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  • Radha Burnier

    O Caminho do Autoconhecimento

    Texto de uma palestra em homenagem a H.P. Blavatsky, proferida na Conveno

    Anual da Sociedade Teosfica na Inglaterra, em 26 de maio de 1979.

    Traduo Ana Rosa Lopes Bulhes

  • Ttulo do original em ingls: The Way of Self-knowledge 3 edio em ingls, 1984 Theosophical Publishing House, Adyar, Chennai, ndia, 600 020. EDITORA TEOSFICA SGAS, Quadra 603, Conj. E, s/n 70.200-630 Braslia, DF Brasil Tel.: (61) 322-7843 Fax: (61) 226-3703 Home Page: www.stb.org.br/livrar.html E-Mail: [email protected] B963

    O Caminho do Autoconhecimento Radha Burnier

    Braslia, 2000

    ISBN 85-85961-31-7

    Assunto: 1. Teosofia

    2. Sabedoria Divina 3. Autoconhecimento

    CDD 212

    Capa: Marcelos Ramos Diagramao: Reginaldo Alves Arajo Reviso Editorial: Carlos Cardoso Aveline e Zeneida Cereja da Silva

  • Para alcanar o Nirvana preciso alcanar o autoconhecimento, e o autoco-nhecimento fruto de atos bondosos. 1

    A sra. Helena P. Blavatsky (H.P.B.), em cuja homenagem essa palestra proferida, era, segundo seus instrutores, uma mulher de dons maravilhosos e excepcionais.

    Ela possua no s o que aos olhos do mundo pareceriam dons, isto , aptides artsti-cas e talento intelectual extraordinrios, mas tambm uma capacidade inata de enxergar as verdades ocultas da natureza e da vida. Como forma de expressar gratido e prestar-lhe uma homenagem, devemos procurar entender o problema da escravido e da liberta-o humana, um problema que a prpria H.P.B. ajudou a esclarecer em grande parte. No entanto, cabe a cada indivduo desvend-lo e compreend-Io por esforo prprio, ainda que possa ter ajuda de guias mais experientes.

    H.P.B. foi enftica ao declarar que, embora a teosofia no seja uma religio em si, a prpria Religio. A Religio-Sabedoria a fonte da qual se originaram todas as verdadei-ras religies ensinadas no mundo. a Sabedoria Divina, ou Sabedoria dos Deuses. 2 um retirar do vu que encobre verdades extremamente antigas. Embora tenha sido apre-sentada de muitas formas, a teosofia ainda continua sendo a sabedoria oculta, ou doutri-na secreta conhecida na ndia antiga como gupta vidya. Sua essncia no pode ser transmitida, uma vez que uma auto-revelao, um brilho dos poderes que estavam la-tentes. A iluminao deve vir do interior. 3

    Diz H.P.B.: Uma Religio, em seu sentido verdadeiro e exato, um lao que une os homens - no um conjunto especfico de dogmas e crenas. A religio, em seu sentido mais amplo, aquilo que une no s todos os HOMENS, mas tambm todos os SERES e todas as coisas do universo inteiro em um grande conjunto. 4 um elo de unio to uni-versal e abrangente que nenhum homem ou partcula - dos deuses e mortais aos animais, das folhas de grama aos tomos - pode ficar fora da sua luz.

    sobre essa verdade da Religio-Sabedoria, tambm conhecida como Teosofia, que se baseia o primeiro objetivo da Sociedade Teosfica, isto , formar uma fraternidade universal sem excees.

    A fraternidade universal buscada pela Sociedade Teosfica no pode ser uma fra-ternidade fraca, uma reunio de pessoas em um nvel externo com um desejo de produzir um relacionamento social melhor. Ela tem que ter razes muito mais profundas, e deve

    1 H. P. Blavatsky, A Voz do Silncio. 2 H.P.B., A Chave Para a Teosofia, Editora Teosfica, 1991, Braslia. 3 Cartas dos Mahatmas Para A. P. Sinnett, Carta 20, edio cronolgica, Editora Teosfica, Bras-

    lia (Carta 49 na 3 ed.). (N. ed. bras.) 4 A Teosofia Uma Religio?, revista Lucifer, 1888 (N. ed. bras.)

  • levar todos os que aceitam os objetivos da Sociedade a uma compreenso cada vez mais forte daquele Ser nico que o princpio que d vida a todos e constitui, tambm, o elo de unio entre eles.

    Para que tenha valor real, o ncleo de Fraternidade Universal deve possuir uma quali-dade regeneradora e prtica.

    Experincia Prpria Os estudantes srios de teosofia devem querer mais do que estudar teoricamente as

    verdades ensinadas na literatura teosfica. Eles devem se esforar para conhecer a ver-dade atravs da experincia prpria, com o objetivo de alcanar a sabedoria e a fora necessrias para ajudar os outros de forma eficaz e sbia, e no cega e casualmente.5 O que chamamos teosofia s realmente teosofia na medida em que, atravs do seu estu-do, a verdade fundamental da Existncia Una gradualmente compreendida.

    A mera especulao intelectual, os debates sobre assuntos cosmolgicos e antropo-lgicos e a compreenso conceitual de diversos detalhes abordados pela vasta literatura teosfica disponvel no significam conhecer a teosofia.

    No possvel alcanar a compreenso das fases mais elevadas da existncia do homem nesse planeta atravs de uma mera obteno de conhecimento. Nem sequer grandes volumes de informao muito bem articulada podem revelar ao homem a vida das regies mais elevadas. preciso obter conhecimento dos fatos espirituais atravs da experincia prpria.6 A expresso mais elevadas significa espiritualmente mais perfei-tas, como o autor da frase salientou em outra carta.

    Segundo H.P.B., no texto intitulado A Doutrina Secreta e Seu Estudo:7 pior que in-til procurar aqueles que imaginamos ser alunos adiantados e pedir-lhes uma interpretao da doutrina secreta. Eles no podem faz-lo. Se tentarem, s conseguiro dar simples interpretaes exotricas que no se assemelham, nem de longe, Verdade. Aceitar tais interpretaes significa prender-nos a idias fixas, porque a Verdade est alm de quais-quer idias que possamos formular ou expressar.

    As interpretaes exotricas podem ser teis quando consideradas como simples in-dicadores, e nada mais. um erro pensar que se pode encontrar uma descrio satisfa-tria da formao do universo em A Doutrina Secreta, pois s o que se conseguir ficar

    5 A Chave Para a Teosofia, H.P.B., obra citada. 6 Cartas dos Mahatmas Para A.P. Sinnett, Carta 65 da edio cronolgica, Editora Teosfica, Bra-slia; carta 11 da 3 edio de Adyar. (N. ed. bras.) 7 Publicado como Apndice A no livro Fundamentos da Filosofia Esotrica, de H.P. Blavatsky, Edi-tora Teosfica, 1991, Braslia. Ver p. 77 e seguintes. (N.ed. bras.)

  • confuso com o seu estudo. O objetivo desta obra no dar um veredicto definitivo sobre a existncia, mas sim conduzir o leitor em direo Verdade.

    H. P. Blavatsky adverte que ao estudar A Doutrina Secreta - ou, como poderamos di-zer igualmente, ao estudar teosofia - a mente deve levar sempre em conta algumas ver-dades essenciais, sendo a primeira delas a Unidade fundamental de Toda Existncia. Tendo presente essa verdade em qualquer situao, ao estudar, viver ou agir, surge uma conscincia religiosa que deve ser o princpio do verdadeiro conhecimento teosfico. O Esprito, ou a Vida, indivisvel.8 Cada molcula parte da vida universal.9

    Ter conscincia religiosa ir rumo ao Uno indivisvel e perceber intuitivamente a sua Verdade. Uma vez que teosofia em si mesma no diferente de Religio no sentido mais verdadeiro do termo, o seu estudo deve produzir essa conscincia religiosa. Aqui pode-mos relembrar aquela inspiradora afirmao que diz que o primeiro passo o ltimo pas-so.10 Talvez possamos ver nessa afirmao o seguinte significado, entre outros: quando se decide seguir numa determinada direo j o primeiro passo deve avanar na direo escolhida, e no na direo oposta. A direo oposta s nos levaria inverdade.

    Assim, se o que tentamos compreender a Religio-Sabedoria, desde o comeo o es-tudo, a vida e a ao devem ter uma substncia tal que faa surgir deles a percepo religiosa que conduz a pessoa direo certa.

    H.P.B. explica a verdade da unidade da seguinte maneira: Essa unidade algo total-mente diferente da idia comum de unidade como quando dizemos que uma nao ou um exrcito unido... a existncia uma coisa Una, no uma coleo de coisas reunidas. Basicamente, temos o Ser Uno... Como ele absoluto, no h nada fora dele. o Ser Total. indivisvel, caso contrrio no seria absoluto. Se uma parte dele pudesse ser se-parada, a parte que restasse no poderia ser absoluta, porque surgiria imediatamente a questo da comparao entre ela e a parte que foi separada. A comparao incompat-vel com qualquer idia de absoluto.11

    O Sofrimento e o Mal

    Segundo o antigo Katha Upanixade, aquele que s v diversidade aqui (isto , na cria-o) passa da morte para a morte. desnecessrio dizer que vendo a diversidade que o homem cria o sofrimento psicolgico para si mesmo. Ao separar o eu do voc e de todos os outros, ele passa sua vida competindo, em conflito, tentando em vo ser mais -mais poderoso, mais importante, mais reconhecido, e assim por diante.

    8 Cartas dos Mahatmas Para A.P. Sinnett, obra citada, Carta n 44, ed. cronolgica. (N. ed. bras.) 9 Cartas dos Mahatmas Para A.P. Sinnett, obra citada, Carta n 66, ed. cronolgica. (N. ed. bras.) 10 A afirmao de J. Krishnamurti. 11 A Doutrina Secreta e Seu Estudo, em Fundamentos da Filosofia Esotrica, obra citada.

  • Como os olhos humanos ainda no foram iluminados pela percepo religiosa, a natu-reza e a vida do homem tm sido as mesmas h milhes de anos. Para salientar esse fato, um sbio escreveu: ... o mesmo agora como h milhes de anos: preconceito ba-seado no egosmo; uma resistncia geral a abandonar uma ordem estabelecida de coisas em funo de novos modos de vida e de pensamento... orgulho, e uma teimosa resistn-cia Verdade, quando ela abala as suas noes prvias sobre as coisas - essas so as caractersticas da sua poca.12

    Toda a sociedade humana, organizada por pensamentos humanos, estimula e alimen-ta as emoes, os pensamentos, as teorias e as aes que levam cada vez mais sepa-rao e, como resultado, a mais sofrimento psicolgico. O sofrimento e o mal so os dois produtos da inverdade nas mentes divididas e separativas dos homens.

    Tanto o sofrimento quanto o mal existem apenas na esfera da existncia humana. Embora os animais sofram - infelizmente a crueldade humana lhes causa um sofrimento terrvel - eles no precisam suportar a tristeza, que destino apenas do homem, pois um produto da mente. O sofrimento psicolgico uma parte da submisso da mente ao passado. Ele a lembrana de experincias passadas e a projeo de acontecimentos futuros. a autoconscincia que nos faz pensar sobre nossa prpria condio.

    O mal tambm s existe entre os homens. No h mal algum na Natureza. Quando um tigre ataca um cervo, ele movido por sua natureza, de forma inconsciente e inocente, sem que haja mal algum nisso. No entanto, dotados de uma mente e da capacidade de pensar sobre o certo e o errado, os seres humanos criam o mal, afastando-se de sua na-tureza original e destruindo sua inocncia e espontaneidade. Tudo o que consideramos mau resultado apenas da ao do homem. O verdadeiro mal origina-se da inteligncia humana, e essa origem est totalmente nas mos do homem racional, que se dissocia da Natureza. A humanidade , assim, a nica e verdadeira fonte do mal.13

    A Sabedoria Prtica

    A pureza recuperada quando a ao surge de uma conscincia religiosa, na qual no h separao entre o eu e o outro.

    A sabedoria consiste nessa ao. Ela diferente do conhecimento, em todos os as-pectos. Conhecimento, no sentido usual do termo, conhecimento de fatos. uma acu-mulao de informaes, e no exige que haja uma ao de acordo com os fatos ou com a informao conhecida.

    A sabedoria tem caractersticas totalmente diferentes, pois no pode existir sem que se

    12 Cartas dos Mahatmas Para A. P. Sinnett, obra citada, Carta n 1. 13 Cartas dos Mahatmas Para A. P. Sinnett, obra citada, Carta n 88, edio cronolgica.

  • expresse na qualidade dos relacionamentos e das aes. Por isso, a sabedoria sempre prtica. Onde quer que haja uma divergncia entre pensamento e ao, teoria e prtica, haver ausncia de sabedoria. Tais divergncias so uma negao da verdade.

    Como a Teosofia a Religio-Sabedoria, ela exige que haja um progresso contnuo na eliminao da distncia entre o pensamento e a teoria, de um lado, e a ao e o relacio-namento, de outro. O estudo teosfico s vlido se realmente eliminar esta distncia.

    Estudar teosofia implica que os contatos e as relaes com o mundo, em todos os n-veis, devem-nos aproximar ao mximo da compreenso da unidade do ser. Na Natureza, a existncia de inmeras formas, ilimitadamente diferentes, tem um propsito e parte de um plano.

    Quando gera competio e luta, a diversidade aprisiona a mente humana na iluso, no sofrimento e no mal. Mas, quando vista de forma correta, pode tambm elevar a mente ao silncio e meditao. Atravs da observao da incrvel diversidade, surge uma conscincia mais interna da unidade subjacente - da singularidade da fora que vive e se movimenta nas formas - do que era possvel para aquela conscincia inicial, que nunca se movia na diversidade. As formas nascem e se dissolvem diariamente, de hora em hora, num fluxo e em uma mudana contnua.

    Aquele que foi considerado o primeiro entre os homens, o Senhor Buda, ensinou que todas as coisas compostas devem ter um fim. No h exceo a essa regra. Todas as formas, por mais bonitas e nobres que sejam, precisam mudar. Todos sistemas, civiliza-es e coisas externas precisam morrer e nascer outra vez. O que a vida objetiva exce-to um espetculo de vvidas irrealidades!14 O estudante tem que observar e meditar a esse respeito e perceber, atravs da observao contemplativa do mundo externo, o po-der que est alm dos fenmenos da vida, que no ouvido, nem visto, nem sentido pelo olfato, mas percebido pelo homem que deseja a percepo.15

    O cientista sabe que a matria destrutvel e muda de forma, mas que a energia per-manece. O teosofista aprende que todas as formas so mutveis e compostas e que, no entanto, h - em planos invisveis mas perceptveis - aquilo que imutvel e indivisvel. Quando o dia-a-dia vivido sem a calma observao e avaliao de tudo o que ocorre no mundo - e quando no alcanamos, deste modo, vislumbres da existncia imortal, uma e subjacente - camos em um estado de cegueira que os Upanixades chamam de morta-lidade. A imortalidade s possvel para aquele que no fica cego pela flutuao dos fe-nmenos e pela diversidade das formas, mas permite que seus olhos se tornem mais e mais sensveis essncia interior.

    14 Cartas dos Mahatmas Para A.P. Sinnett, obra citada, Carta n 68 na edio cronolgica. (N. ed. bras.) 15 Luz no Caminho, Mabel Collins, Editora Teosfica, 1999, ver p. 67. (N. ed. bras.)

  • A Unidade da Natureza

    A compreenso da teosofia requer que se observe no apenas as formas e os fen-menos do mundo material e concreto, mas tambm os movimentos e as atividades do mundo psicolgico, pelo qual o homem est preso e condicionado. Luz no Caminho ensi-na: Observa intensamente toda a vida que te rodeia. Aprende a olhar inteligentemente os coraes dos homens. Observa com muita seriedade o teu prprio corao.16 A essas palavras foi acrescentado o seguinte comentrio: Estuda os coraes dos homens a fim de que possas conhecer este mundo em que vives e do qual desejas fazer parte. Observa a vida em constante mutao e movimento que te rodeia, pois ela formada pelos cora-es dos homens; e, medida que aprenderes a perceber sua natureza e seu significado, gradualmente sers capaz de ler a palavra maior da vida. Aqui, tambm, o estudo da mente e do corao do homem no deve levar a mais diviso, e sim a uma percepo da unidade existente na natureza humana.

    Ao observar os modos da mente, fcil apontar os defeitos dos outros e dizer: Ele mau ou ele feio. Quando se olha para si mesmo, a descrio feita em termos opos-tos, sempre encontrando algo admirvel, digno de respeito e reconhecimento.

    Assim o processo de diviso continua, e o problema do mal se espalha, pois todo o mundo est agindo dessa maneira e somente dessa maneira. Os numerosos conflitos de classe, raa, religio, famlia e outros comeam assim: Voc isso e eu sou aquilo. Essa forma de pensar dos homens, sempre dividindo e separando, s vem comprovar ao indivduo atento que a mente humana igual em todos, pois encontramos diviso em to-dos os lugares.

    A prpria natureza da mente, que todos compartilhamos e que pertence a todos ns, movida por distines. Ela cria a imagem do eu, formada pelas muitas descries que algum fez de si mesmo, com base em lembranas e na identificao do eu com essas lembranas em uma linha nica imaginria. Como H.P.B. deixou claro em A Chave Para a Teosofia, a idia de um sr. Smith17 na realidade se refere longa srie de experincias dirias enlaadas pela linha da memria, e que formam o que o sr. Smith chama de ele mesmo - esse conjunto de experincias reunidas que o estudo da teosofia deveria fa-zer a pessoa perceber como falsa personalidade (ao invs de ficar apenas falando sobre ela). A percepo consciente da personalidade que se tem na terra no passa de um sonho fugidio.18

    Com a descoberta de que cada pessoa atribui a si mesma uma personalidade falsa, que pensa ser seu eu verdadeiro, passa-se a saber que existe unidade tambm no mbito 16 Luz no Caminho, obra citada. Veja os aforismos II-9, II-10 e II-11, pp. 83 a 86. (N. ed. bras.) 17 Isto , um cidado qualquer. (N. ed. bras.) 18 Cartas dos Mahatmas Para A.P. Sinnett, obra citada, Carta n 68 na edio cronolgica. (N. ed. bras.)

  • da mente, pois percebe-se que ela segue sempre o mesmo modelo, onde quer que atue. Por isso, H.P.B. disse que no se pode falar de sua mente e minha mente; existe ape-nas a mente. Ao observar seriamente os coraes dos homens e o seu prprio, a pessoa percebe a iluso em que se encontra devido ao antigo hbito de descrever, rotular e che-gara concluses sobre a sua prpria natureza e a dos outros.

    De acordo com os ensinamentos de H.P.B., o homem o microcosmo. E assim sen-do, todas as hierarquias dos cus existem dentro dele. Porm, na verdade, no h nem macrocosmo nem microcosmo, mas a Existncia Una. S uma conscincia limitada v coisas grandes e pequenas.19 Essa existncia una transcende o poder da concepo humana e porque toda expresso ou comparao da mente humana no poderia seno diminu-Ia. Est alm do horizonte e do alcance do pensamento. Nas palavras do Man-dukya Upanixade, " impensvel e impronuncivel".20

    Como foi dito anteriormente, a sabedoria ou teosofia uma conscincia religiosa. Ela s surge quando h uma percepo, mesmo vaga, de que essa Existncia Una onipre-sente, existe em todas as coisas e em todos os lugares. Descrever e dar nome s suas muitas manifestaes, tirando concluses que s poderiam ser equivocadas, pois perten-ceriam ao pensamento, seria fechar a si mesmo em um estado de iluso.

    O verdadeiro estudante de teosofia aprende a observar e entender sem rotular ou pre-sumir que sabe. Sua observao leva ao reconhecimento de que a mente humana es-sencialmente uma s; aqui tambm se percebe a unidade.

    O progresso na teosofia a viagem do irreal para o real, das trevas para a luz, da morte para a imortalidade. O comeo desse progresso est na compreenso de que o infinito no pode ser conhecido pelo finito. O imperecvel no pode ser encontrado atravs do seu envolvimento com o perecvel e composto. O verdadeiro estudo da teosofia no se resume literatura teosfica; o estudo do livro da vida, a observao da natureza hu-mana, a contemplao da Natureza e dos fenmenos do mundo, de maneira que a Exis-tncia Una possa ser percebida.

    Em um dos Upanixades afirma-se que concentrao ou dharana o fluxo constante da mente em direo ao Uno. H ento a renncia a qualquer pensamento de separao. Quando h dharana, todo pensamento e toda percepo levam a um movimento da cons-cincia na direo do Uno.

    A vida teosfica , assim, um crescimento natural em direo ao altrusmo. A sabedo-ria no pode ser obtida por algum que no tenha, no corao, amor humanidade - mais ainda, a toda vida. Sintonizaste o teu ser com o grande sofrimento da humanidade, candidato luz? Sintonizaste?... Ento podes entrar. Assim diz A Voz do Silncio. No 19 A Doutrina Secreta e Seu Estudo, texto includo no livro Fundamentos da Filosofia Esotrica, obra citada. 20 A Doutrina Secreta, de H.P.B., Promio.

  • pode haver amor numa mente onde s existe diversidade. apenas quando a mente tem lampejos da unidade que ela comea a cuidar do outro. A partir deste momento no con-segue descansar enquanto no encontra o modo de acabar com o sofrimento. A desco-berta de que o sofrimento e o mal no esto nem nas circunstncias nem no processo histrico, mas sim na mente e na ao humana, leva logicamente busca da estrutura e da origem do sofrimento e do mal na no processo psicolgico do homem.

    O Senhor Buda ensinou que devemos entender o sofrimento como a primeira nobre verdade e que, tendo conscincia disso, o prximo passo a ser dado examinar as razes profundas desse sofrimento.

    Aqui comea o trabalho de aquisio do autoconhecimento. E algo muito diferente de procurar alvio das dificuldades pessoais. Esse alvio nunca pode ser obtido, pois onde existe um objetivo egosta no pode haver sabedoria, e sem sabedoria no h alvio. As mais elevadas aspiraes pelo bem-estar da humanidade ficam manchadas pelo egosmo se na mente do filantropo ainda houver uma sombra de desejo de auto-benefcio ou uma tendncia para fazer injustia, mesmo quando ele inconsciente disso... Isto nunca ser suficiente21. Nunca ser suficiente, pois a sabedoria s obtida por aqueles que a bus-cam de forma altrusta.

    O Altrusmo Ioga

    Aceitar o sofrimento como uma verdade implica uma profunda preocupao com a si-tuao em que o mundo est, h milhares de anos, e o desejo ardente de socorrer a grande rf, a humanidade. A existncia do sofrimento no parece urna verdade quando examinada casual ou superficialmente. O verdadeiro altrusmo tambm diferente de "querer ajudar", no sentido usual do termo. Urna ao realmente altrusta uma forma de ioga, descrita pelas palavras de origem snscrita carma ioga. Ela deve estar totalmente livre da vaidade de imaginar que se est em urna posio superior, em que possvel ajudar.

    A histria da humanidade demonstra que, apesar de existirem inmeras pessoas que tm boas intenes em relao aos outros, o mundo continuou o mesmo. O mero desejo de fazer o bem a outra pessoa no d, de forma alguma, a sabedoria necessria para ser realmente til. S o indivduo que se preparou atravs do estudo profundo, que inclui a observao da Natureza externa e da natureza humana, capaz de aprender a servir no sentido verdadeiro.

    A vida extremamente criativa, e funciona renovando-se de modo inimaginvel e sur-preendente em todos os lugares onde est presente. Seu modo de crescer ou desenvol-ver-se jamais pode ser previsto por uma mente pessoal, pois a fora criativa no pode ser

    21 Carta dos Mahatmas Para A. P. Sinnett, Carta n 2, edio cronolgica. (N. ed. bras.)

  • compreendida dentro dos limites das atividades mecnicas do pensamento. O mundo - aquele das existncias individuais - cheio de significados latentes e propsitos profun-dos, que formam a base de todos os fenmenos do Universo, e s a Cincia Oculta - isto , a razo elevada sabedoria supra-sensvel - pode fornecer a chave para revel-los ao intelecto."22 Aquilo que permite a maior manifestao dos poderes e faculdades da cons-cincia e da vida interior til em qualquer situao.

    S o orgulho e a resistncia verdade leva-nos a supor que podemos saber o que bom para o outro. O verdadeiro altrusta no faz tal suposio. Delicadeza, humildade e sensibilidade profundas so as marcas da maturidade necessria, antes que se possa ajudar os outros. Seja humilde, se quiser alcanar a Sabedoria.23

    H.P.B. escreve que o altrusmo uma parte essencial do autodesenvolvimento". Na medida em que a conscincia de uma pessoa torna-se plena de sentimento altrusta, ela passa a ter as qualidades que mencionamos e, portanto, comea o seu desenvolvimento. Um dos paradoxos da vida interior que se deve aprender a ajudar e a ser realmente til mesmo sem se sentir qualificado para ajudar. O mais humilde o mais sbio e o que est melhor qualificado para servir ao mundo. O altrusmo uma mudana substancial na qua-lidade da mente, mais do que uma ao especfica qualquer. Quando h o estado interior correto em ns, a ao correta ocorre automaticamente.

    Lembre-se sempre de que o verdadeiro ocultismo ou teosofia 'a Grande Renncia ao eu', incondicional e absolutamente, tanto em pensamento quanto em ao. Ela AL-TRUSMO, e aquele que o pratica deixa de fazer parte do mundo dos vivos.24 Como vi-mos, a compreenso altrusta aquele estado no qual no existem mais a teimosia e o desejo de moldar a vida conforme os padres criados por si mesmo. Enquanto existir o eu pessoal, com sua vaidade e orgulho, o altrusmo impossvel. O progresso altrusta a habilidade de anular o eu pessoal, o que se consegue atravs da compreenso dos mo-vimentos deste eu. O comeo da Sabedoria no o temor a Deus, mas sim a compre-enso do eu. O autoconhecimento - ou atma vidya, para usar o termo snscrito - " o ni-co tipo de altrusmo que todo teosofista... sbio e desinteressado deve buscar.25

    Observe o que Ocorre Interiormente

    A existncia do eu conhecida atravs dos seus movimentos na forma de pensamen-tos, emoes, motivaes e assim por diante. Se no h movimento, impossvel ter conscincia do eu. Para compreender a sua natureza, preciso, portanto, entender o que est acontecendo interiormente, o que no fcil, porque a natureza e a qualidade das 22 Cartas dos Mahatmas Para A.P. Sinnett, obra citada, Carta n 17, edio cronolgica. (N. ed. bras.) 23 H.P. Blavatsky, A Voz do Silncio. 24 H.P.B, Ocultismo Prtico, captulo intitulado Ocultismo Versus Artes Ocultas. 25 Ocultismo Prtico, obra citada.

  • atividades da mente esto constantemente se modificando. Se a mente aprendeu a ser sofisticada, essas mudanas so rpidas e sutis. So necessrias clareza, lgica e pers-piccia para que a pessoa possa perceber e entender estes movimentos.

    A observao dos fatos externos aumenta a perspiccia e a clareza. A pessoa que no est acostumada a observar fica, inevitavelmente, em desvantagem diante da tarefa de conhecer o eu. Assim, deve-se aprender a ver as rvores, a terra, o cu e as estrelas, a feira e a beleza, a dor e a alegria.

    Pode parecer uma perda de tempo fazer algo to banal como olhar e observar as coi-sas. Mas isso necessrio para que cada candidato ao autoconhecimento perceba as limitaes de seu poder de observao; como ele perde modulaes sutis e nuances, e de que forma pode aprender sobre cores, formas, movimentos e sentimentos atravs da observao cuidadosa.

    Ao fazer isso, a mente aprende a olhar, ganha lucidez e perspiccia, flexibilidade e su-tileza, e faz uma preparao para olhar para dentro. Tambm preciso que a mente a-prenda a ser racional e lgica na observao dos fatos, pois sem essa capacidade, pro-vavelmente ela ser enganada ao olhar as atividades internas.

    O engano faz parte da estrutura do eu. Ele est sempre tentando ser diferente do que e procurando impressionar os outros com o que no . Quer parecer inteligente ou vir-tuoso, conforme as circunstncias. Para cada pessoa, o eu apresenta uma face diferente, consciente ou inconscientemente. Esconde suas caractersticas prprias e finge, ou co-bre-se com falso brilho. Para enxergar o jogo do eu e perceber suas aes sutis, ocultas e que so rapidamente mutveis, indispensvel ter perspiccia.

    O conhecimento do eu obtido por aqueles que tm uma real inteno de compreen-d-lo. Como raro isso acontecer, pouqussimos seres humanos adquiriram o autoco-nhecimento. Os interesses ocultos ou invisveis em cada indivduo e em cada aspecto da sociedade criam obstculos formidveis investigao do eu. A presso desses interes-ses desvia constantemente a mente de um exame minucioso e cria desculpas para a pre-ocupao com outras coisas.

    Devido a essa forte compulso psicolgica, o homem tem atribudo, desde h muito, a causa do mal e do sofrimento a circunstncias externas. H sculos, as pessoas tm ten-tado modificar sistemas, teorias e todas as coisas, exceto elas mesmas.

    Pouqussimas pessoas gostam de admitir que os enormes e complicados problemas do mundo no podem ser solucionados mudando o curso da histria ou a organizao da sociedade. A soluo est obviamente no criador do problema, ou seja, no prprio ho-mem, mas ele no quer aceitar esse fato desagradvel.

    A herana biolgica do homem o faz buscar sobrevivncia e segurana. Em grande

  • parte, ele mantm intacta sua herana animal, que serve para garantir a segurana da vida tanto para si quanto para as outras espcies. Essa segurana obtida quando se tem comida suficiente e adequada para manter o corpo saudvel; e quando se tem abrigo e roupas para proteger o indivduo. No entanto, a mente humana deu uma importncia excessiva s necessidades bsicas, e fez o homem acreditar que enormes manses, uma grande variedade de objetos, diversos tipos de comida, iguarias e prazeres so necess-rios sua existncia.

    Como resultado desse desejo infindvel de mais e mais objetos para essa suposta segurana e bem-estar, foi criada uma vasta organizao que cria incontveis objetos, fbricas, mercados, sistemas bancrios, redes de comunicao e assim por diante.

    Agora o homem vtima de sua prpria organizao e se sente como uma pea de engrenagem numa enorme mquina, sofrendo com a sensao de alienao que um sintoma dos tempos atuais. Tudo isso porque o que era inicialmente um simples instinto biolgico de autoconservao tornou-se para o ser humano um impulso psicolgico, do qual ele nem sequer est consciente, e que incapaz de frear, mas que precisa conter para ser livre.

    A busca frentica de segurana e prazeres tornou-se, ela prpria, uma ameaa se-gurana. A recusa a olhar para os interesses psicolgicos dentro de si mesmo leva o ho-mem a tentar se realizar febrilmente, buscando cada vez mais coisas do mundo exterior e tentando sempre se tornar algo diferente do que . As atividades mentais com que ele se satisfaz superficialmente fazem, devido sua prpria natureza, com que ele se sinta vazio por dentro, e o levam a procurar alguma compensao atravs da aquisio de poder, propriedades e prazeres. A corrida por essa aquisio, obviamente, perigosa e causa frustrao.

    A Purificao da Mente

    Conhecer o eu com clareza uma tarefa que exige dedicao e cuidado. No basta dizer sou ganancioso, etc., e voltar-se imediatamente para outras coisas. O eu, em seu desejo de sobreviver, faz com que a pessoa se disperse o tempo todo.

    A presso de uma substncia mental antiqssima, a resistncia a abandonar uma ordem estabelecida de coisas, est por trs do impulso para a distrao. A fim de olhar firme e claramente para dentro de si e no fugir aos fatos, preciso que tenha havido antes um perodo suficiente de contemplao para que surja a firme convico de que no existe soluo para o problema humano a no ser atravs da purificao da mente. O problema humano , naturalmente, um problema de cada um, bem como de toda a hu-manidade.

    O eu da matria e o Eu do Esprito no podem jamais se encontrar. Um deles deve

  • desaparecer; no h lugar para os dois. 26 Enquanto no termina o eu da matria - que o eu pessoal com sua herana animal e seus interesses - o esplendor do Esprito no pode ser descoberto. Diz a Grande Lei: 'Para tornar-te conhecedor do Eu Total, tu deves conhecer primeiro o Eu'. Para alcanares o conhecimento desse Eu, tu tens que trocar o Eu pelo no-Eu, o ser pelo no-ser. 27

    Essa misteriosa verdade no levada a srio porque o eu pessoal, astuciosamente, leva a mente a duvidar dessa afirmao e esperana de encontrar outra soluo.

    Aqueles que so considerados buscadores espirituais tentam normalmente encontrar solues atravs de deuses, gurus e mestres, de escrituras, das palavras de outras pes-soas, de mantras e de cerimnias, de pseudo-salvadores e todo tipo de disfarces. Essas esperanas, crenas e dvidas tornam impossvel encontrar a energia necessria para entender o eu.

    Portanto, essencial pensar de forma lgica as questes bsicas e os fatos da vida e obter uma profunda convico de que toda a nossa energia deve ser canalizada para a compreenso do eu. Essa energia foi chamada, na literatura antiga, de virya, a energia destemida que abre seu caminho pelo lamaal das mentiras do mundo em busca da ver-dade celestial. 28 Quando essa energia surge da ausncia de dvidas sobre o trabalho a ser feito, ento possvel encarar sem distraes os movimentos. Essa forma de olhar sem distraes, desculpas ou tentativas de fuga, , tambm, um aspecto de dharana. Ser capaz de meditar sobre o que h dentro de ns, sem distraes, faz parte do aprendizado necessrio para no nos transformarmos no que no somos, pois esse tornar-se algo a busca do mundo exterior.

    O trabalho necessrio para alcanar o conhecimento do eu no fcil. uma tarefa para uma vida toda.

    "- A estrada serpenteia subindo o tempo todo?

    - Sim, at o final.

    - A viagem leva o dia inteiro?

    - Desde a manh at a noite, meu amigo.29

    O trabalho tamanho que precisa ser feito durante todas as horas do dia, todos os di-as, durante toda a vida. No basta reservar uma pequena parte do dia para essa tarefa. "Aquele que quiser ver alm... deve possuir uma determinao de ferro, que nunca falha, 26 H.P.B. em A Voz do Silncio. 27 H.P.B. em A Voz do Silncio. 28 H.P.B. em A Voz do Silncio. 29 Radha Burnier reproduz aqui palavras da poetisa inglesa Christina Rosetti, citadas na Carta 42 de Cartas dos Mahatmas Para A. P Sinnett. (N. ed. bras.)

  • e no entanto deve ser amvel e gentil, humilde, e deve ter expulsado do seu corao toda paixo humana, que leva ao mal.30 O aspirante deve ser impulsionado por um esprito que diz: Uma vez no caminho para o grande conhecimento, chegarei meta ou morre-rei.

    A palavra Nirvana significa, literalmente, extinguir. A extino de todas as aes do eu pequeno o caminho para esse grande desconhecido que o Nirvana. Na terminologia da ioga ele descrito como o silenciar dos movimentos da mente, pois a mente a cria-dora do pequeno eu pessoal. Alcanar o Nirvana no tornar-se algo, mas eliminar o egosmo. A filosofia Vedanta assinala que Brahman, ou o verdadeiro Ser, no pode ser encontrado atravs da busca nem da tentativa de adquirir algo, seja conhecimento ou qualquer outra coisa.

    Brahman encontrado atravs da negao, da rejeio de tudo o que falso. A falsi-dade se expressa nos movimentos da mente, que se baseiam na noo, limitada ou am-pla, de sobrevivncia e de segurana. tambm o movimento da busca de prazer. A ne-gao total da sobrevivncia e do prazer o abandono do eu ao no-eu, do ser ao no-ser. Uma vez que cada um tem que negar seu prprio pequeno eu e descobrir o grande No-eu, o autoconhecimento no pode ser obtido de outra pessoa. No pode ser alcan-ado atravs de informaes obtidas em livros. Cada pessoa tem que fazer seu prprio trabalho, e tem de faz-lo diariamente.

    Ao Correta

    medida que o eu compreendido e negado, pode-se dizer que existe uma verdadei-ra retido na ao. A ao no se torna correta atravs das regras da sociedade ou de cdigos de comportamento aprovados por convenes sociais. A ao correta surge de uma mente que descartou a noo do "eu", a falsa personalidade, e destruiu os grilhes forjados pelo egosmo. A tica a alma da Religio-Sabedoria - e a Teosofia tem que incutir tica; ela precisa purificar a alma, se pretende abrandar o sofrimento, mesmo o sofrimento fsico.31

    Uma conduta verdadeiramente tica, nesse sentido, o nico modo de libertar-se do sofrimento, pois impede que seja gerado mais sofrimento. Assim, toda religio autntica tem como base a tica.

    Embora os mandamentos das diferentes religies possam ter sido deturpados, e de-pois modificados, a base universal da tica mostra que a religio no pode existir sem retido. Como citou H.P.B., uma rvore conhecida por seus frutos, e uma quantidade limitada da verdadeira cincia melhor do que uma grande quantidade de ensinamentos

    30 Cartas dos Mahatmas Para A.P Sinnett, obra citada, Carta 126, edio cronolgica. 31 H.P.B., em A Chave Para a Teosofia, obra citada.

  • no digeridos e mal compreendidos. Mesmo pouco autoconhecimento pode ajudar a hu-manidade a avanar rapidamente at alcanar uma estatura moral capaz de trazer paz e harmonia aos homens.

    A alma do homem imortal, e o seu futuro o futuro de algo cujo crescimento e es-plendor no tm limites. 32

    A alma do homem essencialmente a faculdade de conhecer e de compreender. O que caracteriza o ser humano a qualidade da sua conscincia. Ele tem conscincia do ambiente, da Natureza, dos objetos, dos outros seres humanos e de outras formas de vida.

    Os animais tambm podem observar a realidade objetiva sua volta, freqentemente melhor do que os seres humanos, pois seus sentidos no ficaram embotados e insens-veis devido s preocupaes de uma mente envolvida consigo mesma e ocupada com uma rede de acontecimentos passados. No a capacidade de ter conscincia das coi-sas externas, portanto, que diferencia o ser humano. A essncia da percepo humana a sua capacidade de ter conscincia dos fatos no-materiais e intangveis. A civilizao, tambm, que peculiar vida humana, no se limita criao de uma estrutura social, ou construo de pirmides, templos ou arranha-cus.

    Nos vrios aspectos da vida, a grandeza da civilizao depende de como ela incorpo-ra valores como a beleza, a harmonia, a liberdade, a integridade ou o dharma, e assim por diante. Todos esses valores indicam realidades intangveis mas, ainda assim, total-mente vlidas. O desenvolvimento do esprito humano est na conscincia ampliada e, em ltima anlise, na expresso perfeita dos valores internos e inerentes prpria natu-reza da conscincia.

    A Fonte da Felicidade

    Na ndia antiga, a conscincia, em sua dimenso pura e absolutamente verdadeira, era considerada sinnimo de inteligncia e bem-aventurana.

    A constatao de que no s o ser humano que procura a felicidade, mas todas as formas de vida, prova que a felicidade inerente natureza da conscincia. Ningum questiona por que feliz. Todos tm como certo que a felicidade um estado natural e que tm o direito de experiment-Ia. S quando ela no existe eles se sentem impelidos a perguntar por ela. Quanto menos conscincia houver florescido nos seres humanos, mais eles sentiro um vazio e um descontentamento, que se manifestam numa nsia de procu-rar o que, na opinio deles, contribuiria para sua felicidade.

    32 Mabel Collins em O Idlio do Ltus Branco, Editora Teosfica, 2000, Braslia, p. 67.

  • Buscar continuamente a felicidade no mundo exterior, atravs da famlia, dos amigos, dos objetos, do dinheiro, etc., uma iluso tremenda em que os homens esto presos. Na tradio oriental, essa iluso, que j dura h longas eras, comparada a um enorme oce-ano no qual os seres humanos esto submersos. o oceano do vir-a-ser, conhecido em snscrito como bhava-sagara.

    A iluso comea a ter fim quando se reconhece que um enorme erro buscar a felici-dade no mundo exterior. Essa busca desesperada aniquila o que se procura, pois a fonte da felicidade a prpria conscincia. A verdadeira felicidade s possvel quando se permite que a conscincia interior se revele e se tome presente na maior parte do tempo.

    Para a mente moderna, a verdade do desapego parece irremediavelmente remota, pois ela est acostumada excitao, aos prazeres e nfase na experincia. Desapego sempre sinnimo de renncia s coisas, s responsabilidades, pessoas e atividades externas. O verdadeiro desapego tem que ser compreendido como uma condio interior que possa surgir independentemente de quaisquer circunstncias externas. O desejo de renunciar s coisas externas e de escapar delas em si mesmo uma forma de apego. O desapego a total libertao do desejo por experincia ou da lembrana da experincia. a constante eliminao do p que se acumula sobre o espelho da conscincia, a fim de que ele produza sempre um puro reflexo da verdade. A sabedoria antiga ensina que a mente que no se prende a nada alcana o Nirvana.

    A mente se apega ao que ela est acostumada e lhe familiar. Por essa razo no fcil se libertar dos hbitos. A mente se apega a convenes, padres estabelecidos e tradies. Ela teme a morte, pois a morte a privar do que ela conhece.

    Krishnamurti salienta que no se pode ter medo do desconhecido, porque desco-nhecido. O medo da morte o medo de perder o que conhecemos. As lgrimas derrama-das pela morte de algum so freqentemente causadas pela perda do apoio material ou psicolgico a que se estava acostumado. O apego tambm se mostra como nsia de exis-tir na forma que se conhece, possivelmente com algumas modificaes de acordo com os desejos no atendidos. O desejo de ser faz parte da lista de fatores que incapacitam a mente para a ioga. Este o arraigado e, s vezes, sutil desejo de continuidade existente em todos os indivduos. H um anseio de perpetuar-se atravs dos filhos e da famlia ou de algum tipo de fama, e at mesmo por meio de fotografias e retratos pendurados em diferentes lugares.

    O desejo de continuidade atravs da fama j fez homens arriscarem suas vidas para realizarem atos supostamente hericos. Tambm se expressa na grande importncia que a mente pode dar s reencarnaes, ao mesmo tempo que imagina suas vidas passadas e futuras, deleitando-se j com as novas realizaes que ter em outras reencarnaes. Uma forma de manifestao do mesmo desejo a preocupao com a existncia ps-morte, o que leva as pessoas a recorrerem a mdiuns e sesses espritas.

  • O Desejo de Ser Deve Ser Anulado

    A reencarnao tem sido ensinada como parte da filosofia de diversas religies, devi-do sua explicao para o sofrimento da vida e a justia, ou injustia dos acontecimen-tos. A crena na reencarnao sem dvida ajuda aqueles que se desesperam, especial-mente quando os dogmas religiosos insistem que se no houver progresso - segundo determinadas linhas - durante uma s curta vida, haver uma condenao eterna.

    Apesar desse apoio dado pelo ensinamento sobre a reencarnao, o mais sbio dos homens, o Senhor Buda, nunca falou explicitamente sobre o tema, nem foi dada nfase ao assunto por outras importantes escolas de pensamento e alguns grandes mestres.

    A razo clara. Embora a vida e a conscincia possam se manifestar sucessivamente em diversos veculos, esse fato tem pouca importncia para os que buscam seriamente se libertar da ignorncia e do sofrimento.

    Essa libertao a extino do desejo e do apego. O apego idia de continuidade, sob quaisquer formas, como os outros tipos de apego, um obstculo liberdade. Deve-se dar ateno especial a essa forma especfica de apego, pois ela extremamente sutil e se esconde nas reas mais profundas da mente. Ao tentar entender o eu, o "desejo de ser" deve ser procurado e anulado, antes de se poder dizer que o "ser" foi entregue ao "no-ser". Extirpar o desejo de continuidade muito mais importante do que investigar as vidas passadas ou especular sobre a existncia futura.

    A conscincia tem dentro de si todos os poderes criativos que o homem pode desejar. Sua capacidade criativa floresce quando no est presa a coisas especficas atravs do apego. Tanto o apego a experincias passadas como o apego ao presente so limitaes, no tempo e no espao.

    A capacidade de conhecer, que a essncia da conscincia, ilimitada. De fato, no h conhecer exceto na conscincia de algum, pois se os objetos no so refletidos na conscincia, eles deixam de ser objetos. Por outro lado, mesmo quando uma coisa no possui existncia objetiva, se ela surge na conscincia de algum, passa a existir de fato para essa pessoa.

    O que pode ser conhecido no tem limites, e tudo o que cognoscvel potencial-mente uma parte da conscincia. No entanto, a mente humana ignora o infinito e se ape-ga a um conjunto insignificante de fatos conhecidos, com os quais ela prpria se identifi-ca. Esses fatos e experincias com os quais aprende a se identificar so chamados por ela de meu conhecimento.

    O apego a um conjunto de fatos conhecidos, sejam eles pertencentes ao passado ou ao presente, limita o poder de conhecer a uma esfera muito pequena. Toda a informao

  • possuda pelo mais erudito dos crebros ainda insignificante perto do que a conscincia capaz de conhecer.

    Um Adepto, no sentido espiritual, aquele que desenvolveu perfeio capacidades que todos os seres humanos possuem numa escala germinal ou restrita. Um dos Adeptos escreveu: Acreditem, chega um momento na vida de um adepto em que as dificuldades que ele enfrentou so recompensadas em uma proporo de um para mil. Para adquirir mais conhecimento ele j no tem que passar pelo minucioso e lento processo de investi-gao e comparao dos diversos objetos, mas passa a ter uma percepo instantnea de toda verdade... o adepto v, sente e vive na prpria fonte de todas as verdades fun-damentais - a Essncia Universal e Espiritual da Natureza... 33

    A Libertao dos Apegos

    O ilimitado poder criativo da conscincia s pode operar quando no existem mais a li-mitao do apego, nem a identificao com os objetos. Com a libertao dos apegos, d-se a descoberta de mais um dos valores eternos inerentes conscincia.

    Devido ao fato de que quando no h liberdade interna os outros valores absolutos no podem florescer, no oriente, a libertao espiritual considerada o objetivo funda-mental da existncia humana. A liberdade, como a felicidade, buscada instintivamente pela vida confinada em quaisquer formas, o que indica que a liberdade inerente pr-pria natureza do ser humano. Quando est livre do apego s coisas finitas, a conscincia recupera seu estado natural e original.

    A liberdade tem sido descrita como o estado natural do ser humano em obras sobre ioga, pois no estado de liberdade se manifesta tudo o que inerente conscincia, inclu-sive valores ainda no mencionados. Sabedoria, amor, harmonia, pureza e plenitude so alguns dons naturais da conscincia - alm de liberdade, bem-aventurana e inteligncia.

    O despertar dos poderes latentes no homem a descoberta da natureza pura e es-sencial da conscincia. Este fato tem muito pouco a ver com o desenvolvimento de tele-patia, clarividncia e outros poderes e faanhas aparentes, que no trazem nenhuma mu-dana fundamental ao ser humano e tampouco expressam a glria de sua conscincia. Por outro lado, ao identificar-se com a experincia de realizaes nesse campo, o indiv-duo se limita e permanece no campo da iluso, porque toda forma de auto-identificao ilusria.

    Assim, o autoconhecimento tanto negao como descoberta, e tanto renncia como realizao. a negao do apego e da iluso, e a descoberta da natureza verdadeira e dos poderes da vida interior. Atravs da negao total d-se a purificao da mente, no 33 Cartas dos Mahatmas Para A.P. Sinnett, obra citada, Carta 17 na edio cronolgica. (N. ed. bras.)

  • s num nvel superficial, mas tambm em suas profundezas mais ocultas. Quando a men-te esvaziada de seu contedo acumulado, no mais existe o eu, o acumulador. Esse contedo, a memria acumulada, o eu que, por sua vez, no uma entidade indepen-dente do contedo acumulado... a mente precisa estar completamente vazia para receber; mas a nsia de se esvaziar para receber um obstculo profundamente arraigado, e isto tambm precisa ser compreendido como um todo, no em qualquer nvel especfico.

    A nsia pela experincia deve cessar por completo, o que s acontece quando aquele que experimenta no est se alimentando de suas experincias e memrias.34

    Quando existe uma real compreenso do eu e j houve a purificao, no existe eu no sentido usual do termo. Portanto, a prpria palavra autoconhecimento no tem senti-do nessa situao. Ela poderia sugerir a existncia de um conhecedor que conhece o eu como um objeto de conhecimento.

    Mas no estado em que h conhecimento profundo e verdadeiro, que o estado da sabedoria, no h dualidade; no h eu a ser conhecido; no h conhecedor nem objeto do conhecimento. "O Real Conhecimento... no um estado mental e sim um estado es-piritual que implica plena unio entre o Conhecedor e o Conhecido."35

    34 J. Krishnamurti, Comentrios Sobre o Viver. 35 Cartas dos Mahatmas Para A.P. Sinnett, obra citada, Carta n 69, edio cronolgica.

  • Regenerao Humana Radha Burnier Esta obra apresenta uma coletnea de conferncias e debates realiza-dos no Centro Teosfico de Naarden, na Holanda, e constitui uma inves-tigao sobre o processo de regenerao da mente humana.

    Fundamentos da Filosofia Esotrica H.P. Blavatsky Compilao de trechos de obras de Helena P. Blavatsky, especialmen-te A Doutrina Secreta e sis Sem Vu, visando apresentar os funda-mentos do genuno esoterismo. A obra descreve princpios que o estu-dante deve assimilar atravs de uma calma reflexo meditativa.

    Mais informaes sobre Teosofia e o Caminho Espiritual podem ser obtidas escrevendo para a Sociedade Teosfica no Brasil no seguinte endereo: SGAS Quadra 603, Conj. E, s/n, CEP 70.200-630 Braslia, DF, Brasil. Ou telefonando para (61) 226-0662. Tambm podem ser feitos contratos pelo telefax (61) 226-3703 ou email: [email protected].

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