, di-retora da Florestan Fernandes. A biblio-teca recebeu uma média de 2,5 milconsultas por dia no ano passado. Maiorunidade da USP, a FFLCH tem 10 milestudantes de graduação, cerca de 2,5mil de pós, 4 mil de extensão universitá-ria e pode fechar 2006 com 440 docen-tes. “Com tanta gente, é natural que ovolume seja grande.”

Uma das vantagens do FAP-Livrosmuito apreciada pelos gestores das bi-bliotecas é o fator desburocratização.“Às vezes, o pesquisador fica muito afli-to porque precisa de determinado livroe a demora no processo de compra termi-na por prejudicar o trabalho”, diz Adria-na Ferrari, do SIBi/USP. Também ocor-re de o processo de licitação chegar aofim, mas a obra não é entregue pelo for-necedor por estar esgotada. Ou, ainda, alicitação simplesmente fracassa. “Comos recursos liberados pelo programa daFAPESP as aquisições são feitas imedia-tamente. Ganhamos duas vezes: ao atu-alizar o acervo e em agilidade.” •

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CIÊNCIA

Meu remédio, claro, é o melhorA indústria farmacêuticaEli Lilly financiou cinco es-tudos comparando um me-dicamento contra esquizo-frenia que ela própriaproduzia com outro, feitopela Janssen. Resultado: to-dos os cinco trabalhos mos-traram que o medicamentoda Eli Lilly era o melhor.Porém, quando a Janssenpatrocinou seus própriosestudos comparando os doisremédios, foram os delaque ficaram na frente. Nãosão casos pontuais. Noveem cada dez testes de novosmedicamentos psicotrópi-cos pagos por indústrias

chegam à conclusão de quea droga mais eficaz é aquelafeita pela empresa patroci-

nadora, de acordo com umartigo publicado na Ameri-can Journal of Psychiatry.

Um dos autores, o psiquia-tra John Davis, da Universi-dade de Illinois, nos Esta-dos Unidos, mostra nessetrabalho que podem existirpotenciais vieses no dese-nho ou na interpretaçãodos dados, de modo quesaem esses resultados con-traditórios. Porém, quandouma agência governamen-tal comparou uma série demedicamentos contra es-quizofrenia em um amploteste com pessoas, as duasmedicações que se saírammelhor eram as mais bara-tas – e já estavam livres depatentes. •

■ As raízes do comportamento

Por que começamos a falarmais alto perto de outras pes-soas que falam alto ou maisbaixo diante das que murmu-ram? Simples: outras pessoasnos influenciam e geralmentenem percebemos, concluiuum estudo publicado na Cur-rent Directions in Psychologi-cal Science. Nesse trabalho, aequipe de John Bargh, daUniversidade de Yale, EstadosUnidos, mostra como pode

ser contagioso o modo peloqual outras pessoas se com-portam ou expressam seussentimentos. Quando os pes-quisadores mostraram umaimagem de uma bibliotecapara um grupo de pessoas eas instruiu a irem lá depois doexperimento, elas começarama falar mais suavemente, semestarem conscientes do por-quê. Quando preparadas paraserem rudes, as pessoas inter-rompiam o instrutor, enquan-to as que foram motivadas aserem polidas não o inter-

rompiam. Mas a equipe deYale tranqüiliza: as influênciassobre o comportamento são,normalmente, benignas. •

■ Vírus híbrido marca tumores

Um grupo de pesquisadoresbrasileiros que trabalham naUniversidade do Texas, Esta-dos Unidos, participou do de-senvolvimento de uma novaclasse de vírus híbridos quepodem ser úteis para identifi-car e combater células tumo-

rais. Descrito na edição de 21de abril da revista Cell, o ví-rus contém partes de dois ví-rus, um adenovírus e um bac-teriófago. Pode dirigir-se acélulas tumorais, como foi de-monstrado em camundon-gos, e sua atividade pode seracompanhada por meio datomografia de emissão de pó-sitrons. Esse vírus pode servircomo vetor para genes a se-rem usados em terapia gênicapara encontrar ou combatertumores, além de ajudar aavaliar a eficácia de medica-

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mentos contra câncer, segun-do Renata Pasqualini, pesqui-sadora brasileira que trabalhana Universidade do Texas eparticipou desse estudo, aolado de Wadih Arap, outrobrasileiro. •

■ Dano extra da malária

O protozoário Plasmodium,causador da malária, destróia capacidade do organismode se defender dos microor-ganismos. Essa habilidade ex-plica por que as pessoas commalária são suscetíveis a ou-tras infecções e podem nãoresponder bem a vacinas, deacordo com um estudo daJournal of Biology. A equipede Owain Millington, da Uni-versidade de Strathclyde, noReino Unido, verificou queo Plasmodium chabauti ina-tiva as células dendríticas,fundamentais para iniciar eregular as reações contra mi-croogranismos, depois de te-rem entrado em contatocom as células vermelhas dosangue que haviam sido in-fectadas. •

■ O irmão maior de Plutão

A mais recente previsão dotamanho do 2003 UB313, odistante mundo gelado apeli-dado de Xena, indica que ocandidato a décimo planetado sistema solar pode ser ape-nas ligeiramente maior do quePlutão. Medições feitas com otelescópio espacial Hubble, daNasa, sugerem que o diâme-tro do novo objeto deve ser de2.400 quilômetros, no máxi-mo 5% maior que o do nonoplaneta solar. Segundo a esti-mativa anterior, feita por meiode instrumentos baseados emterra, o longínquo e frio cor-po celeste era cerca de 30%

matas. As atividades humanasrepresentam fontes estáveis decomida e água para outrasformas de vida urbana, masnem sempre é bom. Comidafarta como amendoins e pi-pocas que engordam os pom-bos das praças não é a maisadequada para os filhotes, queprecisam de larvas de insetos,raras nas cidades. Resultados:os filhotes de aves das cidadespodem ficar famintos mais fa-cilmente que os das matas.Todo ano morrem tambémmilhares de aves migratóriasque colidem com prédios etorres de rádio. Desafios dessetipo fazem dos espaços urba-nos um autêntico laborató-rio. “A cidade é o Velho Oesteda evolução”, comentou JoelBrown, um ecólogo da Uni-versidade de Illinois, nos Esta-dos Unidos. •

A bola dribla o olho humanoDa próxima vez que a bolafizer aquela curva inacredi-tável no último instante e ogoleiro do seu time errar ogolpe de vista, dê um des-conto. O gol pode não tersido culpa do arqueiro. Se-gundo um estudo de Ca-thy Craig, da UniversidadeQueen’s Belfast, Irlanda, oolho humano não está pre-parado para prever a brus-ca mudança de trajetória deuma bola extremamente rá-pida que esteja girando ho-rizontalmente sobre o seupróprio eixo. Em outras pa-lavras, um chute assim en-venenado engana qualquerum. Cathy chegou a essaconclusão após simular,com o auxílio de um equi-pamento de realidade vir-tual, o caminho percorridopor uma bola que rodava a

600 revoluções por minu-to. Nesse teste, mesmo jo-gadores de futebol comgrande experiência nãoacertavam o destino finaldas bolas chutadas comesse tipo de efeito. Não con-seguiam dizer com certezase elas iriam parar dentrodas redes ou fora do gol.“Essas bolas giratórias nãoacontecem de forma natu-ral”, comentou Cathy à re-vista New Scientist. “A na-tureza não equipou ohomem com um sistemavisual adaptado a elas.” Aidéia para o estudo surgiudepois que a pesquisadoraviu, em 1997, uma potentecobrança de falta do lateralRoberto Carlos, da seleçãobrasileira.Todo mundo acha-va que a bola iria para fora.Mas foi gol. •

maior do que Plutão. Saber otamanho de Xena é funda-mental para que ele seja real-mente elevado ao status deplaneta. Segundo uma regrainformal, aceita pela maioriados astrofísicos, um objeto ce-leste situado em nosso sistemasó deve receber essa designa-ção se for maior do que Plutão,o menor dos nove planetassolares até agora oficialmentereconhecidos. •

■ O laboratório da evolução

Os biólogos descobriram ascidades, agora vistas comoum espaço ideal para observaro comportamento dos ani-mais porque tendem a apre-sentar menos variáveis que ocampo (New Scientist, 22 deabril). Nas ilhas de calor, co-muns nas metrópoles, os inse-tos podem viver mais que nas

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■ Os custos daesquizofrenia

O tratamento de portadoresde esquizofrenia consome2,2% do total de gastos desaúde em São Paulo, o equiva-lente a R$ 222 milhões (US$191,7 milhões), embora essedistúrbio psiquiátrico atinja0,7% da população adulta doestado – cerca de 177 mil pes-soas. E pode não ser o bastante,concluíram Raquel Jales Lei-tão, Marcos Bosi Ferraz, AnaCristina Chaves e Jair Mari, daUniversidade Federal de SãoPaulo (Unifesp), em um estu-do da Revista de Saúde Públi-ca. A pesquisa em hospitaispúblicos, aliada a levantamen-tos epidemiológicos, mostrouque 71% dos portadores deesquizofrenia não são tratadosou recebem tratamento irre-gular. É uma proporção queos autores do estudo conside-ram alarmante. •

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Como se entrasse em uma floresta às avessas, o físico ita-liano Enrico Fermi criou uma expressão notável, zoológi-co de partículas, para designar a variedade de formas e decomportamentos – muitas vezes bizarros – das infinita-mente pequenas porções de matéria que não paravam desurgir. Agora é a vez de Maria Cristina Batoni Abdalla,professora do Instituto de Física da Universidade EstadualPaulista (Unesp), explicar o que são e as forças que con-trolam os elétrons, antielétrons, fótons, píons e múons –já eram 11 em 1950 – no livro O discreto charme das par-tículas elementares (Ed. Unesp), com ilustrações criativase bem-humoradas de Sergio Kon, algumas delas mostra-das acima. Percorrendo a história – dos filósofos gregos,que tudo explicavam, à matéria escura, que ninguém ain-da conseguiu explicar –, Maria Cristina lembrou-se deque a física pode interessar também a quem não é físico:ela parece saber que os leitores realmente não conhecemquase nada do mundo atômico – e não que já deveriam co-nhecer, o pressuposto mais comum nos livros escritos porfísicos. Ela não teme ser simples, sem perder precisão. •

Um zoológico muito estranho

■ Os macacos maisantigos do Brasil

De uma só tacada paleontó-logos do Brasil e dos EstadosUnidos apresentam fósseis deduas novas espécies e de umgênero já conhecido de pri-matas que viveram entre 9milhões e 6 milhões de anosatrás onde atualmente é oAcre. “São os macacos maisantigos do país”, diz MarioCozzuol, da Pontifícia Univer-sidade Católica do Rio Gran-de do Sul. O mais antigo des-ses fósseis é de um macaco decerca de 5 quilos que se ali-mentava principalmente defrutas: o Solimoea acrensis, pa-recido com o macaco-aranha(Ateles geoffroyi), de poucomais de meio metro de alturae uma longa cauda que usapara se pendurar. A segundaespécie identificada por Coz-zuol e Richard Kay, da Uni-versidade Duke, Estados Uni-

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vam um combate de vida emorte. O primeiro astro nãopára de sugar gás do segundo.Para que um deles permaneçaem nossa galáxia, o outro teráde desaparecer: ou a anã bran-ca vai explodir por excesso dematéria, ou a estrela compa-nheira vai se esvair, sem gás.Em no máximo 1 milhão deanos, mil vezes menos do quedura um sistema binário nor-mal, um dos corpos terá su-

cumbido à força de seu opo-nente. Pela primeira vez esseraro duelo, ou suicídio estelarassistido, foi flagrado. Foi umfeito de uma equipe chefiadapor João Steiner, da Universi-dade de São Paulo (USP), quedescreveu o embate de astrosna Astronomy and Astrophy-sics Letters. “Uma estrela estátentando freneticamente des-truir a outra e vice-versa”, afir-ma Steiner. •

dos, é a Acrecebus fraileyi, pa-rente distante do macaco-prego (Cebus apella). NoJournal of Human Evolution,Cozzuol e Richard afirmamque o terceiro fóssil, um den-te antes atribuído a um ma-mífero semelhante ao quati,pertence a um macaco do gê-nero Stirtonia, parente doguariba que já havia sidoidentificado na Colômbia.“Nenhum desses macacos éancestral dos atuais”, diz Coz-zuol. “A descoberta desse gê-nero e das duas espécies noAcre é um sinal de que a di-versidade atual da regiãopode ter sido ainda maior.” •

■ Guerra de estrelas

Perto do centro da Via Láctea,duas estrelas, uma anã brancae sua companheira no sistemabinário V 617 Sagitarii, tra-

■ A ameaça das águas

Saiu o primeiro estudo mos-trando o que poderia aconte-cer no Brasil se o nível do marcontinuar subindo, em conse-qüência do aquecimentoglobal: poderia desaparecer,coberta pelo mar, metade doarquipélago de Marajó, na fozdo rio Amazonas – com quase50 mil quilômetros quadra-dos, é maior que o estado doRio de Janeiro. Em algumasdécadas, de acordo com esseestudo de uma equipe do Ins-tituto Nacional de PesquisasEspaciais (Inpe), baseado emprevisões de elevação do marpublicadas na Science, pelomenos duas outras localida-des geologicamente seme-lhantes – as cidades de Santos,no litoral paulista, e de Atafo-na, no Rio – poderiam sofrerproblemas semelhantes. •

A Caatinga antes e depois da chuvaOs biólogos Carlos Jared eMarta Antoniazzi, do Insti-tuto Butantan, tiveram mui-ta sorte no início deste anoquando visitaram a Caatin-ga: após andarem por lá há20 anos, viram pela primei-ra vez uma chuva cair sobreo sertão nordestino. Chega-ram na tarde de 22 de feve-reiro a Angicos, no RioGrande do Norte, dispostosa procurar anfíbios enter-rados na terra seca. À noite

dias seguidos. “De uma ho-ra para outra, fica tudo ver-de”, comenta Jared. Nas po-ças d’água dezenas de saposcoaxavam, enquanto outrosse acasalavam ou já cuida-vam dos ovos envoltos poruma espuma branca.“Estousonhando ou os bichos con-tinuam cantando?”, pergun-tou-se Marta na primeiramanhã sem chuva. Ao meio-dia os sapos ainda não ha-viam parado de coaxar. •

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caiu a primeira e imprevisí-vel chuva após mais de doisanos. Cobras, sapos e rãs

começaram a sair dos es-conderijos. Seis dias depoischoveu ainda mais, por dois

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Prevenção dedoenças crônicas pode permitir quemeninas e meninoscheguem com saúde aos 100 anos

inda hoje os pediatras acordam nomeio da noite para tratar a febre quenão baixa, a tosse que não cessa ou ador de ouvido que não deixa a crian-ça dormir – nem seus pais. Desde oaparecimento dessa especialidademédica na Europa do século 18, apediatria voltou-se quase exclusiva-mente ao combate da desnutrição,das verminoses e das infecções quecontinuam a matar a cada ano mi-lhões de crianças no mundo todo.

Agora, uma transformação em curso no quadro dosproblemas de saúde das crianças e dos adolescentesestá obrigando os pediatras a reverem seu papel. Alémde acudir de madrugada pais aflitos com a infecçãodos filhos, eles terão de se preocupar também em evi-tar que seus pequenos clientes desenvolvam as cha-madas doenças crônico-degenerativas – problemasque surgem na infância, avançam silenciosamente du-rante décadas e só vão se manifestar 40 ou 50 anosmais tarde, afetando a qualidade de vida dos adultos.Esse redirecionamento da ação do pediatra é o que es-pecialistas brasileiros estão chamando de nova pedia-tria, uma correção de rumos necessária para cuidar decrianças que possivelmente chegarão aos 100 anos e setornarão os idosos do século 22.

“O pediatra está habituado a lidar com proble-mas agudos”, comenta Magda Carneiro Sampaio, pro-fessora da Faculdade de Medicina da Universidade deSão Paulo (FMUSP). “Mas quem atende hoje umacriança em seu consultório deve ficar atento aos pro-

MEDICINA

RICARDO ZORZETTO

CIÊNCIA

CriançasPor uma vida longa e saudável

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blemas de saúde que ela pode desenvol-ver no futuro”, afirma a pediatra per-nambucana. Especialista em doençasimunológicas, Magda consolidou háum ano a idéia dessa pediatria voltadapara a prevenção em um ambicioso pro-jeto: Uma nova pediatria para as crian-ças que viverão 100 anos ou mais.

Em parceria com o pediatra JoãoGuilherme Bezerra Alves, do InstitutoMaterno Infantil de Pernambuco, elareuniu esforços de cerca de 200 especia-listas de quatro instituições brasileirasque atualmente investigam a origem e aevolução de cinco grupos de doençascrônicas que surgem na infância e vêmse tornando cada vez mais comuns: osproblemas cardiovasculares, as alergias,os distúrbios nutricionais, os transtor-nos de comportamento e as doençascrônicas de origem genética, que muitasvezes podem ser evitadas durante a gra-videz. O objetivo é encontrar formas deprevenir esses problemas – ou modosmais eficazes de combatê-los – e permi-tir que as crianças cresçam sem contra-tempos maiores que um braço quebra-do ou um hematoma no joelho.

Essa nova postura da pediatria, quecomeça a surgir também na Europa enos Estados Unidos e exigirá dos pedia-tras conhecimentos mais profundos degenética, epidemiologia e das doençasda terceira idade, é uma resposta àtransformação que a humanidade viveuao longo do século 20. Desde o surgi-mento da nossa espécie há 150 mil anos,jamais o ser humano viveu tanto quan-to hoje, conseqüência da melhoria dascondições de vida proporcionada peloacesso ao saneamento básico, aos medi-camentos e às vacinas. Em geral quemnasceu no início do século passado ti-nha poucas chances de passar dos 50anos. Uma criança de hoje, porém, mui-to provavelmente chegará, em países de-senvolvidos como o Japão ou a França,aos 90 ou 100 anos de idade, próximodo limite da longevidade humana, que,acredita-se, é de cerca de 120 anos.

Mesmo em nações mais pobres co-mo o Brasil a situação não é muito dife-rente. A expectativa de vida dos brasilei-ros na década de 1950 era em média de47 anos e atualmente é de 71 anos. Se-gundo dados do Instituto Brasileiro deGeografia e Estatística, nesse períodoem que boa parte das pessoas migroudo campo para a cidade a população do

país triplicou: atualmente são 185 mi-lhões de brasileiros. A proporção de pes-soas com 65 anos ou mais também au-menta continuamente desde 1980 ehoje está em quase 11 milhões – deacordo com a Organização Mundial daSaúde (OMS), há 600 milhões de idososno mundo, dois terços vivendo em paí-ses em desenvolvimento.

Transição nutricional - Um dos efei-tos imediatos desse aumento de longe-vidade é percebido no sistema de saú-de pública: tornam-se mais comuns asdoenças crônico-degenerativas, como osproblemas cardiovasculares, a osteopo-rose ou o câncer, muitas vezes associa-das às condições em que se envelhece.Simultaneamente, a população brasilei-ra atravessa uma fase de mudanças quecomplica mais o quadro. Estudos daequipe do epidemiologista Carlos Au-gusto Monteiro, da USP, reunidos nolivro Velhos e novos males da saúde noBrasil, revelam que nas duas últimas dé-

cadas o perfil nutricional do brasileiroencontra-se em transição: a desnutriçãodiminuiu entre adultos e crianças, emespecial no Sudeste, ao passo que a obe-sidade aumentou, resultado do cres-cimento do consumo de proteínas deorigem animal e de açúcares. Outroagravante é o sedentarismo aparente-mente elevado entre as crianças e ado-lescentes, que, ao lado do consumo decalorias superior aos níveis indicadospela OMS, integra o american way of lifeadotado em quase todo o Ocidente,Brasil inclusive.

Um levantamento com alunos de 10a 19 anos de escolas públicas e particu-lares de Campina Grande, Paraíba,mostra que só um quarto dos garotos eum décimo das meninas realizam maisde três horas de atividade física por se-mana. Em Ribeirão Preto, interior deSão Paulo, uma das cidades mais ricasdo país, um terço dos homens e metadedas mulheres entre 23 e 25 anos nãopraticam exercícios com freqüência.“Se

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a criança desenvolve o gosto por espor-te desde pequena, é maior a chance deque continue fisicamente ativa na idadeadulta”, comenta Magda.

Convidada a retornar ao Instituto daCriança no ano passado, depois dededicar 15 anos à investigação de doen-ças que debilitam o sistema de defesadas crianças, Magda imaginou que erahora de agir para tentar mudar o cená-rio que se descortina. “É preciso fazeros pediatras entenderem que as medi-das de prevenção tomadas nos primei-ros 20 anos de vida podem ser decisivaspara o futuro dessas crianças”, afirma.Por que tão cedo? Por uma razão nemsempre óbvia:“Essa é a fase da vida maiscrítica para a prevenção eficaz de muitasdoenças”, explica Magda. Além dessasalterações em hábitos e estilo de vida,pesou na decisão de Magda de proporuma redefinição de rumos na pediatria adescoberta recente de que muitas doen-ças comuns nos adultos têm suas raízesna infância.

ma das correntes de pes-quisa em saúde mental,por exemplo, acreditaque alguns transtornospsicológicos como an-siedade e depressão po-dem surgir na infânciaou adolescência e seagravar no decorrer davida. Em entrevistascom pais de 959 alunosde escolas públicas e

particulares no Distrito de Saúde doButantã, que inclui cinco bairros da ca-pital paulista, as pediatras da USP San-dra Grisi e Ana Maria Escobar consta-taram que as principais queixas sobre asaúde dos filhos são de suspeita de dis-túrbios psicológicos e alergias crônicas.Um quarto dos pais disse acreditar quesuas crianças tinham dificuldade deprestar atenção ao que fazem, enquanto21% afirmaram que os filhos pareciamsofrer de ansiedade,proporção semelhan-te à de casos de alergia. Esses números

não indicam que essas crianças realmen-te tenham algum distúrbio psiquiátrico.Mas são um sinal de que é bom prestaratenção, pois o que se passa com elas po-de ser mais que uma saudável agitação.

Diante desses dados as equipes deSandra Grisi e Maria Cristina Kupfer,do Instituto de Psicologia da USP, tra-balham no desenvolvimento de um tes-te que poderá ajudar na identificaçãodos problemas de saúde mental a partirdos primeiros meses de vida. Trata-sede um questionário, atualmente emavaliação em São Paulo, Belém, Rio, Cu-ritiba e Brasília, que o pediatra deveaplicar a pais e bebês para detectar se acriança apresenta sinais de transtornospsicológicos, uma das principais causasde perda de anos de vida saudável, se-gundo a OMS. Outro grupo de proble-mas de saúde que começam muito cedoe prejudicam a qualidade de vida doadulto são as doenças alérgicas, como aasma, que nos últimos anos estão se tor-nando mais comuns entre crianças eadolescentes no mundo todo. Em estu-dos conduzidos na cidade de São Paulo,Dirceu Solé e Charles Nasptiz, da Uni-versidade Federal de São Paulo (Uni-fesp), constataram que quase 12% dapopulação sofre de asma e uma em cadatrês pessoas apresenta sinais do proble-ma. A fim de compreender melhor osfatores que desencadeiam essa forma dealergia que provoca intensa falta de ar eimpede o desenvolvimento adequadodos pulmões, a equipe do pediatra Joa-quim Carlos Rodrigues e da epidemio-logista Regina Cardoso acompanha háquase três anos no Instituto da Criança,ligado à FMUSP, a saúde de quase 300crianças filhas de mães com asma.

Mas o exemplo mais contundentede doença com raiz na infância é o daaterosclerose, o acúmulo de placas degordura nos vasos sangüíneos responsá-vel pelo bloqueio da chegada de oxigê-nio e nutrientes ao coração, no infarto,ou ao cérebro, no acidente vascularencefálico (AVE). Considerados as prin-cipais causas de morte no mundo, o in-farto e o AVE tiram a cada ano a vida de17 milhões de pessoas, um terço dosóbitos do planeta. Os custos desse pro-blema em um país como o Brasil são el-evados. Em 2002 as doenças cardiovas-culares levaram à internação de 1,2milhão de pessoas e à realização de 50mil cirurgias para restabelecer o fluxo

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Sob novo olhar:mais atenção à alimentação e cuidados médicosfreqüentes podemfavorecer aaprendizagem

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normal de sangue para o coração, a umcusto aproximado de R$ 281 milhões,segundo estimativas publicadas nos Ar-quivos Brasileiros de Cardiologia pelosepidemiologistas Denizar Araújo eMarcos Bosi Ferraz, da Unifesp.

Até pouco tempo atrás acreditava-se que a aterosclerose fosse um proble-ma exclusivo de adultos com hábitos devida pouco saudáveis, que jamais troca-riam uma partida de futebol pela tevêpor uma caminhada no parque ou a pi-canha do almoço por uma fatia de car-ne mais magra. Mas um estudo publica-do na década de 1980 no Journal of theAmerican Medical Association mudouessa idéia. Jack Strong, da Universidadedo Estado de Louisiana, Estados Uni-dos, analisou as artérias do coração desoldados norte-americanos mortos naGuerra da Coréia em 1952 e constatou:embora se tratasse de indivíduos jovense aparentemente saudáveis, entre 45% e77% deles já estavam com as coronáriasparcialmente entupidas. Trabalhos maisrecentes confirmaram esses resultados emostram que esse problema começaainda mais cedo, na infância. Estudosfeitos no Japão, onde o consumo de gor-dura é menor que no Ocidente, aponta-ram que 50% das crianças com 1 ano deidade e todas com 10 anos apresentavamartérias cardíacas com as lesões iniciaisda aterosclerose.

“O problema é que essa enfermidadeavança sem alarde até a idade adulta e,em um terço dos casos, sua primeiramanifestação é um infarto fatal”, afirmao cardiologista Francisco Fonseca, daUnifesp, um dos editores da Primeiradiretriz de prevenção da aterosclerose nainfância e na adolescência, elaboradapela Sociedade Brasileira de Cardiolo-gia. Publicado em português na ediçãode dezembro de 2005 dos Arquivos Bra-sileiros de Cardiologia e em inglês na edi-ção deste mês doInternational Jour-nal of Atherosclero-sis, esse documentoorienta os pedia-tras a investigaremdesde cedo a saú-de cardiovasculardas crianças, emespecial daquelascujos pais ou avóssofrem de proble-mas cardíacos. “O

de de Southampton, na Inglaterra, pro-pôs uma idéia que ainda não é consensoentre especialistas, mas indica um qua-dro mais preocupante: os problemascardiovasculares começariam durante aformação do feto. Essa suspeita surgiuda observação de que regiões pobres daInglaterra com elevadas taxas de morta-lidade infantil no início do século 20apresentavam índices de doenças cardio-vasculares superiores à média nas déca-das de 1970 e 1980.

Com base nessas in-formações, Barker for-mulou a teoria da pro-gramação fetal, segundoa qual o organismo dobebê submetido a condi-ções anormais na gravi-dez, como a falta de nu-trientes por defeitos daplacenta ou pela desnu-trição da mãe, sofreriaadaptações fisiológicas epouparia energia duran-

1. Da saúde perinatal à saúde do adulto jovem

2. Leitura da constituição e da psicopatologia do laçosocial por meio de indicadoresclínicos

MODALIDADE

1. Projeto Temático2. Projeto temático

COORDENADOR(A)

1. HELOISA BETTIOL E MARCO

ANTONIO BARBIERI — FMRP/USP2. MARIA CRISTINA KUPFER —

INSTITUTO DE PSICOLOGIA/USP

INVESTIMENTO

1. R$ 684.371,942. R$ 478.965,20

OS PROJETOS

Menos tevê e mais esporte:

para viver mais e amenizar

os problemas que surgem com a idade

médico de uma criança com história dedoença cardíaca na família deve orientaros pais a estimularem o filho desde cedoa ingerir pouco açúcar e gordura e apraticar exercícios”, afirma Magda. “Oshábitos, em geral adquiridos cedo navida, são a segunda natureza dos sereshumanos. É difícil alterá-los mais tar-de”, justifica a pediatra.

Após as primeiras evidências da ori-gem infantil da aterosclerose, o epide-miologista David Barker, da Universida-

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partos cirúrgicos, que permitem a pais emédicos anteciparem a chegada dobebê. Resta saber como esse peso maisbaixo ao nascimento, ainda que ade-quado à idade gestacional, afeta o de-senvolvimento da criança e do adulto.

No Rio Grande do Sul, o grupo daUniversidade Federal de Pelotas (UFPel)coordenado pelos epidemiologistas Ber-nardo Horta e César Victora observouque certas fases da infância têm pesomaior que outras na determinação dasaúde do adulto. No acompanhamentode 6 mil pessoas nascidas em Pelotas em1982, a equipe de Victora avaliou a pres-são sangüínea e os níveis de colesterolde 750 jovens em quatro momentos davida: no nascimento, aos 2, aos 4 e aos15 anos. Resultado: as crianças que en-gordaram além do normal para a idadenos dois primeiros anos de vida nãoapresentaram na adolescência pressãosangüínea mais elevada nem níveis decolesterol mais altos que as demais. Já oganho de peso acima do recomendadoentre o segundo e o quarto ano de vidamostrou-se relacionado com a piorados níveis desses fatores de risco paradoenças cardiovasculares. Em ambos oscasos, o peso da criança ao nascimentonão afetou os indicadores de saúde.“Aparentemente há períodos críticosque influenciam o surgimento de pro-blemas de saúde futuros”, explica Horta.

De qualquer modo, não são só ascondições de vida ao nascer e na infân-cia que determinam a saúde do adulto.“Essas doenças crônicas são provocadaspor múltiplos fatores”, lembra Horta.“Aocorrência de um ou mais fatores nãosignifica que a criança necessariamentedesenvolverá a doença mais tarde, mas éum sinal de que ela corre mais risco”,explica o epidemiologista da UFPel. Fe-lizmente, em geral é longo o caminhoentre a exposição aos fatores de risco e odesenvolvimento dos problemas de saú-de, o que permite a intervenção dos pe-diatras para reduzir os danos. A me-lhor saída, na opinião de Magda, é nãoacreditar na sorte e seguir alguns dos sá-bios conselhos que antigamente os fi-lhos recebiam dos pais: manter umadieta equilibrada; praticar atividades fí-sicas; e evitar o fumo e o consumo de ál-cool. Nada complicado demais, mas queexige esforço e disciplina, além de bomsenso dos pais para saber quando é horade buscar ajuda médica. •

do acesso aos nutrientes no útero é oconsumo de cigarro na gravidez.

e há dúvidas sobre ainfluência do desen-volvimento intra-ute-rino na saúde do adul-to, dá-se por certo quecertas característicasdo bebê no nascimen-to podem indicar pro-blemas futuros. As cri-anças com baixo pesoao nascer, menos de2.500 gramas, ou pre-

maturas, que não completam 37 sema-nas de gestação, correm risco maior dedesenvolver obesidade. A comparaçãodas condições de saúde de 6.746 criançasque nasceram em Ribeirão entre junhode 1978 e maio de 1979 com a de 2.846nascidas em 1994 sugere que a principalrazão dos nascimentos com peso inferi-or ao desejável ou menos tempo de ges-tação que o normal foi o aumento dos

te a privação. Uma conseqüência no lon-go prazo é a propensão ao acúmulo degordura em épocas de fartura e o prová-vel desenvolvimento posterior de obesi-dade, fator de risco para o aumento docolesterol, o diabetes e as doenças cardio-vasculares.

Heloisa Bettiol e Marco Antonio Bar-bieri, da USP em Ribeirão Preto, buscamnos últimos anos indícios que con-firmem associação entre o desenvolvi-mento de obesidade na idade adulta e anutrição inadequada no útero – umproblema relativamente comum, identi-ficado em 19% das 2.839 crianças nasci-das em Ribeirão em 1994. A avaliaçãoda saúde de 519 garotos logo após onascimento e, mais tarde, aos 10 e aos18 anos, mostrou a Heloisa e Barbierique apenas aqueles com sinais de ali-mentação insuficiente durante a gesta-ção e excesso de peso aos 10 anos con-tinuaram com peso superior ao ideal naidade adulta. Além de defeitos genéti-cos, outra provável causa da restrição

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CIÊNCIA

GENÉTICA

lgumas pesquisas,mesmo chegandoaos mesmos resulta-dos que outras,ga-nham valor quandorevelam caminhosinexplorados.Foi as-sim com um traba-

lho de uma equipe da Universidade Fede-ral de Minas Gerais (UFMG) coordenadapor Sérgio Danilo Pena,que examinou oDNA de 1.064 pessoas de 52 populaçõesdo mundo.A conclusão é a mesma obti-da por um grupo de pesquisa norte-ame-ricano:a população mundial pode seragrupada em cinco grandes blocos,quecorrespondem aproximadamente àsgrandes regiões geográficas mundiais:América,África Subsaariana,Leste daÁsia,Oceania e um bloco formado porEuropa,norte da África,Oriente Médioe Ásia Central.Esses subconjuntos po-dem ser vistos como os representantesatuais de grupos que viveram isoladosnos primórdios da civilização humana.

A equipe de Belo Horizonte usouuma estratégia diferente da empregadapelos norte-americanos para detectar asdiferenças entre as longas tiras de DNA.No trabalho que deu origem ao de Pena,Noah Rosenberg,da Universidade deMichigan, Estados Unidos,examinou

amostras de DNA de 1.056 pessoas de52 populações por meio de marcadoresgenéticos chamados microssatélites,de-finidos como seqüências repetidas denucleotídeos,os elementos básicos doDNA – adenina,guanina,citosina e ti-mina.As pessoas são diferenciadas pelonúmero de repetições:cada uma podeter,por exemplo,10,11,12 ou 13 repeti-ções de guanina-adenina-timina-adeni-na.Apresentada na Science em 2002,es-sa classificação da população mundialem cinco grupos,incluindo as seme-lhanças lingüísticas e culturais,exibiuuma precisão bem maior que a obtidapor Richard Lewontin em 1972 usandoproteínas do sangue.Mas houve críti-cas:microssatélites seriam instáveis epoderiam causar distorções estatísticas.

Já a equipe de Minas se valeu de 40marcadores chamados indels,sigla queaglutina duas palavras,inserções (ga-nhos) e deleções (perdas) de adenina,guanina,citosina ou timina.São muta-ções inofensivas transmitidas de umageração a outra;cada variação funcionacomo marcador porque se propagou apartir de uma mutação ocorrida emuma só pessoa.Pena e suas alunas Lucia-na Bastos-Rodrigues e Juliana Pimenta,que assinam com ele o estudo publicadoem março na Annals ofHuman Genetics

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Equipe de Minas emprega novos marcadores para agruparas populações do planeta

As tribos domundo

ACARLOS FIORAVANTI

com esses resultados,acreditam que osindels,mais estáveis que os microssaté-lites,talvez possam ser usados paracomplementar os estudos sobre a po-pulação brasileira e para definir commais precisão a suscetibilidade a doen-ças associadas à ancestralidade.

Visão parcial - A história genética dapopulação brasileira tem sido analisadaprincipalmente por meio de marcado-res de dois tipos:os do cromossomo Y,encontrado no núcleo das células doshomens,que ajuda a reconstruir a linha-gem paterna;e os do DNA mitocon-drial,contido em outro compartimentocelular,a mitocôndria,e utilizado paraestudar a linhagem materna.As res-postas obtidas dependem muito dos ti-pos de marcadores:nenhum deles ofe-rece uma visão completa ou irrefutável,já que outros marcadores podem levara outros resultados.

Pena reconhece que pode haver oque ele chama de “aparente correspon-dência”dos cinco grupos geográficos eas cinco raças definidas no século 18 peloantropólogo alemão Johann FriedrichBlumenbach com base em perfis do crâ-nio e na cor da pele:a caucasóide,amongolóide,a etiópica,a americana e amalaia.“Mas essa semelhança é mera-

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USP de Ribeirão Preto, com biólogos doRio Grande do Sul e do Pará, concluí-ram que houve uma expressiva contri-buição de mulheres ameríndias na for-mação dos quilombos. Os historiadoresjá haviam concluído que o número dehomens que fugiam para formar os qui-lombos era muito maior que o de mu-lheres, mas não tinham como chegar aesse nível de detalhe.

Esse estudo também trouxe infor-mações novas sobre o tráfico negreiropara o Brasil. Os registros históricos sus-tentam que a maioria dos negros daÁfrica que chegavam ao Brasil entre osséculos 16 e 18 era da etnia benin, dooeste da África. No entanto, os geneti-cistas encontraram sinais predominan-tes de representantes de outra etnia, osbantos, que vieram do centro-oeste e dooeste da África. Dos laboratórios sai as-sim, pouco a pouco, um quadro clarosobre as conseqüências da mistura deetnias promovida pelos vendedores deescravos nos armazéns do porto de Sal-vador como forma de evitar rebeliões epelas migrações internas, após a chega-da ao Brasil. “Por causa dessa miscige-nação entre as etnias”, comenta Zago,“oBrasil abriga hoje uma população mui-to específica de negros, diferente da dequalquer outro lugar do mundo”. •

mente superficial e enganadora”, dizPena. O próprio Rosenberg, após refazerseu trabalho de 2002 usando 993 mar-cadores em vez dos 377 empregados daprimeira vez, mostra em um artigo pu-blicado em dezembro de 2005 na PLoSGenetics que esses grupos são realmenteconsistentes – ou, diriam os especialistas,os clusters são robustos. Rosenberg haviaencontrado um valor de até 5% para avariação genética que ocorre entre osgrupos continentais. Para a equipe deMinas a diferença pode chegar a 12%.

Miscigenação - Em 2000, com o Retra-to Molecular do Brasil, Pena demonstrouque a miscigenação no país era tão in-tensa que impossibilitava qualquer ten-tativa de formar grupos distintos. Aanálise de marcadores dos cromosso-mos Y e do DNA mitocondrial indica-va que os homens autodenominadosbrancos nem sempre descendiam debrancos. A maioria descendia de paiseuropeus, mas a probabilidade de a mãetambém ser européia era de apenas39%: um em cada três dos 250 homensque participaram do estudo represen-tava uma linhagem materna ameríndiae um pouco mais de um em cada qua-tro (28%) trazia no sangue a herançaindelével de uma mãe africana.

“Não podemos generalizar”, comentaFrancisco Mauro Salzano, pesquisadorda Universidade Federal do Rio Grandedo Sul (UFRGS), que trabalha nessaárea há 50 anos.“Para termos uma idéiamais precisa dessas contribuições temosde verificar a história de cada comuni-dade.” Surgem então redutos de misci-genação extremamente baixa. É o casode Veranópolis, cidade da Serra Gaúchahabitada quase integralmente por des-cendentes de europeus, pela linhagemmaterna e pela paterna, de acordo comum estudo da UFRGS, com a participa-ção de Salzano, publicado em 2005 noAmerican Journal of Human Biology. Emoutras 13 cidades gaúchas os pesquisa-dores encontraram na linhagem mater-na 36% da herança dos antigos indíge-nas que viviam na região – os guaranis –e 16% de sangue africano.

E a miscigenação tende a aumentar,no Brasil e no mundo, ressalta MarcoAntonio Zago, professor da Universida-de de São Paulo (USP) em Ribeirão Pre-to. Em um dos estudos mais recentes desua equipe, publicado na Human Bio-logy, o foco são os negros que vivem emcomunidades isoladas – os quilombos– no Pará e no Maranhão, estudados pormeio do cromossomo mitocondrial.Zago e Wilson Araújo Silva, também da

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CIÊNCIA

CARDIOLOGIA

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Equipe da FMUSP associapressão alta severa à compressãode região cerebral por artéria

Batuquena cabeça

FABRÍCIO MARQUES

HÉLI

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IDA

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ara uma parcela dasvítimas da hiperten-são,o arsenal de me-dicamentos e tera-pias disponíveis nãoé capaz de controlara doença de modoadequado.A molés-tia resiste a tratamen-tos e se apresenta deforma severa,provo-cando lesões em ór-

gãos como o coração,o rim e o sistemacirculatório.Um estudo de uma equi-pe de pesquisadores da Faculdade deMedicina da Universidade de São Pau-lo (FMUSP) ajuda a compreender e adiagnosticar uma das causas da mani-festação refratária da doença.Lideradopelo professor Eduardo Moacyr Krie-ger,um grupo de pesquisadores do Ins-tituto do Coração e do Departamentode Radiologia da FMUSP criou umaferramenta de diagnóstico e demons-trou como um problema na anatomiado sistema nervoso – a existência deuma artéria comprimindo uma regiãodo tronco cerebral – pode ser um dosfatores causadores da hipertensão seve-ra e resistente.

Essa região,conhecida como regiãorostral ventrolateral do bulbo,é respon-sável pela chamada atividade simpática,aquela que mantém o funcionamentodo sistema cardiovascular.Na maioriadas pessoas,a artéria em questão,emgeral um ramo da artéria vertebral,pas-sa ao largo dessa área do tronco cere-bral.Mas há indivíduos que apresentama artéria encostada na região.E em ou-tros a artéria não apenas está colada àregião rostral ventrolateral do bulbocomo ainda provoca uma compressãotão forte que chega a deformá-la.“Des-de o final dos anos 1970,surgiram evi-dências de que o pulsar dessa artériapode excitar a região e aumentar a ativi-dade simpática,o que leva à contraçãodos vasos e a um aumento da pressãoarterial”,diz Fernanda Marciano Conso-lim-Colombo,coordenadora do labo-ratório de pesquisa clínica da Unidadede Hipertensão do InCor e uma das res-ponsáveis pela pesquisa.

PA equipe da FMUSP desenvolveu

um método para detectar o problemaanatômico e,por meio dele,associou ograu de compressão com o aumentoda atividade simpática ligada à hiper-tensão.A pesquisa foi realizada emduas frentes.Uma delas,a cargo deClaudia Costa Leite,chefe do Setor deRessonância do Departamento de Ra-diologia da FMUSP,criou um padrãode obtenção de imagens por meio deressonância magnética capaz de mapeara existência ou não do problema ana-tômico.Essa etapa rendeu um artigocientífico divulgado em janeiro na re-vista Neuroradiology.

Mão no gelo - A etapa seguinte,reali-zada na Unidade de Hipertensão do In-cor, consistiu em mapear a atividadesimpática de três grupos de pacientes:um que exibia forte compressão da ar-téria,outro que apresentava a artériaencostada à região,mas sem pressioná-la,e um terceiro com a artéria passan-do ao largo.Por meio de um examechamado microneuromiografia,noqual um eletrodo é colocado num ner-vo da perna,avaliou-se o grau de esti-mulação elétrica do sistema vascularem duas situações:em repouso e comestimulação (colocando-se a mão dopaciente num balde de gelo,o que faz apressão subir).Descobriu-se que o gru-po com forte compressão provocadapela artéria apresentava uma atividadesimpática acima do normal até mesmodurante o repouso.

Em outro achado,constatou-se quenão há diferença na atividade simpáticade indivíduos nos quais a artéria passalonge da região rostral ventrolateral dobulbo e aqueles em que a artéria apenasaparece encostada.Ou seja:o problemase concentra nos pacientes com defor-mação no tronco cerebral.Essa etapa foidescrita na tese de doutoramento deMauricio Sendeski,orientada por Eduar-do Krieger e pela médica Fernanda Mar-ciano Consolim-Colombo,e rendeu umartigo científico publicado em fevereirona revista Hypertension.

A descoberta da associação da com-pressão provocada pela artéria no siste-

ma nervoso e a hipertensão foi feitapor acaso por um neurocirurgião nor-te-americano,Peter Jannetta,então pro-fessor do Centro Médico da Universida-de de Pittsburgh,estado da Pensilvânia,que se especializara num tipo de micro-cirurgia para separar também na regiãodo tronco cerebral um vaso que com-prime o nervo facial e provoca dor oureflexos involuntários no rosto.

Teflon - Ao fazer essas cirurgias,eleobservou que algumas pessoas exibiamtambém a compressão da região rostroventrolateral da medula e que,entreelas,eram comuns os casos de hiper-tensão severa.Jannetta propôs um tra-tamento cirúrgico para o problema,que consiste em separar a artéria da re-gião e instalar entre elas um isolamen-to feito de teflon.O tratamento cirúrgi-co apresentou bons resultados em 50%dos casos,numa evidência de que,emparte significativa dos doentes,não écausa isolada da hipertensão.Desde en-tão,essa variável é considerada por mé-dicos que tratam da doença,mas nãose sabia qual era o grau de compressãoprovocado pelo vaso capaz de gerar oproblema.

Um dos méritos do trabalho daFMUSP foi, pela primeira vez,mostrarque apenas os casos de compressão gra-ve provocam a hipertensão severa.“Asdescobertas são importantes para iden-tificar,entre pacientes hipertensos comsinais de compressão neurovascular,osindivíduos que tenham atividade sim-pática alterada”,diz o médico EduardoKrieger.O próximo passo será mapearas lesões causadas em órgãos em pacien-tes que apresentam a compressão.Issopoderá abrir caminho para encontraros tratamentos mais adequados.A des-compressão cirúrgica é uma das possi-bilidades,desde que se comprove quehá uma indicação clara do problema.Outra possibilidade é o tratamento commedicamentos que atuam especifica-mente nessa área,e o uso de doses equantidades maiores de drogas anti-hi-pertensivas,uma vez que se sabe que oorganismo,por razões fisiológicas,é re-fratário a eles. •

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CIÊNCIA

ETOLOGIA

onhecido como bigodeiro, o sagüi aolado gosta de mandar. Na hora de comerpermanece a distância e deixa os outrossagüis do grupo procurarem frutos nacopa das árvores. Quando vê que en-contraram algo, imediatamente soltagritos agudos como um assobio e ex-pulsa os companheiros de perto, dei-xando claro quem é que dá as ordenspor ali. Esse comportamento de chefãoà italiana não vale apenas entre essesmacacos. Mesmo quando sai à procura

de comida com espécies menores, o capo também impõeaos outros sua superioridade... no grito. Mas a capacida-de de reconhecer o papel que cada animal desempenhaem seu grupo não é a única a reger a vida dessas duas es-pécies de micos. Após acompanhar diariamente durantequatro meses dois grupos de bigodeiros e dois de sagüis-de-cara-suja em um trecho de Floresta Amazônica emplena área urbana de Rio Branco, o primatólogo JúlioCésar Bicca-Marques, da Pontifícia Universidade Católi-ca do Rio Grande do Sul (PUC-RS), verificou que tão im-portante quanto saber quem é o manda-chuva é a capa-cidade de usar sinais disponíveis no ambiente paraencontrar comida. Associadas, essas habilidades ajuda-ram a moldar a inteligência desses macacos e de outrosprimatas – grupo de animais que inclui os seres huma-nos, embora não se possa transpor esses resultados dire-tamente para nossa espécie, sujeita a relações sociais maisintricadas e capaz de alterar o próprio ambiente.

Essa conclusão nasceu de duas idéias independentessobre o desenvolvimento do cérebro e da inteligência dosprimatas lançadas na década de 1970. Observando maca-cos africanos, a antropóloga Sue Taylor Parker concluiu

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Disputas sociais e capacidade de seorientar no ambientepara achar comidamoldaram o cérebrodos primatas

Opoderentre os macacos

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Como um chefão:bigodeiro espera subordinados acharemcomida para furtá-la em seguida

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em 1977 que a capacidade de lidar cominformações ambientais ou ecológicas,como encontrar o caminho de voltapara casa ou descobrir uma árvore comcomida, havia sido essencial para a so-brevivência dos primatas. Assim, ao lon-go de milhares de anos a natureza teriafavorecido a sobrevivência daqueles commaior habilidade de tirar proveito dessetipo de informação. Segundo esse racio-cínio, a necessidade cada vez maior de li-dar com informações ambientais teriaproporcionado o surgimento de cérebrosmais e mais volumosos – o dos sagüis,distantes 35 milhões de anos dos sereshumanos do ponto de vista evolutivo,tem aproximadamente 30 gramas, en-quanto o nosso, aproximadamente 40vezes maior, tem em média 1.350 gramas.

Articulação maquiavélica - Nem todosconcordavam. Em 1976 o psicólogo bri-tânico Nicholas Humphrey havia sugeri-do que o fator que teria conduzido a evo-lução do cérebro dos primatas seria deordem social. A natureza teria beneficia-do aqueles com habilidade de se relacio-nar com os outros membros do grupo –e mesmo de manipulá-los com o objeti-vo de manter o grupo coeso. SegundoHumphrey, essa habilidade estaria rela-cionada à capacidade de lidar com outracategoria de informação, conhecida co-mo social ou maquiavélica, em referên-cia ao pensador florentino Nicolau Ma-quiavel, que em 1513 descreveu na obraO príncipe as articulações políticas e so-ciais usadas pelos soberanos para pre-servar o poder. É essa categoria de infor-mação que um filhote de bigodeiro, oumesmo um adulto cara-suja, usa quan-do abandona um cajá ou ingá recém-descoberto e deixa o macho dominanterefestelar-se sozinho. Respeitadas as par-ticularidades de cada espécie, é uma de-cisão semelhante à de alguém que deixaum assaltante armado roubar seu carrosem esboçar reação porque sabe que sãomaiores as chances de não se ferir e con-seguir outro carro mais tarde.

Humphrey argumentava que os pri-matas têm de ser “seres calculistas”: de-vem ser capazes de avaliar as conseqüên-cias do seu próprio comportamento, docomportamento dos outros e do equilí-brio entre vantagens e perdas, decisõestomadas com base em informações nemsempre confiáveis. Supondo que essa te-nha sido a situação encontrada com

mais freqüência na natureza, essa habi-lidade ou inteligência teria sido a princi-pal força a modelar as transformaçõespor que passou o cérebro dos primatasdesde o surgimento desse grupo de ani-mais, há cerca de 50 milhões de anos.

or quase três décadasos apoiadores de umae outra hipótese cole-cionaram evidênciassem alcançar um con-senso. Agora, nessa sé-rie de experimentoscom os sagüis amazô-nicos, Bicca-Marqueschegou a uma conclu-são conciliadora. É im-possível determinar a

supremacia de uma forma de inteligên-cia sobre a outra: ambas são essenciaispara a sobrevivência dos micos. “Umaconseqüência da vida em grupo”, afir-ma Bicca-Marques, “é que os primatasdevem decidir sobre onde buscar comi-da levando em consideração a probabi-lidade de encontrar alimento em umdeterminado local, uma informaçãoambiental, aliada à possibilidade de teracesso à comida ou de compartilhá-lacom outros membros do grupo, umainformação social”.

Bicca-Marques começou a suspeitarde que esses fatores não atuaram isola-damente sobre o desenvolvimento docérebro durante a observação de comoesses macacos se comportam na horado lanche. Em 1993 ele demitiu-se doemprego no Ministério do Meio Ambi-ente, em Brasília, e instalou-se na Uni-versidade Federal do Acre (Ufac) paraestudar esses micos que conhecia ape-nas dos livros. Em paralelo, procurou oantropólogo norte-americano Paul Gar-ber, da Universidade de Illinois em Ur-bana, especialista no comportamentodesses sagüis, que o ajudou a planejaros experimentos que permitiram con-trolar o acesso dos macacos à comida.

Em uma área de 3 hectares do Par-que Zoobotânico da Ufac, Bicca-Mar-ques instalou estações de alimentaçãoem que era possível controlar as condi-ções em que os bigodeiros (Saguinus im-perator) e os sagüis-de-cara-suja (Sagui-nus fuscicollis) encontravam comida –cada estação era formada por oito ta-buleiros dispostos em um círculo de 10metros de diâmetro. A uns 15 passos de

cada estação montou uma torre de ob-servação semelhante a uma casa sobrepalafitas, de cujo interior era possível veros micos sem ser notado. De 22 de se-tembro de 1997 a 29 de janeiro de 1998,Bicca-Marques e três alunos de biologialevantaram-se todos os dias às três emeia da manhã e seguiam mata adentroaté as torres onde passavam, muitas ve-zes sob um calor de quase 40 graus, denove a dez horas sentados acompanhan-do as refeições dos sagüis. Em quase 4 milhoras de monitoramento, os macacos vi-sitaram as estações 1.294 vezes. Na maio-ria delas, cinco ou seis sagüis de umamesma espécie – S. imperator ou S. fusci-collis – apareciam para o lanche.

Durante os 120 dias de experimentoa equipe do primatólogo gaúcho prepa-rou simultaneamente nas quatro esta-ções testes nos quais os micos tinhamde aprender que as bananas estavamsempre nos mesmos tabuleiros – en-quanto os outros exibiam bananas deplástico – ou que um cubo amarelo ouum poste de madeira colorido indicavaa posição da comida. Os macacos se saí-ram bem no primeiro teste, mas apenasalguns integrantes dos grupos de bigo-deiros e caras-sujas descobriram que ocubo amarelo e o poste de madeira indi-cavam o tabuleiro com a banana. O fatode alguns sagüis não usarem esses sinaispara encontrar alimento não significaque não sejam capazes de fazer a associa-ção. Quando se analisam esses resulta-dos levando em consideração a espécie –S. imperator ou S. fuscicollis – e não cadaindivíduo do grupo, conclui-se que tan-to os bigodeiros quanto os caras-sujassabem lidar com informações ambien-tais para encontrar comida.

Perdas e ganhos - Mas foi o comporta-mento desses sagüis – quando chegavampara se alimentar em grupos de umaúnica espécie ou em grupos mistos –que revelou: realmente não é possívelseparar a influência da inteligência am-biental sobre o desenvolvimento do cé-rebro da influência da inteligência so-cial. Sempre que um dos dois bandosde bigodeiros aparecia para comer de-sacompanhado, o macho mais forte dogrupo – chamado de dominante ou alfa,uma espécie de capo – esperava seus su-balternos localizarem as bananas antesde se manifestar e tomar conta do queconsidera seu. É algo semelhante ao que

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P

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se passava nos grupos mistos. Apenasentre os sagüis-de-cara-suja o nível decolaboração era maior: com freqüênciatodos se empenhavam em procurar asbananas nos tabuleiros. Essa colabora-ção aparentemente injusta, a protocoo-peração, na verdade beneficia os doislados. Ganham os bigodeiros, que pou-pam energia enquanto seus subordina-dos procuram comida nas partes maisbaixas da mata, e ganham os caras-sujas,que aguardam a vez de comer os frutosencontrados pelos bigodeiros na copadas árvores ou capturam os insetos quedeles escapam e fogem para perto dosolo. Além disso, ambos se beneficiamcom a vigilância contra predadores rea-lizada por seus companheiros.

Outra peculiaridade da convivênciaentre essas duas espécies é que o peso decada tipo de informação parece variarde um momento para outro. “Esses pe-quenos primatas lidam com ambas asformas de informação alternadamenteao longo do dia”, afirma Bicca-Marques,que descreveu suas descobertas em umasérie de artigos, os mais recentes publi-cados no American Journal of Prima-tology, no International Journal of Pri-matology e no Journal of ComparativePsychology. Quando aprendem que de-terminado tabuleiro sempre contém umpedaço de banana, os subordinadosusam a informação ambiental para en-contrar a comida. Para os sagüis domi-nantes é a informação social que valequando usam sua posição hierárquicapara tomar o alimento encontrado pe-los outros, embora também saibam usarsinais ambientais. •

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Submisso, mas esperto: o sagüi-de-cara-sujaaprende a chegar à comida antes do mandão bigodeiro

RICARDO ZORZETTO

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CIÊNCIA

ANFÍBIOS

ormalmente elas são viscosas e con-sideradas um tanto repugnantes,mas não há como negar que sãomães abnegadas,ainda que nãopossam ver os filhotes.Pelo menosduas espécies de cobras-cegas – a Si-phonops annulatus, encontrada noBrasil,e a Boulengerula taitanus, doQuênia – deixam a prole roer-lhesas camadas mais superficiais dapele,que contêm uma secreção ricaem gorduras e proteínas durante asquatro ou cinco semanas em que se

dedicam aos cuidados maternais.A pele,cinza-es-cura antes da reprodução,torna-se então cinza-cla-ra e é reposta à medida que os herdeiros a devoram.Quando eles estão por perto,provavelmente paramde funcionar as glândulas de veneno,que se espalhampor toda a superfície do corpo alongado da mãe.

Essa forma de cuidar da cria não chama a atençãosó por ser exótica:é também importante do ponto devista evolutivo.Segundo Carlos Jared,biólogo doInstituto Butantan,esse comportamento das cobras-cegas que põem ovos emergiu há pelo menos 150milhões de anos,quando a América do Sul e a Áfricaformavam um único bloco continental,e talvez este-ja na base da evolução desse grupo de animais quecomeçou a surgir há cerca de 250 milhões de anos.Sómuito mais tarde é que devem ter aparecido as espé-cies de cobras-cegas vivíparas,cujos ovos se desen-volvem dentro do corpo da mãe – e os filhotes jánascem parecendo adultos.Antes de nascerem,os fi-lhotes se nutrem raspando com seus dentes pontia-gudos a parede do útero,que libera um suco nutriti-vo.“Comer o útero da mãe seria uma forma derivadade comportamento”, diz ele.

Não se trata,porém,de um artifício exclusivo dosanfíbios,a classe de animais a que pertencem as cobras-cegas,também chamadas de cecílias.Ainda hoje senota algo similar no ornitorrinco (Ornithorhynchusanatinus),possivelmente o mais estranho dos mamí-feros,com um bico chato como o de um pato,corpo

coberto de pêlos e quatro nadadeiras,que vive emrios e lagos da Austrália.Os filhotes do ornitorrinconascem de ovos e lambem o leite materno secretadopelos poros da pele da barriga das fêmeas,que nãotêm mamilos,diferentemente dos outros mamíferos.

“Notamos nessas cobras-cegas africana e brasilei-ra um comportamento de agregação muito interes-sante,já que as mães ficam enrodilhadas em voltados filhotes enquanto estão cuidando deles”,comen-ta Marta Antoniazzi,bióloga do Butantan.Um testebastante simples sugeriu que a secreção liberada pelapele,além de servir como alimento,pode conter fe-romônios capazes de atrair a prole.Os pesquisadoresafastaram da mãe os filhotes de poucos dias,muitoparecidos com minhocas cor-de-rosa,e observaram:em poucos segundos eles começaram a voltar em di-reção a ela, mesmo sendo completamente cegos.

No sul da Bahia - As cobras-cegas têm apenasolhos primitivos,também chamados de vestigiais.Os olhos ficam sob a pele e só distinguem o claro eo escuro,o que basta para indicar se é dia ou noitee se é possível sair com segurança dos túneis subter-râneos em que esses animais vivem.Dotadas tam-bém de tentáculos sensitivos,pequenas saliênciascom as quais tateiam os caminhos,as cerca de 180espécies de cecílias mundialmente conhecidas re-presentam as gimnofionas,uma das três ordens dosanfíbios,ao lado dos anuros (sapos,rãs e pererecas)e das salamandras.Parecem cobras ou minhocões,mas não erra quem as vir como sapos alongados sempatas que vivem,se acasalam e cuidam da prole emcanais e câmaras cavadas sob a terra.Às vezes po-dem também ser encontradas,solitárias ou com aprole,em outros ambientes escuros como tocos deárvore ou entre cascas de cacau que apodrecem den-tro da mata,em meio a insetos e minhocas,seus ali-mentos prediletos.

Foi em um desses amontoados de cascas podres,os chamados casqueiros,em mais uma das expedi-ções à Mata Atlântica entre Ilhéus e Itabuna,no sulda Bahia,que o grupo liderado por Jared e Marta

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Apelecomo alimento

N

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tou seu achado com Mark Wilkinson,especialista em anfíbios do Museu deHistória Natural de Londres com quemjá havia trabalhado. Wilkinson tambémficou intrigado e escreveu para RonaldNussbaum, especialista em gimnofionasque trabalha na Universidade de Michi-

gan, Estados Unidos. Nussbaum,que já sabia que em algumas

cobras-cegas os filhotesraspavam o útero damãe, propôs aos cole-gas que a cobra-cegaovípara poderia apre-sentar um comporta-

mento semelhante, comos filhotes se nutrindo da

pele da mãe.Estabelecida uma hipótese, os

biólogos começaram a trabalhar paracaracterizar o que parecia um tipo de

Filhotes de cobra-cega se nutrem com secreçãoe epiderme da mãe

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comportamento maternal que aindanão havia sido descrito. A descrição des-se mecanismo, incluindo as transforma-ções na pele e a identificação da compo-sição preliminar da secreção, que deveser bastante nutritiva, já que os filhotescrescem em torno de 1 milímetro pordia, mobilizou também Hartmut Gre-ven, da Universidade de Düsseldorf,Alemanha, e outros dois biólogos doMuseu de História Natural de Londres,Alexander Kupfer e Hendrik Muller, li-gado também à Universidade de Leiden,da Holanda. Eles já combinaram voltaràs matas úmidas do sul da Bahia no fi-nal deste ano para colher amostras de se-creção e observar o comportamento dacobra-cega brasileira desde o nascimen-to dos filhotes. •

encontrou em 1993 a espécie Siphonopsannulatus com a pele mais clara que ohabitual. Começou então uma articula-ção científica que terminou no dia 13do mês passado, quando saiu na revistacientífica Nature um artigo em que sedescrevem pela primeira vez os cuida-dos maternais da espécie afri-cana, adotada comomodelo de estudoporque já era maisconhecida que abrasileira. A Sipho-nops pode atingir40 centímetros decomprimento, en-quanto a Boulengeru-la taitanus chega no máxi-mo à metade e é mais fina.

Intrigado com a mudança de corda espécie brasileira, Jared comen- CARLOS FIORAVANTI

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CIÊNCIA

RÉPTEIS

inha intuição diz quea mais antiga é umaespécie terrestre,da-quelas que chama-mos de fossorial,poispassa a maior partedo tempo escondidadebaixo de pedras ou

rastejando por túneis.”Foi com essa sus-peita que Hussam Zaher,pesquisadordo Museu de Zoologia da Universidadede São Paulo,encerrou a entrevista con-cedida a esta revista em julho de 2002.Zaher falava sobre a origem das serpen-tes.Naquela época,o debate sobre otema era intenso e acalorado.A disputa,travada por meio de artigos científicos,colocava duas equipes e interpretaçõesem pólos opostos.

O canadense Michael Caldwell e oaustraliano Michael Lee garantiam:ascobras haviam surgido em ambientemarinho.Zaher torcia o nariz e contes-tava:mesmo em tempos remotos,eramanimais que viviam em terra firme.Nosquatro anos seguintes poucas novida-des surgiram e a discussão esfriou,em-bora os dois lados não arredassem péde seus argumentos.Agora,em um ar-tigo publicado no mês passado na Na-ture, Zaher descreve um fóssil encontra-do em 2002 na província de Rio Negro,sul da Argentina,que reacende a polê-mica e fortalece a suspeita da origem

terrestre das cobras.Trata-se de um ani-mal com patas,de 1 metro de compri-mento,que viveu há 90 milhões deanos.“É a serpente mais primitiva queconhecemos”,afirma Zaher.“Ela tem ca-racterísticas de uma espécie primitiva efossorial e foi retirada de uma área desedimentos continentais.São elementosque confirmam a origem terrestre e des-cartam o ambiente marinho.”

O fóssil,em ótimo estado de conser-vação e quase completo,foi descobertopela equipe do paleontólogo argentinoSebastián Apesteguía,do Museu Argen-tino de Ciências Naturais BernardinoRivadavia,que imediatamente convi-dou Zaher a participar da descrição doanimal.O trabalho começou na Argen-tina e terminou no Brasil.Atentos aosmínimos detalhes e analisando cada mi-límetro de dezenas de minúsculos os-sos,os pesquisadores não demoraram aencontrar o segredo guardado pela novaespécie.A serpente apresenta,de formaevidente e definida,duas vértebras sa-crais – localizadas na região da pélvis doanimal,são as responsáveis pela fixaçãoe sustentação das patas posteriores,quetêm cerca de 20 milímetros.“Essa é umacaracterística inusitada,que não existeem nenhuma outra das espécies atuaisnem nas serpentes com patasdescritasaté então”,diz ele.“Essa é a mais primi-tiva das serpentes já descobertas.”Há

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Fóssil encontrado na Argentinafortalece a hipótese sobre a origem terrestre das cobras

As patas da serpente

M‘evidências de que a musculatura das pa-tas seria bastante desenvolvida,o queindica que esses órgãos seriam usadosde forma intensa e constante,auxilian-do, por exemplo, na locomoção.

A análise da região posterior do crâ-nio revela uma mandíbula curta,que li-mitaria os movimentos e indica a inca-pacidade de ingerir grandes presas.“Nesse sentido,guarda semelhançascom as Aniloideas e da cobra fóssil Di-nilysia, dois grupos que estão próximosda base do ramo evolutivo das serpen-tes”, compara Zaher.Com escamasamarronzadas e anéis em tom quase ne-gro em uma reconstituição artística,amãe de todas as serpentes foi chamadade Najash rionegrina.O pr imeiro nomefaz referência ao animal bíblico que te-ria habitado o Jardim do Éden e seduzi-do Adão e Eva;o segundo homenageia aregião onde o fóssil foi encontrado.

A cobra de Israel - A polêmica sobrea origem das serpentes remonta ao sé-culo 19,quando o paleontólogo norte-americano Edward Drinker Cope apre-sentou,pela primeira vez,a idéia deque esses animais teriam surgido emambiente marinho e seriam os sucesso-res dos mosassauros,grandes lagartosjá extintos,que também habitavam osmares.Essa tese foi retomada comgrande repercussão em 1997,quando

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de serpentes”, diz. “Nas duas espécies,além de as patas serem acessórias e nãofuncionais, as vértebras sacrais já estãoincorporadas ao tórax, outra evidênciade evolução mais recente.”

A descoberta e descrição da Najashrepresentam, ao menos momentanea-mente, a solução do embate científico. Amãe das serpentes junta-se a uma sériede outros ancestrais anunciados recen-temente: no início de abril, Tiktaalik ro-seae, um peixe com patas descobertopor paleontólogos norte-americanosem uma ilha do Canadá, tornou-se co-nhecido do grande público. Em 2003,pesquisadores chineses já haviam en-contrado fósseis de dinossauros comasas, que podem corresponder aos pa-rentes mais antigos das aves atuais. Se-gundo Zaher, o esforço dos paleontólo-gos e o conhecimento mais detalhadode bacias sedimentares argentinas, chi-nesas e canadenses são alguns dos prin-cipais responsáveis por alimentar o de-bate sobre a origem dos grandes gruposde animais, ajudando a preencher lacu-nas e a construir de forma mais precisaa história das linhagens no tempo. Za-her sabe que a descrição da serpentemais primitiva conhecida até agora rea-cende o antigo debate. “Estamos aguar-dando as reações.” •

Caldwell e Lee publicaram na Natureum artigo onde descreviam a Pachyr-hachis problematicus, uma serpentecom patas posteriores e cerca de 95 mi-lhões de anos, encontrada no sítio ar-queológico de Ein Yabrud, em Israel –área formada por sedimentos mari-nhos. Os dois pesquisadores garantiam:era o elo perdido entre os mosassaurose as atuais serpentes. Ao ler o artigo, Za-her não se deu por convencido. “Noteiuma série de imprecisões”, lembra.

Uma resposta mais consistente sópôde ser apresentada dois anos depois,quando o brasileiro, em parceria comOlivier Rieppel, curador de fósseis doField Museum de Chicago, Estados Uni-dos, teve acesso a uma cópia fiel de um FRANCISCO BICUDO

outro fóssil de cobra com patas – quemais tarde seria chamada de Haasiophisterrasanctus –, encontrado na mesmaregião de Israel. A descrição do animal,publicada pela Science em 2000, mos-trava, no crânio, dentição especializadano céu da boca e mobilidade da mandí-bula. Para Zaher, essas são característicasde um grupo de cobras atuais, as ma-crostomatas, que incluem a jibóia (Boaconstrictor) e a cascavel (Crotalus duris-sus).“Mostramos que tanto a Pachyrha-chis quanto a Haasiophis não poderiamser consideradas as cobras mais primiti-vas conhecidas, na base da árvore evolu-tiva das serpentes, pois estavam muitomais próximas das macrostomatas, queformam uma linhagem mais moderna

A Najash rionegrina: reacendendo um debate que começou no século 19

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CIÊNCIA

FÍSICA

ma pequena bru-xaria de outromundo, concebi-da e executadapor físicos nacio-nais, apoderou-sede três páginas darevista britânica

Nature de 20 abril passado. Chefiadapor Luiz Davidovich e Paulo HenriqueSouto Ribeiro, uma equipe de pesquisa-dores da Universidade Federal do RioJaneiro (UFRJ), com o auxílio teóricode colegas do Instituto Max-Planck deDresden, publicou um artigo no reno-mado periódico científico dando contado que dizem ser a primeira mediçãodireta de uma estranha propriedade douniverso quântico: o emaranhamento ouentrelaçamento de átomos ou partícu-las. Essa propriedade, que Albert Eins-tein descrevia como tendo uma “fantas-magórica ação a distância”, talvez seja aassinatura mais característica da mecâ-

nica quântica quando confrontada coma física clássica – compreendê-la e, sepossível, dominá-la é uma etapa im-prescindível para o estabelecimento dacriptografia e do computador quânti-cos, uma idéia que ganhou força a par-tir dos anos 1990. Isso porque partículasentrelaçadas parecem ser capazes deprocessar e transmitir informações commuito mais eficiência que um chip con-vencional.

No caso do experimento feito noLaboratório de Ótica Quântica do Ins-tituto de Física da UFRJ, os cientistascriaram um sistema no qual geraramdois pares de fótons, partículas de luz,a partir da emissão de um feixe de lasersobre um cristal. Em seguida, determi-naram a quantidade de entrelaçamen-to no sistema por meio de uma únicamedição das propriedades físicas deduas partículas, realizada sobre um dosfótons de cada par. Normalmente, osfísicos quânticos realizam várias medi-

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Os fantasmas dos fótons

das e, em seguida, fazem cálculos paradeterminar a quantidade de emaranha-mento de um conjunto de partículas.Mas os pesquisadores brasileiros acre-ditam ter desenvolvido uma formamais simples e eficaz de atingir esse ob-jetivo: mediram a polarização (direçãodas vibrações do campo elétrico da luz,por exemplo, vertical ou horizontal) eo momento (relacionado com a dire-ção de propagação, se à direita ou à es-querda) dos corpúsculos de luz e esta-beleceram uma associação entre essesparâmetros e a quantidade de emara-nhamento presente nas duplas de fó-tons. “Determinar a quantidade deemaranhamento e entender as impli-cações físicas desse fenômeno é um dosmaiores desafios da física quântica”,afirma Davidovich. Do ponto de vistaprático, níveis elevados de entrelaça-mento seriam necessários para botarem funcionamento os futurísticos PCsquânticos.

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Pesquisadores brasileiros medemo emaranhamento de partículasde luz, passo importante da pesquisarumo ao computador quântico

sa. Se os físicos determinam que umadessas partículas de luz vibra na posi-ção vertical, a outra, sua parceira noconjunto quântico, só pode oscilar nahorizontal. Mas, no mundo estranhoda física quântica, a polarização do se-gundo fóton só pode ser bem determi-nada após a medição desse parâmetrofísico na primeira partícula de luz.“Nesse sistema, sabemos de antemãoque a polarização de um fóton é per-pendicular à do outro, mas a de cadafóton individualmente é completa-mente indeterminada”, diz o físico Ste-phen Patrick Walborn, estagiário depós-doutorado na universidade cariocae principal condutor do experimentorealizado no Laboratório de ÓticaQuântica da UFRJ, uma das treze insti-tuições nacionais de pesquisa que fa-zem parte do Instituto do Milênio deInformação Quântica, iniciativa patro-cinada pelo Ministério da Ciência eTecnologia (MCT). •

Mas o que é exatamente esse tal deemaranhamento? Formulado teorica-mente na década de 1930 e comprovadoexperimentalmente nos anos 1960, éum fenômeno com um quê de mistériopara as pessoas acostumadas com as leisda física newtoniana, ou seja, a maioriados mortais. De acordo com o conceitode entrelaçamento, as propriedades deduas ou mais partículas emaranhadas(átomos, elétrons, fótons etc.) só podemser conhecidas na medida em que elas,as partículas, formam um conjunto, noqual medidas realizadas sobre uma dascomponentes do sistema altera o estadoda outra independentemente de sua lo-calização no espaço. Independentemen-te de as partículas estarem praticamen-te coladas ou separadas por milhares dequilômetros. Daí o tal de efeito quasesobrenatural ao qual Einstein alude aodescrever o entrelaçamento quântico.

Posto dessa forma, o complicadoconceito de emaranhamento quântico

dá um nó na cabeça das pessoas. Paraentendê-lo, em vez de pensar em fótonse partículas, é mais didático imaginarum sistema composto de dois dados.Por estarem entrelaçados, quando joga-dos, ainda que um esteja no Brasil e ooutro no Japão, os dados dão sempre omesmo resultado: a soma de seus valo-res é, por exemplo, oito. Esse parâmetrofinal do exótico sistema é conhecido, fa-cilmente mensurável, mas não se sabequal combinação numérica (quatro equatro, cinco e três, seis e dois) levou aesse resultado. Nesse caso, quando sedescobre finalmente o valor de um dosdados, o enigma em relação ao outrotambém desaparece.

Polarização perpendicular - Com ospares de fótons da experiência realizadana UFRJ, que estão emaranhados emrelação a dois parâmetros físicos (a po-larização e a direção de propagação),acontece mais ou menos a mesma coi-

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■ Negócios

Gestão ambiental

José Carlos Teixeira e Jair de Souza Manfri-nato,da Universidade Estadual Paulista (Unesp),e Marcos Schaaf,da Universidade Estadual deCampinas (Unicamp),decidiram analisar a re-lação entre gestão tecnológica e ambiental emempresas de manufatura.O estudo aplicouuma série de questionários em dezenas de cor-porações de porte pequeno e médio.A análisedesses documentos evidenciou uma série deobstáculos encontrados pelos empresários.“Pode-se dizer que as maiores dificuldades emgestão ambiental estão nas empresas de me-nor nível de capacidade tecnológica,as quaisnão têm habilidade de interferir nas microtec-nologias de produtos e de processos,tanto paraas tecnologias principais como para as tecnolo-gias complementares”,concluem os cientistas.Na maioria das 78 empresas pesquisadas foiverificada correlação positiva entre os níveistecnológico e ambiental,com incorporação dadimensão meio ambiente dentro das ativida-des das organizações.

PRODUÇÃO – VOL.15 – Nº 2 – SÃO PAULO –MAIO/AGO. 2005

www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-65132005000200006&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

■ Saúde

Independência da nicotina

A cada ano,o tabagismo mata cerca de 5 mi-lhões de pessoas em todo o mundo e esse nú-mero tende a crescer ainda mais.Apenas noBrasil,são 200 mil óbitos.O estudo “Tratamen-to farmacológico do tabagismo”,de GuilhermeFocchi e Ivan Braun,pesquisadores do GrupoInterdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas,do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medi-cina da Universidade de São Paulo,mostra a im-portância da farmacoterapia no tratamento dadependência de nicotina.Além de uma revisãodas principais terapias farmacológicas usadasatualmente,o artigo analisa combinações de di-

Biblioteca de Revistas Científicas disponível na internetwww.scielo.org

O diretor daBireme/OPAS/OMS e coordenador da RedeSciELO, Abel Packer, e Hussam Zaher, do Museu de Zoologia daUniversidade de SãoPaulo, lançaram a proposta do projeto decriação de uma coleçãoSciELO Biodiversidade de periódicos científicos em acesso aberto, de um repositório de artigos em acessoaberto e de uma coleçãodigital de preservação de obras raras em biodiversidade. A proposta foi divulgadadurante a Conferência das Partes da Convençãosobre DiversidadeBiológica, realizada emCuritiba, em março. O projeto propõe a criação do espaço SciELOBiodiversidade, integradoà Rede SciELO, com o objetivo de promover o aumento da visibilidade,acessibilidade, uso e impacto da informaçãocientífica em biodiversidade no Brasil e no exterior.

Notícias

ferentes produtosusados para re-posição de nico-tina. “Estratégiase d u c a c i o n a i smostraram-se in-suficientes paramudar compor-tamentos relacio-nados ao hábitode fumar”,afir-mam os autores.Por conta disso,aidentificação dadependência de nicotina,como transtorno psi-quiátrico,levou ao desenvolvimento,sobretu-do nas duas últimas décadas,de terapias farma-cológicas para a doença.Isso fez com que aimportância dos medicamentos no tratamentodo tabagismo crescesse progressivamente.Decoadjuvantes da terapia cognitivo-comporta-mental,os diferentes fármacos passaram a terpapel central na abordagem da maioria dos pa-cientes.O artigo mostra que atualmente existeuma série de tratamentos eficazes para o taba-gismo e que os especialistas recomendam o em-prego de medicamentos para todo paciente queesteja tentando parar de fumar.

REVISTA DE PSIQUIATRIA CLÍNICA – VOL. 32 – Nº 5 –SÃO PAULO – SET./OUT. 2005

www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-60832005000500003&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

■ Esporte

Atletas especiais

A fraqueza muscular,a assimetria de forças eo desequilíbrio entre músculos são fatores derisco para lesão dos joelhos.Jogadores de fute-bol portadores de paralisia cerebral (PC),possi-velmente,apresentam estes fatores de riscoexacerbados em decorrência da doença e do es-porte.O artigo “Força muscular isocinética dejogadores de futebol da seleção paraolímpicabrasileira de portadores de paralisia cerebral”analisou 21 futebolistas paraolímpicos,subme-tidos à avaliação dos músculos flexores e exten-

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sores dos joelhos. O estudo é assinado por Marília dosSantos Andrade, Anna Maria Fleury e Antônio Carlosda Silva, pesquisadores do Departamento de Fisiologiada Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).“A pa-ralisia cerebral pode ser definida como uma doençanão progressiva que afeta o desenvolvimento do siste-ma nervoso central. A atividade física tem sido prescri-ta para indivíduos portadores de paralisia cerebral como objetivo de reduzir e, eventualmente, até reverter al-guns prejuízos musculares”, explicam os autores. Se-gundo o estudo, como os jogadores de futebol portado-res de PC apresentam fatores de risco para lesão dosjoelhos, um programa de avaliação e fortalecimentomuscular deve ser indicado para esta população.“Fute-bolistas com paralisia cerebral, mesmo que altamentetreinados, podem apresentar risco elevado de lesõestraumáticas ou por esforços repetitivos da articulaçãodo joelho”, revela o estudo. Recomenda-se, portanto,que os atletas sejam submetidos a programas de forta-lecimento muscular, independentemente do estágio detreinamento.

REVISTA BRASILEIRA DE MEDICINA DO ESPORTE – VOL. 11 –Nº 5 – NITERÓI – SET./OUT. 2005

www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-86922005000500007&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

■ História

Biblioteca sem paredes

Analisar o processo de criação do Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências daSaúde (Bireme) com base nos contextos social, políticoe econômico. Essa é a proposta de Márcia Regina da Sil-va e Dante Gallian, da Universidade Federal de São Pau-lo, e Luis Ferla, da Fundação Armando Álvares Pentea-do, autores do estudo “Uma biblioteca sem paredes:história da criação da Bireme”. A criação da BibliotecaRegional de Medicina, para os autores, é um exercícioduplamente significativo, uma vez que permite com-preender parte da história da saúde e da educação mé-dica no Brasil e também parte dos processos de conso-lidação e expansão da própria OrganizaçãoPanamericana da Saúde (Opas). O artigo resgata umasérie de documentos e depoimentos referenciais paradiscutir as questões envolvidas na implantação da entãoBireme, iniciativa que teve grande influência no âmbi-to da integração cultural e científica latino-americanano campo das ciências da saúde. O nome BibliotecaRegional de Medicina inspirava-se no da instituiçãomodelo, National Library of Medicine, e reafirmava aambição da instituição em tornar-se um centro de refe-rência para toda a América Latina. Em 1982, a bibliote-ca passou a ser denominada Centro Latino-Americanoe do Caribe de Informação em Ciências da Saúde, massua sigla persistiu. A Bireme foi fundada em 3 de mar-ço de 1967, por meio de convênio firmado entre aOpas, Escola Paulista de Medicina e os ministérios da

Educação, Cultura eda Saúde do Brasil.Segundo o artigo,apesar de ser umacordo conjunto entrediferentes entidades, odestaque maior nacondução do projetoe do planejamento da Bireme coube à própria Opas, emconcordância com as diretrizes de trabalho que a orga-nização passou a assumir no período posterior à Se-gunda Guerra Mundial. “As mudanças decorrentes daguerra, e suas conseqüências no âmbito do pensamen-to, da cultura e da tecnologia, influenciaram fortemen-te o universo das ciências da saúde, repercutindo prin-cipalmente no campo das políticas sanitárias”, escrevemos autores. A escolha do Brasil como sede da Biremepode ser avaliada, entre outros motivos, sob a perspec-tiva do crescimento do ensino de medicina no país e dacomparação deste com o conjunto dos países da Amé-rica Latina. Nos anos 1960, 44% das escolas médicas la-tino-americanas estavam sediadas no Brasil.

HISTÓRIA, CIÊNCIAS, SAÚDE-MANGUINHOS – VOL. 13 – Nº 1 – RIO DE JANEIRO – JAN./MAR. 2006

www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702006000100006&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

■ Literatura

Construção de sentidos

O artigo “Leitor e leituras: considerações sobre gê-neros textuais e construção de sentidos”, de SandraFerreira e Maria da Graça Dias, da Universidade Fe-deral de Pernambuco, define a leitura como uma ati-vidade de construção de sentidos que implica umarelação dinâmica entre leitor e texto. “A leitura variade acordo com o leitor e seus objetivos, concebendo-a como uma atividade afetivo-cognitiva e como prá-tica social”, dizem as autoras. Os conceitos de texto,contexto e gênero textual são discutidos, enfatizandoa idéia de que o sentido se constitui na relação dialé-tica entre autor, texto, leitor e contexto.“Essa relaçãofavorece uma multiplicidade de sentidos e, ao mesmotempo, delimita as possibilidades desta variação, de-terminando o jogo do implícito e do explícito”, con-tam. Para as pesquisadoras, ao mesmo tempo que oleitor precisa compartilhar dos sentidos construídospelo autor, ele precisa também ser capaz de construiros seus próprios sentidos, que serão constituídos eorientados pelas suas vivências, experiências e co-nhecimentos.

PSICOLOGIA: REFLEXÃO E CRÍTICA – VOL. 18 – Nº 3 – PORTO

ALEGRE – SET./DEZ. 2005

www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-79722005000300005&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

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TECNOLOGIA

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■ Banda largainterplanetária

Cientistas do Instituto de Tec-nologia de Massachusetts(MIT) desenvolveram um pe-queno detector de luz quepode vir a ser a versão espa-cial de uma espécie de cone-xão a jato entre a Terra e ou-tros planetas. Com essa bandalarga celestial, que usa o mes-mo comprimento de ondaatualmente empregado pelasfibras ópticas para receber etransmitir seus sinais, o envio

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ção

de fotos e vídeos coloridos setornaria muito mais rápido.“Hoje, usando a tecnologiasem fio das freqüências de rá-dio, demoramos horas parareceber informação científicarelevante de Marte”, diz KarlBerggren, do MIT, inventordo novo sistema (em artigo naMIT Tech Talk).“Mas um linkóptico entre a Terra e o espaçopode ser milhares de vezesmais rápido.” O detector, queconta com nanofios que secomportam como supercon-dutores a temperaturas próxi-

mas do zero absoluto, podecaptar sinais extremamentetênues, inclusive a presença deum único fóton, a unidademais básica de luz. •

■ Supercola debactéria

A cola que a bactéria Caulo-bacter crescentus, encontradaem rios, córregos e galerias,produz para se agarrar a tu-bulações e cascos de naviosestá sendo considerada o maisforte adesivo natural conheci-

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Ao atingir o preço interna-cional de US$ 70,00, o bar-ril de petróleo apressounovas decisões em todo omundo no sentido de am-pliar o uso de combustíveisrenováveis. Países como In-donésia, Suécia e Chinaanunciaram unidades pro-dutoras de biodiesel emseus territórios. A partir de2008, a Indonésia vai pro-duzir entre 60 e 100 mil to-neladas de biodiesel deóleo de palma. Inicialmen-te, ele vai substituir o dieselusado em indústrias. A em-presa química sueca Pers-torp Oxo vai produzir, a

partir do final de 2007, bio-diesel com um compostoquímico chamado de Es-terfip-H produzido comuma mistura de óleos ve-getais de soja, girassol e ou-tras plantas. Na China, ain-da sem uma definição deplanta e de datas, seráconstruída uma unidadede produção de biodieselna cidade de Pequim. Paraisso, uma enorme parceriaestá sendo montada comfinanciamento do AsiaProEco, programa da Co-missão Européia. Estão naempreitada as universida-des de Jaen e de Córdoba,

da Espanha, o Instituto deBiocombustíveis da Áus-tria, a Universidade de Mi-lão, da Itália, a Universida-de Malaia, da Malásia, e aUniversidade de Tianjin, daChina. Pesquisadores ale-mães e do Vietnã tambémserão incorporados ao pro-jeto. Na onda dos biocom-bustíveis, a Rússia tambémanunciou em abril a cons-trução de uma usina de eta-nol com capacidade para300 milhões de litros anu-ais produzidos a partir detrigo para ração. A produ-ção será destinada à UniãoEuropéia. •

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Biodiesel cresce no mundo

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do pela ciência. Um dos pri-meiros microorganismos aaparecer em materiais sub-mersos em água, resistente atémesmo a jatos de água de altapressão, a bactéria é tão forteque é capaz de resistir, sem sedesprender, a uma força equi-valente ao peso de quatro car-ros pendurados. Se for en-contrado um caminho paraproduzir em larga escala omaterial, ele poderá ser usadoem colas cirúrgicas mais efi-cazes que as atuais, principal-mente considerando que oadesivo da bactéria atua combastante eficiência em super-fícies molhadas. Além da me-dicina, ela também seria degrande utilidade na tecnolo-gia marinha e em outras apli-cações. A força de adesão daC. crescentus foi calculada porpesquisadores das universida-des de Brown e Indiana, nosEstados Unidos, por meio deuma técnica de micromani-pulação. O resultado do testede adesão entre a bactéria eum substrato utilizado foi su-perior a 68 newtons (N) pormilímetro quadrado. Os su-peradesivos comerciais ficamna faixa dos 25 N por mm. •

■ Nanopele flexível

Um novo processo para fa-bricar uma nanopele flexívele condutora, indicada paraaplicações que vão desde opapel eletrônico até sensorespara detecção de agentes quí-micos e biológicos, foi desen-volvido por uma equipe depesquisadores do InstitutoPolitécnico de Rensselaer, deNova York, nos Estados Uni-dos. O material combina aforça e a condutividade dosnanotubos de carbono (folhasenroladas de átomos de car-bono) com a flexibilidade dospolímeros tradicionais. A

Lentes bifocais do futuro

Todos aqueles que passamdos 40 anos de idade sentemdificuldade em enxergar acurta distância. É a presbio-pia ou “vista cansada”. Paraquem é míope (dificuldadeem enxergar de longe) e usaóculos, a situação se com-plica com a necessidade delentes bifocais. É preciso fo-car cada parte da lente paraver algo a curta, média oulonga distância. Um proble-ma que começa a ser resol-vido com um protótipo ela-borado por pesquisadoresda Universidade do Arizonae do Instituto de Tecnologiada Geórgia, nos EstadosUnidos. Eles desenvolveramuma camada de cristal lí-quido entre duas lentes devidro que ajustam o foco de

acordo com a vontade dousuário. A mudança é feitapor meio de um pequenobotão (on/off) que altera avoltagem da corrente elétri-ca das lentes (existem eletro-dos ligados a uma pequenabateria), de 1,8 volt, alteran-do as moléculas do cristal lí-

quido. Em off, a visão é paralonge, em on, para perto. Oestudo foi realizado entre oinstituto e a universidadeem parceria com a empresaJohnson & Johnson, que fi-nanciou a pesquisa e já li-cenciou três patentes relati-vas aos novos óculos. •

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A pois serem preenchidos comum polímero. Quando o polí-mero endurece, é retirado daplataforma, resultando emuma pele flexível com os ar-ranjos organizados de nano-tubos incrustados nela. As pe-les podem dobrar-se ouenrolar-se como um pergami-nho, mantendo sua capacida-de de conduzir a eletricidade,o que torna esses materiaisideais para servir como papeleletrônico ou outros produtoseletrônicos flexíveis. O mes-mo processo pode ser empre-gado ainda para muitas ou-tras aplicações, desdeestruturas de adesivos simila-res ao velcro a materiais paraa interconexão dos nanotubosna eletrônica. Os pesquisado-res também estudam usar atécnica para fabricar detecto-res de gases e sensores de pres-são miniaturizados. •

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Cola com altopoder de

adesãoproduzida

por umabactéria

grande dificuldade encontra-da até então para juntar osdois materiais foi transpostacom a adoção de um novo

procedimento que permite fa-zer com que os arranjos denanotubos cresçam em umaplataforma rígida para só de-

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■ Laboratório parao agronegócio

Biossensores aplicados a con-trole de qualidade, certificaçãode alimentos, caracterização esíntese de novos materiais, fil-mes finos e superfícies para afabricação de embalagens in-teligentes, compósitos e fibraspara o desenvolvimento demateriais usando produtosnaturais como fibras de sisal,nanopartículas para liberaçãocontrolada de nutrientes epesticidas em solos e plantassão algumas linhas de pesqui-sa que serão desenvolvidas noLaboratório Nacional de Na-notecnologia para o Agrone-gócio (LNNA), inauguradoem abril. Foram destinadosR$ 4 milhões para o laborató-rio, vinculado à Embrapa Ins-trumentação Agropecuária,

gócio brasileiro. Além das ati-vidades de pesquisa, o labora-tório também prestará servi-ços para instituições públicase empresas. •

■ Corte da canano computador

O uso de redes neurais artifi-ciais para a colheita de cana-de-açúcar é uma possibilidadeque poderá ajudar muito osagricultores no momento docorte. Se ocorrer na hora cer-ta, a colheita da cana poderender mais sacarose e, conse-qüentemente, mais álcool ouaçúcar. A nova perspectivaestá num estudo, que está emfase final de elaboração naUniversidade de Pernambuco(UPE), coordenado pelo pro-fessor Fernando Buarque deLima Neto, da Escola Politéc-nica. “A decisão de colheitanão é uma tarefa fácil, porquemuitos fatores estão envolvi-

unidade da Empresa Brasilei-ra de Pesquisa Agropecuáriasediada na cidade de São Car-los, em São Paulo, com o ob-jetivo de fortalecer o agrone-

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ção Invenções na agricultura

Um amplo levantamento rea-lizado no estado do Paranáencontrou 168 invenções deagricultores, pequenos fabri-cantes e ferreiros para solu-cionar dificuldades encontra-das nas atividades agrícolas.O estudo foi realizado numaparceria entre o InstitutoAgronômico do Paraná (Ia-par) e o Instituto Paranaen-se de Desenvolvimento Eco-nômico e Social (Ipardes),financiado pela Secretaria de

Ciência, Tecnologia e EnsinoSuperior (Seti). Segundo ocoordenador do projeto, asinvenções buscam aumentara produtividade da explora-ção agropecuária ou dimi-nuir o esforço ou o descon-forto do trabalho. Algumasaliam os dois objetivos e tra-zem o baixo custo como ou-tra característica. Uma dasinovações é um sistema delimpeza de barracões de bi-cho-da-seda, coletado na ci-

dade de Nova Esperança, quefacilita a retirada de resíduose diminui o trabalho de doisdias para quatro horas. Ou-tro produto é um escarifica-dor para preparo do solo fei-to de cilindros de madeira epregos. Das 168 inovações,54 foram escolhidas como deamplo interesse para a agri-cultura familiar e as suasdescrições estão disponíveisnos sites www.iapar.br ewww.ipardes.gov.br •

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Maquete do novo laboratório da Embrapa em São Carlos

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dos, como o clima e a umida-de. Às vezes o lote não estátodo maduro”, diz Lima Neto.“Nós estamos desenvolvendouma aplicação computacio-nal que leva em conta indica-dores como sacarose, fibras ea tonelada de cana por hecta-re, que ajuda na decisão decolheita.” O objetivo dos pes-quisadores agora é tornar osoftware disponível para seroperado em um palmtop parauso dos encarregados respon-sáveis pelas frentes de corte. •

■ Nanotecnologia em detalhes

O universo da nanotecnolo-gia traduzido para estudantese interessados em geral. Essa éa proposta do DVD Nanotec-nologia: futuro, lançado nodia 13 de abril na Universida-de Federal de São Carlos(UFSCar). Com 14 minutosde duração, o documentário éo primeiro de uma série decinco que, além de mostrar osaspectos históricos da nano-tecnologia, vai apresentartodo o processo evolutivo edivulgar as principais pesqui-sas em desenvolvimento naárea. Entre os assuntos trata-dos na série estarão temas co-mo cosméticos, energia, na-nofios, nanofitas, nanotubose a influência da nanotecnolo-gia na elaboração de produtose processos que beneficiam asociedade. No documentárioé possível compreender porque uma extensão tão pe-quena como 1 nanômetro, quecorresponde a 1 bilionésimode metro, tem despertado ointeresse tanto de pesquisa-dores como de empresáriosno mundo todo. Produzidoem parceria entre o CentroMultidisciplinar para o De-senvolvimento de MateriaisCerâmicos, um dos dez Cen-tros de Pesquisa, Inovação e

Difusão (Cepid) da FAPESP, ea Oz Produtora, o DVD serádistribuído em escolas da redepública de ensino médio efundamental da região deAraraquara e São Carlos, nointerior de São Paulo, e tam-bém a órgãos federais, esta-duais e municipais da área deciência e tecnologia, além deentidades empresariais. •

■ Análise rápidae econômica

Um novo método de análiseda qualidade de combustíveisutiliza um único equipamen-to, o cromatógrafo gasoso, pa-ra avaliar parâmetros comocor do combustível, teor de ál-cool, densidade, destilação,octanagem e composição dagasolina, resultando em eco-nomia de tempo e de pessoasnecessárias para realizar a ta-refa de avaliar vestígios de adul-teração. A eficácia da técnica,

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com 95% de segurança nos re-sultados, está descrita no tra-balho de mestrado de DaniloLuiz Flumignan, do Institutode Química da UniversidadeEstadual Paulista (Unesp) deAraraquara, orientado peloprofessor José Eduardo deOliveira, coordenador doCentro de Monitoramento ePesquisa da Qualidade deCombustíveis, Petróleo e De-rivados (Cempeq). Duranteseis meses, foram coletadas2.400 amostras de gasolina em1.400 postos de 227 municí-pios do centro-oeste do estadode São Paulo, que compõema região monitorada peloCempeq, para fazer a compa-ração entre os dois métodos.

O atual necessita de cincoequipamentos, que custam emtorno de R$ 200 mil, para ava-liar se o combustível está ounão adulterado. O cromató-grafo gasoso custa em médiaR$ 50 mil e pode ser utilizadopara fazer outros tipos de aná-lise. Com essas vantagens, onovo método torna-se maisacessível às grandes distribui-doras, refinarias e redes depostos de combustível. •

■ Inovação ainda mais organizada

Além da preocupação em criarconhecimento tecnológico, ainovação, dentro das jovensempresas, também passa poruma gestão mais eficiente.Durante o workshop sobre“Apoio a Empresas de BaseTecnológica (EBTs) em SP”,realizado na sede da FAPESPem abril, muito se discutiusobre como melhorar o ren-dimento do financiamentoinvestido em inovação tecno-lógica. Atualmente existemcentenas de empresas incuba-das no estado. Muitas delassão financiadas pela FAPESP,por meio do Programa Ino-vação Tecnológica em Peque-nas Empresas (Pipe). O Se-brae, que também investecapital em processos de incu-bação, tem em carteira outras300 empresas. Além de criarum ambiente interno propí-cio dentro das novas institui-ções comerciais – em vez detentar transformar o cientistaem executivo, o mais fácil tal-vez seja contratar profissio-nais já disponíveis no merca-do –, o estabelecimento degrandes zonas urbanas, volta-das para a tecnologia, tambémé fundamental. Assim, o pri-meiro Parque Tecnológico doEstado de São Paulo deverásurgir, até o fim do ano, emSão José dos Campos. •

Combustívelavaliado em um único equipamento

Universo nano explicado em detalhes

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rês projetos com resultadosinovadores em áreas tãodistintas como fitoquímica,novos materiais e biotecno-logia foram escolhidos pelaAgência de Inovação daUniversidade Estadual deCampinas (Unicamp), aInova, para serem apresenta-dos no TechConnect Sum-mit 2006. O evento, marca-do para os dias 8 e 9 de

maio em Boston, nos Estados Unidos, reúnerepresentantes de escritórios de patentes deinstituições norte-americanas como a Uni-versidade de Boston, a Universidade da Cali-fórnia e a Universidade de Minnesota, a Uni-versidade de Estocolmo, na Suécia, a EscolaPolitécnica Federal de Lausanne, na Suíça, en-tre outras, além de empresas como Basf,IBM, Motorola, Ford e de investidores embusca de boas oportunidades de negócios.

“É a primeira experiência que temos emparticipar de um evento dessa natureza paraavaliar a atratividade das tecnologias da Uni-camp em um cenário internacional”, diz oprofessor Roberto Lotufo, diretor executivoda Inova. A participação reveste-se de um sig-nificado especial porque permite de formapioneira que uma universidade brasileira to-me parte do TechConnect.“Estamos abrindoportas para outras universidades e ampliando

as oportunidades de comercializar novas tec-nologias.” No processo de submissão, em queconcorreram propostas do mundo todo, aInova exibiu cinco tecnologias e teve trêsaprovadas. Um número bastante representa-tivo, considerando que apenas 40% de todasas inovações apresentadas foram escolhidas.

O critério de seleção da Unicamp, quepossui 425 patentes depositadas, levou emconta as patentes mais novas e que se encai-xassem na demanda de mercado, como umnovo fitoterápico extraído da planta Bidensalba, popularmente conhecida como picão,com resultados promissores para alguns ti-pos de câncer e leucemias (veja reportagemsobre a liderança da Unicamp no ranking depatentes na página 28).

A segunda tecnologia é um peptídeo, umamolécula composta por 12 aminoácidos quecombate os parasitas causadores da coccidio-se aviária, doença responsável pelo atraso docrescimento de aves de granja e ocasiona-dora de prejuízos ao setor. A última patenteescolhida é de um adesivo para metais, comoalumínio e aço, que dispensa o tratamentoprévio das superfícies a serem coladas.

“Atualmente as empresas internacionaispossuem executivos de negócios que rodamo mundo em busca de uma boa tecnologia”,diz Rosana Di Giorgio, diretora de Proprie-dade Intelectual e Desenvolvimento de Par-cerias da Inova.“Por isso é importante mos-

TECNOLOGIA

DINORAH ERENO

PATENTES

Remédios para exportação

Projetos desenvolvidos na Unicamp serão apresentadospela Inova nos Estados Unidos

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Medicamentoveterinário, colae fitoterápico:inovações em busca de parcerias

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Regina Monteiro Souza Brito, do Depar-tamento de Fisiologia da Unicamp, quesugeriu que o material fosse levado aoDepartamento de Fisiologia do Institutode Biociências da Universidade EstadualPaulista (Unesp) de Botucatu. Lá, umaex-aluna de Alba, a professora CleliaAkiko Hiruma Lima, do Laboratório deProdutos Naturais, dispôs-se a fazer tes-tes com a Bidens alba. Testado em ca-mundongos com úlcera gástrica aguda,o líquido de cor verde-escura funcionoucomo um excelente protetor da mucosagástrica. “Nos testes de comparação, oextrato de Bidens alba respondeu me-lhor que o produto comercial mais usa-do para úlcera gástrica”, diz a pesquisa-dora. O depósito de patente do extratocom atividades antiulcerogênicas foi fei-to pela Inova em 2004. Algumas empre-sas já entraram em contato com a agên-cia, interessadas em dar continuidadeaos trabalhos e desenvolver produtos.

s pesquisas com a Bidens albanão pararam nesse ponto. Parasaber se o extrato apresentavatambém efeito anticancerígeno,a pesquisadora levou o líquidopara ser avaliado no Centro In-tegrado de Pesquisas Onco-He-matológicas da Infância (Cipoi),da Unicamp, um laboratório depesquisa básica e aplicada des-tinada ao estudo das criançasportadoras de leucemias agu-das. Como o extrato está divi-

dido em 73 frações e não se sabe exa-tamente a composição química de cadauma delas, foram escolhidas três paraserem testadas. Duas delas apresenta-ram resultados bastante promissores.

O trabalho de separação química decada fração foi feito pela pesquisadoraCarmen Lúcia Queiroga, do CentroPluridisciplinar de Pesquisas Químicas,Biológicas e Agrícolas (CPQBA), tam-bém da Unicamp. Quando receberam oextrato, os pesquisadores AlexandreEduardo Nowill e Gilberto Carlos Fran-chi Junior, do Cipoi, médico e farma-cêutico que se dedicam a pesquisas so-bre leucemia, limitaram-se a testar onovo produto, sem saber o que era.

Após os resultados iniciais, ao veremque o extrato realmente funcionava eprometia, os dois pesquisadores comu-nicaram a Maria Tereza que iriam darcontinuidade à pesquisa. Os testes in-

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trar a essas empresas que a Unicamptem boas tecnologias, está disposta a li-cenciá-las e o Brasil tem leis favoráveispara que isso ocorra.”

O estudo do fitoterápico teve inícioem 2000, quando a pesquisadora MariaTereza Grombone Guaratini, dentro doprograma Biota, financiado pela FA-PESP, começou a estudar em seu proje-to de pós-doutorado a variabilidade ge-nética do picão-preto (Bidens pilosa), amais importante planta invasora dacultura de soja. “O estudo dos compos-tos químicos encontrados nas plantas,como os sesquiterpenos e poliacetile-nos, associado à pesquisa cromossômi-ca permitiu constatar a existência detrês espécies”, diz Maria Tereza. Alémde duas espécies de picão-preto, a pes-quisadora verificou que existia umaterceira, a Bidens alba, originária doMéxico e encontrada apenas no litoralde São Paulo. A explicação para a loca-lização restrita da planta emterritório brasileiro é que eladeve ter sido trazida por naviosque aportaram em Santos.

Em conversas informais so-bre a planta, a pesquisadora ou-viu várias pessoas dizerem quejá haviam usado o picão-pretoem forma de emplastros, paracombater dores musculares, oumesmo como chá. Na literaturacientífica ela também encontroureferências à ação antimicrobia-na, anti-helmíntica (contra ver-mes) e antiulcerogênica da Bidens pilosa,em estudos que procuravam explicaçõespara a utilização dessa espécie em práti-cas médicas na África e na Amazônia.Como a Bidens é uma planta invasora,ela ocorre em vários países do mundoem áreas agrícolas ou locais modifica-dos ambientalmente.“A maioria dos tra-balhos era realizado por químicos queespeculavam sobre a ação de compostosencontrados na planta ou por farmaco-logistas que testavam os extratos emmodelos animais, sem, no entanto, veri-ficar o real conteúdo do extrato”, diz Ma-ria Tereza. Na literatura pesquisada nãofoi encontrada nenhuma referência so-bre a Bidens alba, que nos estudos feitospela pesquisadora revelou ser uma plan-ta quimicamente diferente das outrasduas espécies de Bidens pilosa estudadas.

Maria Tereza foi então mostrar oextrato da planta para a professora Alba

cluíram várias linhagens de câncer, in-clusive o adenocarcinoma de próstata,um dos principais tipos dessa doençaque atinge o homem. “Cerca de 50%dos homens vão ter problema de prós-tata e são raros os medicamentos quefuncionam para esse tipo de câncer”, dizFranchi Junior.“Então se existe um quefunciona, pelo menos in vitro, já é umbom resultado.”

Os testes em animais serão iniciadosno próximo mês, etapa que consiste eminduzir câncer de próstata humana comas mesmas células usadas in vitro emanimais especialmente desenvolvidospara essa finalidade. Após 18 dias deinoculação, ou seja, logo após o diag-nóstico de câncer feito por apalpação,os animais começarão a ser tratadoscom a droga. No fim do tratamento ostumores serão avaliados por patologistacredenciado. A equipe está entusiasma-da com o fato de os animais que rece-beram o extrato na pesquisa de cicatri-

AFolha e extratoda Bidens alba:

propriedades anticancerígenas

em testes

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PESQUISA FAPESP 123 ■ MAIO DE 2006 ■ 69

pelo professor Adilson Leite, fa-lecido no início de 2003, e quecontou também com a partici-pação dos professores Urara

Kawazoe e Paulo Arruda.A doença, uma das principais

que acometem as aves, tem conseqüên-cias diretas sobre a produtividade do se-tor avícola.“Quando as aves são infecta-das pelo parasita, o ritmo de crescimentoé bem mais lento do que o de uma ave sa-dia, o que faz com que sejam descartadascomo refugo”, diz Urara, do Instituto deBiologia da Unicamp e co-orientadorade Silva Júnior, que hoje trabalha emuma empresa privada em Indaiatuba, ci-dade próxima a Campinas. O protozoá-rio causa prejuízo na absorção de nu-trientes importantes para o crescimentonormal das aves, que devem atingir opeso ideal de 2 quilos com cerca de 40dias, na época do abate.

A tentativa de controlar a coccidio-se aviária nas granjas comerciais englo-ba o uso de vacinas e, em menor escala,a administração de medicamentos pre-ventivos anticoccidianos. O efeito des-ses medicamentos tem sido ineficientedevido à presença de cepas resistentesdo parasita. Além disso, em aves desti-nadas ao comércio exterior não é per-mitido o uso desses medicamentos, deacordo com as legislações dos paísesimportadores dessas aves.

A proteção oferecida pelo peptídeoPW2 está relacionada com a capacidadede essa estrutura protéica danificar amembrana protetora do protozoárioantes que ele consiga invadir a célula in-testinal do animal e, conseqüentemente,impedir o desenvolvimento da doença.Quando não há nenhuma barreira ca-paz de combater a coccidiose, o parasi-ta leva, em média, de quatro a cinco diaspara completar o seu ciclo de vida, quecomeça com a eliminação dos oocistosimaturos, forma de resistência dos pa-rasitas, juntamente com as fezes dofrango. Os oocistos amadurecem noambiente criando no seu interior as for-mas infectantes do parasita, chamadasde esporozoítos.

Quando as aves ciscam no chão ad-quirem o parasita ao ingerir oocistos ma-duros, envolvidos por duas membranasexternas resistentes e impermeáveis a lí-quidos, além de outra membrana duplaque envolve os esporozoítos, forma ini-cial do parasita. Ao passar pelo aparelho

2005. E é essa capacidade do extrato deinibir o crescimento das células cance-rígenas in vitro que será apresentadano TechConnect no dia 8 de maio.

Crescimento lento - O projeto do pep-tídeo antimicrobiano é o resultado deuma pesquisa realizada no Centro deBiologia Molecular e Engenharia Ge-nética (CBMEG) e no Departamentode Parasitologia do Instituto de Biolo-gia da Unicamp. O peptídeo, que é umfragmento de uma proteína, é uma com-binação certeira de 12 aminoácidos ba-tizado de PW2 (veja Pesquisa FAPESPn° 78). Ele é capaz de destruir o proto-zoário do gênero Eimeria, um organis-mo unicelular e agente causador da coc-cidiose, doença que atua nos processosdigestivos de frangos e impede umamaior absorção de nutrientes pelo ani-mal. O projeto começou a partir da tesede doutorado do pesquisador Arnaldoda Silva Júnior do CBMEG, orientado

zação de úlceras não terem apresentadointoxicação nas primeiras 24 horas detratamento.

Além de avaliar a eficácia do extratopara combater o câncer de próstata invitro, também foram feitos estudos paracâncer de mama e de ovário e para qua-tro tipos de leucemia. A comparação foifeita sempre com um quimioterápicoexistente no mercado.“O extrato de Bi-dens alba funcionou para todos os ade-nocarcinomas estudados e para as leu-cemias”, diz Franchi Junior. Atualmentea pesquisa está na fase de reprodutibili-dade, com novos testes in vitro. A equi-pe multidisciplinar composta por botâ-nico, farmacêutico, médico e químicodepende de parceria da iniciativa priva-da, o que esperam conseguir assim quefor fechado um contrato de transferên-cia de tecnologia.

O depósito da patente do novo fito-terápico à base de Bidens alba com ativi-dade antineoplásica foi feito no final de

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O PROJETO

Pedido de patenteamento para um novo método de seleção de peptídeos antimicrobianos e do peptídeo anticoccidiano PW2

MODALIDADE

Programa de Apoio à PropriedadeIntelectual (Papi)

COORDENADOR

PAULO ARRUDA — Unicamp

INVESTIMENTO

R$ 26.875,29 e US$ 48.320,07

digestivo do frango, conhecido comomoela, o oocisto é triturado, rom-pendo as membranas externas. Apartir daí, pela ação de enzimas di-gestivas, os esporozoítos, primeiraforma assexuada,aderem e penetramem uma célula da mucosa intestinal esão envolvidos por uma membranado próprio hospedeiro, formandoum envoltório ao seu redor. “Dessaforma, o parasita fica bem protegidoe o próprio hospedeiro não o reco-nhece como um corpo estranho”,ex-plica Urara.“É um mecanismo de es-cape do parasita.”

urante o desen-volvimento, ocor-re uma primeirafase de formaçãode novos parasitasque procuram outrascélulas e multiplicam-se novamente, sempreem progressão geomé-trica. O último ciclo dereprodução é feito deforma sexuada e resul-

ta nas formas finais do protozoário, que,antes de ser expelido nas fezes das aves,ganha uma dupla camada de proteçãopara poder resistir ao ambiente externo,mais hostil, e conseguir novamente in-fectar uma outra ave sadia.

A obtenção dos peptídeos com o “en-caixe” adequado para aderir à membranado protozoário demandou quatro anos.Os pesquisadores selecionaram várias sé-ries de aminoácidos de uma grande bi-blioteca de peptídeos para entrar emcontato com o parasita. Quando os 12aminoácidos do peptídeo foram testadosin vitro, eles funcionaram como se fos-sem um anticorpo, com poder de atuarcomo um agente antimicrobiano.

O peptídeo, além de destruir a faseinicial do parasita, não deixa resíduosquímicos na carne porque é absorvidopelo organismo como proteína. Esse fa-tor benéfico é importante no mercadointernacional. Os importadores, princi-palmente europeus e asiáticos, colocambarreiras comerciais à carne de frangocom resíduos de substâncias utilizadaspara tratamentos de doenças. “A nossaintenção é fornecer o peptídeo junto coma ração dada às aves”, diz Urara.

Mas para chegar a esse ponto maisduas etapas ainda precisam ser trans-

mero acrílico nanoestruturado queadere fortemente ao alumínio e ao açoe, portanto, com um bom potencial parasubstituir parafusos, porcas e rebites emsuperfícies metálicas. As aplicações in-cluem as indústrias metalúrgica, auto-mobilística, aeronáutica, construção ci-vil e de móveis.

Para chegar ao novo adesivo, pesqui-sadores do Instituto de Química daUnicamp, coordenados pelo professorFernando Galembeck, dedicaram-se aestudar sistematicamente uma famíliade polímeros que, embora parecidos,guardam pequenas diferenças estrutu-rais provocadas pela mudança de umdos seus componentes, chamado de ten-soativo e empregado no processo de fa-bricação.“O tensoativo muda a estrutu-ra do polímero em escala nanométrica”,diz Galembeck. A mudança da nanoes-trutura muda as interações entre o polí-mero e o metal, bem como as proprie-

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Adesivo fixametais sempreparaçãoprévia e resiste à água e ao calor

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D postas. Uma delas é fazer os testes finaiscom frangos, inicialmente no biotérioda universidade e depois em uma gran-ja, porque até agora os experimentos fo-ram feitos in vitro. E estabelecer a con-centração ideal para obter o melhorresultado. Para isso é preciso sintetizar opeptídeo em grande escala, etapa quenecessita de parceria com empresas peloalto custo que representa. A patente queassegura os direitos de uso do peptídeopara combater a coccidiose, suas variá-veis e o método usado para identificá-lofoi depositada no Brasil, nos EstadosUnidos e na Europa com a ajuda do Nú-cleo de Licenciamento de Patentes (Nu-plitec), da FAPESP.

Diferenças estruturais - Tambémserá apresentado em Boston um adesi-vo polimérico formado por um polí-

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dades mecânicas do próprio polímero,tornando a junta adesiva mais resisten-te a solicitações mecânicas.

Em um dos ensaios realizados noprocesso de caracterização, os políme-ros eram passados por uma extrusora,máquina muito usada para processarplásticos. Quando foram utilizadasduas das resinas da família estudadapelos pesquisadores, a técnica respon-sável teve dificuldades em limpar arosca do equipamento. “Fomos ver oque estava acontecendo e percebemosque havia uma adesão muito forte daresina ao aço da rosca”, diz Galembeck.“Era um problema que no final mos-trou ser uma solução.” O novo adesivo,embora tenha em sua composiçãomuitas substâncias presentes em ou-tros produtos do gênero, possui comodiferencial a vantagem de dispensar apreparação prévia das superfícies me-tálicas que serão coladas.

Normalmente, a colagem de metaiscomo alumínio e aço exige, além dalimpeza, vários tratamentos que criamuma estrutura química na superfícieque favorece a fixação do adesivo, masisso pode comprometer a estabilidadeda peça, principalmente quando há mui-ta umidade no ar ou em ambientes ex-tremamente quentes. No caso do novoadesivo, a estabilidade não é a únicavantagem. Ele também apresenta boaresistência à água. No laboratório doInstituto de Química existem algumaspeças coladas com o polímero que estãoimersas em água há mais de dois anos.“O metal está bem manchado, mas aparte recoberta pelo adesivo está perfei-ta”, diz Galembeck. A patente que tratado processo de fabricação do produtofoi depositada no início de 2005.

Testes em laboratório que compro-vam a resistência do adesivo a esforçosde flexão e tração, tanto a seco como em

ambiente úmido, já foram feitos.“Precisamos agora fazer ensaios emcampo em grande escala, para ava-liar a adequação do produto às de-mandas de mercado”, diz Galem-beck. Embora sejam usados empequenas quantidades, os adesivosmovimentam um mercado mundialestimado em US$ 18 bilhões, dosquais metade está nos Estados Uni-dos. E são nesses mercados que aInova tem interesse em comerciali-zar a patente.

Negócios internacionais - Aapresentação no TechConnect émais uma etapa na busca de par-cerias internacionais empreendidapela Agência de Inovação. No anopassado, representantes da Inovaestiveram no Licensing ExecutivesSociety (LES), realizado em Fênix,

nos Estados Unidos, uma conferênciade negócios que trata de propriedadeintelectual e transferência de tecnolo-gia e contou com a participação demais de 20 empresas do porte de IBM,HP, Roche e congêneres. O LES é orga-nizado pelos Estados Unidos e Canadáe é realizado em vários países diferentes.Neste ano, o evento foi realizado de 9 a12 abril em Seul, na Coréia, e novamen-te a Agência de Inovação esteve presen-te. “Foi uma oportunidade de começara ter contato com a Ásia”, diz RosanaDi Giorgio.

No evento realizado em Fênix, a In-telect Ventures, pequena empresa se-diada nos Estados Unidos que buscanovas tecnologias de acordo com a de-manda e tem clientes como Microsoft eIntel, procurou a Inova para proporparceria na intermediação de patentesna área de tecnologia da informação. Aremuneração só ocorre quando o ne-gócio é fechado. Por enquanto é neces-sário esperar o resultado do primeiroedital publicado no Diário Oficial doEstado e da União, em março, com asnovas tecnologias desenvolvidas naUnicamp. O edital é uma exigência daLei de Inovação, regulamentada emoutubro de 2005, e precede o licencia-mento das tecnologias desenvolvidaspor órgãos públicos. “As tecnologiasque não forem licenciadas por meio doedital serão oferecidas pela IntelectVentures ao mercado norte-america-no”, diz Rosana. •

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Aves de granjasão infectadaspelo protozoárioEimeria (à esquerda)

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TEC N O LO G IA

S E N S O R IA M E N T O R E M O T O

s agricultores brasilei-ros poderão contarno segundo semestredeste ano com umpoderoso aliado pa-ra monitorar e elevara produtividade desuas lavouras. Trata-

se de uma aeronave não tripulada, autô-noma, planejada para sobrevoar as plan-tações e captar imagens que depois serãoanalisadas e processadas por softwaresespecializados. O pequeno avião, queestá em estágio final de desenvolvimen-to, tem autonomia de vôo de quatro ho-ras e capacidade para registrar 6 mil fotospor dia, voando a 100 metros do solo.

“As imagens, captadas por uma câ-mera digital acoplada à aeronave, po-dem ser usadas pelos produtores ruraispara detectar vários problemas no de-senvolvimento das culturas, como fa-lhas no plantio, infestação por pragas,deficiência de nutrientes, presença dedoenças e de plantas invasoras, entre ou-tros”, destaca o pesquisador OnofreTrindade Júnior, coordenador do proje-to que envolve pesquisadores e técnicosda Universidade de São Paulo (USP),Embrapa Instrumentação Agropecuária,

unidade da Empresa Brasileira de Pes-quisa Agropecuária e AGX Tecnologia,empresa de São Carlos focada no desen-volvimento de soluções tecnológicaspara o setor agrícola. Essa empresa, quefaz parte do grupo da Fazenda CampoBom, de Mato Grosso do Sul, investiu amaior parte do R$ 1,5 milhão gasto atéo momento com o projeto.

Veículos aéreos não tripulados, co-nhecidos pela sigla Vants, podem serempregados em muitas aplicações civise militares, explica Onofre Júnior, queé professor licenciado do Instituto deCiências Matemáticas e de Computaçãoda USP em São Carlos. As aeronaves de-senvolvidas por seu grupo integram oProjeto Arara (Aeronaves de Reconheci-mento Assistidas por Rádio e Autôno-mas), iniciado em 1998, e são dirigidaspara aplicações de monitoramento agrí-cola e ecológico. Isso é feito por meioda coleta de imagens de vídeo e de foto-grafias, que são posteriormente proces-sadas para extração das informações deinteresse.

A maioria das imagens é coletada noespectro de luz visível, mas algumas sãoobtidas na região do infravermelho dis-tante (imagens termais), ideais para de-

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Aeronaves não tripuladas podem ser usadas para aum entar a produtividade das lavouras do país

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Ajuda do céu

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Imagem mostra a regularidade do plantiode lavoura de eucalipto

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Imagem a 600 metros de altitude permite contaras árvores de cítrus

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tectar focos de incên-dio e a presença de ani-mais. Atualmente, ospesquisadores estão fi-nalizando a modifica-ção de uma câmera fo-tográfica digital para aobtenção de imagensna faixa do infraverme-lho próximo que per-mitem melhor identifi-cação de vários fatoresque afetam as culturas,como falta d’água, al-guns tipos de doenças,além de obter índicesde desenvolvimentocomo, por exemplo, aquantidade de biomassana lavoura.

No caso do moni-toramento agrícola, asimagens coletadas sãoposteriormente proces-sadas, dando origem auma série de informa-ções úteis como o nú-mero de plantas porhectare, tamanho das copas das árvores,distribuição de palha no solo, fator im-portante na técnica de plantio direto, e aregularidade na plantação, que mede avariação da distância entre plantas. Nomonitoramento ecológico, as principaisinformações colhidas pela aeronave sãoo mapeamento e o acompanhamento daerosão,a detecção e previsão de incêndiosflorestais, o mapeamento de recursos hí-dricos e a contagem de animais silvestres.

B oa resolução - Com 2,3 metros decomprimento e 3,2 de envergadura (daponta de uma asa até a ponta da outra),o avião é feito de fibra de vidro comalguns componentes madeira e alumí-nio aeronáutico e conta com um motora gasolina da marca ZDZ, normalmen-te utilizado em aeromodelos, com 40cilindradas e 4,8 cavalos-vapor (cv). Aaeronave é capaz de voar, controladapor meio de sinais de rádio como umaeromodelo, a até mil metros de distân-cia e o vôo é executado entre 100 e 300metros de altura.

Segundo o coordenador do projeto,ela apresenta uma série de vantagens emrelação a outros dispositivos tambémutilizados no monitoramento agrícola,como os satélites. “A resolução espacial

da imagem proporcionada pela nossaaeronave é muito mais alta, permitindoidentificar características não mensurá-veis pelo satélite, como contagem deplantas pequenas”, explica Ono-fre Júnior.“Além disso, tambémpermite a coleta de imagens aqualquer momento, enquantosatélites possuem uma janela detempo limitada (quando ao cir-cular a Terra passam no localque se quer a informação) paraaquisição das imagens.”

Na captação de imagens,existe uma outra vantagem.Enquanto a obstrução de nu-vens pode impedir a aquisiçãode boas fotos dos satélites em determi-nados momentos, a aeronave do Proje-to Arara normalmente voa abaixo donível das nuvens, não sofrendo desseproblema. Por fim, destaca o pesquisa-dor, com o uso de satélite, há uma áreade cobertura mínima para a compra daimagem, que pode ser muito maior doque a área de interesse. Assim, com aaeronave desenvolvida em São Carlos, épossível obter imagens com menor cus-to. Aviões convencionais também po-dem ser utilizados para monitoramen-to agrícola e, nesse caso, diz Onofre

Júnior, a principal vantagem do peque-no avião são os custos mais baixos –tanto de aquisição quanto de manuten-ção e operação.

principal motivação para reali-zação do Projeto Arara, destacao pesquisador, veio das ativida-des de aeromodelismo desen-volvidas por insistência de umde seus filhos.“Após muitas ho-ras de envolvimento com o es-porte, surgiu a idéia da utiliza-ção das aeronaves em pesquisae desenvolvimento”, afirma. Opontapé inicial do projeto foidado com o trabalho de mes-

trado de uma pesquisadora da Embra-pa, Nilda Pessoa de Souza, onde se pro-curou avaliar a qualidade das imagensobtidas com aeromodelos e sua aplica-bilidade na agricultura. A partir daí vá-rios outros trabalhos de mestrado foramdesenvolvidos, priorizando subsistemasda aeronave e técnicas para processa-mento das imagens.

A aeronave utiliza uma arquiteturadistribuída de sensores e servomeca-nismos, contando com um total de 11microprocessadores a bordo. Servome-canismos são dispositivos que transfor-

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Com 2,3 metros de comprimento, o avião é produzido com fibra de vidro,madeira e alumínio aeronáutico

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mam sinais elétricos em movimentosdos controles existentes nas asas e nocorpo da aeronave como leme, ailerons,profundor e flapes. Os microprocessa-dores englobam o processador central,sensores barométricos (altitude e veloci-dade aerodinâmica), monitor de motor(rotação, temperatura etc.), controle degerador de energia e carga de bateria,controladores de servomecanismos, sis-tema de estabilização de vôo e piloto au-tomático. Além disso, o veículo dispõetambém de equipamentos compradosno mercado, como câmera de vídeo, re-ceptor de GPS (localizador geográficobaseado em satélites), de alta precisão,câmera fotográfica digital de 8 megapi-xels e transmissores e receptores de rá-dio e de vídeo.

Um dos desafios do Projeto Arara éconstruir aeronaves autônomas, capa-zes de tomar decisões por meio da aná-lise dos dados coletados em tempo real,como, por exemplo, seguir uma estrada,o curso de um rio ou uma linha detransmissão de energia. Para finalizar opequeno avião ainda é necessário de-senvolver o mecanismo de coleta auto-mática de imagens a bordo e o registrodas suas coordenadas, refinar os ajustesdos controladores atuais para maior

cessamento digital dasimagens, confirmadapela sua análise visual.”Os pesquisadores tam-bém realizaram proje-tos piloto com algumasempresas dos setoresagrícola e florestal parasondar a receptividadedo mercado e avaliar autilidade do sistema. Se-gundo Onofre Júnior,para entrar em opera-ção comercial, a aero-nave vai precisar, inicial-mente, passar por umprocesso de licencia-mento que já está sen-do conduzido pelaUSP, por meio da Agên-cia USP de Inovação, epela Embrapa.

“Como ainda nãoexiste uma regulamen-tação no país sobre aoperação de aeronavesautônomas, inicial-mente as operações po-

derão ser remotamente pilotadas ou naforma de projetos, intermediadas poruma instituição de pesquisa junto aosagricultores interessados”, afirma oOnofre Júnior. “Independentementedisso, existem várias empresas interessa-das no equipamento no país e acredita-mos que também exista mercado paraele no exterior.” Um avião desses custa-rá entre R$ 60 mil e R$ 70 mil.

Existem no mundo e no Brasil, emfase de operação ou em estudos, váriostipos e tamanhos de veículos aéreosnão tripulados, sendo que a grandemaioria atua na área militar. Emboraaeronaves não tripuladas não sejamnovidade, Onofre Júnior garante quenão há nenhum outro equipamentoque ofereça uma solução completapara monitoramento agrícola e flores-tal. “O Projeto Arara cobre desde a co-leta de imagens em áreas agrícolas eflorestais, com um equipamento volta-do para essa aplicação – possibilitandopouso e decolagem em áreas rurais,baixa velocidade mínima de vôo (40km/h), câmeras com alta resoluçãopara avaliação de pequenos detalhes ebaixo custo –, até o processamento di-gital das imagens, extração e exibiçãode dados para o produtor.” •

PESQUISA FAPESP 123 ■ MAIO DE 2006 ■ 75

precisão e desenvolver um controladorde rota que permita executar as mano-bras necessárias para obtenção de ima-gens em missões de varredura visual deáreas agrícolas.

Quando ficar pronta, provavelmen-te no segundo semestre, ela vai funcionarassim: antes do vôo, os operadores defi-nem uma missão, contendo pontos decoleta de imagens e pontos da rota (lati-tude, longitude e altitude) a ser seguida.Esses dados são carregados no processa-dor central da aeronave, ainda em solo,e ela executa a missão autonomamente,sem intervenção do piloto. Os parâme-tros da missão podem ser modificadosem vôo por meio de comunicação derádio com a estação de controle ouqualquer outro canal de comunicaçãocomo telefonia celular ou satélite.

Testes e regulam entação - Até omomento, foram produzidos dez pro-tótipos do veículo, que vem sendo sub-metido a testes em culturas de cana-de-açúcar, laranja, soja, milho e eucaliptodesde o início de 2004. “Estamos con-tentes com os resultados. Constatamosque o posicionamento das imagens foipreciso e houve correta identificaçãodas características de interesse no pro-

Imagem de uma cultura de cana-de-açúcar captada a 200 metrosde altitude mostra falhas no plantio

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TECNOLOGIA

DESENHO INDUSTRIAL

ma lavadora de rou-pas leve, pequena ebarata, que podeser transportadano porta-malas deum carro, é o so-nho de muitosconsumidores. Se,além de portátil, elapuder ser encaixadana parede ou no teto efuncionar como uma seca-

dora, melhor ainda. Essa é a proposta de uma mi-nilavadora de roupas que está em fase final dedesenvolvimento pelos designers Marcelo Mon-teiro e Ricardo Mondella, da empresa Santos Du-mont, e tem como principais inovações a criaçãode um motor elétrico com formato anelar e umcontrole remoto.

O projeto da minilavadora, financiado peloPrograma de Inovação Tecnológica em PequenasEmpresas (Pipe), da FAPESP, teve início em maiode 2004 como desdobramento de um projeto cha-mado Duplo Sentido, que previa a criação de umalavadora com um cesto de lavagem esférico paragirar simultaneamente no sentido vertical e hori-zontal com o auxílio do novo motor. O DuploSentido foi realizado entre 1998 e 2003, patrocina-do em parte pela empresa Multibrás, fabricantede eletrodomésticos que engloba as marcas Bras-temp e Cônsul.

“O fato de o cesto rodar em duplo sentido au-menta o atrito entre a água e a roupa, acelerandoo processo de lavagem com conseqüente reduçãodo consumo de água e energia”, diz Monteiro,formado em desenho industrial na Fundação Ar-mando Álvares Penteado (Faap). A empresa ban-cou a construção do primeiro protótipo e a ma-nutenção das patentes internacionais da lavadoraesférica.

Cesto esférico - Para colocar em prática as ino-vações sugeridas para a lavadora, várias soluçõesforam criadas durante a construção do protóti-po. Uma das questões levantadas durante o pro-cesso era como fazer um cesto esférico girar em

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Minilavadora de roupas pode ser transportada no carro e pendurada no teto ou na parede

Sonho de consumo

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O PROJETO

Minilavadora de roupas

MODALIDADE

Programa Inovação Tecnológicaem Pequenas Empresas (Pipe)

COORDENADOR

MARCELO MONTEIRO — Santos Dumont Criação e Design

INVESTIMENTO

R$ 219.691,00

duplo sentido, ou seja, em tor-no de dois eixos simultanea-mente sem o auxílio de engre-nagens. Para resolver isso,surgiu a idéia de incorporar onovo motor diretamente nasuperfície do tanque e do ces-to de roupas.

O conceito do motor elétri-co anelar está baseado em umrotor, mecanismo giratório emforma de anel composto porímãs permanentes. Para garantir a veda-ção contra água e o isolamento da cor-rente elétrica, previu-se o encapsula-mento ou a injeção das partes do motor,durante o processo de fabricação.

Encerrada a primeira fase de de-senvolvimento, Monteiro decidiu darcontinuidade ao projeto. À idéia origi-nal do motor anelar foram acrescidasoutras inovações, como um chip paraativar o produto apenas no ato da ven-da, que funciona como um instrumen-to para impedir o roubo de cargas,além de permitir ao fabricante mapeara compra e a venda do produto, e umcontrole remoto com timer, que podeser conectado ou desconectado da la-vadora.

m único controle remoto, umdos componentes mais caros donovo produto, pode ser usadoem duas lavadoras. Ter duas má-quinas facilita a vida das pessoasque não gostam ou não podemmisturar peças de vestuário, co-mo os profissionais da saúde quelavam separadamente roupas dotrabalho. Outra novidade é a pos-sibilidade de a lavadora ter umduplo papel e funcionar também

como uma secadora de roupas. Para queisso ocorra, basta acoplar ao final do ci-clo de lavagem um acessório parecido

78 ■ MAIO DE 2006 ■ PESQUISA FAPESP 123

Motor elétrico comformato anelar é a principal inovaçãoda minilavadora

Ucom um cartucho de impressora quepossui uma resistência e uma ventoinharesponsável pela injeção de ar quente notanque. Produtos para a higiene de rou-pas, como sabão, amaciante e alvejante,também podem ser fabricados em for-ma de cartuchos ou cápsulas com medi-das adequadas para uma boa lavagem.Dessa forma, o consumidor poderá re-carregar o produto na quantidade de-sejada. Por enquanto, ainda não há pre-visão de quando a minilavadora estaráno mercado, mas negociações nesse sen-tido já estão sendo feitas com algumasempresas do setor.

Menor consumo - A minilavadora foiconcebida inicialmente para compor-tar 3,5 quilos de roupas. Mas pode seradaptada para lavar até 8 quilos. “Oconceito é o mesmo, não importa o ta-manho”, diz Monteiro. A escolha damíni ocorreu por uma questão merca-dológica. Nas grandes cidades brasilei-ras e no exterior é cada vez maior o nú-mero de pessoas que residem sozinhasem moradias cada vez menores. Por-tanto, um mercado potencial para umalavadora de pequenas dimensões quereduz em 40% o peso, o tamanho e o

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duas vezes maior que o mer-cado de automáticas, em tor-no de 1,1 milhão de máqui-nas por ano. Esse é um dosnichos de mercado de inte-resse para a minilavadora,que pode ser fabricada tantoem formato cilíndrico comoesférico. “Depende da opçãodo fabricante”, diz Monteiro.“Uma das vantagens do pro-jeto é possibilitar uma grandevariação de formas, cores emateriais.”

O projeto envolve não sóum novo conceito de fabrica-ção como também de comer-cialização. Um dos modelosde negócios propostos é apro-ximar as duas pontas da ca-deia produtiva. “O varejo, sedesejar, não precisa comprar,transportar e armazenar oproduto, ele simplesmente si-mula a venda e comunica aofabricante que fatura e entre-ga diretamente na casa doconsumidor”, diz o pesquisa-dor. Essa relação é possível

por conta da simplicidade de constru-ção do produto.

O conjunto de inovações técnicas econceituais da míni estende-se às lava-doras e secadoras convencionais para 4,5 e 6 quilos e a vários outros eletrodo-mésticos, aumentando o potencial co-mercial do produto, inclusive no que serefere ao mercado externo. Por isso elasjá se encontram protegidas por paten-tes nacionais e internacionais nos Esta-dos Unidos, Europa, Japão, Canadá,México, China, Índia.

As inovações relacionadas ao proje-to vão mais além e englobam a possibi-lidade de criar uma bolsa eletrônica devalores para produtos industrializados,em que seriam comercializadas e troca-das ações de produtos e não mais deuma empresa. “Essas ações poderiamestar vinculadas diretamente à comprado produto ou estar à disposição antesdo lançamento, possibilitando assim àsempresas captar recursos para o seu de-senvolvimento”, diz Monteiro. Umanova patente internacional já está a ca-minho para garantir negociações futu-ras nas bolsas de valores. •

volume das atuais lavadoras e consomemenos água e energia. As lavadorasconvencionais de 5 quilos consomemem média 230 litros de água no proces-so de lavagem. Com a míni, esse consu-mo é reduzido em cerca de 30%.

“Uma das grandes vantagens doprojeto diz respeito à simplicidade cons-trutiva proporcionada pelo novo con-ceito de motor elétrico anelar”, dizMonteiro. Com isso quase todos oscomponentes mecânicos necessáriospara a movimentação do cesto são eli-minados, como correias, polias e trans-missões, tornando a assistência técnica

PESQUISA FAPESP 123 ■ MAIO DE 2006 ■ 79

extremamente simples e o produto 90%reciclável. A concepção do motor tam-bém elimina o eixo com aletas utilizadonas lavadoras convencionais, que mui-tas vezes agride as roupas diminuindo avida útil dos tecidos.

Em função do peso da míni, cercade 9 quilos no total, foi criado um novoconceito de suspensão para a lavadora,parecido com uma almofada, que po-derá desempenhar simultaneamente afunção das molas, do contrapeso e dospés. A almofada, concebida para ser in-flável e confeccionada em materiaiscomo polímero ou borracha, poderáservir ainda como um recipiente daágua ao final da lavagem. A água passapor um filtro na almofada, onde per-manece até ser reutilizada.

Formas variadas - A pequena quanti-dade de componentes mecânicos sim-plifica a fabricação e reduz considera-velmente o custo final do produto emcerca de 30% a 35%. Com isso, o preçopara o consumidor cairia bastante e fi-caria próximo do preço de venda daslavadoras semi-automáticas, os popu-lares tanquinhos. No Brasil, o mercadode lavadoras semi-automáticas é quase

Almofada nos pés funciona como recipientepara água e o controleremoto (à esquerda)

DINORAH ERENO

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TECNOLOGIA

cobre,por exemplo,que funciona em temperaturaambiente,a colisão de elétrons provoca perda de ener-gia em forma de calor.

A tecnologia supercondutora já é usada em bobi-nas de motores de alto desempenho,baterias ou acu-muladores de energia,conectores eletrônicos e emequipamentos de ressonância magnética.Nesses casos,utilizam-se fios de material supercondutor envoltosem nitrogênio líquido que mantém a temperatura bai-xa.A expectativa é que materiais supercondutores tam-bém possam ser usados comercialmente para que trenspossam levitar sobre os trilhos (com a adoção de pode-rosos campos magnéticos criados com eletromagnetossupercondutores),além de substituir cabos ou sistemaselétricos que evitam a perda de energia elétrica.

Os pesquisadores da Unesp desenvolveram umcircuito eletrônico formado por um composto cerâ-mico que funciona à temperatura de 80 Kelvin (K),igual a 193°Celsius (C) negativos.“O desafio maiordos grupos de pesquisa em todo o mundo é aumen-

tar a temperatura de operaçãodos materiais superconduto-res”, diz Carvalho.Atualmente,os cabos supercondutores co-merciais trabalham em 77 K ou-196°C.Experimentalmente jáse atingiu materiais que traba-lham com 136K (-137°C).

“Nosso maior sucesso foifazer filmes (películas) finosque podem ser utilizados nafabricação de circuitos eletrô-nicos com uma técnica que foiaprimorada por nós”,diz Car-valho.“Essa técnica de deposi-ção de filme chamada de dip-

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Película produzida com composto cerâmico evita perdas de energia elétrica

Trilha supercondutoraMARCOS DE OLIVEIRA

MICROELETRÔNICA

evolução dos circuitos eletrônicosnão pára de crescer com o objetivode disponibilizar mais rapidez deprocessamento,avançar na minia-turização e permitir maior capa-cidade de armazenamento a cente-nas de tipos de equipamento,decomputadores a celulares e televi-

sores.Um dos caminhos dessa evolução é o uso demateriais supercondutores na elaboração desses apa-relhos,como mostra um projeto elaborado pelo Gru-po de Vidros e Cerâmicas do Departamento de Físicae Química da Faculdade de Engenharia da Universi-dade Estadual Paulista (Unesp),na cidade de Ilha Sol-teira,no oeste paulista.Coordenado pelo professorCláudio Luiz Carvalho,o grupo produziu um circui-to impresso com material supercondutor no lugar dastrilhas de cobre que servem para interligar os diversoscomponentes de uma placa eletrônica,como transis-tores e capacitores,responsável pelo funcionamentode um computador,por exemplo.

A supercondutividade é a ca-pacidade que certos materiais,metais ou cerâmicas,têm em con-duzir eletricidade em temperatu-ras extremamente baixas semapresentar resistência ou perdasna condução da corrente elétrica.“No material supercondutor oselétrons caminham livremente,sem colidirem,de forma muitomais ordenada que um fio de co-bre comum”,explica Carvalho,que conta no grupo com a partici-pação dos mestrandos RaphaelOtávio Peruzzi e Rudi Solano.No

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O PROJETO

Dispositivos supercondutores: preparação e caracterização

MODALIDADE

Linha Regular de Auxílio àPesquisa

COORDENADOR

CLÁUDIO LUIZ CARVALHO — Unesp

INVESTIMENTO

R$ 107.863,26 e US$ 17.775,00(FAPESP)

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PESQUISA FAPESP 123 ■ MAIO DE 2006 ■ 81

Nas placas eletrônicas, trilhassupercondutoras vãopermitir melhorfluxo de elétrons

coating (um método químico com usode soluções) é muito mais barata queoutras usadas por algumas indústrias,como a Molecular Beam Epitaxy, oucrescimento com camadas moleculares(um método físico de deposição de mo-

léculas até compor a película).Fazemos aqui todo o processo

de obter filmes finos supercondu-tores a 80K, mas esperamos alcançar

em breve os 100K (-173°C).” No Japão,os filmes finos supercondutores já estãosendo usados na construção de super-computadores muito mais velozes queos atuais, mas lá eles usam materiais eequipamentos muito mais caros.

O material desenvolvido em IlhaSolteira é uma cerâmica produzida comseis elementos químicos: Bismuto (Bi),Estrôncio (Sr), Cálcio (Ca), Cobre (Cu),Oxigênio (O) e Chumbo (Pb). Essecomposto é chamado de óxido super-condutor. Em vez de cabos ou equipa-mentos, a equipe de Carvalho planejafazer filmes bem finos com esse mate-rial e usá-los como material supercon-dutor em circuitos eletrônicos. “Agoraestamos no caminho para desenvolverum dispositivo para ser usado em umchip.” Para avançar nas pesquisas, ospesquisadores querem formar parceriascom empresas que pudessem industria-lizar no futuro esses dispositivos.

O trabalho dos pesquisadores daUnesp foi apresentado em abril no con-gresso da Materials Research Society(MRS), ou Sociedade de Pesquisa deMateriais, na cidade de São Francisco,nos Estados Unidos, que contou comparticipantes de todo o mundo.“Muitospesquisadores nos procuraram, princi-palmente de países que estão investindobastante em tecnologia supercondutora,como China e Coréia. Recebemos pro-postas para visitá-los e desenvolver ouensinar a técnica que estamos usando”,conta Carvalho. •

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PESQUISA FAPESP 123 ■ MAIO DE 2006 ■ 83

TECNOLOGIA

NOVOS MATERIAIS

Cerâmicas à base de manganêspodem se tornar condutoras de eletricidade e melhorar o funcionamento dos computadores

Disco rígidoflexível

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resce dia a dia a capacidade dearmazenamento de informaçõesnos discos rígidos,que constituemum dos tipos de memória docomputador. É o resultado dodesenvolvimento de novos ma-teriais, usados nos dispositivoschamados cabeças de leitura, quetrazem da memória os textos eimagens. As cabeças de leiturados discos rígidos fundamen-tam-se em um princípio físico

que poderá soar com pouca simpatia para quementende muito pouco das entranhas dos compu-tadores: é a chamada magnetorresistência – a va-riação da resistência elétrica de um material sub-metido a um campo magnético.

Esse processo de recuperação de informaçõesé usado também em sensores magnéticos quecontrolam freios e embreagens de automóveis, emdetetores de minas terrestres e em aparelhos demarca-passos. Mas, para que possam caber aindamais informações no mesmo espaço, com basenesse mesmo princípio, um grupo de físicos daUniversidade de São Paulo tem chegado a resulta-dos que alimentam a perspectiva de uma famíliade cerâmicas conhecidas como manganitas subs-tituir outros dispositivos fundamentais do com-putador, que diminuem a resistência à passagemda eletricidade e assim ampliam a precisão e velo-cidade de leitura de dados: são as multicamadasmagnéticas, adotadas nos computadores a partirdas descobertas por um físico da Universidade Fe-deral do Rio Grande do Sul (UFRGS), Mario Nor-berto Baibich.

Baibich identificou em 1988 o potencial demulticamadas magnéticas ao utilizar 40 minús-culas placas empilhadas de ferro, um materialmagnético, e de cromo, não-magnético. Ele perce-beu então que o material escolhido e a distribui-ção em paralelo e alternada das camadas, subme-tidas a um campo magnético, reduziam em até100% a resistência às correntes elétricas – a redu-ção conseguida até então não chegava a 5%. Esseefeito, considerado fantástico para a época, ficouconhecido como magnetorresistência gigante e fezescola. “A magnetorresistência gigante possibili-tou a construção de sensores magnéticos de ta-manhos bastante reduzidos, com maior capaci-dade de leitura e sensibilidade”, afirma Baibich,cujo artigo comunicando esses resultados, publi-cado em novembro de 1988, ainda é um dos maiscitados da Physical Review Letters. “Foi a partir deentão que a indústria de informática começou aproduzir os discos rígidos que atualmente encon-tramos em nossos computadores.”

As manganitas podem ir além do que Baibichdescobriu.“Há situações em que a variação da re-sistência elétrica das manganitas à aplicação deum campo magnético é muito maior que as ob-servadas em multicamadas magnéticas, o que per-mitiria acelerar o processo de leitura e transmissãode informações no mesmo espaço físico”, comentaRenato de Figueiredo Jardim, professor do Institu-to de Física. “Teríamos uma leitura mais rápida,com maior sensibilidade e precisão.” Os estudoscoordenados por Jardim, que correm em paraleloaos desenvolvidos pelas equipes das universida-des de Tóquio, no Japão, e da Califórnia, nos Esta-dos Unidos, revelaram novas propriedades desse

CFRANCISCO BICUDO

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material que contribuem para a explica-ção de como uma cerâmica normal-mente isolante se transforma a pontode conduzir eletricidade tão bem quan-to algumas ligas metálicas. Já mostra-ram, por exemplo, que é de forma con-tínua e gradual, sem sofrer alteraçõesbruscas, que as manganitas adquiremsuas propriedades mais notáveis, dei-xando de ser um material isolante para setornar condutor de eletricidade e trans-formando-se de um material não-mag-nético para começar a se com-portar como um ímã. Conhecera natureza dessas transformações,que os físicos chamam de transi-ções de fase, é essencial para uti-lizar esse material.

Formadas majoritariamentepor manganês, ao qual se acres-centa o oxigênio, um elementoquímico da família dos lantaní-deos, em especial o lantânio, eoutro do grupo dos alcalinosterrosos, como cálcio ou bário,as manganitas não são boas condutorasde eletricidade a temperatura ambiente.Para que se tornem condutoras, é preci-so substituir parcialmente o lantânio

por cálcio e submeter o material a tem-peraturas bastante baixas, da ordem de120 graus Celsius negativos. “Nessatemperatura”, observa Jardim, “as man-ganitas perdem suas propriedades dematerial isolante e se transformam emcompostos com características metáli-cas, bons condutores elétricos”. Subme-tidas a essa temperatura, elas se tornamtambém um material ferromagnético,dotado de propriedades magnéticas si-milares às de um ímã.

m um material que se compor-ta como ímã, os elétrons se ali-nham, girando em torno dopróprio eixo sempre na mesmadireção e sentido – uma proprie-dade magnética das partículasatômicas conhecida como spin.Nessas condições, a aplicação deum campo magnético cria umaenorme variação da resistênciaelétrica, que constitui um tipode magnetorresistência – não a

gigante, como a descoberta por Baibich,mas ainda maior, chamada de colossal,identificada nas manganitas em 1993por físicos alemães.“Com o alinhamen-

to de spins, surge um caminho prefe-rencial, pelo qual a corrente elétricapode transitar sem muitos obstáculos”,diz Fábio Coral Fonseca, físico do Insti-tuto de Pesquisas Energéticas e Nuclea-res (Ipen) que também faz parte dapesquisa. Como resultado, dependendodo campo magnético aplicado e da tem-peratura, a resistência à passagem dacorrente elétrica pode cair até 10.000%.

Jardim e seu aluno de doutoradoJosé Antonio Souza, com físicos da Uni-versidade de Montana, Estados Unidos,demonstraram em um artigo publicadoem maio de 2005 na Physical ReviewLetters que essa transformação, chamadade transição de fase de segunda ordem,ocorre de forma contínua e gradual,sem que a cerâmica passe por alteraçõesbruscas. “A transição de fase contínuaera aceita apenas para algumas famíliasde manganitas, mas a verificamos emmuitas delas, independentemente doselementos que a compõem”, comentaJardim. Em conseqüência, algumas pro-priedades dessa cerâmica, como a tran-sição de fase de isolante para metal e deum material não-magnético para mag-nético, devem ser revistas.

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E

Cabeça de leiturade discos rígidosatuais: manganitasserão mais rápidas

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O PROJETO

Estudo de fenômenosIntergranulares em óxidos cerâmicos

MODALIDADE

Projeto Temático

COORDENADOR

REGINALDO MUCCILLO — Ipen

INVESTIMENTO

R$ 696.105,59

Em outro estudo, publicado naPhysical Review B, Jardim e Souza de-monstraram outro detalhe importante:o efeito de magnetorresistência pode sermuito amplificado quando o lantânio ésubstituído parcialmente pelo ítrio, au-mentando o potencial de uso tecnológi-co das manganitas. Essa substituição deum elemento químico por outro resul-ta, na verdade, em um material novo,com propriedades distintas. Seria umhíbrido, constituído por pequenas ilhasde material magnético, embebidas emuma matriz de material isolante, e dota-do de características metálicas.

Outra descoberta diz respeito aos es-tímulos que podem ser usados para queas manganitas passem por essas trans-formações – de isolante para condutor ede não-metálico para metálico. Em umartigo de janeiro deste ano também naPhysical Review B, Jardim, Fonseca e odoutorando Alessandro de Souza Car-neiro observaram que grandes variaçõesna resistência elétrica das manganitaspodem ser obtidas não apenas na pre-sença de um campo magnético mas tam-bém com a aplicação de corrente elétri-ca através do material.

Quando as manganitas estão em seuestágio inicial isolante, a corrente elétri-ca encontra dificuldades para percorrero material, mas procura caminhos al-ternativos, que ofereçam menos resis-tência. Mas, nessas condições, podetambém se dar uma transição do está-gio condutor para isolante.

Caso as aplicações se concretizem,as manganitas representarão um tercei-ro estágio na história recente dos senso-res e leitores magnéticos. O primeiro foio chamado sistema indutivo e o segun-

do, o sistema magnetorresistivo, combase nas multicamadas magnéticas.

As multicamadas substituíram o sis-tema anterior, o indutivo, constituídopor uma bobina feita de fio fino de co-bre, que detecta o campo magnéticogravado gerando uma corrente. A leitu-ra dessa corrente é que permite, por suavez, a leitura dos campos magnéticosgravados. Como essa bobina é muitopouco sensível, o campo magnético quea aciona deve ser muito intenso. “Paracumprir essa exigência”, diz Baibich, “oconjunto sensor, composto de bobinade gravação e bobina de detecção, tam-bém precisa ser muito grande e nãopode ser alojado em espaços tão aperta-dos como o interior de um disco rígido”.

Apesar das limitações, o sistema in-dutivo ainda é usado em cartões mag-néticos como os de banco e em fitasmagnéticas para gravadores.“Depois darevolução que as multicamadas magné-ticas promoveram na informática”, co-menta Jardim, “se conseguirmos utili-zar o potencial das manganitas e damagnetorresistência gigante poderemosconstruir uma nova geração de disposi-tivos para computadores”. •

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azia tempo que, num mês de março, o Exércitobrasileiro não ocupava o noticiário com tantodestaque. Foi em 31 de março de 1964 queteve início o movimento golpista que derruba-ria o presidente João Goulart dois dias depois.Em 15 de março de 1985 os militares devolve-ram o poder a um presidente civil, José Sarney.Este ano, no mesmo mês de março, dois episó-dios envolvendo militares colocaram o Exércitona mídia de modo desconfortável. No dia 1º, ocomandante do Exército, Francisco Albuquer-que, recorreu ao velho jeitinho da “carteirada”

para, segundo a Infraero, exigir que um avião da TAM retornas-se da pista de decolagem. Em seguida, a companhia teve de con-vencer dois passageiros a ceder seus lugares para o oficial e suamulher. Dias depois, o Exército surpreendeu a todos com a inva-são das favelas cariocas em busca de armas roubadas.

O mesmo general se envolveu, no ano passado, num episódiopolêmico, quando o então ministro da Defesa, José Viegas, re-nunciou depois da leitura, por Albuquerque, de uma ordem dodia com elogios à ditadura militar, após a divulgação de supos-tas fotos do corpo do jornalista Vladimir Herzog, morto sobtortura em 1975. O conteúdo da mensagem fora escrito por pes-soas ligadas a Albuquerque. Enquanto os militares agiam nos

HUMANIDADES

HISTÓRIA

Espectros da ditadura militar

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GONÇALO JUNIOR

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ou a manifestação pública de algum mi-litar de alta patente é suficiente paraacender a luz vermelha de uma volta dafarda ao poder.

Questões se tornam inevitáveis: exis-te risco de alguma movimentação gol-pista nos quartéis? Noutro aspecto, me-nos temerário, qual é o pensamentomilitar brasileiro hoje e suas priorida-des? Ao mesmo tempo, nota-se que otema tem sido cada vez mais estudadona universidade e novos livros ilumi-nam momentos de tensão, como a ver-são do general Sylvio Frota para um dosmais turbulentos episódios da ditadu-ra, durante o governo Geisel, numa bio-grafia que acaba de chegar às livrariaspela Jorge Zahar Editora. O volume foiorganizado pelos professores Maria Ce-lina D’Araújo e Celso Castro, da Funda-ção Getúlio Vargas, que há mais de 15anos registram a memória militar a par-tir de depoimentos e documentos deoficiais de alta patente.

Castro tranqüiliza os temerosos. As-sim como outros especialistas consulta-dos, ele acredita que os episódios recentessão eventos isolados e que não existemindícios de nada semelhante a um dese-jo dos militares de retornarem ao po-der. Mestre e doutor em antropologia,ele afirma que a visão das Forças Arma-das quanto ao poder nas duas últimasdécadas está adaptada ao regime demo-crático. Por um lado, explica, deve-se ob-servar que, ao contrário do que ocorreuem países vizinhos do Cone Sul, os mi-litares brasileiros não foram punidos poratos cometidos durante o a ditadura. Poroutro lado, aceitaram os governos civisdemocraticamente constituídos e o paíspassou por eventos como o impeachment,o funcionamento da Comissão dos De-saparecidos e a eleição de um presiden-te de esquerda sem nenhuma turbulên-cia institucional na área militar.

Dentro de uma perspectiva históricade mais longo prazo, porém, Castro ob-

morros, a Comissão de Ética Pública daPresidência da República tratou de co-locar panos quentes na história do em-barque. Embora tenha deduzido que ocomandante obteve “tratamento privi-legiado”, a conclusão foi que ele não ha-via faltado com a ética. Recomendou-seapenas que autoridades tivessem “maiscuidado” ao tratar de sua vida privada.

Para os mais temerosos, os dois fatosaparentemente traziam de volta umaquestão recorrente: o medo de umanova investida da caserna causado pelotrauma da ditadura militar. Como se,mesmo passados 21 anos, esse espectrocontinuasse a rondar o país. Um temorque quase sempre leva a complacênciasdos civis de um lado e a prepotênciasde alguns fardados de outro. A demo-cracia brasileira vive de sobressaltos pro-vocados por fantasmas de um períodoque não deixou saudades para a maio-ria. De vez em quando, a publicação deum livro, a revelação de algum detalhe

Episódios recentes obrigam acadêmicos a repensar o papel dos militares

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mento de Ciências Sociais da Universida-de Federal de São Carlos (UFSCar), JoãoRoberto Martins Filho avalia que as For-ças Armadas sabem que não há climapara intervenções e têm cons-ciência de que o desempenho dopoder político tem alto custopara a corporação militar. Mar-tins Filho ressalta, entretanto,que o problema principal hoje éa falta de disposição da sociedadee da classe política em discutir atemática militar no país. A ques-tão central, na sua avaliação, éresponder o que o país quer desuas Forças Armadas. “Que re-cursos elas necessitam para de-sempenhar suas missões? Quais são asprioridades de defesa do país?”, questio-na. Como não há discussão substantivasobre o tema, os incidentes isolados to-mam o lugar do problema principal.

O historiador Roberto Baptista Juniorconsidera o episódio do general temapara reflexão. Em outros tempos, mes-mo no período democrático (1945-64),o chefe do Exército jamais teria sua au-toridade questionada. Nem ele seria de-nunciado. “O fato de o funcionário daInfraero ter em depoimento contraditoas informações do general, somado àvaia que este tomou ao entrar no avião,mostra que os cidadãos exercem plena-mente seus direitos e os militares nãomais são sujeitos aterrorizantes.” O pes-quisador acaba de defender a tese de

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serva que nada impede que, em cenáriosde grave crise social ou institucional,voltem a ressurgir apelos messiânicosem relação a uma intervenção militarna política. Não há, ao menos no hori-zonte visível, essa ameaça, destaca. Paraele, a geração do regime militar já está“de pijama”, como se diz na caserna.“Asnovas gerações de oficiais têm um dis-tanciamento emocional muito maiorem relação a esse período. Com isso,eventos outrora sensíveis passam a servistos cada vez mais como históricos.”

Assim, as maiores preocupações dosmilitares da ativa, acrescenta Castro,têm sido com questões como melhoressalários e orçamentos, que permitamaprimorar o quadro material muitoprecário no qual as Forças Armadasbrasileiras se encontram e que as tor-nem aptas a cumprir minimamentesuas missões básicas. Os militares pro-curam também preservar sua identida-de institucional e simbólica como ele-mento importante da constituição danacionalidade brasileira. Tanto que ogoverno Lula foi bem aceito e não hou-ve nenhuma turbulência militar a esserespeito.“O impacto negativo do regimemilitar sobre a instituição foi muito sen-tido pelos próprios militares, e isso fun-cionou e ainda funciona como um antí-doto preventivo contra qualquer idéiaintervencionista.”

Presidente do Grupo de PesquisaForças Armadas e Política, do Departa-

doutorado Anti-sovietismo: reflexos epráticas compartilhadas de repressão nosistema interamericano na Unicamp,com bolsa da FAPESP.

ua pesquisa discute a formula-ção de políticas compartilhadase dissociadas entre os governosda América Latina – em especialdo Brasil – e dos Estados Uni-dos, a partir da influência daUnião Soviética antes do golpede 1964. Isso permite a ele fa-zer uma interpretação diferen-ciada do período que antecedeuo movimento armado contraGoulart e a paranóia que sem-

pre ronda o poder quanto à volta da di-tadura desde 1985. Na prática, diz, anão resolução dos problemas de cor-rupção que dominam o noticiário hojepode acarretar a curto, médio e longoprazos o fortalecimento de um discur-so autoritário moralizante – ou emnome da moral. “Discurso autoritário,em nome da moral, que pode vir da es-querda ou da direita ou de ambos viabandeira nacionalista. Mesmo assim,acho muito difícil os militares se aven-turarem novamente.”

Além disso, diz, as Forças Armadasatualmente estão devidamente subordi-nadas ao poder civil e tentam construirum perfil baseado no profissionalismo.Os líderes militares transitam muitopouco na política nacional. Na sua opi-

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nião, diferentemente de antes de 1964, opaís está mais maduro politicamente. Aúnica preocupação é que um períodoclassificado como decadente sempre pa-vimenta o retorno de discursos autori-tários moralizantes.“Antes, para os nor-te-americanos, Goulart deveria sertirado do poder por causa de sua faltade compromisso, e não porque era deesquerda. No regime atual, os investi-mentos estrangeiros no país vão muitobem e estão devidamente protegidospelo governo.”

O professor Durbens Martins Nasci-mento não pensa diferente. Ele é umdos que articulam a criação, em breve,do Laboratório de Estudos de Defesa daAmazônia (Laed), espaço acadêmico-institucional de suporte às atividades deensino, pesquisa e extensão da gradua-ção e pós-graduação da UFPA na áreade Concentração em Defesa Nacional.Com mestrado (guerrilha do Araguaia)e doutorado (programa Calha Norte)sobre o regime militar, Martins Nasci-mento acredita que as condições políti-cas emergidas com o fim da GuerraFria, o fortalecimento das instituições eum quadro de relativa estabilidade polí-tica na América do Sul não encorajaminiciativas de intervenção.

Entretanto, as tendências que seapresentam quanto às incertezas de umcenário conturbado em algumas regiõesdo globo e o aparecimento de novasameaças, como contrabando, terroris-

mo, narcotráfico e biopirataria, colocam,concretamente, a hipótese do acompa-nhamento permanente das Forças Ar-madas brasileiras em relação a seus ob-jetivos e função na sociedade. A rigor,essa valorização de princípios constitu-cionais não é diferente nos demais paí-ses que formam a comunidade interna-cional. A brecha para isso, observa ele,está na própria Constituição brasileira,quando estabelece a possibilidade dadefesa das instituições. “Mas isso inde-penderia de quem tomasse a iniciativa,se os militares da reserva ou da ativa.”

Painel - O pesquisador defende quese desenvolvam estudos para se saberatualmente como anda esse movimentono sentido de aferir em que medida estáse dando essa influência política. “So-bretudo no que se refere à dimensiona-lidade política, tanto dos militares daativa quanto dos da reserva.”A partir dasfalas desses atores, prossegue, será pos-sível traçar um painel acerca do pesodos diversos segmentos militares no an-damento da crise política atual. “Evi-dentemente que em circunstâncias es-peciais nas quais há uma radicalizaçãodo processo político as Forças Armadasse colocam como alternativa de soluçãopara impasses institucionais. Porémpara que se efetivem as pretensões des-ses setores é necessária a ocorrência devárias motivações as quais necessitamestar conectadas com interesses econô-

micos, financeiros e políticos de seg-mentos civis desejosos da saída militar,o que acho fora de propósito.”

A discussão sobre o papel das ForçasArmadas remete a um ponto polêmico:a defesa das fronteiras brasileiras naAmazônia. Em Amazônia e defesa nacio-nal, que acaba de ser lançado pela Edito-ra FGV, Celso Castro apresenta um qua-dro sobre o que tem sido produzido naárea de ciências sociais e história relacio-nado ao assunto. Ele escreve que, para oExército em particular, a Amazônia temocupado cada vez mais uma posiçãocentral em termos estratégicos e simbó-licos. A soberania brasileira sobre a re-gião é vista pelos militares como o ele-mento central de seu papel.

Noutro aspecto, em geral, vêem comsuspeita a atuação dos movimentos am-bientalistas naquela área. “A falta de in-formações de qualidade e uma maiorinteração com instituições acadêmicascivis tendem a dar uma dimensão dis-torcida do problema. Novamente, é pre-ciso que a questão deixe de ser militar ese torne efetivamente nacional.” Mar-tins Filho acrescenta que a “imensa”preocupação das Forças Armadas com adefesa da Amazônia se expressa na im-portância do projeto Sivam e na criaçãode uma doutrina terrestre de resistênciaa uma eventual invasão daquela área dopaís.“O problema é que as visões milita-res sobre a região não foram discutidaspela sociedade brasileira.” •

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Religiões da ayahuasca podemindicar caminho para uma boa guerra contra as drogas

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eorge W. Bush pode se gabarde ser o homem mais pode-roso do globo, um “guerrei-ro” invencível, mas perdeu, efeio, a “batalha dos vegetais”.Por decisão unânime, a Su-prema Corte dos Estados Uni-dos decidiu, em fevereiro, queo presidente não pode impe-dir a filial ianque da União doVegetal (UDV) de usar, emseus rituais religiosos, o chá

de ayahuasca (ou huasca ou santo-daime),visto pelo presidente norte-americano como“um alucinógeno que altera o funcionamentoda mente e causa danos irreparáveis nos es-forços de combate ao tráfico de narcóticostransnacional”. No mês passado, os cultos aya-huasqueiros conseguiram outra vitória: du-rante o Seminário Ayahuasca, promovido peloConselho Nacional Antidrogas, o Conad, foiapresentado um relatório recente da ONU queexclui o DMT, princípio ativo do chá, da listade psicoativos proibidos pelo Tratado Inter-nacional de Drogas, de 1971. Mais: em 2007, oBrasil está convidado para apresentar na sede

da organização, em Nova York, a sua forma detrabalhar com a ayahuasca.

“O aparecimento de religiões que fazem douso de uma substância psicoativa o ponto cen-tral de seus conjuntos rituais traz à tona novosmodos de pensar e de tratar a questão do con-sumo de substâncias alteradoras da percepçãono mundo moderno, sobretudo daquelas clas-sificadas como drogas ilícitas”, avalia a antro-póloga Sandra Lucia Goulart, pesquisadora doNúcleo de Estudos Interdisciplinares sobrePsicoativos (Neip) e autora da tese de doutora-do Contrastes e continuidades em uma tradiçãoamazônica: as religiões da ayahuasca, defendi-da na Unicamp. Ayahuasca é o termo quíchua(significando algo como cipó dos mortos oudos espíritos) dado à bebida preparada com ainfusão de um cipó e as folhas de um arbusto.Seu uso por índios sul-americanos da regiãoamazônica é pré-colombiano e age diretamen-te nos neurorreceptores, provocando uma sen-sação descrita pelo cantor Sting como “conse-guir falar com Deus, uma das experiências maisextraordinárias de minha vida”. O poeta beatAllen Ginsberg chegou a ir até Lima, no Peru,para provar a bebida, aconselhado pelo amigo

A batalha dos vegetais

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ANTROPOLOGIA

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junkie William Burroughs. “Senti-mecomo o filho do Senhor, como se eumesmo fosse o Senhor que tivesse volta-do para casa e aberto os portões do pa-raíso ancestral”, escreveu. O que Bushchama de droga os pesquisadores, tãoentusiasmados como Ginsberg, preferi-ram batizar de “plantas de poder” ou“enteógenos”, deixando claro, no uso dapalavra grega theo (deus), que reco-nheciam o papel que muitas sociedadese religiões deram e dão ao preparado: umaforma de facilitar a comunicação entreas esferas humana e divina, uma expe-riência transcendental, curativa, que re-mete diretamente às culturas xamânicas.

inda que exista uma tra-dição de consumo daayahuasca em váriospaíses da América doSul, apenas no Brasil sedesenvolveram religiõesde populações não-in-dígenas que usam estabebida. Religiões queusam esta beberagemreelaborando antigastradições dos sistemas

locais a partir de uma leitura influencia-da pelo cristianismo”, observa a antro-póloga da Unicamp Beatriz Labate. Foicom o ciclo da borracha, que atraiugrandes ondas migratórias para a Ama-zônia, que “brancos” entraram em con-tato com as práticas terapêuticas e ascrenças religiosas dos nativos, baseadasno uso da ayahuasca. Iniciado no usoda bebida por um mestiço peruano, oseringueiro maranhense Raimundo Iri-neu começou o seu movimento, apeli-dado de Santo Daime (já que, nas rezas,sempre se pede alguma coisa), em 1930,em Rio Branco, capital do então territó-rio do Acre. Mestre Irineu, como ficouconhecido, reuniu em torno de si a ca-mada mais pobre da região e exerceusobre eles uma influência positiva e desegurança. “Os rituais que ele presidiaestavam dentro do espectro da tradiçãoxamânica do uso de enteógenos, queeram utilizados não de forma recreacio-nal, mas para estabelecer contato com osagrado. Mais do que uma válvula de es-cape da miséria cotidiana, o daime erauma forma de evocar e validar valoresculturais”, explica o antropólogo daUniversidade Federal da Bahia EdwardMacRae.“De início, a nova religião aju-

dava migrantes da floresta a se adaptar aonovo ambiente urbano incipiente e o usoda bebida se dava num contexto ritual,dentro de uma ética conservadora cujoobjetivo mais importante era o desenvol-vimento de comunidades em que o in-divíduo podia se integrar com seu hábi-tat físico e social”, analisa o pesquisador.

O daime, para Mestre Irineu, ligava-se diretamente ao sacramento cristão,considerado como o sangue de Cristo.“O Santo Daime preserva o caráter sa-grado de festa, dança e música, pormeio dos hinos que os daimistas can-tam no rito, do catolicismo popular. Noseu panteão juntam-se santos católicos,figuras do universo afro-brasileiro e se-res da natureza, como estrelas, o sol, alua. Tudo misturado com doses de kar-decismo, dentro de um espírito militar,de ordem e disciplina, que exige o usode uniformes etc.”, conta Beatriz. Umdiscípulo de Irineu, o marinheiro Daniel,

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fundou, em 1945, na mesma região, oseu próprio culto, também baseado nouso da ayahuasca e batizado de Barqui-nha, já que seus adeptos se consideram“marujos do mar sagrado”. Rica emimagética e ritualística, a religião igual-mente usava santos católicos, mas tinhaforte influência da umbanda, com umaênfase na remoção de espíritos maus ena luta contra a bruxaria. A terceira dasseitas ayahuasqueiras é a mais jovem e amais despojada, voltada para a “concen-tração mental” e a “evolução espiritual”:a União do Vegetal (UDV), o Davi quevenceu recentemente o Golias america-no na Suprema Corte. Criada em finsdos anos 1950 por outro seringueironordestino (como Irineu e o marujoDaniel), Mestre Gabriel, a UDV, comA‘

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ilícitas, não tem conseguido erradicá-lase nem mesmo reduzir seus usos psicolo-gicamente e socialmente nocivos”. Ob-servações de MacRae o fizeram perceberque esses movimentos conseguiramafastar muitos da bebida e das drogasde forma efetiva, embora usem substân-cias psicoativas (cujo uso ritual é libera-do no Brasil desde 1987). Dentro doambiente ritual, com líderes controlan-do o acesso à infusão, bem como aquantidade a ser bebida, e provendo li-mites doutrinários na estruturação desuas vidas, acredita o pesquisador, as re-ligiões da ayahuasca merecem um estu-do mais aprofundado pelo seu poten-cial de ajudar a minorar o problema douso descontrolado de drogas.

Rituais - “Os cultos veiculam uma sé-rie de valores e regras de conduta quedotam o adepto com uma vida bastan-te estruturada ao colocá-lo em convi-vência com outros seguidores da dou-trina e a prescrever-lhe toda uma sortede comportamentos não só quandoparticipam dos rituais, mas em todosos momentos da existência cotidiana”,analisa MacRae.“Muitas vezes, a distin-ção entre um uso ritual e religioso e umuso profano da ayahuasca é bastanterecorrente e parece orientar boa partedas relações de contraste entre os vári-os grupos. Membros de um grupo acu-savam um outro grupo de fazer usoinadequado da ayahuasca, ou seja, deconsumi-la fora de um contexto plena-mente sagrado. Assim, atualmente, oestigma de uso de droga ou ‘drogado’ éextremamente temido, ao mesmo tem-po que é recusado por todos os gruposdas religiões ayahuasqueiras”, lembraSandra Lucia. Allen Ginsberg, em suaexpedição de 1960 ao Peru, foi até Pu-callpa para experimentar a infusão.Tomou com um brujo três doses capri-chadas. Enquanto o curandeiro espera-va, assobiando e batendo o pé, o beatnikviu-se num universo multidimensionalobservado por uma imensa serpente.“Ela, apesar disso, não era assustadora eoferecia uma resolução para a morte. Avisão parecia me dizer que a morte, em-bora inevitável, não era tão terrível co-mo eu imaginara. Morte, pensei, era aquebra de uma dimensão familiar.” Alí-vio ou terror? Seja como for, no dia se-guinte, o poeta pegou, correndo, umavião de volta aos EUA. •

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seu processo seletivo rigoroso de mem-bros, reuniu a classe média urbana emsuas fileiras.

De início restritas à região amazôni-ca, as religiões ayahuasqueiras hoje estãoem todo o Brasil e em 20 países do glo-bo, com direito a dissidências, como oAlto Santo e o Cefluris, ambas nascidasdo Santo Daime, após a morte de Mes-tre Irineu. O Cefluris tem a particulari-dade de associar, ao daime, o uso dacannabis, levada pelos hippies nos anos1970 ao culto e associada à Virgem Ma-ria. “Inovações” como estas foram res-ponsáveis pela ruptura entre os várioscultos que, apesar de comungarem dosmesmos credos e ritos, pretendem se di-ferenciar uns dos outros pelo ataque asupostas “impurezas” que seus diferen-

ciais teriam no preparo ou no uso, nãoritualístico, da ayahuasca. “A delimita-ção de fronteiras entres estes grupos sedá a partir de um complexo jogo acusa-tório que se relaciona ao debate maisgeral sobre o consumo de ‘drogas’ emnossa sociedade”, avalia Sandra Lucia.“Seja como for, o funcionamento orde-nado dessas organizações religiosas aju-da a validar uma aproximação mais to-lerante na questão da droga que vá alémda mera ênfase nos aspectos farmacoló-gicos do problema e leve em conta oambiente social, físico e cultural ondese dá o uso dessas substâncias”, acreditaMacRae, para quem os cultos da aya-huasca confirmam a eficiência do con-trole social na determinação das conse-qüências do uso de drogas ilícitas.

Para o pesquisador, o uso discipli-nado da infusão pode ser uma alternati-va à “atual política de combate às dro-

gas, que, limitando-se a declará-las

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m 1949 havia o es-pantoso númerode 25 jornais diá-rios na cidade do

Rio de Janeiro – em 2006,são apenas 13.O Rio erahabitado por 2,1 milhõesde moradores,a maiorpopulação do país,quetinha um total de 48 mi-lhões de pessoas.No ano anterior,um desses diáriosapareceu nas bancas com uma novidade:um suple-mento tablóide de 12 páginas sobre ciência.Era 28 demarço de 1948,um domingo.O suplemento tinha onome de Ciência para Todos (CpT) e vinha encarta-do em A Manhã no último domingo de cada mês.

Ao conhecer o suplemento,o editor da CiênciaHoje On-line,Bernardo Esteves,encontrou um belotema de investigação para sua dissertação de mes-trado sobre divulgação científica,apresentada naUniversidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).Orientado por Ildeu de Castro Moreira,pesquisa-dor da mesma universidade,e por Luisa Massarani,da Fundação Oswaldo Cruz,Esteves levou a termoem 2005 o trabalho agora publicado no livro Do-mingo é dia de ciência – história de um suplementodos anos pós-guerra (Azougue Editorial).

A iniciativa esclarece definitivamente que a di-vulgação de ciência e tecnologia no Brasil não co-meçou apenas nos anos 1940 – com o jornalista ebiólogo José Reis – nem passou a freqüentar a im-prensa com regularidade e importância apenas nasúltimas duas décadas.Mesmo no s éculo 19 haviaperiódicos que publicavam artigos sobre temas cien-tíficos e afins,embora de modo esparso.Esteves citaestudo do britânico Martin Bauer que comparoudados sobre como a ciência aparecia em jornaisnorte-americanos e ingleses ao longo de 170 anos.Ele mostrou que havia períodos em que o tema es-tava mais presente na imprensa seguido por fases deesquecimento.Para Bauer,isso se deve principal-mente aos períodos de expansão e retração da ativi-dade econômica e das inovações tecnológicas. NoBrasil, conclui Esteves, não foi muito diferente.

A experiência do CpT é ímpar. Não se tem notí-cia de um jornal brasileiro que,at é aquele momen-

to,mantivesse um suple-mento de ciência com tan-to espaço (12 páginas) du-rante tanto tempo (cincoanos) e publicado de for-ma regular (mensal).Ostempos, naturalmente, aju-daram.Entre 1948 e 1953,período em que o CpT cir-culou,foram criados a So-ciedade Brasileira para oProgresso da Ciência(SBPC),o atual Conselho

Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnoló-gico (CNPq) e o Centro Brasileiro de Pesquisas Fí-sicas (CBPF).Um m ês antes José Reis havia estrea-do sua coluna “O mundo da ciência” na Folha daManhã, atual Folha de S.Paulo.E C ésar Lattes des-cobriu a partícula méson pi em colaboração comGiuseppe Occhialini e Cecil Powel um ano antes.

Ao perceber o momento amplamente favorávelà ciência,o ent ão diretor de A Manhã,Ernani Reis,irmão de José Reis,decidiu pela cria ção do CpT.Para desenvolver o projeto e dirigi-lo,convidou osobrinho de ambos,Fernando de Sousa Reis,reda-tor da seção diária “Nota científica” e auxiliar de en-sino no Colégio Pedro II.Por sua vez,Fernandochamou para ajudá-lo professores interessados emdivulgação científica:Oswaldo Frota-Pessoa,Rober-to Peixoto,Newton Dias dos Santos e Fritz de Lau-ro,entre outros.Praticamente n ão havia jornalistasescrevendo para o CpT. Na época,vigorava no Bra-sil a idéia de que o cientista é o melhor divulgadorde sua obra,embora na Europa e nos EstadosUnidos já houvesse profissionais especializados emciência que não eram pesquisadores.

A estratégia dos professores/divulgadores foibem descrita por Frota-Pessoa:“Éramos um grupode jovens envolvidos entusiasticamente na melhoriado ensino,e nossa preocupa ção influenciava a ma-neira de apresentar os artigos.A forma ção que tive-mos nos levou a ter esse tipo de psicologia:faz íamosno jornal como fazíamos nas classes”.

O suplemento terminou praticamente juntocom A Manhã,em 1953.A experi ência foi marcan-te para a época,mas parece ter sido esquecida como tempo.Fará bem aos novos divulgadores da ciên-cia – sejam jornalistas ou pesquisadores – conheceressa história.

Sempre aos domingosUma vibrante — e pouco conhecida — experiência

em divulgação científica

Domingo é dia de ciência

Bernardo Esteves

Azougue Editorial200 páginasR$ 34,90

NELDSON MARCOLIN

Resenha

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História da literatura hispano-americanaBella Jozef Editora UFRJ/Francisco Alves Editora420 páginas, R$ 42,00

Um clássico escrito pela professoraemérita de literatura da UniversidadeFederal do Rio de Janeiro e que

chega agora a sua quarta edição,mais do que justificadapela lacuna que preenche.Se sabemos tanto sobre umgrupo restrito de autores hispano-americanos (comoBorges,Sábato,Cortázar,Llosa,García Márquez,entretantos outros),desconhecemos um número imensode grandes criadores,desde os tempos coloniais até a modernidade.A edição é revista e ampliada.

Editora UFRJ (021) 2542-7646www.editora.ufrj.br

A paixão do negativo:Lacan e a dialéticaVladimir SafatleEditora Unesp/FAPESP336 páginas, R$ 40,00

Lacan foi um dos grandes e maisinfluentes militantes modernos doanti-hegelianismo,dentro do contexto

de seu tempo de romper o pensamento francês com anoção moderna de sujeito,como preconizado por Hegele em voga na França.Safatle mostra como ele usou opensador alemão sem aceitar seu sistema filosófico.

Editora Unesp (011) 3242-7171www.editoraunesp.com.br

Reforma política: lições da história recenteGláucio Ary Dillon Soares (org.)FGV Editora357 páginas, R$ 32,00

Hoje poucos falam dela em termosconcretos,mas a reforma política está na cabeça de todos os brasileiros

como uma necessidade.Será? É o que se perguntam os especialistas em artigos reunidos nesse estudo sobre o formato das instituições políticas no país,se hánecessidade de mudanças e os custos e benefícios dessa empreitada.

FGV Editora (021) 2559-5543www.editora.fgv.br

A violência revolucionária em HannahArendt e Herbert MarcuseMaria Ribeiro do ValleEditora Unesp 192 páginas, R$ 38,00

Lidando com duas concepções filosóficas diversas,a de

Arendt e Marcuse,a pesquisadora trabalha a questão do uso da violência e seu contraponto,o diálogo,como instrumentos de transformação radical da sociedade.Usa,para tanto,as formas de pensar dos dois filósofos sobre Marx e suas concepções políticas e a retomada das utopias anticapitalistas.

Editora Unesp (011) 3242-7171www.editoraunesp.com.br

Estado e gestão pública:visões do Brasil contemporâneoPaulo Emílio Martins (org.)FGV Editora340 páginas, R$ 28,00

Preocupados com a fragilidade dasinstituições brasileiras,no papel

da democracia e na relação do Estado nacional com a sociedade civil,16 pesquisadores dão sua contribuiçãopara o debate numa série de artigos que discutem o passado,o presente da administração Lula e o futuro.Entre os autores:Carlos Eduardo Martins,EnriqueSaraiva,Frederico Lustosa,entre outros.

FGV Editora (021) 2559-5543www.editora.fgv.br

Histórias de quadros e leitoresMarisa Lajolo (org.)Editora Moderna108 páginas, R$ 23,00

A professora da UnicampMarisa Lajolo reuniu um time

de primeira qualidade para mostrar que letras e idéiastambém podem ser expressas em outros veículos que nãoa literatura.Assim,autoridades nos seus campos (nas artesplásticas e nas letras),como Ana Maria Machado,CarlosVogt,Ferreira Gullar,Lourenço Diaféria,Ignácio de LoyolaBrandão,entre outros,revelam como contar histórias.

Editora Moderna 0800-172002www.editoramoderna.com.br

Livros

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enhoras e senhores,muito boa noite.É comgrande satisfação que venho aqui falar das ex-periências cronológicas de Jakoo,um pequenopaís localizado no oceano Pacífico,à altura do

paralelo 30°sul.Trata-se de não mais que uma únicailha de cerca de 110 mil quilômetros quadrados.Acre-dito que poucos de vocês conheçam esta localidade ouseus habitantes.Lá não há aeroportos,e um únicoporto – este que vocês podem ver no slide – controla aentrada e a saída dos poucos estrangeiros que se aventu-ram por aquelas terras.Refiro-me apenas aos estran-geiros porque os jakooanos não costumam viajar parao exterior.Nos meus quinze anos de trabalho l á, nãoconheci sequer um jakooano que alguma vez tivessedeixado seu país. Além de avessos a viagens,os nativostambém são arredios a estranhos.Era muito dif ícil es-tabelecer contato com aquela peculiar civilização. Masque civilização! Os jakooanos possuem uma visãobastante particular do mundo e,principalmente,dotempo – uma visão que decorre fundamentalmente desuas mais profundas crenças. E é sobre o modo comoeste povo compreende o tempo que vim falar aqui.

Todos nós sabemos que,por convenção,a Terra sedivide em 24 fusos horários,cada um deles compreen-dendo uma área formada por 15 graus de longitude.Cada fuso corresponde a uma determinada hora,ematraso ou adiantamento em relação ao meridiano deGreenwich,o meridiano zero.Os jakooanos percebe-ram que,com essa convenção,o que se ganha em uni-formidade – o mundo inteiro segue os mesmos parâ-metros cronológicos – se perde em precisão – nunca éreal o tempo em que nos encontramos.Para eles,esta-mos quase sempre minutos atrasados ou adiantadosem relação ao horário arbitrariamente determinadopara todo o fuso.Como o território abarcado por cadafuso horário é inegavelmente muito vasto,os jakooa-nos acreditam que seria mais exato se este vasto terri-tório e a hora que lhe diz respeito fossem fracionadosem unidades menores.

Argumentum chronologicumVERONICA STIGGER

Ficção

S Cabe ressaltar que,para os jakooanos,o tempo éassunto de suma importância.Extremamente religiosos,eles adoram um único deus,o deus I-Ih,que na l íngualocal significa “aquele que controla o tempo”. Assim, doponto de vista deste povo singular,iludir o tempo seriacomo iludir o deus I-Ih,e nenhum jakooano está prepa-rado para arriscar tanto.Em fun ção disso e com vista a,abre aspas,corrigir,fecha aspas,o que eles identificaramcomo uma falha na convenção universal de medida dotempo,um grupo de cientistas locais,liderado porHaalaan Kook,criou relógios de altíssima precisão, li-gados a um sofisticado sistema de orientação global porsatélite.Os cientistas dividiram,longitudinalmente,oterritório de Jakoo,que tem 1.050 quilômetros de ex-tensão de leste a oeste,em 3.600 partes,estabelecendosubmeridianos com um espaço entre eles de 291,6666metros(sendo um destes intervalos,o central,de 292metros, já que a divisão resultava numa dízima perió-dica).Determinaram ainda que cada uma destas par-tes, isto é,que cada um destes submeridianos corres-ponderia a 1 segundo.Desta forma,os rel ógios nãopoderiam mais indicar somente a hora;eles teriamque associar a hora,os minutos e os segundos a umadeterminada posição no espaço.Como era complexoo que se passava a exigir dos relógios,os cientistas in-ventaram esta imensa placa quadrada e violeta quevocês vêem no slide – violeta é a cor tradicionalmen-te associada ao deus I-Ih.Esta placa cont ém uma sériede intrincados dispositivos que alteram a marcação dahora conforme a pessoa se movimenta.A partir do diaem que se decretou que todos jakooanos deveriamutilizar a placa,a cada 291,6666 metros de desloca-mento no sentido leste-oeste/oeste-leste a placa au-mentaria ou diminuiria automaticamente 1 segundo;a cada 17,5 quilômetros,1 minuto,e assim por diante.Imaginem duas pessoas que morassem,respectiva-mente,nos extremos leste e oeste do pa ís e que marcas-sem um encontro na capital Lemboo,bem no centro dailha.Estas duas pessoas teriam uma diferen ça de quase

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1 hora entre elas e, para se encontrar pontualmentenum dado lugar, teriam que calcular não só o tempo deseu próprio deslocamento, mas também as mudançasde minutos e segundos que tal deslocamento acarretaria.

Nos primeiros meses, quando a população de Ja-koo ainda se adaptava à nova rotina, um jornal inglêspublicou fotografias, tiradas defronte ao templo a I-Ih,que mostravam os jakooanos portando a grande placavioleta na cintura, a tiracolo, dentro de bolsas, em car-rinhos de mão e até no alto da cabeça, como um cha-péu. Com 25 centímetros de comprimento de cada umdos lados, não era possível carregá-la no pulso, como osrelógios. No texto que acompanhava as fotos, o jornalridicularizava o invento deste povo do Pacífico, qualifi-cando-o de, cito, extravagant and completely useless.

Os jakooanos reagiram mal. Tomaram o sarcasmocomo ofensa ao deus I-Ih. Em desagravo – cito Kook:“já que a Europa não respeita nosso altíssimo deus,nós não iremos mais respeitar suas estúpidas conven-ções” –, decidiram estabelecer um sistema próprio demedida do tempo. Dividiram o território de Jakoonovamente, em sentido longitudinal, em 24 áreas,cada uma delas correspondendo a 1 hora. Cada áreadestas era dividida,por sua vez,em 60 partes, compreen-dendo, cada uma delas, 1 minuto. Por fim, as peque-nas áreas dos minutos foram divididas em outras 60partes ainda menores, equivalentes a 1 segundo. As-sim, em números aproximados, a cada 12 metros dedeslocamento leste-oeste/oeste-leste a placa violeta re-gistrava uma mudança de 1 segundo, a cada 729 me-tros de 1 minuto e a cada 43,75 quilômetros de 1 hora.Como 1 hora do sistema universal foi convertida em24 horas no sistema jakooano, 1 dia nosso correspon-dia a 576 horas do sistema deles. O tempo passou a servivido lá como uma espécie de fluxo contínuo e ace-lerado, em perpétua mutação, já que não só continua-ram a usar, mas aprimoraram as placas violetas.

Em pouco tempo, a nova medida levou Jakoo aocaos. As pessoas não conseguiam cumprir seus com-

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IME

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promissos porque estavam sempre em horários dife-rentes. Embora os jakooanos soubessem precisamenteo horário de dada posição no espaço, eles não tinhammais um parâmetro com o qual comparar este horário.Todo movimento no sentido leste-oeste/oeste-leste im-plicava uma considerável mudança de horário. O pri-meiro a se rebelar contra o sistema foi o chefe da estaçãode trens. Em estado avançado de estresse, em decorrên-cia dos complicados cálculos que era obrigado a reali-zar para controlar a entrada, a saída e o trajeto dos trens,o chefe da estação arremessou sua placa violeta contrao templo a I-Ih, quebrando um dos belos vitrais. Ele foipreso e açoitado dia após dia por cinco policiais du-rante 20 ciclos de 576 horas locais. O fato ocupou ascapas dos jornais, e uma série de artigos censurandotal heresia foi escrita pelos cientistas. Porém, ao mes-mo tempo que o ato do chefe da estação deflagrou vio-lentas recriminações do Estado e da opinião pública,ele inspirou vários insurgentes. Outros revoltosos, jo-vens em sua maioria, atiraram suas placas violetascontra o templo, destruindo outros belos vitrais. Gru-pos de manifestantes fizeram passeatas defronte aosantuário de I-Ih, lançando suas placas violetas contraa edificação. Muitos rebeldes foram presos e açoitados.Chegou um momento em que não havia mais lugarna cadeia – nem açoite – para tantos descontentes.

Resumindo, pois avisam que meu tempo está aca-bando, em cinco meses o templo a I-Ih foi completa-mente destruído, e as esculturas do deus destroçadas.Apenas os governantes e os cientistas continuaram ausar a placa violeta. O resto da população voltou a seorientar pelo sol, como seus antepassados faziam an-tes mesmo da adoção do padrão de Greenwich.

VERONICA STIGGER nasceu em 1973, em Porto Alegre.Formada em jornalismo, atualmente é doutoranda emteoria e crítica de arte pela USP. É autora de O trágico eoutras comédias (Editora 7 Letras).

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