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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO GLAUBER SOUZA ARAUJO O CAMINHO DA PERFEIÇÃO: UM ESTUDO DA TEOLOGIA DA SANTIFICAÇÃO EM JOHN WESLEY E ELLEN G. WHITE SÃO BERNARDO DO CAMPO – SP 2011

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

GLAUBER SOUZA ARAUJO

O CAMINHO DA PERFEIÇÃO:

UM ESTUDO DA TEOLOGIA DA SANTIFICAÇÃO EM

JOHN WESLEY E ELLEN G. WHITE

SÃO BERNARDO DO CAMPO – SP

2011

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GLAUBER SOUZA ARAUJO

O CAMINHO DA PERFEIÇÃO: UM ESTUDO DA TEOLOGIA DA SANTIFICAÇÃO EM

JOHN WESLEY E ELLEN G. WHITE

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, como parte das exigências para obtenção de título de Mestre

Orientação: Prof. Dr. Claudio de Oliveira Ribeiro

SÃO BERNARDO DO CAMPO – SP

2011

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A dissertação de mestrado sob o título “O caminho da perfeição: um estudo da teologia da

santificação em John Wesley e Ellen G. White”, elaborada por Glauber Souza Araujo foi

apresentada e aprovada em 18 de Outubro de 2011, perante banca examinadora composta por

Prof. Dr. Claudio de Oliveira Ribeiro (Presidente/UMESP,), Prof. Dr. Rui de Souza

Josgrilberg (Titular, UMESP), e Prof. Dr. Adolfo S. Suárez (Titular/UNASP).

__________________________________________________________

Prof. Dr. Claudio de Oliveira Ribeiro

Orientador e Presidente da Banca Examinadora

_________________________________________________________

Prof. Dr. Leonildo Silveira Campos

Coordenador do Programa de Pós-Graduação

Programa: Ciências da Religião

Área de Concentração: Linguagens da Religião

Linha de Pesquisa: Teologia das Religiões e Cultura

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É em ti que vou buscar fortaleza.

És tu o meu doce e querido alimento.

Se por acaso me abater o temor, a fraqueza

É de teu amor que então me sustento

À minha esposa, Noemi, pela paciência, compreensão, amor e apoio.

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AGRADECIMENTOS

À Deus pelas bênçãos e motivação.

À minha família pela companhia, apoio, persistência e ânimo.

Ao Centro Universitário Adventista São Paulo – Campus Engenheiro Coelho (UNASP-EC)

pela confiança e apoio.

Ao Instituto Ecumênico de Pós-Graduação pela confiança e apoio.

Ao meu orientador (Prof. Dr. Claudio de Oliveira Ribeiro) pela amizade, dedicação, e

profissionalismo.

Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da UMESP pela

instrução e inspiração.

Ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião e à Universidade Metodista de São

Paulo (UMESP) pela realização deste projeto.

Aos participantes da banca examinadora (Prof. Dr. Adolfo S. Suárez e Prof. Dr. Rui de Souza

Josgrilberg) pelas relevantes considerações.

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ARAUJO, Glauber S. O Caminho da Perfeição: Um estudo da teologia da santificação em John Wesley e Ellen G. White. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião. São Bernardo do Campo: Universidade Metodista de São Paulo, 2011.

RESUMO

Este trabalho consiste em um estudo comparativo entre os escritos de John Wesley

(1703-1791) e Ellen G. White (1827-1915) procurando definir os conceitos de santificação de

cada autor. São descritos os fatores que levaram a elaboração desta percepção tanto em John

Wesley como em Ellen G. White e verificadas as congruências entre os autores estudados

como o conceito de amadurecimento contínuo, a negação de impecabilidade, a necessidade de

dependência constante em Deus e obediência à Sua lei entre outros. São verificadas também

as divergências entre ambos os autores, como os conceitos wesleyanos de santificação

instantânea, a segunda obra da graça, e os conceitos whiteanos de perfeição de caráter e

esferas de perfeição. Neste trabalho, também são destacadas algumas contribuições e

implicações para a teologia na atualidade como os conceitos da finitude humana, o pecado e a

natureza humana, a práxis e suas motivações religiosas e a colaboração divino/humana no

desenvolvimento.

PALAVRAS CHAVE: Santificação, Perfeição Cristã, John Wesley, Ellen G. White.

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ARAUJO, Glauber S. The Way of Perfection: A Study of the Theology of Sanctification in John Wesley and Ellen G. White. Master’s Thesis, Postgraduate Program in Sciences of Religion. São Bernardo do Campo: Methodist University of São Paulo, 2011.

ABSTRACT

This work consists in a comparative study of the writings of John Wesley (1703-1791)

and Ellen G. White (1827-1915) seeking to define the concept of sanctification in each author.

A description may be found of the factors that led to the elaboration of Wesley’s and White’s

perception. Similarities between both authors are verified, such as continuous growth,

negation of sinlessness, the need for constant dependency in God and obedience to His law.

Differences between both authors are also studied, such as Wesley’s concepts of

instantaneous sanctification, the second work of grace, and White’s concepts of character

perfection and spheres of perfection. This work also discusses contributions and implications

that may be presented to the theological debate in today’s theology, such as human finiteness,

sin and human nature, religious motivations for praxis and divine/human collaboration for

development.

KEYWORDS: Sanctification, Christian Perfection, John Wesley, Ellen G. White.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 01

CAPÍTULO 1

VIDA E TEOLOGIA DA SANTIFICAÇÃO EM JOHN WESLEY .................................. 04

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 04

1. ASPECTOS BIOGRÁFICOS CONCERNENTES AO TEMA DA SANTIFICAÇÃO ....... 04

1.1 John Wesley e a Inglaterra do Séc. XVIII .......................................................................... 05

1.2 O pensamento wesleyano durante o surgimento do metodismo (1725-1739) .................... 08

1.3 O pensamento wesleyano durante o reavivamento metodista (1739-1744) ....................... 15

1.4 A consolidação do pensamento wesleyano (1744-1758) .................................................... 18

1.5 Amadurecimento do pensamento de Wesley (1758-1791) ................................................. 20

2. ASPECTOS DA TEOLOGIA WESLEYANA DA SANTIFICAÇÃO ................................. 23

2.1 Natureza do ser humano e pecado ...................................................................................... 23

2.2 Expiação ............................................................................................................................. 26

2.3 Justificação ......................................................................................................................... 27

2.4 Obediência .......................................................................................................................... 29

2.5 Perfeição Cristã ................................................................................................................. 31

2.6 A santificação em síntese .................................................................................................... 32

CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 35

CAPÍTULO 2

VIDA E TEOLOGIA DA SANTIFICAÇÃO EM ELLEN G. WHITE .............................. 37

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 37

1 ASPECTOS BIOGRÁFICOS CONCERNENTES AO TEMA ............................................ 37

1.1 Ellen White e os Estados Unidos do Séc. XIX ................................................................... 38

1.2 O pensamento whiteano durante o movimento millerita (1840 – 1844) ............................ 44

1.3 O pensamento whiteano durante o desenvolvimento doutrinário

adventista (1844-1848) ............................................................................................................ 47

1.4 Ellen White durante o desenvolvimento organizacional adventista (1848-1888) .............. 50

1.5 Maturidade e expansão do pensamento whiteano (1888-1915) ......................................... 53

2 ASPECTOS DA TEOLOGIA WHITEANA DA SANTIFICAÇÃO ..................................... 56

2.1 Natureza do homem e pecado ............................................................................................. 56

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2.2 Expiação ............................................................................................................................. 58

2.3 Justificação ......................................................................................................................... 59

2.4 Obediência .......................................................................................................................... 60

2.5 Perfeição Cristã ................................................................................................................. 61

2.6 Santificação em síntese ....................................................................................................... 64

CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 65

CAPÍTULO 3

JOHN WESLEY E ELLEN G. WHITE: TEOLOGIAS EM DISCUSSÃO ...................... 67

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 67

1 APROXIMAÇÕES ................................................................................................................ 68

1.1 Amadurecimento contínuo ................................................................................................. 68

1.2 Santificação individual e social .......................................................................................... 69

1.3 Negação da impecabilidade ................................................................................................ 69

1.4 Possibilidade de “cair da graça” ........................................................................................ 70

1.5 Sinergia divino/humana ...................................................................................................... 70

1.6 Santificação como obediência a Deus ................................................................................ 71

1.7 Santificação e o amor ......................................................................................................... 72

1.8 Jesus Cristo – o padrão de perfeição .................................................................................. 72

2 DISTANCIAMENTOS .......................................................................................................... 73

2.1 Motivação para santificação ............................................................................................... 73

2.2 Santificação instantânea ..................................................................................................... 73

2.3 Segunda obra da graça ........................................................................................................ 74

2.4 Libertação da habitação do pecado ..................................................................................... 74

2.5 O lugar da emoção e do entusiasmo na santificação humana ............................................. 75

2.6 Perfeição de caráter ............................................................................................................ 76

2.7 Esferas de perfeição ............................................................................................................ 76

3 WESLEY E WHITE HOJE: CONTRIBUIÇÕES PARA A TEOLOGIA NA

ATUALIDADE ........................................................................................................................ 77

3.1 O ser humano e sua finitude ............................................................................................... 77

3.2 O pecado e a natureza humana ........................................................................................... 78

3.3 A relação entre o divino e o humano .................................................................................. 79

3.4 A santificação diviniza? ...................................................................................................... 79

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3.5 A necessidade de obediência............................................................................................... 80

3.6 Práxis e suas motivações religiosas .................................................................................... 80

3.7 Amadurecimento para o serviço ......................................................................................... 81

3.8 A colaboração divino/humana no desenvolvimento ........................................................... 82

CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 82

CONCLUSÃO ......................................................................................................................... 84

BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................... 88

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INTRODUÇÃO

Santificação tem sido uma preocupação do cristão desde os primórdios da era cristã. O

exemplo de pessoas retratadas na Bíblia e a ordem de Cristo “sede vós perfeitos como perfeito

é o vosso Pai celeste” (Mt. 5:48) gerou preocupação e muita discussão sobre o significado das

palavras perfeição e santificação. O termo “santificação” possui o mesmo sentido que a

palavra em hebraica qadosh e em grego `agios (ELWELL, 1992, p. 969). Em soteriologia,

este termo tem sido utilizado de diversas formas e entendido de diversas maneiras,

provocando até hoje debates acalorados.

Tanto no meio evangélico brasileiro atual como no adventista, no qual me integro, há

discussões relacionadas ao tema da santificação. Por um lado, há aqueles que enfatizam o

tema da justificação em detrimento da santificação. Alguns enfatizam a salvação pela fé sem

as obras, entendendo que o cristão não precisa viver qualquer tipo de moralidade para se

salvar, caindo assim em uma teologia antinominiana. Por outro lado, há aqueles que exaltam a

santificação, o crescimento cristão, a necessidade de obras, esquecendo-se do aspecto gratuito

da salvação. No próprio meio adventista pode-se notar a presença destas tendências

pendulares. Há aqueles que só tratam da justificação e daquilo que Cristo faz “por nós”,

acreditando que qualquer obra seja desnecessária; e há aqueles que valorizam o

comportamento externo do cristão, levando muitos a reproduzir uma santificação considerada

por alguns grupos como artificial, ou até mesmo falsa. As mesmas tensões se dão no meio

metodista. Este estudo se torna importante no sentido de entender o que é a santificação e o

que não é aos olhos de John Wesley (1703-1791) e Ellen G. White (1827-1915), duas grandes

figuras da denominação metodista e adventista respectivamente.

Estas questões levantam os seguintes problemas: Qual seria o resultado de um estudo

comparativo entre John Wesley e Ellen G. White? Como entender o processo de santificação?

A santificação é posicional, instantânea ou é um processo duradouro? Ou talvez algo que

acontece apenas no momento da glorificação? É ela separada da justificação? Atua ela apenas

na dimensão religiosa, ou também no aspecto físico, social e intelectual? Apesar de ambos os

autores terem vivido em tempos e contextos diferentes, como eles retratam a santificação e

seus temas relacionados? Quais são suas contribuições e implicações para a teologia na

atualidade?

Tanto John Wesley como Ellen G. White se interessavam pelo tema da santificação,

procurando baseá-lo na Sola Scriptura, um princípio de interpretação que toma a Bíblia como

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fundamento principal da verdade. Ambos escreveram profusamente, deixando cartas, livros,

sermões e diários. Eles foram líderes dentro de seus respectivos movimentos, viajaram e

pregaram com intensidade, foram amados, rejeitados, criticados, influenciando e marcando

gerações futuras.

Torna-se, portanto, útil para os dias de hoje estudar tais pensamentos, oferecendo as

seguintes hipóteses: 1) existe um conceito definido de santificação em John Wesley e Ellen G.

White, 2) houve fatores que levaram a elaboração desta percepção tanto em John Wesley

como em Ellen G. White, 3) existem congruências e divergências entre John Wesley e Ellen

G. White quanto ao tema da santificação, 4) elementos wesleyanos sobre santificação em

Ellen G. White podem ser encontrados, os quais ela os reconstrói dando enfoques específicos

e particulares, e, 5) de tal estudo, contribuições e implicações para a teologia na atualidade

poderão ser levantados.

Como metodologia, o presente estudo procurará realizar um estudo comparado entre

John Wesley e Ellen G. White procurando obter uma compreensão do conceito de

santificação em ambos os autores, buscando identificar as semelhanças e diferenças

(TERRIN, 2003). Como resultado deste estudo comparativo, oferecemos algumas

contribuições para os atuais debates teológicos. Este trabalho será dividido em três capítulos.

Inicialmente, apresentaremos uma breve biografia de Wesley, considerando o contexto na

qual a Inglaterra se encontrava no século XVIII e, especialmente, os objetivos de nossa

pesquisa. Fatores históricos e movimentos teológicos que existiam na época de Wesley e que

influenciaram a teologia wesleyana serão aqui tratados. Pretende-se também fazer um

levantamento do desenvolvimento teológico de Wesley quanto ao tema da santificação,

abordando temas que estão ligados, como a natureza humana, o pecado, a expiação, a

justificação, a obediência e a perfeição cristã.

No segundo capítulo, o estudo se volverá para Ellen G. White na busca de sua

compreensão do tema da santificação. Aqui, haverá novamente uma revisão história de sua

vida, descrevendo o contexto social, político e religioso dos Estados Unidos do século XIX,

focando em especial fenômenos sociais ou religiosos que contribuíram para a elaboração de

seu pensamento relativo ao tema estudado. Mais uma vez, será feito um levantamento do

desenvolvimento teológico de White e os temas ligados ao assunto em questão serão

abordados (a natureza humana, o pecado, a expiação, a justificação, a obediência e a perfeição

cristã).

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Por fim, na terceira parte de nosso trabalho, seguindo a contextualização histórica e a

análise do pensamento dos autores em questão, serão comparadas as exposições de Wesley e

White, procurando encontrar a semelhanças (aproximações) e diferenças (distanciamentos)

entre ambos autores. Finalizando o capítulo, serão apresentados temas e conceitos teológicos

em Wesley e White que possam contribuir para as discussões teológicas na atualidade.

Dessa forma, levando em conta o objeto de estudo deste trabalho, a pesquisa será

teórica e se caracterizará por um levantamento bibliográfico. Como John Wesley e Ellen

White não escreveram seus pensamentos de forma sistemática, torna-se difícil listar as obras

que serão utilizadas neste estudo. Seus pensamentos estão espalhados por seus escritos e tais

fontes (sermões, livros, cartas e diários) serão utilizadas. No caso de Wesley, seus escritos

foram reunidos em uma coleção de 26 volumes, intitulado Works of John Wesley. Em

contrapartida, os escritos de White foram publicados em mais de sessenta obras e não foram

reunidos em uma coleção, como no caso de Wesley.

Devido à abrangência do tema de santificação, nosso estudo se limitará à análise do

que ambos autores escreveram sobre o tema. Intérpretes serão consultados, mas apenas

quando contribuírem na elucidação do contexto sócio, econômico, teológico e cultural da

época em que ambos viveram. Poderá ser feita referência a intérpretes quando estes também

ajudarem na compreensão do pensamento sendo analisado. Este trabalho procura analisar os

autores originais, e não a teologia ou movimentos que se sucederam. Este estudo não se

envolverá em uma preocupação apologética com o problema da verdade ou falsidade de

qualquer teoria sobre santificação senão apresentar de forma aprofundada a compreensão que

ambos autores tiveram do tema em questão.

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CAPÍTULO I – VIDA E TEOLOGIA DA SANTIFICAÇÃO EM JOHN WESLEY

Introdução

Neste capítulo, procuraremos abordar alguns aspectos da vida de Wesley em conexão

com o tema da santificação. Embora o ministério todo de Wesley estava, de alguma forma,

relacionado ao tema da santificação e da perfeição cristã, procuraremos destacar os momentos

mais significativos para o nosso estudo. Utilizaremos a estrutura proposta por Heitzenrater em

Wesley e o povo chamado metodista, procurando dividir o aspecto histórico de nosso trabalho

em cinco momentos: 1) John Wesley e a Inglaterra do Séc. XVIII, 2) o pensamento wesleyano

durante o surgimento do metodismo (1725-1739), 3) o pensamento wesleyano durante o

reavivamento metodista (1739-1744), 4) a consolidação do pensamento wesleyano (1744-

1758) e, 5) amadurecimento do pensamento de Wesley (1758-1791).

Em seguida, abordaremos os aspectos teológicos do pensamento de Wesley.

Estudando o conceito de santificação em Wesley, procuraremos compreender sua construção

em relação a outros aspectos como 1) a natureza do ser humano e o pecado, 2) expiação, 3)

justificação, 4) obediência, e 5) perfeição Cristã. Finalmente, uma síntese do pensamento

wesleyano sobre a santificação concluirá nosso capítulo.

1. Aspectos biográficos concernentes ao tema da santificação

Existem várias formas de desenvolver uma biografia sobre uma pessoa. No caso de

John Wesley, várias tentativas já foram propostas, na busca de compreender a vida deste

homem que influenciou o cristianismo inglês durante o século XVIII. De um ponto de vista

psicológico, Grace Harrison procurou estudar a vida de John Wesley numa perspectiva

freudiana, enquanto que James W. Fowler procurou enfatizar os estágios do desenvolvimento

de Wesley a partir de uma perspectiva psicossocial. Entre os historiadores, temos Martin

Schmidt, Duncan Reily, Henry Rack, John Turner e Richard Heitzenrater, entre outros – cada

um procurando estudar Wesley através de uma metodologia específica ou oferecer elementos

novos e desconhecidos.

Concernente a teologia de Wesley, um movimento crescente de teólogos tem

procurado entender e sistematizar o pensamento do fundador wesleyano, com menção

especial à sua soteriologia. W. B. Cannon e Franz Hildebrandt trabalharam em John Wesley a

justificação, enquanto que A. S. Yates discutiu a certeza cristã e Harald Lindström

sistematizou o tema da santificação. Muitos teólogos estudaram o pensamento wesleyano a

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luz de um tema central. Cobb e Maddox utilizam o tema da graça responsável, Günter o

“amor divino”, Runyon a “nova criação”, Renders e Josgrilberg a “salvação social”. Para uma

revisão bibliográfica de estudos importantes sobre Wesley, indicamos a lista oferecida por

Maddox no fim de sua obra Responsible Grace.

1.1 John Wesley e a Inglaterra do Séc. XVIII

Durante o século XVIII, o século da ciência e da criação do mundo moderno, muitos

chegaram a elaborar novas teorias para explicar e alimentar as diferentes transformações pelas

quais a sociedade estava passando. O comércio e o novo capitalismo necessitavam de novos

paradigmas para seu próprio desenvolvimento. Os antigos conceitos de comércio, ética e

sociedade não bastavam mais para direcionar as mudanças da época. Novos conceitos e

teorias precisavam ser desenvolvidos.

Em 1723, por exemplo, encontramos a publicação da obra de Bernard Mandeville

intitulada A fábula das abelhas: ou paixões privadas, benefícios públicos, promovendo o

conceito de que para que o comércio e a economia crescessem, os interesses particulares

deveriam tomar conta e governar o ser humano. Mandeville procurou ilustrar esta nova ética,

mostrando que se uma nação quisesse ser virtuosa, seria necessário que as pessoas se

contentassem em ser pobres e endurecidas no trabalho. Se eles quisessem viver na

comodidade, gozar dos prazeres da vida e formar uma nação opulenta, poderosa, florescente e

guerreira, eles deveriam abandonar as qualidades consideradas “virtuosas”. Mandeville

defendia que a virtude privada conduz à ruína da sociedade. Desfrutar os confortos da vida,

ser famoso na guerra e ainda viver comodamente, sem grandes vícios, é uma vã utopia

radicada no cérebro. A fraude, o luxo e o orgulho deveriam existir para que pudessem receber

seus benefícios. Os efeitos destas teorias eram visíveis na sociedade inglesa. Os pobres se

tornavam mais pobres, marginalizados, alienados e desumanizados (LIMA, 2001, p. 189).

Muitos ingleses passaram por sofrimentos e privações devido às mudanças que

estavam ocorrendo em seu país. Muitos tiveram de migrar para as zonas urbanas em busca de

sustento. “O estado precário da medicina, a crueldade ‘classista’ da justiça, a morte e

invalidez causadas pelas guerras e até os imprevistos da agricultura tornaram-se, para muitas

pessoas, uma questão de vida ou morte” (RENDERS, 2010, p. 151). Revoltas e distúrbios

locais explodiam diante da insensibilidade e incapacidade dos lideres da nação para

resolverem os problemas desta nação. Wesley, diante da condição humana descrita acima,

procurou através de sua teologia, encontrar caminhos diferentes para aliviar a aflição humana.

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Sua soteriologia social se torna compreensível diante do contexto no qual viveu. Para ele, “a

visitação dos pobres não é uma desgraça, mas uma fonte de graça, um exercício necessário

para crescer na própria santificação” (Ibid., p. 166). Seu objetivo não era criar uma nova seita

ou denominação, mas um povo que estivesse sintonizado com as necessidades e clamores

daquela nação.

Wesley viveu, portanto, em um momento singular da Inglaterra. Por um lado, o

racionalismo imperava em sua época. O ser humano deveria ser regido e controlado por sua

razão e pela lógica, não pelas emoções e sentimentos. Diante dos ensinos de Wesley, alguns

acreditam que sua teologia seja uma reação ao deísmo e racionalismo da época. Enquanto que

deísmo e racionalismo enfatizavam o natural e o intelectualismo, Wesley e outros grupos

enfatizavam a dimensão mística e a necessidade de uma revelação divina. Ele acreditava que

o ser humano é capaz de “experimentar” a comunhão com Deus. “Sua insistência na

experiência cristã significa que ele não só se conformou como também superou o

Iluminismo” (LINDSTRÖM, 1956, p. 2). Esta era uma forma de ver a religião à luz da

experiência. Sua “divindade prática é o recurso gracioso por meio do qual as pessoas ‘podem

testar as verdades da Escritura por si mesmas’” (COLLINS, 2010, p. 16).

Um exemplo disto vem de 1766, quando Wesley, comentando sobre o padrão de

perfeição estabelecido por seu irmão Carlos, afirma que seu conceito de perfeição, é

confirmado pela experiência e testemunho de muitos. “Esta perfeição que creio, posso pregá-

la poderosamente, pois vejo quinhentas testemunhas dela” (TELFORD, 1931, p. 5:20). O

aspecto experimental da religião possuía valor e relevância. A autoridade última é a Escritura,

sendo esta “verificada” pela experiência. Wesley define seu cristianismo experimental como a

união do conhecimento “bíblico e racional e a concordância prática com essa momentosa

verdade” (WESLEY, 1986, p. 5:124). Nesta linha de pensamento, Dieter acredita que

a convicção de que o verdadeiro cristianismo bíblico encontra a mais alta expressão e o teste decisivo de autenticidade na experiência prática e ética do indivíduo cristão e da igreja e, apenas de forma secundária, nas definições e proposições doutrinárias (2006, p. 13).

Em sua época ainda imperava certo sentimento anti-católico resultante da perseguição

promovida pela rainha católica Maria e alimentado pela igreja anglicana e por literaturas anti-

católicas, como O livro dos mártires de John Foxe (HEITZENRATER, 2006, p. 7). O

surgimento do Deísmo e do abandono da fé levaram muitos a entender estas como sendo as

causas do “decréscimo dos valores morais tradicionais na sociedade”. Como reação, surge na

Inglaterra um movimento “contra a letargia espiritual e a lassidão moral”, provocando um

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reavivamento cuja ênfase era “a piedade e uma vida santa entre pequenos grupos de cristãos”.

Devido às semelhanças entre este movimento e outro paralelo que estava ocorrendo na

Alemanha, ambos receberam o nome de “Pietismo” (Ibid., p. 19). Enquanto que o Pietismo

alemão procurava “renovar” a Igreja Luterana, o movimento inglês se preocupava com a

Igreja Anglicana.

Além destes, havia os puritanos (calvinistas), que buscavam a promoção da piedade

individual. Eles não estimulavam as obras de piedade com o propósito de salvação, mas para

obter o reconhecimento de seu status de “eleito” pela sociedade. Esta seria uma resposta

humana à graça irresistível de Deus. Estes rejeitavam os pietistas (arminianos) com sua

teologia “neonomianistas” (novo legalismo) e acusavam a sua proposta arminiana do livre

arbítrio de dar “muita ênfase à necessidade de obediência à lei de Deus”, sendo assim um tipo

de justificação pelas obras (Ibid., p. 18).

Os pietistas (arminianos), de seu lado, não alegavam valor meritório em suas obras.

Porém, eles destacavam a capacidade humana de receber a salvação como graça de Deus,

defendendo uma sinergia divino/humana. Os pietistas também acusavam os puritanos de

“antinominianos” (anti-legalistas), entendendo a proposta calvinista da predestinação e

eleição como “uma dispensa da obrigação da obediência [...] e conseqüentemente à lassidão

moral” (Ibid., p. 18).

O movimento pietista se desenvolveu na Inglaterra como também pelo continente,

procurando reformar a Igreja e promovendo a vida santa. Os pietistas ingleses “viam o

aumento da imoralidade e da irreligiosidade como uma crise que deveria ser enfrentada como

o rejuvenescimento da vida religiosa dentro da Igreja” (Ibid., p. 21). Sociedades religiosas

começaram a surgir pelo país, formadas por pequenos grupos de leigos que, ainda ligados à

Igreja, procuravam promover a “real santidade no coração e na vida”.

As sociedades religiosas atacaram o problema da imoralidade numa base pessoal e individualista. Os seus membros não tinham um programa social para reformar a Inglaterra de um só golpe. A intenção, pelo contrario, era trabalhar para a transformação da sociedade mudando uma pessoa de cada vez (Ibid., p. 21).

Eles procuravam trabalhar com todos, mas em especial com os pobres. Eles

estimulavam as causas de caridade, ajudando regularmente conforme as suas possibilidades.

Eles procuravam, além de doar dinheiro, alimentar os famintos e visitar os doentes e

prisioneiros. Tinham interesse em instruir e ensinar os analfabetos, ensinar diversos trabalhos,

esperando assim promover a melhora do país e das futuras gerações. Através de tais métodos,

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a população tinha oportunidades de crescer, não apenas socialmente, mas moralmente

também.

Nesta época, muitos que não se conformavam (não-conformistas) com os Trinta e

Nove Artigos oficiais da Igreja Anglicana, conseguiam proteção debaixo do Ato de

Tolerância (1689), podendo assim expressar sua religiosidade, mas de forma limitada.

Enquanto que tal Ato “tolerava” a existência de dissidentes, ela diminuía sua liberdade

política e religiosa, retirando-lhes o direito de se matricular em universidades, obter cargos

públicos ou votar em eleições (Ibid., p. 16-17).

1.2 O pensamento wesleyano durante o surgimento do metodismo (1725-1739)

Estudar a história do metodismo é estudar a história de John Wesley, o inverso

também é verdadeiro. Como o próprio Wesley afirmara em 1777, estudar a história do

metodismo é estudar a história de sua própria busca da santidade (Ibid., p. 271). John Wesley

(1703-1791) nasceu em uma família anglicana e em 1720 ingressou na Universidade de

Oxford, sendo ordenado oito anos depois. Ele se tornou o líder do “Clube Santo”, um grupo

de rapazes que logo foram chamados pejorativamente de “metodistas”, devido ao seu estilo de

“estudo bíblico metódico, seus hábitos de oração e suas iniciativas freqüentes de ação social”

(STONE, 2001, p. 329). Este exemplo foi seguido por muitos, levando-os a serem

considerados muitas vezes como “extremistas” ou mesmo “fanáticos”. A preocupação deles

estava voltada para o crescimento espiritual do indivíduo e não para o crescimento numérico.

“A proposta deles estava mais dirigida para a qualidade do que para quantidade, e estava

fundamentada mais no processo da educação do que na conversão” (HEITZENRATER, p.

21).

Em 1724, Wesley já havia terminado seu bacharelado em Teologia na Christ Church e

planejava continuar estudando até ser ordenado. Em 1725, seus estudos começaram a se

direcionar aos pietistas e sua ênfase no viver santo. É a partir deste ano que podemos obter

maiores evidências quanto ao envolvimento de Wesley com a teologia da santificação. Foi

nesta época em que Wesley passou a ler as obras de Thomas à Kempis, em especial A

imitação de Cristo e O padrão cristão que já tinham se tornado clássicos do século XVIII

(COLLINS, 2003, p. 31). Tratando-se desta leitura, Wesley nos deixa seus pensamentos:

A natureza e extensão da religião interna, a religião do coração me parecia sob uma luz mais forte do que nunca havia aparecido antes. Eu vi que mesmo dando toda minha vida a Deus (supondo que isso seja possível) e parar ali não seria de nenhum proveito para mim, a menos que eu desse todo

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meu coração, sim, todo meu coração a Ele. Vi que “simplicidade de intenção e pureza de afeição”, uma só maneira de falar ou agir e um único desejo controlando todos os nossos sentimentos, são as “asas da alma”, sem a qual ela não conseguirá alcançar o monte de Deus (WESLEY, v. 11, p. 366-67).

Neste mesmo período, Wesley também entrou em contato com as obras de Jeremy

Taylor, especialmente sua obra Regras de exercícios do viver santo e morrer santo

(COLLINS, p. 33). Wesley afirma que tal obra lhe auxiliou bastante na luta por pureza de

intenções. “Instantaneamente, resolvi dedicar toda minha vida a Deus, meus pensamentos,

palavras e ações; estando completamente convicto de que não havia meio termo: cada parte de

minha vida (não apenas algumas) deveria ser um sacrifício a Deus ou a mim mesmo, sendo

assim ao diabo” (WESLEY, v. 11, p. 366). Talvez a maior influência visível de Taylor sobre

Wesley foi o habito que Wesley passou a ter em manter um diário como registro e cálculo de

seu progresso no viver santo (WARD e HEITZENRATER, 1995, v. 1, p. 35-36).

Além de Thomas à Kempis e Jeremy Taylor, devemos mencionar Robert Nelson com

sua A prática da verdadeira devoção, William Beveridge em Pensamentos particulares a

respeito de religião e William Law em Perfeição Cristã e Sério chamado a uma vida devota e

santa (COLLINS, p. 35). Sobre estas duas últimas obras, Wesley comenta que ambas “me

convenceram mais do que nunca da impossibilidade de ser meio cristão. Me determinei, pela

Sua graça (a necessidade absoluta a qual estava profundamente sensibilizado) a ser

completamente devoto a Deus, dando-lhe toda minha alma, meu corpo e meu ser” (WESLEY,

v. 11, p. 367). Mesmo que Wesley, posteriormente, tenha criticado as idéias de Law, não

podemos negar sua influência sobre o desenvolvimento espiritual de Wesley, assim como

suas idéias sobre casamento e pobreza. “Law procurava se afastar de recreações inocentes,

pois eram consideradas perda de tempo. Ele permitia pouco espaço para o apreço da beleza e

gozo, e lançava dúvidas sobre o aprendizado como sendo um objetivo digno de uma vida

dedicada… [ele] enfatizava a necessidade de atos de renúncia e mortificação, alguns que eram

bastante duros e severos, uma ênfase … que eventualmente passou para Wesley” (COLLINS,

p. 41). Collins nos lembra que esta lista de autores representa uma visão ocidental da teologia,

em contraste com a compreensão dos “Pais Orientais” que muitas vezes é defendido (Ibid., p.

42).

O ano de 1725 foi certamente importante para as idéias de Wesley sobre a

santificação. Neste ano, Wesley compreendeu pela primeira vez que santificação é “o fim ou

alvo da religião”. Ele percebeu que a verdadeira religião abrangia “não só a prática externa,

como também os temperamentos e afeições do coração; não apenas as obras de misericórdia,

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como também as obras de piedade; e que o cristianismo bíblico não alcançava apenas as

práticas, obras e deveres externos como também a transformação interna em termos de

devoção e dedicação à Deus” (Ibid., p. 35). Posteriormente, em sua obra Um simples relato da

perfeição cristã, Wesley ressalta o ano de 1725 como o início da formulação de seus

conceitos sobre perfeição cristã, e que estes não haviam sofrido mudanças desde então

(WESLEY, v. 11, p. 444).

Alguns acreditam que as classes ou grupos metodistas nas quais Wesley participava de

1729 a 1735 influenciaram no seu interesse pela teologia da santificação. John Wright, por

exemplo, afirma que “o pensamento de Wesley cresceu dentro do contexto da prática

metodista” (WRIGHT, 2000, p. 9). Mais adiante, ele afirma que “a importância da prática dos

metodistas se torna evidente na relação entre as reuniões metodistas e a doutrina wesleyana da

santificação. Tanto doutrina e reuniões se desenvolveram em sua forma clássica metodista no

mesmo período” (Ibid., p. 21).

Há também aqueles que discordam, como Collins, afirmando que “a doutrina sobre

santificação ou santidade de Wesley, a meta da religião, já estava pronta por meio das suas

leituras de Kempis, Taylor e Law”. As reuniões metodistas posteriores, portanto, não

acrescentaram ou alteraram em substância, mas “permitiram sua instanciação conforme

Wesley empregava meios corretos para espalhar a santidade bíblica pelo país” (COLLINS, p.

49).

Por outro lado, não podemos negar que o grupo de oração e estudos em Oxford no

qual Wesley participava, contribuiu no aspecto externo, ou talvez até “social” da compreensão

wesleyana da santificação, através de suas práticas metodológicas de jejum, visitas a doentes

e prisioneiros, como também ajuda aos pobres.

Seu primeiro interesse era a pureza interior do coração estimulada pela meditação sobre as virtudes, mas ele e seus amigos eram freqüentemente caracterizados pela preocupação com as manifestações externas dessas virtudes de acordo com certas regras e métodos (HEITZENRATER, p. 43).

Três anos após sua entrada no grupo, um evento lastimável aconteceu ao grupo.

William Morgan, que era um dos membros do “Clube santo”, morreu, após estar doente por

meses. Seu pai culpou o grupo pela morte do filho. Ele alegou que os “excessos” praticados

pelo grupo tinham levado seu filho até a loucura e finalmente a morte. Mesmo tendo mudado

de opinião apenas dez dias depois deste trágico evento, os boatos se espalharam afirmando

que os “metodistas” haviam matado William Morgan. Em Janeiro de 1733, em resposta a um

artigo lançado na Fog’s Journal criticando o suposto “fanatismo” dos metodistas, Wesley

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respondeu com um sermão pregado na Universidade de Oxford sobre santificação. Ali, ele

“não apenas insistiu na importância vital da busca pela santidade sem reservas, como

proclamou pela primeira vez a sua doutrina mais singular, e de certa forma, a mais

controversa – santificação total e perfeição” (WESLEY In: OUTLER, 1984, v. 1, p. 398).

Seu sermão Circuncisão do Coração (Nº 17) se tornou uma das peças centrais na

apresentação do tema da perfeição na perspectiva wesleyana. Apesar de ter sido composto em

1733, Wesley recordaria em diferentes ocasiões posteriores que sua opinião não havia

mudado desde a primeira vez que pregara este sermão. Em uma carta para John Newton em

maio de 1765, Wesley afirmou que este sermão pregado em 1733 “contém tudo que agora

prego concernente a salvação de todo pecado, e amar a Deus com um coração integro”. Anos

depois, em 1778, Wesley reforçaria esta idéia afirmando que “não poderia escrever um

melhor [sermão] sobre ‘A circuncisão do coração’ do que o fiz a quarenta e cinco anos atrás.

[...] Eu sabia e pregava à quarenta anos atrás as mesmas doutrinas cristãs que agora prego”

(Ibid., p. 398).

Nele, Wesley apresenta os fundamentos da perfeição cristã, o “verdadeiro significado

da santificação”. Wesley defende que santificação implica “em purificação de pecados, ‘de

toda impureza da carne e do espírito’, e, em conseqüência, ser homem dotado das virtudes que

também havia em Cristo Jesus”. A santificação habilita o ser humano a ser “renovado no

espírito” de sua “mente”, de modo a ser “perfeito como nosso Pai celestial é perfeito” (Ibid.,

p. 403). Ele utiliza o símbolo da “circuncisão do coração” como forma de descrever a

perfeição cristã. Esta circuncisão do coração implica em humildade, fé, esperança e caridade.

A humildade

convence-nos de que somos, por natureza, mesmo em nossa melhor condição, pecado e vaidade; que a confusão, a ignorância e o erro reinam em nosso entendimento; que as paixões irracionais, terrenas, sensuais e diabólicas usurpam o domínio de nossa vontade; numa palavra: que não há nenhuma parte sã em nossa alma, estando subvertidos todos os fundamentos de nossa natureza (Ibid., p. 403).

Neste pormenor, podemos captar sua percepção da depravação ou pecaminosidade

humana. A outra implicação – a fé – fortalece o ser humano na certeza que o poder que

“levantou a Cristo dentre os mortos, é também capaz de vivificar-nos, a nós que estamos

mortos em pecados, ‘pelo seu Espírito que habita em nós’” (Ibid., p. 405). Por sua vez, a

esperança guarda o cristão “firme em meio às ondas tempestuosas do mundo, sendo libertado

do perigo de lançar-se contra um destes escolhos fatais: a presunção ou o desespero”. O

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cristão esperançoso não considera as dificuldades da carreira que lhe está proposta como

sendo “maiores do que suas forças lhe permitam vencer, nem espera que elas sejam tão curtas

que as possa vencer antes de esgotar todas as suas energias” (Ibid., p. 406). E por fim, o amor,

que é interpretado por Wesley como a súmula da lei perfeita: “esta é a verdadeira circuncisão

do coração”. Este é o alvo supremo da perfeição cristã.

Volte o espírito para Deus que o criou, com todo o séqüito de suas afeições. Subam, estas “para o lugar aonde todos os rios vão ter” e de lá jorrem de novo. [...] Que o homem se ofereça continuamente a Deus através de Cristo, em chamas de vivo amor. [...] Nenhum desígnio, nenhum desejo se admita, que não tenha a Deus como derradeiro alvo (Ibid., p. 413).

Este amor não exclui a possibilidade de se amar outras coisas ou pessoas. Mas estas deverão

ser amadas “na medida que elas tendem para esse fim [união com Deus]. Amar a criatura

conforme ela te conduza ao Criador” (Ibid., p. 408). Tal perfeição é possível e real. Afirmar o

contrário seria

uma censura a Deus, como se Ele fora um duro Senhor, exigindo de seus servos mais do que os habilita a cumprir? Como se Ele zombasse das obras inermes de suas mãos, enredando-as em possibilidades; mandando que vençam, quando nem sua própria força, nem sua graça sejam suficientes à vitória?” (Ibid., p. 411-412)

Seu sermão é significativo por dois motivos. Em primeiro lugar, por sua ênfase na

religião “interior” ou “solitária”, assim como também a disposição correta do coração e

temperamentos. “As marcas distintivas do verdadeiro seguidor de Cristo, do que está na

condição de ser aceito por Deus, não são nem a circuncisão exterior, ou batismo, ou qualquer

outra forma externa, mas um reto estado da alma, a mente e o espírito renovados á imagem

daquele que os criou” (Ibid., p. 402). Em segundo lugar, por equiparar a verdadeira perfeição

com o amor: “tudo se acha compreendido numa só palavra: - o Amor. Nele está a perfeição, a

glória e a felicidade” (Ibid., p. 407). Esta comparação é feita não apenas neste sermão, mas é

encontrada em diversos outros momentos de sua vida.

Enquanto que a religião “interior” possui seu espaço e relevância no pensamento

wesleyano, Rui de Souza Josgrilberg relembra o outro lado da religião promovido por Wesley

– a religião social. Josgrilberg ressalta que em 1729, Wesley, indeciso diante da possibilidade

de assumir a paróquia de seu pai ou trabalhar na Universidade de Oxford, procurou conselho

com uma pessoa cujo nome até hoje não foi identificado, mas é referido por Wesley como o

“homem sério”. A resposta, apesar de não atender à aquela necessidade específica, com

certeza ajudou a equilibrar o ministério de Wesley nos anos que se seguiram para uma religião

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não meramente “solitária”, mas especialmente social. “O senhor deseja servir a Deus e ir para

o Céu. Lembre-se de que o senhor não poderá servi-Lo sozinho. Por isso, o senhor deve

encontrar seus companheiros; ou então, fazê-los. A Bíblia não sabe nada de uma religião

solitária” (2003, p. 110). Anos depois, encontramos Wesley ecoando este pensamento em seu

sermão 24.

Primeiro, tratarei de demonstrar que o Cristianismo é essencialmente uma religião social, e tratar de torná-lo uma religião solitária é, na verdade, destruí-lo [...] Por Cristianismo, quero dizer esse método de adorar ao Deus que Jesus Cristo revelou à humanidade. Quando digo que esta é essencialmente uma religião social, quero dizer que não apenas não pode substituir, mas de nenhuma maneira pode existir sem a sociedade, sem viver e misturar-se com os seres humanos (WESLEY In: OUTLER, v. 1, p. 533-534).

Se colocarmos as afirmações citadas acima defendendo a religião interior ao lado das

afirmações relativas à religião exterior, uma aparente contradição poderá ser percebida. Tal

“contradição”, no entanto, poderá ser resolvida se as considerarmos como uma relação

dialética – meras ênfases em momentos diferentes, sobre assuntos diferentes; dois lados de

uma mesma moeda. A verdadeira religião deveria santificar o coração humano (interior),

enquanto movê-lo para expressar o amor a Deus e ao próximo (exterior). Um, de forma

alguma, deveria excluir o outro.

Não é difícil notar que, mesmo neste primeiro período de sua vida ministerial, a busca

pelo “viver santo” já marcava de forma significativa as decisões de Wesley. Um exemplo

disto é sua resposta a um convite de seu pai para trabalhar em Epworth. Wesley recusou o

convite responsabilizando sua busca pela santidade. “A glória de Deus e os diferentes modos

de promovê-la devem ser a nossa única preocupação. [...] o curso da vida se inclina mais à

glória de Deus onde quer que possamos promover a santidade em nós mesmos e nos outros”.

Um mês antes, Wesley já havia exposto seus motivos, como nos relata Heitzenrater: “A

questão não é se eu poderia fazer mais o bem aos outros aqui ou lá, mas se eu poderia fazer

mais o bem para mim mesmo; visto que, onde eu possa ser mais santo, tenho certeza, nesse

lugar posso promover a santidade nos outros” (Ibid., p. 54). Anos mais tarde, diante do

convite para ir à Geórgia, a santificação pessoal continuou motivando sua resposta ao aceitar

o convite. No entanto, apesar de ter viajado para Geórgia para evangelizar os habitantes que lá

moravam, Wesley apresentava dificuldades com o tema da fé e sua relação com santificação.

Foi somente anos depois que ele conseguiu entender a relação entre estes dois elementos da

salvação.

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Em 1738, Wesley teve a oportunidade de conhecer Peter Böhler, um missionário

morávio que estava hospedado em Londres. Ele havia crescido no meio pietista e havia

estudado em Herrnhut sob a direção de August Spangenberg, a quem Wesley já havia

conhecido enquanto estava na Geórgia. Em seus encontros com Wesley, Böhler explorou a

natureza da fé salvífica, indicando os dois frutos que dela brotam: santidade (liberdade do

pecado) e alegria (que surge do perdão obtido). Böhler ajudou Wesley a ligar a fé não apenas

à justificação, mas também à regeneração, ou santificação (COLLINS, 2003, p. 82). Da

mesma forma que a justificação pela fé era instantânea, a santificação, por meio da mesma fé,

também o seria. Estes dois momentos poderiam ser distintos, mas ambos ocorriam por meio

da fé. Aqui encontramos o distintivo protestante. Justificação e santificação não ocorrem por

esforço próprio ou vontade humana, é um dom, uma graça oferecida por Deus, por meio da fé.

“Da mesma forma que somos justificados pela fé, também somos santificados pela fé. Fé é a

condição, e a única condição para santificação, assim como o é a justificação” (WESLEY In:

OUTLER, v. 2, p. 163).

Neste mesmo ano em que Wesley teve estes encontros com Böhler, Wesley pregou o

sermão A salvação pela fé (Nº 1). Nele, Wesley apresenta que tipo de fé deve o cristão ter

para ser salvo. Tal fé é, primeiro, “a fé em Cristo: Cristo e Deus através de Cristo são os

próprios fundamentos dessa fé”. Tal fé também “não é uma coisa meramente especulativa,

racional, um assentimento frio e morto, uma série de idéias que se amontoam na cabeça, mas

uma disposição do coração” (WESLEY In: OUTLER, v. 1, p. 120). Tendo esta fé, o cristão

pode obter a salvação. Esta salvação não é um conceito místico ou puramente escatológico,

“ela é uma salvação presente. É alguma coisa atingível desde já, atualmente atingível na terra,

pelos que são participantes dessa fé”. Sendo assim, tanto justificação como santificação e

perfeição cristã não deveriam ser entendidos como realizados apenas após a glorificação. Eles

podem ser experimentados pelo cristão nesta vida terrena (Ibid., p. 121).

Uma vez obtida esta salvação, o cristão é salvo “do poder do pecado e, bem assim, da

culpa inerente ao pecado”. Isto quer dizer que ele não peca mais. O termo “pecado” ou

“pecar” é entendido aqui de quatro formas:

(1) Por pecado habitual: porque todo pecado habitual é pecado dominante, — mas o pecado não pode dominar a qualquer que creia; nem (2) por pecado voluntário: porque, enquanto permanece na fé, sua vontade tenazmente se opõe a todo pecado, aborrecendo-o como se fora veneno mortal; nem (3) por qualquer desejo pecaminoso, porque almeja constantemente a santa e perfeita vontade de Deus — e qualquer tendência para o desejo profano ele a sufoca desde o inicio, pela graça de Deus; nem (4) peca por enfermidade, quer pela prática de qualquer ato, quer por palavra ou pensamento, porque

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suas fraquezas não têm o concurso da vontade; e, sem tal concurso, não há, propriamente pecado (Ibid., p. 124).

Este sermão foi escrito como resultado de suas conversas com Peter Böhler. No entanto, nem

todos se entusiasmaram com as novas idéias de Wesley, levando-o a ser proibido de pregar em

várias igrejas de Londres (Ibid., p. 110).

1.3 O pensamento wesleyano durante o reavivamento metodista (1739-1744)

Heiztenrater aparenta indicar o começo desta segunda fase com as pregações de John

Wesley ao ar livre. Este costume não foi originado por Wesley, mas foi adotado por ele ao ver

George Whitefield (1714-1770) pregando nos campos perto de Bristol em fevereiro de 1739.

Convidado para substituí-lo em Bristol, Wesley foi até lá com o objetivo também de criar

novas bands e quem sabe novas sociedades. Este foi um período de sua vida em que enfrentou

várias disputas sobre diferentes temas. Talvez o fato de sua pregação se tornar mais “pública”

tornou seus conceitos mais conhecidos e seus oponentes mais numerosos.

Em abril de 1739, Wesley pregou um sermão intitulado A Livre Graça (Nº 128). Este

sermão tratou exatamente do ponto básico de discordância com Whitefield – a doutrina da

graça irresistível. Junto com este tema, havia implicações quanto à questão da obediência da

lei, santificação e perfeição cristã. Whitefield era o principal líder calvinista entre os

reavivalistas evangélicos e havia ficado chocado pela controvérsia iniciada. Conforme os anos

se passaram, Wesley continuou fazendo pressão contra a doutrina calvinista, pois via nela o

perigo implícito do antinominiasmo.

A controvérsia cresceu até o ponto de chegar aos ouvidos do bispo de Londres,

Edmund Gibson, que em uma reunião com os dois oponentes, aconselhou Wesley a publicar

seu recente sermão A Perfeição Cristã (Nº 40). Naturalmente, este sermão aguçou a

preocupação que alguns tinham de que tal sermão alimentaria o auto-perfecionismo já

proposto por antigos pietistas (WESLEY In: OUTLER, v. 2, p. 97).

Este texto, baseado em Filipenses 3:12, procurou apresentar o que a perfeição é e não

é. Wesley começou com uma lista do que perfeição não significa. Em primeiro lugar, ser

perfeito não quer dizer que o individuo (1) se torna perfeito em conhecimento. Ele não passa a

ser onisciente, mas é passível de ignorância em diversos aspectos. Como conseqüência direta

da ignorância, o indivíduo também (2) não está livre de erros. Ele pode errar em coisas

corriqueiras da vida, porém não em assuntos essenciais à salvação. Ser perfeito (3) não

significa estar livre de doenças. Neste último caso, por “doenças”, Wesley entende

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todas aquelas imperfeições interiores e exteriores, que não são de uma natureza moral. Tal é a fraqueza ou morosidade de entendimento; embotamento ou confusão de apreensão; incoerência de pensamento; atividade ou opressão irregular da imaginação. Tal é a necessidade (para não mencionar mais deste tipo) de uma memória pronta ou retentiva. Tais, em outro tipo, são aquelas que são comumente, em alguma medida, conseqüentes à estas; ou seja, lentidão de discurso; impropriedade da linguagem; falta de elegância na pronunciação; aos quais, alguém acrescentaria milhares de imperfeições desconhecidas, quer na conversação ou comportamento. Essas são as enfermidades que são encontradas nos melhores homens; em uma proporção maior ou menor. E dessas ninguém pode esperar estar perfeitamente livres, até que o espírito retorne para Deus que o deu (Ibid., p. 103).

Ser perfeito também não quer dizer (4) estar livre da tentação. A tentação desaparecerá

apenas quando houver a glorificação. No entanto, Wesley afirma que pode haver casos onde a

pessoa estará longe do alcance da tentação por um período de tempo, podendo este ser até de

meses. Concluindo este pensamento, Wesley defende que (5) não há perfeição absoluta nesta

terra. Fortalecendo seu argumento, Wesley compara perfeição com santidade, defendendo que

o primeiro é apenas um “nome designativo” do outro. Os dois nomes representam a mesma

coisa. “Deste modo, todo aquele que é santo é, no sentido da Escritura, perfeito. [...] Não há

perfeição em grau como se diz; nenhuma há que não admita crescimento. Quanto mais alto

tenha subido o homem, por mais elevado que seja o grau de sua perfeição, ele ainda tem

necessidade de ‘crescer em graça’” (Ibid., p. 104-105).

Mas então, o que representa “ser perfeito”? Wesley acredita que quando o cristão

nasce no reino de Deus, ele é liberto de pecados “externos”, relativos ao comportamento e

atos. É possível que em algum momento, o cristão venha a pecar, mas isto não quer dizer que

ele deve pecar. O cristão converso está liberto de pensamentos pecaminosos, refletindo assim

o coração sem pecado de Cristo. Se o coração do cristão é bom, ele só possui bons

pensamentos. Usando a ilustração dada por Cristo: se a arvore é ruim, ela produzirá frutos

ruins; se por outro lado, a arvore for boa, então haverá frutos bons (Ibid., p. 117). Não só está

o cristão convertido livre de pensamentos pecaminosos, mas também de um “temperamento

pecaminoso”. Isto nos indica que além da liberdade do pecado “externo”, o cristão converso

também está livre do pecado “interno”. Esta é uma realidade que não há de se cumprir

escatologicamente no futuro, após a glorificação, e sim enquanto estivermos “neste mundo”

(Ibid., p. 119).

No mês de setembro de 1741, Wesley teve um encontro com o Conde de Zinzendorf.

Naquele encontro, ambos entraram em um desacordo quanto à questão da justificação e a

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santificação. De acordo com Zinzendorf, o momento em que uma pessoa é justificada, ela

também é totalmente santificada. Wesley se espantou com esta conclusão: “Como? Não é

verdade que cada fiel, enquanto cresce em amor, também cresce em santidade?... Não é um

pai em Cristo mais santo do que um cristão recém nascido?” (WARD e HEITZENRATER, v.

2, p. 213). Wesley discordava da posição de Zinzendorf. Existe crescimento na vida do

cristão, crescimento em amor como também em santidade. Conforme ele vai mortificando o

pecado na sua vida, ele cresce em santidade.

As discussões que Wesley teve com os morávios naqueles anos ajudaram muito a

definir e esclarecer seu pensamento. Um ano após seu encontro com Zinzendorf, Wesley

publicou O caráter de um Metodista, o qual ele, anos depois, afirmou ser o primeiro tratado

que ele já havia escrito tratando expressamente do assunto da perfeição (WESLEY, v. 11, p.

370). Este era um texto onde Wesley procurava mostrar que o metodismo era tão cristão como

qualquer outro grupo. Ele pretendia também apresentar seu conceito de perfeição cristã de

forma mais bíblica, e caracterizar os metodistas de acordo com aquilo que eles realmente

acreditavam, e não, a partir de acusações que lhes eram levantadas. Neste trabalho, Wesley

destaca os diferentes aspectos que definem um verdadeiro metodista. Um referencial

importante para a santidade e para a vida do metodista é Jesus Cristo – a imagem perfeita de

Deus. “Sua [do metodista] alma é renovada após a imagem de Deus, em justiça e em toda

santidade. Tendo a mente que estava em Cristo, ele também anda como Cristo andou”

(WESLEY, v. 8, p. 346).

No mesmo ano, ele publicou Os princípios do metodista como resposta às acusações

de Josia Tucker alegando que Wesley pregava justificação pela fé somente, perfeição sem

pecado, e certas inconsistências (COLLINS, 2003, p. 118). Diante da segunda acusação,

Wesley procurou identificar o que ele entendia pelo conceito e o que muitas vezes é

erroneamente atribuído ao conceito. Perfeição é entendida equivocadamente como “uma

dispensação de fazer o bem e participar das ordenanças de Deus, ou como uma liberdade da

ignorância, erro, tentação e doenças que estejam ligadas à carne e ao sangue” (WESLEY, v. 8,

p. 364). Tal conceito foi totalmente rejeitado. Tanto infantes como adultos em Cristo devem

praticar o bem como participar das ordenanças estabelecidas por Cristo. Tentações, doenças e

erros também podem ocorrer na vida daquele que é perfeito em Cristo. Neste texto, Wesley,

mais uma vez, compara o cristão perfeito como aquele que possui 1) “a mente que estava em

Cristo” e aquele que 2) anda “como Cristo andou”. Além disto, Wesley acrescenta que o

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cristão perfeito 3) possui “mãos puras”, 4) é puro de coração, 5) é puro de toda imundice de

carne e espírito, 6) não há tropeço, e 7) não comete pecado.

1.4 A consolidação do pensamento wesleyano (1744-1758)

Durante este fase de sua vida, Wesley se envolveu ativamente com o crescimento e a

consolidação do movimento e da doutrina metodista. Uma das áreas em que podemos ver a

atuação intencional de Wesley é de publicações. Em 1750, por exemplo, Wesley já havia

terminado a publicação do terceiro volume de Sermões. Nestes três volumes, Wesley procurou

apresentar temas básicos e a ênfase doutrinária que “estava emergindo em sua própria vida e

pensamento – um foco no ‘caminho da salvação’” (HEITZENRATER, p. 178). Conforme o

movimento ia crescendo, Wesley percebeu que, para manter a unidade doutrinária, deveria

difundir seus conceitos através de publicações. Podemos encontrar consecutivamente nesta

compilação de trinta e seis sermões, um desenvolvimento cuidadosamente elaborado de cada

degrau do caminho pelo qual o cristão passa em seu caminho para a salvação: graça

preveniente, convicção do pecado, arrependimento, justificação, segurança, regeneração,

santificação, perfeição cristã e finalmente salvação final. Diante das diferentes controvérsias e

discussões que se levantavam, Wesley achou por bem expandir sua influência através de suas

publicações.

Destacamos aqui seu sermão intitulado O caminho do reino (Nº 7) que ele havia

preparado em 1746. Neste, Wesley procurou mostrar que a verdadeira religião não deve ser

um caminho de apenas ações externas. A religião não deve se limitar apenas a aquilo que pode

ou não pode fazer. A natureza da verdadeira religião é muito mais íntima, alcançando

“profundidade ainda maior, isto é, visa ‘o homem oculto no coração’” (WESLEY In:

OUTLER, v. 1, p. 220). Aquele que sabe que deve fazer o bem, mas se limita apenas a um

conjunto de regulamentos e leis não possui a verdadeira religião. Tal religião também não se

define pelos credos aceitos pelo fiel. Ele pode aceitar todas as doutrinas pregadas, aceitar

todos os ensinamentos propostos pela igreja e continuar na mesma situação que alguém que

não possui religião. A verdadeira religião se caracteriza por três elementos: justiça, paz e gozo

no Espírito Santo (Ibid., p. 221).

Por justiça, Wesley entende como amor a Deus e ao próximo, pois assim somos

possuídos da mais “profunda e cordial afeição, os mais calorosos desejos de prevenir ou

remover todo o mal e de lhe assegurar todo bem possível”. A verdadeira religião também é

caracterizada pela paz,

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uma paz que dissipa todas as dúvidas, toda incerteza angustiosa, dando o Espírito de Deus testemunho com o espírito do cristão, de que ele “é filho de Deus”. Ela afugenta o temor, todo o temor que atormenta: o temor da ira de Deus, o temor do inferno, o temor do diabo, e, em particular, o temor da morte: o que tem paz com Deus deseja, se esta for a vontade; do Senhor, “partir e estar com Cristo” (Ibid., p. 223).

E em terceiro lugar, a verdadeira religião é caracterizada pelo gozo no Espírito Santo, pois

este confirma em nós a alegria da salvação e do perdão dos pecados em Jesus Cristo. Em seu

sermão, Wesley mostra que conceitos como reino de Deus, verdadeira religião, nada mais são

do que a verdadeira santificação, pois é nesta condição que Deus assume a completa

soberania da vida do ser humano (Ibid., p. 224).

Posteriormente, em 1748, Wesley pregou O grande privilégio dos que são nascidos de

Deus (Nº 19), onde ele procura marcar uma distinção entre a justificação e o novo

nascimento. Enquanto que a justificação é apenas uma mudança relativa, mudando a nossa

relação exterior com Deus, o novo nascimento muda nossa relação interior com Deus, nos

fazendo santos. “Um dom restaura-nos a favor de Deus; o outro nos reintegra na sua imagem.

Um representa o cancelamento da culpa do pecado; o outro vem a ser a supressão do domínio

do pecado” (Ibid., p. 432). O novo nascimento proporciona um privilégio que a justificação

não conhece – a possibilidade de não pecar. Este pecado, Wesley identifica como “uma

transgressão atual, voluntária, da lei, da lei de Deus revelada e escrita, de qualquer

mandamento de Deus, reconhecido como tal ao tempo da transgressão” (Ibid., p. 436).

Para tanto, o cristão precisa permanecer na fé, caso contrário, ele pode acabar caindo

em pecado. Ele precisa manter seus olhos em Deus constantemente. Em momento algum pode

ele esquecer-se de Deus, achando que possa resistir à tentação. Em uma “aparente”

contradição, Wesley resume seu pensamento: “é absolutamente certo que, o que é nascido de

Deus não peca, não pode pecar, e que, se não se guarda, pode cometer com avidez toda sorte

de pecados” (Ibid., p. 441). Entendemos que por “não pode pecar”, Wesley não estaria

afirmando a incapacidade do nascido de Deus de pecar; mas diante de toda a disposição e

graça de Deus, ele não possui desculpa para pecar. Como conclusão, Wesley apresenta o

caminho para nunca mais pecar: “Vigia sempre, para que sempre ouças a voz de Deus. Vigia,

para que ores sem cessar, em todos os tempos e em todos os lugares, abrindo teu coração

diante de Deus. Deste modo sempre terás fé, sempre terás amor – e não pecarás jamais!”

(Ibid., p. 443).

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Perto do final deste terceiro período do metodismo, Wesley publicou O caminho

bíblico para a salvação onde ele completa o pensamento do sermão analisado acima. Este

sermão que foi publicado em 1756 e permanece sendo “o melhor sumário homilético de sua

soteriologia” (HEITZENRATER, p. 220). Aqui, salvação não é apenas entendida como “ir

para o Céu”, mas é a obra completa de Deus no indivíduo, onde a santificação se torna a

“salvação completa de todos os nossos pecados”. A perfeição elimina todo o pecado e

preenche o coração com o amor.

1.5 Amadurecimento do pensamento de Wesley (1758-1791)

Kenneth Collins afirma que a década de 1760 realmente pertenceu à doutrina da

perfeição cristã (2003, p. 193). Durante este período, encontramos Wesley enfrentando

grandes lutas para manter seu equilíbrio teológico assim como também a unidade teológica de

todo o movimento. Em agosto de 1758, na Conferência de Bristol, encontramos Wesley

discutindo longamente com seus clérigos sobre o tema da perfeição. Havia muita desunião,

dúvidas e opiniões diferentes relativas à este tema. Aparentemente, alguns acreditavam que já

tinham alcançado a perfeição, e possivelmente estariam advogando impecabilidade. Neste

contexto, ele define novamente perfeição como “amar a Deus de todo o coração, mente, alma

e forças. Isto significa que qualquer mau temperamento contrário ao amor, permanece na

alma; e que todo pensamento, palavra e ação são conduzidos pelo puro amor (WESLEY,

1986, v. 11, p. 394). Mesmo assim, em conferências posteriores, muitos pregadores passaram

a expressar sua preocupação e dúvida quanto à teologia que Wesley estava propondo. Peter

Jaco, um dos pregadores, enviou um relatório da conferência de 1761 para Carlos Wesley, que

estivera ausente. Nesta carta, encontramos a seguinte decisão da conferência: “Está

determinado que não há nas Escrituras nenhum texto que definitivamente apóie a perfeição

instantânea; que não há situação neste mundo que isente as pessoas do pecado, e que,

portanto, elas têm necessidade de cautela, etc” (HEITZENRATER, p. 209). Vemos aqui, mais

uma vez, a preocupação com o conceito da impecabilidade, que estava surgindo no

testemunho de alguns pregadores.

Entre estes, estava Thomas Maxfield, um dos primeiros pregadores leigos de Wesley, e

George Bell. Ambos aderiram a este conceito, e começaram a propagar a idéia de que uma

vez perfeitos, eles estariam sem pecado, e poderiam permanecer neste estado indefinidamente.

Como resultado disto, alguns passaram a acreditar que estavam imunes às tentações, haviam

se tornado infalíveis, ou até alcançado a imortalidade, assim como os anjos. Bell, alegando

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que era a “obra de Deus”, passou a praticar curas pela fé e falar em línguas. Este conceito de

perfeição era considerado por Wesley como “antinominiana”. Maxfield, em contrapartida,

repudiava o conceito wesleyano de justificação, especialmente a de santificação instantânea

(COLLINS, 2003, p. 203-204).

Em sua carta de novembro de 1762 à Maxfield, Wesley deixou claro que, apesar de se

identificar com alguns de seus conceitos, ele não acreditava que o ser humano seria capaz de

alcançar, nesta vida, a perfeição de um anjo (HEITZENRATER, p. 210). Os apelos não foram

ouvidos, e ambos os pregadores persistiram no seu caminho. Mais adiante, em 1763, George

Bell chegou a proclamar o fim do mundo, marcando a data para 28 de fevereiro daquele ano.

Ambos não atendiam aos apelos de Wesley. Em resposta, “oravam” para que Wesley pudesse

ver a verdadeira luz que havia nos seus ensinos e pudesse se libertar de seus preconceitos. A

cisma que havia começado entre Wesley e estes pregadores, alcançou também os membros

leigos, levando muitos a abandonar o movimento. Maxfield seguiu o exemplo e passou a se

reunir com seus seguidores.

Nos anos que se sucederam ao episódio de Maxfield e Bell, observamos a maturidade

da teologia de Wesley. Em seus sermões e publicações, “ele estava mais seguro nos detalhes

de suas idéias teológicas e ao mesmo tempo mais desejoso de declarar, sem equívocos, sua

posição, com menos preocupação a respeito das reações do clero que poderia discordar”

(Ibid., p. 223). Seu principal objetivo se tornou a unidade e a santidade entre o povo

metodista. Dez anos depois da conferência de Bristol, mencionada acima, podemos ver os

resultados do trabalho árduo desenvolvido por Wesley. Todo seu trabalho, a organização do

povo chamado metodista, as publicações, os sermões, promoviam e insistiam na unidade do

movimento e na busca pela perfeição cristã. Na conferência de 1768, Wesley voltou a tratar

do assunto, levantando a pergunta: “Eu indago, uma vez por todas, devemos defender essa

perfeição ou desistir dela?” A resposta positiva dos pregadores nos indica que sua luta estava

obtendo os resultados desejados e que seus objetivos estavam sendo alcançados (Ibid., p.

242).

Durante esta faze de amadurecimento, encontramos também Wesley solidificando sua

opinião quanto à ausência do pecado no ser humano que alcançou a perfeição. Já em maio de

1738 encontramos em seu diário sua convicção de que a santificação libertava o ser humano

não apenas do poder do pecado como também de sua própria existência no indivíduo: “Desejo

aquela fé que nenhum pode obter sem saber que ele a possui. [...] Pois quem a tem, está ‘livre

do pecado’; ‘o corpo inteiro do pecado é destruído’ nele” (WARD e HEIZENRATER, v. 1, p.

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216). Contudo, em seu sermão Sobre o pecado nos crentes (Nº 13) de 1763, Wesley defendeu

que, após a justificação, o pecado “permanece, porém não mais domina”. “Decerto que Cristo

não pode reinar, onde o pecado reina; nem Ele irá habitar onde algum pecado é permitido.

Mas Jesus está e habita no coração de todo crente que esteja lutando contra todo o pecado;

embora não seja ainda purificado, de acordo com a purificação do santuário” (WESLEY In:

OUTLER, v. 1, p. 323).

Enquanto o crente estiver lutando para vencer o pecado, inclusive sua natureza

pecaminosa, Cristo habitará nele e o auxiliará neste processo, pois a essência do pecado ainda

permanece nele. Esta citação apresenta uma mudança no pensamento de Wesley. No entanto,

ela simplesmente retrata sua rejeição da perfeição instantânea proposta por Zinzendorf, no

momento da justificação. Segundo Wesley, libertação da “habitação” do pecado ocorre apenas

em um segundo momento, o que fez com que alguns intérpretes se referissem a uma “segunda

benção”1. O cristão deve aguardá-la, sem obrigatoriamente recebê-la. É uma segunda obra da

graça divina. Destacamos este pensamento em seu sermão O arrependimento dos crentes (Nº

14) de 1767.

Por mais que vigiemos e oremos, não podemos purificar nem nossos corações, nem nossas mãos. O certo é que não podemos conseguir isso até que seja do agrado de nosso Senhor falar outra vez a nossos corações, falar pela segunda vez: “Sê limpo”; e então, e somente então, o leproso se purificará. Somente então a raiz do mal, a mente carnal, se destrói: o pecado inato não mais subsiste (Ibid., p. 346).

Sendo assim, Wesley defende a santificação como sendo tanto um processo como algo

instantâneo. “A partir do momento em que somos justificados, pode haver uma santificação

gradual, um crescer na graça, um avanço diário no conhecimento e amor de Deus. E se o

pecado cessar antes da morte, deve haver, por natureza, uma mudança instantânea”

(WESLEY, v. 8, p. 329). Tanto justificação como santificação são “instantâneas”, pois

representam atos da graça de Deus por meio da fé. “Exatamente como somos justificados pela

fé, assim somos santificados pela fé. Fé é a condição, a única condição para santificação,

exatamente como o é a justificação” (WESLEY In: OUTLER, v. 2, p. 163).

No mesmo ano, ele escreveu dois outros sermões, A vida no deserto (Nº 46) e

Afligidos através de várias tentações (Nº 47). Neles, Wesley insiste que nosso coração não é

totalmente santificado no momento da justificação e na necessidade de uma profunda

convicção de nossa completa incapacidade, levando-nos a vivermos dependendo, pela fé, de 1 Enquanto que esta não é uma expressão que aparece nos sermões de Wesley, ela, contudo, aparece em suas cartas. Ver COLLINS, 2010, p. 371.

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Cristo. Um dos caminhos que Deus pode usar para obter um coração totalmente santificado

pode ser através de provações ou aflições. Ao permitir aflições, Deus procura purificar

o coração do orgulho, da obstinação, da paixão; do amor ao mundo, de desejos maus e insensatos; das afeições vis e profanas. Ao lado disso, as aflições santificadas têm, pela graça de Deus, uma tendência imediata e direta para a santidade. Através da operação de seu Espírito, eles se humilham cada vez mais e dobram a alma diante de Deus. Elas acalmam e pacificam nosso espírito sofrido, amansam o furor de nossa natureza, abrandam nossa obstinação e voluntariedade, crucificam-nos para o mundo e levam-nos a esperar de Deus toda nossa fortaleza e a buscar nele toda nossa felicidade (Ibid., p. 232-233).

A partir da década de 1770, não encontramos Wesley desenvolvendo alguma teologia

nova relativa à perfeição cristã, mas fica notável as novas aplicações dadas ao conceito de

santidade. Através de textos como Pensamentos sobre a origem do poder, Pensamentos sobre

a presente escassez de alimentos, Pensamentos sobre a escravidão, Pensamentos sobre a

liberdade, Sobre a insensatez do mundo, O perigo do aumento das riquezas (Nº 87), e Sobre a

visita a enfermos (Nº 98), sua preocupação pela santidade social é claramente percebida.

González lembra que não há nada de novo em “sua crítica à ordem econômica, ao sistema

colonial, à escravidão, e até à revolução norte-americana – Wesley simplesmente está

aplicando o que disse [...]: O evangelho não reconhece nenhuma religião que não seja social,

nenhuma outra santidade que não seja santidade social” (2003, p. 63).

2. Aspectos da teologia wesleyana da santificação

O conceito de santificação ou perfeição cristã wesleyana não é uma ilha remota no

oceano teológico. Ele pode ser melhor comparado a um hub – um dispositivo interconectado

a vários computadores permitindo-os trocar informação entre si, formando assim uma rede. A

teologia de santificação em Wesley está ligada de várias formas a diferentes conceitos

teológicos relativos ao ser humano, o pecado, expiação, justificação e a obediência à Lei,

entre outros. Estes são apenas alguns dos segmentos dentro da teologia que afetam e são

afetados pela santificação em Wesley. A seguir, estaremos explorando esta “cadeia de

verdades bíblicas” e sua relação com a teologia da santificação em Wesley.

2.1 Natureza do ser humano e pecado

A doutrina do pecado original, assim como o da justificação pela fé e da santificação

eram consideradas essenciais para a religião (WARD e HEIZENRATER, v. 4, p. 456).

Wesley seguia a interpretação reformista do pecado original, colocando o homem em seu

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estado natural como totalmente corrompido. “Como que fará o pecador propiciação pelo

menor de seus pecados? Com suas obras? Não. Ainda que estas sejam muitas e sejam santas,

não lhe pertencem, mas são de Deus. Na verdade todas essas obras são ímpias e pecaminosas,

reclamando nova propiciação. Somente frutos corrompidos pendem de uma árvore corrupta”

(WESLEY In: OUTLER, v. 1, p. 118). Sendo assim, o homem em seu estado natural,

pecaminoso, não reflete mais a imagem de Deus. A expressão “Imagem de Deus” pode ser

entendida de três formas: a imagem moral, a natural e a política.

A “imagem de Deus”, na qual Adão foi criado, consistia basicamente em justiça e verdadeira santidade. Mas aquela parte da “imagem de Deus” que permaneceu após a queda e permanece em todos os homens até hoje é a imagem natural de Deus, expressamente, a natureza espiritual e a imortalidade da alma; sem excluir a imagem política de Deus, ou um grau de domínio sobre as criaturas que ainda permanecem (WESLEY, v. 9, p. 381).

Das três, a imagem moral é a que se encontra hoje a mais apagada, deixando de refletir a

Deus, e refletindo a própria “imagem do diabo” (WESLEY In: OUTLER, v. 2, p. 190).

Segundo Wesley, não havia apenas uma natureza corrupta inerente ao homem. Este

era também culpado. Pela sua própria natureza, ele se tornava culpado, e desta forma, um

filho da ira de Deus. Para que o homem possa ser salvo, é crucial haver uma “profunda

convicção de sua pecaminosidade”. Esta convicção também deveria incluir a culpa. “Tal

consciência profunda do pecado e convicção da culpa é impossível a menos que ele saiba que

sua natureza é corrupta” (LINDSTRÖM, p. 34). Neste aspecto, Wesley parece divergir da

visão agostiniana, no sentido que a culpa possui dois aspectos. Há uma culpa que é hereditária

e outra que é pessoal. A diferença se percebe nas conseqüências. Enquanto que a culpa

hereditária provoca a morte temporária e espiritual do homem, a culpa pessoal resulta na

morte eternal. Se alguém morre para a eternidade, acreditava Wesley, era por suas próprias

ações (Ibid., p. 35). “Creio que ninguém morreu ou um dia morrerá eternamente,

simplesmente por causa do pecado de nossos pais” (WESLEY, v. 9, p. 315). Ele rejeitava a

idéia calvinista de predestinação e enfatizava a escolha humana como o elemento que

determina o destino humano. Se o homem for condenado, é devido às suas próprias escolhas e

ações. Estas escolhas pecaminosas podem se revelar através de pecados internos ou externos

(visíveis).

A hamartologia de Wesley reflete, em parte, os Artigos da Fé da Igreja Anglicana. No

entanto, em distinção com estes artigos, Wesley omite a expressão “cada pessoa nascida neste

mundo merece [...] a condenação divina” (RENDERS, p. 200). O pecado original, apesar de

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não condenar o ser humano, o influencia em cada aspecto do relacionamento humano, seja ele

privado ou público. Este também impossibilita a idéia de mérito por parte do ser humano. Em

Princípios de um Metodista, Wesley afirma: “Como, pelo pecado original, a nossa corrupção

é tão grande, toda nossa fé, caridade, palavras e obras não podem se tornar um mérito [...] de

qualquer parte da salvação para nós” (WESLEY In: OUTLER, v. 9, p. 52). O ser humano,

apesar de ser totalmente corrupto, possui “uma medida de livre escolha e certo poder de

discernimento” (LINDSTRÖM, p. 45). Tal liberdade está baseada na graça, não é irresistível,

pois o homem possui a capacidade de escolher e assim, trabalhar com ou contra Deus. A

graça preveniente capacita o homem a escolher qual caminho ele seguirá. Bonino identifica

aqui uma sinergia divino/humana (1988, p. 21-23). Este conceito é ampliado em

Desenvolvendo nossa salvação (Nº 85), publicado na Arminian Magazine em 1785. Neste

trabalho, Wesley parte do texto “porque Deus é quem efetua em vós, tanto o querer como o

realizar”, de Filipenses 2:13. A partir deste verso, dois conceitos são desenvolvidos: o do

querer e o do realizar.

Primeiro, o querer, abarcaria a religião interior, e o fazer, a religião exterior. E, se for assim entendida, essa interpretação implica que é Deus quem opera tanto a santidade interior, quanto à exterior. Segundo, o querer referir-se-ia a todo o bom desejo; o fazer, o que quer que disso resulte. E, então, a sentença significa que Deus inspira em nós todo o bom desejo, e faz com que todo bom desejo produza bom resultado (WESLEY, 1986, v. 6, p. 508).

Deus inicia o processo transmitindo para o crente a vontade de ser santificado. Este,

por sua vez, precisa “fazer”, “operar”, “participar” da santificação iniciada por Deus. Wesley

lembra que é porque Deus inicia o processo, que nós podemos participar. Portanto, a

participação humana no processo de santificação consiste em “cessar de fazer o mal e

aprender a fazer o bem”. Usando as palavras de Santo Agostinho, “aquele que nos fez sem

nós, não nos salvará sem nós”. Deus não nos salvará, a menos que

“nós mesmos nos salvemos desta geração perversa”; a menos que nós mesmos “lutemos o bom combate da fé, e tomemos posse da vida eterna”; a menos que “nos esforcemos por entrar pela porta estreita”, “nos neguemos a nós mesmos, e tomemos nossa cruz a cada dia”, e trabalhemos, por todos os meios possíveis, para “confirmar nosso próprio chamado e eleição” (Ibid., p. 513).

Diante dos pensamentos de Wesley, William Cannon acerta no ponto quando afirma

que Wesley “segue junto a Calvino, Lutero e Agostinho em sua insistência de que o homem é,

por natureza, totalmente destituído de justiça e sujeito ao juízo e ira de Deus” (CANNON,

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1946, p. 200). Pecado, portanto, normalmente é tido por Wesley como o pecado inerente

(LINDSTRÖM, p. 41). Tal pecado inerente é tido como uma doença que pode ser erradicada

da pessoa (WESLEY, v. 6, p. 64). Sendo assim, o alvo da santificação é a erradicação total da

natureza pecaminosa no ser humano. Negar a pecaminosidade humana seria tornar o

evangelho sem sentido, pois sem doença (pecado) não há necessidade de cura (salvação)

(COBB, 1995, p. 81).

Em seu sermão Sermão do Monte I (Nº 21), Wesley compara a natureza pecaminosa a

uma doença (lepra) que acompanha o ser humano desde seu nascimento.

Em mim, - diz ele [o pecador] – “não há nenhum bem”, mas, sim, tudo que é mau e abominável. Possui sentimento profundo da lepra asquerosa do pecado, que trouxe consigo desde o ventre de sua mãe, espalhando-se por toda sua alma e totalmente corrompendo todos os seus poderes e faculdades. Vê cada vez mais nitidamente as inclinações más que resultam daquela raiz perversa: o orgulho e a altivez de espírito, a constante tendência para pensar de si mesmo mais altamente do que convém; a vaidade, a sede de estima e de honras da parte dos homens; o ódio ou a inveja, o ciúme ou a vingança, a ira, a malícia ou a amargura; a inata inimizade tanto contra Deus como contra o homem, que se exterioriza de mil modos; o amor do mundo, o egoísmo, os desejos loucos e insensatos que se lhe apegam ao íntimo da alma (WESLEY In: OUTLER, v. 1, p. 477).

A partir deste pensamento, entendemos que os diferentes atos ou atitudes são meros

sintomas da raiz, a verdadeira doença, que existe em todo ser humano. Doença não deveria ser

entendida apenas como estas meras expressões externas, mas sim como a própria raiz que jaz

silenciosa por detrás de cada ato pecaminoso. Esta é a raiz que deveria ser erradicada do ser

humano. Ela causa separação entre Deus e a humanidade (Ibid., p. 185), levando-a a produzir

atos, palavras e pensamentos pecaminosos. Maddox enfatiza a preferência de Wesley pelo

conceito de “pecado inato” em contraste com o conceito agostiniano de “pecado original”,

sendo que o primeiro enfatiza a necessidade de cura, da graça restauradora, e da erradicação

do pecado; enquanto que o segundo enfatiza a necessidade de justificação (forense)

(MADDOX, 1994, p. 82).

2.2 Expiação

A expiação pode ser entendida de forma geral como um ato ou dom que ajuda em

reconciliar dois partidos separados um do outro (Ibid., p. 97). Para Wesley, expiação em

Cristo era um tema de bastante importância, pois apenas através da expiação da culpa do

pecado, que o ser humano poderia se libertar do poder do pecado. A expiação pela culpa

literalmente libertava o pecador do poder do pecado (WESLEY, 1976, p. 517-518).

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Wesley acreditava que Cristo era a única fonte para a salvação do homem. Era através

da justiça de Cristo que o homem podia ser tido como justo perante Deus. Nossos pecados

foram pagos pelo sacrifício expiatório de Cristo. Sua justiça se torna nossa. Em seu sermão de

1765, O Senhor justiça nossa (Nº 20), Wesley defende que

Nossa justificação procede livremente da simples misericórdia de Deus. Porque, quando o mundo inteiro não era capaz de pagar sequer uma parte de nosso resgate, aprouve a Deus, sem nenhuma intervenção de nossos merecimentos, preparar-nos o corpo e o sangue de Cristo, para que por eles fosse pago nosso resgate e satisfeita sua justiça. [...] Em consideração a isto – que o Filho de Deus provou a morte por todos os homens, Deus agora reconciliou o mundo consigo mesmo, não lhe imputando seus primitivos pecados. De modo que, em atenção a seu bem-amado Filho, ao que Ele sofreu por nós, Deus agora nos outorga, sob uma única condição (que Ele próprio também nos habilita a preencher), tanto a remissão da pena merecida pelos nossos pecados, como nossa restauração em seu favor e a recondução de nossas almas mortas à vida espiritual, como penhor da vida eterna (WESLEY, 1986, v. 5, p. 239-240).

Wesley entendia que a morte de Cristo satisfazia a justiça de Deus e a penalidade de

nossos pecados. Este conceito não fora inventado por ele, mas adotado do anglicanismo.

Cristo havia vivido uma vida de justiça, e sua morte tomava o lugar da morte do pecador. A

justiça de Cristo poderia ser nossa também. Ele a oferece a todos e não nos é forçada ou

irresistível, como o afirmavam os calvinistas. Ele evitava afirmar que a perfeição de Cristo era

transferida para o pecador, sendo que este já seria considerado perfeito e não necessitaria de

santificação. Se assim fosse, Cristo imputaria sua justiça ao pecador, e este, por sua vez, seria

considerado justo independentemente de seu comportamento (MADDOX, p. 104).

2.3 Justificação

Wesley reconhece que o termo “justificação” pode, na Bíblia, ser tão amplo a ponto de

abarcar a santificação também (WESLEY In: OUTLER, v. 1, p. 187). Por “justificação”

intencionamos identificar aqui o primeiro momento do processo da salvação, aquele em que

os pecados do ser humano são perdoados e ele é visto por Deus como justo. Como vimos

anteriormente, Wesley defende, no caminho da salvação, uma sinergia humana/divina. Não

aplicamos este conceito apenas ao tema da santificação, mas também ao da justificação. Cada

um, o Pai, o Filho, o Espírito Santo e o pecador estão presentes no momento em que ocorre a

justificação. A participação do pecador não deve ser considerada como possuindo mérito em

si, mas ela é necessária. Deus, de sua parte, participa “com sua misericórdia e graça; a parte

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de Cristo satisfazendo a justiça de Deus, oferecendo seu corpo, derramando seu sangue; e de

nossa parte, fé verdadeira e viva nos méritos de Jesus Cristo” (WESLEY, v. 8, p. 361).

O pecador também deve anteceder o momento da justificação com seu

arrependimento. Tal arrependimento não é possível apenas por parte do ser humano. Ele

também é um dom de Deus, capacitando-o a entender sua condição lastimável e levando-o a

um “profundo sentimento da ausência de todo bem e da presença de todo mal” (WESLEY In:

OUTLER, v. 1, p. 194). A justificação não marca o começo da obra de Deus no coração do

homem, pois Ele já está atuando, através de sua graça preveniente, muito tempo antes deste

momento.

Salvação começa com o que é usualmente denominada (e muito apropriadamente) graça preveniente, inclusive o primeiro desejo de agradar a Deus, o primeiro alvorecer da luz concernente à sua vontade, e a primeira leve e passageira convicção de se ter pecado contra Deus. Tudo isso implica em alguma tendência com respeito à vida, algum grau de salvação, o começo da libertação de um coração cego e insensível, totalmente insensível a Deus e às coisas de Deus. Esta salvação é continuada pela graça convincente, usualmente, denominada, nas Escrituras, de arrependimento, a qual produz um autoconhecimento maior, para alcançar a mais completa libertação do coração de pedra (WESLEY In: OUTLER, v. 3, p. 203).

Justificação, além de alterar a forma como Deus nos vê, também afeta a forma como nós

vemos a Deus. Ela transforma nosso relacionamento com Deus. A partir da justificação, Deus

nos vê como filhos, e nós passamos a vê-lo como Pai. De inimigo, Ele passa a ser visto como

Pai.

Wesley nem sempre compreendeu justificação da mesma forma. Em Um apelo

adicional para homens de razão e religião, Wesley admite que “ignorava totalmente a

natureza e a condição da justificação. Às vezes, eu a confundia com a santificação”

(WESLEY, v. 8, p. 111). Em 1730, por exemplo, Wesley chegou a escrever para sua mãe

comentando sua leitura de Jeremy Taylor e o que aprendeu: “No evangelho, o perdão dos

pecados é a santificação” (BAKER, 1980, v. 1, p. 245). É apenas em 1938, em seus encontros

com Peter Böhler, que Wesley passou a entender justificação e seu relacionamento com a fé, o

perdão e a santificação.

Em seu sermão A justificação pela fé (Nº 5), Wesley defende que justificação não deve

ser entendida como uma negação das acusações de Satanás ou mesmo da Lei de Deus. A

justificação do pecador de forma alguma cala a voz da Lei se este vier a infringi-la novamente

(WESLEY In: OUTLER, v. 1, p. 187-188). O ato justificador de Deus também não O engana

a ponto de levá-Lo a nos ver de forma que não somos. A justificação não nos “maquia” diante

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de Deus a fim de sermos vistos santos e justos, quando na realidade não somos. Pela

justificação Deus não nos confunde com Cristo, Davi ou Abraão (Ibid., p. 188). Wesley rejeita

a possibilidade de haver alguma obra boa, ou a possibilidade de alguém se tornar santo antes

da justificação. Ao justificar, a graça de Deus é oferecida gratuitamente ao pecador, e não ao

santo. “A própria suposição não é apenas completamente impossível […] mas também

grosseiramente, e intrinsecamente absurda, e contraditória em si mesma. Porque não é um

santo, mas um pecador que é perdoado, e sob a noção de um pecador. Deus não justifica o

devoto; não aqueles que já são santos, mas o ímpio”. Ele termina seu pensamento, lembrando

que “afirmar a precedência da santidade é dizer que o Cordeiro de Deus tira somente os

pecados que previamente tenham sido tirados” (Ibid., p. 191).

No entanto, Maddox no lembra que existe um tipo de justificação que requer

anteriormente a santificação: a justificação final (Ibid., p. 171). Na conferência de 1770,

Wesley argumentou que tanto as boas obras internas e externas são necessárias na vida do

cristão como “condição” para salvação final. Aparentemente, Wesley não estaria defendendo

um tipo de salvação por mérito, mas apenas estabelecendo “pré-requisitos” para a aceitação

divina final (WESLEY, v. 8, p. 337).

2.4 Obediência

Por obediência, entendemos aqui como obediência à Lei de Deus. Para Wesley, a Lei

de Deus é boa e santa. Neste caso, Wesley se refere à lei moral. Ela é

um retrato incorruptível do Alto e Santo Ser que habita a eternidade. É a manifestação visível a homens e anjos daquele que, em sua essência, nenhum homem jamais viu nem pode ver. É a face de Deus descoberta; Deus revelado a suas criaturas de modo acessível a elas; Deus manifestado para dar vida, e não para a destruir, – para que os homens possam ver a Deus e viver. É o coração de Deus patenteado ao homem (WESLEY, v. 5, p. 438).

Em seu sermão A origem, a natureza, características e funções da Lei (Nº 34), Wesley

aponta para a origem da lei moral como sendo muito antes de Moisés, Noé ou Adão.

Conforme ele defende, a Lei de Deus foi estabelecida “nos anais da eternidade” mesmo antes

da criação dos anjos (WESLEY In: OUTLER, v. 2, p. 6). Esta lei era gravada no coração dos

seres criados. Mas, conforme o homem desobedeceu a Deus, esta Lei apagou-se de seu

coração, “obscurecendo-se a visão de seu entendimento à medida que sua alma se tornava

‘alienada de Deus’”. O ser humano hoje, em seu estado decaído, é incapaz de compreender a

altura, a profundidade, a extensão e a largura dessa lei. Somente através do Espírito de Deus é

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que este pode alcançar a compreensão da Lei de Deus. Ela nos fornece o padrão de

comportamento e vida, levando o pecador até Cristo.

Para ele, uma das características fundamentais de um metodista e daquele que está

experimentando a santificação é a obediência à Lei de Deus e aos seus mandamentos. Para tal

cristão,

não há uma moção em seu coração que não seja conforme Sua vontade. Todo pensamento levantado aponta para Ele, e está em obediência com a lei de Cristo. A arvore é conhecida por seus frutos. Ele ama a Deus, portanto guarda seus mandamentos; não apenas alguns, ou a maioria, mas todos, desde o menor até o maior. [...] Ele é “percorre os caminhos dos mandamentos de Deus”, colocando seu coração em liberdade. Esta é a sua glória; esta é a sua coroa diária de alegria, “fazer a vontade de Deus na terra, assim como é feita nos céus”. [...] Ele guarda todos os mandamentos de Deus com toda sua força. Sua obediência é proporcional ao seu amor, a fonte de onde ele flui. Amando a Deus com todo seu coração, ele O serve com todas as suas forças (WESLEY, v. 8, p. 344).

Wesley retoma este último pensamento em A justificação pela fé (Nº 5), defendendo

que a obediência à lei deve brotar do amor plantado por Deus em nós. Nenhuma obra é

considerada boa se esta não for gerada pelo amor. Isto significa que não é possível obedecer

ou fazer obras boas antes da justificação, pois o amor do Pai ainda não foi plantado no

coração do pecador. É a partir da justificação que o ser humano é capacitado para obedecer a

Lei de Deus (WESLEY In: OUTLER, v. 1, p. 193).

Mais adiante, em A Lei estabelecida pela fé (Nº 35 e 36), ele procura mostrar que a

obediência à Lei de Deus não está em contradição com a fé. Ela é fundamental para o

processo de santificação e achar que a fé anula a lei simplesmente destrói todo o processo de

santificação (Ibid., p. 26). De certa forma, santificação acaba sendo equiparada à obediência.

Conforme ele afirma, é incorreto o conceito de que uma vez debaixo da graça, estamos

“livres” da Lei. O ser humano não era mais obrigado a obedecer a Lei do que o somos agora.

Se assim o fora, a fé substituiria a santidade.

A observância da Lei não é um meio de salvação, mas ela deve seguir à justificação.

“O apóstolo assevera que a santidade não pode preceder à justificação, mas não que esta não

tenha necessidade de ser seguida por aquela” (Ibid., p. 28). O que o ser humano não

conseguia fazer antes para ser salvo, isto é, obediência à Lei, agora o faz livremente.

“Obedece, não por motivo de medo servil, mas por um mais nobre princípio, que é o da graça

de Deus predominando em seu coração e determinando que todas as suas obras sejam

operadas em amor” (Ibid., p. 29).

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2.5 Perfeição Cristã

Salvação, segundo a definição wesleyana está muito além de apenas manter um

conjunto de crenças e rituais.

Por salvação, eu intento dizer não apenas libertação do inferno ou ir para o Céu, como vulgarmente consideramos; mas uma libertação presente do pecado, uma restauração da alma à saúde primordial, à sua pureza original; uma recoberta da natureza divina; uma renovação de nossas almas após a imagem de Deus, em retidão, verdadeira santidade, justiça, misericórdia e verdade. Isto implica todos os temperamentos santos e celestiais e, por conseqüência, toda santidade de conversão” (WESLEY, v. 8, p. 47).

Para que tudo isto se concretize na vida do cristão, Wesley acreditava na necessidade

de uma santificação completa (perfeição cristã). A forma de esperar até esta segunda

santificação é “em obediência vigorosa e universal, em observância zelosa de todos os

mandamentos, em vigilância e em aflição, em negação de nós mesmos e tomando nossa cruz

todos os dias” (WESLEY, v. 11, p. 402). Tais não seriam formas de obter salvação, mas

seriam “canais comuns por meio dos quais Deus transmite a graça da santificação completa

aos crentes” (COLLINS, 2010, p. 374). Sendo assim, o fiel não pode se contentar com a

primeira benção, mas buscar e aguardar a segunda obra de graça no cristão. “Então, e somente

então, o leproso se purificará. Somente então a raiz do mal, a mente carnal, se destrói: o

pecado inato não mais subsiste” (WESLEY, v. 5, p. 165).

Esta “segunda mudança” não seria estática. Mesmo sendo perfeito, o fiel continua

crescendo. É impossível o cristão perfeito permanecer inerte.

Sim, e quando você tiver obtido a medida do amor perfeito, quando Deus tiver circuncidado seu coração, e te permitido a amá-Lo, com todo seu coração e com toda sua alma, não pensem em descansar. Isto é impossível. Vocês não podem sustentar-se ainda; você pode tanto levantar-se quando cair; levanta-se mais alto ou cair mais baixo. Portanto, a voz de Deus, para os filhos de Israel, os filhos de Deus, é, ‘Prossiga!` ‘Esquecendo-se das coisas que ficaram para trás, e siga, para frente com aqueles que avançam para o alvo, para o prêmio de seu alto chamado de Deus em Jesus Cristo!’” (WESLEY, v. 7, p. 202).

Portanto, até para aquele que é um cristão santificado existe a possibilidade de se

perder. Lindström acredita que o pensamento em graus é o elemento mais característico de

Wesley. Lindström encontra no pensamento de Wesley graus de bem, mal, inimizade contra

Deus, sinceridade, paz, alegria, amor, santificação interna e externa. Segundo ele existem

graus de fé, graus de contemplação de Deus, graus no favor ou descontento de Deus.

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Conforme ele comenta, Wesley acreditava que haveria graus maiores de perfeição a serem

atingidos após a morte (LINDSTRÖM, p. 120-121). Diante de tal compreensão, podemos

captar melhor a junção que Wesley fazia da santificação contínua e instantânea, onde era um

processo que sempre continuaria, mas que cada nível ou cada nova fase era “alcançado”

instantaneamente. Todo o processo (contínuo) é composto por etapas (instantâneo),

procurando alcançar a perfeição do homem, porém nunca parando.

Com isto em mente, Lindström acerta o ponto quando critica a associação limitada que

é feita, por estudiosos do pensamento de Wesley, entre santificação e o aspecto instantâneo,

isto é, a “segunda benção”. Muitos deixam de considerar a ênfase wesleyana no processo de

santificação que tira a pessoa do estado de pecador condenado, passa pelo arrependimento,

purificação, vitória sobre o pecado, erradicação da natureza pecaminosa e crescimento

constante. A “segunda benção” só pode ser corretamente interpretada tendo uma visão

panorâmica do pensamento de Wesley (Ibid., p. 120-125).

Outra forma de entender a perfeição cristã é estudando aquilo que Wesley afirmou não

ser santificação completa. Na perfeição cristã: 1) o crente não é perfeito em conhecimento; 2)

nenhuma condição de graça é tão elevada que a pessoa não possa cair de novo em pecado; 3)

a perfeição do cristão não está livre de fraquezas, fragilidades, e pensamentos confusos; 4) o

amor perfeito não elimina as tentações, e; 5) não é estática, sem admitir uma melhoria e

progresso contínuo do crente (COLLINS, p. 388-391).

Além do mais, Wesley acrescenta em Um simples relato da perfeição cristã:

Creio que não há perfeição nesta vida que exclua transgressões involuntárias, as quais entendo ser conseqüência natural da ignorância e erros inseparáveis da mortalidade. Portanto, perfeição sem pecado (sinless perfection) é uma frase que nunca uso, a menos que venha a me contradizer. Creio que uma pessoa preenchida pelo amor de Deus ainda é passível de tais transgressões involuntárias (WESLEY, 1986, v. 11, p. 396).

2.6 A santificação em síntese

Conforme foi visto neste capítulo, em Wesley encontramos um caminho da salvação:

O homem se encontra em seu estado natural, possuindo a natureza do pecado e escravo deste.

Ele recebe o conhecimento da lei, da ira de Deus e de sua perdição. Ao perceber sua total

incapacidade de salvar-se, lhe é apresentado a justiça de Cristo e seu sacrifício. O pecador

aceita, pela fé, a justiça de Cristo é então justificado. Seus pecados são perdoados e sua culpa

é removida. Logo em seguida, o Espírito Santo passa a trabalhar na purificação daquele ser,

dirigindo-o ao alvo da religião: Libertação total do pecado e uma vida de inteira justiça. A

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obra de regeneração iniciada na vida do ser humano marca o começo da santificação.

Enquanto que justificação é entendida como “libertação do pecado e a recuperação do favor

divino”, santificação é vista como “libertação do poder inerente e da raiz do pecado e a

restauração da imagem de Deus” (LINDSTRÖM, p. 19).

Na justificação, o pecador recebe perdão pelos seus pecados e lhe é eliminada a culpa.

A partir da libertação de sua culpa, o pecador recebe a liberdade do domínio do pecado

inerente:

Se alcançarmos o primeiro resultado, o segundo naturalmente se lhe seguirá: se nossas dívidas nos são perdoadas, as cadeias se nos desprendem dos pés e dos pulsos. No mesmo instante em que, pela livre graça de Deus em Cristo, ‘recebemos o perdão dos pecados’, também recebemos ‘herança entre os que são santificados , pela fé que nele há’. O pecado perdeu seu poder: não mais tem domínio sobre os que estão debaixo da graça, isto é, no favor de Deus (WESLEY, v. 5, p. 339-340).

Apesar de haver um arrependimento antes do momento da justificação, o

conhecimento e o arrependimento de pecado precisa continuar todos os dias para que o

caminho da santificação possa prosseguir. Santificação completa não pode ser alcançada se

não houver arrependimento. “Não há lugar para arrependimento naquele que crê não possuir

pecado em sua vida ou coração. Conseqüentemente, não é possível haver aperfeiçoamento no

amor, para o qual o arrependimento é necessário” (WESLEY, v. 6, p. 51).

Em seu sermão Sobre a perfeição (Nº 76), Wesley indica que “perfeição é outro nome

para a santidade universal: retidão interior e exterior: Santidade de vida, surgindo da santidade

de coração”. Neste sermão, ele enumera diversas características da santificação. Em primeiro

lugar, santificação é “amar a Deus de todo coração e o próximo como a si mesmo”

(WESLEY, v. 6, p. 413). Klaiber e Marquardt mostram quatro identificações da santificação

com o amor: 1) “Santificação é dom de Deus, assim como o amor de Deus o é”. Para Wesley,

este é o “cumprimento do novo nascimento e princípio da santificação, bem como única e

verdadeira marca de todo ‘metodista’”. 2) “Santificação e santidade recebem do amor a marca

que a define”. Viver a santidade é uma resposta à santidade de Deus e de seu amor. Esta

característica não se define no negativo, ou seja, por aquilo que o cristão não é ou não faz,

mas no positivo, levando a uma atitude ativa. 3) Santificação é amor, portanto, ela é

“necessariamente santificação social”. A santificação possui sempre seu horizonte na

comunicidade, incluindo o correto relacionamento com as pessoas. 4) Já dizia Wesley, “quem

ama vive a vida eterna”. (KLAIBER e MARQUARDT, 2006, p. 301-302).

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Além da santificação ser entendida como “amar a Deus de todo o coração e o próximo

como a si mesmo”, Wesley continua mostrando que santificação também é

2) ter a mente de Cristo; 3) produzir o fruto do espírito (de acordo com Gálatas 5); 4) restauração da imagem de Deus na alma, recuperação da imagem moral de Deus, que consiste em “retidão e santidade genuínas”; 5) ter retidão interior e exterior, “santidade de vida que brota da santidade de coração”; 6) santificação divina no corpo, na alma e no espírito; 7) perfeita consagração individual à Deus; 8) entrega contínua, por intermédio de Jesus, dos pensamentos, palavras e ações do indivíduo como sacrifício de louvor e ações de graça à Deus e 9) salvação de todo o pecado (WESLEY, v. 6, p. 413-415).

Devido às muitas objeções levantadas à última característica de santificação

mencionada acima (salvação de todo pecado), Wesley passou a maior parte do seu sermão

argumentando em favor desta posição. No entanto, ele lembra que “esta salvação do pecado,

de todo o pecado, é outra descrição da perfeição: embora, na verdade, ela expressa apenas o

menor, o ramo mais inferior dela, apenas a parte negativa da grande salvação” (Ibid., p. 415).

Santificação é muito mais do que apenas a remoção do pecado no crente.

Em outro sermão – Sobre a vinha de Deus (Nº 107) – Wesley explica que na

santificação, existe um “dualismo”: a combinação de pureza externa, através de atos de amor

santo, e pureza interna, através da fé. Os cristãos deveriam ser “tão obstinados da santidade

interior, como qualquer místico; e, da exterior, como qualquer fariseu” (Ibid., p. 205). Ele

adverte, no entanto, contra a tendência de enfatizar apenas um destes aspectos em detrimento

do outro. Aqui encontramos uma perfeição interna, de caráter, personalidade, paixões, fé e

motivação; como também uma perfeição externa, de atos, amor, obediência. É um

crescimento equilibrado e harmonioso.

Outro dualismo que podemos encontrar na teologia de Wesley, é aquela popularizada

por George Croft Cell. Cell nota que a teologia de Wesley acarreta a “necessária síntese da

ética protestante de graça com a ética católica de santidade” (1984, p. 361). Um exemplo que

podemos dar desta percepção “católica” de graça em Wesley é quando ele escreve em seu

diário, em 1765 que “é impossível alguém reter o que recebe sem melhorar o que recebeu”,

enfatizando a necessidade de trabalhar a graça concedida por Deus (WARD E

REITZENRATER, v. 4, p. 499). Wesley, em outro momento, escrevendo para uma moça de

nome March, diz: “Usar a graça recebida é o caminho correto para obter mais graça. Usar

toda fé que você tem traz um aumento de fé” (TELFORD, v. 5, p. 200).

Por outro lado, percebemos em outras instâncias a compreensão “protestante” da

graça, como por exemplo, quando Wesley afirma que: “O autor da fé e da salvação é somente

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Deus. Ele é o único Doador de todo bom dom” (CRAGG, 1989, p. 11:107-108). Além do

mais, Wesley chega a afirmar que Deus, às vezes, “faz o trabalho de anos em apenas algumas

semanas, talvez em uma semana, um dia, uma hora. Ele justifica ou santifica aqueles que não

fizeram nada, nem sofreram nada e aqueles que não tiveram tempo para o crescimento

gradual, quer em luz quer em graça” (WESLEY, v. 11, p. 423). Collins também identifica tal

dualismo e conclui que para compreendermos a teologia da santificação em Wesley,

“primeiro, temos de distinguir santificação, como um processo [elemento católico] que leva à

santificação completa, da própria santificação completa, como uma realização instantânea

[elemento protestante] da graça” (COLLINS, 2010, p. 384). Entretanto, tal compreensão não é

consensual entre os demais interpretes de Wesley, uma vez que indicam que Wesley não

afirma a santificação completa.

Existe momentos em que, em uma frase somente, Wesley une ambas as visões da

graça. Em uma carta para Sarah Rutter, Wesley afirma “A santificação gradual pode aumentar

a partir do momento em que você é justificada; mas acredito que a libertação total do pecado

sempre é instantânea – pelo menos, ainda não encontrei uma exceção” (TELFORD, v. 8, p.

190).

Conclusão

Neste capítulo, procuramos apresentar o tema da santificação e da perfeição cristã no

pensamento de Wesley. Num primeiro momento, uma breve revisão histórica sobre Wesley

foi oferecida. Nela procuramos mostrar um pouco como que seus conceitos se desenvolveram

e foram expressos no decorrer dos anos. Procuramos, através de seus sermões, cartas e obras,

captar seu pensamento e seus conceitos sobre santificação. Os diversos eventos com os quais

ele interagiu também nos ofereceram uma janela para as suas idéias. Esta parte do trabalho foi

dividida em cinco partes: 1) John Wesley e a Inglaterra do Séc. XVIII, 2) o pensamento

wesleyano durante o surgimento do metodismo (1725-1739), 3) o pensamento wesleyano

durante o reavivamento metodista (1739-1744), 4) a consolidação do pensamento wesleyano

(1744-1758) e, 5) amadurecimento do pensamento de Wesley (1758-1791).

Num segundo momento, observamos que sua compreensão de santificação cristã está

intimamente interconectada com outros temas como o pecado e a natureza humana, a

expiação, a justificação, a obediência à Lei de Deus e finalmente a perfeição cristã. Enquanto

que santificação só começa a partir da justificação, ela segue o cristão durante toda a sua vida,

e nunca acaba. É um caminho composto por diferentes etapas que permite ao cristão crescer

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até alcançar a perfeição cristã. Enquanto que a santificação permite a remoção da presença e

do poder do pecado no ser humano, contudo, não é eliminada a possibilidade para erros,

doenças, tentações e até a possibilidade de uma recaída em pecado. Mas ela habilita o ser

humano a novamente “amar a Deus de todo o coração e o próximo como a si mesmo”,

tornando a santificação um processo que afeta o indivíduo e se manifesta socialmente.

No entanto, para que tal obra possa ser realizada, deve haver um esforço por parte do

ser humano em colaboração com a atuação divina. Este esforço se manifesta na forma de

obediência à vontade e lei de Deus. Santificação possui como objetivo habilitar o ser humano

das virtudes que também havia em Cristo Jesus.

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CAPÍTULO II – VIDA E TEOLOGIA DA SANTIFICAÇÃO EM ELLEN G. WHITE

Introdução

Neste capítulo, estaremos abordando alguns aspectos da vida de Ellen G. White (1827-

1915) em conexão com o tema da santificação. Os eventos que mais se aproximam e se

relacionam com o tema da santificação e da perfeição cristã serão estudados, procurando

assim, oferecer uma compreensão do pensamento whiteano sobre estes temas. Utilizaremos a

estrutura proposta por Knight em Uma igreja mundial, adaptando-o para este trabalho em

cinco momentos: 1) Ellen White e os Estados Unidos do séc. XIX, 2) o pensamento whiteano

durante o movimento millerita (1840–1844), 3) o pensamento whiteano durante o

desenvolvimento doutrinário adventista (1844-1848), 4) Ellen White durante o

desenvolvimento organizacional adventista (1848-1888), e 5) maturidade e expansão do

pensamento whiteano (1888-1915).

Em seguida, abordaremos aspectos teológicos do pensamento de White ligados ao

conceito de santificação. Neste sentido, procuraremos compreender sua conexão com outros

aspectos como 1) a natureza do ser humano e o pecado, 2) a expiação, 3) a justificação, 4) a

obediência, e 5) a perfeição cristã. Finalmente, uma síntese do pensamento whiteano sobre a

santificação concluirá nosso capítulo.

1 Aspectos biográficos concernentes ao tema

De 1830 a 1844 surgiu nos Estados Unidos um grupo de cristãos advindos de

diferentes denominações cristãs que anunciavam o segundo advento de Jesus Cristo para o

ano de 1844. Era enfatizada a segunda vinda de Cristo e a necessidade do povo se santificar

para esta vinda. Este movimento passou a ser chamado de “millerita”, após um de seus

principais pregadores, William Miller (FROOM, 1982, v. 4, p. 429-827). O ano de 1844

chegou e Cristo não veio, deixando o grupo extremamente decepcionado, desmotivado e

desmembrado. Desta grande decepção, um pequeno grupo decidiu retomar as forças e voltar a

estudar as Escrituras a fim de descobrir o que havia realmente acontecido naquele ano. Dentre

os que pertenciam a este pequeno grupo, se encontrava uma moça de dezessete anos chamada

Ellen Gould Harmon. Através de sua atuação, influência, direção e guia, Ellen Gould Harmon

(após seu casamento, Ellen Gould White) ajudou aquele pequeno grupo desmotivado e

espalhado pelos Estados Unidos a se unir e se tornar uma igreja forte, viva e crescente.

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Seu legado é uma quantia considerável de livros, artigos e cartas (chamados de “testemunhos”

no meio adventista) ajudando a direcionar o caminho que esta igreja tomou desde seu

surgimento. Apesar de não definir a doutrina adventista, White, através de seus escritos,

influenciou de forma marcante o comportamento, pensamento e estilo de vida dos membros

desta denominação. Seus escritos, abrangem uma gama de assuntos desde a vida particular

como espiritualidade pessoal, saúde e higiene pessoal, até tópicos como sociologia, política,

educação, como também a questões administrativas e econômicas deste movimento

emergente. A presente seção tem como objetivo apresentar uma breve biografia da vida e

escritos de Ellen White, enfocando os momentos que ela se deparou com o tema da

santificação.

1.1 Ellen White e os Estados Unidos do Séc. XIX

O período em que Ellen White viveu nos Estados Unidos foi um período de profundas

mudanças para o país. Tais mudanças podem ser destacadas no desenvolvimento social do

país, no desenvolvimento religioso e nas mudanças intelectuais.

Durante os primeiros anos de vida de White, os Estados Unidos experimentava um

constante crescimento para o oeste. Novos estados, como Arkansas, Michigan, Iowa, Florida e

Wisconsin, eram agregados à União. A revolução industrial também havia alcançado os

Estados Unidos, levando-os a deixar a posição de um país produtivo de segunda categoria

para o primeiro lugar em produção de bens. Enquanto que grande parte do transporte terrestre

era feito por cavalos e carruagem, o país construiu uma malha ferroviária que unia o país de

leste a oeste, norte a sul, auxiliando no crescimento e tornando-se o símbolo do período pós-

guerra civil (LAND, 1987, p. 63-76).

Além do acúmulo de territórios ao país, os Estados Unidos experimentou um

crescimento populacional tremendo. “A população dos Estados Unidos elevou-se de cerca de

5 milhões em 1800 para mais de 20 milhões em 1850”. Imigrantes chegavam aos Estados

Unidos diariamente aos milhares, trazendo consigo todo tipo de religião, filosofia e prática,

ameaçando a “homogeneidade religiosa” característica de uma America protestante

(DOUGLASS, 2001, p. 46). No fim da vida de White, os Estados Unidos já mantinha um

total de quase nove milhões de imigrantes, elevando a população total do país a mais de 100

milhões (KNIGHT, 1998, p. 77). Este crescimento naturalmente levou milhares a se

aglomerarem em cidades, tornando as condições de vida paradoxais.

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Enquanto que as cidades ofereciam novas tecnologias como o telefone, bondes

elétricos, livrarias públicas, e oportunidades de emprego, muitos estudiosos destacam os

aspectos negativos da vida urbana americana no século XIX (LAND, 1987, p. 80). Só em

Nova Iorque, estima-se que “11 toneladas de estrume e 227 mil litros de urina” eram

depositados nas ruas pelos cavalos e animais de transporte. Junto a isto, as toneladas diárias

de lixo atraíam enxames de moscas, mosquitos e insetos (Ibid., p. 81). A maioria das cidades

não possuía um sistema de saneamento público, abrindo as portas para ameaças constantes de

cólera, malária, febre tifóide, caxumba e outras doenças.

Na medicina, uma linha de tratamento bastante divergente dos conceitos defendidos

hoje era divulgada entre a alta cúpula de médicos americanos do século XIX. Muitos dos

métodos propostos eram muitas vezes mais prejudiciais do que benéficos, mostrando a

distância entre a medicina daquela época e a medicina atual. Entre os vários métodos de tratar

doentes, encontramos a medicina “heróica” promovida por Bejamin Rush (1745-1813),

bastante divulgada naquela época. Os pacientes eram submetidos a estes tratamentos,

passando por violentos purgantes e vomitórios.

Rush copiosamente sangrava seus pacientes para relaxar a tensão vascular, a qual ele acreditava ser o responsável primário por elas [febres]. O controle deste fluido corporal... era a chave para uma intervenção positiva. Sob sua influência, uma geração de médicos passaram a sangrar americanos, muitas vezes suprindo o trabalho com doses de um purgante poderoso – Calomel (SCHOEPFLIN, 1987, p.145).

No âmbito religioso, DOUGLASS descreve que “revivalistas e milenialistas,

comunitários e utopistas, espiritualistas e prognosticadores, celibatários e polígamos,

perfeccionistas e transcendentalistas [...] adicionavam tempero ao cenário religioso

anteriormente dominado pelas organizações religiosas convencionais” (Ibid., p. 47).

Encontramos neste século o crescimento do segundo grande reavivamento que havia se

iniciado em meados de 1790. Este reavivamento era caracterizado no início por sua

“uniformidade em quase todas suas aparições”. A intenção original era a pregação da

“verdade simples do evangelho”, sendo ela “a soberania absoluta de Deus, a depravação total

do homem, e o amor expiatório de Cristo” (AHLSTROM, 1979, p.417). No entanto, com o

passar do tempo, este reavivamento passou a assumir uma forma mais entusiasta.

Uma das características principais deste reavivamento era a prática de encontros em

camp meetings (reuniões campais), propagada por James McGready, um pregador

presbiteriano (HUDSON, 1987, p. 131). Estes encontros podiam atrair milhares de pessoas,

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chegando muitas vezes a um total de 25 mil participantes. James Finley retrata um pouco a

agitação que podia ser testemunhada nestes camp meetings.

O barulho [...] era como o rugir do Niágara. O vasto mar de seres humanos parecia ser agitado por uma tempestade. Eu contei sete ministros pregando todos ao mesmo tempo, alguns sobre palanques, outros sobre vagões, e outro... em pé sobre uma arvore que, ao cair, havia se apoiado sobre outra. Algumas pessoas estavam cantando, outros orando, outros clamando por misericórdia nos tons mais pietistas, enquanto que outros gritavam freneticamente. [...] Eu cheguei a ver em uma só vez quinhentos caírem [“mortos no Espírito”] em só um momento, como se uma bateria de milhares de armas tivessem atirado sobre eles, sendo seguido imediatamente por gritos e guinchos que alcançavam os céus (KNIGHT, 1998, p. 24).

Em conseqüência a este reavivamento, uma onda de entusiasmo missionário varreu

toda America protestante. Conforme os Estados Unidos crescia para o ocidente, os metodistas

e batistas acompanhavam o avanço com seus pregadores itinerantes. Conforme cada nova

conferência era estabelecida, novos pregadores itinerantes eram recrutados para visitar cada

família e cada lar. Um missionário presbiteriano no estado de Kentucky comentou da eficácia

demonstrada por estes pregadores: “Fico ambicioso ao encontrar uma família cuja casa não

fora visitada por um pregador metodista. [...] Tenho viajado de colônia em colônia [...] mas

em cada casa que entro, descubro que um missionário metodista já havia passado por ali”

(HUDSON, p. 141). Junto com o avanço missionário, novas sociedades também foram

construídas, como a American Bible Society em 1816; a American Sunday School Union, em

1824; e a American Home Missionary Society em 1826 (KNIGHT, 1998, p. 27).

Apesar do crescimento do território americano, muitos achavam que isto não era

suficiente. Sendo assim, muitos se ofereciam a iniciar novas missões em países fora de sua

pátria. Em 1812, aparecem os primeiros cinco missionários americanos que viajaram para a

India sob a tutela da American Board of Commissioners of Foreign Missions, fundada em

1810. Milhares de americanos atendiam ao apelo de dedicar sua vida às missões e à pregação

do evangelho em países estrangeiros. Este movimento cresceu até alcançar, em 1850, um

gasto anual de 650 mil dólares em missões estrangeiras (HUDSON, p. 149).

Um dos fenômenos observados no segundo grande reavivamento foi a efervescência

do milenialismo religioso e político. Muitos passaram a se interessar por, e estudar, passagens

bíblicas com caráter apocalíptico e a proclamar o advento do milênio. Para alguns, este

milênio era de caráter espiritual, enfatizando a segunda vinda de Cristo; enquanto que outros

defendiam um milênio secular, acreditando que os Estados Unidos, como uma república

protestante democrática, seria o novo Israel de Deus (KNIGHT, 1998, p. 13-18). Inspirados

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por estas teologias, movimentos sociais cresciam dentro do país na tentativa de direcionar o

povo americano à reforma e ao reavivamento.

Outra marca deixada pelo segundo grande reavivamento foi a emancipação dos

escravos. “O reavivamento dos anos de 1820 e 1830 enfatizavam a liberdade de todo pecado,

e muitos viam a escravatura como um pecado” (Ibid., p. 46). Esta discussão gerou muita

confusão levando o país a um estado de guerra, culminando com a guerra civil em 1861.

Muitas igrejas acabaram se dividindo entre norte (os que apoiavam a abolição) e sul (os que

rejeitavam a abolição), como no caso da Igreja Batista (AHLSTROM, p. 648-669). O motivo

para o sul se apegar à escravatura estava diretamente ligado à economia. Muitos acreditavam

que o bem estar da economia e da produção de algodão dependia do trabalho escravo. Outros,

usando o argumento religioso, afirmavam que a escravatura havia sido estabelecida pela

autoridade divina e que lutar contra esta causa significava rejeitar a Palavra de Deus

(HUDSON, p. 190).

A guerra civil (1861-1865) foi um divisor na história dos Estados Unidos. Muitos

livros analisam a história dos Estados Unidos antes e depois da guerra civil. Durante o novo

período que sucedeu a guerra, “o povo americano se tornou muito mais heterogêneo. O

advento da ciência moderna alterou drasticamente o clima intelectual. E o passo acelerado da

industrialização criou novos centros de poder na vida nacional” (Ibid., p. 197). Havia uma

nova massa de homens e mulheres livres que precisavam de alimentação, trabalho, estadia e

educação. Novas organizações e movimentos se levantaram para atender às novas

necessidades do povo americano. Igrejas se uniram neste propósito, pregando um evangelho

que atendesse às necessidades de milhares de escravos recém libertos. No entanto, foi um

processo difícil e doloroso. Apesar do governo americano ter abolido a escravatura, concedido

direitos de cidadania e direito a voto a todos os negros, muitos permaneciam em situações

idênticas à quando eram escravos.

Além da emancipação de escravos, o segundo grande reavivamento proporcionou um

terreno propício para o surgimento de uma nova entidade religiosa chamada denominação.

Neste novo território onde todos eram considerados iguais e nenhuma mantinha “união” com

o governo, qualquer denominação poderia crescer e “vender” seu produto no mercado aberto.

Conforme Philip Schaff comentou em 1844:

Tendências que não haviam encontrado espaço político para se desenvolver em outras terras crescem aqui sem restrição. [...] Todo vagabundo e infante teológico pode trazer seu negócio [religioso], sem necessidade de passaporte ou licença, e vender sua falsa mercadoria como quiser. (KNIGHT, 1998, p. 51).

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Uma das igrejas que surgiu neste período foi a Igreja dos santos dos últimos dias,

também conhecida como a Igreja Mormon, fundada por Joseph Smith em Fayette, Nova

Iorque. Smith alegava receber visitas angelicais, a partir das quais ele publicou o Livro de

Mórmon (CLARK, 1968, vol. 1, p. 108-109). Em 1830, missionários foram enviados pelos

diferentes estados para proclamar a doutrina mórmon. Seus novos conceitos sobre religião,

salvação, história e vida cotidiana receberam muita rejeição por parte de protestantes. Após o

assassinato de Smith em 1844, Brigham Yound liderou o grupo de 16 mil mórmons através

das planícies de Salt Lake até chegar no que hoje é conhecido como o estado de Utah. A sede

de sua igreja foi estabelecida em Salt Lake, onde permanece até hoje.

Outro movimento religioso que surgiu nesta época é o espiritismo moderno. Em

fevereiro de 1848, as irmãs Margaret e Katie Fox passaram a ouvir batidas misteriosas no

chão da casa e, a partir destas batidas, se comunicaram com o espírito que supostamente

produzia essas batidas. Elas desenvolveram um sistema de comunicação com os espíritos,

podendo estes responder a qualquer pergunta que elas fizessem. Elas se tornaram,

eventualmente, médiuns profissionais, “mantendo encontros públicos e cobrando quantias de

dinheiro conforme apresentavam revelação após revelação sobre o mundo sobrenatural”

(KNIGHT, 1998, p. 61-62).

O espiritismo cresceu em várias cidades e outros médiuns surgiram em conseqüência.

A partir daquela técnica desenvolvida pelas irmãs, o movimento de mesas, psicografia,

comunicações com os mortos e outros fenômenos se tornaram comuns dentro do movimento

espírita. Em 1857, já havia 67 periódicos espíritas nos Estados Unidos, divulgando a

mensagem espírita. Muitos se envolviam com o espiritismo por questões puramente

emocionais, sem reconhecer neste movimento seu lado religioso (MOORE, 1974, p. 81). Um

dos espíritas mais famosos desta época foi Andrew Jackson Davis, que entre os vários livros

publicados, psicografou Os princípios da Natureza, sua revelação divina, e uma voz à

humanidade. Este livro é o principal responsável por formar o vocabulário e a teologia do

espiritismo moderno (CLARK, p. 359-361).

Apesar dos Estados Unidos oferecerem um território fértil para o surgimento e

acomodação de várias denominações e igrejas, havia uma que era discriminada de forma

pública: a Igreja Católica. Muitas das igrejas que eram perseguidas no continente europeu

encontraram um lugar seguro nas Américas para se instalar e crescer. Quando perceberam que

a Igreja Católica acompanhava seus movimentos e estava se instalando nos Estados Unidos

também, muitas igrejas temeram por sua liberdade.

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Dos imigrantes que chegavam aos Estados Unidos diariamente, muitos eram de

confissão católica e eram interpretados como agentes enviados por governos europeus a fim

de derrubar a democracia americana (KNIGHT, 1998, p. 63). Uma enxurrada de literatura

anti-católica se espalhou pelo país advertindo os protestantes dos perigos que a Igreja Católica

poderia trazer para a liberdade americana. Esta era uma nação protestante, ou seja, que

“protestava” contra a teologia católica e suas práticas. Mas enquanto que os primeiros

protestantes protestavam contra conceitos e práticas católicas como a infalibilidade papal, a

confissão para padres, a intercessão dos santos, o purgatório, os livros apócrifos, a mudança

da santidade do sábado para o domingo e a transubstanciação do pão para o corpo de Cristo,

os protestantes americanos se opunham às pessoas e famílias que eram católicas e que não

pertenciam ao clero da igreja. “O anti-catolicismo daquele período tomou a forma de protesto

contra a imigração, especialmente de áreas católicas na Irlanda e no sul da Europa; e oposição

à escolas católicas” (CLARK, p. 204).

A última mudança que gostaríamos de destacar se encontra no campo intelectual. Foi

perto dos anos finais de White que percebemos o crescimento do liberalismo cristão. O

liberalismo cristão pode ser considerado como uma tentativa de adequar a proposta cristã ao

novo mundo que estava se desenvolvendo. Com a publicação de A origem das espécies de

Charles Darwin, muitos acharam um meio de explicar o humano sem precisar se referir ao

divino. “Uma década após a Guerra Civil, praticamente cada cientista americano importante

tinha se convertido para a teoria darwinista da evolução biológica e ao ‘socialismo darwinista’

de Herbert Spencer” (HUDSON, p. 247). Os que aderiram a esta nova forma de ver o mundo

natural mas mantinham sua aderência à religião afirmavam que Deus se revelava através do

processo da história e da cultura, trabalhando através de leis naturais, inclusive da evolução.

Muitos, ao adotarem métodos científicos em suas interpretações, abandonaram crenças

fundamentais para o cristianismo da época, como a inspiração divina da Bíblia, a queda do

homem em pecado, a possibilidade de milagres, a encarnação e a ressurreição de Jesus. Sua

antropologia passou a ver positivamente o ser humano como capaz de si e capaz de realizar o

bem. O pecado não era mais visto como uma rebelião contra Deus, mas como o resultado da

ignorância e resquício do processo evolutivo. Se o ser humano pudesse ser educado e

“reformado”, ele poderia resolver os problemas sociais e instaurar a paz. Finalmente, Jesus

não era mais aceito como um sacrifício substitutivo, mas como um exemplo de vida e

conduta. “Teólogos liberais desejavam ‘libertar’ a religião do obscurantismo e da escravidão

dos credos, a fim de dar ao homem poderes morais e racionais com maior amplitude”

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(AHLSTROM, p.779). Também foi na segunda metade da vida de White que a Alta Crítica

alcançou sua maturidade com as obras de Julius Wellhausen. Seus princípios desenvolvidos

na interpretação do Antigo Testamento também foram aplicados pela escola de Tübigen ao

interpretar o Novo Testamento (CLARK, p. 287-289).

1.2 O pensamento whiteano durante o movimento millerita (1840 – 1844)

Ellen Harmon e sua irmã gêmea Elizabeth nasceram em Gorham, no estado do Maine,

Estados Unidos em 26 de novembro de 1827. Ellen cresceu em uma família metodista junto

com seus sete irmãos e irmãs. À idade de nove anos, ela sofreu um acidente que a deixou

muito debilitada. Uma de suas colegas de escola, por algum motivo, lançou uma pedra e

acabou acertando o rosto de Ellen. Devido à este acidente, por algum tempo, Ellen ficou entre

a vida e a morte, e sua família duvidou que ela conseguisse sobreviver àquela traumática

experiência. A recuperação foi lenta e dolorosa. Aos doze anos ela procurou voltar à escola,

mas logo percebeu que sua vida escolar não teria sucesso e parou seus estudos.

Em março de 1840, Ellen teve a oportunidade de participar de uma série de reuniões

onde William Miller, um pregador itinerante, pregava sobre as profecias de Daniel 8 e a

segunda vinda de Jesus Cristo. Miller mostrava a importância da população estar preparada

para a segunda vinda de Cristo. Muitos que participavam dessas reuniões saiam de lá temendo

por sua salvação, pois não se consideravam prontos para este grande evento. “Realizavam-se

reuniões de oração e havia um despertamento geral entre as várias denominações; pois todos

sentiam, uns mais e outros menos, a influência do ensino da próxima vinda de Cristo”. Nestas

reuniões, White relata que muitos eram “convidados a ir à frente, para o lugar daqueles que

desejavam auxílio cristão especial, centenas atenderam o apelo. E eu me coloquei entre os que

buscavam aquele auxílio” (WHITE, 2000, vol. 1, p. 16-17). No entanto, White não se

considerava “digna de ser chamada por Deus”. Pairava em seus pensamentos o sentimento de

que seus pecados não seriam perdoados e caso Jesus aparecesse naquele instante, ela não seria

salva.

Este sentimento permaneceu durante alguns meses. Um ano depois, White teve a

oportunidade de participar de uma reunião campal em Boston, no estado de Maine. Ali, suas

incertezas foram acalmadas por um sermão que ouviu, mostrando que se as pessoas “se

entregassem a Deus, e sem mais demora confiassem em Sua misericórdia”, elas encontrariam

um Salvador “compassivo, pronto para lhes apresentar o cetro da misericórdia. Tudo que se

exigia do pecador, trêmulo ante a presença de seu Senhor, era que estendesse a mão da fé e

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tocasse no cetro de Sua graça. Aquele toque asseguraria perdão e paz” (Ibid., p. 16). White

descobriu que era um erro tentar tornar-se mais digna do favor divino antes de arriscar

alcançar a promessa de Deus.

Somente Jesus purifica do pecado; apenas Ele pode perdoar nossas transgressões. Ele assumiu o compromisso de ouvir as petições e deferir as orações dos que pela fé a Ele recorrem. Muitos têm uma idéia vaga de que devem fazer algum esforço extraordinário a fim de alcançar o favor de Deus. Toda confiança própria, porém, é vã. É unicamente ligando-se a Jesus pela fé, que o pecador se torna filho de Deus, cheio de esperança e crença (Ibid., p. 17).

Essas palavras a consolaram, e deram-lhe uma visão do que devia fazer para ser salva.

White procurou então obter perdão de seus pecados e se entregar inteiramente a Deus.

Contudo, ela continuava confusa quanto à natureza da conversão, pois não “experimentava o

êxtase espiritual que considerava ser a prova de minha aceitação da parte de Deus”. Seus

comentários nos mostram a sua incessante busca por segurança e por uma experiência

extática, prática comum no metodismo americano do século XIX (WHIDDEN, 1989, p. 30).

Estas reuniões tiveram um forte impacto em sua vida espiritual, levando-a ao batismo

por imersão na Igreja Metodista em 1842. Neste contexto, White também começou a se

interessar pelo tema da santificação. Havia interesse e frustração ao mesmo tempo:

Eu assistia freqüentemente às reuniões e cria que Jesus devia logo vir nas nuvens do Céu; o que me preocupava, porém, era estar pronta para O encontrar. Eu pensava constantemente no assunto da santidade do coração. [...] Ouvi muito a respeito da santificação entre os metodistas. Vi muitas pessoas perderem sua força física sob a influência de forte agitação mental, e ouvi falar que isso era positiva evidência de santificação. Mas não pude compreender o que era necessário para ser plenamente consagrada a Deus. [...] Minhas idéias a respeito da justificação e santificação eram confusas. Esses dois estados foram-me apresentados como sendo separados e distintos um do outro. Não pude compreender a diferença ou o significado dos termos, e todas as explicações dos pregadores aumentavam minhas dificuldades (WHITE, 2000, vol. 1, p. 22-23).

Mais uma vez, podemos identificar aqui o conceito metodista de perfeição. Não devemos

esquecer que a esta altura, nem todos os pregadores metodistas defendiam o mesmo conceito

de perfeição, especialmente o da “segunda benção” (PETERS, 1956, p. 133-181). O próprio

Wesley havia orientado aos pregadores metodistas a não se referirem ao tema da “segunda

benção.

O elemento da instantaneidade no conceito metodista de santificação também pode ser

identificado no convite que os amigos de White faziam: “Creia em Jesus agora! Creia que Ele

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a aceita agora”. “Tentei fazer como me disseram, mas descobri ser impossível acreditar que

eu recebera a bênção, a qual, eu julgava, deveria eletrizar todo o meu ser. Admirei-me de

minha própria dureza de coração ao ser incapaz de experimentar a exaltação de espírito que

outros haviam manifestado” (WHITE, 2000, vol. 1, p. 22-23).

Além de suas próprias lutas pessoais, o comportamento de muitos que alegavam

perfeição a deixava confusa. White relata que observava pessoas que se diziam santificadas,

mas que demonstravam um “espírito amargurado quando o assunto da breve volta de Jesus

era apresentado. Isso não me parecia uma manifestação da santidade que professavam” (Ibid.,

p. 23). O que ela ouvia dizer sobre a perfeição cristã e o que ela via e experimentava eram

duas coisas diferentes. A santificação era apresentada como algo instantâneo e experimental,

mas ela não conseguia experimentar esta santificação. Devemos ressaltar neste momento a

relação apresentada por White entre santificação e a “volta de Jesus”.

Está é uma percepção que ocorre não apenas aqui, mas que a segue até seus últimos

dias. Sua busca pela santificação não era caracterizada pelo reavivamento, como no caso do

movimento wesleyano, mas no contexto da expectativa da vinda escatológica de Jesus Cristo.

Whidden mostra que podemos encontrar diversos elementos metodistas no relato da

conversão de White. Um elemento interessante que ele aponta, é a necessidade de

testemunho. Phoebe Palmar enfatizava a necessidade de, uma vez que o crente experimenta a

segunda benção, testemunhar de sua experiência para outros (WHIDDEN, p. 43). Além disto,

como veremos mais adiante, White usou expressões que eram caracteristicamente wesleyanas,

como “a santidade de coração e vida” (WHITE, 2000, v. 1, p. 335-340). No entanto, mesmo

que em diversos momentos ela use uma terminologia metodista, a motivação por detrás da

busca era inteiramente millerita.

Foi apenas através de uma conversa com um pastor metodista, adepto da mensagem

millerita, que White conseguiu obter paz de espírito e compreensão sobre este assunto. A sua

própria luta, disse este pastor, era uma evidência de que Deus estava lutando por sua vida.

Deus não a abandonara, mas a estava conduzindo. A partir deste encontro, White relata que

seus conceitos sobre Deus e a salvação mudaram. Sua fé, apesar de infantil, motivou-a a

contar sua história em diversos lugares, convidando seus ouvintes a se prepararem para a

segunda vinda de Cristo. O entusiasmo pela mensagem do segundo advento de Jesus Cristo,

no entanto, não era aceito por muitos, e especialmente por sua igreja. Muitos pregadores

milleritas eram expulsos do púlpito de muitas igrejas por pregarem esta mensagem. White e

sua família acabaram, eventualmente, sendo desligados da Igreja Metodista em 1843 (Ibid., p.

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43). Mas a rejeição por parte de muitos não a desanimou, pois seu maior anseio era ver Jesus

voltando no ano 1844.

Suas esperanças, contudo, não se concretizaram. O ano de 1844 passou e Cristo não

voltou. Um grande desapontamento brotou no coração de todos que pertenciam ao movimento

millerita. É no contexto do desapontamento do movimento millerita que surge o dom

profético em Ellen G. White2. Em dezembro daquele mesmo ano, ela recebeu sua primeira

visão, fenômeno que a seguiu até o fim de sua vida em 1915 (Ibid., p. 23).

1.3 O pensamento whiteano durante o desenvolvimento doutrinário adventista (1844-

1848)

Em 1846, Ellen se casou com James White, com quem teve 4 filhos: Henry, Edson,

William e John Herbert (que morreu com três meses de vida, vítima de erisipela)

(DOUGLAS, 2001, p. 57). James também era pregador e gostava de acompanhar Ellen pelos

Estados Unidos pregando as mensagens do adventismo.

“Conhecido por sua persistência e são juízo, James era considerado um líder de confiança por parte dos seus irmãos adventistas do sétimo dia. Era não apenas um estrategista, mas lutava como um guerreiro no campo de batalha. Ele iniciou a obra de publicações da igreja a partir do zero, fomentou a organização da igreja e desenvolveu o sistema educacional quando outros viam nisso apenas um sonho. Sua robusta fé e contagiosa alegria comoviam o público ouvinte. Fundos e apoio apareciam. Seu extraordinário talento comercial salvou a denominação de muitas dificuldades” (DOUGLAS, p. 53).

Esta pode ser considerada uma descrição um tanto apaixonada, mas não deixa de

ressaltar a influência e importância deste casal no movimento adventista. Ellen e James se

tornaram pioneiros fundamentais e ajudaram a moldar o adventismo que hoje conhecemos.

Apesar de serem de contextos religiosos diferentes (Ellen era metodista e James era da

Conexão Cristã), a mensagem da segunda vinda de Cristo achou aceitação na mente de

ambos, que passaram o resto de sua vida promovendo-a.

2 Por “dom profético” entende-se à alegação de revelações especiais de Deus. Tais “revelações” muitas vezes aconteciam através de sonhos e visões. Estas visões, muitas vezes, aconteciam quando Ellen se encontrava na companhia de outras pessoas. Era também possível receber “sonhos” contendo mensagens especiais enquanto ela dormia a noite. Apesar da Igreja Adventista do Sétimo Dia a aceitar como uma mulher que tinha o dom profético com uma mensagem profética para os “últimos dias”, pode-se encontrar também aqueles que discordam de tal posição e se tornaram críticos de Ellen White. Entre as diferentes críticas, alega-se que Ellen White sofria de epilepsias e transes. Ver Delbert H. Hodder, “Visions or Partial-Complex Seizures?” Evangelica. Vol. 2, N. 5, Novembro 1981; Ronald D. Graybill, The Power of Prophecy: Ellen G. White and the Women Religious Founders of the Nineteenth Century. Tese de doutorado pela John Hopkins University, Baltimore, MD, 1983.

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A luta por uma compreensão equilibrada da santificação não ocorreu apenas nos

primeiros anos após o batismo de Ellen White. Como lembra Whidden (Ibid., p. 53), White

teve que lidar pelo menos seis vezes nos primeiros dez anos de seu ministério com o assunto

de santificação e especialmente a do perfeccionismo.

A primeira situação em que White se defrontou com pessoas que apresentavam,

conforme ela definiu, um conceito “fanático” da santificação, foi logo após o desapontamento

millerita, em 1845. Após o desapontamento de 1844, o grupo millerita acabou se

desintegrando em quatro grupos (SCHARWZ e GREENLEAF, 2000, p. 55-56). Entre estes,

um grupo referido como “espiritualistas” se levantou, afirmando que o evento que eles

estavam aguardando (a segunda vinda de Cristo), havia realmente ocorrido e que eles estavam

no céu, tendo assim, ultrapassado o estágio de pecar. Eles acreditavam que haviam alcançado

tamanho estágio de santificação que não poderiam mais pecar; que tudo que fizessem, era

puro e santo. Conforme as palavras de White, eles defendiam que “eram santificados, que não

podiam pecar, que haviam sido selados e santificados, e que todos os seus pensamentos e

conceitos eram da mente de Deus” (WHITE, 1985, v. 1, p. 71). Todo o evento esperado não

passava de uma alegoria e Cristo havia, na verdade, vindo de forma espiritual. Conforme

Cristo viesse a esta terra, ele viria no coração de cada crente (Ibid., p. 79). Como resultado,

eles acreditavam que poderiam manter “esposas espirituais”, desde que amassem uns aos

outros como cristãos. Muitos mantinham reuniões de forma completamente nua e outros

compartilhavam suas esposas entre o grupo. Tudo isto era considerado por ela como um

“falso entusiasmo” (Ibid., p. 82-83).

A segunda situação ocorreu no estado de New Hampshire. Em Claremont, White

visitou os lares de duas famílias: Bennett e Bellings. Em sua visita, ela descobriu que eles

professavam ser santificados e que haviam alcançado um estado de impecabilidade. Os dois

senhores destas famílias afirmavam que já haviam superado a preocupação por coisas

“terrenas”. Durante sua visita, White percebeu o pobre estado no qual estas famílias se

encontravam. As crianças andavam mal vestidas e em condições deploráveis e as esposas

sobrecarregadas de responsabilidades. “Sua santificação [professada pelos dois maridos]

perdeu seu charme aos meus olhos. Envolvido em oração e meditação, deixando de lado as

preocupações e responsabilidades desta vida,” estes homens estavam falhando em prover

pelas verdadeiras necessidades de sua família. Enquanto que o resto da família se preocupava

com as tarefas e responsabilidades do cotidiano, estes homens “mantinham seus pensamentos

acima das coisas deste mundo”. Foi nesta ocasião que White teve a oportunidade de observar

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os resultados do que ela chamava de “magnetismo espiritual” (Ibid., p. 79). Ahlstrom

reconhece esse fenômeno como “magnetismo animal” e o define como um tipo de

hipnotismo. Segundo ele, este fenômeno “acrescentava uma nova dimensão ao conceito

popular da consciência humana” (Ibid., p. 477).

Neste contexto, White nos relembra que santificação não é definida por “inatividade e

meditação abstrata” e que “quanto maior for nosso amor por Deus, mais forte será nosso amor

e cuidado por aqueles que Deus nos confiou. O Salvador nunca ensinou inatividade e

meditação abstrata, negligenciando assim as responsabilidades que se levantam em nosso

caminho”. White também relembra que santificação se manifesta por “atos de bondade e

misericórdia” e através do “amor que leva homens e mulheres a tratar outros melhor do que a

si mesmos” (WHITE, 1943, p. 80). White percebeu que apesar de professarem grande

humildade, eles “se orgulhavam de sua sofisticada santificação e resistiam qualquer apelo à

razão”. Toda tentativa de dissuadi-los de sua posição resultava em frustração.

Posteriormente, em New Hampshire, White encontrou estes conceitos sobre

santificação sendo repetidos. Outras pessoas também apoiavam o conceito de que “aqueles

que são santificados não podem pecar. Isto, naturalmente levou à crença de que as afeições e

desejos daqueles que são santificados estão sempre certos e nunca estão no perigo de levá-los

a pecar. Em harmonia com estes sofismas, eles praticavam os piores pecados sob o manto da

santificação” (Ibid., p. 83). White rejeitava completamente o conceito de que a “alegação” de

santificação automaticamente inocentava o ser humano de qualquer ato praticado.

Neste contexto, White reflete:

Aqueles que triunfalmente advogam impecabilidade, mostram por sua própria jactância que estão longe de não serem manchados pelo pecado. Quanto mais claramente o pecador compreender o caráter de Cristo, mais desconfiado será de si mesmo. Também mais imperfeitos serão seus atos em seu ver, em contraste com aqueles que marcaram a vida do Redentor imaculado. Mas aqueles que estão longe de Jesus, aqueles cujas percepções espirituais estão tão obscurecidas pelo erro que não conseguem compreender o caráter do grande Exemplo, consideram-nO como se fosse igual a eles, e ousam tratar de sua própria perfeição de santidade. Mas estão longe de Deus; pouco conhecem de si mesmos, e menos ainda de Cristo (Ibid., p. 84).

Ao voltar para o estado de Portland, White se alarmou pelos crescentes efeitos do

“fanatismo” mencionado acima. Muitos ali “pensavam que a religião consiste em excitamento

e barulho” (WHITE, 1988, p. 73). Outros professavam “grande humildade, e advogavam o

arrastar-se no chão, quais crianças, como prova de humildade. [...] Costumavam arrastar-se

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em redor de suas casas, nas ruas, nas pontes e na própria igreja”, interpretando de forma

literal o texto de Mateus 18:1-6 (Ibid., p. 73-74).

1.4 Ellen White durante o desenvolvimento organizacional adventista (1848-1888)

O terceiro incidente onde White se deparou com o tema da santificação ocorreu em

1850, quando White visitou a cidade de Camden, Nova Iorque. Ali ela conheceu uma mulher

que testemunhava publicamente ter “perfeito amor e gozava santidade de coração, que não

tinha provas, nem tentações, mas fruía perfeita paz e se submetia à vontade de Deus”.

Posteriormente, sua verdadeira vida acabou vindo à tona quando ela foi levada a confessar um

relacionamento adúltero que mantinha com outro homem (Ibid., p. 132-133).

Outra situação descrita por White foi em Vermont, quando dois homens passaram a

“ensinar a doutrina da extrema santificação, pretendendo não poderem pecar e estarem

preparados para a trasladação. Praticavam o magnetismo e pretendiam receber iluminação

divina ao estarem numa espécie de êxtase”. Estes homens “não se ocupavam com o trabalho

regular, mas em companhia de duas mulheres, que não eram suas esposas, viajavam de um

lugar para o outro [...] vestidas de alvo linho e com os longos cabelos negros soltos sobre os

ombros. Os vestidos de linho branco deveriam simbolizar a justiça dos santos” (Ibid., p. 138).

Refletindo sobre estas experiências que White teve com afirmações de santificação e

perfeição cristã, Whidden acerta no ponto quando mostra que um dos motivos para ela ter se

distanciado dos aspectos mais importantes da morfologia americana da santidade e perfeição foi o impacto destas experiências negativas. Ela rejeitava especialmente a necessidade do crente professar uma experiência “instantânea” e as expectativas emocionais ligadas à experiência da santificação que parecia estar em alta durante sua época (Ibid., p. 58).

Em 1862, James e Ellen foram convidados a viajar para o estado de Wisconsin para

lidar com um movimento que promovia idéias acerca da santificação. Ellen White considerou

este movimento como “estranho fanatismo” (WHITE, 2000, v. 1, p. 322). Foi durante esta

época que encontramos uma de suas declarações mais conhecidas sobre santificação:

A santificação não é obra de um momento, uma hora, ou um dia. É um contínuo crescimento na graça. Não sabemos em um dia quão forte será nossa luta no dia seguinte... Enquanto Satanás reinar, teremos de subjugar o próprio eu, teremos assaltos a vencer, e não há lugar de parada, nenhum ponto a que possamos chegar e dizer que o atingimos plenamente (Ibid., p. 340).

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Durante a década de 1880, também podemos observar um desenvolvimento na

teologia da santificação em Ellen White. Durante este período, encontramos uma série de

artigos sendo publicados a partir de 1881 na Review & Herald, o principal periódico

denominacional. Estes artigos foram publicados em 1889, em forma de livreto, intitulado

Bible Sanctification. Posteriormente, foi publicado como The Sanctified Life em 1937 (sua

tradução para o português aparece em 1949 como Santificação). Nesta obra, White procura

apresentar seus conceitos sobre santificação analisando a vida de Daniel e o discípulo João.

White abre sua obra defendendo que “a santificação exposta nas Sagradas Escrituras

tem que ver com o ser todo – as partes espiritual, física e moral” (WHITE, 1980, p. 7). Muitos

professam santificação sem, no entanto, possuir a genuína santificação. O cristão que busca o

perfeito caráter cristão jamais afirmará estar sem pecado. “Sua vida pode ser irrepreensível;

podem estar vivendo como representantes da verdade que aceitaram; porém, quanto mais

consagram a mente para se demorar no caráter de Cristo e mais se aproximam de Sua divina

imagem, tanto mais claramente discernirão Sua imaculada perfeição e mais profundamente

sentirão seus próprios defeitos” (Ibid., p. 7-8).

Ela relembra que a verdadeira santificação significa “inteira conformidade com a

vontade de Deus. Pensamentos e sentimentos de rebelião são vencidos e a voz de Jesus suscita

uma nova vida, que penetra todo o ser”. Estes não devem se estabelecer como norma ou

exemplo a ser seguido (Ibid., p. 9). Ela rejeita novamente a relação entre santificação e

emoção. Segundo White, muitos erram neste conceito. “Fazem dos sentimentos o seu critério.

Quando se sentem elevados ou felizes, julgam-se santificados. Sentimentos de felicidade ou a

ausência de gozo não é evidência de que a pessoa esteja ou não santificada” (Ibid., p. 10).

O conceito de santificação instantânea é completamente rejeitado em White. “A

verdadeira santificação é obra diária, continuando por tanto tempo quanto dure a vida”. Deve

ser uma batalha constante “contra tentações diárias, vencendo as próprias tendências

pecaminosas e buscando santidade do coração e da vida” (Ibid., p. 11). Os frutos da

verdadeira santificação podem ser observados durante os momentos de dificuldade e luta.

Enquanto que os que professam falsamente a perfeição em suas vidas são traídos por seu

comportamento nos momentos de dificuldade, aqueles que verdadeiramente “cobrem-se do

manto da justiça de Cristo” refletem a verdadeira perfeição tanto “na prosperidade como na

adversidade”. Aquele que está experimentando a verdadeira santificação demonstra “renúncia

própria, sacrifício pessoal, benevolência, bondade, amor, paciência, magnanimidade e

confiança cristã” diariamente. “Seus atos podem não ser publicados ao mundo, mas eles

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mesmos estão diariamente lutando contra o mundo e ganhando preciosas vitórias sobre a

tentação e o mal”. Os resultados da verdadeira santificação não aparecem instantaneamente,

“é preciso o tempo probante para revelar no caráter o ouro puro do amor e da fé” (Ibid., p.

12).

Devido aos diferentes exemplos negativos observados por White de “falsa

santificação”, é comum notar sua ênfase na religião interior. Para ela, existe um contraste

marcante entre aquele que se dá “ao trabalho de chamar a atenção para suas boas obras,

constantemente falando de seu estado sem pecado e esforçando-se por salientar suas

consecuções religiosas” e o homem verdadeiramente santificado que “anda inconsciente de

sua bondade e piedade” (Ibid., p. 13-14). O fruto que distingue um do outro é a mansidão. Um

exemplo bíblico que ela oferece é o de Daniel.

Daniel possuía a graça da genuína mansidão. Era verdadeiro, firme e nobre. Procurava viver em paz com todos, ao mesmo tempo que era inflexível como o cedro altaneiro, no que quer que envolvesse princípio. [...] O caráter de Daniel é apresentado ao mundo como um admirável exemplo do que a graça de Deus pode fazer de homens caídos por natureza e corrompidos pelo pecado (Ibid., p. 22).

Em sua obra, White apresenta um aspecto peculiar sobre a santificação. Ela relaciona

ao processo da santificação o aspecto do apetite e da temperança. Segundo ela, os hábitos

alimentares afetam diretamente o processo de santificação. “Qualquer hábito que não

promova a saúde, degrada as mais elevadas e nobres faculdades. Hábitos errôneos no comer e

beber, conduzem a erros no pensar e agir. A condescendência com o apetite fortalece as

propensões animais, dando-lhes a ascendência sobre as faculdades mentais e espirituais”.

White acredita que seja “impossível a qualquer pessoa gozar da benção da santificação

enquanto é egoísta e glutona” (Ibid., p. 27). Conforme ela defende, erros alimentares podem

prejudicar, enfraquecer e diminuir a força física, mental e moral do indivíduo. Para ela,

santificação envolve o ser humano de forma holística, abrangendo assim os aspectos físicos

da individualidade humana.

Ela também adverte contra a separação que pode ser feita entre santificação e a

obediência à Lei de Deus.

Ninguém se engane a si mesmo com a suposição de que Deus o perdoará e abençoará, enquanto está pisando um de Seus mandamentos. A prática voluntária de um pecado conhecido silencia a testemunhadora voz do Espírito e separa de Deus a alma. Quaisquer que sejam os êxtases do sentimento religioso, Jesus não pode habitar no coração que desrespeita a lei divina. Deus apenas honrará àqueles que O honram (Ibid., p. 102-103).

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Ellen White costumava viajar muito com seu esposo, porém sempre dentro dos

Estados Unidos. Foi apenas após a morte de seu esposo, em 1881, que ela começou a viajar

para fora do país e espalhar seus conselhos e Testemunhos além mar. Em 1885 ela viajou para

a Europa, passando pela Inglaterra, Dinamarca, Suécia, Noruega, Itália, França e Suíça, onde

fixou residência em Basiléia. Ela ficou ali por dois anos ajudando no desenvolvimento da

igreja (WHITE, 1984, p. 3:316-373). Durante este período, foi lançado The Great

Controversy between Christ and Satan (1888; traduzido para o português em 1921 como O

Grande Conflito). Este é considerado por muitos como um dos livros mais influentes entre

todas as obras que ela escreveu. Trata-se de um desenvolvimento cronológico e temático do

grande conflito entre o bem e o mal (Cristo e Satanás). Nesta obra, White desenvolve a

história da luta entre o bem e o mal pelos séculos, passando pela igreja cristã primitiva, a

Idade Média, os reformadores e finalmente o movimento millerita. Na ultima seção do livro

ela apresenta as mensagens destinadas à humanidade que vive nos “últimos dias”, concluindo

com a vitória do bem sobre o mal e a erradicação do pecado do universo. Apenas na língua

portuguesa, este livro já teve 43 edições, tendo mais de um milhão e meio de cópias vendidas

(WHITE, 2006, p. i).

1.5 Maturidade e expansão do pensamento whiteano (1888-1915)

Um dos eventos fundamentais na vida de Ellen White, relativo à sua soteriologia, foi a

Conferência Geral3 de Minneapolis, em 1888. Esta conferência se tornou o divisor de águas

nas discussões soteriológicas da igreja. Muitos dos tópicos tratados naquela conferência

produziram uma divisão entre os líderes da igreja. Enquanto que, até este momento, a ênfase

da pregação adventista era caracterizada por um tipo de “farisaísmo”, enfatizando o esforço

próprio e a necessidade da observância da lei de Deus para salvação, a conferência de

Minneapolis procurou redirecionar o foco da pregação adventista para uma mensagem mais

cristocêntrica. Nos três anos que se seguiram a esta conferência, White manteve viagens

contínuas pelo país em apoio à ênfase do tema “justiça pela fé”, proposto em Minneapolis. A

década que se seguiu testemunhou o período de maior produtividade literária em White.

Como resumiu White, “devocão, piedade e santificação de todo o ser vêm por meio de Jesus

Cristo nossa justiça” (WHITE, 1987, v. 2, p. 668). Esta preocupação na centralidade de Cristo

3 Este termo é utilizado para designar os encontros gerais da Igreja Adventista do Sétimo Dia, onde representantes da igreja mundial são reunidos para tratar de assuntos administrativos, financeiros, doutrinários e etc. O termo possui sua origem no conceito metodista de “conferência geral”.

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no processo de santificação também pode ser observada em uma carta que escreveu em 1892

para seus sobrinhos, enquanto estava morando na Austrália.

A santificação da alma é realizada contemplando-O pela fé como o unigênito Filho de Deus, cheio de graça e verdade. O poder da verdade transforma o coração e o caráter. Seu efeito não é como uma pincelada de cor aqui e ali numa tela; todo o caráter deve ser transformado; a imagem de Cristo deve ser revelada em palavras e atos. Uma nova natureza é imputada. O ser humano é renovado após a imagem de Cristo em justiça e verdadeira santidade (WHITE, 1987, v. 3, p. 1065).

Em 1891, White viajou para a Austrália, onde permaneceu por quase 10 anos. Ali,

entre algumas contribuições, ela ajudou a fundar o colégio de Avondale, que existe até hoje

(WHITE, 1983, p. 4:304-314). Durante este último período, podemos também encontrar as

suas obras mais cristológicas. Entre elas, encontramos Caminho a Cristo (1892) que é um

desenvolvimento no tema da justificação pela fé; O maior discurso de Cristo (1896) que é um

comentário a partir dos pronunciamentos de Jesus enquanto estava no monte das oliveiras,

relatados em Mateus 5 a 7. Nesta seqüência, encontramos O Desejado de Todas as Nações

(1898), uma obra extensa tratando da vida de Jesus como relatada nos evangelhos. É nesta

obra que podemos encontrar suas melhores observações e percepções cristológicas. Ao

estudar esta obra, podemos entender um pouco mais do processo de escrita empregado por

White. Este livro foi um “derivado”, como afirma Herbert Douglas, de outras obras que ela já

havia publicado (DOUGLAS, p. 451). Artigos, manuscritos e diários foram reutilizados para a

publicação deste livro. White também fazia uso de assistentes de redação. Ela empregava

pessoas para ajudar-la na elaboração de suas obras. Muitas vezes, devido às suas limitações

educacionais e físicas, as suas inúmeras viagens e atividades constantes, seu texto podia ficar

debilitado. Para tanto, ela utilizava a ajuda de editores para tornar suas idéias mais

compreensíveis (DOUGLAS, p. 109-110). Eles também ajudavam a catalogar os materiais

escritos ou idéias que ela encontrava em outras obras que costumava ler.

Finalmente, em 1900, White volta para os Estados Unidos e estabelece sua residência

em Elmshaven, Califórnia, onde fica até sua morte em 1915. Um dos fatores que motivou sua

volta aos Estados Unidos foi a notícia de um movimento que promovia a “carne santa”.

Conforme Arthur White descreve,

Em 1898 e 1899, o irmão S. S. Davis, evangelista da associação4 de Indiana, desenvolveu e promulgou ensinamentos que incentivaram o

4 “Associação” é um termo empregado por adventistas para identificar uma unidade administrativa da organização da Igreja Adventista do Sétimo Dia composta de igrejas locais dentro de uma área específica, como por exemplo um estado (NEUFELD, 1996, vol. 10, p. 404).

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surgimento deste movimento. As características básicas desta estranha doutrina, que era chamada de “a mensagem purificadora”, eram que quando Jesus passou pelo Jardim do Getsemani, ele teve uma experiência em que todos que O seguem devem ter. Era ensinado que Jesus tinha carne santa, e que aqueles que O seguissem através desta experiência do Jardim, igualmente teriam carne santa. Eles eram então filhos “nascidos” de Deus e tinham a fé para “trasladação”. Tendo carne santa como Cristo, eles não podiam experimentar a corrupção mais do que Ele experimentou (WHITE, 1981, v. 5, p. 100-101).

As reuniões daqueles que procuravam a experiência da “carne santa” eram marcadas

por longas orações, música alta e confusa, pregações “agitadas, extensas e histéricas”. Esta

experiência religiosa culminava em êxtase e esgotamento físico. As pessoas que caiam ao

chão em êxtase eram levadas até a plataforma onde uma dúzia de pessoas se reuniam ao redor

do corpo prostrado e oravam, cantavam e proferiam exclamações. Quando a pessoa

finalmente recobrava a consciência, “era afirmado que ela havia passado pela experiência do

Jardim – ela possuía carne santa e a fé para trasladação” (Ibid., p. 101).

Este foi um movimento que varreu as igrejas da Associação de Indiana, sendo que um

dos maiores defensores deste movimento era o próprio presidente da Associação – R. S.

Donnell. Qualquer pessoa que ousasse criticar ou pregar contra as idéias relacionadas à “carne

santa” era rejeitada e tida como ignorante, pois ela não havia passado por esta “experiência”

e, portanto, não sabia do que estava falando. Era uma experiência que muitos almejavam ter e

grandes multidões eram atraídas.

White não deixou isto passar desapercebidamente. Na próxima reunião da Conferência

Geral em 1901, diante da presença dos pastores da igreja, incluindo R. S. Donnell e os

pastores de sua associação, White proferiu um discurso apontando os conceitos que, segundo

ela, eram incorretos e iludiam os membros da igreja.

O ensino dado com relação ao que é denominado de “carne santa” é um erro. Todos podem obter agora corações puros, mas não é correto pretender nesta vida possuir carne santa. Aos que tem procurado tão afanosamente obter pela fé a chamada carne santa, quero dizer: não a podeis obter. Nem uma alma dentre vós tem agora carne santa. Ser humano algum na terra tem carne santa. É uma impossibilidade. [...] Seja esse aspecto de doutrina levado um pouco mais longe, e conduzirá à pretensão de que seus defensores não podem pecar; de que uma vez que tenham carne santa, suas ações são todas santas (WHITE, 2009, v. 2, p. 32).

White continua, mostrando que em sua obra de santificação, Deus procura santificar

“corpo, alma e espírito”. Deus procura restaurar Sua imagem moral no homem através das

faculdades físicas, mentais e morais. Isto acontece através da obediência às leis de Deus,

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sejam elas morais, físicas ou biológicas. Apesar de negar a possibilidade de obter “perfeição

na carne”, White reconhece o alvo da santificação, que é “perfeição cristã da alma”. Nossos

pecados podem ser perfeitamente perdoados e nossa consciência pode ser libertada da

condenação. No entanto, as conseqüências do pecado nos acompanharão até o fim da vida. É

apenas quando Deus levar seus filhos aos céus que este finalmente receberão “carne santa”.

Cristo, por ocasião de sua segunda vinda, transformará “nosso corpo batido, para ser

conforme o Seu corpo glorioso” (Ibid., p. 33). O conceito que ela matinha de santificação e

perfeição cristã era distintamente diferente daquele promovido por R. S. Donnell em sua

associação.

A maneira por que têm sido dirigidas as reuniões em Indiana, com barulho e confusão, não as recomendam a espíritos refletidos e inteligentes. Nada existe nessas demonstrações que convença o mundo de que possuímos a verdade. Mero ruído e gritos não são sinal de santificação, ou da descida do Espírito Santo. Vossas desenfreadas demonstrações só criam desagrado no espírito dos incrédulos. [...] A excitação não é favorável ao crescimento na graça, à genuína pureza e santificação do espírito. [...] Deus chama Seu povo a andar com sobriedade e santa coerência. Eles devem ser muito cuidadosos de não representar mal e nem desonrar as santas doutrinas da verdade mediante estranhas exibições, por confusão e tumulto (Ibid., p. 35-36).

Depois da morte de Ellen G. White, em 1915, foi organizado um depósito dos seus

escritos em Elmshavem, origem do que hoje é conhecido por Ellen G. White Estate

(Patrimônio Literário Ellen G. White) que se encontra em Washington DC, na sede

administrativa da igreja. Tal patrimônio tem como objetivo manter e disponibilizar os

materiais de Ellen White, procurando também promover sua tradução para outras línguas.

Depois de 1915, foram publicados outros cinqüenta livros contendo compilações de seus

escritos. Após o inglês, a língua portuguesa é a que possui maior quantidade de livros

traduzidos. Seus pensamentos e escritos continuam influenciando a Igreja Adventista do

Sétimo Dia até hoje. “A história de sua vida”, escreveu F. M. Wilcox, “é a história deste

movimento. Os dois se misturam na experiência” (1913, p. 8).

2 Aspectos da teologia whiteana da santificação

Da mesma forma que em Wesley, o conceito whiteano sobre santificação não se

apresenta desligado de outros temas da teologia. Nesta próxima seção, veremos como White

entendia a santificação e seu relacionamento com 1) a natureza do homem e o pecado, 2) a

expiação, 3) a justificação, 4) a obediência à Deus, e 5) a perfeição cristã.

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2.1 Natureza do homem e pecado

White entendia o pecado como sendo, conforme as palavras de 1 João, “a transgressão

da lei”. Em um discurso que ela proferiu na Conferência de Minneapolis, White chegou a

afirmar que esta é “a única definição de pecado” (WHITE, 1987, v. 1, p. 128). É uma

definição que ela utiliza inúmeras vezes em seus escritos. Dois anos depois de Minneapolis,

por exemplo, ela volta a tocar neste assunto afirmando que não existe outra definição para

transgressão (pecado), que não seja “transgressão da lei” (Ibid., p. 537). Devemos entender

que, transgressão e pecado são termos utilizados para se referir à mesma coisa; e que por “lei

de Deus”, ela não se limita apenas aos dez mandamentos. Toda ordem, mandamento,

ordenança que venha de Deus deve ser considerada como “lei de Deus”.

No entanto, muitos intérpretes de Ellen White observam em suas obras uma segunda

forma de ver o pecado, sendo esta a condição de depravação no qual o homem se encontra

(KNIGHT, 2008, p. 39-40). Isto inclui propensões inerentes, inclinações e tendências para o

mal. “Há em sua [do ser humano] natureza um pendor para o mal, uma força à qual, sem

auxílio, não poderá ele resistir” (WHITE, 1998, p. 29).

Hábitos maus se formam mais facilmente do que bons hábitos, e os hábitos maus são abandonados com mais dificuldade. A depravação natural do coração é responsável por esse fato muito conhecido: que dá muito menos trabalho desmoralizar os jovens, corromper suas idéias sobre moral e religião, do que incutir-lhes no caráter esses duradouros, puros e incorruptos hábitos de justiça e verdade. A condescendência consigo mesmo, o amor dos prazeres, a inimizade, o orgulho, presunção, inveja, ciúme, crescem espontaneamente, sem exemplo nem ensino. Em nosso presente estado decaído, tudo que é necessário é abandonar às suas tendências naturais a mente e o caráter (WHITE, 1968, p. 195).

O motivo para o atual estado da humanidade se encontra na queda de Adão e Eva. Seu

pecado levou à humanidade a herdar propensões inerentes para desobediência. Obedecer a

Deus não é algo natural ao ser humano. “O ser humano foi corrompido em sua própria fonte.

Desde então têm o pecado desenvolvido sua obra odiosa, alcançando mente após mente. Cada

pecado cometido relembra os ecos do pecado original” (WHITE, 1901, p. 1). Esta última

expressão nos leva à questão do conceito de pecado original levantado por Agostinho. Existe

certo debate dentro da Igreja Adventista quanto ao posicionamento de Ellen White sobre o

assunto (WHIDDEN, p. 129-132). Em certos momentos, White aparenta defender que o ser

humano herdou a culpa de Adão, além de sua natureza e condenação: “Com relação ao

primeiro Adão, os homens nada receberam dele senão a culpa e a sentença de morte”

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(WHITE, 1996, p. 475). Nesta citação, ela parece ser bastante agostiniana. Por outro lado, há

aqueles que sustentam que White se distanciava do conceito agostiniano enfatizando textos

como este: “É inevitável que os filhos sofram as conseqüências das más ações dos pais, mas

não castigados pela culpa deles, a não ser que participem de seus pecados” (WHITE, 2009, p.

305). Nesta citação, White se aproxima mais de Wesley. Ela talvez não negue que herdamos a

culpa, mas rejeita que os filhos paguem pela culpa dos pais.

White reconhecia a inclinação que o ser humano possui para o mal, mas

aparentemente não se preocupou em perscrutar os detalhes teológicos relacionados à culpa

herdada. Woodrow Whidden interpreta a preocupação de White como sendo de natureza

prática. Já que o ser humano já se encontra nesta situação, o que fazer daqui em diante (Ibid.,

p. 131)?

2.2 Expiação

O tema da expiação era tão importante para White que ela escreveu: “o sacrifício de

Cristo como expiação pelo pecado, é a grande verdade em torno da qual se agrupam as

outras” (WHITE, 1993, p. 315). Expiação só se faz necessária porque a lei de Deus foi

quebrada pela humanidade. Uma vez que surgiu o pecado no coração da humanidade, houve

separação entre ela e o criador (WHITE, v. 1, 2009, p. 232). Para White, expiação esta

relacionada ao conceito da “re-união” da humanidade para com seu criador. O termo

empregado por White em inglês (atonement), permite uma compreensão mais extensiva do

que na língua portuguesa. “At-one-ment” é utilizado para representar o processo de unir aquilo

que estava separado. O objetivo era manter a união entre “a lei e o governo divino. [...] O

pecador é perdoado através do arrependimento para com Deus e a fé em nosso Senhor e

Salvador Jesus Cristo. Há perdão do pecado, e a lei de Deus ainda permanece imutável e

eterna como o Seu trono” (IGREJA ADVENTISTA, 2009, p. 479).

Lesher enfatiza que em White, a expiação procura restaurar a humanidade à sua

“perfeição original” transformando o caráter de cada indivíduo. Ele indica que no pensamento

whiteano, santificação e expiação possuem o mesmo propósito. Assim sendo, “santificação é

a aplicação prática da expiação” (1970, p. 165). Whidden, por outro lado, acredita que o

conceito de expiação em White é muito mais amplo, e anda de mãos dadas com seu tema do

“grande conflito”. A visão de White sobre os esforços de Deus na sua reconciliação com a

humanidade envolvia muito mais do que a morte de Cristo na cruz. Enquanto que a expiação

foi completa através do sacrifício de Cristo na cruz, o processo continua até o pecado ser

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extirpado do universo e a harmonia novamente instalada. Segundo ele, expiação também

envolve o

pecado, provisão para o perdão (resultando na transformação do caráter), intercessão por pecadores como Sumo Sacerdote, glorificação dos remidos, juízo (tanto antes de sua vinda como depois) do pecado e pecadores, a revisão milenar das decisões tomadas durante o juízo pré-advento, destruição final através de um juízo executivo sobre os pecadores impenitentes (no final do milênio), e a criação de um novo céu e uma nova terra (Ibid., p. 150-151).

Whidden continua, mostrando que, enquanto White dialoga com as diferentes teorias

sobre expiação (resgate, satisfação, influência moral, exemplo, Cristo vitorioso e substituição

penal), sua percepção não envolve apenas a “reconciliação de pecadores, mas o tema da

vindicação de Deus perante o Universo” (Ibid., p. 120). A expiação, no entanto, possui

implicações experimentais que resultam de realizações legais: o conceito de penalidade,

substituição e satisfação também se tornam o fundamento de toda vitória significativa sobre o

pecado e a pecaminosidade. Em outras palavras, “o coração de seu [White] pensamento sobre

a expiação girava em torno da dialética da lei e da graça, justiça e misericórdia e a

demonstração de sua correta relação na vida de Cristo – e em última instância – no crente”.

Desta forma, a morte de Cristo se torna a base da vindicação cósmica de Deus. “Esta dialética

de justiça e misericórdia é revelada em tudo que Deus faz para trazer a reconciliação através

da expiação” (at-one-ment) (Ibid., p. 125-126).

2.3 Justificação

Em White, a única forma do pecador poder ser justificado é “mediante a fé no

sacrifício expiatório feito pelo amado Filho de Deus, que Se tornou um sacrifício pelos

pecados do mundo culpado”. Ninguém pode ser justificado por qualquer “obra própria” ou

tentativa própria. “Só pode ser liberto da culpa do pecado, da condenação da lei, da pena da

transgressão, pela virtude do sofrimento, morte e ressurreição de Cristo. A fé é a condição

única de obter a justificação”. Uma vez que a fé é a “única condição” para a justificação, o

pecador precisa manter esta fé para manter sua salvação. Ao contrário de Calvino, White não

acreditava em “uma vez salvo, salvo para sempre”. White enfatiza, no entanto, que esta fé

“abrange não só a crença mas também a confiança” (WHITE, v. 1, 2009, p. 389). Ou seja, não

basta apenas um assentimento intelectual de doutrinas cristãs, faz-se necessário uma vida de

fé e confiança na obra de Cristo pelo pecador.

Discutindo a relação da justificação com santificação e como estas são transmitidas ao

pecador, White mostra que a justiça pela qual somos justificados é imputada, enquanto que

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“aquela pela qual somos santificados, é comunicada. A primeira é nosso título para o Céu; a

segunda, nossa adaptação para ele” (WHITE, 2002, p. 35). Para que esta primeira obra de

justificação possa ser realizada, o pecador precisa se arrepender e se entregar a Cristo. Wesley

indica que antes da graça justificadora, há uma graça preveniente que habilita o pecador a se

arrepender, pois este não é capaz de fazê-lo por si mesmo. Apesar de não usar o termo

“preveniente”, White concorda com Wesley: “o pecador não pode produzir em si o

arrependimento, ou preparar-se para ir a Cristo. [...] O primeiro passo em direção de Cristo é

dado graças à atração do Espírito de Deus; ao atender o homem a esse atrair, vai ter com

Cristo a fim de que se arrependa” (WHITE, 2009, v. 1, p. 390).

2.4 Obediência

Dentro da discussão sobre santificação, White se refere muitas vezes à “obediência”,

indicando o objeto desta obediência como sendo Deus e suas leis, instruções, palavra,

vontade, preceitos, mandamentos, verdade e termos parecidos. Devido ao espaço

proporcionado para este estudo, nos ateremos apenas à lei de Deus, embora todos estes termos

podem, em algum momento ou outro, ser sinônimos.

Para White, um conceito equilibrado e correto da lei de Deus é fundamental para o

desenvolvimento harmônico do cristão.

A lei de Deus, como é apresentada nas Escrituras, é ampla em suas reivindicações. Cada um de seus princípios é santo, justo e bom. A lei coloca os homens sob obrigação a Deus; alcança os pensamentos e a sensibilidade; e produzirá convicção de pecado em todo aquele que tenha ciência de ter transgredido suas reivindicações. Se a lei alcançasse apenas a conduta exterior, os homens não seriam culpados em seus maus pensamentos, desejos e desígnios. Mas a lei requer que a própria alma seja pura e a mente santa, para que os pensamentos e a sensibilidade estejam de acordo com a norma de amor e justiça (WHITE, 2009, v. 1, p. 211).

White reconhece a pré-existência da lei de Deus ao evento no monte Sinai. Esta lei

poderia ser encontrada, inclusive, antes da criação e queda de Adão e Eva.

A lei de Deus existia antes de o homem ser criado. Os anjos eram governados por ela. [...] Os princípios dos Dez Mandamentos existiam antes da queda e eram de caráter apropriado à condição de uma santa ordem de seres. Depois da queda os princípios desses preceitos não foram mudados, mas foram dados preceitos adicionais que viessem ao encontro do homem em seu estado decaído (WHITE, 2008, p. 145).

Os princípios encontrados na lei de Deus não são inventados ou distintos dele, mas são

“a expressão da sua própria natureza”. Eles são uma “personificação do grande princípio do

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amor, sendo, por isso, o fundamento do Seu governo no Céu e na Terra” (WHITE, 2005, p.

60). Sendo assim, da mesma forma que Deus não muda, sua lei é “imutável, inalterável,

infinita e eterna” (WHITE, 2009, v. 1, p. 240).

Conforme ela defende, a lei de Deus requer obediência perfeita. Nada é amenizado ou

passado por cima. Deus de forma alguma trata o pecador de forma “paternalista”, isto é,

fechando os olhos aos erros que a humanidade comete. O mínimo desvio das reivindicações

da Sua lei, “por negligência ou transgressão deliberada, é pecado, e todo pecado expõe o

pecador à ira de Deus” (Ibid., p. 218). Portanto, para aquele que busca a perfeição, a

obediência à lei de Deus é extremamente importante, pois é através da lei que o pecador toma

conhecimento de seu pecado. “A santificação é o resultado de uma obediência que dura a vida

toda”. Algumas páginas adiante, ela complementa este pensamento: “A verdadeira

santificação significa perfeito amor, perfeita obediência, perfeita conformidade com a vontade

de Deus. Devemos santificar-nos para Deus mediante a obediência à verdade” (WHITE, 2004,

p. 561, 564-565).

É importante lembrarmos que a obediência à lei de Deus, de forma alguma, concede

salvação ao ser humano. Caso assim fosse, seria considerada salvação pelas obras. O ser

humano que já está justificado obedece a Deus pois o ama e deseja se assemelhar a Cristo. “A

vida de Cristo na terra foi uma expressão perfeita da lei de Deus, e quando os que professam

ser Seus filhos receberem caráter semelhante ao de Cristo, obedecerão aos mandamentos de

Deus. Então o Senhor pode contá-los com toda a confiança entre os que formarão a família do

Céu” (WHITE, 2007, p. 315). Portanto, a obediência a Deus não concede ao pecador o direito

ao céu, mas pode lhe tirar a oportunidade: “Se falhares em obter a vida eterna, foi porque

falhastes em guardar os mandamentos de Deus” (WHITE, 1905, p. 8).

2.5 Perfeição Cristã

Como já vimos em uma das seções anteriores, “a lei exige obediência perfeita,

inamovível” (WHITE, 2001, p. 440). Se esta é a exigência, White acredita que tal perfeição é

possível. Em vários momentos podemos encontrá-la defendendo esta posição. “Podemos

vencer. Sim, plena e inteiramente. Jesus morreu a fim de prover-nos um caminho de escape,

de modo a podermos vencer todo mau temperamento, todo pecado, toda tentação, e por fim,

sentar-nos com Ele” (WHITE, 2000, v. 1, p. 144). “Nós devemos ter como alvo essa

perfeição, e vencer como Ele venceu” (v. 3, p. 336).

Estes são apenas alguns exemplos de uma multidão de textos onde ela incentiva o

cristão a crescer no processo da santificação em busca da perfeição cristã. Este é um processo

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que não acontece instantaneamente, mas dura a vida inteira e alcança a eternidade. “Deve ser

a obra de nossa vida estar constantemente procurando avançar adiante para a perfeição de

caráter cristão, sempre almejando alcançar conformidade com a vontade de Deus. Os esforços

iniciados aqui continuarão pela eternidade” (WHITE, 1956, p. 327). No entanto, White

adverte aqueles que estão no caminho da perfeição lembrando que estes não devem se exaltar

afirmando serem perfeitos ou estarem libertos da tentação ou do pecado. “Os que mais perto

vivem de Jesus, mais claramente discernem a fragilidade e pecaminosidade do ser humano, e

sua única esperança está nos méritos de um Salvador crucificado e ressurgido” (2006, p. 471).

Para White, o modelo de perfeição é Jesus Cristo. Todo cristão deve procurar seguir o

exemplo deixado por Cristo enquanto esteve nesta terra. Nesta discussão, Whidden relembra

que era “o exemplo de Cristo que se tornou o argumento principal de Ellen White ao

combater os desafios levantados por seus oponentes, afirmando que é impossível para

pecadores obedecerem perfeitamente à lei de Deus” (Ibid., p. 335). Se Cristo, humano como

nós, conseguiu vencer, nós também o podemos. Contudo, deve ser enfatizado que, apesar de

Cristo ser um exemplo a ser seguido e imitado, ele não pode ser igualado. “Ele é um perfeito e

santo Exemplo, dado a nós para imitação. Não podemos nos igualar ao Modelo; mas não

seremos aprovados por Deus se não O imitarmos e nos assemelharmos a Ele, de acordo com a

capacidade que o Senhor nos dá” (2000, v. 2, p. 549).

Diante desta citação e outras que poderiam ser mencionadas, percebemos que em

White, encontramos “níveis” de perfeição. Um dos termos empregados por White para

descrever este conceito é “esfera”. “Assim como Deus é perfeito em sua própria esfera, assim

devem Seus filhos ser perfeitos na humilde esfera em que se encontram” (WHITE, 1969, v. 2,

p. 225). Aparentemente, existem esferas diferentes, pois até os anjos, que não caíram em

pecado, possuem um tipo de perfeição diferente que a de Deus. No quarto volume de

Testemunhos para Igreja, White admoesta seus leitores a buscar a perfeição “até que chegue à

perfeição da inteligência e a uma pureza de caráter apenas um pouco inferiores às dos anjos”

(2000, v. 4, p. 93).

Para White, um dos fatores que deveria motivar o crente a buscar a perfeição é a volta

de Jesus e o juízo que é realizado antes de sua vinda. Adventistas do Sétimo Dia, assim como

White, acreditam que ocorrerá um juízo antes da segunda vinda de Cristo. Este juízo

“investigativo” analisará a vida de cada ser humano e ali a sorte de cada ser humano será

decidida. Enquanto que é através da fé na morte expiatória de Jesus Cristo que o pecador é

perdoado e justificado, ele precisa viver em conformidade com a vontade de Deus. Uma vez

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salvo, não significa salvo para sempre. Este juízo investigativo, realizado pelo próprio Jesus,

verificará se o crente tomou para si os méritos salvíficos de Cristo, e viveu uma vida de

acordo com a vontade de Deus. Enquanto que é pela fé que o pecador é salvo, é pelas suas

obras que ele é julgado.

Desta forma, o cristão deve estar constantemente avançando em santificação. Ele não

deve ser motivado pelo medo ou egoísmo (WHITE, 1992, p. 99), mas pela aproximação de

seu salvador. Da mesma forma que a expectativa pela volta de Cristo motivava White e os

milleritas a buscar a santificação, tal esperança deve também motivar cada crente a crescer em

perfeição.

Outro fator distintivo em White é a ligação que ela faz entre as lutas e angústias que

Jesus passou enquanto viveu nesta terra e aqueles que viverão nos dias logo antes da segunda

vinda de Cristo. Da mesma forma que Cristo passou por provações e por um tempo de

angústia, aqueles que estiverem seguindo o exemplo de Cristo experimentarão o mesmo. Da

mesma forma que Cristo venceu as tentações de Satanás, aqueles que viverem nos últimos

dias desta terra repetirão a vitória de Cristo. “Satanás nada pôde achar no Filho de Deus que o

habilitasse a alcançar a vitória. Tinha guardado os mandamentos de Seu Pai, e não havia nEle

pecado que Satanás pudesse usar para a sua vantagem. Essa é a condição em que devem

encontrar-se os que subsistirão no tempo de angústia” (2006, p. 623). Uma de suas

declarações mais famosas nesta linha de pensamento se encontra em Parábolas de Jesus onde

ela afirma: “Quando o caráter de Cristo se reproduzir perfeitamente em Seu povo, então virá

para reclamá-los como Seus” (WHITE, 2007, p. 69).

Um dos conceitos bastante repetidos por White era a perfeição de caráter. “O Senhor

requer perfeição de sua família remida. Ele convida para perfeição na formação do caráter”

(WHITE, 1986, p. 172). Para ela, o caráter é composto de pensamentos e sentimentos. Se

estes forem bons, haverá um bom caráter. “Se os pensamentos forem maus, maus serão

também os sentimentos; e os pensamentos e os sentimentos, combinados, constituem o caráter

moral” (WHITE, 1996, vol. 1, p. 660). Conforme estes pensamentos são manifestos em atos e

hábitos, o caráter da pessoa é formado. Por isso, o cristão precisa sempre cuidar com seus

pensamentos, pois estes podem gerar ações, hábitos e moldar seu caráter.

White fala de perfeição de caráter, não perfeição de natureza (WHIDDEN, p. 134).

Enquanto que apenas a glorificação transformará a natureza física do ser humano, é o caráter

que é transformado pela santificação. Aqueles que almejam estar prontos para a segunda

vinda de Cristo devem buscar perfeição de caráter: “todos os que entrarão no Céu devem ter

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um caráter perfeito, a fim de encontrarem o Senhor em paz” (WHITE, 1994, p. 112). Nesta

linha de pensamento, White afirma que

Deus somente aceitará os que estão decididos a ter um alvo elevado. Coloca cada agente humano sob a obrigação de fazer o melhor. De todos é requerido perfeição moral. Nunca devemos abaixar a norma de justiça com o fim de acomodar à prática do mal, tendências herdadas ou cultivadas. Precisamos compreender que imperfeição de caráter é pecado (WHITE, 2007, p. 330).

2.6 Santificação em síntese

No momento em que o pecador é justificado, começa o processo de santificação em

sua vida. A mudança básica que ocorre no ser humano através do processo da santificação é o

redirecionamento do “amor supremo para si mesmo” para “amor supremo para Deus e Cristo”

(WHITE, 1974, p. 118). Nas próprias palavras de White, “amar a Deus de forma suprema e ao

próximo como a si mesmo é a genuína santificação” (WHITE, 1959, p. 120). Este amor se

manifesta na observação dos mandamentos de Deus, que são a representação do caráter de

Deus. “Verdadeira santificação será evidenciada por uma consideração consciente de todos os

mandamentos de Deus” (WHITE, 1981, p. 53). Uma vez que o amor é desviado de si e

redirecionado para o outro, o cristão deixa de olhar para si mesmo e passa buscar entender as

necessidades daqueles que estão ao seu redor. Santificação não produz cristãos centrados em

si mesmos, mas os habilita para o serviço.

À medida que os que foram purificados e santificados através do conhecimento da verdade bíblica se empenham de coração na obra de salvação das almas, tornar-se-ão sem dúvida um cheiro de vida para a vida. E ao beberem diariamente das inesgotáveis fontes da graça e conhecimento, verificarão que seu próprio coração está a transbordar com o Espírito de seu Mestre, e que através de seu nobre ministério muitos são beneficiados física, mental e espiritualmente. Os cansados são refrigerados, é restaurada a saúde ao enfermo, e o carregado de pecados é libertado (WHITE, 1995, p. 234).

Todo este processo de santificação acontece durante a vida do cristão onde este vai

“amadurecendo”. Como já foi dito antes, é um processo. Mas dentro deste processo, podemos

perceber estágios do amadurecimento. White exemplifica este conceito fazendo um paralelo

com o crescimento de uma planta.

A germinação da semente representa o começo da vida espiritual, e o desenvolvimento da planta é uma figura do desenvolvimento do caráter. Não pode haver vida sem crescimento. A planta ou deve crescer ou morrer. Assim como o seu crescimento é silencioso e imperceptível, mas contínuo, assim é o crescimento do caráter. Nossa vida pode ser perfeita em cada estágio de seu desenvolvimento; contudo, se o propósito de Deus para conosco se cumpre, haverá constante progresso (WHITE, 1998, p. 105-106).

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Em cada estágio do crescimento da planta, ela pode ser considerada “perfeita”. Mesmo que

uma planta ainda esteja pequena, e não tenha produzido frutos, podemos considerá-la

“perfeita”. Se a cada estágio de seu crescimento, a planta seguir seu processo de

desenvolvimento de forma normal, ela será considerada como “perfeita”. Segundo White, esta

é uma forma de desenvolvimento espiritual que pode ser considerado “perfeito” mesmo que a

pessoa não tenha alcançado o “topo” da perfeição. Este objetivo – o caráter perfeito – é

alcançado quando “o impulso para auxiliar e abençoar a outros brota constantemente do

íntimo” (WHITE, 2004, p. 551).

Para que este desenvolvimento ocorra, no entanto, deve haver uma participação

divino/humana. Por um lado, o Espírito Santo atua no coração humano. “Essa obra

unicamente pode ser efetuada pela fé em Cristo, pelo poder do Espírito de Deus habitando em

nós” (WHITE, 2006, p. 469). Por outro lado, White destaca o aspecto humano dentro do

processo da santificação.

Podemos orar pela santificação, mas se a obteremos ou não depende de nós andarmos na luz, refletindo luz para os que estão ao nosso redor. Irmãos e irmãs, a salvação de nossas almas depende da direção que tomamos. Se falhares em obter a vida eterna, foi porque falhastes em guardar os mandamentos de Deus (WHITE, 1905, p. 8).

Além de sua fé no poder transformador, aqueles que estão trilhando o caminho para perfeição

devem procurar manter a Bíblia como seu padrão e guardar os mandamentos de Deus, pelo

poder do Espírito Santo. Estes mandamentos abarcam não apenas os aspectos morais, como

também físicos, sociais, intelectuais e emocionais (WHITE, 2006, p. 473).

Conclusão

Neste capítulo, procuramos apresentar o tema da santificação e da perfeição cristã no

pensamento de Ellen G. White. Num primeiro momento, uma breve revisão histórica sobre

White foi oferecida. Nela procuramos mostrar como seus pensamentos e conceitos se

desenvolveram, sendo articulados em sua vida no decorrer dos anos. Procuramos captar e

contextualizar seus pensamentos e seus conceitos sobre santificação dentro de suas

experiências. Os diversos eventos com os quais ela interagiu também nos ofereceram uma

janela para as suas idéias. Esta parte do trabalho foi dividida em cinco momentos: 1) Ellen

White e os Estados Unidos do séc. XIX, 2) o pensamento whiteano durante o movimento

millerita, 3) o pensamento whiteano durante o desenvolvimento doutrinário adventista, 4)

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Ellen White durante o desenvolvimento organizacional adventista, e 5) maturidade e expansão

do pensamento whiteano.

Num segundo momento, observamos que sua compreensão de santificação cristã está

intimamente interconectada com outros temas como o pecado e a natureza humana, a

expiação, a justificação, a obediência à Lei de Deus e finalmente a perfeição cristã. Foi

mostrado que seus conceitos sobre santificação estão intimamente relacionados à sua

expectativa da segunda vinda de Cristo. Este era o tema motivador para sua busca de

santificação assim como também para os adventistas que a sucederam. Sendo assim,

santificação é um preparo contínuo para este grande evento. Santificação não é instantânea e

emocional. Cada momento em que White se deparou com alguma alegação de santificação

que valorizasse o aspecto emocional, ela rejeitou tal alegação. E em seu tempo, não foram

poucas as situações.

Para White, santificação trabalha o caráter do indivíduo, preparando-o para amar a

Deus acima de tudo e ao seu próximo. É uma habilitação para o serviço, levando o cristão a se

interessar e buscar atender às necessidades daqueles que estão ao seu redor. Este processo

deve direcionar corretamente todos os pensamentos, atos, sentimentos e hábitos a fim que um

caráter perfeito seja desenvolvido. Perfeição não significa alcançar um patamar de

impecabilidade. Ninguém que esteja andando pelo caminho da perfeição deve afirmar ser

perfeito ou alegar impecabilidade. Quanto mais próximo a pessoa está de Cristo, mais ela

percebe suas falhas. Desta forma, a possibilidade de cair em pecado novamente está sempre

espreitando o crente.

Isto não quer dizer que é possível ser perfeito como Cristo foi. Cada um pode ser

perfeito em seu próprio patamar, ou sua própria esfera. Da mesma forma que Cristo é perfeito

em sua esfera, o ser humano, com sua natureza pecaminosa, pode ser na sua. Cristo serve

como modelo que deve ser constantemente imitado, sem que ele possa ser necessariamente

igualado. Faz-se necessário uma colaboração entre a atuação divina e a participação humana

no processo da santificação. Neste sentido, é importante que o ser humano se mantenha fiel e

obediente à lei de Deus. Se à cada estágio do amadurecimento cristão, a pessoa se

desenvolver conforme é o intencionado por Deus, esta pessoa pode ser considerada como

“perfeita”.

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CAPÍTULO III – JOHN WESLEY E ELLEN G. WHITE: TEOLOGIAS EM

DISCUSSÃO

Introdução

John Wesley (1703-1791) viveu durante o “século da ciência e da criação do mundo

moderno”. A Inglaterra foi uma das primeiras a passar pela revolução industrial. O avanço

tecnológico decorrente produziu imenso sofrimento para as pessoas que estavam envolvidas

com este crescimento. Um dos resultados da revolução industrial foi o aumento da pobreza,

da alienação e desumanização dos ingleses do século XVIII. Há aqueles que acreditavam que

Deus havia abandonado o planeta e virado suas costas para a humanidade. A igreja nacional

parecia inerte diante do sofrimento que presenciava a cada dia. Wesley entendia que a

santificação e a verdadeira religião deveriam encontrar sua autenticidade na experiência

prática em meio à população e ao seu sofrimento.

Por sua vez, Ellen G. White (1827-1915) surgiu em meio à efervescência religiosa e

social do século XIX. O país crescia economicamente graças à revolução industrial. Milhares

de pessoas afluíam ao novo país recém emancipado da Inglaterra. O sonho de crescimento e

de prosperidade alimentava milhares que traziam consigo suas peculiaridades religiosas.

Novas denominações e teologias afloravam constantemente em todo país, acrescentando

sabor ao cenário religioso tradicional de organizações religiosas convencionais. Foi um século

em que perfeccionistas e liberais compartilharam o palco do debate teológico.

John Wesley e Ellen G. White viveram em séculos, países e contextos diferentes.

Wesley era um pregador itinerante na Inglaterra do século XVIII. White foi uma mulher,

pioneira do adventismo na America do século XIX. Muito pode ser apresentado para destacar

as diferenças entre ambos. Contudo, ambos contribuíram no surgimento de um novo

movimento religioso. Ambos participaram ativamente na pregação e elaboração teológica de

seus respectivos movimentos. Para ambos, a teologia da santificação moldava seu pensamento

teológico.

Tendo analisado a compreensão wesleyana e whiteana sobre santificação,

prosseguiremos neste capítulo para a comparação do pensamento de ambos os autores. Em

um primeiro momento, apontaremos para aproximações entre o pensamento de ambos os

autores. Em um segundo momento, os distanciamentos entre o pensamento de ambos os

autores serão considerados. Por fim, verificaremos as contribuições que ambos os autores

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podem oferecer para a teologia na atualidade considerando suas perspectivas e singularidades

sobre o tema da santificação e temas relacionados.

1 Aproximações

Uma análise comparativa sobre o conceito de santificação em John Wesley e Ellen G.

White verificará que existem “aproximações” ou semelhanças no pensamento de ambos os

autores. Neste momento, verificaremos as seguintes semelhanças: 1) santificação como um

amadurecimento contínuo, 2) santificação individual e social, 3) negação da impecabilidade,

4) possibilidade de “cair da graça”, 5) sinergia divino/humana, 6) santificação como

obediência a Deus, 7) santificação e o amor, e 8) Jesus Cristo – o padrão de perfeição.

1.1 Amadurecimento contínuo

Tanto Wesley como White concordam que santificação é um processo cujo objetivo é

a perfeição cristã. Tal perfeição é possível de ser alcançada. Afirmar o contrário seria

considerado uma forma de censura a Deus, como se Ele estabelecesse requisitos impossíveis

de serem cumpridos. Ninguém pode corretamente afirmar que é impossível alcançar a

perfeição esperada por Deus na Bíblia. Tudo que é exigido por Deus pode ser cumprido

através da atuação do Espírito Santo na vida do ser humano. Se Deus exige perfeição, é

porque esta é possível de ser alcançada. Isto não surge da capacidade humana, mas da

combinação do esforço humano com a graça divina. Deus fornece vontade, força e capacidade

para a realização da tarefa; o ser humano colabora fazendo uso de sua habilidade volitiva e

aplicando força e capacidades concedidas por Deus em sua vida para a realização desta obra

conjunta.

Apesar de leves diferenças, o processo de santificação é interpretado por ambos com

sendo “contínuo”, isto é, uma vez que começa, nunca mais termina. É um “amadurecimento”

que não possui fim. Há crescimento constante. Quanto mais alto tenha crescido o ser humano

em santificação, por mais elevado que seja o grau de sua perfeição, ele ainda tem necessidade

de crescer na graça. A santificação não é obra de um momento, uma hora, ou um dia. É um

contínuo crescimento na graça. Sempre existe a necessidade de subjugar o próprio eu. Em

momento algum o ser humano deve parar. Jamais deve ele achar que tenha plenamente

atingido o ponto máximo da perfeição. O crescimento é constante, tanto nesta vida como na

vida após a morte.

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1.2 Santificação individual e social

Como já foi visto neste estudo, santificação possui um aspecto “interno” e “externo”.

O aspecto “interno” ou “individual” da santificação pode ser entendido como sendo um reto

estado da alma, a mente e o espírito, conforme estes são renovados á imagem de Deus. Sua

vida interior é renovada. O ser humano verdadeiramente santificado anda inconsciente de sua

bondade e piedade, demonstrando verdadeira mansidão.

No entanto, santificação não se limita a apenas ao “interior”. Ela possui seu aspecto

social ou “externo”. Religião e santificação não podem existir sem a sociedade, sem viver e

misturar-se com o outro. Nas palavras de Wesley, “o evangelho de Cristo não reconhece

nenhuma religião que não seja social, nenhuma outra santidade que não seja santidade social”

(WESLEY, 1986, v. 14, p.321). Sendo assim, através da santificação, o cristão deixa de olhar

para si mesmo e passa buscar entender as necessidades daqueles que estão ao seu redor.

Santificação não produz cristãos centrados em si mesmos, mas os habilita para o

serviço. À medida que o ser humano é santificado através do conhecimento da verdade bíblica

ele se envolve ativamente na salvação de outros. Muitos são assim beneficiados física, mental

e espiritualmente. As angústias, dúvidas, pesos e sofrimentos que são carregados pela

humanidade são aliviados e muitos são libertos de seus pecados.

1.3 Negação da impecabilidade

Estar no processo de santificação ou alcançar a perfeição indica que o ser humano está

se tornando cada vez mais semelhante à imagem de Deus e menos à do mal. Conforme ele vai

avançando para a perfeição, o cristão vai aos poucos abandonando o pecado em sua vida. Ele

cria hábitos corretos, alimenta pensamentos e hábitos saudáveis, constrói um caráter mais

perfeito e se aproxima cada vez mais do exemplo deixado por Jesus Cristo enquanto esteve

nesta terra.

É tentador afirmar que, uma vez alcançada a perfeição, o cristão atinge o nível da

impecabilidade. Neste sentido, impecabilidade é a total ausência de pecado na vida da pessoa

como também a incapacidade de pecar. O ser humano nunca mais é tentado e nunca mais cai

em tentação. Tal posição era totalmente rejeitada por Wesley e White. Ambos acreditavam

que ser perfeito não significa se tornar impecável. Quando o cristão amadurece na perfeição

cristã, ele avança, de vitória em vitória, sobre o pecado em sua vida. Atitudes erradas, hábitos

prejudiciais, pensamentos nocivos e emoções pervertidas são gradualmente abandonados e

substituídos por outros que produzem liberdade e vida. Perfeição não elimina a possibilidade

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de ocasionais “transgressões involuntárias”. Tais pecados podem surgir da conseqüência

natural da ignorância e erros inseparáveis da mortalidade. Portanto, perfeição sem pecado

(sinless perfection) é uma expressão que ambos os autores evitam usar para não criar mal

entendidos. Uma pessoa preenchida pelo amor de Deus ainda é passível de tais transgressões

involuntárias.

Quanto mais claramente o pecador compreender o caráter de Cristo, mais desconfiado

será de si mesmo. Também mais imperfeitos serão seus atos a seu ver, em contraste com a

vida exemplar deixada por Jesus Cristo. O cristão que busca a perfeição cristã jamais deve

afirmar estar sem pecado; não por falsa humildade, mas porque quanto mais se aproxima de

Deus, discerne mais claramente Sua infinita perfeição e sente mais profundamente seus

próprios defeitos.

1.4 Possibilidade de “cair da graça”

Para que o cristão possa alcançar a perfeição, ele deve manter constante dependência

de Deus. Nenhum ser humano consegue amadurecer espiritualmente por suas próprias forças.

Ele deve sim, participar ativamente no processo, mas tudo deve ser feito através da graça de

Deus. Portanto, enquanto o cristão é dependente da graça de Deus, ele pode ser vitorioso

sobre o pecado. Mas caso ele abandone esta dependência, ele sempre poderá “cometer com

avidez toda sorte de pecado”.

Wesley e White rejeitavam o conceito de “uma vez salvo, salvo para sempre”. O

conceito calvinista de que Deus escolhe aqueles a quem Ele salva e nada os pode afastar da

salvação era tido por ambos como um dos maiores erros no cristianismo. Tanto Wesley como

White acreditavam que a salvação é um dom de Deus, mas que era recebido pelo ser humano

mediante a fé. Este podia rejeitar o dom da graça divina caso o desejasse. A soberania de

Deus não infringe a liberdade humana. Portanto, para que o ser humano possa manter sua

salvação, ele deve colaborar constantemente com a graça divina. A dependência no poder

divino deve ser constante. Abandonar momentaneamente o auxílio divino poderia significar

em perda da salvação. Desta forma, mesmo que o cristão esteja no processo da santificação e

haja alcançado a perfeição cristã, ele deve, mesmo assim, continuar dependendo da graça de

Cristo, pois ele sempre poderá “cair da graça”.

1.5 Sinergia divino/humana

Como já foi visto anteriormente neste capítulo, o ser humano deve colaborar com a

graça divina no processo da santificação. A humanidade recebeu da parte de Deus liberdade

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para fazer suas escolhas e agir como desejar. Para que o ser humano possa escolher, Deus

concede o que Wesley chama de “graça preveniente”. Em seu estado “natural”, a humanidade

é escrava do pecado e incapaz de se aproximar de Deus. A graça preveniente liberta o

indivíduo para escolher qual caminho ele deseja seguir. Ela não é irresistível, pois o ser

humano possui a capacidade de escolher e assim, trabalhar com ou contra Deus.

Deus atrai o ser humano a Si. Aceitando a salvação oferecida por Deus, o ser humano

é levado a se arrepender e mudar sua conduta. Tal mudança deve ser realizada com o auxílio

do Espírito Santo e com a decisão do indivíduo. Uma vez iniciado o processo de santificação,

o ser humano continua participando. Tal participação consiste em cessar de fazer o mal e

aprender a fazer o bem. Cada passo dado em direção à perfeição cristã é realizado pelo cristão

que colabora com Deus. Tanto em Wesley como em White, a participação humana nesta

sinergia da salvação ocorre através da obediência aos mandamentos de Deus.

1.6 Santificação como obediência a Deus

Para Wesley, uma das características fundamentais de um metodista e daquele que está

experimentando a santificação é a obediência à Lei de Deus e aos seus mandamentos. Para

White, obediência possui igual importância, pois é através da lei que o pecador toma

conhecimento de seu pecado. “A santificação é o resultado de uma obediência que dura a vida

toda”. A verdadeira santificação significa perfeito amor, perfeita obediência, perfeita

conformidade com a vontade de Deus. O cristão que está no caminho da perfeição ama a

Deus e guarda seus mandamentos; não apenas alguns, ou a maioria, mas todos, desde o menor

até o maior. Isto é realizado com toda sua força. Sua obediência é proporcional ao seu amor.

O que o ser humano não conseguia fazer antes de ser salvo, isto é, obediência à Lei,

agora o faz livremente. A graça de Deus domina o coração do cristão e este é levado a

obedecer à Sua lei movido pelo amor. Pensamentos e sentimentos de rebelião são vencidos e a

voz de Jesus suscita uma nova vida que penetra todo o ser.

A lei de Deus possui princípios santos, justos e bons. Ela coloca o ser humano em

obrigação para com Deus, alcança os pensamentos, a sensibilidade e produz convicção do

pecado. A lei não alcança apenas a conduta exterior, mas também pensamentos, desejos e

desígnios. Ela requer que a própria alma seja pura e a mente santa, para que os pensamentos e

a sensibilidade estejam de acordo com a norma de amor e justiça divina. Ela é a própria

representação do caráter de Deus. Portanto, para aquele que busca a perfeição, a obediência à

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lei de Deus é extremamente importante. A santificação é o resultado de uma obediência que

dura a vida toda.

1.7 Santificação e amor

Santificação é entendida como “amar a Deus de todo coração e o próximo como a si

mesmo”. Este é o cumprimento do novo nascimento e o princípio da santificação, bem como

a única e verdadeira marca de todo de que está no caminho da perfeição. Viver a santidade é

uma resposta à santidade de Deus e de seu amor. Esta característica não se define no negativo,

ou seja, por aquilo que o cristão não é ou não faz, mas positivo, levando-o a uma atitude ativa.

Santificação não representa unicamente o abandono total de qualquer pecado, mas a

manifestação do amor divino implantado no coração e mente do cristão.

No momento em que o pecador é justificado, começa o processo de santificação em

sua vida. Como já foi mencionado, a mudança básica que ocorre no ser humano através do

processo da santificação é o redirecionamento do “amor supremo direcionado a si mesmo”

para “amor supremo” direcionado a Deus e ao restante da humanidade. Amar a Deus de forma

suprema e ao próximo como a si mesmo é a genuína evidência de santificação.

1.8 Jesus Cristo – o padrão de perfeição

Para ambos os autores, uma vez que o ser humano perdeu sua semelhança com a

imagem de Deus, um novo modelo precisava ser apresentado. Este modelo foi Jesus Cristo.

Através de sua vida nesta terra, Cristo deixou para o cristão um modelo de como este deveria

conduzir sua vida em direção à perfeição. Conforme a vida de Cristo é estudada e analisada, o

cristão é levado a reproduzir o comportamento e caráter de Cristo em sua própria vida. Uma

vez que a vida de Cristo na terra foi uma expressão perfeita da lei de Deus, o cristão pode usar

o exemplo deixado por Jesus Cristo para seguir seu caminho rumo à perfeição cristã.

Sendo assim, o cristão é purificado de seus pecados e de toda “impureza da carne e do

espírito”. Outra conseqüência é que o ser humano passa a ser dotado das virtudes que também

havia em Cristo Jesus. Jesus Cristo é, portanto, a imagem perfeita de Deus. Conforme este

referencial da santidade é seguido, a vida do cristão é renovada após a imagem de Deus, em

justiça e em toda santidade. O cristão passa a ter a mente e os sentimentos que estavam em

Cristo e passa também a andar como Cristo andou.

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2 Distanciamentos

Uma análise comparativa sobre o conceito de santificação em John Wesley e Ellen G.

White também verificará “distanciamentos” ou diferenças no pensamento de ambos os

autores.

Neste momento, verificaremos as seguintes distinções: 1) motivação para santificação,

2) santificação instantânea, 3) segunda benção da santificação, 4) libertação da habitação do

pecado, 5) o lugar da emoção e do entusiasmo na santificação humana, 6) perfeição de

caráter, e 7) esferas de perfeição.

Devemos destacar que em muitos casos, o distanciamento não passa de ênfases de

certos temas onde o outro autor deixa o tema passar desapercebidamente.

2.1 Motivação para santificação

Como já foi visto, John Wesley viveu durante um século de grandes avanços

tecnológicos, mas também de grande sofrimento e injustiça. Enquanto que o avanço

tecnológico possuía seus benefícios, este também produziu imenso sofrimento para as pessoas

que estavam envolvidas no processo. O aumento da pobreza, da alienação e desumanização

de milhares são apenas algumas das conseqüências observadas por Wesley em seu tempo. A

igreja nacional parecia inerte diante do sofrimento que presenciava a cada dia. O

reavivamento promovido por Wesley e sua ênfase na santificação do ser podem ser

considerados como uma “indignação” diante das condições sociais e religiosas da época.

De seu lado, White acreditava que um dos fatores que deveria motivar o crente a

buscar a perfeição era a concepção escatológica da volta de Jesus e o juízo que seria realizado

antes de sua vinda. White defendia que ocorrerá um juízo antes da segunda vinda de Cristo.

Este juízo “investigativo” analisará a vida de cada ser humano e ali a sorte de cada ser

humano será finalmente decidida. Sendo assim, o cristão deve estar constantemente

avançando em santificação. Ele não deve ser movido pelo medo ou o egoísmo, mas pela

aproximação de seu Salvador.

2.2 Santificação instantânea

Enquanto que ambos os autores concordavam que não existe santificação instantânea,

Wesley enfatizava um pouco mais o elemento instantâneo dentro do processo da santificação

– o da perfeição cristã. Este é o momento exato onde o cristão se torna perfeito. Este evento

pode ocorrer logo no começo de sua caminhada cristã, como até alguns instantes antes de sua

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morte. Independentemente de quando, Wesley é enfático em afirmar que o cristão passa por

um instante onde ele se torna perfeito.

O conceito de santificação instantânea é completamente rejeitado em White. Para ela,

santificação é um processo diário, acontecendo por tanto tempo quanto dure a vida. Deve ser

uma batalha constante contra tentações diárias, vencendo as próprias tendências pecaminosas

e buscando santidade do coração e da vida. Mesmo que a pessoa tenha alcançado a perfeição,

existe um longo caminho de amadurecimento e crescimento pela frente. Mesmo que o cristão

já esteja no céu, ele ainda continuará crescendo em perfeição.

2.3 Segunda obra da graça

Quando o ser humano aceita a graça de Deus, ele recebe sua primeira benção e é assim

justificado e iniciado no processo de santificação. Wesley acreditava que ninguém deveria se

contentar apenas com a primeira benção, mas deveria buscar e aguardar a “segunda obra de

graça”. Segundo Wesley, o cristão deve vigiar e participar no processo de santificação. Ele

não consegue se purificar de seus pecados. Apenas Deus pode realizar esta obra de

purificação na vida da pessoa. Isto é feito quando Deus decide: “Sê limpo”. É a partir de então

que, de forma semelhante ao leproso que foi purificado de sua doença, o pecador é purificado

de seus pecados. Neste exato momento, a raiz do mal, a mente carnal, é destruída: o pecado

inato não mais subsiste e o cristão pode ser considerado sem pecado e perfeito.

A santificação pode ser gradual, levando o cristão a crescer e amadurecer a partir do

momento em que foi justificado. Contudo a libertação total do pecado sempre é instantânea. O

pecado não é tirado por etapas, mas de um instante para o outro.

Neste aspecto, relembramos o pensamento divergente de Ellen White. Para ela, não

existe uma “segunda obra”. Santificação é um processo que se inicia na justificação do

indivíduo e continua mesmo após a perfeição ter sido alcançada. A santificação não é marcada

por “momentos”. Não existe este aspecto instantâneo dentro do pensamento whiteano, a não

ser, obviamente, no começo do processo de santificação.

2.4 Libertação da habitação do pecado

Segundo Wesley, a libertação da “habitação” do pecado ocorre apenas na segunda obra

da graça divina. O pecado, para Wesley, parece ser entendido como uma doença que

contaminou o ser humano e deve ser totalmente removida. Outra comparação oferecida por

Wesley para o pecado é a de uma raiz, que deve ser desarraigada do solo.

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Uma vez que o ser humano é curado desta doença, o pecado é totalmente removido de

seu corpo e mente. O pecado já não domina mais o cristão pois não existe mais nele. A doença

foi totalmente curada e não afeta mais a pessoa. Esta cura é realizada no segundo momento da

graça, onde o cristão se torna perfeito. Isto não quer dizer que a possibilidade de ele cair em

pecado novamente seja removida. Sempre haverá a possibilidade, porém não a probabilidade.

Não é porque o cristão pode pecar que ele deve pecar.

Por sua vez, White acredita que perfeição cristã oferece vitória sobre o pecado, mas a

natureza pecaminosa continua presente na pessoa, sempre lutando para dominar novamente a

sua vida. A vitória sobre o pecado não ocorre em um instante, mas é um processo que envolve

o abandono de hábitos e tendências pecaminosos. Para ela, o pecado continua “habitando” no

indivíduo caracterizado como “natureza pecaminosa”. Esta natureza acompanha o ser humano

desde seu nascimento até sua morte. É apenas no momento da glorificação, que o ser humano

poderá finalmente se sentir totalmente livre da natureza e presença do pecado.

2.5 O lugar da emoção e do entusiasmo na santificação humana

Embora Wesley não enfatizasse a necessidade da emoção, do entusiasmo e do êxtase

no processo da santificação, suas pregações possuíam certo teor emocional, embora ele

mesmo tenha feito restrições a isso. Devemos nos lembrar que ele era considerado por seus

contemporâneos como “entusiasta”. Contudo, é possível encontrar certo elemento emocional

em sua teologia, especialmente quando ele afirma que cristão poderia “sentir” o momento da

perfeição. Este conceito, embora presente na experiência de Wesley, se desenvolveu

posteriormente, especialmente na época de Ellen White.

Tal necessidade de “sentir” os efeitos da santificação na vida do cristão eram

totalmente rejeitadas por Ellen White. Qualquer tentativa de valorizar o aspecto emotivo

como prova de religiosidade era visto de forma negativa por White. Ela rejeitava

especialmente a necessidade do crente professar uma experiência “instantânea” e as

expectativas emocionais ligadas à experiência da santificação que pareciam estar em alta

durante sua época. Para ela, os sentimentos não deveriam ser o critério para a santificação.

Sentir-se feliz ou extático não era evidência de santificação, da mesma forma que a ausência

de tais sentimentos indicaria uma ausência de santificação.

Em diversos momentos, White se deparou com tais conceitos e rejeito-os

categoricamente. Para ela, a religiosidade cristã deveria ser caracterizada por uma conduta de

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sobriedade e santa coerência. Apresentar reações emocionais como prova de santificação

apenas afastaria aqueles que se interessam pelas verdades da Bíblia.

2.6 Perfeição de caráter

Uma das características principais de White era o conceito de perfeição de caráter.

Segundo ela, o objetivo da perfeição cristã era a construção de um caráter perfeito. Para

White, o caráter é composto de pensamentos e sentimentos. Se estes forem bons, haverá um

caráter bom. Sendo assim, os pensamentos e os sentimentos, combinados, constituem o

caráter moral. Conforme estes pensamentos são manifestos em atos e hábitos, o caráter da

pessoa é formado. Por isso, o cristão precisa sempre cuidar com seus pensamentos, pois estes

podem gerar ações, criar hábitos e moldar seu caráter. Segundo ela, o caráter perfeito é apenas

alcançado quando o impulso para auxiliar e ajudar a outros brota constantemente do íntimo do

ser. Cada ser humano deve procurar fazer o melhor para a construção de seu caráter, na busca

de perfeição moral. Se acomodar a qualquer tipo de imperfeição de caráter é interpretado por

White como pecado.

Portanto, o cristão deveria procurar perfeição de caráter e não perfeição de natureza.

Enquanto que apenas a glorificação transformará a natureza física do ser humano, é o caráter

que é transformado pela santificação. Para White, apenas aqueles que tiverem perfeição de

caráter entrarão no Céu. Deus aceita somente os que estão decididos a ter um alvo elevado.

Embora o conceito de perfeição cristão esteja presente em Wesley também, este

conceito não é relacionado à perfeição de caráter como o é em White. Embora Wesley possa

concordar com a necessidade de se ter um bom caráter, ele não chegou a afirmar que

perfeição cristã era perfeição de caráter.

2.7 Esferas de perfeição

Além da busca da perfeição de caráter, White também apresenta uma característica

distintiva: a de “esferas” de perfeição. Assim como Deus é perfeito em sua própria esfera,

assim também deve o cristão ser perfeito em sua própria esfera. Para ela, existem esferas

diferentes, pois até os anjos, que não caíram em pecado, possuem um tipo de perfeição

diferente da de Deus.

Já que o processo de santificação é interpretado como um amadurecimento contínuo,

White indica que da mesma forma que o crescimento humano possui estágios, o crescimento

espiritual também é marcado por estágios, embora ela não defina quais são estes estágios. O

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mesmo se dá com plantas; da mesma forma que a planta deve passar por cada estágio do

crescimento – desde a semente até a planta adulta – o cristão deve passar por cada estágio do

crescimento. Em cada estágio, ele pode alcançar a perfeição daquele estágio. Se cada etapa é

alcançada da forma correta, haverá constante progresso. Segundo White, esta é uma forma de

desenvolvimento espiritual que pode ser considerado “perfeito” mesmo que a pessoa não

tenha alcançado o “topo” da perfeição.

Mais uma vez, este é um conceito desenvolvido por White e não aparece em Wesley.

Para ele, a santificação é um processo marcado pelo momento da perfeição cristã. Enquanto

este momento não acontecer na vida do cristão, ele não pode ser considerado “perfeito”.

3 Wesley e White hoje: contribuições para a teologia na atualidade

Após analisarmos as aproximações e distanciamentos entre John Wesley e Ellen

White, prosseguiremos na verificação das contribuições que ambos os autores tem para

oferecer à teologia na atualidade, considerando suas perspectivas e singularidades sobre o

tema da santificação e temas relacionados.

Nesta seção, estaremos apresentando as seguintes contribuições: 1) o ser humano e sua

finitude, 2) o pecado e a natureza humana, 3) a relação entre o divino e o humano, 4) a

santificação diviniza?, 5) a necessidade de obediência, 6) práxis e suas motivações religiosas,

7) amadurecimento para o serviço, e 8) a colaboração divino/humana no desenvolvimento.

3.1 O humano e sua finitude

Incrustado no pensamento de Wesley e White encontramos o conceito da distinção

entre o ser humano criado e o divino Criador. Enquanto que o ser humano pertence ao resto

da criação, Deus é o criador de todo o universo. O ser humano, portanto, em seu estado de

criatura, é limitado pelo espaço e tempo que o circunda. O ser humano é marcado por sua

finitude e suas limitações. Além disto, ele é aprisionado pelo pecado que molda seus

sentimentos, pensamentos e atos. Além das limitações que lhe são impostas pela criação, seu

estado é ainda mais limitado pelo pecado. Sua capacidade de escolha e livre arbítrio são

cativas de sua natureza pecaminosa.

Este, no entanto, não precisa ser seu estado final. São colocados à disposição da

humanidade liberdade e força de escolha através do poder santificador do Espírito Santo. Uma

vez que o ser humano aceita a salvação em Cristo, lhe é oferecida a oportunidade de se

libertar das correntes do pecado e crescer como indivíduo. O ser humano é então iniciado em

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um processo de amadurecimento que o pode levar até as mais altas esferas do

desenvolvimento humano. Ele é tido como perfeito e livre do poder do pecado. Isto, no

entanto, não significa que a humanidade pode deixar seu estado de finitude e se tornar

“infinita”. Enquanto que seu crescimento e potencial aumentam constantemente, o ser

humano sempre deverá continuar dependente dAquele que é infinito. O ser humano, para que

possa continuar neste processo de crescimento e amadurecimento, sempre precisará alimentar

sua dependência em Deus. Ser humano representa ser finito e depender constantemente do

Infinito. Ele não se torna um super homem que se emancipa de seu criador e soluciona todos

os seus problemas. Apesar de estar livre do pecado, ele continua cercado pela finitude e pelos

limites que lhes são impostos pela criação. Ele pode continuar se desenvolvendo, mas para

que isto aconteça, deverá sempre manter sua dependência de Deus.

3.2 O pecado e a natureza humana

Ao estudarmos a compreensão de Wesley e White sobre o ser humano, torna-se

evidente que para ambos, o ser humano, em seu estado natural, é depravado e carente da graça

de Deus. Isto significa que a humanidade é totalmente incapaz de praticar qualquer ato

genuinamente correto, bom, puro e que venha retirá-la de seu estado de depravação. Todo

amor que pode ser expresso por parte da humanidade é voltado para si mesmo. Nascida com

uma natureza corrupta, a humanidade é alimentada por sentimentos e pensamentos incorretos,

contrários à própria natureza e imagem de Deus. A imago Dei não se encontra mais

perfeitamente representada na humanidade. Portanto, mesmo que o ser humano procure

realizar atos de bondade e caridade, tais atos estão mergulhados em motivações e

pensamentos egoístas e pecaminosos. Qualquer ato verdadeiramente bom deve ser motivado

pela graça de Deus, da qual o ser humano está destituído.

Tal conceito se distancia do conceito positivista humanista, onde a capacidade humana

é valorizada na solução de seus problemas e na sua própria evolução e desenvolvimento. O

ser humano não é senhor de si e de seu destino. Ele é escravo de suas paixões e do pecado que

jaz em sua própria natureza. No entanto, seu destino ainda não está traçado. Ele pode reverter

o seu quadro de fugitivo de Deus. Apesar de totalmente depravado, o ser humano, sob a graça

preveniente de Deus, ainda possui a liberdade de escolha, habilitando-o a abandonar o pecado

e suas conseqüências, e a se dedicar a uma vida de amor altruísta e santidade. Ao invés de

direcionar o amor para si mesmo, ele passa a amar a Deus e ao resto da humanidade mais do

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que a si mesmo. A natureza pecaminosa, mesmo que latente, continua presente no indivíduo

até o momento da glorificação.

3.3 A relação entre o divino e o humano

Uma vez liberto da escravidão do pecado, o ser humano pode andar em verdadeira

liberdade. Através da graça divina, ele pode abandonar seu estado anterior de submissão ao

pecado e se tornar um vitorioso sobre o pecado. Esta graça, no entanto, não é irresistível.

Deus não passa por cima da liberdade humana. Deus oferece sua graça e ela é aplicada na

vida do ser humano apenas quando este a aceita. A salvação do pecado, portanto, não é

imposta somente sobre certos indivíduos, mas está à disposição de todos que a desejarem e a

aceitarem.

Por outro lado, a vitória sobre o pecado não é realizada por capacidade própria. A

humanidade é incapaz de se libertar das tentações e ciladas do pecado. Tal libertação é

resultado de uma obra em conjunto com a graça divina. Sem a presença constante da graça de

Deus, o ser humano pode recair constantemente em pecado. Sua dependência de Deus deve

ser constante, pois o pecado sempre poderá tentar obter o controle novamente. Isto significa

que, qualquer progresso ou amadurecimento feito por parte do cristão, deve ser feita com a

participação do divino. Abandonar o apoio divino não representa obter total liberdade, e sim,

voltar à escravidão do pecado.

3.4 A santificação diviniza?

Uma vez santificado, deixa o indivíduo de ser humano para se tornar outra coisa? Se

torna a humanidade uma “super” humanidade? Tem a santificação o potencial de “divinizar” a

humanidade? Para Wesley e White, não. Mesmo passando pelo processo de santificação e

alcançando a perfeição, o ser humano continua humano. Ele mantém seus limites e sua

finitude, sem, contudo, permanecer escravo do pecado. Apesar de crescer constantemente em

direção à perfeição, o ser humano nunca alcança um estado de “perfeição absoluta”, como se

fosse uma escala com um topo a ser alcançado.

O cristão que cresce em santificação pode ser considerado “perfeito” por Deus, mas

aos seus próprios olhos, o indivíduo perceberá a distância que existe entre si mesmo e Deus.

Cada vez que ele se aproxima mais da pureza de Deus, ele percebe a impureza que permeia

seus pensamentos e atos. Ele percebe o contraste entre pecado que jaz em si, e a santidade que

permeia a divindade. Mesmo o modelo apresentado como padrão de perfeição – Jesus Cristo

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– não poderá ser igualado deste lado da glorificação. O ser humano pode ser perfeito, mas

apenas em sua própria esfera – a humana.

3.5 A necessidade de obediência

Para que possa haver crescimento, amadurecimento e desenvolvimento do ser humano

e para que este reflita a imago Dei, é importante que este seja obediente à Deus. Deus

estabeleceu um conjunto de preceitos e regras que devem reger a conduta e ética humana.

Santificação e perfeição não ocorrem na ausência das leis que Deus estabeleceu. Para que o

cristão possa crescer em santificação, buscando alcançar a perfeição, ele deve trilhar o

caminho da obediência. Apenas obedecendo às leis de Deus é que a humanidade poderá

usufruir da liberdade que Deus promete. A verdadeira liberdade deve ser entendida como

sendo dentro da proteção oferecida por uma vida de obediência a Deus. Liberdade não

significa libertinagem.

Sendo assim, para que possa haver ordem e progresso em uma sociedade, faz-se

necessário um conjunto de leis. Da mesma forma que uma sociedade precisa de um conjunto

de leis que regem a vida de seus cidadãos para que todos possam viver em paz e harmonia, a

vida cristã também é marcada pelas leis divinas, que contribuem para o crescimento

harmônico e saudável do indivíduo em sua caminhada para a perfeição. Se o cristão deixar de

seguir as leis estabelecidas por Deus, ele deixará de crescer em santificação e “cairá da graça”

também. Devemos lembrar, contudo, que a observância das leis de Deus não é realizada por

mero esforço humano, mas é auxiliada pela ajuda divina. Deus estabelece as leis que devem

ser guardadas e também fornece a força e a capacidade para que a humanidade possa guardá-

las.

3.6 A práxis e suas motivações religiosas

O ser humano é levado, muitas vezes, a apresentar certos comportamentos ou manter

certos costumes, simplesmente porque outras pessoas agem da mesma forma, ou por que “está

na moda”. Por isto, queremos dizer que ele não analisa os motivos que o levaram a se vestir,

alimentar ou agir da forma como o faz, mas é apenas um refletor do comportamento alheio.

Suas ações seguem às do resto da população na qual ele se encontra inserido. Há aqueles que

consomem certos alimentos, bebidas ou produtos, se envolvem em ações de caridade e

participam de projetos de assistência social simplesmente porque viram ou ouviram falar que

alguém de destaque na sociedade agia da mesma forma. Outras pessoas são levadas a manter

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tal estilo de vida na tentativa de se tornarem pessoas “aceitáveis” perante a sociedade. A

opinião pública se torna um grande motivador nas escolhas do comportamento do indivíduo e

seu estilo de vida.

Wesley e White, através de sua teologia, procuram incentivar o ser humano a buscar

outra motivação, um sentido mais profundo para a vida. O estilo de vida e o comportamento

humano devem ser regidos não pela opinião da maioria, ou porque “está na moda”, e sim

porque contribui para o desenvolvimento e crescimento de cada indivíduo. Um estilo de vida

saudável deve ser mantido visando os efeitos benéficos que este produz na saúde, mente,

sociabilidade e espiritualidade do indivíduo. Uma vez que o ser humano se encontra neste

estado de plenitude e bem estar, ele estará mais inclinado a melhorar e aprimorar seus

relacionamentos com Deus e as pessoas que o circundam. Sendo assim, suas escolhas quanto

ao que come, bebe, compra, consome e promove serão motivadas visando seu próprio bem

estar, como também o efeito que terão sobre seus relacionamentos com Deus e seus

semelhantes. Ele não será apenas movido por um sentimento egoísta de auto-satisfação, mas

procurará se tornar um ser humano melhor para sua sociedade e para o Reino de Deus.

3.7 O amadurecimento para o Serviço

O conceito de santificação para Wesley e White possui um aspecto tanto interior

(pietista) como também social. Apesar de ênfases diferentes, tanto Wesley como White

concordam que santificação não deveria ser um fim em si mesmo. O crescimento ou

amadurecimento não deve se tornar um objetivo em si mesmo, mas deve levar o indivíduo ao

serviço. Sendo assim, a verdadeira religião não motiva seus fiéis a permanecerem dentro de

seu próprio casulo. O cristão que está crescendo em santificação não deve se fechar para

mundo e para os outros, em busca de proteção. O amadurecimento que é proporcionado pelo

processo de santificação incentiva o cristão a sair de seu meio de conforto em busca daquele

que se encontra necessitado. Como dizia Wesley, santificação é social.

Santificação, portanto, possui dois aspectos. Por um lado, o processo de santificação

procura levar o cristão a abandonar o pecado (aspecto negativo). Neste sentido, o cristão é

incentivado a deixar de praticar aquilo que prejudica a si mesmo, seu relacionamento com

Deus, como também aquilo que trás prejuízo ao resto da sociedade. Mas santificação também

motiva o cristão a praticar aquilo que é correto diante da necessidade alheia (aspecto

positivo). Neste sentido, ele é animado a procurar entender a realidade na qual outras pessoas

vivem e as necessidades pelas quais elas passam. À medida que o ser humano é santificado

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através do conhecimento da verdade bíblica ele se envolve ativamente na salvação de outros.

O cristão é, portanto, movido a servir o outro, buscando aliviar o peso e os problemas que

muitas vezes sobrecarregam a existência humana. Mas para que isso ocorra, o ser humano

precisa “ser melhorado” (santificação) para então poder “salvar” as pessoas dentro da

condição na qual estão inseridos. Antes de poder libertar outros de suas limitações e

problemas, o cristão precisa assegurar que ele mesmo se encontre em um estado de liberdade.

3.8 A colaboração divino/humana no desenvolvimento

O ser humano recebeu das mãos de Deus a capacidade de escolher o destino que

deseja tomar para sua vida. Ele não é forçado a aceitar um destino que lhe é imposto pela

divindade. Seus atos, pensamentos, atitudes e hábitos são dirigidos pela capacidade volitiva

que Deus concedeu a cada ser humano. O ser humano é, portanto, livre para fazer suas

escolhas e agir como desejar. A graça de Deus, conforme Wesley e White, não é irresistível,

mas pode ser rejeitada pelo ser humano, se este o desejar. A soberania divina não interfere na

liberdade de escolha humana.

Deus atrai o ser humano a Si. Sentindo-se atraído para a salvação, o ser humano é

levado a se arrepender e mudar sua conduta. Qualquer mudança ou progresso deve ser

realizado com o auxílio do Espírito Santo e com a decisão do indivíduo. Cada passo dado em

direção ao amadurecimento do indivíduo é realizado pelo cristão que colabora com Deus.

Aqui devem ser evitados dois extremos: por um lado, uma atitude de laissez faire – como se

tudo ficasse nas mãos de Deus; e por outro, acreditar que tudo é responsabilidade humana,

colocando Deus de fora de nossos problemas. Deus é soberano sobre o universo, mas ele

optou trabalhar em conjunto com a humanidade. Ele permite que o ser humano participe de

Seus planos e abre espaço para a atuação (ou não) humana. Por um lado, Deus não mantém

uma soberania “absoluta”, como se cada minúsculo detalhe que acontece na vida do ser

humano fosse de Sua responsabilidade. Por outro, Ele não largou tudo nas mãos do ser

humano e abandonou o cenário. É nesta tensão provocada entre a atuação divina e a

participação humana que a vida se desenvolve.

Conclusão

Como proposto neste capítulo, foi realizado uma comparação do pensamento de John

Wesley e Ellen White. Em um primeiro momento, as aproximações entre o pensamento de

ambos os autores foram consideradas. Oito semelhanças foram levantadas e analisadas: 1)

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santificação como um amadurecimento contínuo, 2) santificação possui um aspecto individual

como também social, 3) ser perfeito não significa alcançar a impecabilidade, 4) embora

perfeito, o cristão pode “cair da graça”, 5) santificação ocorre em uma sinergia

divino/humana, 6) santificação é apenas possível se houver obediência a Deus, 7) santificação

é amor, e 8) Jesus Cristo é o padrão de perfeição.

Em um segundo momento, os distanciamentos entre o pensamento de ambos os

autores foram destacados. Oito distinções foram apresentadas: 1) enquanto que a busca pela

perfeição, em Wesley, estava relacionada ao reavivamento, para White, estava relacionado à

sua expectativa escatológica da segunda vinda de Cristo. 2) Para Wesley, santificação é

instantânea, 3) há um segundo momento da graça no processo da santificação, 4) e o pecado

deixa de habitar no ser humano. Enquanto isso, White acreditava que, 5) a emoção e o

entusiasmo não deveriam servir como evidência de santificação, 6) ser perfeito significa

possuir perfeição de caráter, e 7) a perfeição pode ser alcançada dentro de diferentes esferas

da experiência humana.

Diante de tais considerações, foram propostas oito contribuições que ambos os autores

podem oferecer para a teologia na atualidade, considerando suas perspectivas e singularidades

sobre o tema da santificação e temas relacionados: 1) o ser humano, mesmo perfeito, não se

torna “infinito” mas continua marcado por suas limitações; 2) o ser humano, em seu estado

natural é escravo do pecado, mas pode obter sua liberdade através de sua dependência na

graça de Deus; 3) o ser humano precisa se manter dependente da graça divina tanto para

continuar livre do pecado como para crescer em perfeição; 4) a santificação não diviniza o

humano; 5) para que a humanidade possa evoluir e se desenvolver, é preciso que ela obedeça

às leis de Deus; 6) toda práxis deve ser motivada por algo além do egoísmo e auto-satisfação,

como, por exemplo, o amor ao outro e a Deus; 7) santificação deve ser entendida como um

amadurecimento para o serviço ao outro e a Deus, e não como exclusão da sociedade; e 8)

para que haja desenvolvimento do indivíduo como também do resto da humanidade, estes

devem participar em colaboração com a atuação divina no mundo.

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CONCLUSÃO

Este trabalho consistiu em um estudo comparativo entre os escritos de John Wesley

(1703-1791), líder do movimento metodista na Inglaterra, e Ellen G. White (1827-1915),

pioneira do movimento adventista nos Estados Unidos, procurando definir os seus conceitos

de santificação. Procuramos descrever os fatores que levaram a elaboração desta percepção

nos dois autores e verificar congruências e divergências entre eles quanto ao tema da

santificação.

A problemática levantada neste este trabalho partia de um estudo comparativo entre

John Wesley e Ellen G. White. O que é santificação para ambos os autores? É ela posicional,

instantânea ou é um processo duradouro? É a santificação distinta da justificação? Atua ela

apenas na dimensão religiosa, ou também no aspecto físico, social e intelectual? Como que

ambos os autores retratam a santificação, considerando que ambos os autores viveram em

tempos e contextos diferentes? Quais são suas contribuições e implicações para a teologia na

atualidade?

Conseqüentemente, as hipóteses levantadas por tal comparação sugerem que: 1) existe

um conceito definido de santificação em John Wesley e Ellen G. White, 2) houve fatores que

levaram a elaboração desta percepção tanto em John Wesley como em Ellen G. White, 3)

existem congruências e divergências entre John Wesley e Ellen G. White quanto ao tema da

santificação, 4) elementos wesleyanos sobre santificação em Ellen G. White podem ser

encontrados, os quais ela os reconstrói dando enfoques específicos e particulares, e, 5) de tal

estudo, contribuições e implicações para a teologia na atualidade poderão ser levantados.

O método empregado neste trabalho é o de estudos comparados, sendo que este se

deteve apenas na comparação dos escritos de dois autores, pioneiros de dois movimentos

evangélicos, procurando entender suas percepções quanto ao tema da santificação. Como

resultado, apresentamos as semelhanças e diferenças entre ambos autores, como também

oferecemos propostas para as discussões teológicas na atualidade.

No primeiro capítulo deste trabalho, o tema da santificação e da perfeição cristã no

pensamento de Wesley foi discutido. Para contextualizar tal discussão, uma breve revisão

histórica sobre Wesley foi oferecida. Nela procuramos mostrar um pouco a maneira em que

seus conceitos se desenvolveram e foram expressos no decorrer dos anos. Procuramos, através

de seus sermões, cartas e obras, captar seu pensamento e seus conceitos sobre santificação. Os

diversos eventos com os quais ele interagiu também nos ofereceram uma janela para as suas

idéias.

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Em seguida, dentro da discussão teológica sobre santificação e perfeição cristã,

observamos que sua compreensão de santificação cristã está intimamente interconectada com

outros temas como o pecado e a natureza humana, a expiação, a justificação, a obediência à

Lei de Deus e finalmente a perfeição cristã. Enquanto que santificação só começa a partir da

justificação, ela segue o cristão durante toda a sua vida, e nunca acaba. É um caminho

composto por diferentes etapas que permite ao cristão crescer até alcançar a perfeição cristã.

Enquanto que a santificação permite a remoção da presença e do poder do pecado no ser

humano, contudo, não é eliminada a possibilidade para erros, doenças, tentações e até a

possibilidade de uma recaída em pecado. Mas ela habilita o ser humano a novamente “amar a

Deus de todo o coração e o próximo como a si mesmo”, tornando a santificação um processo

que afeta o indivíduo e se manifesta socialmente.

No entanto, para que tal obra possa ser realizada, deve haver um esforço por parte do

ser humano em colaboração com a atuação divina. Este esforço se manifesta na forma de

obediência à vontade e lei de Deus. Santificação possui como objetivo habilitar o ser humano

com as virtudes que também havia em Cristo Jesus.

No segundo capítulo, o tema da santificação e da perfeição cristã no pensamento de

Ellen G. White foram analisados. Seguindo o modelo estabelecido no primeiro capítulo, uma

breve revisão histórica sobre White foi oferecida. Nela procuramos mostrar como que seus

pensamentos e conceitos se desenvolveram, sendo articulados em sua vida no decorrer dos

anos. Procuramos captar e contextualizar seus pensamentos e seus conceitos sobre

santificação dentro de suas experiências. Os diversos eventos com os quais ela interagiu

também nos ofereceram uma janela para as suas idéias.

Num segundo momento, observamos que sua compreensão de santificação cristã está

intimamente interconectada com outros temas como o pecado e a natureza humana, a

expiação, a justificação, a obediência à Lei de Deus e finalmente a perfeição cristã. Foi

mostrado que seus conceitos sobre santificação estão intimamente relacionados à sua

expectativa da segunda vinda de Cristo. Este era o tema motivador para sua busca de

santificação assim como também para os adventistas que a sucederam. Sendo assim,

santificação é um preparo contínuo para este grande evento. Santificação não é instantânea e

emocional. Cada momento em que White se deparou com alguma alegação de santificação

que valorizasse o aspecto emocional, ela rejeitou tal alegação. E em seu tempo, não foram

poucas as situações.

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Para White, santificação trabalha o caráter do indivíduo, preparando-o para amar a

Deus acima de tudo e ao seu próximo. É uma habilitação para o serviço, levando o cristão a se

interessar e buscar atender às necessidades daqueles que estão ao seu redor. Este processo

deve direcionar corretamente todos os pensamentos, atos, sentimentos e hábitos a fim de que

um caráter perfeito seja desenvolvido. Perfeição não significa alcançar um patamar de

impecabilidade. Ninguém que esteja andando pelo caminho da perfeição deve afirmar ser

perfeito ou alegar impecabilidade. Quanto mais próximo a pessoa está de Cristo, mais ela

percebe suas falhas.

Cristo serve como modelo que deve ser constantemente imitado, sem que ele possa ser

necessariamente igualado. Faz-se necessário uma colaboração entre a atuação divina e a

participação humana no processo da santificação. Neste sentido, é importante que o ser

humano se mantenha fiel e obediente à lei de Deus. Se à cada estágio do amadurecimento

cristão, a pessoa se desenvolver conforme é o intencionado por Deus, esta pessoa pode ser

considerada como “perfeita”.

No último capítulo, foi realizado uma comparação do pensamento de John Wesley e

Ellen White. Em um primeiro momento, as aproximações entre o pensamento de ambos os

autores foram consideradas. As seguintes semelhanças foram levantadas e analisadas: 1)

santificação como um amadurecimento contínuo, 2) santificação possui um aspecto individual

como também social, 3) ser perfeito não significa alcançar a impecabilidade, 4) embora

perfeito, o cristão pode “cair da graça”, 5) santificação ocorre em uma sinergia

divino/humana, 6) santificação é apenas possível se houver obediência a Deus, 7) santificação

é amor, e 8) Jesus Cristo é o padrão de perfeição.

Em um segundo momento, os distanciamentos entre o pensamento de ambos os

autores foram destacados. As seguintes distinções foram apresentadas: 1) enquanto que a

busca pela perfeição, em Wesley, estava relacionada ao reavivamento, para White, estava

relacionado à sua expectativa escatológica da segunda vinda de Cristo. 2) Para Wesley,

santificação é instantânea, 3) há um segundo momento da graça no processo da santificação,

4) e o pecado deixa de habitar no ser humano. Enquanto isso, White acreditava que 5) a

emoção e o entusiasmo não deveriam servir como evidência de santificação, 6) ser perfeito

significa possuir perfeição de caráter, e 7) a perfeição pode ser alcançada dentro de diferentes

esferas da experiência humana.

Diante de tais considerações, foram propostas oito contribuições que ambos os autores

podem oferecer para a teologia na atualidade, considerando suas perspectivas e singularidades

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sobre o tema da santificação e temas relacionados: 1) o ser humano, mesmo perfeito, não se

torna “infinito” mas continua marcado por suas limitações; 2) o ser humano, em seu estado

natural é escravo do pecado, mas pode obter sua liberdade através de sua dependência na

graça de Deus; 3) o ser humano precisa se manter dependente da graça divina tanto para

continuar livre do pecado como para crescer em perfeição; 4) a santificação não diviniza o

humano; 5) para que a humanidade possa evoluir e se desenvolver, é preciso que ela obedeça

às leis de Deus; 6) toda práxis deve ser motivada por algo além do egoísmo e auto-satisfação,

como, por exemplo, o amor ao outro e a Deus; 7) santificação deve ser entendida como um

amadurecimento para o serviço ao outro e a Deus, e não como exclusão da sociedade; e 8)

para que haja desenvolvimento do indivíduo como também do resto da humanidade, estes

devem participar em colaboração com a atuação divina no mundo.

Considerando que o presente trabalho representou apenas uma tentativa de estudo

comparativo dos conceitos wesleyanos e whiteanos sobre santificação e perfeição cristã, as

considerações e intuições aqui apresentadas são preliminares e incipientes, que poderão ser

ampliadas e aprofundadas posteriormente. Como tema para estudos posteriores, sugerimos

algumas questões que poderiam ser analisadas em futuras pesquisas: Qual é a relação entre o

conceito de santificação e perfeição entre White e os movimentos de santidade americanos do

século XIX e XX? Os conceitos whiteanos de santificação estão mais próximos de Wesley ou

dos movimentos de santidade americanos? Existe diferença entre “vitória sobre o pecado” e

“libertação da habitação do pecado”? Como entender o conceito whiteano de “esferas de

perfeição”? Pode isto ser considerado como “graus” de perfeição? Como que o conceito de

santificação se relaciona com assuntos como saúde, educação, alimentação, comportamento,

liberdade cristã, responsabilidades cívicas e serviço social, entre outros. Qual é o lugar do

sentimento e entusiasmo no processo de santificação? Tem ambos movimentos (metodista e

adventista) mantido os conceitos originalmente apresentados por seus pioneiros ou houve

alguma mudança significativa? Se houve mudanças significativas, de que natureza seriam?

Esperamos que as tradições religiosas que possuem como base o pensamento de um ou

outro dos autores estudados possam ser, de alguma forma, beneficiadas pelas conclusões

dessa pesquisa.

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“Lessons from the First Epistle of John”. Review and Herald. Battle Creek, MI. 13 de julho,

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