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POR CARLOS RYDLEWSKI, RAFAEL BARIFOUSE E ALESSANDRO GRECO FOTOS JOENE KNAUS agosto 2010 ÉPOCA N e G ócios 141 140 ÉPOCA N e G ócios agosto 2010 COM MAIS DE UMA CENTENA DE EMPRESAS DE BIOTECNOLOGIA, O BRASIL MERGULHA NA MAIS NOVA – E TALVEZ FASCINANTE – REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA CRIADA PELO HOMEM. E O MELHOR: O PAÍS TEM VOCAÇÃO PARA ATUAR NESSE CAMPO ILUSTRAçãO_LEANDRO LIMA BIOINDÚSTRIA O BIG BANG DA

o big bang da - helixxa.com.br · do primeiro ser vivo no Brasil, ... Reinach sempre manteve um olho voltado para o mundo dos negócios. Nos anos 90, fundou a Genomic, pioneira nos

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Por carlos rydlewski, rafael Barifouse e alessaNdro Grecofotos JoeNe kNaus

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com mais de uma ceNteNa de emPresas de BiotecNoloGia, o Brasil merGulha Na mais Nova – e talvez fasciNaNte – revolução tecNolóGica criada Pelo homem. e o melhor: o País tem vocação Para atuar Nesse camPo

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bioindústria

o big bang da

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ergunte a bill gates qual ramo da atividade humana abriga o embrião da pró-xima grande revolução tecnológica. esqueça a internet, os celulares, os games, a realidade ou a inteligência virtuais. a resposta é a biotec-nologia. o fundador da microsoft acredita que esse campo desempenha na atualidade papel semelhante ao exercido pela programação de computadores no século 20. ou seja, concen-tra o que há de mais instigante e potencialmen-

bos trabalhavam como pesquisadores na Faculdade de medicina de ribeirão Preto (FmrP), no campus da usP, no interior paulista. a dupla desenvolveu um produto, o bioCure, feito do látex extraído da serin-gueira. a inovação, uma membrana de bor-racha, funciona como um tecido artificial. É empregado com sucesso na cicatrização de úlceras crônicas e na regeneração de esôfa-gos e tímpanos perfurados. atualmente, a mesma matéria-prima (o látex) está sendo testada no desenvolvimento de um gel antir-rugas. qual o resultado da iniciativa? a Pele nova acumula sete patentes depositadas no brasil, estados unidos, europa e Japão.

A arquitetura financeira da empresa é outro fator de interesse. inicialmente, arre-cadou r$ 4 milhões. Parte do valor foi capta-da com investidores anjos. entre eles, ozires silva, o ex-presidente da embraer e da Varig. outro quinhão saiu de um fundo semente (seed capital), o returning entrepreneur in-vestment Fund, conhecido pela sigla reiF, da dgV investment. também aplicaram recursos no negócio outras três empresas

te transformador no planeta. e o executivo, entre os mais bem-sucedidos da his-tória do capitalismo, argumenta: “Hoje, se alguém quer mudar o mundo de forma radical, deve começar pelas moléculas. elas precisam do mesmo tipo de fanatis-mo amalucado, característico dos jovens gênios que criaram a indústria dos PCs”. agora, pergunte a gigantes globais como duPont, bP, basf, shell, monsanto, bun-ge, dow Chemical, ely lilly e novozymes, além de fundos de investimento, como burrill & Company e Khosla Ventures, qual país reúne condições excepcionais para abrigar parte expressiva dessa nova fonte de inovações. a resposta é o brasil.

tal indicação pode soar surpreendente, mas existem mais de 100 companhias brasileiras de biotecnologia. a cada ano, mais de uma dezena de empreendimentos desse tipo são criados. não há estudos conclusivos, mas o governo federal estima que essa área receba us$ 1 bilhão em investimen-tos por ano. além de crescente, esse núcleo de empresas introduz novidades significativas no cenário corporativo nacional. em primeiro lugar, entrelaça os mundos da ciência e dos negócios. dessa fusão, movida por altas doses de pesquisa e conduzida por times qualificadíssimos de profissionais, tendem a proliferar inovações em profusão. ela funciona como um propulsor, uma es-pécie de big bang para ideias e produtos inusitados. exemplos desse poder criativo são oferecidos há décadas de maneira ininterrupta pelas indústrias de semicondutores, telecomunicações (celulares, por exemplo), eletrônicos e materiais avançados. todas com os pés firmemente fincados em laboratórios.

Paralelamente, a formação das bioempresas no brasil alimenta – e for-talece – um ecossistema de negócios riquíssimo, embora ainda frágil no país. Funciona assim: tudo começa nas universidades. elas abrigam incubadoras, onde são embaladas as jovens empresas ( as start ups) que, não raramente, ama-durecem e se associam a grandes conglomerados nacionais e internacionais. Esse sistema é complementado por uma ampla teia de financiamentos formada por angel investors (investidores anjos, normalmente pessoas físicas) e venture capitalists (investidores de risco), além de fundos públicos e privados de todos os portes. “esse modelo, que tem todos os ingredientes para estimular o em-preendedorismo, fundou o Vale do silício, nos estados unidos. agora, começa a ganhar corpo entre nós”, diz eduardo emrich soares, presidente da Funda-ção biominas, uma organização não governamental com sede em belo Hori-zonte, voltada para o fomento de negócios enraizados nas ciências biológicas.

neste ponto, é ilustrativo observar a gênese da empresa paulista Pele nova. ela foi criada em 2003 por dois cientistas: a médica oncologista Fátima mrué e o médico especializado em bioquímica Joaquim Coutinho netto. am-

biomembrana_ a empresa Pele nova foi fundada por dois pesquisadores da usP, em ribeirão Preto (sP). a dupla desenvolveu um produto à base de látex, o bioCure, que funciona como um tecido artificial. É usado, por exemplo, na recuperação de tímpanos perfurados

E xtr ação _ Ne s s a s

máquinas, a proteína é

separada do látex e usada

como princípio ativo

do produto cicatrizante

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Em 2009, 253 companhias atuavam no setor chamado biociências. Desse total, a maior parte (43%) usa técnicas de biotecnologia

As empresas ligadas à biotecnologia concentram-se em cinco setores:

26,4%Agricultura

20%Saúdehumana

16,4%Meioambiente

15,5%Insumos

14,5%Saúdeanimal

7,3%Misto

Fonte_Biominas

Tem crescido no país o número de biocompanhiascom receita superior a R$ 1 milhão

Sem faturamento

2006

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Fonte_Biominas

Mais de R$ 1 milhão

2006

2008 31,1%

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Fonte_Biominas

Número de empresas de biociências no Brasil

1.200% é a variaçãoem pouco mais de duas décadas

19

1988 1998 2003 2007 2009

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Criação de empresas de biotecnologia

Fonte_Biominas

Até 1988

Total de empresas

Criação no período

Média anual

89-93 94-98 99-03 04-08

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a vocação das bioempresas brasileiras abrange a medicina e o agronegócio, o que também inclui a produção de etanol

de venture capital. a Pele nova arre-cadou mais r$ 2 milhões do Programa Primeira empresa inovadora (Prime), mantido pela Financiadora de estudos e Projetos (Finep), ligada ao ministério da Ciência e tecnologia. Por conta de acordos de confidencialidade, a start up não divulga o faturamento, mas estima-se que gire em torno de r$ 3 milhões.

Lego vivo_a história de em-presas desse tipo é sugestiva, mas, para vislumbrar o quão amplas são as opor-tunidades abertas no país nesse setor, é preciso entender o significado – e o alcance – do termo biotecnologia. ele designa um conjunto de técnicas cujos avanços mais desconcertantes ocorre-ram nas últimas três décadas. a maioria dessas conquistas tecnológicas está as-sociada a descobertas sobre a estrutura e o funcionamento de uma das peças mais intrigantes existentes nos seres vivos: o dna, também conhecido pelo simpáti-co nome de ácido desoxirribonucleico.

o dna é uma molécula, mas não uma qualquer. enrolada nos cromosso-mos, está confinada ao núcleo das células, um espaço liliputiano com 0,005 milíme-tro. mas, desenrolada, atinge 2 metros de comprimento. ela traz longas sequências de genes (28 mil, no caso de uma pessoa), onde estão armazenadas as informações com as características básicas de tudo o que vive sobre a face da terra. esses da-dos são repassados gerações a fio. Pois o feito mais notável da biotecnologia foi conferir ao homem a habilidade de mani-pular esse código genético – e reinventar a vida. na prática, atualmente, é possível combinar genes como se fossem peças de um brinquedinho da lego. É viável construir combinações inusitadas, ine-xistentes no mundo natural. bom frisar: não se trata de um feito banal. não por acaso, desde os primórdios da moderna biotecnologia, a partir de meados dos

nifesta para o emprego da biotecnologia em duas áreas: a agricultura, o que inclui a produção de energia renovável (os biocombustíveis), e a saúde. uma pesquisa re-alizada pela Fundação biominas identificou até o ano passado a existência de 253 companhias com negócios ligados às ciências biológicas no país. eram 80 dez anos atrás. em uma década, portanto, o crescimento superou os 200%. a estimativa é que sejam listados 320 empreendimentos desse tipo em 2010. do total das 253 empresas, um grupo de 110 emprega diretamente a biotecnologia (o restante inclui, por exem-plo, prestadores de serviços e fornecedores de equipamentos). entre as companhias biotecnológicas, predominam as ligadas à agricultura (26,4%) e à medicina (20%).

nesses dois nichos, o mais vibrante é o que busca alternativas tecnológicas para produzir mais – e melhor – o etanol. esse é um projeto de alcance global, que

anos 70, são recorrentes as críticas contra cientistas que querem “brincar de deus”.

Hoje, contudo, essa brincadei-ra já rendeu um amplo e cada vez mais impressionante leque de aplicações. elas alcançam mais de 200 produtos e serviços, movimentando globalmen-te cifra superior a us$ 150 bilhões por ano. o arsenal de ferramentas biotec-nológicas permite, por exemplo, que a característica de um microrganismo, uma planta ou um animal seja transfe-rida para outro. assim, no limite, uma semente de soja transgênica pode adqui-rir a mesma resistência à aridez de um cacto. na medicina, abre perspectivas que beiram a ficção. Esse é o caso do de-senvolvimento de drogas mais eficazes no combate a doenças genéticas (o que abrange desde a fibrose cística até o cân-cer), além da produção de remédios per-sonalizados e vacinas ultraeficientes. O uso dessas técnicas avança sobre o meio ambiente, com a chamada biorremedia-ção, em que plantas são moldadas para remover poluentes do solo ou da água.

o brasil tem uma vocação ma-

infográfico_alexaNdre affoNso

o pioneiro i - Fernando reinacha PoNte eNtre a ciêNcia e os NeGócios Fernando Reinach, 54 anos, fez biologia no Brasil, doutorado nos Estados Unidos e pós-doutorado na Inglaterra. Tornou-se, aos 35 anos, o mais jovem professor titular da USP. Como cientista, foi um dos líderes do projeto que mapeou o genoma do primeiro ser vivo no Brasil, a bactéria Xylella fastidiosa. Reinach sempre manteve um olho voltado para o mundo dos negócios. Nos anos 90, fundou a Genomic, pioneira nos testes de paternidade por DNA no Brasil (confirmou, em 1996, que Pelé era pai de Sandra Regina, por exemplo). Quando era diretor do fundo de capital de risco Votorantim Novos Negócios, criou a Alellyx e a CanaVialis, referências na biotecnologia voltada para o agronegócio. Agora Reinach é um investidor. “Hoje, quando leio um livro de história, imagino no que investiria se tivesse vivido naquele tempo. Trata-se de um ótimo exercício”, diz.

envolve companhias de todo o mundo, numa corrida em busca do combustível re-novável ideal. o brasil, contudo, larga na primeira fila dessa competição, graças à ampla liderança conquistada desde os anos 70, com o Pró-Álcool. alguns dados evidenciam o quão significativa é a vantagem competitiva da indústria nacional. o país é o maior produtor mundial de cana e o maior exportador de açúcar – responde por 45% de todo o produto comercializado no planeta. no etanol, só perde para os estados unidos. transformou-se no maior laboratório do mundo para o desenvol-vimento de motores bicombustíveis. Hoje, nove em cada dez carros que saem das montadoras brasileiras são flex, funcionam com gasolina e álcool. Para completar, no ano passado os brasileiros consumiram 19 milhões de metros cúbicos de gaso-lina, ante 22,8 milhões de metros cúbicos de etanol. traduzindo: estamos no úni-co país do planeta onde a gasolina pode ser chamada de “combustível alternativo”.

diversos caminhos – ou, no jargão, rotas tecnológicas – permitem que a biotecnologia aprimore a produção do etanol. a criação de novas variedades de cana-de-açúcar é uma dessas frentes. as versões transgênicas podem se tornar mais resistentes a intempéries, produzir mais sacarose ou mesmo ter a espessura e a altura mais apropriadas ao corte mecanizado. É com esse objetivo que traba-lha a parceria firmada em 2009 entre a gigante química alemã basf e o Centro de tecnologia Canavieira (CtC), de Piracicaba, no interior paulista. Por meio do ar-tifício biotecnológico, as empresas querem criar um novo tipo de cana, cujas pro-priedades aumentariam em 25% a produtividade da planta. assim, a colheita nos canaviais saltaria de 80 toneladas (valor médio) para 100 toneladas por hectare.

tecnicamente, a meta da par-ceria é alterar a estrutura genética da cana, fazendo com que tolere terrenos mais secos. tal mudança permitiria o cultivo em regiões com períodos mais acentuados de estiagem, hoje conside-radas inadequadas para a cultura. “em 2009, as usinas brasileiras produziram 27,5 bilhões de litros de etanol. em 2020, estima-se uma demanda superior ao dobro da atual, de 65 bilhões de litros”, diz luiz Carlos louzano, gerente de biotecnologia da basf para a américa latina. “a inovação tecnológica é indis-pensável para que possamos atingir esse patamar de produção.” a basf e o CtC calculam que a nova variedade chegue ao mercado em dez anos. “esse prazo considera o desenvolvimento do produto e a sua aprovação por ór-gãos de controle de transgênicos den-tro e fora do brasil”, afirma louzano.

Para um produto com matura-ção tão longa, grandes investimentos são imprescindíveis. a basf não divulga o valor do aporte na parceria com o CtC, mas aplica us$ 1,7 bilhão por ano em pesquisa. a cota para biotecnologia é de us$ 180 milhões. investe ainda na aqui-sição de pequenas empresas inovadoras, à semelhança do que ocorre no mundo digital, onde os gigantes vivem engolin-do as start ups. em 2006, por exemplo, a basf comprou a belga Cropdesign. essa companhia faz uma “seleção artificial” de espécies. ela analisa 5 mil genes por ano. Para isso, usa fotografias compu-tadorizadas. as mudas são colocadas numa esteira, onde são fotografadas e cadastradas. os dados sobre o aumento do peso e da massa são registrados ao longo do tempo. No final, com base nesse darwinismo imagético, vence a varie-dade com melhor combinação de genes.

Com ferramentas desse tipo, por que a basf precisa de uma parceria com o CtC? essa questão deve ser respondida em duas frentes. a primeira diz respeito ao mérito técnico. em se tratando de cana, o centro tecnológico de Piracicaba é uma re-ferência global. detém o maior banco de germoplasma (material genético) de cana do mundo, além de pesquisadores que seriam titulares em qualquer time de cientistas do planeta. Fundado em 1969, o CtC é sustentado por 182 usinas. agora, vai se transfor-mar numa empresa e tentar faturar com os royalties provenientes de suas descobertas.

DepenDência geográfica_quem fornece a outra parte da res-posta é o biólogo e venture capitalist Fernando reinach, pioneiro nas pesquisas e nos bionegócios no brasil. “a biotecnologia aplicada à agricultura não funciona como uma fábrica de chips, que pode operar na China e vender processadores no alasca. ela está intrinsecamente ligada ao campo e tem de conviver com suas característi-cas. essa indústria sempre precisará testar e adequar seus produtos a determinadas regiões. Em resumo, ela é geograficamente dependente”, diz Reinach. “E isso é bom para o país. mesmo os grandes conglomerados globais tendem a criar parcerias para atuar por aqui, o que resulta em investimentos e em transferência de conhecimento.”

esse é um dos motivos pelos quais o CtC também mantém um acordo com a dow agrosciences, braço de agronegócios da dow Chemical, para a produção de ou-tra versão da “tecnocana”. nesse caso, a variedade é resistente a pragas como a broca-do-colmo (Diatraea saccharalis), responsável por prejuízos de r$ 1 bilhão por ano nos canaviais brasileiros. a doença é disseminada por larvas de mariposas. elas penetram

sÉculo 17 sÉculo 18 sÉculo 19 sÉculo 20 sÉculo 21

QUANDO A CIÊNCIA VIRA INOVAÇÃO Parte expressiva dos produtos que nascem de descobertas científicas tendem atualmente a ter origem na biotecnologia, o centro gravitacional da nova guinada tecnológica, a provável sucessora das revoluções industrial e digital

TE

CN

OlO

GIA

CIÊ

NC

IA

CHARlES DARWIN (1809-1882)

Publica A Origem das Espécies (1859)

GEORGE BOOlE (1815-1864)

cria a álgebra booleana, a base do sistema binário, usado na computação

GREGOR MENDEl (1822 – 1884)

afirma que a cor das flores das ervilhas e o fato de serem lisas ou rugosas eram controlados por fatores transmitidos entre gerações

a ciÊncia DesvenDa o movimento Dos corPos e a física torna-se a base De uma nova era inDustrial

sob o Domínio Do iluminismo, os PesquisaDores vislumbram o munDo Da química e Da eletriciDaDe

a investigação sobre os átomos inaugura um novo camPo De Pesquisas: a estrutura Da matéria. a hereDitarieDaDe começa a ser DestrinchaDa

no início, é o século Da física. mas osbiólogos entram em cena e mostram ao munDo como os seres vivos funcionam

a ciÊncia Dá novo salto ao mostrar que é Possível

reconstruir um ser vivo

AlBERT EINSTEIN (1879-1955)teoria da relatividade especial e geral

CRAIG VENTER (1946)cria a primeira bactéria em laboratório usando

dados armazenados num computador

JAMES WATSON (1928) eFRANCIS CRICK (1916-2004)Descobrem a estrutura de dupla hélice do Dna

começa a revolução Das máquinas

PAUl BERG (1926)obtém a primeira molécula de Dna com genes de seres vivos diferentes

ANTOINE lAVOISIER (1743-1794)

Define que, na natureza, a matéria não é criada, mas, sim, transformada

BENJAMIN FRANKlIN (1706-1790)

estabelece o conceito de carga elétrica positiva e negativa

Aperfeiçoamento da máquina a vapor, com 70% de aumento em sua eficiência

a revolução inDustrial exPanDe-se Pela euroPa. surgem novos materiais

Plástico sintético

Pilha

na segunDa metaDe Do século, o munDo mergulha na revolução Digital. nasce a biotecnologia

Computadores

Celulares

Novas fontes de energia renovável

(diesel de cana-de-açúcar)

Medicina personalizada

era Da exPlosão Dos bioProDutos

ROBERT BOYlE (1627-1691)

estuda a relação entre pressão e volume em um gás

CHRISTIAAN HUYGENS (1629-1695)

Descreve a luz como uma onda

ISAAC NEWTON (1643-1727)

formula a lei da gravitação universal e as 3 leis da física

148 é p o c a n e g ó c i o s a g o s t o 2 0 1 0 a g o s t o 2 0 1 0 é p o c a n e g ó c i o s 149infográfico_alexaNdre affoNso

Em 2009, 253 companhias atuavam no setor chamado biociências. Desse total, a maior parte (43%) usa técnicas de biotecnologia

As empresas ligadas à biotecnologia concentram-se em cinco setores:

26,4%Agricultura

20%Saúdehumana

16,4%Meioambiente

15,5%Insumos

14,5%Saúdeanimal

7,3%Misto

Fonte_Biominas

Tem crescido no país o número de biocompanhiascom receita superior a R$ 1 milhão

Sem faturamento

2006

2008 19,7%

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Fonte_Biominas

Mais de R$ 1 milhão

2006

2008 31,1%

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Número de empresas de biociências no Brasil

1.200% é a variaçãoem pouco mais de duas décadas

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1988 1998 2003 2007 2009

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Criação de empresas de biotecnologia

Fonte_Biominas

Até 1988

Total de empresas

Criação no período

Média anual

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na planta e reduzem seu teor de sacarose. a dow entra no negócio com genes resistentes a esse tipo de praga, testados em culturas como milho, soja e algodão. “no CtC, in-troduzimos esse material genético na cana e avaliamos o resultado da combinação. Parece que jogamos uma partida de baralho em busca da melhor mão. a diferença é que a biotecnologia nos dá um quinto ás. Com ela, conseguimos contro-lar melhor os resultados”, afirma William burnquist, gerente de de-senvolvimento estratégico do CtC.

as possibilidades aber-tas pela manipulação genéti-ca não se resumem à alteração das características da cana. a amyris, companhia com sede em emeryville, no Vale do silício, estados unidos, que aportou no brasil em 2007, está em pleno voo para alcançar uma meta bem mais ambiciosa. a empresa al-terou a estrutura genética de uma levedura, a Saccharomyces cerevisiae, usada na fabricação do etanol. Com a mudança, o microrganismo passou a gerar uma molécula chamada farneseno, um hidrocarboneto, semelhante ao emprega-do na produção de combustíveis de origem fóssil, como a gasolina e o diesel.

o resultado prático dessa inovação beira o inacreditável. a nova tecnolo-gia permite que itens como o diesel – ou o querosene de aviões – seja produzido à base de cana. e não se trata de variações exóticas desses produtos. ao contrário, eles têm propriedades idênticas aos convencionais. sem adaptação, podem ser lançados diretamente nos tanques de combustível de caminhões e aeronaves. a adição de até 20% do diesel de cana ao tradicional já passou pelo crivo da agên-cia de Proteção ambiental americana (ePa, na sigla em inglês). seis ônibus da frota paulistana também testam uma mistura com 10% do produto desde julho.

detalhe: a levedura projetada pelos pesquisadores da amyris é multiúso. O farneseno, após ligeiras modificações, pode ser usado em linhas de produção tão variadas como a de lubrificantes e a de cosméticos. Em tese, isso quer dizer que cremes faciais também podem surgir dos canaviais. “o mercado de álcool e açúcar é volátil. seus preços oscilam muito de acordo com as safras. nossa inten-ção é montar uma usina flexível, que produza o que for melhor em cada momen-to, sempre com base na cana”, diz roel Collier, presidente da amyris no brasil.

a amyris foi fundada em 2003, por um grupo de cientistas da universi-dade da Califórnia, em berkeley. no ano seguinte, recebeu us$ 42 milhões da Fun-dação Bill & Melinda Gates. O dinheiro financiou a criação de um método mais ba-rato para produzir a artemisina, droga usada no tratamento da malária. Para isso, os pesquisadores alteraram a estrutura genética da levedura. descobriram, poste-riormente, seu enorme potencial. o detalhe: ela, naturalmente, se alimenta de açú-

ampLo Leque_a FK biotecnologia, de Porto alegre (rs), aposta na diversificação dos bioprodutos. desenvolve desde anticorpos para o combate a diversos tipos de câncer até testes de glicemia e gravidez, além de um bioinseticida contra a dengue. quase todo o lucro é reinvestido em novas tecnologias

car como fonte de carbono para produzir todas as substâncias de interesse – diesel, querosene, lubrificantes, cosméticos e o que mais surgir.

Há três anos, a amyris instalou-se no brasil, com uma planta piloto em Campi-nas. nas imediações do projeto, encontram-se polos tecnológicos e universidades, onde foi recrutada grande parte de sua equipe com 70 Ph.ds. e mestres. em parceria com o grupo paulista são martinho, a compa-nhia adapta, em Pradópolis (sP), a sua pri-meira usina para a produção de farneseno. em 2012, a indústria deve processar 100 milhões de litros de diesel de cana, volume que pode dobrar no ano seguinte. mas como o mercado global é muito maior, soma 50 bilhões de litros anuais, a amyris já firmou acordos com outros megagrupos sucroalco-oleiros do país, como Cosan, bunge e gua-rani. a intenção é construir novas fábricas nos próximos três anos para multiplicar por dez a capacidade de produção de 2012.

outra inovação ligada ao setor su-croalcooleiro surge de uma joint venture, a butamax advanced biofuels, formada em

c a ç a -t u m o r _ N a

Fk, placas com células

tumorais são usadas como

base para a produção

de vacinas anticâncer

150 é p o c a n e g ó c i o s a g o s t o 2 0 1 0 a g o s t o 2 0 1 0 é p o c a n e g ó c i o s 151

julho de 2009 pela duPont e a british Petroleum (bP). a companhia quer produzir, com base na cana-de-açúcar, o biobutanol (o butanol tem origem fóssil). em comparação ao etanol, ele é sutilmente superior. uma molécula de etanol tem dois átomos de carbono. a molécula do biobutanol traz quatro. o resultado prático dessa microscópica vantagem é um rendimento 20% su-perior. outra peculiaridade: ele não se mistura à água. Pode, assim, percorrer os mesmos dutos usados na distribuição de derivados de petróleo. “o biobutanol não precisa de uma nova infraestrutu-ra para ser colocado no mercado. isso reduz o custo operacional da introdu-ção do produto”, diz ricardo Vellu-tini, presidente da duPont do brasil.

o negócio da butamax é global. Criada por uma companhia america-na (a DuPont) e outra britânica (a BP), mantém uma planta piloto em Hull, na inglaterra, e ergue uma fábrica em delaware, nos estados unidos. essa in-dústria deve operar a partir de 2012. o grupo iniciou suas pesquisas em 2005. testes para a produção de biobutanol, cujo desenvolvimento acumula 70 pa-tentes, foram feitos com fontes variadas de energia renovável, como o milho, o trigo, a celulose, as algas e a cana-de-açúcar. ganha um tanque cheio quem adivinhar qual foi considerada a mais competitiva e sustentável nessa sele-ção: foi a, digamos, “cana-de-energia”.

a parceria entre duPont e bP está prestes a inaugurar um labo-ratório em Paulínia, no interior pau-lista, onde atuarão cientistas brasi-leiros e uma população flutuante de pesquisadores estrangeiros. a médio prazo, faz parte dos planos da butamax transformar o brasil numa platafor-ma para a exportação do biobutanol. “o produto pode ser complementar ao etanol. ele agrega valor à cadeia e

em 2009, o brasil assumiu o posto de segundo maior produtor de transgênicos do mundo. só perde para os euaproporciona uma alternativa ao setor sucroenergético”, diz mario lindenhayn, presidente da BP Biofuels Brasil. Para a petrolífera britânica, o país disputa so-mente com os estados unidos a hegemonia dos biocombustíveis. Por isso mes-mo, a bP pagou r$ 100 milhões, em 2008, por 50% da participação da tropical bioenergia, uma usina dos grupos santelisa Vale e maeda, em edeia, goiás. Com investimentos estimados em us$ 1 bilhão, a empresa e seus parceiros locais pre-veem a construção nos próximos anos de uma nova unidade fabril, a tropical 2.

Longa Lista_embora robusta, a relação de negócios enumerada até aqui re-presenta uma parte minúscula do mergulho do setor sucroalcooleiro na biotecnologia. Completo, o conjunto de iniciativas é de tirar o fôlego. Eis um breve resumo. No fim de 2008, a monsanto, a maior empresa de produtos agrícolas transgênicos do mundo, pa-gou us$ 290 milhões pelas brasileiras alellyx e CanaVialis, de Campinas. elas haviam sido criadas entre 2002 e 2003, num investimento de us$ 40 milhões do fundo Voto-rantim novos negócios. observe-se que a CanaVialis é a maior empresa privada de me-lhoramento de cana do mundo. mantém contratos com dezenas de usinas nacionais.

Há mais. no início deste ano, a shell e a Cosan assinaram um acordo para a criação de uma joint venture, com valor estimado em us$ 12 bilhões. a empresa petro-lífera colocou no negócio ativos de duas companhias de biotecnologia: a iogen e a Code-xis, especializadas na produção de combustíveis de resíduos agrícolas. em rota similar, em março, a indústria dinamarquesa novozymes, uma referência em biotecnologia global, apresentou no Brasil duas enzimas geneticamente modificadas, a Cellic CTec2 e a Cellic Htec2, que podem transformar a palha, os restos de madeira e o bagaço de cana em álcool. a Petrobras também desenvolve pesquisas nesse campo, conhecido como etanol de segunda geração (ou celulósico). Com a tecnologia, a empresa quer aumentar em 60% a produtividade do combustível, sem ocupar um hectare a mais de plantio.

se ampliada para a agricultura em geral, a ligação entre a roça e a biotecno-logia parece inesgotável. relatório de uma entidade americana com nome pompo-so, o serviço internacional para a aquisição de aplicações agrobiotecnológicas (isaaa, na sigla em inglês), divulgado em fevereiro, classificou o brasil em segundo lugar entre os maiores produtores mundiais de alimentos geneticamente modifi-cados, os transgênicos. o plantio desse tipo de produto, aplicado à soja, ao milho e ao algodão, estendeu-se por 21,4 milhões de hectares no ano passado, ante 15,8 milhões em 2008. uma elevação de 35%. o país ficou atrás somente dos estados unidos (64 milhões de hectares), mas ultrapassou a argentina (com 21,3 milhões de hecta-

o pioneiro ii - José Fernando pérezo cieNtista emPreeNdedor José Fernando Pérez, 65 anos, tem talentos múltiplos. Graduou-se na USP em duas faculdades diferentes (mas ao mesmo tempo): engenharia eletrônica e física. Fez mestrado em física nuclear e doutorado em física matemática no Instituto de Tecnologia de Zurique, na Suíça. Detalhe: as duas áreas, embora pertençam à física, são totalmente distintas. Pérez foi diretor científico da Fapesp entre 1993 e 2005, onde criou programas que fizeram história. Um deles – o Pipe – foi moldado para apoiar a pesquisa científica e tecnológica em pequenas empresas. Promoveu ainda o sequenciamento da Xylella fastidiosa e o Genoma Câncer. Hoje, Pérez é um empreendedor. Está à frente da Recepta Biopharma, que analisa o potencial de moléculas para uso no combate ao câncer. “Este é o meu maior desafio", afirma.

152 é p o c a n e g ó c i o s a g o s t o 2 0 1 0 a g o s t o 2 0 1 0 é p o c a n e g ó c i o s 153infográfico_alexaNdre affoNso

DNA

Cromossomo

Enzimas

Plasmídio

Gene dainsulina

Enzimasligase

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res). no mundo, com 25 países produtores, a área total de transgênicos atingiu 134 milhões de hectares em 2009, um crescimento de 7% em relação ao ano anterior.

os números nacionais tendem a crescer, pois o brasil se consolidou nas úl-timas duas décadas como o grande celeiro global. está entre os maiores produtores mundiais de mais de uma dezena de itens agropecuários. e esse é um apelo irresis-tível para os inventores de transgênicos. a mesma basf que atua em parceria com o CtC na cana-de-açúcar aliou-se à empresa brasileira de Pesquisa agropecuária (Embrapa) para o desenvolvimento de uma soja geneticamente modificada resis-tente a herbicidas. o desenvolvimento do produto, da linha Cultivance, recebeu in-vestimentos de us$ 6 milhões e será lançado no brasil a partir da safra 2011/2012.

biovespa_as possibilidades no campo são tão grandes que o brasil também tem start ups voltadas para a agricultura. a bug, de Piracicaba (sP), é um exemplo. ela fabrica variedades de uma pequena vespa marrom, a Trichogramma. esse bichi-nho é usado no controle de pragas agrícolas, caso da broca da cana, em substituição aos inseticidas convencionais. o custo baixo é peça central da propaganda da com-panhia. a empresa calcula que 1 hectare de plantação requer 1 milhão de vespinhas, que custam r$ 10. o litro de inseticida aplicado na mesma área sai por r$ 1 mil.

a formação da bug lembra o caso já descrito aqui da Pele nova. seus fundadores, danilo Pedrazzoli e diogo Carvalho, mudaram-se para Piracica-ba para fazer uma pós-graduação no campus da universidade de são Paulo (usP). ali, a dupla tomou contato com a pesquisa da Trichogramma. depois disso, os sócios dedicaram um ano e meio para desenvolver a nova tecnologia. Criaram, por exemplo, um sistema de exaustão para os laboratórios, já que os milhões de insetos reunidos consumiam muito oxi-gênio, o que tornava o ar rarefeito no cen-tro de produção. Para isso, investiram r$ 700 mil do próprio bolso e obtiveram um financiamento de r$ 1,2 milhão da Fundação de amparo à Pesquisa do es-

tado de são Paulo (Fapesp). Hoje, a start up produz 120 milhões de vespas por dia.

o negócio prosperou. a bug fatura r$ 3,5 milhões e a receita obtida com 150 clientes dobra a cada ano des-de 2006. Há três anos, tinha 30 funcio-nários. Hoje, conta com 100. em 2009, abriu uma filial em Campo Grande, Mato grosso do sul. mas Pedrazzoli e Carva-lho veem espaço para crescer mais. em parceria com a usP, a bug desenvolve uma nova vespa para plantações de soja. essa pesquisa consumirá boa parte de um investimento de r$ 1 milhão, feito pelo Criatec, um fundo do banco na-cional de desenvolvimento (bndes).

É s u r p r e e n d e n t e o n ú -mero de empreendimentos bra-

sileiros de biotecnologia na área da saúde. em volume, esses negócios só per-dem para a agricultura. representam 20% do total. dois fatos contribuem para essa abundância. Em primeiro lugar, o Brasil tem qualidades raras para a re-alização de testes clínicos de novos medicamentos. Conta com pacientes dis-postos a participar de ações experimentais desse tipo (nos estados unidos, as empresas competem por esses grupos) e possui uma população geneticamente di-versificada – o que torna ainda mais fértil o campo para a aplicação dessas pesquisas.

a história da biotecnologia no brasil é outro fator que contribui para a grande porção de empresas focadas em aplicações na área médica. a primeira companhia na-

Há uma década, a identificação de apenas uma letra do dna custava us$ 1. Hoje, esse valor diminuiu um milhão de vezes

UMA INDÚSTRIA DE MÁQUINAS VIVASa biotecnologia possibilita ao homem intervir no processo biológico natural de seres vivos – tanto microrganismos como plantas e animais. com isso, é possível pinçar a característica de um organismo e aplicá-la a outro

escolhe-se o Dna com o gene que deve ser reproduzido. no caso, a insulina humana

enzimas chamadas de restrição atuam como “tesouras” moleculares. elas cortam o Dna humano, separando o gene que produz a insulina. Detalhe: tudo ocorre numa escala de milésimos de milímetro

Paralelamente, um Dna chamado plasmídio é retirado de uma bactéria. o plasmídio é circular e se autorreplica

enzimas chamadas de ligase “colam” o gene da insulina no plasmídio

o plasmídio é recolocado na bactéria. ele produz o que o gene inserido ordena. assim, a bactéria transforma-se numa espécie de máquina viva, uma fábrica de insulina humana

as bactérias multiplicam-se rapidamente. em alguns dias, obtém-se 1 metro cúbico, com 1 trilhão delas. sempre que uma se reproduz, a insulina é produzida

o primeiro uso prático da biotecnologia, que gerou um produto, foi a produção de insulina humana (hormônio que ajuda o organismo a converter glicose em energia), aprovada em 1982. a técnica foi batizada de Dna recombinante. veja como funciona

154 é p o c a n e g ó c i o s a g o s t o 2 0 1 0 a g o s t o 2 0 1 0 é p o c a n e g ó c i o s 155infográfico_alexaNdre affoNso

Em 2009, 253 companhias atuavam no setor chamado biociências. Desse total, a maior parte (43%) usa técnicas de biotecnologia

As empresas ligadas à biotecnologia concentram-se em cinco setores:

26,4%Agricultura

20%Saúdehumana

16,4%Meioambiente

15,5%Insumos

14,5%Saúdeanimal

7,3%Misto

Fonte_Biominas

Tem crescido no país o número de biocompanhiascom receita superior a R$ 1 milhão

Sem faturamento

2006

2008 19,7%

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Fonte_Biominas

Mais de R$ 1 milhão

2006

2008 31,1%

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Fonte_Biominas

Número de empresas de biociências no Brasil

1.200% é a variaçãoem pouco mais de duas décadas

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1988 1998 2003 2007 2009

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Criação de empresas de biotecnologia

Fonte_Biominas

Até 1988

Total de empresas

Criação no período

Média anual

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lho era liderado pelo biólogo Paulo arruda, na unicamp, e por reinach, na usP. a coordena-ção-geral ficou a cargo de Andrew Simpson, do instituto ludwig no brasil, entidade sem fins lucrativos com centros de pesquisa na Bél-gica, austrália, suécia, estados unidos, suíça e reino unido. um terceiro laboratório, o de bioinformática, era coordenado por dois jo-vens cientistas da computação: João setubal e João meidanis. o sequenciamento durou dois anos e foi concluído com sucesso. a iniciativa levou pela primeira vez uma pesquisa feita por cientistas brasileiros à capa da prestigiada revista científica Nature, em junho de 2000.

simultaneamente à onsa, a Fapesp participou do sequenciamento do genoma hu-mano do câncer, ao lado do Instituto Ludwig. a parceria destrinchou aproximadamente 1,2 milhão de trechos de genes associados a diversos tipos da doença. o esforço teve um resultado notável. o brasil tornou-se o segun-do país do mundo a depositar sequências de genes relacionadas a tumores no genbank, o banco de dados público mundial. nesse que-sito, ficou atrás somente dos Estados Unidos.

partir de 1997. a primeira centelha surgiu numa conversa informal entre o físico José Fernando Pérez e o biólogo Fernando reinach. o primeiro era diretor cien-tífico da Fapesp. O segundo, professor titular do Instituto de Química da USP. Ambos discorriam sobre a importância desse conjunto de técnicas para o desen-volvimento do país. era evidente a urgência em criar competências num campo do conhecimento com aplicações voltadas para a biodiversidade, a agricultura, a pecuária e a saúde, todos setores de alta relevância – e potencial – para a eco-nomia brasileira. A dupla concluiu que a forma mais eficaz de mergulhar nesse mundo seria por meio de uma pesquisa ousada: o sequenciamento do genoma de um ser vivo. esse tipo de investida consolidaria a expertise necessária para que os pesquisadores nacionais mergulhassem nesse braço da vanguarda da ciência.

reinach sugeriu que o alvo fosse uma bactéria. optou-se pela Xylella fastidiosa, conhecida como “amarelinho”, que ataca os laranjais paulistas. a es-colha não foi feita ao acaso. Penetrar nas minúcias genéticas do microrganismo era relevante em termos econômicos, pois ajudaria no combate à praga. além do mais, tratava-se de uma tarefa exequível. a Xylella é um organismo simples. tem 2,7 milhões de pares de letras químicas, como at, Cg. um ser humano tem 3 trilhões. Para executar a empreitada, foi montada uma rede virtual com 30 laboratórios e 192 pesquisadores, chamada onsa (organization for nu-cleotide sequencing and analysis). a sigla era uma paródia à organização do cientista americano J. Craig Venter, a tigr (the institute for genomic rese-arch), como “tigre” em inglês, que começava a sequenciar o genoma humano .

o projeto contou com investimento de us$ 12 milhões da Fapesp, o maior até então bancado pela entidade, e us$ 500 mil do Fundo de defesa da Citricultu-ra, formado por empresas do setor, interessadas na peleja contra a Xylella. o traba-

persistência_ A companhia fluminense Cryopraxis formou o maior banco de células-tronco do país, num total de 18 mil amostras. Criada em 2001, a empresa se resumiu por três anos a seu dono, eduardo Cruz. Hoje, tem 180 funcionários e faturamento anual de r$ 50 milhões, comr$ 10 milhões de lucro

cional desse ramo foi a biobras, fun-dada em belo Horizonte, em 1976, pelo empreendedor guilherme emrich, por marcos luiz dos ma-res guia, pesquisador da universi-dade Federal de minas gerais, e seu irmão, Walfrido dos mares guia, empresário e ex-ministro do turis-mo no governo lula. em 2000, em parceria com o laboratório eli lilly, a companhia transformou-se na quarta maior fabricante mundial de insulina geneticamente modifica-da, chamada de “recombinante”. no ano seguinte, a fábrica foi compra-da pelo grupo novo nordisk, por us$ 31 milhões, mas os sócios man-tiveram as patentes e criaram uma sucessora: a biomm. emrich, desde então, tornou-se um investidor.

a biotecnologia, contudo, ganhou real impulso no brasil a

guarda-gENEs_ as

células armazenadas

nes se s tanques e s tão

sendo testadas em 40

aplicações terapêuticas

156 é p o c a n e g ó c i o s a g o s t o 2 0 1 0 a g o s t o 2 0 1 0 é p o c a n e g ó c i o s 157infográfico_alexaNdre affoNso

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a tecnologia utilizada na empreitada foi criada no brasil pelo bioquímico mineiro emmanuel dias neto. a técnica permitiu um sequenciamento mais ve-loz ao selecionar apenas o material genético que produz proteínas, a parte mais rica do genoma. a bioinformática empregada no processo foi desenvolvida pelo biólo-go sandro de souza. ele trabalhava na universidade de Harvard, no laboratório de Walter “Wally” gilbert, prêmio nobel de química, um dos pioneiros da pesquisa mundial de biotecnologia. souza era bolsista da fundação americana Pew e, à épo-ca, a instituição mantinha um programa de incentivo financeiro para estudantes que quisessem voltar ao país de origem. Por coincidência, o biólogo havia recebido um convite para retornar ao brasil e participar da onsa. não titubeou. “Com o dinhei-ro da Pew, comprei dois servidores. um veio comigo no avião, o outro despachei pela Fedex. quando cheguei ao ludwig, coloquei-os numa sala, montei e, com uma ina-creditável linha telefônica discada de modem, começamos a trabalhar”, diz souza.

então, o big bang_o prêmio por essas ações foi o nascimento da indús-tria brasileira de biotecnologia. o conhecimento produzido nas universidades serviu de argamassa para a estruturação das empresas. em 2002, a Votorantim novos negócios, fundo de capital de risco do grupo Votorantim, reuniu parte da equipe que havia partici-

da área agrícola. no brasil, ninguém se interessou pelo material. Percebi, então, que estava na hora de criar uma empresa para atuar nesse setor. as-sim, surgiu a alellyx”, conta reinach.

o físico José Fernando Pérez, ex-diretor científico da Fapesp, cuja digital também está impregnada na história dessa indústria, seguiu roteiro semelhante. em 2005, foi convidado pelo instituto ludwig a montar uma empresa de biotecnologia, a recepta biopharma. Para isso, recebeu da ins-tituição quatro moléculas, chamadas de anticorpos monoclonais, considera-das promissoras no combate ao câncer. o projeto recebeu investimentos de r$ 10 milhões, em parte feito por dois

investidores anjos, os empresários emílio odebrecht e Jovelino mineiro. Con-tou também com r$ 18 milhões da Finep, ligada ao ministério da Ciência e tec-nologia, em três rodadas de subvenção, realizadas em 2006, 2007 e 2009.

a recepta trabalha com parceiros como o instituto butantan, o ludwig e a Faculdade de medicina da usP. espalhados por essas instituições, a empresa conta com 32 pesquisadores. a tarefa da companhia é gerenciar o conhecimento produ-zido nessas três frentes. os anticorpos monoclonais são proteínas que reconhecem tumores nas superfícies das células. eles funcionam como a tecla “localizar” dos edi-tores de texto nos computadores. Identificam esses alvos (os focos dos tumores, tam-

pado do projeto Xylella e montou a alellyx (o nome invertido da bactéria), para atuar no melhoramento genético de plantas. no ano seguinte, fundou a CanaVialis, para executar a mesma tarefa no setor sucro-alcooleiro. as duas empresas foram com-pradas no fim de 2008 pela monsanto.

Por trás da origem desses negó-cios estava Fernando reinach. licenciado da usP, assumiu o cargo de diretor exe-cutivo do fundo da Votorantim. “quando terminamos o projeto da Xyllela, coloquei os dados à disposição de pesquisadores do mundo inteiro. Pedi para que o res-ponsável pelo laboratório de bioinformá-tica, João Paulo Kitajima, monitorasse quem faria o download das informações. ele foi feito por todas as multinacionais

na medicina, uma das metas das bioempresas é desenvolver anticorpos que combatam doenças genéticas como o câncer

O FUTURO ACONTECEU EM MAIOa moderna biotecnologia surgiu nos anos 70, quando cientistas intervieram de forma direta e intencional no processo biológico de um ser vivo. há três meses, porém, a equipe do geneticista craig venter deu um salto brutal nesse processo. ela remontou uma bactéria em um laboratório. isso é quase criar uma vida

os cientistas extraíram o genoma de uma bactéria, a Mycoplasma mycoides

a equipe de venter comprou as moléculas que formam o Dna da bactéria e as colocou num sintetizador

com a ajuda de fungos, o quebra-cabeça de fragmentos de Dna foi montado e o material genético da bactéria, reconstruído

Paralelamente, os cientistas retiraram o Dna de outra bactéria, a Mycoplasma capricolum. em seu lugar, foi inserido o material genético da Mycoplasma mycoides

o Dna sintético da mycoides passou a comandar as funções da capricolum. o experimento mostra que é possível criar microrganismos sintéticos. eles poderiam ser programados, por exemplo, para produzir biocombustíveis ou absorver co2 da atmosfera

a sequência do Dna da bactéria foi digitalizada

o geneticista americano craig venter, um dos responsáveis pelo mapeamento do genoma do ser humano, provou que é possível projetar uma forma de vida a partir de dados armazenados num computador. venter tornou-se um “biodesigner”

com a “fórmula”digital da mycoides,o sintetizador recrioupedaços do Dna. mas o material sofreu alterações. foi excluído, por exemplo, o gene responsável pela patogenicidade (o que poderia oferecer riscos à experiência)

a g o s t o 2 0 1 0 é p o c a n e g ó c i o s 159

Em 2009, 253 companhias atuavam no setor chamado biociências. Desse total, a maior parte (43%) usa técnicas de biotecnologia

As empresas ligadas à biotecnologia concentram-se em cinco setores:

26,4%Agricultura

20%Saúdehumana

16,4%Meioambiente

15,5%Insumos

14,5%Saúdeanimal

7,3%Misto

Fonte_Biominas

Tem crescido no país o número de biocompanhiascom receita superior a R$ 1 milhão

Sem faturamento

2006

2008 19,7%

19,5%

Fonte_Biominas

Mais de R$ 1 milhão

2006

2008 31,1%

22,3%

Fonte_Biominas

Número de empresas de biociências no Brasil

1.200% é a variaçãoem pouco mais de duas décadas

19

1988 1998 2003 2007 2009

80

170

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Criação de empresas de biotecnologia

Fonte_Biominas

Até 1988

Total de empresas

Criação no período

Média anual

89-93 94-98 99-03 04-08

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bém chamados de antígenos) e ativam o sistema imunológico dos pacientes para atacá-los. não evitam a doença, mas podem conter a metástase. os an-ticorpos são desenvolvidos em camun-dongos. Posteriormente, por meio da engenharia genética, recebem uma es-pécie de capa de proteção para que pos-sam ser aplicados em seres humanos.

Hoje, a recepta investiga a atua-ção desses anticorpos no tratamento de tumores de ovário, estômago e mama. essa análise é feita por meio de testes clí-nicos. na chamada Fase i, o exame dá-se com dez ou 20 pacientes. são avaliados parâmetros como a toxidade da droga e suas eventuais reações alérgicas. na Fase ii, verifica-se o efeito clínico, algo como uma eventual regressão do tumor. a Fase iii dos testes, porém, envolve centenas de pessoas e seus custos são astronômicos. “É por isso que as empre-sas de biotecnologia atuam até a segun-da etapa dos testes. depois, licenciam o anticorpo. nosso produto é uma pa-tente com a informação documentada”, diz Pérez. a recepta já realiza análises em Fase ii, com registro na agência de drogas e alimentos dos estados uni-dos (a Fda). e isso é uma façanha – no mundo, somente sete empresas con-seguiram desenvolver dez anticorpos.

DiversiDaDe_em ramo se-melhante também atua a gaúcha FK biotecnologia, criada pelo médico Fer-nando Kreutz, em 1999, na incubadora do Centro de biotecnologia da univer-sidade Federal do rio grande do sul (uFrgs), em Porto alegre. a diferença entre as companhias está na variedade das ações. além de anticorpos monoclo-nais, a FK produz mais de 70 tipos de re-agentes para diagnósticos, prepara um bioteste de gravidez (30% mais barato que os convencionais) e um bioinseticida para a dengue. “adapto os meus produ-

dadas por 180 funcionários. Fatura r$ 50 milhões por ano, com r$ 11 milhões de lucro. animado, Cruz abriu uma outra empresa, a CellPraxys, que desenvolve

aplicações terapêuticas das amostras de cordões umbilicais. ele mantém oito proje-tos em curso com esse objetivo. tirou o número de um livro, onde donald trump, o misto de empresário e celebridade, prega que o ideal é sustentar oito iniciativas em andamento para que ao menos uma delas vingue. “o brasil perdeu a onda da far-moquímica, mas acredito que tem uma boa chance de se recuperar com a biotecno-logia”, afirma Cruz. aposta semelhante está sendo feita pela americana burrill & Company, gestora de fundos de venture capital e private equity, especializada em bionegócios. a companhia estabeleceu-se no país em janeiro e acredita que, a mé-dio prazo, pode transformar até três bioempresas brasileiras em multinacionais.

o brasil também abriga a primeira empresa especializada no sequenciamen-to de genomas da américa latina. trata-se da Helixxa, criada em maio, em Campinas (sP). o nome é uma referência à dupla hélice do dna. ela oferece como produto os ma-

tos de acordo com a oportunidade”, diz Kreutz. a start up fatura r$ 700 mil por ano, com lucro de r$ 250 mil, totalmente reinvestido no negócio. a fonte dos re-cursos segue o mesmo mote dos outros empreendimentos do setor: investidor anjo, Finep e o fundo rstec, num total de aproximadamente r$ 7 milhões.

o guarda-chuva da biotecno-logia aplicada à medicina é tão amplo que a carioca Cryopraxis encontrou um segmento totalmente diferente para ex-plorar. em 2001, o bioquímico eduardo Cruz percebeu que havia espaço para a formação de uma empresa voltada para a coleta e o armazenamento de cordões umbilicais. eles são usados na obten-ção de células-tronco (que dão origem a outros tipos de células), empregadas em pesquisas para o tratamento de pro-blemas cardiovasculares, neurodege-nerativos (como alzheimer) e diabetes. Hoje, a companhia tem o maior banco do gênero do país, com 18 mil amostras, cui-

a primeira empresa de sequenciamento genético da américa latina foi fundada há dois meses, em Campinas

o pioneiro iii - guilherme emricholhar com alcaNce GloBal Guilherme Emrich, 66 anos, não tem somente sorte. Pelas apostas certeiras que fez em start ups, tem, no mínimo, uma visão acuradíssima sobre negócios com futuro promissor. Emrich fundou nos anos 70 a Biobras, pioneira no país na produção de insulina. Em 2001, a empresa foi vendida por US$ 31 milhões para a dinamarquesa Novo Nordisk. Emrich, então, criou o fundo FIR Capital. Investiu em companhias de busca como a Miner (vendida para o UOl) e a Akwan (vendida para o Google). Em 2007, o Draper Fisher Jurvetson (DFJ), gestor internacional de venture capital que bancou marcas como Hotmail, Skype e Baidu, adquiriu uma participação na FIR Capital. As empresas de biociências são uma das especialidades de Emrich. “Nesse campo, o fundamental é fazer com que o pessoal da academia realmente se prepare para o mercado”, afirma.

158 é p o c a n e g ó c i o s a g o s t o 2 0 1 0 infográfico_alexaNdre affoNso

160 é p o c a n e g ó c i o s a g o s t o 2 0 1 0 a g o s t o 2 0 1 0 é p o c a n e g ó c i o s 161infográfico_alexaNdre affoNso; eDição De imagens_artNet

o avanço da bioindústria depende da maior oferta de mão de obra especializada e financiamentos de longo prazo

pas genéticos de quaisquer seres vivos (de um microrganismo a uma pessoa). o plano de voo da companhia foi elaborado há sete anos pelo chefe do departamento de biofísica da univesidade Federal de são Paulo (unifesp), João bosco Pesque-ro, e pelo químico mário oliveira. entre recursos de angels e venture capital, a dupla angariou r$ 4 milhões. “usamos grande parte dessa quantia para investir em máquinas. Criamos uma infraestru-tura de última geração”, diz Pesquero. os clientes em potencial da Helixxa estão em ramos como agronegócios (a pecuária, in-clusive) e universidades, além da indús-tria farmacêutica. o mapeamento de ge-nes é algo cada vez mais economicamente viável. um exemplo: a análise completa da Xylella, concluída em 2000, custou us$ 15 milhões e consumiu três anos. Hoje, custaria r$ 3 mil e seria realizada em três dias. “na verdade, há uma déca-da, gastávamos us$ 1 para decifrar cada letra química de uma sequência como at ou Cg. Hoje, esse valor foi reduzido um milhão de vezes”, acrescenta Pesquero.

ventos contra_apesar da abundância de casos interessantes, a consolidação dessa indústria no brasil enfrenta entraves. torná-la economica-mente relevante é uma tarefa que exige a mesma disposição de um alpinista dian-te de um paredão. a lista de barreiras é extensa. o primeiro item está relaciona-do ao desenvolvimento da ciência. nos últimos anos, esse campo avançou de forma elogiável no país. os indicadores que contabilizam os artigos científicos publicados em revistas internacionais relevantes mostram que o desempenho do brasil quadruplicou na última déca-da. Há dez anos, os pesquisadores bra-sileiros eram autores de 0,3% dos textos publicados no mundo. Hoje, esse percen-tual é de 1,2%. essa melhora, contudo, não se traduziu em uma maior oferta de

num ramo sensível como a biotecnologia. o projeto de um produto nessa área é arris-cadíssimo. os perigos são tecnológicos e comerciais. Com uma aeronave, por exemplo, ocorre o contrário. se produzida por uma companhia competente, sabe-se que voará. a dúvida é se o modelo terá boa aceitação no mercado. Por outro lado, muitos aviões da biotecnologia nem sequer decolam. e mesmo alguns que saem do chão sucumbem a turbulências. desastres desse tipo não são incomuns na indústria farmacêutica, mesmo na produção de medicamentos convencionais. Foi isso o que aconteceu com o Vioxx, seis anos atrás. apesar de ter concluído os testes de forma satisfatória, depois que chegou ao mercado o anti-inflamatório mostrou que dobrava o risco de enfartes e derrames. teve de ser retirado das farmácias pelo laboratório americano merck & Co.

outro estorvo para a expansão da biotecnologia pode ser defi-nido como ideológico. existe a real necessidade de uma discussão so-bre o impacto dos produtos geneticamente modificados na agricul-tura e no meio ambiente. o problema é que esse debate não raro está contaminado pela desinformação. “no início do século passado, com o desenvolvi-mento da indústria automobilística, as pessoas discutiam seriamente se o corpo hu-mano suportaria velocidades acima de 60 quilômetros por hora. É esse tipo de con-versa, inconsistente, que precisamos evitar na biotecnologia”, diz Fernando reinach.

ventos a favor_Vencidas barreiras como essas, o brasil tem chances reais de se firmar em diversas frentes da bioindústria. algumas tendências acentuam esse potencial. o neozelandês alan macdiarmid (1927-2007), nobel de química em 2000, apontava com pertinência que, nos próximos 50 anos, megaproblemas da humanidade terão de ser resolvidos no campo. estão, entre eles, a geração de energia, a captação de água e as questões ambientes. além disso, a organização das nações unidas (onu) estima que, para dar conta do crescimento populacional, a produção agrícola precisa aumentar 70% nos próximos 40 anos. Calcula ainda que a demanda por combustíveis líquidos avançará em mais de 50% antes de meados deste século. o petróleo, se resolver esse mo-numental pepino, o fará a preços elevados. Para completar, as doenças genéticas formam um grande ralo por onde escorrem recursos dos sistemas públicos de saúde. O câncer é a segunda causa de mortes no mundo e caminha para conquistar a liderança, hoje ocupa-da pelas doenças cardíacas. o contraponto positivo para esses cenários nebulosos é que a indústria no brasil tem forte vocação para atuar em todos esses segmentos e suprir boa parte dessas demandas. a biotecnologia só faz acentuar essa capacidade inata do país.

mão de obra. a maior parte dos cientis-tas nacionais (sete em cada dez) atua em universidades, não em empresas. nos estados unidos, a proporção é inversa.

a carência de pesquisadores no mundo corporativo tem impacto na estruturação de empresas. a moksha8, companhia americana que comercializa remédios, um deles biotecnológico, for-nece um exemplo. ela quer montar no brasil uma fábrica, com investimento previsto de us$ 500 milhões, inicial-mente para produzir medicamentos para artrite reumatoide. mas não encontra trabalhadores especializados. “não falo somente de pesquisadores. Faltam técni-cos para a área operacional. não há, por exemplo, profissionais habilitados para o controle de qualidade dessas linhas de produção”, afirma mario grieco, presi-dente da moksha8 para a américa lati-na. o executivo, que já esteve à frente de indústrias como a bristol-myers squibb e a monsanto no brasil, observa que esse tipo de barreira não se dilui com treina-mentos rápidos: “Esses profissionais têm de conhecer profundamente procedi-mentos, materiais, microscópios e outros equipamentos que nunca viram antes”.

os recursos para a abertura de empreendimentos em biotecnologia no país também estão longe de ser sufi-cientes. mais do que isso: estão distantes de ser adequados. isso porque não bas-ta qualquer dinheiro. são necessários aportes com a visão correta do negócio. “Precisamos de investidores que tragam informação, network, conhecimento de gestão, que saibam como transformar uma pesquisa em produto e, sobretudo, que conheçam caminhos e estratégias para colocar as inovações que criamos no mercado mundial”, enumera Pérez, da recepta biopharma. “sem isso, não da-remos um passo realmente ambicioso.”

Financiadores com esse perfil são raros. tornam-se ainda mais escassos mais em www.ePocaNeGocios.com.Br/extras

Com reportagem de Karla Spotorno

NA TRANSVERSAl DOS NEGÓCIOSa biotecnologia permeia uma longa lista de setores da indústria. em todos, representa uma fonte de inovações

microrganismos transgênicosPodem ser aplicados na indústria de cosméticos, em roupas e produtos de limpezavantagem: maior produtividade, além da criação de novos produtos

iNdÚstriaem Geral

câncernovos medicamentos combatem tipos específicos da doençavantagem: tratamentos com menor efeito colateral

diagnósticoso mapeamento do genoma pode indicar a propensão a doenças vantagem: ênfase na medicina preventiva

células-troncosurgem novas técnicas de manipulação de células-tronco (para reconstrução de tecidos e órgãos)vantagem: esperança no tratamento de doenças e lesões hoje irreversíveis

mediciNa

Biocombustíveisaumento na produção de etanol e criação de novos produtos (como o diesel renovável)vantagem: maior eficácia das fontes renováveis de energia

eNerGia

Novas sementesPermite a criação de plantas resistentes a secas, a insetos ou com maior teor de nutrientesvantagem: aumento da produtividade, com menor uso de recursos naturais

aGricultura

BiorremediaçãoPlantas moldadas para remover poluentes ou substâncias do solo e da águavantagem: auxílio na preservação e na recuperação de áreas degradadas

meio amBieNte