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Resumo: O assédio moral nas relações de emprego é um tipo de violên- cia psíquica no trabalho, caracterizada como um processo de repetidos ataques psicológicos ao assediado, mediante atos diversos que afetam a psiquê do empregado e provocam uma degradação psicológica em suas condições de trabalho. O presente estudo trata do assédio moral nas relações de emprego como um atentado à dignidade do trabalha- dor, atingindo seus direitos da personalidade em suas várias facetas, presente em todas as histórias de assédio moral, ensejando, por tal razão, uma resposta multilateral com várias formas de coerção e de ressarcimento. Analisa as possíveis causas do assédio moral, seus elementos configuradores como dano, entendido, aqui, como prejuízo às condi- ções de trabalho, repetição, duração, sujeitos ativo e passivo da figura estudada, atuações da OIT e OMS, o direito estrangeiro, o assédio mo- ral como fundamento de doenças do trabalho, o assédio moral como ato discriminatório, o cabimento de indenização por danos materiais e morais, a responsabilidade civil e a possibilidade de rescisão indireta do contrato de trabalho. Palavras-chave: assédio moral; mobbing; violência no trabalho; dano moral; discriminação; saúde do trabalhador. Sumário: Introdução; Assédio moral e organização do trabalho; Violên- cia no trabalho; Definição; Elementos caracterizadores; Atos mais fre- qüentes; Discriminação e assédio moral; Sujeito ativo do assédio moral nas relações de emprego; Sujeito passivo do assédio moral nas relações de emprego; Tipos de assédio moral quanto ao grau hierárquico do (s) assediante (s) e do (s) assediado (s) na estrutura da empresa empregado- ra; União Européia; Países que têm legislação específica acerca de assé- dio moral; Países com legislação sobre assédio moral discriminatório; O direito à saúde e o assédio moral; Os danos à saúde causados pelo assé- dio moral nas relações de emprego; Discriminação; Dano; Reparação; Valoração e critérios para fixação da indenização pecuniária; Respon- sabilidade civil. Responsabilidade civil e assédio moral no trabalho; Rescisão indireta; Considerações finais; Bibliografia. Candy Florencio Thome** O ASSÉDIO MORAL NAS RELAÇÕES DE EMPREGO* *Resumo de dissertação de mesmo título, elaborada por ocasião da conclusão do Curso de Mestrado em Direito do Trabalho na Universidade de São Paulo - USP. **Juíza do Trabalho Substituta do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. Especialista em Direito do Trabalho pela PUC-SP. Mestre em Direito do Trabalho pela USP. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 31, jul./dez. 2007.

O ASSÉDIO MORAL NAS RELAÇÕES DE EMPREGO* · mo, efetuado por meio do medo gerado diante de tal violência4. No neo-liberalismo, a violência física não é aceita de maneira geral,

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Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 31, 2007 209

Resumo: O assédio moral nas relações de emprego é um tipo de violên-cia psíquica no trabalho, caracterizada como um processo de repetidosataques psicológicos ao assediado, mediante atos diversos que afetama psiquê do empregado e provocam uma degradação psicológica emsuas condições de trabalho. O presente estudo trata do assédio moralnas relações de emprego como um atentado à dignidade do trabalha-dor, atingindo seus direitos da personalidade em suas várias facetas,presente em todas as histórias de assédio moral, ensejando, por talrazão, uma resposta multilateral com várias formas de coerção e deressarcimento.Analisa as possíveis causas do assédio moral, seus elementosconfiguradores como dano, entendido, aqui, como prejuízo às condi-ções de trabalho, repetição, duração, sujeitos ativo e passivo da figuraestudada, atuações da OIT e OMS, o direito estrangeiro, o assédio mo-ral como fundamento de doenças do trabalho, o assédio moral comoato discriminatório, o cabimento de indenização por danos materiais emorais, a responsabilidade civil e a possibilidade de rescisão indiretado contrato de trabalho.

Palavras-chave: assédio moral; mobbing; violência no trabalho; danomoral; discriminação; saúde do trabalhador.

Sumário: Introdução; Assédio moral e organização do trabalho; Violên-cia no trabalho; Definição; Elementos caracterizadores; Atos mais fre-qüentes; Discriminação e assédio moral; Sujeito ativo do assédio moralnas relações de emprego; Sujeito passivo do assédio moral nas relaçõesde emprego; Tipos de assédio moral quanto ao grau hierárquico do (s)assediante (s) e do (s) assediado (s) na estrutura da empresa empregado-ra; União Européia; Países que têm legislação específica acerca de assé-dio moral; Países com legislação sobre assédio moral discriminatório; Odireito à saúde e o assédio moral; Os danos à saúde causados pelo assé-dio moral nas relações de emprego; Discriminação; Dano; Reparação;Valoração e critérios para fixação da indenização pecuniária; Respon-sabilidade civil. Responsabilidade civil e assédio moral no trabalho;Rescisão indireta; Considerações finais; Bibliografia.

Candy Florencio Thome**

O ASSÉDIO MORAL NAS RELAÇÕES DE EMPREGO*

*Resumo de dissertação de mesmo título, elaborada por ocasião da conclusão do Curso deMestrado em Direito do Trabalho na Universidade de São Paulo - USP.

**Juíza do Trabalho Substituta do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. Especialista emDireito do Trabalho pela PUC-SP. Mestre em Direito do Trabalho pela USP.

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INTRODUÇÃO

O assédio moral no trabalho,embora não seja fenômeno novo,causa mais prejuízos atualmente,com a globalização instaurada. Opresente artigo analisa as prováveiscausas do assédio moral, seus ele-mentos configuradores, sujeitos ati-vo e passivo da figura estudada, oestudo do direito estrangeiro, o as-sédio moral como aviltamento doprincípio da não-discriminação eatentado ao direito sanitário dotrabalho, a indenização pelos danoscausados e a responsabilidade civil,bem como a possibilidade de resci-são indireta do contrato de trabalho.

Assédio moral e organização dotrabalho

O assédio moral é um proble-ma crescente em todos os países. NoBrasil, Margarida BARRETO relataque, de 2.072 trabalhadores entrevis-tados, 870 afirmam que vivenciaramsituações de humilhação1 .

O fenômeno estudado ocorrejá há muito tempo. Há jurisprudên-cia francesa, datada de 16.03.1960,condenando uma empresa a pagaruma soma de 150.000 francos aempregado cujas funções foram,gradativamente, retiradas, bemcomo suas prerrogativas2 .

A globalização gerou crisesde desemprego que, por sua vez,

aumentou a violência nas relaçõesde emprego, sendo deixados de ladoos elementos humanos e o homemcomo centro e medida de valores3 .

Segundo Christophe DEJOURS,a diferença do totalitarismo e doneo-liberalismo situa-se nos objeti-vos deste e daquele, mas o proces-so de banalização do mal é o mes-mo, efetuado por meio do medogerado diante de tal violência4 . Noneo-liberalismo, a violência físicanão é aceita de maneira geral, mastodas as outras formas de violênciasão consideradas normais, banais.Daí uma das razões do aumento doassédio moral no trabalho nas últi-mas décadas, pois a banalização domal gerada com o neo-liberalismo,dentre vários efeitos nefastos, criaa falsa idéia de que a violência e osofrimento no trabalho é um dadosem volta, efeitos contra os quaisnão se pode lutar, como se fosseuma força da natureza5 .

No caso do assédio moral, acompetitividade desumana6 criaum ambiente propício para que umempregado, ou vários, assedie ouassediem um empregado que criealgum obstáculo ou que se desta-que. Dessa forma, pode-se dizerque o assédio moral é um proble-ma estrutural, inerente às atuaisrelações de trabalho, sendo utiliza-do para a manutenção da ordem eda perpetuação das relaçõesassimétricas de poder, mas que

1Violência, saúde e trabalho (uma jornada de humilhações), p. 29.2Cassation Sociale 16.03.1960, Bull. 1960, quatrième partie, section sociale, n. 266, p. 212.3HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio moral: a violência perversa no cotidiano, p. 94.4Souffrance en France. La banalisation de l’injustice sociale, p. 19.5Souffrance en France. La banalisation de l’injustice sociale, p. 15, 27.6Nesse sentido, também, FERREIRA, Hádassa Dolores Bonilha. Assédio moral nas relações de

trabalho, p. 34.

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deve ser considerado como umaafronta à dignidade humana e ba-nido o mais efetivamente possíveldas relações de emprego.

Violência no trabalho

A OMS define a violênciacomo o uso deliberado da força fí-sica ou o poder, como ameaça ouefetivo, contra a própria pessoa, umterceiro, um grupo ou uma comu-nidade, que cause ou tenha muitaspossibilidades de causar lesões,morte, danos psicológicos, transtor-nos de desenvolvimento ou priva-ções7 .

A violência física é espécie dogênero violência, do qual fazemparte a violência física, moral oupsicológica e sexual.

A violência sexual no traba-lho manifesta-se, mais comumente,pelo assédio sexual. O art. 216-A doCódigo Penal – inserido pela Lei n.10.224, de 15 de maio de 2001 –define o assédio sexual. Assim comoa violência física, que atinge o cor-po físico e não a psiquê da pessoa,a violência sexual não se confundecom a violência psicológica, pois seuintuito não é destruir a vítima, masobter dessa favores sexuais.

No Brasil, embora seja deaplicação no âmbito das relaçõesdomésticas e ou familiares, a Lei n.11.340, de 7 de agosto de 2006,conceitua a violência psicológicacontra a mulher no art. 7º, inciso IIe diferencia a violência psicológica

da moral, definindo essa últimacomo qualquer conduta que confi-gure calúnia, difamação ou injúria(art. 7º, inciso V).

Definição

O assédio moral é chamado,em Portugal, de psico-terrorismoou terror psicológico, nos países delíngua inglesa, de mobbing ebullying, de mobbing, no países delínguas germânicas, na França, deharcèlement moral. Na doutrina bra-sileira, embora outros termos comoterror psicológico sejam aceitos, ouso da expressão ”assédio moral”tornou-se corrente.

Marie-France HIRIGOYENafirma que as agressões, no assédiomoral, são fruto de um processoinconsciente de destruição psicoló-gica, constituindo-se, tal processo,de atos hostis mascarados ou im-plícitos, de um ou vários indiví-duos sobre um indivíduo especí-fico, por meio de palavras, alusões,sugestões de não-ditos8 .

Heinz LEYMANN concei-tuou o assédio moral como açõesnegativas, contra uma ou váriaspessoas, mediante as quais se negaa comunicação com uma pessoa9 ,durante um longo período, mar-cando, dessa forma, as relações en-tre os autores e as vítimas e conti-nua, afirmando que algumas carac-terísticas essenciais do assédio mo-ral no trabalho são a confrontaçãoe o constrangimento10.

7BUTCHART, Alexander; PHINNEY, Alison; CHECK Pietra; VILLAVECES, Andrés. Preventingviolence. A guide to implementing the recommendations of the World report on violence andhealth, p. 1.

8Le harcèlement moral: la violence perverse du quotidien, p. 9.9Mobbing. Psychoterror am Arbeitsplatz und wie man sich dagegen wehren kann, p. 21.10Mobbing. Psychoterror am Arbeitsplatz und wie man sich dagegen wehren kann p. 22.

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Elementos caracterizadores

Os elementos que caracteri-zam o assédio moral diferem entreos autores, mas os principais ele-mentos mencionados são: dano,repetição, intencionalidade, dura-ção no tempo, premeditação, inten-sidade da violência psicológica eexistência de danos psíquicos.

Para que haja a configuraçãodo assédio moral no âmbito das re-lações de emprego, faz-se necessá-rio que tenha havido ato agressor,um dano à dignidade do trabalha-dor. Não se trata de necessidade dedano físico-psíquico,mas os atos devemcausar uma degra-dação das condiçõesde trabalho11 , nãohavendo a necessi-dade da prova dire-ta do dano, uma vezque a mera existên-cia de assédio moraljá configura a con-duta abusiva e odano moral é umdano in re ipsa.

A repetição é um dos requisi-tos que a grande maioria das legis-lações, doutrina e jurisprudência devários países exige para a configu-

“Para que haja a configuração

do assédio moral no âmbito das

relações de emprego, faz-se ne-

cessário que tenha havido ato

agressor, um dano à dignidade

do trabalhador.”

ração do assédio moral no trabalho.Heinz LEYMANN12 e Marie-FranceHIRIGOYEN13 , pioneiros no estudodo tema, entendem que, para aconfiguração do assédio moral, énecessária a repetição dos atosagressores. Também, segundoStåle EINARSEN et ali14 , WolfgangDÄUBLER15 , Gwendoline AUBORGe Hélène de MOURA, o assédiomoral, para ser caracterizado, deve serefetuado mediante atos repetidos16 .

No Brasil, Márcia NovaesGUEDES17 , Sônia Mascaro NAS-CIMENTO18 , Hádassa DoloresBonilha FERREIRA19 , Jorge Luiz de

Oliveira da SILVA20 eRodolfo PAMPLONAFILHO21 entendemque a repetição é ele-mento intrínseco doassédio moral no âm-bito do direito do tra-balho.

Não há, por-tanto, muitas contro-vérsias acerca da ne-cessidade de repeti-ção dos atos caracteri-

zadores do assédio moral, pois, efeti-vamente, se não há a reiteração doato, não se pode falar em assédio, emcerco.

11AUBOURG, Gwendoline; MOURA, Hélène de. Le harcèlement moral, p. 12.12LEYMANN, Heinz. Mobbing. Psychoterror am Arbeitsplatz und wie man sich dagegen wehren

kann. Hamburgo, passim.13HIRIGOYEN, Marie-France. Malaise dans le travail. Harcèlement moral: démêler le vrai du

faux, p. 24.14EINARSEN, Ståle et ali. The concept of bullying at work, p. 7.15Zurückhaltung des Rechts. Mobbing und das Arbeitsrecht – eine Bestandsaufnahme. In: Heinz

LEYMANN. Der neue Mobbing-Bericht. Erfahrungen und Initiativen, Auswege undHilfesangebote, p.78.

16AUBOURG, Gwendoline; MOURA, Hélène de. Le harcèlement moral, p. 13.17Terror psicológico no trabalho, p. 33, 44.18O assédio moral no ambiente de trabalho, p. 922.19Assédio moral nas relações de trabalho, p. 48.20Assédio moral no ambiente do trabalho, p. 15, 19.21Noções conceituais sobre o assédio moral na relação de emprego. Disponível em: http://

www.anamatra.org.br/opiniao/artigos/ler_artigos.cfm?cod_conteudo=7987&descricao=Artigos.Acesso em: 22.08.2006.

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Alguns autores consideram aduração dos ataques de assédiomoral como um dos requisitos parasua configuração. No Brasil, há ju-risprudência no sentido de que devehaver a prolongação no tempo dadegradação psíquica para haverassédio moral nas relações de em-prego22 . Diante da própria idéia deassédio, tem-se que uma certa du-ração no tempo faz-se necessáriapara sua configuração, mas o limi-te temporal será determinado con-forme o caso concreto.

Alguns autores citam a inten-cionalidade como elemento intrín-seco do assédio mo-ral no direito do tra-balho. O projeto delei francesa de 14 dedezembro de 1999definia o assédiomoral no local de tra-balho como toda de-gradação deliberadadas condições de tra-balho, mas a lei pro-mulgada não elegeua intencionalidadecomo requisito intrínseco da confi-guração do assédio moral23 . Em quepese a lei francesa n. 2002-73 dejaneiro de 2002 não determinar aintencionalidade do ato como ele-mento caracterizador do assédiomoral no local de trabalho, a juris-prudência francesa tem sido maisrestritiva, entendendo que o sujei-to ativo deve ter agido com a inten-ção de causar prejuízo ao trabalha-dor, para a consubstanciação de

“...não há uma dicotomia níti-

da entre a existência ou não da

intencionalidade, considera-se

que uma solução mais equâni-

me seria considerar a existên-

cia da intencionalidade implíci-

ta quando da ocorrência do

assédio moral no trabalho.”

assédio moral24 .

As leis espanholas 51/2003 e62/2003, que tratam do assédiomoral discriminatório no trabalho,não fazem nenhuma referência àintencionalidade do sujeito ativo.

A maior parte da doutrina sus-tenta que a intencionalidade é ele-mento intrínseco do assédio moral notrabalho, mas, diante da afirmaçãode Marie-France HIRIGOYEN25 deque não há uma dicotomia nítida en-tre a existência ou não da inten-cionalidade, considera-se que umasolução mais equânime seria consi-

derar a existência daintencionalidade im-plícita quando daocorrência do assédiomoral no trabalho. Oque deve determinara existência de assé-dio moral nas relaçõesde emprego é, portan-to, a existência ou nãode degradação psico-lógica das condiçõesde trabalho e não aintencionalidade do

sujeito ativo.

A premeditação também éum requisito comumente citadopara a configuração do assédiomoral. Com respeito às opiniõescontrárias, o assédio, para ser con-figurado, pode ser espontâneo, semhaver nenhuma premeditação paraa afronta, como, normalmente,ocorre com os casos de assédio mo-ral coletivo.

22TRT 24ª Região. RO 00408-2005-041-24-00-9. Relator Ricardo G.M. Zandona. 04.10.2006. DO-MS de 31.10.2006.

23LAPÉROU-SCHENEIDER, Béatrice. Les mesures de lutte contre le harcèlement moral, p. 314-315.

24RAVISY, Philippe. Le harcèlement moral au travail, passim.25Malaise dans le travail. Harcèlement moral: démêler le vrai du faux, p. 51.

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Alice Monteiro de BARROScita como um dos elementos do as-sédio moral a intensidade da vio-lência psicológica26 , mas, em ver-dade, a intensidade parece ser maisadequada para a fixação da inde-nização devida que para a configu-ração do assédio moral em si.

A existência de danos psíqui-cos é dispensável, pois a Constitui-ção Federal de 1988 protege, nãoapenas a integridade psíquica,como a moral. Ademais, se tal ele-mento fosse intrínseco ao assédiomoral, a proteção jurídica depen-deria das características da vítimae não do ato ofensor27 .

Atos mais freqüentes

Heinz LEYMANN efetua umaenumeração bastante detalhada dasações mais freqüentes e as divide emcinco grupos, a saber: 1. Ataques àspossibilidades de comunicação; 2.Ataques nas relações sociais; 3. Con-seqüências para a reputação social;4. Ataques na qualidade da ocupa-ção e da vida profissional e 5. Ata-ques para a saúde da vítima28 .

Discriminação e assédio moral

Segundo Marie-France HIRI-GOYEN, o assédio moral inicia-se,normalmente, por uma recusa daalteridade de alguém e manifesta-se por um comportamento de dis-criminação29 . Afirma, também, quequase se pode dizer que todo assé-dio moral é discriminatório30 . Naverdade, a discriminação pode serfundamento e origem do assédio

moral, mas não se confunde comtal fenômeno, uma vez que a pes-soa assediada pode ser atingida pordiversos atos que não impliquemafrontamento a algum direito dasminorias, como, por exemplo, umempregado que seja assediado porter um salário considerado alto de-mais por uma empresa.

Sujeito ativo do assédio moral nasrelações de emprego

Tal violência psíquica podeser efetuada por um agressor ouvários, podendo ser individual oucoletiva.

ParaMarie-France HIRIGOYEN,a violência causada por um agenteexterior não se equipara ao assédiomoral no local de trabalho, ou seja,os atos de assédio efetuados por umcliente não são assédio moral31 . Jáo artigo L-122-49 do Código de Tra-balho francês, inserido pela lei n.2002-73, promulgada em janeiro de2002, não determina quem é o su-jeito ativo, apenas definindo assé-dio moral como atos que tenhampor objetivo ou por efeito uma de-gradação das condições de traba-lho que atinja os direitos do empre-gado, sua dignidade, altere sua sa-nidade física ou mental ou compro-meta seu futuro profissional. Con-forme a lei francesa, o assediadortanto pode ser um gerente,preposto, proprietário, outro em-pregado, como um terceiro, comono caso de clientes que assediemvendedores.

26Assédio moral, p. 140.27Assédio moral, p. 141.28Mobbing. Psychoterror am Arbeitsplatz und wie man sich dagegen wehren kann, p. 33-34.29Malaise dans le travail. Harcèlement moral: démêler le vrai du faux, p. 30.30Malaise dans le travail. Harcèlement moral: démêler le vrai du faux, p. 84.31Malaise dans le travail. Harcèlement moral: démêler le vrai du faux, p. 26.

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Também a lei belga sobre vio-lência e assédio moral no trabalho,de 11 de junho de 2002, prevê, ex-pressamente, a possibilidade deexistência de assédio moral no tra-balho por atos efetuados por tercei-ros. Efetua, inclusive, rol não exaus-tivo das pessoas que podem ser su-jeito ativo, conforme o art. 2º, pa-rágrafo primeiro da lei de 4 de agos-to de 199632 .

Pode-se vislumbrar o assédiomoral no trabalho efetuado por ter-ceiros no caso de relações entre ven-dedores e clientes, quando há umasituação constante de compra e ven-da, como em vendas por atacado33

ou no caso dos professores que,muitas vezes, são assediados, moral-mente, por alunos, sem que a escolatome quaisquer providências.

É controversa a questão de seo empregado assediador, juntamen-te com o empregador, tem legitimi-dade passiva para responder pelosdanos causados por assédio moralnas relações de emprego. Respeita-das as opiniões em sentido contrá-rio, entende-se, em consonânciacom Maria José Romero RODENAS34 ,que a pessoa que efetuou o assédionão tem vinculação própria e dire-ta com outro trabalhador da em-presa, sendo terceiro alheio à rela-ção jurídica entre empregador eempregado assediado.

Sujeito passivo do assédio moralnas relações de emprego

O assédio moral pode atingiruma pessoa, um grupo de pessoas ou,até, todos os empregados de umaempresa. Conforme definição deHeinz LEYMANN35 , a vítima do as-sédio pode ser tanto um único indiví-duo, como vários, mas o assédio mo-ral efetuado contra uma única vítimaé o fenômeno mais encontrado.

Tipos de assédio moral quantoao grau hierárquico do (s)assediante (s) e do (s) assediado(s) na estrutura da empresa em-pregadora

O assédio moral no local detrabalho pode ser horizontal ou ver-tical, ou seja, pode ocorrer entre pes-soas de grau hierárquico diferente(vertical) ou de mesmo grau hierár-quico na empresa (horizontal)36 .

O assédio moral vertical é oassédio que ocorre entre pessoas degrau hierárquico diferente e o tipode assédio encontrado maiscomumente. Pode ser ascendenteou descendente. O assédio moralascendente caracteriza-se por ati-tudes agressivas constantes feitaspor uma pessoa ou várias de grauhierárquico inferior ao da vítima. Oassédio moral efetuado por agentede grau hierárquico superior ao davítima é chamado assédio moralvertical descendente37 . O assédio

32DALLEMAGNE, Marc. La protection contre la violence et le harcèlement moral ou sexuelau travail, p. 11.

33No mesmo sentido, v. LAPÉROU-SCHENEIDER, Béatrice. Les mesures de lutte contre leharcèlement moral, p. 314-315.

34Protección frente al acoso moral en el trabajo, p. 79-80.35Mobbing. Psychoterror am Arbeitsplatz und wie man sich dagegen wehren kann, p. 21.36SegundoAUBOURG, Gwendoline; MOURA, Hélène de. Le harcèlement moral, p. 21, a lei de

17.01.2002 suprimiu qualquer referência à noção de autoridade.37Nesse sentido: GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho, p. 37-38. HIRIGOYEN,

Marie-France. Malaise dans le travail. Harcèlement moral: démêler le vrai du faux, p. 92.

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moral misto configura-se pela exis-tência de relações hierárquicas ho-rizontais e verticais concomitantes.

União Européia

De acordo com a Diretiva doConselho 2000/78/CE, que estabe-lece um quadro geral de igualdadede tratamento no emprego e na ati-vidade profissional, “o assédio éconsiderado discriminação sempreque ocorrer um comportamentoindesejado relacionando a religiãoou crença, deficiência, idade ou ori-entação sexual com o objectivo ouo efeito de violar a dignidade deuma pessoa e de cri-ar um ambiente detrabalho intimida-tivo, hostil, degra-dante, humilhanteou desestabilizador.Nesse contexto, oconceito de assédiopode ser definido emconformidade comas legislações e prá-ticas nacionais dosEstados-Membros”.A Diretiva, portanto,estabelece a definição de assédioapenas nos casos em que ocorre dis-criminação do trabalhador, sendoomissa quanto aos demais casos.

A União Européia adotou,em 2000, uma resolução sobre as-sédio moral no trabalho (2339/2001), na qual recomenda que osEstados-membros adotem uma de-finição uniforme de assédio morale os convida, bem como os atores

“A Suécia foi o país pioneiro a

legislar sobre a matéria, em se-

tembro de 1993,...”

sociais, a colocar em prática obraspolíticas de prevenção eficazes, afim de estabelecer um sistema detroca de experiências e identificaros procedimentos para que possamprevenir e resolver o problema doassédio moral, desenvolvendo a in-formação e a formação das pesso-as envolvidas (empregados, médi-cos do trabalho, atores sociais, etc).

Em 2002, a União Européiaemendou sua diretiva, de 1976, sobrea igualdade de tratamento entre ho-mens e mulheres no que concerne aoacesso ao emprego, à formação e à pro-moção profissional e as condições de

trabalho. Essa emendaincluiu um artigo so-bre assédio e assédio se-xual38 .

Países que têm le-gislação específicaacerca de assédiomoral

A Suécia foi opaís pioneiro a legis-lar sobre a matéria,em setembro de1993, com uma obri-

gação geral de prevenção de partedo empregador, complementadacom uma recomendação voltadapara a análise dos fatores coletivosligados à organização do trabalho39 .

Sua lei sobre assédio moralno trabalho/vitimização no traba-lho define o mobbing da seguinteforma: ações repetidas, repreensí-veis ou claramente negativas,dirigidas contra trabalhadores in-

38OLSEN, Lene. Recueil de directives pratiques du BIT sur la violence au travail dans le secteur desservices et moyens de combattre le phénomène. In: Publications Education Ouvrière en ligne.Education Ouvrière 2003/4. La violence au travail. Disponível em: www.ilo.org./public/french/dialogue/actrav/publ/133/12.pdf, p. 69. Acesso em: 01.06.2005.

39RENAUT, Anne. Harcèlement moral , nouveau mal lié à l’organisation du travail ? In: PublicationsEducation Ouvrière en ligne. Education Ouvrière 2003/4. La violence au travail. Disponívelem: www.ilo.org/public/french/dialogue/actrav/publ/133.1.pdf . Acesso em: 01.06.2005.

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dividuais, de forma ofensiva, quepossam ter por resultado o isola-mento do trabalhador da comuni-dade do local de trabalho (Institu-to para o Ambiente de Trabalho,Suécia, AFS 1993:17). Essa lei de-termina que as condições de traba-lho devam ser adaptadas às dife-rentes capacidades físicas e mentaisdas pessoas e que as tecnologias, or-ganização e a substância do traba-lho deverão ser arranjadas de for-ma a não causar estresse aos traba-lhadores e causar doenças ou aci-dentes40 .

Na Noruega, o Código do Tra-balho estipula, no art.12, item 1, so-bre condições gerais, que atecnologia, a organização do traba-lho, a execução do trabalho, o horá-rio de trabalho e os regimes salariaisdeverão ser organizados de forma anão expor os trabalhadores a efei-tos físicos ou mentais adversos e demaneira a garantir as suas possibili-dades de exercer cautela e de se as-severar que as suas condições de se-gurança não sejam prejudicadas.Também, determina que os meiosnecessários para prevenir os efeitosfísicos adversos serão colocados àdisposição dos trabalhadores e queos trabalhadores não serão subme-tidos ao assédio ou a qualquer ou-tra conduta imprópria.

No item 2, sobre organizaçãodo trabalho, determina que esfor-ços deverão ser feitos para evitartrabalho pouco diversificado,repetitivo, bem como trabalho queseja comandado por máquinas oucorreia de transporte, com o intui-to de se proteger os trabalhadoresno caso de variação de ritmo de tra-balho.

40Mental health and working life, p. 4.

A lei francesa de moderniza-ção social n. 2002-73, de 17 de ja-neiro de 2002, contém um capítulointitulado “luta contra o assédiomoral”, que inseriu, no capítulo IIdo Título II do Livro primeiro doCódigo de Trabalho, antes do art.L.122-46, a Sessão 8. Assédio(art.180 da Lei n. 2002-73 de 17 dejaneiro de 2002).

Essa lei define o assédio mo-ral, no art. 122-48, como atos repe-tidos de assédio moral que tenhampor objetivo ou por efeito uma de-gradação das condições de traba-lho que possam causar prejuízosaos direitos do trabalhador ou a suadignidade, afetar sua saúde físicaou mental ou comprometer seu fu-turo profissional.

Tal artigo dispõe, também,que nenhum assalariado pode so-frer sanção, ser despedido ou serobjeto de uma medida discrimi-natória, direta ou indireta, nota-damente em matéria de remunera-ção, de formação, reclassificação,afetação, qualificação, classificação,promoção profissional, de mudan-ça de contrato por ter passado ouse recusado a passar pelos atos de-finidos na alínea acima ou por tertestemunhado tais atos ou ter rela-tado tais atos, determinando quetoda ruptura de contrato ou qual-quer outro ato resultante de tais atosé nula de pleno direito.

A referida lei institui váriosmecanismos para coibir o assédiomoral, dentre eles, a possibilidadede aplicação de sanção disciplinarao empregado assediador (arts.122-50 e 122-51), a possibilidade deo empregado se afastar de qualquer

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situação de trabalho que possa cau-sar um perigo grave e iminente parasua vida ou sua saúde (art. 321-8),obrigatoriedade de reformulaçãodos regimentos internos das empre-sas para constar a proibição de atosque configurem o assédio moral(art. 122-34), direito de expressão,exercido de forma direta e coletiva,para informar os problemas noambiente de trabalho (art.461-1) edireito de alerta, mediante umaadvertência verbal ou escrita aoempregador (art.231-8).

A Bélgica também tem legis-lação específica sobre assédio mo-ral no âmbito do trabalho. A lei de11 de junho de 2002 visa a prote-ger os trabalhadores da violênciafísica, psíquica ou sexual, do assé-dio moral e do assédio sexual notrabalho e entrou em vigor em 1ºde julho de 2002, tendo como in-tuito tanto a repressão como a pre-venção dessa violência psíquica.

A alínea 2 do parágrafo pri-meiro do art. 4º da lei de 4 de agos-to de 1996 foi alterada, pela lei de11 de julho de 2002, para constar,além de outras proteções, a prote-ção do trabalhador contra a violên-cia e o assédio moral ou sexual notrabalho (item 8º).

Foi inserida no art. 6º, alínea2, a obrigação do empregador departicipar, de forma positiva, napolítica de prevenção efetuada paraa proteção dos trabalhadores con-tra a violência ou assédio moral ousexual, bem como a obrigação de seabster de todo ato de violência oude assédio moral ou sexual no tra-balho e a abstenção de todo uso

abusivo do procedimento de queixa.

O art.32bis obriga todos osempregadores, trabalhadores e aspessoas constantes no art.2º, pará-grafo primeiro, bem como outraspessoas que entrem em contato comos trabalhadores quando da execu-ção de seu trabalho o dever de abs-tenção de todo ato de violência ouassédio moral ou sexual.

Define no, art. 32ter, o assé-dio moral no trabalho como as con-dutas abusivas e repetidas de qual-quer origem, sejam externas ou in-ternas à empresa ou instituição, quese manifestem, precipuamente, porcomportamentos, palavras, intimi-dações, atos, gestos, escritos unila-terais, tendo por objetivo ou porefeito o ataque à personalidade, àdignidade ou integridade física oupsíquica de um trabalhador ou depessoa a que se apliquem as nor-mas do capítulo que regulamentao assédio e a violência, quando daexecução de seu trabalho, ou ten-do por objetivo colocar em perigoseu emprego ou criar um ambienteintimidante, hostil, degradante,humilhante ou ofensivo.

Conforme Marc DALLEMAGNE,a atual lei sobre violência e assédiono trabalho proporciona mecanis-mos voltados, principalmente, parao plano preventivo, mas, mesmoantes do advento da lei sobre assé-dio moral, quanto à prevenção, erapossível utilizar-se da lei de 04 deagosto de 1996, sobre bem-estar notrabalho, que trata da carga psico-social no trabalho, embora tal leinão defina a violência41 .

41La protection contre la violence et le harcèlement moral ou sexuel au travail, p. 5, 7.

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Países com legislação sobre assé-dio moral discriminatório

As leis espanholas n. 51/2003 e 62/2003 definem o assédiomoral discriminatório, ou seja,aquele assédio moral ocorrido notrabalho com fundamento em ati-tudes discriminatórias. Tais leis,porém, não regulamentam o cha-mado pela doutrina espanhola acosolaboral simple, qual seja, o assédiomoral no trabalho que tenha fun-damento diverso da discriminação.

O art. 7º da lei 51/2003, de 2de dezembro, sobre igualdade deoportunidades, não-discriminaçãoe acessibilidade universal das pes-soas com deficiências, define comoassédio toda conduta relacionadacom a deficiência de uma pessoa,que tenha como objetivo ou conse-qüência atentar contra sua digni-dade ou criar um ambiente intimi-datório, hostil, degradante, humi-lhante ou ofensivo. Esse artigo, por-tanto, só protege as pessoas comdeficiências do assédio moral nasrelações de emprego42 .

A Lei 62/2003, de 30 de de-zembro, definiu o assédio comotoda conduta não desejada relacio-nada com a origem racial ou étni-ca, a religião ou convicções, a defi-ciência, a idade ou a orientação se-xual de uma pessoa, que tenhacomo objetivo ou conseqüênciaatentar contra sua dignidade e criarum ambiente intimidatório, humi-lhante ou ofensivo, abrangendo to-dos os casos de assédio moral nasrelações de emprego com causas ouobjetivos discriminatórios.

42Nesse sentido, v. RODENAS, Maria José Romero. Protección frente al acoso moral en eltrabajo, p. 35.

43Protección frente al acoso moral en el trabajo, p. 36.

A reforma efetuada median-te a Lei 62/2003 inseriu o parágra-fo g) na Seção 2 do art. 54 do Esta-tuto dos Trabalhadores, consideran-do como causa de despedida o as-sédio por razão de origem racial ouétnica, religião ou convicções, defi-ciência, idade ou orientação sexualao empresário ou às pessoas quetrabalham na empresa. Conformetal norma, o ordenamento jurídicoespanhol considera como sujeitopassivo do assédio moral discrimi-natório também o empresário e nãoapenas os trabalhadores. Admite,também, expressamente, a existên-cia de assédio moral discriminatóriohorizontal.

Segundo Maria José RomeroRODENAS, a regulação do assédioe as modificações introduzidas noEstatuto dos Trabalhadores avan-çam no sentido de completar aregulação do assédio moral no tra-balho, mas, ainda, é necessária aaplicação das demais normas exis-tentes no ordenamento jurídico es-panhol, diante da inexistência delegislação sobre o assédio moral notrabalho simples e diante do cará-ter pluriofensivo do assédio moral,afetando vários direitos dos empre-gados43 .

O Código de Trabalho portu-guês (Lei n. 99 de 27 de agosto de2003) prevê o direito à igualdadeno acesso ao emprego e no traba-lho em seu art. 22 e proíbe a discri-minação, direta ou indireta, comfundamento na ascendência, idade,sexo, orientação sexual, estado ci-vil, situação familiar, patrimônio

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genético, capacidade de trabalhoreduzida, deficiência ou doença crô-nica, nacionalidade, origem étnica,religião, convicções políticas ou ide-ológicas e filiação sindical, no art. 23.

Considera, em seu art. 24, oassédio a candidato a emprego etrabalhador como discriminação(número 1) e define como assédiotodo o comportamento indesejadorelacionado com um dos fatoresindicados no número 1 do art. 23,praticado quando do acesso aoemprego ou no próprio emprego,trabalho ou formação profissional,com o objetivo ou o efeito de afetara dignidade da pes-soa ou criar um am-biente intimidativo,hostil, degradante,humilhante ou de-sestabilizador (núme-ro 2), determinandoque constitui, em es-pecial, assédio, todoo comportamentoindesejado de carátersexual, sob forma ver-bal, não verbal ou fí-sica, com o objetivo ou o efeito re-feridos no número 2.

Países como a Alemanha e aItália ainda não têm legislação es-pecífica sobre o assédio, mas têmfarta doutrina e jurisprudência so-bre o assunto, observando-se que aregião do Lázio editou uma lei so-bre assédio moral, mas foi conside-rada inconstitucional em razão deincompetência para legislar.

O direito à saúde e o assédio moral

A Constituição de 1988 con-sagra o direito à saúde como um

“O assédio moral no ambiente

de trabalho pode gerar graves

danos à saúde física e mental

do trabalhador, podendo evoluir

para uma doença do trabalho...”

44Natureza jurídica da seguridade social, p. 169.45GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho, p. 31.

direito social, no art. 6º e o assegura,no art. 196, como um direito de to-dos e dever do Estado, garantido me-diante políticas sociais e econômicasque visem à redução do risco de do-ença e de outros agravos e ao acessouniversal e igualitário às ações e ser-viços para sua promoção, proteção erecuperação , inserindo a saúde naseguridade social, juntamente com aprevidência e a assistência social, noart.195. O art. 225 reconhece o direi-to a um meio ambiente equilibrado eo art. 200, inciso VIII, consagra a pro-teção ao meio ambiente, nele compre-endido o do trabalho. Conforme

Pedro VIDAL NETO,o direito à saúde éum direito públicosubjetivo, de acessouniversal e igualitárioàs ações e serviçospara a promoção,proteção e recupera-ção da saúde44 .

Os danos à saúdecausados pelo assé-dio moral nas rela-ções de emprego

O assédio moral no ambientede trabalho pode gerar graves da-nos à saúde física e mental do tra-balhador, podendo evoluir parauma doença do trabalho comoestresse, estresse pós-traumático,síndrome de burn-out, depressão,distúrbios cardíacos, endócrinos edigestivos, alcoolismo, dependênciade drogas, tentativa de suicídio ou,ainda, sua consumação. A vítimade assédio moral acaba por ter queescolher entre a saúde de seu cor-po e mente e o direito ao emprego,única fonte de sobrevivência45 .

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As normas brasileiras refe-rentes à segurança e medicina dotrabalho compreendem a saúde dotrabalhador num aspecto não ape-nas físico como psíquico. A NR-17,que trata da ergonomia no traba-lho, dispõe, no item 17.1, que ascaracterísticas psicofisiológicas dostrabalhadores devem ser levadas emconta a fim de proporcionar, nomeio ambiente de trabalho, o má-ximo de segurança, conforto e de-sempenho eficiente.

O artigo 19 da Lei n. 8.213,de 24 de julho de 1991, define aci-dente de trabalho como aquele queocorre pelo exercíciode trabalho a servi-ço da empresa oupelo exercício de tra-balho dos seguradosque constam noinciso VII do artigo11 da mesma lei,provocando lesãocorporal ou pertur-bação funcional quecause a morte, a per-da ou redução, per-manente ou temporária, da capa-cidade para o trabalho. O artigo 20complementa a definição do artigo19, considerando como acidente detrabalho, também, as hipóteses dedoença profissional e de doença dotrabalho.

A lei ora analisada prevê, emseu artigo 118, a estabilidade paraos empregados que forem acometi-dos de doença do trabalho, peloprazo mínimo de doze meses, apósa cessação do auxílio-doençaacidentário46 .

46Proteção jurídica à saúde do trabalhador, p. 224.

“O assédio moral pode ser efe-

tuado por pessoa ou pessoas da

mesma hierarquia da pessoa

atingida, diante de discrimina-

ção efetuada pela empresa ou

pelos próprios colegas de tra-

balho do assediado.”

De fato, quando o emprega-do é vítima de assédio moral e, mor-mente, quando é atingido por algu-ma doença psíquica gerada pelo as-sédio, ele necessita de um períodode garantia de emprego para suarecuperação, conforme já previstona lei, uma vez que o ofendido sesente inseguro ao voltar para o tra-balho e, normalmente, ainda se en-contra abalado pelas afrontas psí-quicas sofridas.

Antes da ocorrência da doen-ça, diante de perigo à saúde do tra-balhador pela existência de assédiomoral na relação de emprego, a víti-

ma poderá interrom-per seu contrato detrabalho, com direitoa salários, conforme oart. 13 da Convençãon. 155 da OIT, com-binado com o art.161, § 6o, da CLT.

Discriminação

O assédio mo-ral pode ser efetuadopor pessoa ou pesso-

as da mesma hierarquia da pessoaatingida, diante de discriminaçãoefetuada pela empresa ou pelos pró-prios colegas de trabalho do asse-diado. O princípio da não-discrimi-nação é um desdobramento doprincípio da igualdade, que proíbea discriminação negativa entre aspessoas, previsto nos art. 1º, incisoIII, art. 3º, incisos III e IV, art. 4º,inciso VIII, art. 5º, incisos XLI, XLII§§ 1º e 2º, art. 7º, incisos XXX, XXXIe XXXII, art. 19, incisos I e II, art.60, § 4º, inciso IV, art. 215, §§ 1º e2º, art. 216, incisos I, II, III, IV, V e

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§ 5º, art, 242 § 1º, todos da Consti-tuição Federal de 1988 e art. 68 doAto das Disposições Transitórias.

O princípio da não-discrimi-nação é previsto em vários tratadose convenções internacionais, comoa Declaração Universal dos Direi-tos do Homem, em seu art. 2º e oPacto Internacional dos DireitosEconômicos, Sociais e Culturais, emseu art. 7º.

A Convenção n. 111 da Or-ganização Internacional do Traba-lho, em vigor desde 15.07.1960,ratificada pelo Brasil,determina a formu-lação e aplicação,por parte dos paísesratificantes, de umapolítica que promovaa igualdade de opor-tunidades e de trata-mento em matéria deemprego e profissão,a fim de eliminartoda discriminação.

Um instrumentojurídico apto a coibir a discrimina-ção de uma forma geral e, também,nos casos de assédio moral no tra-balho é a previsão de readmissãocontida na Lei n. 9.02947 . A referi-da lei, em seu art. 1º, proíbe a ado-ção de prática discriminatória, noque concerne ao acesso ou à ma-nutenção do emprego, em virtudede sexo, origem, raça, cor, estadocivil, situação familiar ou idade,com exceção das normas protetivasda criança e do adolescente.

“O assédio moral não se con-

funde com o dano moral. Pode

haver dano moral sem que te-

nha ocorrido o assédio. O assé-

dio moral no trabalho, porém,

como uma conduta atentatória

do princípio da dignidade huma-

na e das condições de trabalho,

sempre ensejará danos morais

e, eventualmente, patrimo-

niais.”

47Embora a lei mencionada diga “readmissão”, vários doutrinadores entendem que, em verdade,a expressão correta é “reintegração”.

Seu art. 4º prevê que, em casode despedida fundada por discri-minação, o empregado tem direitoa pleitear sua reintegração, com pa-gamento integral de todo o perío-do de afastamento, com juros e cor-reção monetária (inciso I) ou o pa-gamento em dobro referente ao pe-ríodo em que permaneceu afasta-do, com juros e correção monetá-ria (inciso II).

Considera-se que o art. 4º dalei em comento é aplicável a todos oscasos de discriminação mencionadosno art. 1º e não apenas aos casos de

discriminação de gê-nero, já que o caputdo art. 4º dispõe so-bre rompimento darelação de trabalhopor ato discrimina-tório, nos moldes des-ta lei deixando claroseu caráter abran-gente de todo ato dis-ciplinado na referidanorma.

Dano

O assédio moral não se con-funde com o dano moral. Pode ha-ver dano moral sem que tenha ocor-rido o assédio. O assédio moral notrabalho, porém, como uma condu-ta atentatória do princípio da dig-nidade humana e das condições detrabalho, sempre ensejará danosmorais e, eventualmente, patri-moniais.

Um evento que infrinja direi-to de alguém pode gerar danos tan-to patrimoniais como extrapatri-

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moniais, conforme os arts. 402 e403 do Código Civil de 2002. Naocorrência de assédio moral nas re-lações de emprego, é possível a exis-tência de danos patrimoniais a se-rem ressarcidos, na medida em queesse constrangimento psíquico podegerar danos à saúde do emprega-do, acarretando despesas com aten-dimento médico, psicológico e comremédios, bem como gerar lesões àvida profissional do empregado.

Reparação

A reparação de quaisquerdanos causados está fundada noprincípio do neminem laedere, pre-visto, constitucionalmente, no art.5o da Constituição brasileira. Des-sa forma, qualquer dano causadopelos atos de assédio moral ensejamo pagamento de indenização pordanos materiais e morais causados.

O art. 1059 do Código Civilde 2002 dispõe que as perdas e da-nos devidos ao credor abrangem,além do que ele efetivamente per-deu, o que razoavelmente deixou delucrar, excetuando-se as hipótesesprevistas no Código.

Considera-se que o critériomais justo para fixar a indenizaçãopecuniária é o critério do arbitra-mento, já que deve observar a clá-usula geral da restitutio in integrum,que prevê que todo dano deve serrestituído integralmente, e abrangerdireitos patrimoniais e extrapatri-moniais, conforme art. 944 do Có-digo Civil de 2002 e art. 5o, incisosV e X da Constituição Federal de198848 . A indenização tarifada, que

48Nesse sentido, DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade civil no Direito doTrabalho, p. 102, 146.

49No mesmo sentido, DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, p. 616.50O dano pessoal no direito do trabalho, p. 180.

é a indenização com valor previa-mente estipulado, é vedada, cons-titucionalmente, uma vez que nãoobserva o princípio da reparaçãointegral49 . Dessa forma, o assédiomoral causado por discriminaçãonão pode ser ressarcido apenas coma indenização da Lei n. 9.099/1995pois, assim, eventual lesão maioraos direitos do empregado não se-ria ressarcida.

Conforme Paulo EduardoVieira de OLIVEIRA, as discussõessobre se era possível a dupla inde-nização, ou seja, a cumulação dereparação trabalhista e reparaçãocivil foram resolvidas, pelo E. Su-premo Tribunal Federal, de modoa considerar ser cabível a dupla in-denização, a teor do art. 7o, incisoXXVIII, da Constituição Federal de1988, sempre que o dano atingirmais de uma das facetas daintegralidade da personalidade50 .Tal possibilidade dá-se porque es-ses danos são autônomos entre si.

Valoração e critérios para fixaçãoda indenização pecuniária

Mauricio Godinho DELGA-DO aponta cinco tipos de critériospara o estabelecimento do valorindenizatório: 1) quanto ao atoofensivo, sua natureza, sua gravi-dade e o tipo de bem jurídico tute-lado que a ofensa atinge; 2) quantoà relação do ato com a comunida-de, a repercussão do ato; 3) quantoà pessoa do ofendido, a intensida-de de seu sofrimento, a posição fa-miliar, comunitária ou política do

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ofendido e seu nível de escolarida-de; 4) quanto à pessoa do ofensor,sua posição socioeconômica, a ocor-rência, ou não, de práticas reitera-das de ofensas da mesma naturezae gravidade, a intensidade do doloou culpa do praticante do ato; 5) aexistência, ou não, de retratação es-pontânea do ofensor e a extensãoda reparação alcançada51 .

José Affonso DALLEGRAVENETO frisa o caráter reparatório-sancionatório da indenização pordanos extrapatrimoniais, mormen-te no caso de assédio moral, já queintrinsecamente ligado à dignida-de do homem52 .

Diante da análise da doutri-na e jurisprudência, conclui-se que,para a reparação pecuniária, de-vem ser utilizados todos os critérioscolocados à disposição do juízo, afim de se estabelecer uma quantiaque proporcione um ressarcimentointegral do dano, bem como sanci-one o ato ensejador de tal lesão,para que haja uma efetiva repres-são ao assédio moral.

Responsabilidade civil

Com o decorrer do tempo, aresponsabilidade civil subjetiva foiconsiderada insuficiente, na medidaem que imputava à vítima a provada culpa, muitas vezes de difícil rea-lização, desenvolvendo-se, portanto,a teoria da responsabilidade civil ob-jetiva, que prescinde de culpa. Hoje,

conforme Sergio CAVALIERI FI-LHO, se o Código Civil de 1916 erasubjetivista, o Código atual prestigiaa responsabilidade civil objetiva53 .

O Código Civil de 2002, emseu art. 927, prevê que “haverá obri-gação de reparar o dano, indepen-dentemente de culpa, nos casos es-pecificados em lei, ou quando a ati-vidade normalmente desenvolvidapelo autor do dano implicar, porsua natureza, risco para os direitosde outrem”.

Segundo José AffonsoDALLEGRAVE NETO, os contra-tos devem se pautar pelo solida-rismo contratual, ou seja, devemlevar em conta os princípios e valo-res constitucionais que reconhecemo outro em sua plenitude54 . O au-tor afirma, também, que a respon-sabilidade civil objetiva está previs-ta no contrato de emprego, art. 2o

da Consolidação das Leis do Tra-balho e na responsabilidade por atode terceiro, prevista no art. 1521 doCódigo Civil de 1916 e no CódigoCivil de 2002, art. 93355 . Ressaltaque o fundamento principal da res-ponsabilidade civil objetiva nas re-lações de emprego não é o art. 2o

da Consolidação das Leis do Tra-balho ou a teoria do risco proveito,mas o solidarismo constitucional,não devendo o empregado concor-rer com qualquer risco a seus patri-mônios físico, moral ou econômi-co56 .

51Curso de Direito do Trabalho, p. 623.52Responsabilidade civil no Direito do Trabalho, p. 241.53Programa de responsabilidade civil, p. 46.54Responsabilidade civil no Direito do Trabalho, p. 28.55Responsabilidade civil no Direito do Trabalho, p. 104-105.56Responsabilidade civil no Direito do Trabalho, p. 112, 124.

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Responsabilidade civil e assédiomoral no trabalho

A empresa é responsável peloassédio moral efetuado, tanto emvirtude de ação sua – em caso deassédio moral estratégico, porexemplo – como no caso de omis-são – hipótese em que a empresanão impede que o assédio moralocorra no trabalho.

Há doutrinadores que enten-dem que, como a doutrina majori-tária considera a intencionalidadecomo requisito intrínseco para aconfiguração do assédio moral, nãose pode dizer que umambiente de traba-lho, ainda queestressante, possa serconsiderado, por sisó, como um localcom grave probabili-dade de gerar assé-dio moral.

Respeitadas asopiniões em sentidocontrário, entende-seque a intenciona-lidade do ato não é elemento intrín-seco do assédio moral. Dessa for-ma, não há que se falar em necessi-dade de existência de dolo para acaracterização da responsabilidadecivil.

Não se pode olvidar que o as-sédio moral é um atentado ao meioambiente do trabalho, ensejando,portanto, a aplicação do art. 225, §3o, da Constituição Federal, que de-termina a obrigação de reparar osdanos ao meio ambiente, inclusiveo do trabalho, independentemente

“Não se pode olvidar que o as-

sédio moral é um atentado ao

meio ambiente do trabalho,

ensejando, portanto, a aplicação

do art. 225, § 3o, da Constitui-

ção Federal, que determina a

obrigação de reparar os danos

ao meio ambiente, inclusive o

do trabalho, independentemen-

te de dolo ou culpa.”

de dolo ou culpa.

Além disso, o principal moti-vo da existência da teoria da res-ponsabilidade civil objetiva é evitarque as vítimas de um dano maiscomplexo, como o assédio, porexemplo fiquem sem a indenizaçãoque seria cabível, diante da notóriadificuldade de obtenção de provada culpa. Apesar do posiciona-mento adotado, deve-se ressaltarque o entendimento predominanteda doutrina e da jurisprudênciabrasileiras é de que a responsabili-dade civil no caso de assédio moral

nas relações de em-prego é subjetiva.

Rescisão indireta

A afronta es-tudada pode darnascimento à pre-tensão de rescisão docontrato do empre-gado por rigor exces-sivo ou exigência deserviços além dasforças do trabalha-dor (art. 483, a e b,

da CLT), por perigo manifesto demal considerável (art.483, c, daCLT), por descumprimento de de-veres legais e contratuais (art. 483,d, da CLT), ou por ato do empre-gador ou de seus prepostos quelesione a honra e a boa fama do em-pregado ou de pessoas de sua fa-mília (alínea e do art. 483 da nor-ma consolidada). Segundo WagnerGIGLIO, as atitudes que configu-ram o assédio moral estão na pró-pria gênese da expressão “rescisãoindireta”57 .

58Justa causa, p. 405.

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Ao empregado assediado nãodeve, contudo, ser imputada a obri-gação de considerar rescindido seucontrato de trabalho, já que não háa configuração do perdão tácito, nocaso de manutenção do contrato detrabalho, mas, meramente, a forçada necessidade da subsistência, jáque, nas palavras de WagnerGIGLIO, “o trabalhador é o únicojuiz da conveniência de rescindir ocontrato: fica a seu inteiro critériosuportar o descumprimento dasobrigações, pelo empregador, moveração para constrangê-lo a cumpri-las ou denunciar o contrato”58 .

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A atual organização do traba-lho, fruto do neo-liberalismo, propi-cia um ambiente em que o assédiomoral pode ocorrer mais facilmen-te, pois o sofrimento no trabalho éutilizado para perpetuar as relaçõesde poder. Não se pode considerar,contudo, tal afronta como uma si-tuação inexorável, como um dadosem volta, pois a sociedade deve es-tar consciente de que tais atos feremo princípio da dignidade humana e,dessa forma, devem e podem sercombatidos, mediante um sistemarepressivo voltado especificamentecontra o assédio moral no âmbitodas relações de emprego.

O assédio moral nas relaçõesde emprego é um tipo de violênciapsíquica no trabalho. Caracteriza-se como um processo de repetidosataques psicológicos ao assediado,mediante atos diversos que vão des-de aqueles, aparentemente, inocen-tes até os ostensivamente humi-

58 Justa causa, p.405.

lhantes que afetam a psiquê do em-pregado e provocam uma degrada-ção psicológica em suas condiçõesde trabalho.

O assédio moral nas relaçõesde emprego é uma afronta múlti-pla aos direitos fundamentais dostrabalhadores, principalmente aodireito sanitário do trabalho e aoprincípio da não-discriminação.

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