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O Avante! fez 70 anos Membro do Comité Central do PCP e Chefe de Redacção do Avante! Comemorar um aniversário não é apenas recordar o passado dos anos que fizeram uma história e só faz sentido quando lhe auguramos futuro. É esse o caso do nosso Avante!. Trata-se, porém, de um aniversário muito especial. Raro é o jornal que comemora 70 anos de vida. Mais raro - e neste caso único - é o exemplo de um jornal que comemora a passagem de sete décadas orgulhando-se de ter travado ao longo da sua vida uma verdadeira batalha. Batalha pela verdade, batalha em defesa dos trabalhadores contra a exploração, batalha por um projecto social de liberdade, de democracia, integrando-se, como o Partido a que dá voz, no rumo da luta que conduzirá ao socialismo. E que tem o comunismo como objectivo final da história. Mais raro ainda é o exemplo deste jornal, fundado na clandestinidade em 15 de Fevereiro de 1931 e conseguindo atravessar 43 anos das mais duras provas, escrito, impresso e distribuído no interior do País - caso único na imprensa comunista em todo o mundo. A partir da reorganização do Partido, nos anos 40/41, o Avante! não mais deixou de publicar-se regularmente. Foi assim até ao 25 de Abril e, nesses longos anos de clandestinidade, muitos sacrificaram a sua liberdade e alguns deram a vida para que o Avante! pudesse levar a notícia verdadeira, os exemplos das lutas operárias e camponesas, das lutas de todos os trabalhadores e também dos estudantes e de todos os democratas contra a opressão fascista e pela liberdade. No passado ainda se inscreve o exemplo do nosso jornal durante e após a Revolução de Abril, apoiando as conquistas revolucionárias e a institucionalização da democracia, defendendo essas conquistas, dando novas de Portugal e do mundo, sempre com a preocupação do rigor e a exigência da verdade. Hoje, o Avante! continua a ser único nessa postura e no partido que continua a tomar pela liberdade e contra a exploração, no rumo da sociedade socialista que aponta e que o inspira. Um pouco de história O Partido ia fazer dez anos de existência. A ditadura, instaurada pelo golpe militar de 28 de Maio de 1926, lançou a repressão sobre todos os que se opunham aos seus desígnios e principalmente sobre o movimento operário. O PCP, que se constituíra em 1921, interrompeu o seu 2.º Congresso e o trabalho político legal tornou-se difícil e depois impossível. Na sequência da reorganização de 1929, visando tomar medidas de organização face à repressão, surge a necessidade de um órgão central do PCP à altura das necessidades da luta. O Avante!, impresso e distribuído clandestinamente, surge pela primeira vez em 15 de Fevereiro de 1931, dirigindo-se em editorial «Ao Proletariado de Portugal». Nos dez anos seguintes, a sua publicação é irregular. Mas, no auge das lutas, chega a ser impresso e distribuído semanalmente e a atingir uma tiragem de dez mil exemplares. Difundindo os ideais comunistas e a orientação do Partido, divulgando as lutas abafadas pela censura, o jornal do PCP torna-se numa voz insubstituível, um jornal de concepção leninista, agitador, propagandista e organizador político. Quarenta e três anos após o seu primeiro número, o Avante! publica o seu último número na clandestinidade. Abril já podia antever-se nos artigos do nosso jornal - «Não dar tréguas ao fascismo» era a palavra de ordem. E também: «Aliar à luta antifascista os patriotas das forças armadas». Para esse desfecho havia contribuído o trabalho e o sacrifício de muitos milhares de comunistas, na vanguarda da luta. Nos últimos estertores, o fascismo procedia a uma escalada da tortura, de que o Avante! dava conta. Muitos foram os militantes presos, torturados e mesmo assassinados durante quarenta e oito anos de ditadura. Muitos aqueles que deram a vida. Recordemos entre eles os camaradas Maria Machado e José Moreira, assassinados em defesa do Avante! A sua memória inspira o nosso trabalho presente. No dia 17 de Maio de 1974, menos de um mês decorrido após o 25 de Abril, o primeiro Avante! legal está na rua. Foi disputado em todo o País e a tiragem deste número atingiu o meio milhão de exemplares. Anunciava a participação dos comunistas no Governo Provisório. O que garantia à partida o empenho e a influência do PCP

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O Avante! fez 70 anos

Membro do Comité Central do PCP e Chefe de Redacção do Avante!

Comemorar um aniversário não é apenas recordar o passado dos anos que fizeram uma história e só faz sentido quando lhe auguramos futuro. É esse o caso do nosso Avante!. Trata-se, porém, de um aniversário muito especial. Raro é o jornal que comemora 70 anos de vida. Mais raro - e neste caso único - é o exemplo de um jornal que comemora a passagem de sete décadas orgulhando-se de ter travado ao longo da sua vida uma verdadeira batalha. Batalha pela verdade, batalha em defesa dos trabalhadores contra a exploração, batalha por um projecto social de liberdade, de democracia, integrando-se, como o Partido a que dá voz, no rumo da luta que conduzirá ao socialismo. E que tem o comunismo como objectivo final da história.

Mais raro ainda é o exemplo deste jornal, fundado na clandestinidade em 15 de Fevereiro de 1931 e conseguindo atravessar 43 anos das mais duras provas, escrito, impresso e distribuído no interior do País - caso único na imprensa comunista em todo o mundo.

A partir da reorganização do Partido, nos anos 40/41, o Avante! não mais deixou de publicar-se regularmente. Foi assim até ao 25 de Abril e, nesses longos anos de clandestinidade, muitos sacrificaram a sua liberdade e alguns deram a vida para que o Avante! pudesse levar a notícia verdadeira, os exemplos das lutas operárias e camponesas, das lutas de todos os trabalhadores e também dos estudantes e de todos os democratas contra a opressão fascista e pela liberdade.

No passado ainda se inscreve o exemplo do nosso jornal durante e após a Revolução de Abril, apoiando as conquistas revolucionárias e a institucionalização da democracia, defendendo essas conquistas, dando novas de Portugal e do mundo, sempre com a preocupação do rigor e a exigência da verdade.

Hoje, o Avante! continua a ser único nessa postura e no partido que continua a tomar pela liberdade e contra a exploração, no rumo da sociedade socialista que aponta e que o inspira.

Um pouco de história

O Partido ia fazer dez anos de existência. A ditadura, instaurada pelo golpe militar de 28 de Maio de 1926, lançou a repressão sobre todos os que se opunham aos seus desígnios e principalmente sobre o movimento operário. O PCP, que se constituíra em 1921, interrompeu o seu 2.º Congresso e o trabalho político legal tornou-se difícil e depois impossível. Na sequência da reorganização de 1929, visando tomar medidas de organização face à repressão, surge a necessidade de um órgão central do PCP à altura das necessidades da luta. O Avante!, impresso e distribuído clandestinamente, surge pela primeira vez em 15 de Fevereiro de 1931, dirigindo-se em editorial «Ao Proletariado de Portugal». Nos dez anos seguintes, a sua publicação é irregular. Mas, no auge das lutas, chega a ser impresso e distribuído semanalmente e a atingir uma tiragem de dez mil exemplares. Difundindo os ideais comunistas e a orientação do Partido, divulgando as lutas abafadas pela censura, o jornal do PCP torna-se numa voz insubstituível, um jornal de concepção leninista, agitador, propagandista e organizador político.

Quarenta e três anos após o seu primeiro número, o Avante! publica o seu último número na clandestinidade. Abril já podia antever-se nos artigos do nosso jornal - «Não dar tréguas ao fascismo» era a palavra de ordem. E também: «Aliar à luta antifascista os patriotas das forças armadas». Para esse desfecho havia contribuído o trabalho e o sacrifício de muitos milhares de comunistas, na vanguarda da luta. Nos últimos estertores, o fascismo procedia a uma escalada da tortura, de que o Avante! dava conta. Muitos foram os militantes presos, torturados e mesmo assassinados durante quarenta e oito anos de ditadura. Muitos aqueles que deram a vida. Recordemos entre eles os camaradas Maria Machado e José Moreira, assassinados em defesa do Avante! A sua memória inspira o nosso trabalho presente.

No dia 17 de Maio de 1974, menos de um mês decorrido após o 25 de Abril, o primeiro Avante! legal está na rua. Foi disputado em todo o País e a tiragem deste número atingiu o meio milhão de exemplares. Anunciava a participação dos comunistas no Governo Provisório. O que garantia à partida o empenho e a influência do PCP

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na Revolução que nascia e tomava alento, com base na aliança que desde a primeira hora se formou entre o Povo e o MFA. Quem quiser saber o que foi Abril e as suas conquistas, a participação dos trabalhadores e das largas massas no aprofundamento da democracia, na sua institucionalização e consagração de direitos e liberdades, quem quiser saber o que foi a luta heróica travada pela Reforma Agrária, pelas Nacionalizações, pelo controlo operário, quem quiser saber da solidariedade internacionalista e da batalha pela consagração da independência dos países dominados pelo colonialismo português, quem quiser saber da Revolução, leia o Avante! desses tempos. Está lá o essencial.

Ler o jornal

Uma das preocupações principais de quem faz o Avante! - de quem o dirige, escreve, organiza graficamente - é conseguir apresentar aos leitores (sobretudo aos militantes mas também a todos, e são muitos os que se interessam pelos pontos de vistas dos comunistas), um jornal atraente, de fácil consulta, que cubra uma vasta gama de temas, que suscite interesse para além da vontade fundamental de obter informação e orientação política.

Novos tempos, necessidades novas, novas atenções e problemas, novos gostos apontam para a necessidade periódica de remodelações. Sempre foi assim também com o Avante!. Depois de ensaiar algumas remodelações - sendo de assinalar o êxito da criação de um suplemento que introduziu grandes reportagens sobre as mais variadas realidades e artigos sobre temas diversificados - surgiu a necessidade de modificar o formato do jornal, correspondendo à exigência de numerosos leitores. Assim se fez. Mas fez-se mais, não se ficou pelo formato «reduzido» a tablóide, abrindo-se as nossas páginas à colaboração de camaradas cuja actividade e conhecimento de áreas específicas contribuíram para um maior aprofundamento e tratamento de problemas de grande actualidade. As questões centrais, porém, continuaram a ocupar as nossas páginas, com atenção redobrada às lutas dos trabalhadores e à actividade do Partido.

E chegou a hora de mais uma remodelação importante na vida do nosso jornal. A par de novo grafismo que visa tornar mais atraente a leitura, do encurtamento e diversificação de textos que renovam o interesse dos leitores, o Avante!, há precisamente um ano, surgiu renovado nas bancas e nas organizações do Partido que o distribuem. Novas colaborações o vieram enriquecer, num âmbito alargado de interesses, novas secções o animam, como a que se dedica a noticiar e a tratar os problemas que afectam a juventude. Correspondentes escrevendo em outras partes do mundo dão-nos não só as notícias que a restante imprensa não veicula como comentam a realidade distante e as lutas anticapitalistas e anti-imperialistas que não deixam de eclodir. Um Avante! novo? Não. Apenas renovado e acompanhando o tempo. Porque o Avante! é sempre o mesmo. Órgão central do PCP. Com 70 anos. E muito futuro.

«O Militante» - N.º 251 - Março/Abril 2001

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Avante! faz 75 anos - Páginas de uma história heróica

31-Jan-2006

Avante! faz 75 anos - Páginas de uma história heróica Indissociavelmente ligada à história do PCP, a história do Avante! é a história da coragem e da dedicação de gerações de comunistas que dedicaram toda a sua inteligência, engenho e sensibilidade para fazer um jornal que constitui um dos mais notáveis exemplos de imprensa clandestina de todo o mundo. Uma história de que os actuais obreiros do Avante! e todos os militantes comunistas se orgulham e à qual darão a necessária continuidade. Há 75 anos, um pequeno jornal dirigia-se «Ao proletariado de Portugal», incitando-o para a organização e para a luta contra o fascismo que despontava. Estava-se a 15 de Fevereiro de 1931 e saía o primeiro número do Avante!, órgão central do Partido Comunista Português. O Avante! não foi o primeiro jornal do PCP. Logo no ano da fundação do Partido, dez anos antes, em 1921, é lançado O Comunista. Em 1929 sai O Proletário. Como outros, estes órgãos tiveram uma vida efémera. Com dirigentes naturalmente inexperientes, mal preparados e com fraca formação marxista-leninista – muito influenciados ainda por concepções anarco-sindicalistas e oportunistas –, embora determinados e convictos, o PCP debate-se com grandes dificuldades nos primeiros anos de vida. O golpe militar fascista de 28 de Maio de 1926, na véspera do início do II Congresso do Partido, e a imposição da clandestinidade no ano seguinte, agravaram ainda mais as já difíceis condições em que actuava o PCP. Tudo isto teria reflexos na imprensa partidária. A conferência de Abril de 1929, onde foi designado secretário-geral Bento Gonçalves, marca o início da reorganização do Partido. Este processo, que passou pela revisão dos processos de trabalho e de aspectos fundamentais da linha política, acabaria por transformar um núcleo de comunistas dedicados, corajosos e relativamente activos, num partido proletário, marxista-leninista, mais preparado para resistir e lutar em condições de clandestinidade e de feroz perseguição policial. Dois anos depois, nascia o Avante!. Entre duas reorganizações A reorganização dá os seus frutos. O Partido cresce, alarga a sua influência junto da classe operária e dos trabalhadores, dirige as suas lutas. São anos de grandes greves operárias, do 18 de Janeiro de 1934, da revolta dos marinheiros dois anos depois.

Apesar dos avanços, o Partido vive anos difíceis. O fascismo ganha um novo fôlego com a liquidação da República espanhola e com o desencadear da Segunda Guerra Mundial e concentra sobre o PCP as suas forças repressivas. A repressão abate-se sobre os comunistas e desfere rudes golpes na organização do Partido. Em 1935, é preso o Secretariado e destacados militantes caem às mãos da polícia política. A falta de quadros provados e experimentados que assegurem a existência de uma direcção capaz faz-se sentir.

O Avante! acompanha a evolução do Partido e a sua saída é irregular. Neste período, a sua publicação é interrompida, e de novo retomada, por cinco vezes. Apesar disto, entre 1937 e 1938, nos anos da Guerra Civil Espanhola, onde combateram muitos comunistas portugueses, o Avante! chega a ser semanal, com tiragens a atingir os 10 mil exemplares. Mas os golpes repressivos na estrutura dirigente do Partido e a captura, pela polícia política, da tipografia do Avante!, aliados às fragilidades da estrutura partidária, ditariam a interrupção da publicação jornal por mais de dois anos.

No início da década de quarenta, Bento Gonçalves era lentamente assassinado no Campo de Concentração do Tarrafal e muitos dos melhores quadros do Partido encontravam-se presos. Os dirigentes que restam em liberdade mostram-se incapazes de defender o Partido e não merecem a confiança da direcção. Um grande Partido nacional Com a libertação, em 1940, de um grande número de jovens militantes, entre os quais Álvaro Cunhal, Militão Ribeiro, Sérgio Vilarigues, Pires Jorge, José Gregório, Pedro Soares, Manuel Guedes e Júlio Fogaça, dá-se início à reorganização do PCP. O objectivo era, como afirmou ao Avante!, em 2001, Sérgio Vilarigues, cortar o Partido pela sua «parte sã».

A reorganização acabaria por transformar o PCP num grande partido nacional, com implantação junto de amplos sectores da população e mais preparado para resistir às ofensivas da polícia. Anos mais tarde, escreveria Álvaro

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Cunhal, no Rumo à Vitória: «foi após a reorganização de 1940-41 que, pela primeira vez no período de vida clandestina do Partido, se criou um Comité Central, uma direcção colectiva e um forte corpo de revolucionários profissionais que, embora com períodos difíceis e alterações e renovamentos na sua composição, se tem mantido até hoje».

Afirmava Manuel Guedes, no seu relatório ao III Congresso, em 1943, que o Partido «pode contar já com uma centena de organizações locais e regionais e, nos grandes centros, com umas dezenas de células de empresa».

Com a guerra e a política salazarista de colaboração com a Alemanha nazi, a situação dos trabalhadores tornava-se desesperada: os salários são muito baixos, escasseiam os produtos essenciais, o açambarcamento generaliza-se, a fome alastra. Os trabalhadores lançam-se na luta e à sua frente, mobilizando, dirigindo, dando ânimo, está o PCP. No seu relatório ao III Congresso (I ilegal), sobre as grandes greves de 1942 e 1943, José Gregório afirma que «pela maneira como organizou e conduziu as massas trabalhadoras nas jornadas de Julho/Agosto, o nosso Partido dirigiu o maior movimento operário desde o advento do fascismo, obteve uma grande vitória política sobre o fascismo». O Avante! volta a sair… Com a reorganização, veio a preocupação de voltar a pôr o Avante! nas ruas. Em Agosto de 1941, o Avante! volta a sair, para não mais deixar de se publicar regularmente até ao 25 de Abril. Sempre composto e impresso no interior do País, o Avante! é, em todo o mundo, o jornal que durante mais tempo resistiu à clandestinidade. Entre o III e o IV congressos do Partido, separados por menos de três anos, o Avante! quadruplicou a sua tiragem.

Aplicadas novas medidas conspirativas de defesa do Partido e das tipografias clandestinas, o Avante! conseguiu finalmente cumprir cabalmente o seu papel de órgão central do PCP. Como jornal operário foi, durante décadas, um grande órgão de mobilização, de consciencialização e de unificação dos trabalhadores. Como jornal antifascista, foi um combatente incansável pela unidade de todos quantos se opunham à ditadura. Num País silenciado pela censura, foi um lutador pelo direito à informação e pela liberdade de expressão. Em Abril de 74, o Avante! sublinhava a necessidade de «aliar à luta antifascista os patriotas das forças armadas». Era o anúncio da Revolução… … para não mais parar O primeiro Avante! legal, saído a 17 de Maio de 1974, é disputado nas ruas, nas fábricas e no campo e tem um impacto estrondoso: são vendidos 500 mil exemplares. Em tempos de Revolução, de conquista de direitos, o Avante! dá voz aos que nunca a haviam tido e que se haviam tornado nos protagonistas desse tempo – os trabalhadores.

Mas a contra-revolução faz o seu caminho. Os tempos são novamente de resistência, desta vez em defesa das conquistas de Abril. Pela mão do PS e do PSD, com e sem o CDS, a política de direita reforça o ataque a essas conquistas: a Reforma Agrária e as nacionalizações são destruídas e aspectos essenciais de Abril são subvertidos. As lutas são muitas e o PCP e Avante!estão em todas elas, mobilizando, consciencializando, combatendo.

Em tempos de feroz ofensiva do capitalismo e do imperialismo, o PCP resiste e afirma-se novamente, em outras condições, como o grande Partido da resistência e da luta pela democracia de Abril. O Avante!, acompanhando a par e passo a realidade do País e do mundo, rompe o manto mediático ao serviço do grande poder económico e dá voz aos problemas e aspirações dos trabalhadores e dos povos. As tipografias clandestinas - «O coração da luta popular» Aparentemente, nada destinguia uma tipografia clandestina de uma casa igual a tantas outras onde vivia uma família também ela igual a tantas outras. Mas dentro de portas, onde olhos indiscretos não alcançavam, escondia-se «o coração da luta popular», como lhe chamou José Moreira, responsável durante vários anos pelas tipografias.

Nessas casas, realizavam os tipógrafos o seu duro trabalho: receber os textos manuscritos ou dactilografados, imprimi-los nos mais curto prazo possível, por vezes durante dias e noites consecutivos. Por vezes, devido à acção policial, era necessário transferir imediatamente uma tipografia para outro local. Desmontado o prelo, era transportado, juntamente com os tipos de chumbo.

O transporte, muitas vezes feito a pé ou de bicicleta, era arriscado, pois eram dezenas de quilos e pouca

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discrição.

Apesar de todos os riscos e apesar de as tipografias serem um dos alvos privilegiados da repressão fascista, a partir da reorganização de 1940/1941, a imprensa clandestina do PCP funcionou ininterruptamente, apoiando a luta popular e a acção do Partido. Os construtores do Avante! - Vidas consagradas à luta «A história do Avante! é a história de numerosos comunistas que, ao longo dos anos, entregaram toda a sua vida à causa da classe operária, de homens e mulheres que passaram dezenas de anos na clandestinidade, de muitos outros que, por imprimirem, distribuírem ou lerem o Avante! foram presos, torturados e condenados», afirmou em 1974 Álvaro Cunhal.

O funcionamento do aparelho de imprensa do Partido só foi possível graças à dedicação sem limites, à coragem, à abnegação, à firmeza revolucionária e ao esforço de milhares de militantes comunistas.

Muitos nunca tinham visto um prelo ou uma caixa de tipo mas fizeram-se tipógrafos. Alguns, nem ler sabiam, mas escreveram e imprimiram as notícias que a censura tentava esconder.

No seu relatório ao VI Congresso do Partido, afirmou Joaquim Gomes: «Quem pode imaginar quantas dificuldades é necessário vencer para montar, alimentar e manter uma tipografia nas condições de clandestinidade a que somos forçados? Quem pode imaginar quantos olhos e nervos têm sido gastos, em dias e noites seguidas, a juntar letras que nem sempre a escola ensinou a conhecer? Quem pode imaginar que, junto às caixas do “tipo”, têm crescido crianças e jovens que quase nunca brincaram com outras crianças e jovens, que da vida pouco mais conhecem que juntar letras e levar aos encontros, a horas certas o Avante!ou O Militante? E tudo isto não está nas páginas do Avante! ou nas linhas impressas, mas nas linhas que se não lêem e dificilmente se podem imaginar.»

Foram muitas as vidas vividas e acabadas na luta antifascista e profundamente ligadas à imprensa clandestina. José Moreira, Maria Machado, Joaquim Rafael e José Dias Coelho são apenas alguns, que fazem parte do património histórico do Avante!. José Moreira 24 de Janeiro de 1950. O corpo de José Moreira, horrivelmente esfacelado, deu entrada na morgue com a indicação de que caíra numa janela. Mas a verdade era outra. José Moreira, operário vidreiro da Marinha Grande e funcionário do PCP desde 1945, tinha sido preso no dia 22. A PIDE sabia que ele era o responsável pela ligação à tipografia do Avante! e interrogou-o brutalmente para que ele a entregasse. O comunista recusou-se a falar e foi espancado até à morte e atirado da janela da sala de interrogatórios. Maria Machado Professora primária e funcionária clandestina entre 1942 e 1945, Maria Machado trabalhava numa tipografia na povoação de Barqueiro, em Alvaiázere, quando a PIDE a assaltou. Tendo ficado para trás para permitir a fuga aos restantes tipógrafos, foi presa e torturada, e não prestou quaisquer declarações. Enquanto era arrastada pelos agentes da PIDE, gritou: «Se a liberdade de imprensa não fosse uma farsa, esta tipografia não precisava de ser clandestina. Isto aqui é a tipografia do jornal clandestino Avante!. O Avante! defende os interesses do povo trabalhador de Portugal.» Joaquim Rafael Uma vida de inteira abnegação dedicada à imprensa clandestina do Partido. Entre 1943 e 1945, Joaquim Rafael esteve ligado à distribuição do Avante!, passando depois para as tipografias. Nos vinte e cinco anos que se seguiram, tornou-se num dos melhores tipógrafos clandestino e um mestre para novos camaradas que entravam para as tipografias. Referência maior na história da imprensa clandestina, morreu em 1974, com a saúde completamente arrasada. José Dias Coelho Escultor, funcionário do PCP, foi assassinado a tiro pela PIDE em 1961, quando se dirigia para um encontro clandestino. Pondo os seus dotes de artista plástico ao serviço da sua causa e do seu Partido, deu um contributo decisivo para a melhoria do aspecto gráfico de vários órgãos de imprensa clandestina, nomeadamente do

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Avante!. Das suas mãos saíram muitas das famosas gravuras – de linóleo ou de madeira – que podemos encontrar em numerosos exemplares do Avante! clandestino.

Artigo publicado no Avante nº 1681

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1941 - Renascem os prelos do PCP

Na Europa, no início da década de quarenta do século XX, ninguém conseguia deter as hordas hitlerianas que progrediam, imperáveis, em várias direcções. Em 1940, as forças nazis invadiram a Escandinávia, e ocuparam a Bélgica, a Holanda e o Luxemburgo. No fim da Primavera entraram em Paris, bombardearam Londres, progrediram nos Balcãs e, um ano depois, irromperam pelo território da URSS, em 22 de Junho de 1941.

Na península Ibérica onde pontificavam os regimes fascistas de Salazar e Franco, os sucessos de Hitler e Mussolini eram aplaudidos por governos duma patente germanofilia, e os ditadores peninsulares acertavam estratégias e cumplicidades, dando forma a um Bloco Ibérico feito de repressão e terror. A polícia política do regime ( PVDE ), perseguia e seleccionava refugiados de guerra para devolvê-los à Gestapo, e seguindo o exemplo da sua congénere alemã, prendia, assassinava ou deportava todos aqueles que em Portugal, ousassem lutar pela liberdade e pela democracia. No seu afã colaboracionista com os nazis, o regime tudo fazia para agradar a Berlim. Os emissores germânicos instalados na costa portuguesa apoiavam a luta submarina no Atlântico; a mineração do «volfrâmio» e a indústria de conservas nacionais, alimentavam a máquina de guerra alemã, enquanto a comunicação social radiofónica pública e privada, funcionava como caixa de ressonância da propaganda do III Reich. Foi nesta conjuntura interna e externa que o PCP iniciou a Reorganização de 40 - 41. Reactivar a imprensa do Partido constituía uma das prioridades do Secretariado do PCP que atribuiu a Dias Lourenço responsabilidades específicas na montagem e nas ligações com as tipografias que entraram em actividade no Verão de 1941 . Em Junho desse ano, no Algueirão (Sintra ), entra em acção a tipografia de «O Militante» que inicia a publicação da III série, do n.º 1 a 16, com o Joaquim Rebelo o «Joaquim Aldeia» (do Barreiro), até 22 de Novembro de 1942, data do assalto da PVDE às instalações. Em Agosto de 41, ressurgiu o «Avante!», impresso numa casa da Avenida Capitão Meleças, em Alverca do Ribatejo, onde operavam José Gregório, Amélia Fonseca do Carmo e Joaquim Correia, responsáveis pela feitura dos números 1 a 10, da conhecida por VI Série do Órgão Central do PCP, entre Agosto/41 e Maio/42. O aparelho técnico reerguera-se, retomara o seu duro e já longo caminho, e o chumbo voltara a dar forma à imprensa clandestina do Partido. Foi esta actividade, e este trabalho paciente e contínuo dos tipógrafos comunistas que permitiu fazer chegar à classe operária e às massas trabalhadoras, as orientações e análises do PCP, divulgando lutas e experiências silenciadas durante décadas pela Censura do regime fascista. NOTA: Avante!: Órgão Central do / Partido Comunista (SP da IC). – N.º 1 (15 Fev. 1931 a 1933); II Série, N.º 1 (Jul. 1934 a Mai. 1939). A III Série do «Avante!», é fruto da actividade dos que resistiram à Reorganização de (1940-1941), tendo-se publicado o N.º 1 em Agosto de 1941. - A designada VI Série do «Avante!» da (Reorganização), tem igualmente a mesma data no N.º 1 em Agosto de 1941. - Assim sendo, as teses de «existência» duma IV e V Série, antecedendo a VI Série -, não podem sobreviver. A causa da aberrante numeração romana das séries é simples: havendo uma III a nova seria IV, e quem numerou a Série trocou IV = 4 com VI = 6

Artigo publicado na Edição Nº1551 2003.08.21 Avante

IN: http://kantoximpi.blogspot.com/2007/04/1941-renascem-os-prelos-do-pcp-na.html

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Datas da História

Imprensa do PCP 1921 – 1931 • J.M. Costa Feijão Em 6 de Março de 1921, emergiu na cena política nacional o Partido Comunista Português, cedo se colocando a necessidade da criação do seu Órgão.

No mundo da época, sem jornal político, não existia um só movimento que, não tendo imprensa própria, tivesse a qualificação de político. Assim sendo, em 16 de Outubro de 1921, volvidos sete meses sobre a fundação do PCP, foi dado à estampa o seu Órgão «O Comunista» e, passado um ano, edita-se «O Jovem Comunista», Órgão da Junta Nacional das Juventudes Comunistas, cuja primeiro número remonta a Setembro de 1922. Em Abril de 1925, é publicado o n.º 1 de «O Trabalhador Rural», Órgão das células comunistas do distrito de Beja e, em Agosto do mesmo ano, a Federação Regional Comunista do Norte divulga o seu Órgão «Bandeira Vermelha».

A história da imprensa do PCP entre 1921 e 1926, reflecte as dificuldades experimentadas pelo colectivo partidário. A irregularidade de publicação e as oscilações de direcção ideológica, espelham a época de iniciação política de um partido comunista que ensaiava os seus primeiros passos. Mas, o golpe de 28 de Maio de 1926, ao instalar a ditadura, criou um

cenário político novo. Sem demora, foi imposta a censura prévia à imprensa e, prosseguindo a instauração da «nova ordem», em Março de 1927, foi encerrada, no Porto, a última sede do PCP.

A superação das novas e acrescidas dificuldades partidárias só foi possível a partir da Conferência do PCP, em 21 de Abril de 1929. Bento Gonçalves, como Secretário-Geral, assumiu a direcção do que restava da organização, passando a conduzir o processo de reconstrução do Partido, agora na clandestinidade e reduzido a umas escassas dezenas de filiados.

Mobilizar e organizar os trabalhadores constituíram as grandes linhas de acção do PCP que, num quadro político novo, procurava dar orientação aos militantes através da publicação do boletim mensal «Páginas Vermelhas» (Maio 1929); se batia pelo revigoramento da luta sindical contra o fascismo e pelo alargamento da sua influência na imprensa operária, criando «O Trabalho Sindical» (Janeiro 1931).

Mas Bento já não teve oportunidade para materializar o projecto de edição do novo Órgão do PCP, sendo preso em 29 de Setembro de 1930 e deportado para os Açores em 8 de Outubro do mesmo ano. Essa tarefa seria concretizada por Manuel Pilar, Manuel Alpedrinha e Jaime Morais, que escolheram entre «Unidade» e «Avante!» o título do novo periódico, numa reunião na rua da Bica Duarte Belo n.º 66 – 4º Esq. Tinham o título oficial para o jornal, mas não tinham o jornal, faltava o local de impressão.

Uma tipografia no Largo São João Nepomuceno n.º 8 r/c, em Lisboa, aceitou a encomenda mas, com receio, desistiu. Em vão José de Sousa tentou instalar um prelo na caixa de ar do rés-do-chão de um prédio da Av. Sacadura Cabral, mas... a polícia política assaltou as instalações, gorando o projecto e, segundo Manuel Pilar, o jornal saiu finalmente duma «oficina própria».

Culminando o processo de reorganização editorial, foi publicado o primeiro número do novo Órgão do PCP - «Avante!», em 15 de Fevereiro de 1931.

«Avante!» Nº 1524 - 13.Fevereiro.2003A reorganização de 1940/41, Um momento decisivo na história do

O nº 1 do «Avante!», Órgão Central do Partido Comunista português, datado de 15 de Fevereiro de 1931

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Partido

31-Out-2001

A reorganização de 1940/41 Um momento decisivo na história do Partido Maria da Piedade Morgadinho Compreender melhor o alcance da reorganização de 1940/41, o seu significado, a sua importância na história do Partido, implica recuar alguns anos atrás, analisar a situação interna do Partido nos anos que a antecederam, assim como a situação política nacional e internacional em que ela ocorreu. Os sucessos assinalados na actividade do Partido a seguir a 1929, altura em que, sob a direcção de Bento Gonçalves, teve lugar uma primeira reorganização e se fizeram esforços para responder às novas condições impostas ao Partido com a instauração, em 1926, da ditadura fascista, depressa foram interrompidos. Devido à progressiva consolidação da ditadura e aperfeiçoamento dos meios e métodos repressivos fascistas por um lado, devido, por outro lado, à pouca experiência em matéria de defesa conspirativa que então possuía, o Partido voltou a enfrentar inúmeras dificuldades. Criou-se uma situação que pôs em causa a sobrevivência do próprio Partido. Os esforços feitos a partir de 1929 haviam dado os seus resultados. No VII Congresso da Internacional Comunista, realizado em 1935, em Moscovo, Bento Gonçalves, Secretário Geral do Partido, apresentou um significativo balanço da actividade do Partido entre 1929 e 1935. Da leitura do seu relatório é notória a preocupação do Partido em ligar-se à classe operária nas empresas, nos sindicatos, em ligar-se às massas. Nesse curto espaço de tempo, a par da organização de algumas lutas, a par dos esforços para desenvolver e fortalecer a sua organização, o Partido conseguiu pôr também a funcionar a sua imprensa e desde Fevereiro de 1931 a saída regular do seu órgão central, o "Avante!", era uma realidade. Porém, a partir de 1935, o Partido volta a enfrentar grandes dificuldades. Sucessivas vagas repressivas levam à prisão muitos dos seus mais destacados dirigentes. Tomaram, então, conta da direcção do Partido quadros menos experientes, que tiveram sérias dificuldades em levar por diante a actividade do Partido nas condições da clandestinidade. Criou-se uma situação que pôs de novo em causa a sobrevivência do Partido e abriu caminho à infiltração de provocadores em algumas organizações e no aparelho técnico, o que permitiu que caísse em poder da polícia a tipografia do "Avante!" que deixou de se publicar. Impunha-se a necessidade de uma nova reorganização do Partido, que teve, então, lugar em 1940/41. Uma vez mais os comunistas tiveram de fazer apelo à sua coragem, à sua determinação, ao seu espírito e talento revolucionários para reorganizar de novo o Partido e pô-lo a funcionar. Assim o exigia a luta da classe operária portuguesa, dos trabalhadores, do povo, luta que entrava numa nova fase - a luta aberta e organizada contra o fascismo. À data da reorganização de 1940/41, Bento Gonçalves, Secretário Geral do Partido, estava a ser lentamente assassinado no Campo de Concentração do Tarrafal, onde se encontravam também dezenas de quadros do Partido. Muitos dos dirigentes mais capacitados estavam presos. A libertação de alguns camaradas nessa altura permite, porém, levar por diante a tarefa de relançar a actividade partidária. Não era tarefa fácil. Tratava-se de reorganizar o Partido e pô-lo a funcionar na mais severa clandestinidade, dar um forte impulso ao seu trabalho político, desenvolver a luta dos trabalhadores, ligar o Partido às massas, assegurar a continuidade do trabalho de direcção, rever métodos de defesa conspirativa, pôr de novo a funcionar a tipografia do "Avante!", vencer a desorientação e o desânimo que se tinham apoderado de muitos quadros do Partido, forjar quadros de grande firmeza e têmpera revolucionárias, dispostos a todos os sacrifícios e a passar pelas provas mais duras, elevar o seu nível político e ideológico, fortalecer a disciplina partidária. A reorganização de 1940/41 teve lugar no momento em que, no plano nacional, a ditadura fascista se tinha consolidado, aperfeiçoado e afinado o seu aparelho repressivo. No plano internacional, em 1939, os exércitos fascistas alemães e italianos aliados aos mercenários de Franco e ajudados por Salazar, esmagavam a liberdade do povo espanhol e na Alemanha hitleriana os nazis haviam ultimado os preparativos para a sua criminosa guerra de agressão contra os povos da Europa Central e da URSS.

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Os resultados da reorganização de 1940/41 surgem pouco depois. Em Agosto de 1941 volta a publicar-se o "Avante!" que, nas condições de clandestinidade, a partir dessa data e até ao 25 de Abril de 1974 saiu sem qualquer interrupção. Nada menos do que 33 anos consecutivos! Dá-se, com a reorganização, uma viragem na adopção de novos métodos de defesa, ligando estes ao desenvolvimento do trabalho de massas e à constituição de uma forte organização. A partir, também, dessa data, um novo e vigoroso impulso é dado à luta dos trabalhadores. As primeiras grandes lutas do movimento operário perfilam-se no horizonte. Ainda em 1941 têm lugar as greves de Novembro dos têxteis da Covilhã. Em Dezembro do mesmo ano lançam-se em luta milhares de estudantes universitários de Lisboa, Porto e Coimbra contra o aumento brutal das propinas, luta que se salda com confrontos violentos entre os estudantes e a polícia fascista, com espancamentos, com prisões. Em 1942, têm lugar numerosas lutas com destaque para as greves, paralisações, concentrações, manifestações e outras acções dos trabalhadores de Lisboa e arredores, de Outubro/Nov. desse ano. Em Julho/Agosto de 1943, são as lutas de 50 mil trabalhadores da região de Lisboa e margem Sul e as lutas dos trabalhadores e das populações do Norte e Centro do País. O PCP foi o organizador e dirigente destas grandiosas lutas, que constituíram o maior surto grevista registado após a instauração da ditadura fascista. No apelo de 21 de Julho de 1943, lançado pelo Secretariado do Comité Central aos trabalhadores, pode ler-se: “Para se oporem à força brutal com que o fascismo obriga os trabalhadores à fome e à miséria, só resta aos trabalhadores responder com a força das massas. Há que recorrer a formas superiores de luta. Há que suspender o trabalho. Há que ir para a greve. Há que fazer grandes marchas da fome. Há que assaltar todos os locais onde os géneros estejam açambarcados. Há que ir buscar os géneros onde os houver.” As greves e as lutas de massas que assinalaram o ano de 1943 constituíram uma grande vitória política do PCP, que as dirigiu passo a passo afirmando-se como o Partido da classe operária. Com isso mostrou também o PCP ter criado um forte núcleo de quadros, de dirigentes e ter desenvolvido uma forte e estreita ligação aos trabalhadores e às massas. Após estas poderosas lutas realizou-se o III Congresso do PCP (1º ilegal). Realizado vitoriosamente, num momento em que os exércitos nazis ainda esmagavam a Europa e a ditadura salazarista oprimia o nosso País, o III Congresso, na sequência lógica da reorganização de 1940/41 e das grandes lutas que se lhe seguiram, marcou sem dúvida a grande viragem na História do Partido que abriu uma nova fase da sua actividade. «O Militante» - N.º 255 - Novembro/Dezembro 2001

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http://www.museudaimprensa.pt/galeriavirtualdacensura/cronologia.htm

Data Factos

1926 Menos de um mês depois do golpe militar de 28 de Maio, a 22 de Junho, é instituído um regime de Censura Prévia, tido como medida transitória, em resultado da suspensão das garantias constitucionais da República. A 24 de Junho os jornais apresentam a informação lapidar: “este número foi visado pela Comissão de Censura” . Os jornais tinham de enviar quatro provas de cada página para a Comissão de Censura e não podiam deixar espaços em branco, após os cortes. Pouco tempo depois do golpe, o general Gomes da Costa dizia que não estava disposto a estabelecer a censura à imprensa . Com esta ironia ameaçadora: “pelo menos enquanto os jornais não me incomodarem”. Apesar de dois decretos surgidos em Julho ( a 5 e 29) defenderem que “a todos é lícito manifestar livremente o seu pensamento por meio da imprensa”, o regime de censura prévia militar mantém-se até ao fim da Ditadura Militar, com a Constituição de 1933. O jornal “O Mundo” é suspenso. Em Novembro, começam a surgir jornais clandestinos.

1927

A 8 de Fevereiro, o jornal “O Mundo” apresenta uma grande manchete sobre o golpe do dia anterior: “Republicanos: Às Armas!/ A Revolução em marcha/ Aba ixo a Ditadura”. É novamente suspenso e começa a aparecer apenas uma vez por ano para manter o título. (Na edição de 1928 anuncia que a publicação é feita para garantia do título. Na manchete, a toda a largura da página, lê-se: “Viva a República”. E logo a seguir: “O Mundo no cumprimento de uma obrigação que a lei impõe reaparece hoje passado um ano de silêncio, para desaparecer novamente, não se sabe por quanto tempo”). “O Reviralho”, “A Revolta” e “O Tacho” são alguns dos títulos clandestinos que circulam em Portugal. Um decreto de 16 de Abril sujeita a processo sumário o julgamento de certos delitos de imprensa, designadamente a produção de “noticias tendenciosas ou de propaganda subversiva”. Através do Decreto-Lei nº13564, de 6 de Maio, a censura é aplicada a fitas cinematográficas. A 27 de Junho, é aprovado um diploma (Decreto-Lei nº18841) que regulamenta a Liberdade de Imprensa nas colónias. Durante todo o ano, o lápis de Francisco Valença enche várias primeiras páginas do semanário humorístico "Sempre Fixe" , criticando mordazmente a acção da Censura.

1931

Inicia-se a 15 de Fevereiro a publicação do “Avante”, órgão do PCP. Trata-se de um jornal clandestino (do também clandestino Partido Comunista Português), mensal, que viria a ser o mais duradouro não só de todo o regime, mas da imprensa periódica portuguesa em geral.

1932

São publicadas, em Julho, as “Instruções Gerais” da Direcção Geral dos Serviços de Censura . No 1º parágrafo, em “fins”, lê-se que “a censura foi instituída pelo governo da Ditadura Militar com o fim de evitar que seja utilizada a imprensa como arma política, contra a realização do seu programa de reconstrução nacional, contra as instituições republicanas e contra o bem estar da nação”.

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1933 A Censura Prévia é legalmente instituída através quer da Constituição, quer de um Decreto-Lei específico (n.º22469, de 11 de Abril). As Comissões de Censura passam do Ministério da Guerra para o Ministério do Interior. A Constituição, apesar de estipular a garantia da “liberdade de expressão do pensamento sob qualquer forma”, afirma que leis especiais irão regular aquela liberdade, de forma a “impedir preventiva ou repressivamente a perversão da opinião pública na sua função de força social, e salvaguardar a integridade moral dos cidadãos.” O Decreto-Lei atrás referido e publicado no mesmo dia do texto constitucional (11 de Abril) diz estranhamente no seu artigo 2º que “continuam sujeitas a Censura Prévia as publicações definidas na Lei de Imprensa e bem assim as folhas volantes, folhetos, cartazes e outras publicações, sempre que em qualquer delas se versem assuntos de carácter político ou social”. Este decreto é, no âmbito da imprensa, o primeiro que surge assinado por Óscar Carmona, Presidente da República, e Oliveira Salazar, Presidente do Conselho. Em 29 de Junho, é criada a Direcção Geral dos Serviços de Censura, na inteira dependência do Ministério do Interior (Decreto-Lei nº22756). A imprensa clandestina começa a surgir como forma de contar aquilo que a máquina censória corta. Um dos exemplos é o jornal “A Verdade”.

1934

Em Janeiro, começa a aplicar-se em Moçambique a Censura Prévia, com base no Decreto-Lei nº22469. Os Serviços de Censura elaboram, em Janeiro, uma lista nacional com os jornais que consideram “comunistas” e “com ligações maçónicas”.

1936

São constituídos os Serviços de Censura, apesar da falta de publicação de tal determinação no “Diário do Governo”. Sai o jornal clandestino “O Marinheiro Vermelho”, órgão da ORA (Organização Revolucionária da Armada) cuja importância na insurreição da Armada viria a ser grande. Através do Decreto-Lei nº26589, a fundação de qualquer jornal fica sujeita a uma autorização prévia do governo, mediante a análise da “idoneidade moral e financeira dos responsáveis”. A Direcção dos Serviços de Censura podia recusar, por exemplo, o nome do director do jornal, de forma discricionária. Uma ou mais vezes, como aconteceu, provocando o colapso de muitos projectos jornalísticos. A 17 de Agosto, a Censura corta integralmente a última crónica de M ário Neves para o “Diário de Lisboa”, sobre a Guerra Civil de Espanha. Enviada telefonicamente de Badajoz, ela só viria a ser divulgada em Portugal depois do 25 de Abril. “Vou partir. Quero deixar Badajoz, custe o que custar, o mais depressa possível e com a solene promessa à minha própria consciência de que não mais voltarei aqui”—começava assim a crónica-reportagem que relatava os horrores da chacina provocada pela entrada das tropas do general Franco em Badajoz.

1937

A 27 de Janeiro, é publicado o Decreto-Lei nº27495 que reúne a legislação dispersa promulgada para as Colónias sobre o exercício da Liberdade de Imprensa. Um dos capítulos, o VII, é totalmente dedicado à Censura.

1939

A Lei nº1974, de 16 de Fevereiro, determina que “os Serviços de Censura e Inspecção dos Espectáculos serão reorganizados por forma a assegurar a sua unidade”.

1943

O Decreto-Lei nº33015, de 30 de Agosto, clarifica que a sujeição aos Serviços de Censura é obrigatória também para as editoras de livros e de quaisquer outras publicações. Segundo o articulado da lei, os “transgressores” poderão ser penalizados com uma multa até 200.000$00, suspensão até 180 dias, ou mesmo supressão e encerramento temporário ou definitivo da empresa. O mesmo decreto alarga as exigências documentais para a aceitação dos responsáveis pelas publicações.

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1944

O Decreto-Lei nº33545, de 23 de Fevereiro, faz com que saiam da alçada do Ministério do Interior os Serviços de Censura , os quais passam, na prática, para a dependência directa de S alazar. Através do Decreto-Lei nº34133, de 24 de Novembro, o Secretariado Nacional de Informação e Cultura Popular incorpora os Serviços de Censura e os Serviços de Inspecção aos Espectáculos.

1945

O Decreto-Lei nº34560, de 11 de Maio, institui formalmente uma Comissão de Censura para teatro e cinema.

1946

Em Janeiro, Salazar , o verdadeiro controlador máximo e directo da Censura, repreende por escrito os serviços centrais da Censura por terem sido brandos com o semanário “Agora” que, além de uma suspensão, ficou sujeito a provas de página. Salazar queria maior dureza: “mais valia ter alargado a suspensão”, escreveu ele. Em Fevereiro, é entregue ao Presidente da República, Marechal Óscar Carmona, um abaixo-assinado com mais de 230 assinaturas , pedindo que “seja imediatamente publicada e posta em vigor a Lei de Imprensa prometida pelo Governo, com as garantias indispensáveis à livre, responsável e digna expressão do pensamento, eliminando definitivamente o regime de censura a que estamos ainda submetidos”. Os subscritores são jornalistas e colaboradores permanentes da imprensa. Alguns nomes: Aquilino Ribeiro, José Régio, Mário Dionísio, Rodrigues Lapa, Adolfo Casais Monteiro, José Gomes Ferreira, Joaquim Manso (director do “Diário de Lisboa”), Artur Portela, Álvaro Salema, Raúl Rego, Fernando Lopes Graça e Maria Lamas. Em Julho, os Serviços de Censura proíbem a circulação em Po rtugal da revista “Time” do dia 22, por dela constar um longo artigo pouco abonatório para o regime de Salazar. O tema é mesmo capa da revista, sendo Salazar apresentado como o decano dos ditadores. Um grande retrato de Salazar, junto não do brasão português, mas de uma maçã em decomposição, enche a capa da revista. Em Novembro, o escritor Ferreira de Castro considera, numa mensagem que envia ao Movimento de Unidade Democrática, que a Censura é “uma arma de dois gumes”. Explica: “ela pode cobrir todos os erros dos que a estabelecem e mandam; ela pode iludir a opinião pública e criar falsos ídolos; ela pode sustentar no poder, durante dezenas de anos, homens ou ideias que, só por eles, talvez os países não sustentassem dezenas de dias; mas, quase sempre, a Censura acaba por ser fatal também aos próprios que a instituem”.

1947

Numa carta endereçada em Dezembro ao jornal “O Primeiro de Janeiro”, o General Norton de Matos refere-se à retenção de artigos seus pela Censura. Cometendo o crime habitual de violação da correspondência, a PIDE fez uma cópia da carta. Surgem os jornais clandestinos “Barricada” e “Democracia”. Em Agosto, o “Diário Popular” é multado em 200$00 , por ter publicado uma notícia sobre a “rainha de Itália” em termos que a Censura considerou desrespeitosos. Vejamos toda a notícia: Título: “A mulher de Humberto de Itália foi autorizada a viver na Suíça”. Texto: “Berna, 22 – O Ministério dos Negócios Estrangeiros anunciou que concedeu autorização a Maria José, da Itália, esposa do ex-rei Humberto, e a dois filhos para residirem na Suíça. Acrescenta que Humberto da Itália não pediu autorização para viver na Suíça, mas se fizesse tal pedido, seria rejeitado.”

1948

Em Dezembro, é proclamada pela ONU a Declaração Universal dos Direitos do Homem , composta por 30 artigos. O seu 19º artigo diz claramente que “todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão,

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o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão”.

1949

Norton de Matos, candidato da oposição à Presidência da República, escreve, em Janeiro, a Salazar, reclamando a publicação de comunicados da sua candidatura. Em Janeiro, a Comissão de Censura proíbe que no catálogo da Terceira Exposição Geral do Grupo Surrealista de Lisboa figure o seguinte texto: “O Grupo Surrealista de Lisboa/pergunta/depois de vinte anos de Medo/ainda seremos capazes de/Liberdade?/É absolutamente/ indispensável/votar contra/ o Fascismo”. Decorria a campanha de Norton de Matos e António Pedro, líder do Movimento Surrealista, pertencia à comissão de candidatura à Presidência da República. Em Fevereiro, em carta pública “À Nação”, o General Norton de Matos volta a exigir a abolição da Censura. Um Decreto-Lei de 13 de Junho regula a apreensão de “publicações, imagens ou impressos pornográficos, subversivos ou simplesmente clandestinos” e o encerramento das tipografias que “imprimirem publicações, manifestos, panfletos ou outros escritos subversivos ou que possam perturbar a ordem pública sendo apreendidos e revertendo para o Estado as respectivas máquinas e restantes bens móveis”.

1950

A 4 de Novembro foi assinada a Convenção Europeia dos Direitos do Homem , a qual só entrará em vigor a 3 de Setembro de 1953. Portugal não consta da lista dos países subscritores desta Convenção.

1956

Em Julho, um grupo de 50 intelectuais solicita “a revogação c onsequente do regime de Censura” , num abaixo-assinado dirigido ao Presidente da República. Subscrevem-no, entre outros: António Sérgio, Aquilino Ribeiro, Ramada Curto, António Luís Gomes e Câmara Reis.

1958

Apesar do abrandamento da Censura em Maio, durante a campanha eleitoral para a Presidência da República, na qual se integra a candidatura carismática do General Humberto Delgado, muitos são os cortes nas notícias sobre a campanha do “General Sem Medo”. Em Julho, dá entrada na Presidência da República uma petição para que “fosse abolida a Censura em Portugal , pois só assim a imprensa cumpriria a sua missão de utilidade pública, reconhecida pela própria Constituição da República Portuguesa”. É subscrita por dezenas de jornalistas profissionais do Porto.

1961

Novo e longo abaixo-assinado, de âmbito nacional, é dirigido ao “Presidente da República”, pedindo a abolição da Censura .

1962

Em Abril, através do Decreto-Lei nº44278, os “crimes de imprensa” passam a ser julgados nos tribunais plenários. Num Despacho de 20 de Outubro, Salazar declara que “os Serviços de Censura dependem exclusivamente da Presidência do Conselho e não recebem ordens de qualquer outro departamento de Estado.” Os Serviços de Censura tanto cortam textos políticos, como simples convocatórias para assembleias gerais, em cine-clubes ou sindicatos.

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1965

Em Abril, o director do “Diário de Lisboa”, Norberto Lopes , escreve um artigo alusivo aos 43 anos do jornal – “A favor e contra” – e envia-o à Censura, quatro dias antes da data prevista para a sua publicação. Passa sem cortes. No dia seguinte, é alertado: “Há cortes!” . Esta incoerência leva-o a recorrer para Salazar. E no dia seguinte recebe a resposta redigida pelo próprio punho do ditador: ”(...) Mandei dizer aos serviços que não via razão para não manter a primeira decisão e que era essa atitude que deviam tomar. Para evitar mal-entendidos parece-me, porém, que no 2º granel, linha 12, devia ser eliminada a palavra pretendida e mais adiante, linha 35, a palavra orquestradas”. A Sociedade Portuguesa de Escritores é assaltada pe la PIDE, na noite de 21 de Maio, na sequência da atribuição do Grande Prémio de Novela ao autor de “Luanda”, o escritor angolano Luandino Vieira, que se encontrava preso no Tarrafal por motivos políticos. Uma informação saída em Setembro, no “Diário de Notícias”, 1ª página, sobre a ida do Benfica a Moscovo, vai provocar a audição em auto, na PIDE, do director de uma empresa turística que está na origem da notícia. Suspensão do “Jornal do Fundão”.

1966

Na sequência do concílio “Vaticano II”, o papa Paulo VI suprime o Index , terminando assim, formalmente, uma história longa de 42 livros de “proibição de títulos”, iniciada em 1557 no mundo católico, com o “Index Librorum Prohibitorum” do Papa Paulo III.

1968

Com a entrada de Marcelo Caetano no Governo, em Setembro, atenua-se a malha censória. Em todo o país funcionam 18 delegações dos Serviços de Censura sedeados em Lisboa.

1969

A Censura corta, a 6 de Setembro, um telex da “France Presse” sobre a entrevista dada por Salazar ao “L’Aurore”, na qual ele fala como se ainda fosse Presidente do Conselho de Ministros, cargo que havia deixado em Setembro de 1968 e que era, desde essa altura, ocupado por Marcelo Caetano. Segundo o jornalista Roland Faure que entrevistou Salazar , “os que o rodeiam velam para que seja mantida a ilusão, ou melhor: uma verdadeira cumplicidade feita de respeito, de gratidão, de fidelidade estabeleceu-se entre as mais altas figuras do Estado”. Para Salazar, Marcelo Caetano continua a ensinar Direito na Universidade e “não faz parte do Governo”. Em Julho, a Comissão Executiva da Comissão Eleitoral de Braga emite um comunicado em que defende a Liberdade de Imprensa. Notícias sobre o II Congresso Republicano de Aveiro são alvo de cortes.

1969-70

Várias provas tipográficas do “Primeiro de Janeiro”, “Jornal de Notícias”, “República” e “Diário de Lisboa” atestam a forma ora ridícula, ora violenta, como a Censura coarctava a difusão de ideias.

1970

Em Fevereiro, surge em Braga uma declaração sobre a apreensão pela PIDE de livros nas livrarias e casas editoras. Em Braga e noutras cidades surge um manifesto clandestino – “Movimento da Oposição Democrática: Nova Vaga de Repressão” – com notícias de repressões feitas pela polícia política, a PIDE. A 22 de Abril, os deputados da ala liberal Sá Carneiro e Pinto Balsemão apresentam, na Assembleia

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Nacional, um projecto de Lei de Imprensa que reduz significativamente o âmbito de actuação da Censura e que recebe a anuência do Sindicato Nacional dos Jornalistas. O boletim da paróquia de Macieira da Lixa – “Encontro”, nº5 – editado em Junho, é apreendido pela polícia. Circulam jornais clandestinos como “O Bolchevista”, o “Avante”, e “Portugal Democrático”. Em Dezembro, o Governo envia para a Assembleia Nacional uma proposta de Lei de Imprensa.

1971

Em Maio, a Comissão de Defesa da Liberdade de Expressão emite um documento apelando ao direito do exercício da liberdade. Também em Maio, é enviada uma carta ao presidente da Assembleia Nacional sobre a defesa da Liberdade de Imprensa. Subscrevem-na muitos democratas. Inicia-se a 27 de Julho, na Assembleia Nacional, a discussão da Lei de Imprensa, proposta por Marcelo Caetano, em Dezembro do ano anterior. Jornais clandestinos como o “Avante”, a “Luta Anti-Colonial” e a “Frente” circulam no país. Em Novembro, é censurada uma carta do escritor Ferreira de Castro dirigida ao “Diário de Notícias” sobre os motivos da recusa de concessão de uma entrevista à RTP. A 20 de Dezembro é publicada no Diário do Governo a Lei nº5/71, de 5 de Novembro, em cujas resoluções a Assembleia Nacional determina que a imprensa periódica fica sujeita ao Exame Prévio, se ocorrerem “actos subversivos graves em qualquer parte do território nacional”. Como a mesma assembleia havia declarado que se verificavam “actos subversivos graves”, o “exame” continuou como anteriormente. Em resumo, a mudança mais significativa a registar é a do nome da instância censória: a Comissão de Censura passa a chamar-se Comissão de Exame Prévio. A expectativa de abrandamento da Censura prometida pela “Primavera Marcelista” gorou-se em pouco tempo. Como disse Norberto Lopes, antigo director do “Diário de Lisboa” e de “A Capital”, a Censura “passou a exercer-se por forma ainda mais severa e atrabiliária do que no consulado de Salazar.”

1972

Textos de José Saramago destinados ao “Jornal do Fundão” são censurados, a par de muitos outros em diversos jornais. A 5 de Maio, o governo de Marcelo Caetano publica o Decreto-Lei nº150/72, sobre o estatuto da imprensa, fundado na Lei 5/71 da Assembleia Nacional. Surge uma nova tipologia de decisões censórias com “visto” e “autorizado”, “autorizado com cortes”, “suspenso”, “demorado” e “proibido”. A lei proíbe, todavia, qualquer referência ao facto de as publicações serem sujeitas ao Exame Prévio. Ou seja, a Censura continua, mas os jornais ficam proibidos de escrever “Visado pela Censura”, como até então se fazia. A 31 de Maio sai pela última vez na imprensa portuguesa a indicação “Visado pela Censura” na primeira página, por imposição da nova Lei de Imprensa que entra em vigor no dia 1 de Junho. Com base na legislação recentemente publicada, são dimanadas, a 1 de Junho, pelo governo de Marcelo Caetano, as “Instruções sobre o Exame Prévio” das quais constam todas as regras do aparelho censório. Delas constam: a definição dos limites à Liberdade de Imprensa; publicações sujeitas a Exame Prévio; a constituição das Comissões de Exame Prévio; a execução do Exame Prévio; e a especificação dos recursos e infracções. Estas normas deixam um vasto espaço para a descricionaridade dos censores. No dia 1 de Junho, os jornais “República” e “Diário de Lisboa” aludem, na 1ª página, ao “Exame Prévio”. O “República” titula a nota sobre o assunto com “Estatuto da Imprensa”, e o “Diário de Lisboa” com “O Exame Prévio”. Ambas as notas transcrevem excertos do Decreto-Lei nº150/72: “quando estiver em vigor o regime do Exame Prévio, os escritos ou imagens só poderão ser publicados depois de autorização dada através de um visto”; “os textos ou imagens submetidos a Exame Prévio poderão ser proibidos total ou parcialmente, mas nunca alterados, embora nos textos ou imagens publicados não seja consentida qualquer referência ou indicação de que foram submetidos a Exame Prévio”. No dia 2 de Junho, o “República” foi o único jornal a trazer uma referência à Censura Prévia: “este jornal foi submetido a Exame Prévio”, no canto inferior esquerdo da 1ª página. De 3 a 9 de Junho, o “República” refere-se à Censura, aludindo à legislação que a institui. Numa

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pequena caixa da 1ª página, transcreve o “Artigo 101-2º do Decreto-Lei nº150/72: nos textos ou imagens publicados não é consentida qualquer referê ncia ou indicação de que foram submetidos a Exame Prévio - Diário do Governo, 5 de Maio de 1972.” Do dia 10 de Junho em diante, não foi mais tolerada qualquer referência à existência daquele Exame Prévio.

1973

Surgem em várias cidades documentos clandestinos e semi-clandestinos de apelo à luta pelas liberdades. O jornal “O Grito do Povo”, órgão da OCMLP (Organização Marxista-Leninista de Portugal), é lançado no Porto. O III Congresso Democrático de Aveiro é fortemente censurado em grande parte das publicações. Em Novembro, é totalmente proibida, no jornal “O Comércio do Porto”, a publicação de uma página especial dedicada aos direitos humanos e alusiva aos 25 anos da Declaração Universal. A página incluía todos os direitos e algumas fotos ilustrativas de situações desumanas.

1974

Sai em Abril o último “Avante” clandestino. É o nº464, série VI, com dois títulos fortes: “Não dar tréguas ao Fascismo” e “Aliar à luta antifascista/ os patriotas das Forças Armadas”. Na noite de 24 para 25 de Abril, os “Coronéis da Censura” não abrandam o seu trabalho de corte. Várias notícias sobre o movimento dos Capitães de Abril são censuradas, mesmo de madrugada. Exemplos: “O Ministro do Exército em contacto com oficiais do Movimento”; “Preso o comandante da Região do Porto”; “Aqui Comandos”; “Disposições frente à casa do General Spínola”; “Tiros disparados na Baixa Lisboeta”. O Programa do “Movimento dos Capitães” é claro nas medidas imediatas a tomar: “Abolição da Censura e Exame Prévio”. Trata-se da medida “G”, na qual é anunciada a criação de uma “Comissão Ad-Hoc”, de carácter transitório e direct amente dependente da Junta de Salvação Nacional. Justificação: “salvaguardar o segredo dos aspectos militares e evitar perturbações na opinião pública, causadas por agressões ideológicas dos meios mais reaccionários”. A 2 de Maio foi nomeada a Comissão, integrada apenas por m ilitares. A acção desta Comissão foi contestada e pouco tempo depois, com a Lei de Imprensa de Fevereiro de 1975 (Decreto-Lei nº85-C/75), deixou de fazer sentido. Estava instituída a Liberdade de Imprensa que viria a ser consagrada na Constituição entrada em vigor a 25 de Abril de 1976. Infundados pelo espírito do “25 de Abril”, os artigos 37º e 38º da Constituição inscrevem “a Liberdade de Expressão e Informação” e “a Liberdade de Imprensa” nos direitos fundamentais da cidadania portuguesa. O artigo 37º diz claramente que “todos têm direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de se informar, sem impedimentos nem discriminações”. Acrescenta que “o exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura”. O Artigo 38º, especificamente sobre a Liberdade de Imprensa, contem sete parágrafos: “1. É garantida a Liberdade de Imprensa. 2. A Liberdade de Imprensa implica a liberdade de expressão e criação dos jornalistas e colaboradores literários, bem como a intervenção dos primeiros na orientação ideológica dos órgãos de informação não pertencentes ao Estado ou a partidos políticos, sem que nenhum outro sector ou grupo de trabalhadores possa censurar ou impedir a sua livre criatividade. 3. A Liberdade de Imprensa implica o direito de fundação de jornais e de quaisquer outras publicações, independentemente de qualquer autorização administrativa, caução ou habilitação prévias. 4. As publicações periódicas e não periódicas podem ser propriedade de quaisquer pessoas colectivas sem fins lucrativos e de empresas jornalísticas e editoriais sob forma societária ou de pessoas singulares de nacionalidade portuguesa. 5. Nenhum regime administrativo, ou fiscal, nem política de crédito ou comércio externo, pode afectar directamente ou indirectamente a Liberdade de Imprensa devendo a Lei assegurar os meios necessários à salvaguarda da independência de imprensa perante os poderes político e económico. 6. A televisão não pode ser objecto de propriedade privada. 7. A Lei estabelece o regime dos meios de comunicação social, designadamente dos pertencentes ao Estado, mediante um estatuto da informação.” O vespertino “A República”, dirigido por Raúl Rego, publica em rodapé, a toda a largura da 1ª página do dia 25 de Abril, uma informação de arromba: “Este jornal não foi visado por qualquer Comissão de Censura”. O rodapé manter-se-á nas edições do dia 26 de Abril.”

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- Edição Nº1779 - 03/01/2008

Centenário de Joaquim Rafael, tipógrafo clandestino

Uma história de dedicação escrita com letras de chumbo

Faria 100 anos, no dia 14 de Dezembro, Joaquim Rafa el, tipógrafo da imprensa clandestina do Partido du rante mais de 25 anos. O PCP

homenageou este seu destacado militante no sábado, em Rio Tinto, junto à última casa que habitou na cl andestinidade e onde se editaram os jornais clandestinos O Têxtil e A Terra e inúmeros manifestos de apelo à luta.

A história do PCP durante os quase cinquenta anos de fascismo está repleta de exemplos de extrema dedicação e fidelidade ao Partido. Muitos

foram os comunistas – funcionários e não funcionários, dirigentes e militantes de base – que deram o melhor das suas vidas e, alguns, mesmo a

própria vida, pelo seu Partido e pela sua luta por um Portugal democrático e socialista.

Alguns, pela natureza das tarefas que desempenharam, atingiram alguma notoriedade pública. Outros nem tanto, apesar de não ter sido menor a

abnegação, a coragem ou o engenho que colocaram ao serviço do Partido. Joaquim Rafael é um destes últimos.

Camponês nascido em Tremês, no distrito de Santarém, vivia em Lisboa quando ingressou no PCP, na sequência da reorganização de 1940-41.

Logo em 1943 entrou para o quadro de funcionários do Partido e passou à clandestinidade. Desde então, e até 1974, esteve sempre ligado ao

aparelho clandestino de propaganda do PCP. Primeiro, na distribuição. A partir de 1948, foi responsável por montar e assegurar o funcionamento

de várias tipografias do Partido em vários pontos do País.

Joaquim Rafael não era tipógrafo de profissão nem tinha qualquer experiência nesta área. Mas em mais de 25 anos de experiência, tornou-se um

mestre neste ofício, passando os seus conhecimentos a novos camaradas que iam chegando às tipografias clandestinas.

Das mãos de Joaquim Rafael e da sua companheira Catarina Ramos Machado saíram regularmente as edições do Avante!, de O Militante, de O

Camponês. Este último periódico terá sido o primeiro que Joaquim Rafael (Albano, na clandestinidade) imprimiu, a partir do número 19. Até então

copiografado, O Camponês passou a ser impresso em Outubro de 1948, numa instalação situada entre vinhedos, onde habitava o casal.

No mesmo ano, a tipografia muda para Santo António da Charneca, no Barreiro, onde se mantém até 1950. Depois, em Lisboa, nos dois anos

seguintes, Joaquim e Catarina imprimem o Avante! e O Militante numa casa na Rua do Cruzeiro. Nos anos seguintes, as mudanças sucedem-se,

por razões de defesa da tipografia.

No distrito de Lisboa, são várias as casas para onde se mudam, continuando, com ou sem o apoio de mais camaradas, a impressão de vários

títulos do Partido, desde o seu órgão central a outros periódicos, como o Tribuna Militar (órgão da Comissão de Unidade Militar) e o Amanhã

(jornal de jovens das Juntas Patrióticas da Juventude).

Nos anos 70, Joaquim Rafael e Catarina Ramos Machado seguiram para Rio Tinto, no Porto, onde se ocuparam da impressão de O Têxtil e A

Terra. O 25 de Abril veio encontrar este militante revolucionário debilitado por uma grave doença que haveria de o vitimar em Julho desse ano. O

funeral, realizado em Vale de Vargo no dia 24 desse mês, partiu do Hospital de Beja e, pelas terras que atravessou, era saudado com dor pelas

populações. Em Vale de Vargo juntaram-se cinco mil pessoas.

No adeus, em frente à casa da família, tomaram da palavra históricos dirigentes do PCP – Francisco Miguel, Georgete Ferreira e António Dias

Lourenço, à data director do Avante!. Este último afirmou, na ocasião, que a «história gloriosa do nosso Partido é feita por homens da têmpera de

Joaquim Rafael, por vezes em tarefas pouco conhecidas mas sem as quais a acção do Partido não poderia realizar-se com êxito». Prosseguindo,

disse aos presentes que «o vosso jornal O Camponês, os milhares e milhares das suas letrinhas de chumbo passaram pelas mãos de Joaquim

Rafael».

Francisco Miguel diria depois que «a juventude tem na sua imagem uma craveira na qual se pode aferir para as tarefas que tem diante de si».

A vida de Joaquim Rafael e da sua companheira (que ainda vive) fica marcada pelo feito notável de nunca a PIDE ter conseguido localizar

nenhuma das tipografias em que trabalhou e das quais saíram diversos exemplares dos mais importantes e destacados periódicos da imprensa

clandestina portuguesa.

Homenagem em Rio Tinto

Uma casa igual às outras

O número 112 da Rua Eça de Queiroz, em Rio Tinto, é um prédio normal, igual a tantos outros da mesma rua, e de outras ruas da cidade e de

tantas outras cidades do País. Mas ali funcionou, entre 1970 e 1973, a tipografia clandestina da Direcção da Organização Regional do Norte, que

agregava então 10 distritos, de Coimbra a Bragança.

À frente dessa tipografia estava Joaquim Rafael e a sua companheira, Catarina Machado. Ali se editaram diversos números de O Têxtil e A Terra

e manifestos de apelo às lutas de massas realizadas na região nos anos finais da ditadura.

Foi precisamente junto à porta da casa que, no sábado, 29, se juntaram dezenas de pessoas a assinalar o centésimo aniversário do militante

comunista Joaquim Rafael. Entre eles, estavam a filha Mariana, o genro e os netos. Mas também camaradas que com eles partilharam tarefas,

angústias e alegrias naturais da luta clandestina. E muitos outros, de todas as idades e formações, que não tendo conhecido o homenageado não

deixaram de se associar a esta evocação, promovida pela Comissão Concelhia de Gondomar e pela Direcção da Organização Regional do Porto

do Partido.

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Margarida Tengarrinha, que conheceu e trabalhou com Joaquim Rafael e Catarina Machado, lembra que a saída dos tipógrafos desta casa

deveu-se à necessidade de Joaquim Rafael ser tratado à doença «provocada pelo chumbo da tipografia, que o levaria à morte, cerca de um ano

depois». Mas, destacou, «ainda teve a alegria de presenciar a Revolução do 25 de Abril, para a realização da qual tanto contribuiu com o seu

trabalho esforçado».

E Joaquim Rafael teve noção desse seu contributo, afirmou Margarida Tengarrinha. Teve a noção de como o seu «trabalho obscuro nesta

tipografia contribuiu para o desencadear das lutas que vinham crescendo e aumentando a força e a consciência das massas contra o fascismo e

as guerras coloniais». Lutas que, prosseguiu, são indissociáveis da consciencialização dos capitães de Abril e da organização do Movimento das

Forças Armadas».

A breve intervenção terminou com a afirmação de que com a homenagem a estes dois heróis do Partido se «cumpre um dever que nos é grato:

recordar os humildes e obscuros heróis de uma luta sem tréguas que derrubou o fascismo em Portugal».

Exposição no Centro de Trabalho

A festa continuou no Centro de Trabalho de Rio Tinto, algumas ruas abaixo da antiga tipografia. No interior, uma exposição contava aspectos

relevantes da vida de Joaquim Rafael e da sua companheira. Era notória a presença de alguns destacados militantes comunistas, como António

Dias Lourenço, e os antigos tipógrafos clandestinos Raul e Maria Júlia Costa e Carlos Pires. O responsável pela Direcção da Organização

Regional do Norte nos anos em que Joaquim Rafael ali trabalhou, Carlos Costa, não pôde estar presente, mas saudou a iniciativa.

Margarida Tengarrinha voltou a proferir algumas palavras, para destacar o seu entusiasmo pelo trabalho de tipógrafo clandestino e pelo seu

alcance político. Este entusiasmo, realçou, «soube transmiti-lo aos camaradas a quem ensinou e que com ele aprenderam, não só a trabalhar

naqueles prelos primitivos mas também a perceber a razão e a necessidade da imprensa clandestina num país em que todos os órgãos de

informação estavam submetidos à mais feroz censura».

E foram muitos os camaradas que ensinou ao longo dos anos. Entre os quais a própria filha, a mais nova tipógrafa do Partido. Joaquim Rafael,

continuou Margarida Tengarrinha, «foi de facto o professor de várias gerações de tipógrafos, a quem deu o exemplo da extraordinária dedicação

e espírito de sacrifício necessários e todo o alcance desta tarefa muito dura». O isolamento, pela necessidade de defesa, era uma dura prova.

Mas era necessário, pois a «procura e assalto das tipografias clandestinas era uma das prioridades da PIDE».

Uma característica de Joaquim Rafael era a sua «enorme capacidade de se integrar, naturalmente, no local onde se encontrasse, ser aceite

como conhecido e amigo». A sua «natural afabilidade» inspirava confiança, relevou a oradora, destacando a importância desta característica para

a actividade clandestina.

A terminar, Margarida Tengarrinha realçou a justeza da homenagem a Joaquim Rafael e Catarina Machado pela sua dedicação à luta pela

liberdade e pelo socialismo. E destacou ainda a sua importância, em tempos de campanhas para criminalizar o comunismo e mascarar os crimes

do capitalismo.

O coração da luta popular

Disse José Moreira, funcionário clandestino do Partido assassinado pela PIDE, que a «tipografia clandestina é o coração da luta popular». E é

bem verdade, ou era, nas condições de luta clandestina.

Margarida Tengarrinha deu apenas alguns exemplos, referentes à tipografia de Rio Tinto e aos tipógrafos Joaquim Rafael e Catarina Machado

entre 1970 e 1973.

Para além de jornais partidários e de unidade (e noutras tipografias saíram das suas mãos o Avante! e O Militante), da tipografia de Rio Tinto,

saíram diversos manifestos de apelo à luta. A 31 de Janeiro de 1970, realizou-se no Porto uma grande manifestação. Em luta estiveram também

os operários da Efacec, da Sonafi e da Fábrica do Cobre, entre outras. Estas lutas, afirmou Margarida Tengarrinha, «dinamizaram a participação

dos trabalhadores metalúrgicos, têxteis e bancários do Porto na criação da Intersindical. Os apelos saíram das mãos de Joaquim Rafael e da sua

companheira.

No ano seguinte, foram as greves do tecelões de Fafe, dos pescadores da Póvoa do Varzim, dos operários têxteis da Covilhã a ocuparem os dias

aos dois tipógrafos. No dia 6 de Março, recordou Margarida Tengarrinha, foi lançado um documento sobre o 50.º aniversário do Partido, que foi

celebrado com bandeiras vermelhas colocadas na Ponte da Arrábida e em fios eléctricos junto a várias fábricas. No 1.º de Maio, vinte mil pessoas

participaram no desfile no Porto, ao apelo do PCP, lançado por centenas de milhares de manifestos executados no número 112 da Rua Eça de

Queiroz.

Em 1972, foram muitas as lutas travadas. Em Braga, os dois mil operários da Grundig ocuparam a fábrica durante três dias. Os quatro mil

trabalhadores dos Transportes Colectivos do Porto entraram em greve.

A 15 de Abril, mais de quarenta mil pessoas protestaram contra a carestia de vida e as guerras coloniais e por aumento dos salários. A

preparação desta impressionante manifestação, relatou a oradora, decorreu entre Fevereiro e Abril. Na tipografia, foram impressos mais de 260

mil documentos. Lembrando que «o principal trabalho de mobilização foi feito pelos organismos do Partido nos locais de trabalho, entre a

juventude e os estudantes e população em geral», realçou que os materiais foram todos produzidos na tipografia.

No ano seguinte, as lutas continuaram no Norte do País. Lutas que, organizadas e dirigidas pelo Partido, foram «em grande parte acompanhadas

ou incentivadas por documentos e outros materiais impressos nesta tipografia, que assim participou no crescendo de lutas que iria culminar no

Movimento dos Capitães, nesse mesmo ano, ponto de partida para a Revolução do 25 de Abril».

http://www.avante.pt

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O PAPEL DA RÁDIO E IMPRENSA CLANDESTINAS NO COMBATE À DITADURA SALAZARISTA

Amigos, companheiros e camaradas, daqui fala a Rádio Voz da Liberdade

Nos tempos da ditadura salazarista, ouvir uma rádio clandestina ou trazer no bolso um jornal proibido tinha valor simbólico, equivalia à assunção de uma cidadania que se opunha à noite negra. No colóquio realizado em Abril passado, no Edifício Chiado, em Coimbra, sobre a rádio e imprensa clandestinas durante o salazarismo, Mário Mesquita lembrou a função simbólica destes meios, ajuntando-lhe quatro outras características. Rádio e imprensa clandestinas informavam, porque difundiam o que a censura proibia; doutrinavam, porque potenciavam o debate de ideias então proscrito; organizavam, funcionando como elemento estruturante em relação às organizações políticas a que se encontravam ligadas. Por último, a própria formação dos fazedores da rádio e dos jornais clandestinos, que dealbaram no jornalismo sem amarras que o 25 de Abril nos propiciou.

Estela Piteira Santos foi a primeira voz feminina da Rádio Voz da Liberdade, emitindo desde Argel. Fez questão de saudar os presentes com a mesma fala de há muitos anos, a primeira aos microfones da estação clandestina: “Amigos, companheiros e camaradas, daqui fala a Rádio Voz da Liberdade, em nome da Frente Patriótica de Libertação Nacional”. Manuel Alegre foi director da Rádio Voz da Liberdade. Alegre, segundo Mesquita “a Voz da Liberdade”, desfiou estórias daquele tempo, por exemplo a primeira entrevista dada por Amílcar Cabral dirigida aos portugueses. Alegre lembrou ter Cabral assumido Camões, os Lusíadas, ousando dizer “aquilo que a esquerda portuguesa não assumia, por inibição”. Agostinho Neto, Samora Machel, Eduardo Mondlane também foram entrevistados por Manuel Alegre, vozes amplificadas por uma “rádio de indignação”, “um grito na noite contra a censura e contra o medo”. A canção era uma arma, os microfones da RVL também, apontados a campanhas para a libertação dos presos políticos, revelando dados sobre a guerra colonial submersos pelos censores portugueses, recebendo correio de muitos exilados, interrogando-se todos os dias sobre as audiências. Quem os ouviria ao tempo, num tempo em que o audímetro era palavra desconhecida, e o “share” não interessava para vender anúncios, mas para propagandear a Liberdade? Eram ouvidos país fora, melhor no Algarve e no Alentejo. Por cá, quem arriscava a sintonia colocava um copo de água em cima do receptor, obediente à lenda de que o copo mais a água afugentavam as carrinhas detectoras da Pide. Aurélio Santos, outro resistente, militante do PCP, que animou em Bucareste a Rádio Portugal Livre, lembrava outro truque: “havia quem pusesse o receptor junto às canalizações da água”. Se o truque não despistava os detectores, os canos sempre serviam de reforço de antena. A aura clandestina alimenta-se de mitos, também, já se disse. Um deles criou-se em torno desta rádio em português, vinda lá de longe, da Roménia. Mas se em Portugal os portugueses pensassem que a rádio emitia nas barbas da PIDE, a mensagem ganhava coragem. Durante algum tempo, circulou o mito de que a Rádio Portugal Livre emitia desde a Serra da Estrela! Os sons clandestinos que o éter vertia subvertiam mesmo a noção clássica que julgávamos assente, da actualidade, do que aconteceu nos momentos anteriores. A rádio clandestina noticiava greves promovidas em Portugal, e se só conseguia dar a notícia um mês depois, pouco importava: a notícia era actual, porque em Portugal não tinha havido qualquer notícia da greve. A organização do PCP reflectia-se no próprio arquivo da estação: as entradas começavam todas por “L”, de luta: lutas dos estudantes, lutas dos camponeses, lutas dos metalúrgicos. Havia a hora dos camponeses, também a Voz das Forças Armadas, que Santos afiançou ser ouvida até no remanso das casernas. Donas de casa exiladas cerziam o éter de invectivas às donas exiladas em suas casas portuguesas, com certeza: “Como dona de casa, daqui me dirijo a todas as donas de casa, exortando-as a que protestem nos mercados, nas lojas, e que façam sentir por toda a parte o seu descontentamento e revolta contra a actual carestia de vida. Exorto ainda a que se formem comissões de rua ou de bairro e também nas fábricas para organizar e coordenar este movimento de protesto que é necessário desencadear para o bem de todos nós”. Os sons da rádio que se assumia como “Voz do Partido Comunista Português” perenizaram-se em cassete preciosa que o “partidão” editou logo após o murchar das rosas que a primavera marcelista não conseguira fazer brotar. O país calado abriu tímpanos para Amílcar Cabral, Agostinho Neto, Álvaro Cunhal. Por cá, e para os de mais difícil sintonia, o “Avante” funcionava como spot impresso, publicitando os metros das ondas clandestinas: “Pelas ondas de 26,31 e 32 metros, das 15 e 10 às 15 e 40, ou pela onda de 31 metros das 22 e 15 às 22 e 45, já podemos escutar: “Atenção, povo português! Aqui Rádio Portugal Livre, uma Emissora Portuguesa ao serviço do Povo, da Democracia e da Independência Nacional! ” “Que todos divulguem a nova voz anti-fascista, de modo a poder ser escutada em todo o país” — pregoava-se em Abril de 1962. Oito anos volvidos, a fidelidade às ondas esmorecera, razão para “O Militante”, boletim do Comité Central do

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PCP, puxar as orelhas aos de escuta mais relaxada: “A justificação mais usada dos que não ouvem com regularidade a Rádio é a falta de tempo ou já sei o que vão dizer. A falta de tempo traduz uma falta de interesse e uma evidente subestimação do papel da Rádio do Partido. Os que dizem já sei o que vão dizer manifestam uma atitude de autosuficiência para com a nossa Rádio. Estas atitudes são incorrectas devendo fazer-se um esforço para as eliminar dentro do Partido”. Escuta então como dever militante. Carlos Brito andou pelos media clandestinos, mas em vez da voz leve que o vento leva tratou das letras de chumbo que se não cansaram de imprimir o “Avante”, o jornal clandestino de maior longevidade que há memória, mesmo que ninguém se tenha lembrado de o registar no “Guiness Book”. A história do PCP até se pode fazer olhando às tiragens do “Avante”. Em 1936 foi tempo de deslumbramento para os tipógrafos clandestinos: dez mil exemplares de tiragem. No balanço eufórico passou a semanário em 1938, para logo a seguir ser silenciado três longos anos. Voltou então para não mais esmorecer até ao alvorecer dos cravos, vestindo-se depois, até aos dias hoje, com as roupas da legalidade. Em 1942 imprimiam-se, por edição, 2.700 exemplares; no ano seguinte subiu aos três mil; em 1946 voltou aos dez mil, porque era tempo de pujança do partido, no pós-guerra. Álvaro Cunhal foi preso, acompanharam-no uma série de camaradas, a organização tremeu e o “Avante” deu sinal disso mesmo, baixando a tiragem para os cinco mil. Haveria de subir aos sete mil passados anos, número que se aguentou firme até ao 25 de Abril. Imprimia-se em tipografias de cidade, e as que funcionavam com mais segurança eram as localizadas em prédios de habitação, de preferência com móveis grandes. O bojo destes permitiria guardar o rolo, as tintas, o papel, os chumbos. Os chumbos que uma vez viraram soldadinhos falsos. Carlos Brito tratava de transferir uma tipografia clandestina para uma zona mais segura na cidade do Porto. Levava nesse dia uma caixa em madeira, com os chumbos dentro. Pesava que se fartava, a caixa embrulhada com papel de sapataria. Tanto pesava que Brito se fez de coxo. Deixou o táxi e parou numa farmácia, pedindo remédios para a “maleita” que lhe afectava o pé. Sentou-se esperando que lhe aviassem a receita. Apesar dos cuidados extremos, quando se levantou deixou a caixa na cadeira. Senhora solícita tratou de pegar na caixa de sapatos para a entregar ao desditoso “coxo”. É o pegas, que a caixa pesava toneladas! A senhora fez a pergunta incómoda a Carlos Brito. Afinal, lá dentro não levava sapatos: “São soldadinhos de chumbo para as crianças, minha senhora!” O “Avante” era clandestino, parido por partido clandestino. Outros aproveitavam fissuras legais para editarem textos semi-clandestinos em nome de organizações semi-legais. Aconteceu com o “Boletim da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos”. O regime autorizara cidadãos reunidos em socorro de vítimas de catástrofes, haveria maior desdita que a Ideia de Liberdade agrilhoada nas masmorras da PIDE? Eugénia Varela Gomes, Cecília Feio, Levy Baptista, Nuno Teotónio Pereira e Luís Moita criaram a comissão que aparecia no cabeçalho do boletim, este feito a cheirar ao carbono do stencil albergado em cozinha esconsa de escritório de advogado desactivado, para as bandas de Campo de Ourique. “Denunciávamos, no boletim, os crimes de guerra praticados pelo exército português, divulgávamos as posições dos movimentos de libertação, estatísticas das baixas dos soldados portugueses, e vituperávamos a solidariedade da Nato e outras organizações para com a política colonial portuguesa” — lembrou Luís Moita. Decidido pelos membros da Comissão que a guerra colonial era o calcanhar de Marcelo que haveria de pôr o regime a coxear, avançaram para outra publicação: o B.A.C., Boletim anti colonial. O grupo, respaldado por plêiade de católicos “altamente politizados”, sofrendo “enormíssimas influências marxistas”, conseguiu publicar sete números do B.A.C., para logo depois integrarem o contingente dos presos políticos de que a outra publicação tratava. O “Boletim da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos” haveria de despedir-se dos leitores já Abril dos cravos ia alto, com notícia requentada da prisão de Luís Moita e companheiros de jornada. Lá por fora, ”estrangeirados” de nome Aquiles de Oliveira, Alberto Melo, Fernando Medeiros, Rodrigues dos Santos, Alfredo Margarido e Manuel Villaverde Cabral chegaram à conclusão, nos idos de 67, que a crítica ao regime salazarista padecia de “informação objectiva e firmeza ideológica”. Denunciaram a maleita nos “Cadernos de Circunstância”, impressos em Paris até 1970, aventura recordada no colóquio por Villaverde Cabral: “Pretendíamos dar um contributo diferente à luta política, fornecer à oposição elementos de debate, se possível ancorados em estatísticas; uma missão mais informativa, mais de reflexão do que de propaganda” — sinalizou aquele docente universitário. O primeiro número tratava da morte do Che, “capitán atado por la muerte”, pretexto para ferroadas várias aos partidos comunistas da América do Sul, Europa Ocidental também, máxima de Guevara transcrita para lembrar uma sua tese “demasiado simples, demasiado luminosa, límpida como todas as ideias generosas e objectivas”: “Só há uma maneira de se opôr às ameaças crescentes do imperialismo e à ofensiva do seu agente mundial — os USA — é pegar em armas e criar no mundo um, dois, três novos Viêt-Nam!” Cadernos fruto da sangria que tornava Portugal exangue de “trabalhadores intelectuais”, a circunstância mandaria que se escrevesse sobre “a violência na luta política e na vida quotidiana”, “os TUBARÕES e as

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sardinhas”, “o 3º plano de fomento”, “os investimentos estrangeiros em Portugal”. Ou que se respigasse texto de Cohn-Bendit, onde se falava da universidade “termómetro da resistência contra a uniformização e a integração social”; onde se falava da revolução-miríade, “um luxo, um sonho” se os estudantes não fossem capazes de “virar o saber ao contrário”. O “luxo” da revolução estudantil francesa era necessidade em Portugal, metamorfoseou-se em cravos vermelhos numa madrugada embalada por Zeca Afonso e Paulo de Carvalho, ia-se afogueando num Verão que foi Quente, cumpriu as urnas onde a democracia nasce feita voto, passou a celebração, depois evocação, depois amareleceu. O colóquio de Coimbra, se serviu para debater o papel da rádio e imprensa clandestinas durante a noite negra, serviu também para lembrar aos mais distraídos o sagrado valor da Liberdade "a noiva eterna das almas juvenis, o ideal sublime por que combatem todos", conforme definição de outras clandestinidades, as que antecederam a aurora republicana de 1910. Evocação que se quer tonitruante, que o amarelecer da memória lava mais rápido que o “OMO”. Manuel Alegre deixou repositório cáustico contra o que considera ser uma operação de branqueamento da ditadura: “O 25 de Abril foi uma revolução triunfante que não soube fazer a pedagogia dos seus valores. Vencedora no plano político não substituiu — e ainda bem —, uma cultura oficial por outra cultura oficial. Mas permitiu que pouco a pouco a estratégia do revisionismo fosse fazendo o seu caminho. Ora, como disse alguém, a luta pelo poder é sempre uma luta entre a memória e o esquecimento. Neste últimos anos a memória perdeu algumas batalhas. Tem-se procurado branquear o fascismo e denegrir o 25 de Abril e a Resistência. E mais, tem-se tentado aos poucos reabilitar o Estado Novo e ilegitimar moralmente o 25 de Abril. No plano das ideias e até no da própria linguagem os ditadores passaram a ser tratados respeitosamente por professores; o regime fascista passou a ser o regime anterior. Nada disto é inocente nem acontece por acaso, e só é possível porque, como tive ocasião de dizer no congresso “Portugal: Que Futuro”, há em Portugal uma questão de regime, uma questão que resulta do facto de nem todas as forças políticas representativas se reconhecerem na matriz fundadora da democracia portuguesa. Não é problema de somenos: há da parte de alguns dos principais beneficiários do regime democrático um divórcio afectivo e político com a natureza e o imaginário que estão na origem da liberdade portuguesa: a cultura da resistência, o imaginário do 25 de Abril. Enquanto por exemplo em França há uma memória da resistência e uma cultura republicana que são património tanto da esquerda como da direita democrática, tal não acontece em Portugal. E não acontece porque, com raras excepções, entre nós, a memória da resistência começa e acaba na esquerda, tal como a relação afectiva com o 25 de Abril e o seu imaginário. É por isso que o revisionismo tem avançado nos últimos anos, mas não só. A estratégia do branqueamento e do esquecimento é fruto de um certo amorfismo e de uma certa distracção, fruto da ausência de uma persistente e contiunuada pedagogia dos valores cívicos e democráticos, fruto também de omissões e ambiguidades que os nostálgicos do passado interpretam por vezes como convite ao revanchismo. A tolerância é a superioridade moral da democracia, mas a tolerância não deve ser confundida com masoquismo; a verdade é que o fascismo existiu e a Resistência também; a verdade é que o 25 de Abril restituiu a liberdade aos portugueses, mesmo a liberdade de o discutir, denegrir e pôr em causa. Essa é a diferença do 25 de Abril e também a sua superioridade. E por isso é que, mesmo quando parece estar a perder é o 25 de Abril que está a tornar-se vencedor. Porque não substituiu um dogma por outro dogma, nem um pensamento único por outro pensamento único (…)”. Hoje, aqui ao lado, na Europa que brasileiros e namibianos chamam de Primeiro Mundo, ainda há quem lute pela Liberdade com instrumentos iguais aos que ganharam corpo nas vozes de Manuel Alegre e Aurélio Santos, nas penas de Carlos Brito, Luís Moita, Villaverde Cabral. Há rádios clandestinas clamando pela Liberdade na Sérvia, mas as ondas da “B92” vão morrendo às mãos do sofisticado sistema de interferências do regime sérvio. Mas “o ideal sublime por que combatem todos” não se rende, e a Internet aí está, mesmo que arrogante, lembrando a todos que já foi tempo o tempo do panfleto, do stencil, da rádio da revolta em ondas hertzianas: “Even revolutions aren’t what they used to be, since there is internet. The times of illegal printing-presses in wet cellars, seditious pamphlets spread by revolutionaries in dufle coats, are over” — lê-se hoje no cabeçalho de página da Net, rodapé de título: “The revolution in Serbia begins with a homepage on Internet”. Se nos permitem terminar perguntando, quantos anos mais cedo teria chegado Abril se Carlos Brito tivesse um telemóvel, Estela Piteira Santos um modem, Manuel Alegre um fax, Mário Soares um bip, Álvaro Cunhal um PowerBook…? Dinis Manuel Alves 29 de Outubro 1997

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