26
CANCIAN, E. ; BRAZIL, M. C. . O Barão de Vila Maria: poder, história agrária e memória em Mato Grosso. In: BORGES, F.T. de Miranda; PERARO, Maria Adenir; COSTA, Viviane G. da S.. (Org.). Trajetórias de Vidas na História. 1 ed. Cuiabá: EDUFMT, 2009, v. 1, p. 93-116. O Barão de Vila Maria Poder, história agrária e memória em Mato Grosso Elaine Cancian 1 Maria do Carmo Brazil 2 Resumo Abstract Joaquim Gomes da Silva o barão de Vila Maria ocupou no século 19, as terras localizadas entre os rios Taquari, Paraguai e o Negro, marcando a história da ocupação do Pantanal sul-mato-grossense. Proprietário de gado, terras e trabalhadores escravizados, destacou-se no cenário político e social, ocupando cargos importantes na cidade de Corumbá como juiz de paz e vereador. Como outros proprietários das terras provincianas de Mato Grosso, o barão serviu-se da mão-de-obra cativa para cultivar em sua principal fazenda, a Piraputangas, os alimentos necessários ao abastecimento da vila de Albuquerque e Santa Cruz de Corumbá. Figura emblemática, o barão foi pioneiro na formação dos latifúndios do sul de Mato Grosso ao fundar no Pantanal a histórica Fazenda Firme, transformada por seu filho Nheco, no mais importante centro pecuarista regional. Joaquim José Gomes da Silva-the baron of Vila Maria-settle down in the nineteenth century, the land located among the rivers Taquari, Paraguai and Negro, making History concerning the settlement of the swampland from south province. He became very well-known due to its social and political actions, he also was an owner of large amounts of land and cattle, whereby, slave labour was used in his farms, mainly in Piraputangas. Piraputangas was responsible to farm he necessary food items for the villages of Albuquerque and Santa Cruz de Corumbá. The baron had a great value and also was a pionner in the formation of land property in the south of Mato Grosso, which was founded the historical farm called Firme. The farm was transformed by his son Nheco in one of the most important cattle breeder in the region Palavras-chaves: fazenda, barão de Vila Maria, escravidão Key-words: farm, baron of Vila Maria, slavery. 1 Professora do Curso de História da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul/Campus do Pantanal. Mestre em História pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). 2 Professora Titular em História do Brasil da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Docente do Programa de Mestrado em Educação e do Programa de Mestrado em História da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Doutora em História Social pela FFLCH/USP.

O Barão de Vila Maria - do.ufgd.edu.br · 4 BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício do historiador. Edição anotada por Ètienne Bloch. ... Apologia da História ou o ofício

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: O Barão de Vila Maria - do.ufgd.edu.br · 4 BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício do historiador. Edição anotada por Ètienne Bloch. ... Apologia da História ou o ofício

CANCIAN, E. ; BRAZIL, M. C. . O Barão de Vila Maria: poder, história agrária e

memória em Mato Grosso. In: BORGES, F.T. de Miranda; PERARO, Maria Adenir;

COSTA, Viviane G. da S.. (Org.). Trajetórias de Vidas na História. 1 ed. Cuiabá:

EDUFMT, 2009, v. 1, p. 93-116.

O Barão de Vila Maria

Poder, história agrária e memória em Mato Grosso

Elaine Cancian1

Maria do Carmo Brazil2

Resumo Abstract

Joaquim Gomes da Silva – o barão de Vila

Maria – ocupou no século 19, as terras

localizadas entre os rios Taquari, Paraguai

e o Negro, marcando a história da

ocupação do Pantanal sul-mato-grossense.

Proprietário de gado, terras e trabalhadores

escravizados, destacou-se no cenário

político e social, ocupando cargos

importantes na cidade de Corumbá como

juiz de paz e vereador.

Como outros proprietários das terras

provincianas de Mato Grosso, o barão

serviu-se da mão-de-obra cativa para

cultivar em sua principal fazenda, a

Piraputangas, os alimentos necessários ao

abastecimento da vila de Albuquerque e

Santa Cruz de Corumbá. Figura

emblemática, o barão foi pioneiro na

formação dos latifúndios do sul de Mato

Grosso ao fundar no Pantanal a histórica

Fazenda Firme, transformada por seu filho

Nheco, no mais importante centro

pecuarista regional.

Joaquim José Gomes da Silva-the baron of

Vila Maria-settle down in the nineteenth

century, the land located among the rivers

Taquari, Paraguai and Negro, making

History concerning the settlement of the

swampland from south province.

He became very well-known due to its

social and political actions, he also was an

owner of large amounts of land and cattle,

whereby, slave labour was used in his

farms, mainly in Piraputangas.

Piraputangas was responsible to farm he

necessary food items for the villages of

Albuquerque and Santa Cruz de Corumbá.

The baron had a great value and also was a

pionner in the formation of land property

in the south of Mato Grosso, which was

founded the historical farm called Firme.

The farm was transformed by his son

Nheco in one of the most important cattle

breeder in the region

Palavras-chaves: fazenda, barão de

Vila Maria, escravidão

Key-words: farm, baron of Vila Maria,

slavery.

1Professora do Curso de História da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul/Campus do Pantanal.

Mestre em História pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). 2Professora Titular em História do Brasil da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Docente

do Programa de Mestrado em Educação e do Programa de Mestrado em História da Universidade Federal

da Grande Dourados (UFGD). Doutora em História Social pela FFLCH/USP.

Page 2: O Barão de Vila Maria - do.ufgd.edu.br · 4 BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício do historiador. Edição anotada por Ètienne Bloch. ... Apologia da História ou o ofício
Page 3: O Barão de Vila Maria - do.ufgd.edu.br · 4 BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício do historiador. Edição anotada por Ètienne Bloch. ... Apologia da História ou o ofício

História de vida como fonte

Um dos legados deixado por Marc Bloch que serve de orientação à conduta ou

ao procedimento do pesquisador é a observação histórica, cujo olhar deve alcançar a

imensa massa dos testemunhos não escritos. Ao relato, à ordem dos fatos e ao

acontecimento o historiador precisa incorporar ao recurso da reconstrução histórica as

inúmeras pistas ou vestígios, muitas vezes ocultos, capazes de apreender o homem na

sociedade e no tempo.3 Marc Bloch lamenta em sua obra Apologia da História – ou o

ofício do historiador4, prefaciada por Jacques Le Goff, o fato de os historiadores

dedicados aos períodos antigos não recorrem nem de cartas privadas, nem confissões,

legando apenas péssimas biografias em estilo convencional. Jacques Le Goff lembra

que se ouvirmos os conselhos deixados por Marc Bloch veremos o quanto os atuais

historiadores, que estudam as épocas remotas, têm se esforçado em escrever histórias de

vidas submetidas ao rigor dos métodos, “(...) ao menos das dos homens ilustres do

passado, e a história do indivíduo nesses tempos antigos deveria beneficiar pesquisas

atuais ligadas ao ‘retorno do sujeito’ em filosofia e nas ciências sociais, retorno que não

deixa indiferente os historiadores.”5

As mudanças verificadas na vida material dos homens, nas formas de abordar as

questões regionais reúnem algumas das preocupações dos historiadores em apreender

não só as contradições, mas também as vicissitudes do cotidiano no processo histórico.6

A historiadora Maria do Carmo Di Creddo, ao tratar a questão das fontes históricas,

ressalta o inventário como fonte valiosa para a apreensão e análise nas formas de

riqueza social, para o estudo da história da família e da história rural. Nesta perspectiva

de abordagem, o inventário permite explicar parte das “(...) origens da fortuna pessoal e

familiar particularmente a aquisição de bens imóveis (e o) processo de formação da

3 LE GOFF, Jacques. Prefácio. In: BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício do historiador.

Edição anotada por Ètienne Bloch. Apresentação à edição brasileira Lilia Moritz Schwarcz. Tradução

André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001, p. 20. 4 BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício do historiador. Edição anotada por Ètienne Bloch.

Apresentação à edição brasileira Lilia Moritz Schwarcz. Tradução André Telles. Rio de Janeiro: Jorge

Zahar Editor, 2001 5 LE GOFF, Jacques. Prefácio. In: BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício do historiador.

Edição anotada por Étienne Bloch. Apresentação à edição brasileira Lilia Moritz Schwarcz. Tradução

André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001, p. 26. 6 DI CREDDO, Maria do Carmo. O Inventário como fonte para a análise nas formas de riqueza social:

reflexões sobre estudo de caso. In: DI CREDDO, M.C., ALVES, Paulo, OLIVEIRA, Carlos Roberto

(orgs.). Fontes Históricas: Abordagens e Médodos. Assis, SP: PPGH/FCL/UNESP, 1996, p. 11.

Page 4: O Barão de Vila Maria - do.ufgd.edu.br · 4 BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício do historiador. Edição anotada por Ètienne Bloch. ... Apologia da História ou o ofício

propriedade rural(...).”7 Os inventários iluminam aspectos da realidade pois em muitos

deles estão arrolados artefatos domésticos (bens móveis), bens imóveis ou descrições de

breves incidentes humanos dos lugares em questão. Além disso, os inventários expõem

situações - eventualmente consideradas triviais - por um leitor apressado – mas são

fontes prenhes de significados para o conhecimento das relações sociais e econômicas

locais, seja de indivíduos ou famílias.

Para Di Creddo o inventário suscita predominantemente a discussão dos

problemas relacionados à concentração do patrimônio imobiliário. Através dele é

possível verificar que durante o escravismo colonial o homem escravizado representava

uma forma de riqueza, parte constitutiva do capital de uma empresa. O trabalhador

escravizado era tido como mercadoria que se escolhia, comprava e vendia. Era num

documento de compra e venda que o cativo passava a figurar como bem de capital,

propriedade semovente da empresa agrícola ou de um núcleo familiar sujeito à

utilização do trabalho compulsório.8

Pelas reflexões de Di Creddo o inventário é uma fonte capaz de elucidar “(...)

não só as origens da riqueza familiar – expressas em escravos, propriedade ou outros

bens – mas também colocar a trajetória de formação da fortuna pessoal e familiar

através da identificação do tipo de bens arrolados.”9

Com essas reflexões elegemos o caso do Barão de Vila Maria que se estabeleceu

em terras do sul de Mato Grosso, hoje Mato Grosso do Sul. Estudos realizados sobre o

barão como Genealogia Mato-grossense, de José de Mesquita, Vila Maria dos Meus

Maiores, de Luis-Philippe Pereira Leite10,

contribuíram para nutrir o gênero da biografia

romanceada e as memórias por ordem crescente de interesses. São escritores que

romancearam os fatos ligados à vida do barão, mostrando a trajetória de um homem

diferente. Este homem endiabrado, que na infância atormentava a vida dos moradores

da antiga Vila Maria, sua cidade natal, aos 37 anos recebeu do Imperador D. Pedro II, o

título nobiliárquico de Barão de Vila Maria, em reconhecimento aos serviços prestados

ao país.

Alguns dos serviços prestados ao Império Brasileiro ligaram-se ao fato do barão

ter transformado sua fazenda Piraputangas em sentinela avançada do Comando de

7 Ibid., p. 11. 8 BRAZIL, Maria do Carmo. Fronteira negra...Op.cit. p. 32. 9 DI CREDDO, M. C. Fontes Históricas... Op cit., p. 12. 10LEITE, Luis-Philippe Pereira. Vila Maria dos Meus Maiores. São Paulo: Vaner Bicego, 1977.

MESQUITA, José. Genealogia mato-grossenses. São Paulo: Resenha Tributária, 1992.

Page 5: O Barão de Vila Maria - do.ufgd.edu.br · 4 BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício do historiador. Edição anotada por Ètienne Bloch. ... Apologia da História ou o ofício

Armas da Província, sediado em Corumbá antes mesmo de ter deflagrado a Guerra

contra o Paraguai. Com essa missão tomada para si controlava com os habitantes da

região qualquer movimento que representasse perigo e insegurança, principalmente no

rio Paraguai, área de passagem obrigatória dos invasores.

Abílio de Barros lembra que um de seus descendentes, o escritor Augusto César

Proença, citando um Relatório do Comando Geral e Corumbá feito pelo coronel Carlos

Augusto de Oliveira, destacou o esforço do barão em estabelecer um forte foco de

resistência, a despeito dos interesses opostos dos comandantes: “(...) duzentas

espingardas e cartuchame para armar seus camaradas e agregados ao mesmo tempo em

que enviava ao Comando Geral de Corumbá 12 escravos por ele alforriados para

assentarem praça, e seus próprios dois filhos. O mais velho, de nome Firmino, tido de

um primeiro casamento, viria a ser morto pelos paraguaios. Desse ato o barão faz

referência em seu testamento com visível sentimento de revolta e orgulho ao mesmo

tempo, pois, no entrevero armado, o seu filho abatera três dos soldados paraguaios que

foram ao seu encalço. Ainda pelo relatório do cel. Carlos Augusto, ficamos sabendo que

partiu do barão o aviso final do desembarque, em Albuquerque, das tropas paraguaias

que marcharam sobre Corumbá, bem como da passagem dos vapores inimigos rio

acima. O barão atravessaria o rio Paraguai para sua margem esquerda, onde possuía

fazenda de gado e, de lá, subiria o Taquari até Coxim, de onde, montado em burros,

com família e alguns escravos, seguiu até o Rio de Janeiro para dar notícias ao rei, como

consta da história.” 11

A imagem de Joaquim José Gomes da Silva foi descrita como herói de guerra,

como desbravador ou pioneiro e como o fazendeiro lavrador que no distrito de

Albuquerque legou aos pantaneiros a ocupação de uma das mais lendárias regiões do

Pantanal – a Nhecolândia.

Segundo a narrativa daqueles que se prepuseram a escrever a história de vida do

barão, a luta destes desbravadores que se transformaram em povoadores da região do

pantanal sul, não fez parte dos relatos dos viajantes.12

Poucos historiadores procuraram

dialogar com os elementos da realidade presentes em suas memórias ou outras peças

informativas similares. Assim, a reflexão sobre a ocupação deste espaço singular,

11BARROS, Abílio Leite de. Gente Pantaneira (Crônicas da sua História). Rio de Janeiro: Lacerda, 1998,

p. 72-73. 12 BRAZIL, Maria do Carmo. Rio Paraguai, o ‘mar interno’ brasileiro. Uma contribuição para o estudo

dos caminhos fluviais. Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas.

São Paulo-SP. 1999, p. 262. (Tese de Doutorado).

Page 6: O Barão de Vila Maria - do.ufgd.edu.br · 4 BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício do historiador. Edição anotada por Ètienne Bloch. ... Apologia da História ou o ofício

rendilhado de rios, traduz a certeza de que a pesquisa histórica sobre as correntes de

povoamento e os aspectos da vida material, permanece como uma floresta primitiva, à

espera de seus desbravadores.13

Mesmo biografado de forma romanceada14

, é possível

afirmar que o barão foi mesmo pioneiro na formação dos latifúndios do sul de Mato

Grosso ao fundar a histórica Fazenda Firme, que se tornou importante centro da

pecuária da região.

Feitas as considerações acima, a escolha de Joaquim José Gomes da Silva, o

barão, como objeto de análise justifica-se pela necessidade de explicar a atuação política

dos grandes proprietários e sua relação com o universo social durante a formação dos

latifúndios nos pantanais de Mato Grosso. Além disso, os registros da vida política do

mesmo foram encontrados em arquivo local, favorecendo, portanto, a escrita do

trabalho.

Não pretendemos com essa escolha reforçar o imaginário ilusório daqueles que

entendem os representantes do poder como os únicos a terem o direito de serem

lembrados e registrados nas produções historiográficas. Aclarar a trajetória de um

grande proprietário inclui perpassar também pela vida e ações praticadas pelos

escravizados dentro das casas e nas fazendas desta região.

Ao retratarmos patriarca Gomes da Silva, grande proprietário de terras e cativos,

evidenciou-se que na fronteira das raias castelhanas os senhores serviam-se do

trabalhador escravizado, permitindo ser reconhecido na região por abastecer Corumbá e

Albuquerque com diferentes víveres. Inserido em um contexto social propiciador de

poder e cargos elevados entre proprietários de extensas terras, o barão soube utilizar-se

das oportunidades.

O objetivo não é produzir uma carteira de identidade15

de Joaquim José Gomes

da Silva. Tampouco realizar uma trajetória completa de sua vida, mas entender, ainda

que restritamente, como estruturou o jogo do poder, as relações sociais e, sobretudo o

uso do braço cativo no distante sul de Mato Grosso, numa época marcada pela

manipulação da terra e do trabalho.

No tempo da escravatura, período em que o branco abastado, proprietário de terras

e dos trabalhadores escravizados, enjeitava os trabalhos braçais servindo-se de cativos

13 Ibid., p. 262. 14 Sobre o gênero da biografia na construção do discurso Cf. PENA, Felipe. Teoria da biografia sem fim.

Prefácio de Muniz Sodré, Editora Mauad, Rio de Janeiro, 2004 15BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaina.

(Orgs.) Usos e abusos da história oral.4. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2001. p.188.

Page 7: O Barão de Vila Maria - do.ufgd.edu.br · 4 BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício do historiador. Edição anotada por Ètienne Bloch. ... Apologia da História ou o ofício

no campo e na cidade e o homem livre pobre mantinha pelo menos um preto nos

afazeres domésticos ou no ganho objetivando, sobretudo a sobrevivência diária, era

corrente considerar o trabalho “coisa” de escravo.

Um bom casamento entre brancos era aquele que unia filhos descendentes de

barões, fazendeiros, políticos, etc. Numa sociedade escravocrata marcada pelos

interesses dos grandes proprietários, pela utilização do braço cativo e pela

desvalorização dos indivíduos oriundos de relações interétnicas (brancos, nativos e

negros), fazia diferença ser branco. Essa distinção ampliava quando este branco era de

família abastada ou do dotado de título nobiliárquico. Todavia, em certas famílias

alguns membros fugiam dos costumes praticados na época, contraindo laços

matrimoniais pouco promissores. Foi nesse contexto que transcorreu a trajetória de vida

de Joaquim José Gomes da Silva.

De menino diabo a barão

Filho do padre José Joaquim Gomes da Silva e da “bugra” Rosa Thereza

Inocência do Nascimento, natural de Vila Maria (atual São Luiz de Cáceres-MT),

Joaquim José Gomes da Silva, o menino diabo, nascido no ano de 1825, enfrentaria,

segundo seus biógrafos, as durezas da vida, a discriminação social para só mais tarde

tornar-se proprietário rural na região sul da província de Mato Grosso e o único barão

da cidade de Corumbá: (...) De Jacobina irradiava a gente aventureira, que tomou conta

de grande porção do Pantanal, no Taquari, Paraguai e Negro, onde se afazendou o genro

de João Pereira Leite, de nome Joaquim José Gomes da Silva, Menino-Diabo, em moço,

e barão de Vila Maria, por decreto de 1862 (21/06/1862) ”16

.

Joaquim Gomes da Silva recebera o apelido de menino diabo devido às artes

praticadas quando ainda era criança. Conforme os memorialistas dentre tantas

travessuras a mais recordada é a entrada na igreja de Vila Maria (atual cidade de

Cáceres), antes da missa e a prática do sacrilégio. O menino endiabrado teria

consumido o vinho do cálice do padre e urinado no recipiente. O ato escandalizou a

população da região, reservando-lhe a imagem de menino mau. Quando jovem, em

1839, recebeu uma herança do pai falecido constituída por alguns escravos, objetos de

casa, livros e trezentos e cinco reis.

16 CORRÊA FILHO, Virgílio. Fazendas de gado no Pantanal mato-grossense. Rio de Janeiro: Ministério

da Agricultura/Serviço de Informação Agrícola, 1955. 62 p. (Documentário da Vida Rural, 10), p. 22.

Page 8: O Barão de Vila Maria - do.ufgd.edu.br · 4 BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício do historiador. Edição anotada por Ètienne Bloch. ... Apologia da História ou o ofício

Na obra Pantanal. Gente, tradição e história, Augusto César Proença, publicada

em 1990,17

mostra que a herança encorajou Joaquim José a casar-se com sua prima

materna Benedita Fausta de Campos com quem teve um filho de nome Firmino. Após o

falecimento da sua esposa tornou-se mascate, profissão que o aproximaria da segunda

companheira. Durante as suas viagens entre Cuiabá e Cáceres, acostumava repousar na

fazenda dos parentes, a Jacobina, morada da prima de segundo grau Maria da Glória, a

qual do alpendre da casa acompanhava a movimentação do núcleo rural, podendo

observar e ser vista pelo primo. Proença descreve-a com feições de menina, sem beleza

e “ajeitadinha”.18

Os olhares resultaram em namoro escondido, o qual ao ser descoberto

pelo major João Carlos, pai da menina, fora proibido. Naturalmente o grande

proprietário de terras e cativos não considerava o primo mascate, um bom pretendente à

futura herdeira da Jacobina, a qual na época tinha apenas treze anos de idade.

Conforme registrou Proença19

, os amantes impedidos de se verem planejaram um

casamento às escondidas. Durante a noite, quando a família, os cativos, os agregados e

criados e os animais da fazenda dormiam Maria da Glória servida por lençóis amarrados

na porta do quarto escapou pela janela apoiando-se nas paredes externas da casa. A

cavalo Joaquim José e a prima, fugiram. Com o barulho do galope os fujões acordaram

animais e habitantes da casa causando enorme alvoroço feito por cachorros, galinhas e

porcos. Auxiliado pelos trabalhadores da fazenda, o major João Carlos deliberou a

busca pelos fujões, mas a esperteza de Joaquim impediu que a amada retornasse à

Jacobina, pois havia antecipado a documentação necessária para realização do

casamento. Em uma igreja de Poconé, casaram-se imediatamente após a fuga.

Para livrar-se definitivamente das ameaças familiares da então esposa, Joaquim

José dirigiu-se em 1845, para o sul de Mato Grosso, rumo ao pequeno povoado de

Corumbá. Assim, segundo as avaliações de Virgílio Correa Filho, “(…) pelo seu grande

tino comercial, sua vontade de vencer, capacidade de trabalho, Joaquim José foi

requerendo sesmarias a ponto de, já em 1847, ser o proprietário de uma porção delas

(…).” 20

As terras requeridas por Joaquim José Gomes da Silva estendiam-se pela região

do Urucum, Taquari, Paraguai, Jacadigo, Aquidauana e outros. Todavia, foi na elevada

17PROENÇA, Augusto César. Pantanal. Gente, tradição e história. Campo Grande/MS, 1992. 18Idem, p. 67. 19Idem, p. 70, 71. 20Idem, p. 71.

Page 9: O Barão de Vila Maria - do.ufgd.edu.br · 4 BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício do historiador. Edição anotada por Ètienne Bloch. ... Apologia da História ou o ofício

Serra do Urucum pertencente à fazenda Piraputangas, o espaço escolhido para elevar a

moradia que abrigou a família Gomes da Silva no espaço rural até a invasão paraguaia.

Distante a poucos quilômetros de Albuquerque, Piraputangas foi referência constante

dos viajantes estrangeiros da época, dada sua extensão, beleza natural e construções

contidas, sobretudo pela importância econômica na região.

Joaquim José Gomes da Silva, além de grande proprietário de terras, gado e

trabalhadores escravizados, foi homem influente na região, desempenhando o papel de

juiz de paz e vereador de Corumbá.21

A fazenda das Piraputangas

Cumpre lembrar que os primeiros povoadores do pantanal sul partiram da região

de Cuiabá, Poconé, Livramento e Cáceres, precisamente da grande fazenda Jacobina. Os

Pereira Leite ocuparam a região do Descalvado e os Gomes da Silva conquistaram a

parte sulina do Pantanal. Na história da ocupação da porção sul do Pantanal, figurou

como já comentado, Joaquim Gomes da Silva veio ocupar a sub-região do Pantanal

entre os rios Taquari, Paraguai e o Negro. Tomou posse, portanto, de uma sesmaria

localizada na região de Corumbá, requerida como parte da herança deixada pelo pai de

Maria da Glória Pereira Leite, sua mulher.22

A vitória sobre a reação dos “estrategos” paiaguás, graças às fortificações

portuguesas de 1778, permitiu o lento povoamento da mesopotâmia entre o rio Negro e

o Taquari. Deste vasto espaço tomou posse, em 1847, Joaquim José Gomes da Silva,

assentando-se numa área entre Corumbá e Albuquerque, onde fundou a Fazenda

Piraputangas, junto a serra do Urucum. Como eram terras de excelência para as

atividades agro-pastoris, o rebanho aumentou rapidamente, tornando-se necessária a

utilização de maior quantidade de pasto para o gado.23

Na busca dessas áreas de pastagem, explica Abílio Leite Barros, o barão talvez

informado pelos nativos, descobriu que havia uma imensa extensão de campos limpos

“acima da foz dos rios Miranda e Abobral e abaixo das águas do Taquari, perto de

21Joaquim José Gomes da Silva foi eleito vereador em 1872, na primeira eleição realizada em Santa Cruz

de Corumbá para escolha dos sete vereadores . O barão foi eleito com a maioria dos votos, cento e setenta

e cinco, para um total de 269 votantes. Além de vereador, Gomes da Silva foi escolhido para

desempenhar a função de juiz de paz, eleito com cento e oitenta e um votos. Cf. Ata especial de apuração

dos votos para sete vereadores e quatro juízes de paz desta paroquia de Santa Cruz de Corumbá. 1872.

Arquivo da Câmara Municipal de Corumbá. Documentos avulsos. Corumbá-MS. 22 Cf. BRAZIL, Maria do Carmo. Rio Paraguai.... Op. cit., p. 243. 23 Ibid., p. 249.

Page 10: O Barão de Vila Maria - do.ufgd.edu.br · 4 BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício do historiador. Edição anotada por Ètienne Bloch. ... Apologia da História ou o ofício

Albuquerque...”24

, precisamente na margem esquerda do rio Paraguai. Portanto, na área

contígua ao rio, onde mais tarde ficou conhecida como porta de entrada da Nhecolândia,

o barão fundou um retiro, tratado primitivamente por Manga do Barão, depois Porto da

Manga. 25

Em função das seguidas enchentes o rancho foi mais tarde abandonado. O

barão determinou a construção de um novo retiro num local mais alto e enxuto, a quatro

léguas de distância do rio, a que foi dado o nome de “Firme”26

.

A fazenda Piraputangas, propriedade do barão de Vila Maria27

, localizava-se

próximo a Albuquerque e Corumbá, e abastecia ambas as localidades devido à

abundante produção de alimentos.28

Firmada em terra favorável à agricultura, mas

também à pecuária, foi explorada devidamente com plantações variadas e criação de

animais.

As plantações de cana-de-açúcar e dos alimentos que abasteciam os núcleos

urbanos eram cuidados pelos escravos lavradores e roceiros. Na lavoura labutavam

Marina, Eustachio, Balthasar, Anastácio, João do Ouro, entre outros.29

A lida com o

gado, a fabricação da aguardente, do açúcar e da farinha, a confecção de instrumentos

com ferro e madeira, também eram atividades efetivadas pelos cativos.

Na relação30

dos cativos rurais pertencentes ao espólio do barão um escravizado

aparece destacado. Gabriel, 38, era especializado na lida com o gado bovino e por isso

identificado como vaqueiro. O único cativo campeiro de propriedade do barão arrolado,

dentre tantos outros, talvez pudesse ensejar a diminuição considerável da quantidade

dos animais precipitada pela invasão das tropas paraguaias, responsáveis pela utilização

da carne bovina e dos alimentos produzidos na Piraputangas como alimentação. O dado

24BARROS, Abílio Leite de. Gente ....Op. cit., p. 80. 25 A Manga do Barão refere-se a uma espécie de corredor com paredes de varas de bambu que servia para

conduzir o gado até a barranca do rio para fazer a travessia à outra margem. Informação fornecida pelos

moradores da localidade. Cf. BRAZIL, Maria do Carmo. Rio Paraguai.... Op. cit., p. 249. 26

BRAZIL, Maria do Carmo. Terra e Trabalho no sul de Mato Grosso. Considerações sobre ocupação

dos pantanais e formação dos latifúndios - século 19 e 20. In: Helen Ortiz (org.). Escravidão em

propriedades pastoris. Passo Fundo: EdiUPF, 2008. [Coletânea sobre escravidão ( No prelo)]. 27O título “barão de Vila Maria” foi concedido a Joaquim José Gomes da Silva em 21 de junho de 1862,

pelo Governo Imperial. 28PROENÇA, Augusto César. Pantanal. Gente, tradição e história. Campo Grande-MS, 1992. 29Classificação dos escravos para serem libertos pelo Fundo de Emancipação - 1877. Arquivo da Câmara

Municipal de Corumbá / Corumbá (MS). 30

Inventário dos bens do barão de Vila Maria/1876. Memorial do Arquivo do Tribunal de Justiça de

Campo Grande/MS. p. 77-80. 315 f.

Page 11: O Barão de Vila Maria - do.ufgd.edu.br · 4 BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício do historiador. Edição anotada por Ètienne Bloch. ... Apologia da História ou o ofício

observado, somado às informações da literatura disponível31

poderia ensejar uma

conclusão precipitada de que pouco ou nenhum gado havia na fazenda após o término

da Guerra do Paraguai. Mas, o próprio Inventário revela na relação dos bens

semoventes uma quantidade considerável de gado bovino, sendo trinta para corte,

quarenta vacas mansas leiteiras e quarenta e sete reses de criar. Doze mil reses foram

declaradas existentes nas Fazendas Palmeiras e São Francisco, também propriedades do

barão.32

Piraputangas mereceu destaque na literatura dos viajantes devido as suas

riquezas naturais e investimentos matérias ali empregados. Para Joaquim Ferreira

Moutinho, a fazenda do barão era notável. Registrou, então: “(...) O melhor

estabelecimento d’aquellas paragens era o riquíssimo engenho- as Piraputangas -

pertencente ao Sr. Barão de Villa Maria. D’ahi sahia grande parte do sustento para

Corumbá; accrescendo que a maior parte do gado que ali se consumia era tirado das

fazendas do mesmo barão, proximas do Engenho, onde residia em riquíssima casa, perto

da fábrica movida por água, entre ricos pomares, e bellas e abundantes plantações,

disposto tudo com muito gosto, regularidade, e até com luxo.”33

João Severiano da Fonseca, membro da comissão encarregada de demarcar os

limites com a Bolívia e autor da obra Viagem ao redor do Brasil 1875-1878, fez um

registro apreciável sobre Piraputangas: “(…) já foi uma das primeiras da província em

riquezas de gados e prosperidade na safra do açúcar, farinha, milho, arroz e feijão, com

que abastecia a cidade. Os paraguaios devastaram-na e arrebataram seus gados. Seu

proprietário Joaquim José Gomes da Silva, barão de Vila Maria, desde 1870 que a ia

reerguendo e já começava à colher bons frutos quando a morte lhe assaltou no mar,

recolhendo-se da côrte, aonde o tinham levado interesses da maior monta, quais os da

mineração do ferro...”34

Fazendas Palmeiras e São Domingos

31Conforme Augusto César Proença e Luis-Philipe Pereira Leite após a Guerra do Paraguai a fazenda do

barão ficou totalmente arrasada, o gado praticamente extinto. Afirmam a perda total pelo barão, dos seus

bens. 32Inventário dos bens do barão de Vila Maria/1876. Memorial do Arquivo do Tribunal de Justiça de

Campo Grande/MS. p. 77-80. 33MOUTINHO, Joaquim Ferreira. Noticia sobre a Província de Matto Grosso seguida D’um roterio da

Viagem de sua Capital a São Paulo. São Paulo: Typographia de Henrique Schroeder, 1869. p. 246. 34 FONSECA, João Severiano da. Viagem ao redor do Brasil 1875-1878.Rio de Janeiro: Typographia de

Pinheiro & Cia, 1880. p.303.

Page 12: O Barão de Vila Maria - do.ufgd.edu.br · 4 BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício do historiador. Edição anotada por Ètienne Bloch. ... Apologia da História ou o ofício

Além da lavoura cultivada na Piraputangas o barão mantinha plantações em São

Domingos, terras também suas.

O viajante João Severiano, além de ter registrado sobre as poucas fazendas

promissoras do sul da Província de Mato Grosso, que ainda há época (1875-76), era

ocupada para plantações de gêneros alimentares e criação do gado, destacou que as

fazendas mato-grossenses sucumbiam porque permaneciam exclusivamente ocupadas

pela criação do gado. Quando faltavam pastagens e água os animais fugiam em busca da

alimentação morrendo nos pantanais ou permanecendo distantes das propriedades de

origem. Sem gado e sem couro para exportar os fazendeiros presenciavam o

esgotamento dos seus recursos.

Diferente da desordem estabelecida na grande maioria das fazendas nacionais e

particulares, nas terras da família Gomes da Silva predominava o cuidado dos

proprietários e a prosperidade. A fazenda Palmeira, por exemplo, administrada pelo

filho do barão, Joaquim José Gomes da Silva, conhecido por baronete35,

também

mereceu destaque na literatura dos viajantes. Palmeiras e mais cinco cativos36

foram

doados por escritura pelo casal Gomes da Silva ao filho no ano de 1873, três anos antes

do falecimento do barão.

A fazenda Palmeira tinha suas terras revolvidas para plantação de hortas,

pomares, plantas ornamentais e jardins e os pastos cuidados para criação do gado. Foi

elevada na mesma moradia confortável e bela, em uma época, cuja maioria das extensas

propriedades de gado mantinha construções simples, sem luxo nem conforto, vistas

pelos viajantes37

mais como pardieiros do que moradias propícias aos proprietários das

terras.

Assim descreveu Severiano sobre a fazenda Palmeiras: “Há apenas dois anos via-

se ainda no delta do Taquari uma fazenda, que pelas promessas que fazia prometia vir a

35 Na Inglaterra, baronete é um título de nobreza superior ao de cavaleiro e inferior ao de barão. 36 Jornal A Situação.Anúncios.Ano VI, N° 314, 17 abr. de 1873, p. 04. Biblioteca Pública Estadual Dr.

Isaías Paim. Campo Grande/MS. 37 Ver entre outros: CASTELNOU, Francis. Expedição às regiões centrais da América do Sul. São Paulo:

Nacional, 1987. FONSECA, João Severiano da. Viagem ao redor do Brasil 1875-1878. Rio de Janeiro:

Typographia de Pinheiro & Cia, 1880; FLORENCE, Hercules. Viagem Fluvial do Tietê ao Amazonas de

1825 a 1829. São Paulo: Cultrix, 1977; MOUTINHO, Joaquim Ferreira. Noticia sobre a Província de

Matto Grosso seguida D’um roterio da Viagem de sua Capital a São Paulo. São Paulo: Typographia de

Henrique Schroeder, 1869; SMITH, Herbert Huntington. Do Rio de Janeiro a Cuyabá. São Paulo:

Melhoramentos, (s/d).

Page 13: O Barão de Vila Maria - do.ufgd.edu.br · 4 BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício do historiador. Edição anotada por Ètienne Bloch. ... Apologia da História ou o ofício

ser o modelo das da província. Seu dono, jovem, ativo e empreendedor, inteligente e

dócil aos sãos conselhos da experiência, empregava o melhor dos seus esforços em

beneficiá-la. Vastas sementeiras de alfafa estavam feitas do mesmo modo que campos

imensos plantados com gramíneas de pasto. Seus gados não tinham precisão de

percorrer léguas para abeberarem: havia canais e açudes, e, mais que não eram

requeridos pela necessidade e só por um excesso de previdência. O jovem e inteligente

fazendeiro já enchia-se de legítimo orgulho, observando como o seu gado prosperava de

modo extraordinário relativamente aos outros não cuidados. Atendendo à fazenda,

atendia à si e aos seus. Sua vivenda não seria um rancho, um galpão, um miserável

pardieiro como os de tantos outros muito superiores em meios da fortuna: ia sendo

construída conforme suas posses atuais, mas com gosto e confortabilidade, e seguindo o

adiantamento da época. Hortas, pomares e jardins, delineavam-se em já próspero

crescimento: para eles buscava sementes de tudo o que era de utilidade e ornamento,

consciente de que aumentando-lhes a beleza mais encarecia o valor da vivenda. Em

pouco tempo seria ela o orgulho do seu laborioso dono e o espelho das da província.”38

A casa rural do barão

Elevada entre os pomares e as plantações a moradia ostentava luxuosidade, em

uma época cuja maioria das construções rurais de Mato Grosso era simples construções

elevadas com paredes de barros e cobertas com folhas de coqueiros existentes na região,

semelhantes pardieiros salpicavam os espaços rurais e serviam de habitação àqueles que

se aventuravam, principalmente à procura de metais preciosos. Mas, diferente das

singelas construções mato-grossenses, a edificação rural do barão era coberta com

telhas, possuia três salas, corredor, alcovas, varanda nos fundos e cozinha.39

Nas salas frontais da moradia haviam dispostas pequenas mesas fabricadas de

cedro dispostas ao centro destas. No formato quadrado e redondo, essas mobílias

possivelmente eram usadas para comportarem vasos, sinetas ou castiçais. Também,

mesas quadradas, com gavetas, - escrivaninhas - eram parte dos móveis dispostos nessas

peças. Nos quartos, baús, canastras, camas de jacarandá forradas com lona e couro e

toucador, eram os objetos usados pela família Gomes da Silva. O interior da casa possuia

38 FONSECA, João Severiano da. Viagem ao redor do Brasil 1875-1878.Rio de Janeiro: Typographia de

Pinheiro & Cia, 1880. p. 163-64. 39 MOUTINHO, Joaquim Ferreira. Noticia sobre a Província de Matto Grosso seguida D’um roterio da

Viagem de sua Capital a São Paulo. São Paulo: Typographia de Henrique Schroeder, 1869. p. 245-46.

Page 14: O Barão de Vila Maria - do.ufgd.edu.br · 4 BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício do historiador. Edição anotada por Ètienne Bloch. ... Apologia da História ou o ofício

ainda armário grande de guardar livros, cadeiras de balanço, cadeiras de palhinha, cantoneiras

de jacarandá, castiçais de prata e relógio de parede.40

A casa funcionava porque os vários cativos mantidos na fazenda realizavam as

diversas atividades cotidianas. Rufina, 39, única cozinheira, preparava as refeições e os

cativos Randolpho, Nicencia e Ignês, cuidavam dos demais afazeres domésticos. Na

tabela 1 é possível observar os dados sobre os cativos executores das atividades internas

da casa do barão, bem como os demais trabalhadores escravizados especializados nas

tarefas rurais.

Tabela 1. Cativos rurais de propriedade do barão de Vila Maria.

Nome Idade Cor Estado Aptidão ao Trabalho Profissão

Cristolpha 15 Parda Solteira Bastante Doméstica

Eustachia 22 Parda Solteira Bastante Lavradora MULHERES

Mariana 21 Parda Solteira Bastante Roceira

Rufina 39 Preta Solteira Bastante Cozinheira

Theodora 40 Preta Viúva Bastante Roceira

Antonio Congoió 54 Preta Solteiro Bastante Lavrador

Antonio Nunes 29 Preta Solteiro Bastante Sapateiro

Antonio 18 Parda Solteiro Bastante Roceiro

Anastacio 16 Preta Solteiro Bastante Lavrador

Balthazar 22 Parda Solteiro Bastante Lavrador

Fillete 23 Parda Solteiro Bastante Lavrador

Gabriel 33 Preta Solteiro Bastante Lavrador

Gonçalo 52 Parda Solteiro Bastante Lavrador HOMENS

João do Ouro 22 Preta Solteiro Bastante Lavrador

João do Engenho 18 Parda Solteiro Bastante Copeiro

Manoel 16 Parda Solteiro Bastante

Serviço

Doméstico

Raimundo 32 Parda Solteiro Bastante Lavrador

Tristão 34 Preta Solteiro Bastante Lavrador

Vicente 12 Parda Solteiro Bastante

Serviço

Doméstico

Fonte: Elaborada com base no Livro de Classificação dos escravos para serem libertos pelo Fundo de

Emancipação – 1873 1874 e 1877. Arquivo da Câmara Municipal de Corumbá / Corumbá (MS). Ver

também: BRAZIL, Maria do Carmo. Fronteira Negra. Dominação, violência e resistência escrava em

Mato Grosso – 1718-1888. ). Passo Fundo: EdiUPF, 2002, p.145 e 150. (Coleção Malungo) CANCIAN,

Elaine. Escravidão, arquitetura urbana e a invenção da beleza. O caso de Corumbá (MS). Passo Fundo:

EdiUPF, 2006, P. 252-261 . (Coleção Malungo).

A moradia do barão e as plantações de cana, milho, mandioca e frutas e demais

alimentos não eram os únicos beneficiamentos implantados na fazenda: cercados de

animais, currais, enfermaria, galpões de palha e quartos foram construídos. O engenho

40CANCIAN, Elaine. Arquitetura e escravidão em Corumbá: gênese e desenvolvimento do núcleo

justafluvial. In: Helen Ortiz (org.). Escravidão em propriedades pastoris. Passo Fundo: EdiUPF, 2008.

[Coletânea sobre escravidão ( No prelo)].

Page 15: O Barão de Vila Maria - do.ufgd.edu.br · 4 BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício do historiador. Edição anotada por Ètienne Bloch. ... Apologia da História ou o ofício

de moer cana e fabricar o açúcar e a aguardente e os galpões de funcionamento das

oficinas de carpintaria, ferragens e monjolo movido por água completavam a paisagem

da Piraputangas.

Os viajantes acolhidos na fazenda repousavam em quartos separados da casa do

barão. O fato desses compartimentos serem cobertos por telhas denota que eram mais

salubres e considerados mais relevantes em relação às acomodações dos trabalhadores

escravizados, cobertas com material pouco valorizado.

Peça desprezada pelos escravizadores durante o cativeiro a cozinha era o espaço

exclusivo das cativas cozinheiras, da fumaça espalhada pelo fogão à lenha e do árduo

trabalho,41

. A cozinha era o último compartimento da moradia do barão e as atividades

ali executadas podiam não ser apreciadas pelos proprietários, sobretudo pelas esposas

dos senhores, mas as louças saídas da cozinha usadas para servir seus donos deveriam

ser as mais finas. Os objetos deveriam ser adequados ao maior proprietário de terras e

único barão da região. Infelizmente não contamos com relatos, documentos ou outras

produções reveladoras dos objetos utilizados na habitação do barão. Mesmo assim é

possível tecer algumas considerações atentando para o arrolamento dos bens da família

registrado no Inventário de Joaquim José.

Na cozinha da baronesa havia louças, uma pequena salva de prata pesando três

quilos e quarenta gramas e outra maior de quinze quilos. Tais objetos eram guardados

em um armário descrito no Inventário como armário grande com tampo de guardar

louça42

. Apesar destes poucos utensílios utilizados na casa eram provavelmente de boa

qualidade.

A família Gomes da Silva incrustada no pantanal, terras longínquas dos centros

de poder, aonde as novidades chegavam mais rapidamente, talvez vivesse mais adaptada

aos objetos fabricados pelos nativos, assim como os exploradores nos primeiros tempos

da colonização. Os utensílios domésticos, sobretudo os talheres eram raros no período

colonial e, nas terras mato-grossenses, ainda em pleno século 19, eram pouco usados.

Leila Mezan Algranti43

ao abordar a escassez de mobiliário e utensílios da casa colonial

41

CANCIAN, Elaine. Escravidão, arquitetura urbana e a invenção da beleza. O caso de Corumbá (MS).

Passo Fundo: UPF, 2006, p. 96-98. 42 Inventário dos bens do Barão de Villa Maria. 3 de agosto de 1876. p. 77-80. Arquivo do Tribunal de

Justiça de Campo Grande (MS). 43 ALGRANTI, Leila Mezan. Famílias e vida doméstica. In:SOUZA, Laura de Mello e. (Org.). História

da vida privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo: Companhia da

Letras, 2004.

Page 16: O Barão de Vila Maria - do.ufgd.edu.br · 4 BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício do historiador. Edição anotada por Ètienne Bloch. ... Apologia da História ou o ofício

lembra-nos de que a posse de objetos não sugeria riqueza. Eram a escravaria, as jóias, a

quantidade de alimentos servidos à mesa, a qualidade das roupas usadas e os cargos

ocupados as principais evidências de elevada posição social.

Após a chegada da família real em 1808 o interior das casas recebeu requinte de

novos objetos. Os utensílios foram inseridos nas casas dos proprietários mais abastados,

mas a preocupação por maior conforto esteve presente na Colônia desde a metade do

século 18 restritamente, nos maiores núcleos urbanos, como nos mostra Leila Mezan.

O engenho das Piraputangas

O engenho de moer cana existente na Piraputangas era de ferro provido por dois

cilindros movidos à água. A máquina era protegida por uma construção grande, coberta

com telhas. A cana passada na moenda pelos cativos era armazenada em um depósito

contíguo ao engenho, coberto de telhas e que comportava os sete grandes recipientes de

azedar garapa e dois alambiques, um de serpentina e outro constituído pelo antigo

sistema, ambos de cobre e pesando um mil e setenta kilos.

Em uma edificação também, coberta de telhas, era armazenada a aguardente

dentro das quatro pipas de madeira. Tais recipientes guardavam entre duzentas a

seiscentas canadas44

de cachaça. Além da fabricação de bebida, era preparada para o

consumo da fazenda e das regiões vizinhas a farinha de mandioca. No galpão coberto de

palhas, em dois fornos de cobre, pesando setenta quilos cada um, os trabalhadores

escravizados do barão, preparavam e torravam a farinha.

Além das edificações que serviam ao preparo da aguardente, do açúcar e da

farinha, existiam aquelas destinadas às oficinas de carpintaria e ferraria. O galpão com

telhado abrigava as ferramentas completas e necessárias ao trabalho especializado dos

cativos carpinteiros. A oficina de ferreiro, igualmente de telhas, tinha instrumentos

como bigorna, torno, fole entre outras ferramentas usadas no trabalho com metal.

Os diferentes gêneros alimentares colhidos e o açúcar preparado, através do

trabalho braçal escravizado, eram acondicionados em uma casa coberta de telhas. O

açúcar era armazenado em caixa grande com tampa.

As senzalas das Piraputangas

44 Unidade de medida antiga para líquidos, equivalente a 2,662 litros.

Page 17: O Barão de Vila Maria - do.ufgd.edu.br · 4 BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício do historiador. Edição anotada por Ètienne Bloch. ... Apologia da História ou o ofício

Havia ainda na extensa propriedade rural, edificações destinadas ao descanso

dos escravizados. Conhecidas como senzalas, essas estruturas cobertas de palha e sapé

serviam também ao descanso dos camaradas do barão.

Observa-se que somente a engenhoca de pilar milho e café – atividade simples,

portanto, e as senzalas eram cobertas por palha, um material encontrado facilmente e

livre de gastos; espaços possivelmente desprezados pelo proprietário, por abrigarem

“coisas” sem muita importância. Possuir cativos era substancial na época para fazer as

atividades rurais, habitações e engenho funcionarem, porém a preservação da saúde dos

trabalhadores não era considerada relevante.

Apreciados como “peças” ou mercadorias a serem usadas conforme as

necessidades e desejos dos proprietários, os trabalhadores escravizados eram mantidos

próximos às edificações usadas para o fabrico do açúcar, da farinha, da aguardente e dos

galpões usados às demais atividades rurais. A pouca distância de currais e cercados os

vários cativos do barão livravam-se da fadiga diária debaixo do sapé.

A vida na cidade

Até a Guerra do Paraguai, a família Gomes da Silva viveu na Piraputangas mais

próxima à povoação de Albuquerque, região de terras férteis e acessíveis durante o

período das cheias no Pantanal. A pequena povoação em grande parte era abastecida

com os alimentos produzidos na fazenda do barão, este que foi considerado “um

cidadão de Albuquerque, segundo o escritor Abílio Leite de Barros45

.

A desorganização da economia pastoril realizada pelas tropas paraguaias na

região obrigou Joaquim José a estabelecer-se em Corumbá. A literatura disponível e as

fontes primárias pinçadas nos arquivos da cidade de Corumbá, não permitiram saber

como era a casa urbana do barão. Mas, conforme Abílio de Barros, após a morte do

barão a baroneza mandou edificar uma casa na principal rua da cidade, a Delamare.

No Inventário do barão aberto em 28 de julho de 1876 foi registrada uma casa

edificada de matéria-prima – possivelmente de pedra, coberta de telha – na Rua

Delamare, lote urbano 86, bem como uma moradia na cidade de Cuiabá na Rua Barão

de Melgaço. Comumente, a posse da referida edificação pode ser evidenciada servindo-

se da relação dos proprietários de casas, seguido do valor predial aplicado na época às

45 BARROS, Abílio Leite de. Gente Pantaneira: (Crônicas da sua História). Rio de janeiro: Lacerda

editores, 1998.p. 71.

Page 18: O Barão de Vila Maria - do.ufgd.edu.br · 4 BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício do historiador. Edição anotada por Ètienne Bloch. ... Apologia da História ou o ofício

propriedades, publicado no periódico A Opinião. Consta que na Rua Delamare uma

residência da “herança do barão de Vila Maria” 46

teve seu imposto avaliado em

54$000.

Os dados restritos do documento citado não viabilizam um conhecimento amplo

da casa urbana da família Gomes da Silva, nem tão pouco a data da edificação.

Possivelmente, a moradia era apreciável à época, pois se tratava da residência de uma

família nobiliárquica, com brasão47

próprio e detentora de muitos trabalhadores

escravizados.

Na Tabela 2 elaborada com informações retiradas da Junta Classificadora de

Corumbá, observa-se que muitos cativos trabalhavam na moradia urbana dos Gomes da

Silva. As cativas Egina, Francelina e Maria das Dores identificadas com a profissão

serviço de roça, provavelmente faziam a limpeza do quintal residencial e plantavam

alguns alimentos ou frutas consumidos pela família. Era costume na época, manter

plantações nos extensos quintais objetivando suprir as necessidades alimentares, pois as

comodidades dos tempos atuais inexistiam. Em Corumbá, no século 19, nas moradias

elevadas com as pedras48

retiradas das barrancas que margeiam o rio Paraguai, em lotes

estreitos, porém compridos, as famílias mantinham os quintais com criações de animais

e plantações. Tal condição explica a posse de cativos especializados no serviço de roça,

mas conservados no espaço urbano.

46Edital-Relação dos proprietários de casas, nas respectivas ruas, com valor do décimo de prédios

urbanos. A Opinião. Ano I, N° 38, 09 jul. de 1878, p. 02. Biblioteca Pública Estadual Dr. Isaías Paim.

Campo Grande/MS. 47 O brasão do barão exibia a figura de um nativo cortando cana-de-açúcar com um instrumento simples,

uma espécie de foice fabricada com cabo curto. 48 CANCIAN, Elaine. Escravidão, arquitetura urbana e a invenção da beleza. O caso de Corumbá (MS).

Passo Fundo: UPF, 2006.

Page 19: O Barão de Vila Maria - do.ufgd.edu.br · 4 BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício do historiador. Edição anotada por Ètienne Bloch. ... Apologia da História ou o ofício

Tabela 2. Cativos urbanos de propriedade do barão de Vila Maria.

Profissão Nome Idade Cor

Amélia 26 Parda

Clara 50 Preta

Emilia 50 Preta

Maria Magdalena 30 Preta

Cozinheira Maria Magda 40 Preta

Maria Pequena 45 Preta

Thereza 28 Parda

Thereza 30 Parda

Theodora 35 Preta

Eva 19 Parda

Francisca 18 Parda

Serviços Domésticos Mariana 17 Parda

Maria Victoria 44 Preta

Luciana 38 Preta

Egina 50 Parda

Serviços de Roça Francelina 26 Parda

Maria das Dores 30 Preta

Quantidade de cativas 17

Fonte: Elaborada com base no Livro de Classificação dos escravos para serem libertos pelo Fundo de

Emancipação – 1873 1874 e 1877. Arquivo da Câmara Municipal de Corumbá / Corumbá (MS). Ver

também: BRAZIL, Maria do Carmo. Fronteira Negra. Dominação, violência e resistência escrava

em Mato Grosso – 1718-1888. ). Passo Fundo: EdiUPF, 2002, p.145 e 150. (Coleção Malungo)

CANCIAN, Elaine. Escravidão, arquitetura urbana e a invenção da beleza. O caso de Corumbá

(MS). Passo Fundo: EdiUPF, 2006, P. 252-261 . (Coleção Malungo).

A permanência de Joaquim José em Corumbá após Guerra do Paraguai revelou

seus interesses particulares. Destituído das riquezas propiciadas por suas fazendas o

status pessoal foi mantido com seu envolvimento na política. Filiado ao partido

conservador, o barão ocupou cargos importantes, representou o poder local, depois de

vencido na luta por uma indenização exigida em função dos prejuízos causados pela

Guerra.

O envolvimento do barão na política

Joaquim José endividado, já dispondo de poucas cabeças de gado e vítima de um

procurador fraudulento que se apoderou indevidamente de algumas propriedades suas, o

barão procurou estabelecer-se em cargo de destaque. Presente no processo eleitoral

ocorrido logo após a instalação da Câmara Municipal de Corumbá, o barão foi eleito

vereador e exerceu o cargo de presidente.

Corumbá, em 1872, sofria as conseqüências da Guerra do Paraguai. Mediante a

necessidade de reorganização do poder público representado por vereadores, juizes de

Page 20: O Barão de Vila Maria - do.ufgd.edu.br · 4 BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício do historiador. Edição anotada por Ètienne Bloch. ... Apologia da História ou o ofício

Paz, delegados, etc., foi colocado em andamento a escolha das autoridades locais. Logo,

a presidência da Província de Mato Grosso executou a nomeação das primeiras

autoridades representativas da assembléia local. A instalação da Câmara ocorreu no dia

17 de agosto de 1872, na residência de José Joaquim de Souza Franco, nomeado

presidente, através do ofício n° 32 de 10 de Julho de 1872, despachado da presidência

da Província em Cuiabá. Na posição de presidente nomeado Souza Franco, instalou a

Câmara Municipal da Vila de Santa Cruz de Corumbá e empossou no mesmo ato

Antônio Joaquim da Rocha, Dionízio Pires da Motta, João Pimenta de Moraes, José

Gomes Monteiro e Miguel Henriques de Carvalho ao cargo de vereador.49

No mesmo ano foi formada a mesa paroquial para proceder à eleição. Todas as

etapas do pleito foram determinadas pelo barão de Vila Maria. Na Igreja Matriz de

Santa Cruz de Corumbá Joaquim José instalou a Assembléia Paroquial, nomeou os

mesários, secretários e suplentes e efetivou todas as orientações necessárias ao processo

eleitoral ocorrido em três dias consecutivos.

E sete de setembro de 1872 quatro mesários foram escolhidos através do voto. Em

seguida o barão instalou a Assembléia Paroquial e, junto aos membros da mesa e

demais participantes, aprovou a Acta de formação da meza Parochial de Santa Cruz de

Corumbá. Nenhum problema foi registrado em ata no primeiro dia das atividades

dirigidas por Joaquim José, mas o decurso dos trabalhos revelaria a oposição de alguns

cidadãos. O registro50

de todo o processo de escolha desvela uma eleição marcada pela

má vontade de alguns cidadãos na participação dos trabalhos quando escolhidos para

realização de tarefas específicas, bem como a oposição de certos grupos empenhados na

não efetivação da eleição.

No dia seguinte à formação da mesa paroquial, durante a terceira e última

chamada dos votantes a eleição foi interrompida pelo cidadão Antônio da Silva, descrito

em ata como reconhecidamente, desordeiro. Embriagado, Antônio ultrajou os presentes,

obrigando o barão a ordenar sua saída do local de votação, bem como sua autuação por

insistir nas provocações proferidas às pessoas. Certamente, com a atitude de

afastamento imediato do cidadão embriagado o barão objetivava restabelecer a ordem e

49Ata da instalação da Câmara Municipal da Vila de Santa Cruz de Corumbá. Documento com 5 folhas. Arquivo da Câmara Municipal de Corumbá. Corumbá-MS. 50Ata de formação da mesa Paroquial de Santa Cruz de Corumbá, Município da Capital da Província de

Mato-Grosso. Documento com 8 folhas. Arquivo da Câmara Municipal de Corumbá. Corumbá-MS.

Page 21: O Barão de Vila Maria - do.ufgd.edu.br · 4 BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício do historiador. Edição anotada por Ètienne Bloch. ... Apologia da História ou o ofício

dar prosseguimento à execução dos trabalhos, mas a inesperada ação de um grupo de

opositores deu continuidade à interrupção da votação, iniciada pelo homem alcoolizado.

O major João de Oliveira Mello, primeiro tenente da armada, o subdelegado

Antônio Joaquim Moreira Marques, o cidadão José Joaquim de Souza Franco, seguidos

por marinheiros à paisana e demais pessoas, prosseguiram com os insultos dirigidos ao

barão e mesários “promovendo destarte grande tumulto e desordem ao processo

eleitoral.”51

De acordo com o relatório produzido na época, a reação do barão foi

imediata ao ter sua autoridade desrespeitada, acionando a guarda para colocar-se à porta

da Igreja. Nesse Relatório ficou registrada em ata a seguinte informação: “(…) foi

suficiente a presença desta pequena força para que os desordeiros, vendo frustrados os

seus planos, prorrompessem em grande alarido, dirigindo injúrias e insultos aos

mesários e cidadãos pacíficos, (…).”52

Grupos exaltados, liderado por Antônio Joaquim

Moreira Marques, subiram à a mesa ocupada pelos mesários e por João de Oliveira

Mello e proferiram ofensas ao barão. Logo depois os manifestantes saíram da igreja,

acompanhados pelos demais opositores. Restabelecida a ordem, o barão ordenou a

continuidade da chamada dos votantes.

Na ata de apuração dos votos, concluída no dia 8 de setembro de 1872, sete

vereadores e quatro juízes de paz foram eleitos através do voto. A apuração das cédulas

foi realizada na igreja Matriz da Paróquia de Santa Cruz de Corumbá às onze horas da

manhã. Consta em ata a apuração das cédulas executada na presença do juíz de paz, o

barão de Vila Maria, o qual ordenou ao mesário Francisco Freire Garção a leitura em

voz alta e compreensível das cédulas contidas na urna e, aos demais mesários, a

execução da lista nominal dos candidatos bem como a anotação do número de votos

alcançados por cada votado.53

Joaquim José foi o candidato mais votado, recebeu 175

votos ao cargo de vereador e 181 para juíz de paz.

A desordem provocada pelo subdelegado José Joaquim de Souza Franco,

nomeado anteriormente presidente da Câmara, junto aos seus cúmplices não extinguiu a

eleição, muito menos prejudicou a imagem do barão. A escolha dos quatro Juízes de

Paz e sete vereadores foi efetivada. A vida pública como juiz de Paz e vereador

51Ata de formação da mesa Paroquial de Santa Cruz de Corumbá, Município da Capital da Província de

Mato-Grosso. Documento com 8 folhas. Arquivo da Câmara Municipal de Corumbá/MS. (verso da Folha 3). 52Idem 53Ata especial da apuração dos votos para sete vereadores e quatro juízes de Paz desta Paróquia de

Santa Cruz de Corumbá. Folhas avulsas. Arquivo da Câmara Municipal de Corumbá. Corumbá/MS.

Page 22: O Barão de Vila Maria - do.ufgd.edu.br · 4 BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício do historiador. Edição anotada por Ètienne Bloch. ... Apologia da História ou o ofício

escolhido através do voto, foi iniciada para o barão, a partir do dia seis de janeiro de

1873, após participar do “juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles, em que

pôs a sua mão direita e prometeu de bem fielmente desempenhar as obrigações de

vereador da referida Câmara.”54

Empossado, o barão executou no dia seguinte, junto ao presidente da “velha

Câmara” o termo de juramento deferido aos demais vereadores e juízes de Paz, eleitos

em 14 de maio de 1872. O termo de juramento é do seguinte teor: “Aos sete dias do mês

de Janeiro do ano de mil oitocentos setenta e três, nos Paços da Câmara Municipal da

Villa de Santa Cruz de Corumbá, e em sessão extraordinária da mesma, aí pelas dez

horas da manhã, reunidos os vereadores da nova e velha Câmara, foi pelo Presidente

desta deferido juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que puseram

suas mãos direitas, e sobre cargo do qual lhes encarregou que bem e fielmente

desempenhassem as obrigações de vereadores na forma da Lei, e recebido pelo seu

Presidente dito juramento assim prometeram cumprir desempenhando religiosamente as

obrigações a seu cargo, e aos demais-assim o jurapassando imediantamente também a

deferir o mesmo juramento aos juízes de Paz pela forma e maneira supra, o que todos

fizeram, do que para constar lavrei o presente termo que sendo lido sai assinado por

todos. Eu Joaquim José de Carvalho, Secretário da Câmara que o escrevi.”55

Eleito com a maioria dos votos para exercer o cargo de vereador no interregno de

1873-1876, Joaquim José Gomes da Silva exerceu a função de vereador até o início do

mês de abril. A bordo do navio Madeira, quando retornava do Rio de Janeiro, no dia

quatro de abril de 1876, o barão, com apenas 51 anos de idade, faleceu, deixando para o

filho Joaquim Eugênio a missão de fazer prosperar as posses restantes da família e à

baroneza a exploração das riquezas existentes no Urucum. O objetivo da viagem era

conseguir concessão para exploração das minas de ferro e manganês do Urucum.

A rigor, o pós-guerra do Paraguai desenhou um quadro dramático tanto para

fazendeiros quanto à mão de obra disponível. Ao barão de Vila Maria, por exemplo, o

governo entregou milhares de apólices de dívida da Guerra do Paraguai. Mas o prazo

ilimitado dado ao Paraguai para saldar as dívidas arruinou suas finanças. Seu

54Termo de juramento deferido ao cidadão Joaquim José Gomes da Silva. 06 de janeiro de 1873.Folha 1.

Arquivo da Câmara Municipal de Corumbá/MS. 55Termo de Juramento deferido aos novos vereadores e Juízes de Paz para o quatriênio de mil oito centos

setenta e tres a mil oito centos setenta e seis. 07 de janeiro de 1873. Folha 1 e verso. Arquivo da Câmara

Municipal de Corumbá/MS.

Page 23: O Barão de Vila Maria - do.ufgd.edu.br · 4 BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício do historiador. Edição anotada por Ètienne Bloch. ... Apologia da História ou o ofício

falecimento em Montevidéu trouxe sérios tropeços financeiros para a viúva, pois,

precisou vender as propriedades para pagamento de dívidas.56

No testamento, incluído no Inventário, foram arrolados os negócios realizados,

partilhas de terras, gado, casa na cidade, uma bandeja de prata com o brasão da família,

escravos, apólices e títulos representativos da dívida pública do governo paraguaio em

favor do barão. No espólio constam duas fazendas: Piraputangas e São Domingos, esta

conhecida como Fazenda Grande (Alegria ou Firme), avaliada em um conto de réis.57

A

fazenda Palmeiras e a fazenda São Francisco localizavam-se à margem esquerda do rio

Taquari e eram glebas localizadas em área contígua ao Firme, representando também o

centro irradiador da criação de gado do Pantanal sul. Conforme os termos do Inventário,

a maioria dos escravos foi entregue para pagamento de dívidas da baronesa com os

credores hipotecários do Inventário.58

Antes de morrer, o barão redigiu seu testamento deixando como herdeiros a viúva e

dois filhos Joaquim José Gomes da Silva, de 28 anos, e Joaquim Eugênio Gomes da

Silva, de 19 anos. Ao casar-se o filho Joaquim José recebeu cinco escravos, gado e uma

fazenda já formada por seu pai, denominada Palmeiras. Entretanto, logo após a morte do

barão, Joaquim José foi assassinado na Fazenda Piraputangas, e a esposa e os filhos

passaram a representá-lo num processo que teve uma duração de 20 anos. Assim, em

1876, quando abriu o Inventário, Joaquim Eugênio Gomes da Silva, era o único filho do

fazendeiro.

Joaquim Eugênio (o Nheco) com 22 anos, após casar-se com Maria das Mercês Leite

de Barros, (a Chechê) na vila de Nossa Senhora do Livramento, dirigiu-se a Corumbá

objetivando tomar posse dos direitos deixados pelo barão.

Portanto, a morte do barão não redundou na desistência da família aos bens

amealhados pelo patriarca desde o século 19. Maria da Glória, a baronesa, e seu filho

não desistiram das posses, apesar do conturbado processo de arrolamento e partilha dos

bens do barão. Existem arquivados na Câmara registros de pedidos relacionados à

56 BRAZIL, Maria do Carmo. Rio Paraguai, o’ mar interno’ brasileiro. Uma contribuição para o estudo

dos caminhos fluviais. Universidade de são Paulo, faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas.

São Paulo-SP. 1999, p. 217-238. 57 Inventário dos bens do Barão de Villa Maria. 3 de agosto de 1876. p. 77-80. Arquivo do Tribunal de

Justiça de Campo Grande (MS). 58 O quadro de classificação dos escravos para serem libertados pelo fundo de emancipação mostra que o

barão possuía cerca de 39 escravos entre pretos e pardos. Cf. Mss. Livro de Classificação dos escravos

/Fundo de Emancipação/1873. Arquivo da Câmara Municipal de Corumbá.

Page 24: O Barão de Vila Maria - do.ufgd.edu.br · 4 BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício do historiador. Edição anotada por Ètienne Bloch. ... Apologia da História ou o ofício

concessão e demarcação de terras. A baronesa em 1886 pediu concessão gratuita ao

presidente da província59

, de uma região conhecida por Barranco Branco, localizada

abaixo de Coimbra nos limites com o rio Itereré, conforme comunicado pelo Ministério

da Agricultura.

O Inventário do barão pendente na justiça, devido ação dos credores, por duas

décadas foi então concluído, mas Nheco ávido por trabalho e em posse do valor de vinte

e oito bois, não esperou a tardia conclusão do Inventário, ignorou o processo

apoderando-se da fazenda Firme. A sesmaria denominada Firme, posse do finado barão

de Vila Maria, situava-se à margem esquerda do rio Negro a qual, com a invasão

paraguaia, foi ocupada pelos soldados e todo o seu gado apreendido e transportado para

Assunção.

Os registros informam que Joaquim Eugênio encaminhou pedido60

de demarcação

da fazenda Firme em 1885, porém assentado na região desde 1880 já havia

restabelecido a fazenda edificando sua residência, introduzindo gado vacum,

construindo currais e retiros e fixando lavoura. As autoridades locais reconheceram os

melhoramentos implantados nas terras por Nheco, bem como seus direitos na petição.61

Cioso de suas raízes José de Barros Maciel escreveu sobre A Pecuária nos

Pantanais de Mato Grosso referindo-se às particularidades do imenso vale do Paraguai,

dedicando considerações apreciáveis sobre (a) situação da fazenda Firme, com a morte

do barão em 1876. Maciel conta que, em 1885, Firme foi arrematada em praça para

efeito de pagamento de custas judiciais. 62

Com a ajuda de Luiz Augusto Esteves, credor

do Inventário e membro da família da baronesa, a fazenda foi adquirida a crédito por

Joaquim Eugênio Gomes da Silva que, segundo seus biógrafos românticos, precisou

vencer as dívidas, o isolamento e as condições inóspitas, inundáveis e cruéis do

Pantanal.63

Pelas descrições de José de Barros Maciel a região da Nhecolândia (homenagem

feita a Joaquim Eugênio Gomes da Silva, o Nheco) constitui-se de terreno firme – ou

59Palácio da Presidência da Província de Matto-Grosso/ Cuiabá, 10 de agosto de 1886. Ofícios dirigidos à

Câmara/Corumbá. Arquivo da Câmara Municipal de Corumbá/MS. 60Documento N° 7. -Correspondência Oficial com as diversas autoridades locais – 1881 a 1890. Livro

de Registros da Câmara Municipal. Nº 168 61. Nº 168-Correspondência Oficial com as diversas autoridades locais – 1881 a 1890. Documento Nº 8.

Livro de Registros da Câmara Municipal.

62BARROS, Maciel José de. A Pecuária nos Pantanais de Mato Grosso. Tese apresentada ao 3º

congresso de agricultura e pecuária. São Paulo: Imprensa Metodista, 1922. 63 Cf. BRAZIL, Maria do Carmo. Rio Paraguai...Op. cit., p. 251-253.

Page 25: O Barão de Vila Maria - do.ufgd.edu.br · 4 BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício do historiador. Edição anotada por Ètienne Bloch. ... Apologia da História ou o ofício

seja, distante das vazantes, dos rios e dos corixos – e de uma área inundável,

caracterizada pelos terrenos limítrofes aos cursos d’água, quase sempre argilosos e

arenosos. A escolha do Firme não foi por acaso, explica Abílio Leite de Barros:

“decorreu do fato de ser a área de menor valor no inventário, sem benfeitorias e que por

isso despertaria menor interesse dos credores (...) Piraputangas deveria ser objeto de

maior cobiça, São Francisco era fazenda fundada, e Palmeiras tinha sido dada ao filho

Joaquim José por antecipação de legítima.”64

Além da ocupação do Firme era importante efetuar o povoamento, o

desenvolvimento da lavoura, a criação de gado e cavalo. Daí o interesse de Nheco em

convidar seus cunhados José de Barros, Jejé, e Gabriel Patrício de Barros, Bié, para

trabalhar no Firme. Jejé e Bié partiram de Cáceres para ajudar Joaquim Eugênio na

produção de gado e na instalação de retiros em áreas estratégicas, com objetivo

específico de garantir-lhe a posse das terras inventariadas.

José de Barros, já estabelecido na Nhecolândia, trouxe a lume em 1959,

Lembranças65

, um precioso conjunto de efemérides nhecolandenses que abrangem a

saga dos conquistadores na ocupação das últimas áreas disponíveis do Pantanal66

.

Segundo suas memórias, a ocupação assumiu uma feição singular, exibindo ar de

família67

baseada na relação de camaradagem e parentesco ou numa forma de

agregamento parental que Alcântara Machado, estudando o passado bandeirante,

identificou como “organização defensiva.” 68

Esse tipo de agrupamento envolvia o

chefe com autoridade irrefutável sobre a mulher, a prole, os agregados, familiares e

proletários livres indicando uma política de ocupação nitidamente vinculada à

segurança.

José de Barros Maciel conta que Nheco “(...) de tempo em tempo aprestava uma

grande canoa de casco de ferro, impulsionada à zinga e voga e fazia as suas viagens à

Corumbá, trazendo carne seca, couros de gado vacum, penas de garça e peles de onça

64 BARROS, A. L. Gente....Op. cit., p. 86.

65BARROS, José de – Lembranças (para meus filhos e descendentes). São Paulo: Centro Gráfico do

Senado Federal (reedição), l987. 66 BRAZIL, Maria do Carmo. Mar interno...Op. cit., p. 252.

67 CORRÊA FILHO, V. Pantanais ...Op. cit., p. XI. 68 MACHADO, Alcântara. A Família. Vida e Morte do Bandeirante. São Paulo: Governo do Estado,

1978, p. 143.

Page 26: O Barão de Vila Maria - do.ufgd.edu.br · 4 BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício do historiador. Edição anotada por Ètienne Bloch. ... Apologia da História ou o ofício

para vender e com o seu produto fazia aquisição de café, mate, sal açúcar, fazendas,

para uso seu, de sua família e para suprimento de seus camaradas.”69

Firme foi avaliada no Inventário em um conto de réis, preço de um cativo, mas

sob o poder de Nheco fora valorizada, expandida e transformada na Nhecolândia70

,

grande latifúndio pastoril localizado entre os rios Taquari e Negro.

69 MACIEL, José de Barros. A Pecuária ....Op. cit., p. 16. 70O nome Nhecolândia é proveniente do apelido do seu fundador, o Nheco. Sobre a Nhecolândia podem

ser consultados os autores: BARROS, Abílio Leite de. Gente Pantaneira: (Crônicas da sua História). Rio

de Janeiro: Lacerda editores,1998; PROENÇA, Augusto César. Pantanal. Gente, tradição e

história.Campo Grande/MS, 1992.