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O CAMINHO EM BUSCA DA ÁGUA NO SEMIÁRIDO NORDESTINO: PRESSUPOSTOS DA EDUCAÇÃO CRÍTICA SOCIOAMBIENTAL
Antonia Marcia Araújo Guerra1
RESUMO Este trabalho traz importantes pressupostos para o desenvolvimento da educação socioambiental crítica, tendo como perspectiva a democratização do acesso à água potável no semiárido, ao defender veementemente que a “seca nordestina” (falta d’água) não é um fenômeno meramente ambiental e sim uma das expressões cabais da Questão Social. Para isso, a Teoria Social Marxista embasa a estrutura do desenvolvimento desta pesquisa, na medida em que coloca os conflitos pela água como inerentes ao sistema capitalista. Tem em sua base a exploração e a dominação, tanto dos trabalhadores como também de toda a riqueza natural. A argumentação teórico-metodológica sobre a educação socioambiental é parte da dissertação de mestrado intitulada Os Desafios para a Democratização do Acesso à Água no Semiárido da Caatinga do Sertão Central Cearense desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da PUC/SP. É tratada na pesquisa como um dos elementos que devem constituir a construção do Caminho da Águas no Semiárido Nordestino. A pesquisa como um todo é sustentada por diversos pilares, imprescindíveis para a construção por meio de quatro capítulos: 1) Conjuntura Política da Água: trata do histórico e distribuição da água na Terra, bem como da gestão política da água, a partir dos comitês de bacias hidrográficas, Fórum Mundial da Água e dos conselhos de recursos hídricos, além de problematizar o papel atual do Conselho Mundial da Água na comercialização da água; 2) A Água enquanto Mercadoria no Sistema Capitalista: aborda as facetas do sistema capitalista na expropriação da água para torná-la mercadoria e traz ainda a democracia capitalista da água, sobretudo a ofensiva do projeto neoliberal na América Latina (A guerra pela água e pela vida); 3) A Invenção do Nordeste Brasileiro: traz elementos para se analisar a formação sócio-histórica do espaço brasileiro, especialmente a Região Nordeste, resultado de pacto nacional numa intrínseca relação resistência-dominação; campo-cidade e desenvolvimento-subdesenvolvimento; tempo-espaço. Discute ainda os encontros e desencontros na “seca” nordestina, uma visão crítica sobre a heterogeneidade do DNOCS; 4) O Caminho em Busca das Águas: apresenta a ética como parte estrutural da dinâmica sócio-histórica, construída numa disputa de poder, configurada pelos contraditórios interesses das classes sociais, além de socializar iniciativas contra-hegemônicas tendo como perspectiva a democratização do acesso à água. Palavras-Chave: Água, Educação Socioambiental, Seca Nordestina.
1 Trabalho de Pós-Graduação em Serviço Social pela PUC/SP, sob a orientação da Profa. Dra. Maria
Carmelita Yazbek. E-mail: [email protected]
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ABSTRACT
This work has important assumptions for the development of critical social and environmental education, in an attempt to democratize access to drinking water in the semiarid, while advocating strongly that the "dry Northeast" (water shortage) is not a purely environmental phenomenon but a stark expressions of Social Issues. For this, the Marxist social theory underlies the structure of this research, as it puts the water conflicts as inherent to the capitalist system. It has its basis in exploitation and domination, both workers and also of all the natural wealth. The theoretical and methodological arguments about the socio-environmental education is part of the dissertation entitled The Challenges for the Democratization of Access to Water in Semi-arid Caatinga of the Hinterland Central Cearense developed in the Graduate Program in Social Work at PUC / SP. It is treated in research as one of the elements that should be the construction of the Path of Water in Semiarid Northeast. The research as a whole is supported by several pillars essential for building through four chapters: 1) Situation Water Policy: deals with the history and distribution of water on Earth, and the management policy of water from the committees watershed, World Water Forum and the advice of water resources, and discuss the current role of the World Water Council in the commercialization of water, 2) Water as a commodity in the capitalist system, addresses the facets of the expropriation of the capitalist system water to make it good, and also brings the capitalist democracy of water, especially the offensive of the neoliberal project in Latin America (The war for water and life), 3) The Invention of the Brazilian Northeast, brings elements to analyze the training partner Brazilian-historical space, especially the Northeast, the result of a national pact intrinsic strength-to-rule, rural-urban-development and underdevelopment; spacetime. It also discusses the similarities and differences in "dry" northeastern, a critical view of the heterogeneity of DNOCS; 4) The Way in Search of the Waters: presents ethics as a structural part of the dynamic socio-historical, built a power struggle, set by contradictory interests of social classes, and socializing initiatives with counter-hegemonic perspective as the democratization of access to water.
Keywords: Water, Environmental Education, Northeastern Drought.
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OBJETIVO
Contribuir para a construção de pressupostos éticos-políticos da educação
socioambiental tendo como perspectiva à democratização do acesso à água no
semiárido brasileiro, o que requer não apenas análise crítica da conjuntura política,
mas, sobretudo, reconhecer que a seca (falta de água) não é um fenômeno
meramente ambiental, e sim uma das expressões cabais da Questão Social.
PROBLEMA
A água precisa ser mencionada dentro de um cenário tenso, configurado
pelos diversos interesses sociais de manutenção do modo de produção capitalista,
que se dá pelo movimento de resistência-dominação de um lado a expropriação da
água enquanto mercadoria e de outro a luta pela a água enquanto direito
socioambiental.
JUSTIFICATIVA
A importância de se traçar pressupostos da concepção de educação
socioambiental numa perspectiva sócio-histórica balizada por princípios e valores do
Projeto Político-Pedagógico, numa direção social, deve considerar a prática
educativa como mediação2 , capaz de contribuir para romper com o modo capitalista
de pensar3.
O paradigma da concepção socioambiental é um avanço se atentar para o
impacto da ação humana sobre a natureza e vice-versa, mas precisa-se
problematizá-lo numa sociedade capitalista demarcada por classes sociais.
Assim, uma formação socioambiental crítica deve considerar a importância do
pensamento de Milton Santos (2000: 18-19), ao dizer que o valor da natureza está
relacionado com a escala de valores estabelecida pela sociedade para aqueles bens
que antes eram chamados naturais. E ainda nos alerta sobre a preocupação com a
“eco-histeria” que pode encobrir uma ideologia que nos afaste da discussão central,
que é a da sociedade. Nesse caso, uma certa ecologia é um dado ideológico na
2 Ver o conceito de mediação em Marx em PONTES, Reinaldo Nobre. Mediação e Serviço Social. 3ª.
ed. São Paulo: Cortez, 2002. 3 Ver MARTINS, José de Souza. Sobre o Modo Capitalista de Pensar. São Paulo: Hucitec, 1982.
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produção da globalização perversa produzida no autoritarismo de determinados
grupos sociais sobre outros.
Portanto, requer um olhar crítico imbuído de intencionalidade político-
ideológica, sobre os conflitos sociais que envolvem os interesses dos grupos
capitalistas e os interesses coletivos, liderados, em grande parte, pelos movimentos
sociais.
De um lado, grupos conservadores articulam-se, cada vez mais, para garantir
a (des)ordem perversa do capital, que se dá na expropriação de árvores, poluição
do ar, do solo e da água, entre outras arbitrariedades que atingem o equilíbrio da
Terra. De outro, os movimentos sociais lutam pelo restabelecimento dos direitos
socioambientais, que historicamente vêm sendo violados. Outros segmentos sociais
desenvolvem iniciativas, para impedir a produção de afrontas socioambientais, água
enquanto mercadoria, monocultura, emissões de gases tóxicos, falta de saneamento
básico, malversação de verbas públicas, assassinato de socioambientalistas, não
acesso às tecnologias, analfabetismo, fome e indústria da seca.
Portanto, não há base sólida de educação socioambiental se não atentar para
as contradições das classes sociais, pois muitas vezes as análises sobre este
campo ficam na superficialidade ou, ainda, no velamento das disputas de poder de
acordo com os interesses sociais. A propósito, na Introdução deste trabalho nega-se
a existência de “questão ambiental”, pois esta se coloca como uma das expressões
da “questão social”.
Nesse sentido, a musica Saga da Amazônia, do cantador e violeiro Vital
Farias, retrata bem esta ideia e aponta para outro paradigma socioambiental.
Era uma vez na Amazônia a mais bonita floresta mata verde, céu azul, a mais imensa floresta... ... veio caipora de fora para a mata definhar e trouxe dragão de ferro, pra comer muita madeira e trouxe em estilo gigante, pra acabar com a capoeira? ... hoje há perseguição grileiro mata posseiro só pra lhe roubar seu chão castanheiro, seringueiro já viraram até peão afora os que já morreram como ave de arribação Zé de Nata tá de prova, naquele lugar tem cova? gente enterrada no chão: ... Aqui termina essa história para gente de valor pra gente que tem memória, muita crença, muito amor pra defender o que ainda resta, sem rodeio, sem aresta era uma vez uma floresta na linha do Equador.
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Esta música traz uma crítica crucial para melhor se compreender a concepção
de educação socioambiental, ao denunciar como o projeto societário capitalista
expropria a riqueza social e natural, para responder o seu valor maior – acumulação
de lucro financeiro – que se dá, sobretudo pelo processo de aculturação.
Este projeto societário cruel e desumano não tem medida para angariar os
seus objetivos e resultados esperados (lucro em grande escala), quando se pensa
nas devastações que ocorrem em todos os biomas brasileiros, para criação de
bovinos e plantação de soja transgênica, queima de cana-de-açúcar. E, o que é pior,
estes feitos são feitos pelas mãos de trabalhadores que vivem em situação
subumana de desemprego e se submetem a trabalhos praticamente escravos.
Para Barroco (2009: 37) este processo pode ser visto a partir da seguinte
análise:
a propriedade privada e a divisão social do trabalho são situadas como determinações fundantes da alienação, assim como o sistema de trocas, a valorização da posse e o dinheiro... na sociedade alienada diz Marx, o indivíduo busca no dinheiro as formas de satisfação de suas necessidades egoístas; torna-se cada vez mais pobre como homem e isso faz do trabalhador um ser pobre em necessidades e formas de satisfação, uma vez que seus sentidos e capacidades desumanizam.
A hegemonia do projeto societário burguês impõe seus interesses
econômicos sobre os interesses socioambientais e tenta subjugar a capacidade
humana em garantir sua dignidade e a convivência com outras espécies que
integram a biodiversidade, bem como promove a expropriação da riqueza natural
existente no planeta Terra.
Muitos profissionais conservadores que atuam no campo socioambiental
consideram, absurda, a ideia de trazer para o plano da ação educativa elementos
sócio-históricos tão firmes e contundentes, pois acreditam que estes chegam a
amedrontar. Mas é justamente este impacto entre as concepções de educação que
serve de base para repensar a lógica “morna” de fazer educação. Assim, a análise
crítica contribui para perder o medo alienador imposto historicamente, a partir de
concepções conservadoras, inaceitáveis, balizadas pelas diretrizes do pronto e do
acabado, tornando-nos seres passivos à espera de um milagre.
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É neste afinco que se dá a importância da concepção de educação
socioambiental crítica ao anunciar novos rumos mediante uma convicção vivificada
num outro mundo possível, que se constrói não no final de um ciclo, mas no
processo dialético instituído por movimentos contraditórios delineados por tensões e
disputas sociais.
A concepção de educação socioambiental crítica toma vulto, dando elementos
substanciais para se realizar uma análise crítica da realidade, capaz de indicar
pistas de como romper com a estrutura de sociedade atual, que impõe a toda
biodiversidade o terror da destruição planetária.
Muitos são os desafios a serem conquistados para quebrar com o silêncio e a
cultura do individualismo, pois se precisa, mais do que nunca, andar juntos na busca
de “um outro mundo possível”, como nos indica o FSM – Fórum Social Mundial.
A memória histórica de um povo não pode ser apagada ou desconsiderada,
em especial dos que acreditam em um projeto societário, como o socioambientalista
Chico Mendes, brutalmente assassinado a mando dos grupos madeireiros.
A Carta da Terra 4 deve ser divulgada, pois aponta princípios, valores e
parâmetros de um outro desenvolvimento sustentável: respeitar e cuidar da
comunidade de vida; integridade ecológica; justiça social e econômica; democracia,
não violência e paz, pressupostos essenciais para constituição de um outro projeto
societário.
A produção de outro saber socioambiental deve servir para romper com a
(des)ordem capitalista, ao criar a cultura da empáfia academicista com o objetivo de
expropriar o saber popular. Assim, precisa-se construir uma interlocução do
conhecimento técnico-científico com o saber popular, com o objetivo central de
construir outra sociedade.
A relevância da prática profissional na educação como um processo
permeado de possibilidade de mediações, que parte da análise crítica dos
problemas socioambientais, que estrutura a ação transformadora por meio da
formação continuada, da participação social democrática e da coerência teórica no
fazer educativo.
4 Ver movimento sócio-histórico de constituição da Carta da Terra no site www.paulofreire.org
7
Desta maneira, a concepção socioambiental contribuirá, sem ser a única, para
a regência de outra ordem mundial, que deve ser acelerada e intensificada nos
processos de conscientização, sobre a impossibilidade do sistema atual, garantir na
sua totalidade direitos humanos e a permanência e convivência de todos as
espécies do planeta Terra, inclusive a humana.
Na concepção de educação socioambiental crítica não existe uma prescrição
de atuação, o que existe são pistas e rumos pautados pela teoria social, pois muitas
são as experiências de iniciativas que vêm se desenvolvendo, em que profissionais
contaram com sua capacidade criativa, para promover ações concretas de
transformação da realidade. Estudar, pesquisar, se relacionar, participar, intervir,
sonhar, acreditar, esperançar, amar, romper, fortalecer, são verbos fundamentais na
caminhada da ação educativa emancipadora.
EMBASAMENTO TEÓRICO
Refletir a seca enquanto expressão cabal da Questão Social é negá-la como
sendo Questão Ambiental. Desta forma, é possibilitar uma análise crítica ante a
disputa pela água, especialmente no semiárido nordestino, pensado neste estudo
não como fenômeno isolado meramente ambiental, mas, sobretudo, dentro de uma
dinâmica sócio-histórica desencadeada pela hegemonia política do sistema
capitalista.
Para aprofundar e justificar o debate em pauta tem-se que conceituar antes
de tudo a terminologia Questão Social e Questão Ambiental. Para daí se intensificar
a discussão dos veios ideológicos e políticos, de como se deu e ainda se dá à
invenção enigmática da “seca” na região Nordeste.
A terminologia Questão Ambiental por si só se alimenta de concepções
conservadoras, na medida em que se coloca como matricial para responder
aspectos relacionados a impactos socioambientais. Com efeito, esta terminologia se
apresenta como categoria de análise da realidade socioambiental, o que contribui
significativamente para escamotear os conflitos de classes sociais, bem como no
encurtamento da análise crítica sobre o aviltamento socioambiental promovido pelo
modo de produção capitalista. Exemplo disso é a invenção social e política do
famoso e enigmático polígono das “secas” – o Nordeste brasileiro.
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No campo de análise crítica, o que equivocadamente é chamada de Questão
Ambiental se configura apenas como uma das expressões cabais da Questão
Social, pois se trata da “falta de água” potável para as populações, problema que se
atribui somente a “secas” periódicas, e não à ausência de planejamento participativo
integrado e a democratização de investimento em tecnologias para captação de
água de chuva, extração de água subterrânea ou dessalinização de água salobra; e
poluição das águas subterrâneas e superficiais, dentre outros citáveis problemas
socioambientais.
Para uma melhor compreensão, é imprescindível conceituar Questão Social,
que no pensamento de Netto(2004:45-46) é concebida pelo desenvolvimento
capitalista que produz, compulsoriamente, a “questão social”. Portanto, a “questão
social” é constitutiva do desenvolvimento do capitalismo.
Para Iamamoto (2004: 17), a Questão Social diz respeito ao conjunto das
expressões das desigualdades sociais engendradas na sociedade capitalista
madura, impensáveis sem a intermediação do Estado. Tem sua gênese no caráter
coletivo da produção, contraposto à apropriação privada da própria atividade
humana – o trabalho.
Acrescida da contribuição conceitual Yazbek ( 2004:33) afirma que, ao
colocar a questão social [...], estou colocando a questão da divisão da sociedade em
classes, cuja apropriação da riqueza socialmente gerada é extremamente
diferenciada. Estou colocando em questão, portanto, a luta pela apropriação da
riqueza social.
A partir da analise crítica sócio-histórica trazida pelos autores, é possível
afirmar que a terminologia Questão Ambiental, por mais crítica vem venha a ser,
ancora-se no pensamento conservador. Quando essa terminologia aparece, por si
só, se resume equivocadamente como se fosse um “novo fenômeno”, e que este
pouco tem a ver com as contradições das classes sociais.
Para Leff (2002: 62):
A problemática ambiental não é ideologicamente neutra nem é alheia a interesses econômicos e sociais. Sua gênese dá-se num processo histórico dominado pela expansão do modo de produção capitalista, pelos padrões tecnológicos gerados por uma racionalidade econômica guiada pelo propósito de maximizar os lucros e os excedentes econômicos em curto prazo, numa ordem econômica
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mundial marcada pela desigualdade entre nações e classes sociais.
Nesse sentido, é preciso colocar a “questão ambiental” dentro de uma
estrutura sócio-histórica, podendo ser mencionada como uma das expressões
perversas da “questão social”, pois são inúmeras as mazelas socioambientais
provocadas pela (des)ordem do modo de produção do sistema capitalista.
Para muitos intelectuais, essa discussão central (Questão Social e Questão
Ambiental) trata-se apenas de um trocadilho de palavras, ou mais, de vaidades e de
empáfias acadêmicas, em que determinado pesquisador precisa se sobressair em
relação a outros para ter visibilidade na orla academicista. Mas atenção: no caso das
questões em debate, trata-se de categorias de análise da realidade, e se não
enxergadas criticamente, pode-se fortalecer um pensamento conservador com base
alienadora, em que se perca a noção do que é essencial – a “seca” como invenção
histórica e política demarcada por conflitos sociais e pela expropriação do capital
pela riqueza natural e pela riqueza social historicamente produzida.
Para alicerçar a discussão teórico-metodológica sobre a “expropriação” da
água enquanto mercadoria no sistema capitalista é preciso considerar dois
aspectos 5 vigentes e aparentemente distintos, porém com bases sólidas numa
mesma estrutura de sociedade.
O primeiro se apresenta com expressões robustas na defesa da privatização
das águas e traz na sua gênese uma clara ironia com a preocupação de criar
escalas de “inclusão social” para as populações vulneráveis, que não terão
condições financeiras para adquirir a água como mercadoria.
O segundo se expressa pela legitimação da democracia capitalista ao “impor”
instrumentos de participação representativa em relação à água, que trazem em seu
arcabouço atual a defesa da comercialização da água em escala mundial, com o
apoio dos Estados-Nação no desenvolvimento de políticas públicas neoliberais.
5 Embora se reconheça a necessidade de se abordar um terceiro, o que não foi possível nesta
pesquisa – A apropriação do discurso da água como bem da humanidade pelo capital algo deslumbrante e envolvente, inclusive podendo ser comparado com o importante mito da Grécia antiga – o canto da sereia–, ou, ainda, com a lenda da região Norte brasileira – o canto da Iara Mãe-D’água. Discurso incomparável e quase infalível, quando se considera a água como bem da humanidade.
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A ÁGUA ENQUANTO MERCADORIA
A água no sistema de produção capitalista é colocada, principalmente pela
elite dominante, como mercadoria, o que acaba sendo uma moeda de troca do
câmbio econômico e político. Sem sombra de dúvida, a mais afetada com esta
conversão é a população que vive em situação de vulnerabilidade social e que
depende de políticas públicas para ter acesso à água potável.
Esta análise fundamenta-se no cerne do materialismo histórico e dialético,
tendo como perspectiva a transformação em relação ao modelo socioeconômico
arquitetado pela burguesia, detentora dos meios e dos modos de produção, que
estruturou os pilares do Estado burguês “moderno”.
O capitalismo se globalizou no cenário mundial, e assim como outras
tentativas em grande escala, tenta expropriar a água enquanto mercadoria ao
investir e persistir na comercialização desta.
O capitalismo expropria a água, como propriedade privada, porque sabe do
potencial do mercado na comercialização, portanto, transforma-a em mera
mercadoria como valor de uso e de troca, gerando assim lucros exorbitantes com o
consumo da água. É mercadoria porque tem força de trabalho, tempo de produção e
transformação de uma riqueza natural em mercadoria, própria para o consumo, além
de gerar lucro com o tempo que o trabalhador leva para deixá-la como mercadoria, o
que gera mais-valia para os “donos” das águas, com a força de trabalho despendida
dos trabalhadores para transformar a água numa mercadoria.
Neste viés, Marx (1986: 234) diz que:
a força de trabalho em atividade não só reproduz seu próprio valor, mas também cria valor excedente. Essa mais valia constitui o excedente do valor do produto em relação ao valor dos componentes do produto consumidos, a saber, os meios de produção e a força de
trabalho .
É nesse sentido que o espírito da Teoria Social é contemporânea, pois traz
elementos constitutivos para uma análise de conjuntura crítica em relação ao destino
em movimento da água. O capitalismo em Marx (1987: 92) pode ser considerado
como proprietário em primeira mão de toda a riqueza social, apesar de nenhuma lei
lhe ter outorgado direito a essa propriedade.
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O capitalismo como sistema econômico foi construído historicamente e tem
na sua gênese a contradição advinda da “Questão Social”, que promove em larga
escala o desenvolvimento a partir da base principiológica do seu projeto
hegemônico, que impacta negativamente em todas as dimensões da vida, não só
humana, mas de toda biodiversidade.
Portanto, sua estrutura se materializa historicamente pelos interesses de
grupos sociais dominantes que detêm o poder político e econômico, que se
sobrepõem a interesses de ordem coletiva defendidos por grupos sociais que lutam
com vistas à superação da (des)ordem do capital, ao vê-lo como risco iminente para
milhões de espécie, de ecossistemas e de recursos naturais. Com efeito, os seres
humanos mais afetados nesta dinâmica são os que vivem em situação de
vulnerabilidade, embora se reconheça no limite a destruição das pessoas,
independentemente da classe social com um colapso socioambiental no Planeta
Terra.
A dominação e opressão da classe capitalista em relação à classe
trabalhadora pode ser analisadas em relação às riquezas naturais, pois para o
capital se muda apenas o objeto e suas estratégias de dominação; em outras
palavras, os trabalhadores são visto como sendo coisa, que podem ser útil ou não
para a acumulação do sistema capitalista. A relação do capital com a água não é
diferente disso! De acordo com Marx (1986: 228): “o próprio homem, visto como
personificação da força de trabalho é um objeto natural, uma coisa, embora uma
coisa viva e consciente, e o próprio trabalho é a manifestação externa, objetiva
dessa força”.
Contudo, há diferença, não na forma determinada pelo capital de acumulação
de riquezas privadas, pois coloca as duas riquezas incomensuráveis numa mesma
base de expropriação – recurso gerador acumulativo. Mas a diferença está na
possibilidade de os sujeitos sociais se organizarem para romper com as formas de
opressão e para sustentar uma riqueza socioambiental – a água é indefesa tanto no
aspecto de seu uso desigual como também é vulnerável em relação à poluição de
seus corpos hídricos.
São vários os autores contemporâneos que contribuem com fundamentos
científicos para analisar como o sistema capitalista transforma as coisas necessárias
12
aos seres humanos, no caso da água também para a biodiversidade, em
mercadoria. Assim, trazem elementos fundantes de que o sistema capitalista não se
sustenta sem a exploração dos trabalhadores e tampouco sem a expropriação das
riquezas naturais – Antunes, 2005, Havey, 2010, Ianni, 1980, Löwy, 2005, Marx,
1986a, Marx, 1987b, Marx, 2000c, Petrella, 2001, Netto, 2001.
Deste modo Harvey (2010) aponta que “a ideia da natureza como um produto
social tem de ser acompanhada pelo reconhecimento de que os recursos naturais
são apreciações culturais, econômicas e tecnologias”, portanto não podem ser
expropriados pelo sistema capitalista tão somente com o intuito de transformar em
mercadoria.
No caso da água enquanto mercadoria, propalada pela cultura capitalista ao
dominar o mercado por meio da pulverização da mente das pessoas, a quem se
impõe a aculturação dos parâmetros burgueses para se estabelecer o consumo
“indispensável” da água engarrafa, como sendo expressão maior da terminologia de
água de qualidade.
Marx adverte que (1986: 219):
ao converter em mercadoria que servem de elementos materiais de novo produto ou de fatores do processo de trabalho e ao incorporar força de trabalho viva a materialidade morta desses elementos, transforma valor, trabalho pretérito, materializado, morto, em capital, em valor que se amplia, um monstro animado que começa a “trabalhar”, como se tivesse o diabo no corpo.
A expropriação da água pelo modo de produção capitalista está inserida na
lógica da propriedade privada, portanto, dominada enquanto “coisa da natureza” que
é usurpada pelos grupos dominantes e transformada em mera mercadoria.
Nesse sentido, pensar nos desafios para se democratizar a água potável a
todas as pessoas, independentemente de condição social e hidrográfica, é antítese
do pensamento do capital, pois pressupõe em si divergência de objetivo – o capital
expropria a água para torná-la mercadoria com a meta de maximização de lucros, já
o acesso à água potável a todos requer assegurá-la como pública e de qualidade.
Numa análise discernida criticamente sobre a relação capital e trabalho,
Antunes (2004) garante que Terra e a água são fontes originais de víveres e meios
já prontos de subsistência para o homem, é encontrada sem contribuição dele, como
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objeto geral do trabalho humano. Assim, todas as coisas de que o trabalho necessita
só dependem de sua conexão direta com o conjunto da Terra.
METODOLOGIA
O desenvolvimento deste trabalho se realiza por meio da metodologia de
pesquisa-ação, definida por Thiollent (2007) ao dizer que este procedimento deve
ser utilizado quando os pesquisadores não têm intenção, apenas, de fazer
levantamento de dados ou de meros relatórios a serem arquivados, mas, ao
contrário, querem que as pessoas implicadas tenham “algo a dizer” e a “fazer”.
Assim, os pesquisadores pretendem desempenhar um papel ativo na própria
realidade dos fatos observados.
Assim, este trabalho é balizado pela metodologia de pesquisa-ação
fundamentada no pensamento de Thiollent (1996: 14), ao mencionar que a:
Pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo.
Para uma melhor compreensão do conceito de pesquisa-ação, devem-se
buscar as contribuições teórico-metodológicas de René Barbier e Michel Thiollent,
conforme indica Severino (2008: 120), ao definir que:
A pesquisa-ação é aquela que, além de compreender, visa intervir na situação, com vistas a modificá-la. O conhecimento visado articula-se a uma finalidade intencional de alteração da situação pesquisada. Assim, ao mesmo tempo que realiza um diagnóstico e a análise de uma determinada situação, a pesquisa-ação propõe ao conjunto de sujeitos envolvidos mudanças que levam a um aprimoramento das práticas analisadas.
Portanto, este trabalho se orienta numa perspectiva crítica e propositiva,
objetivando contribuir com a construção coletiva de um outro conhecimento, a partir
da interlocução do saber técnico-científico com o saber popular, propiciando, assim,
novas possibilidades que atentem para a importância de se discutir a água na esfera
política, inserida num cenário tenso e contraditório, configurado pela disputa entre os
diversos interesses das classes sociais.
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A determinação da metodologia foi o objetivo no qual se deu o processo
metodológico e os resultados construídos coletivamente, na medida em que os
procedimentos metodológicos propiciaram melhor compreensão da realidade, bem
como apontaram sugestões de intervenção tendo como perspectiva a
democratização do acesso à água no semiárido brasileiro. Foram utilizados para
produção de informações - pesquisa participante, bibliográfica, documental e de
campo.
Nesta perspectiva é que se realizou este trabalho, que sem ser o único
contribui para a construção de novos rumos na caminhada coletiva com os diversos
segmentos – Subcomitê de Bacia Hidrográfica do Curu e do Banabuiú, Secretaria,
Secretaria Municipal de Agricultura Recursos Hídricos de Itatira/CE, Federação das
Associações Comunitárias de Itatira, Associação de Lagoa do Mato, Associação dos
Usuários de Água e Esgoto de Lagoa do Mato, Associação Comunitária de
Contendas6, Associação de Lagoa do Mato7 e conversa com o representante do
projeto Pingo D’água, que atua no Sertão Central, dentre outros importantes atores
sociais.
RESULTADOS
Este processo construído a muitas mãos – pesquisadora e participantes -
possibilitou analisar e sugerir ações interventivas, de acordo com as potencialidades
e precariedades da região do semiárido do sertão central cearense, tendo como
perspectiva democratizar o acesso a água potável.
O município de Itatira não participa oficialmente do Comitê de Bacia Hidrográfica
do Banabuiú, sendo que a maioria de suas águas vai para esta bacia.
Disputa pelo abastecimento de água no distrito de Lagoa do Mato entre duas
associações comunitárias do município de Itatira: ALM – Associação de Lagoa do
Mato, AUAELM – Associação dos Usuários de Água e Esgoto de Lagoa do
Mato, SISAR e CAGECE.
6 Associação Comunitária de Contendas – local rural onde nasci – sertão.
7 A Associação de Lagoa do Mato participou a partir de diálogos com o Ari Sales e uma conversa
rápida com o Jacson Guerra (em sua casa). Infelizmente não houve tempo hábil para entrevistá-los conforme previsto no planejamento da pesquisa. Mas destaca-se o empenho e envolvimento dos participantes em contribuir com este estudo.
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Não há uma espécie de agenda pública no município para discutir
sistematicamente as disputas pela apropriação da água advinda do entrave entre
os distintos interesses de grupos sociais. Embora se reconheçam algumas
iniciativas em determinados momentos de “crise” entre prefeitura, sociedade civil
e outros órgãos públicos estaduais e até nacional, que é o caso do Exercito
Brasileiro.
Conflitos entre CAGECE e proprietários de terras para a perfuração de poços
artesianos em cima da serra, pois existem duas “necessidades” alegadas: o
abastecimento de água na sede de Itatira exige obrigatoriamente, por parte da
CAGECE, a ampliação de poços para suprir a carência de água, caso contrário o
sistema de abastecimento entrará em colapso. De outro lado, os proprietários de
terra alegam que, se abrirem poços para extrair águas subterrâneas em
proporções altas, poderá baixar significativamente a área de recarga de água da
serra, o que afetari, sobretudo a produção de banana-prata.
Acesso insuficiente à água potável pelos trabalhadores rurais, pois houve
reivindicação por parte das lideranças integrantes da Confederação das
Associações Comunitárias do Município de Itatira/CE junto ao Exército Brasileiro,
pedindo maior atenção para ampliar imediatamente a distribuição de águas nas
“Comunidades Rurais”, pois o volume de distribuição estava sendo insuficiente
para todas as famílias inscritas no Programa Água para Todos.
O Sistema de Abastecimento de Água do distrito de Lagoa do Mato traz dois
problemas: não atende universalmente a demanda e ainda não existem
mecanismos sociais para integrar ao sistema aqueles que não podem pagar
pelos serviços. Ademais, existe alto consumo de água, sobretudo pelas
construções civis, irrigação, lava-rápido e desperdiço de água no consumo
doméstico.
As cisternas construídas pelo Programa Água Para Todos do Governo Federal
se colocam fundamentais para compor ações de enfrentamento à “falta de água”
pela captação de água de chuvas, no entanto, o município precisa considerar os
seguintes aspectos: as cisternas deste programa atendem apenas a zona rural; o
número de cisterna é pouco, se relacionado à demanda e este reservatório
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requer a captação de água de chuva, o que nem sempre é sistemático devido à
escassez de chuvas na região.
Conflitos estabelecidos entre governo, empresas, movimentos sociais e
universidades, devido à “extração de urânio”, na medida em que a maior jazida
do Brasil de rochas fosfáticas encontra-se na região. E Itatira será um dos
municípios mais impactados, além das bacias hidrográficas que o compõem.
Soterragem e erosão nas nascentes dos rios impactam diretamente na vazão de
água nas bacias hidrográficas do Curu e do Banabuiú, além de diminuição da
metragem de água nos principais açudes do município.
A falta de monitoramento sistemático no controle da qualidade da água é um
forte indicador para o abastecimento do município de Itatira, embora se
reconheçam esforços já realizados pela Secretaria Municipal de Agricultura e
Recursos Hídricos, em parceria com a CAGECE, ao realizarem um estudo sobre
a qualidade dos principais reservatórios de água do município – Açudes João
Guerra, Oiticica, Suçuarana e São Joaquim.
Alta inadimplência da população em relação ao pagamento dos serviços
prestados no abastecimento de água pelo SISAR e pela AUAELM, o que ocorre
por dois aspectos: o baixo poder aquisitivo financeiro de alguns usuários e pela
não cultura de outros em pagar pelos serviços prestados.
A distribuição de água realizada por meio de carro-pipa, muitas vezes chega nos
reservatórios domésticos à deriva, sem controle sistemático de qualidade no
percurso de seu trajeto (do açude aos potes, filtros, cisternas, tanques) ou
tratamento adequado para o consumo humano. Embora também se reconheçam
esforços para enfrentar este problema por meio de ação feita em parceria entre
PMI, Laboratório LACEM, Exército Brasileiro e CAGECE.
Ampliação do Açude João Guerra e tratamento adequado de esgoto do espaço
urbano, para que não polua os mananciais.
Construção de aterro sanitário com tratamento adequado, além da implantação
de coleta seletiva.
Implantação efetiva do Projeto Caminho das Águas desenvolvido pelo Governo
do Estado do Ceará.
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Construção da Adutora do Açude em Umari, no Município de Madalena, para
bombear água para o distrito Lagoa do Mato.
A metodologia utilizada de pesquisa-ação remete o desenvolvimento de
ações interventivas, nesse sentido criou-se uma proposta intitulada Observatório
Socioambiental da Água, conforme descrita a seguir:
A “falta de água” potável não ocorre apenas em Itatira/CE, mas também na
região, daí a necessidade de se agregar esforços para dar continuidade ao
levantamento de problemas e potencialidades, bem como construir intervenções
socioambientais participativas, pois a realidade em que se insere este problema é
múltipla e complexa. Esse problema se agrava ainda mais com o escamoteamento
dos conflitos advindos dos diversos interesses de grupos sociais, o que
aparentemente nos levar a crer que todos os nordestinos querem a democratização
da água potável, independentemente de sua condição social, o que é um equivoco
no campo de análise, pois as contradições das classes sociais geram, dentre outras
coisas, o não acesso à água potável.
Não existe um receituário pronto e acabado para se destacar com precisão o
que deve ser feito para se garantir a democratização do acesso à água potável. Pois
este objetivo não requer apenas uma forma de intervenção, ao contrário, impõe aos
governos, movimentos sociais, intelectuais, políticos, entidades sociais, uma certa
atenção para a incompletude de políticas públicas e tecnologias sociais aplicadas
com vistas a solucionar o problema. Em outras palavras, não existe “a boa”; o que
existe são ações que devem se integrar e serem repensadas a partir das
peculiaridades de cada hidrografia.
Portanto, este Trabalho de Mestrado, sem ser o único, vem contribuir para
integrar o movimento de avanços e desafios constituído historicamente pelo Estado
do Ceará, pois são muitas as contribuições deste Estado, inclusive no cenário
nacional, ao protagonizar a legislação estadual dos recursos hídricos, trazendo na
sua gênese a principiologia da Constituição Federal de 1988, acrescido do
experimento da criação do Comitê de Bacia Hidrográfica do Curu, além dos distintos
movimentos sociais que lutam incessantemente pela democratização do acesso à
água, que sem serem os únicos, pode-se citar – Pastoral da Terra e Movimento dos
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Trabalhadores Rurais Sem Terra, além de organizações da sociedade civil que
desenvolvem tecnologias sociais de alta relevância para se enfrentar os problemas
observados, como a ASA – Articulação do Semiárido, que dentre outras lutas,
propalou a campanha de “um milhão de cisterna”. E pode-se citar também a
importância do Projeto Pingo D’Água, que traz como elemento fundante a
democratização da água do subsolo por meio da construção de poços aluviários,
para que os agricultores tenham acesso ao sistema de abastecimento de água
doméstica e também se possa potencializar, por meio de irrigação, a agricultura
familiar.
É nesse sentido que o processo participativo da construção desta pesquisa
aponta sobre a necessidade de se criar um espaço potencializador capaz de
produzir mecanismos políticos participativos para se socializar experiências
desenvolvidas em tecnologias sociais, apontar projetos para que sejam gestados no
âmbito das políticas públicas; promover ações integradas que tenham por objetivo
central a democratização do acesso à água no município de Itatira/CE, além de
incentivar os diversos segmentos a participar nos espaços democráticos de
construção de políticas e fortalecer as reivindicações coletivas, tais como:
1. Potencializar a participação pública dos distintos atores sociais envolvidos com a
problemática da “falta de água”, para juntos pensarem ações que enfrentem tal
problema;
2. Criar um banco de dados vivo sobre a violação dos direitos socioambientais,
identificando o direito violado, o violador, o ator violado, os procedimentos
tomados, bem como as sugestões inerentes ao enfrentamento do problema,
dentre outros aspectos que podem integrar um diagnóstico sobre a “falta de água
potável”;
3. Promover debates públicos sobre os desafios para se democratizar o acesso à
água potável por meio de reuniões, seminários, oficinas, encontros, de forma
descentralizada e participativa.
4. Criar Grupos de Trabalhos (GTs) para fazer levantamento participativo sobre a
hidrografia local, das legislações existentes; experiências bem sucedidas (do
Estado ou da Sociedade Civil); e construir propostas inovadoras capazes de
apontar para a democratização do acesso à água potável.
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5. Divulgar as ações promovidas pelo coletivo por meio de publicações em revistas,
livros, jornais, apresentação de trabalhos em encontros, seminários e
conferências.
6. Dinamizar o “Fórum da Água” por meio da interlocução com Ministério Público,
Defensoria Pública, Judiciário, Executivo, Legislativo, ONGs – Organizações Não
Governamentais, Movimentos Sociais, Empresas, Universidades, Fundações
públicas e privadas, OSCIPs – Organização da Sociedade Civil de Interesse
Público, Associações Comunitárias, Sindicatos, etc.
7. Fortalecer o controle social da gestão das políticas públicas em relação à água,
acompanhando o orçamento público municipal, participando das reunião dos
conselhos municipais de recursos hídrico e de assistência social (responsável
pelo carro-pipa), promovendo debates com o prefeito e suas secretarias, para
contribuir com a feitura de projetos que visem a democratização do acesso à
água.
8. Criar Comissões Descentralizadas, por distrito, bairro ou povoados
(comunidades) para integrar o OSA – Observatório Socioambiental da Água.
9. Realizar Mostras Socioambientais envolvendo professores e estudantes de
escolas públicas e privadas, ou de projeto sociais para demonstrarem aspectos
relacionas à água.
10. Elaborar revistas em quadrinhos e panfletos sobre a importância da hidrografia
da Itatira no cenário do Ceará, enfatizando a importância de cuidar.
11. Promover ações que integrem os diversos conselhos setoriais e de direitos,
políticas e movimentos sociais, tendo em vista a intersetorialidade e integralidade
de ações voltadas à garantia do acesso à água.
12. Estudos e reaplicabilidades de tecnologias sociais que podem ser apoiadas por
diversos setores e organismos sociais.
13. Seminário Municipal Anual para socialização das ações descentralizadas,
avaliação dos trabalhos realizados e construção participativa de propostas que
integrarão as ações voltadas à democratização do acesso à água.
14. Dentre outros aspectos a serem discutidos e sugeridos pelos diversos atores
sociais do OSA.
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A propósito, este instrumento precisa ser mais bem estudado e compreendido
dentro das forças locais, para daí se pensar no seu formato, ou seja, o OSA pode
ser um movimento social que agrega as diversas forças existentes, pode ser
também uma espécie de política pública ou um projeto de extensão universitária. O
que mais importa é que não perca sua essência, que é unir diversas forças
imprescindíveis à democratização do acesso à água.
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Referências
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