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REIA- Revista de Estudos e Investigações Antropológicas, ano 3, volume 3(2):129-161, 2016 O caminho teórico-metodológico das teorias do Self, dos Processos Intersubjetivos e da Cultura Emotiva: Crise e Reinvenção nas Ciências Sociais a partir da categoria analítica emoções Mauro Guilherme Pinheiro Koury 1 Resumo: Este ensaio aborda o caminho teórico-metodológico das teorias do Self, dos Processos Intersubjetivos e da Cultura Emotiva, passando pelos Clássicos das Ciências Sociais e enfatizando a virada epistemológica conhecida na Academia mundial como segundo deslocamento da Antropologia. A partir dos anos de 1970 verifica-se uma crise dos modelos funcionalistas, estruturalistas e estrutural-funcionalistas para a explicação do indivíduo, da cultura e da sociedade, - tidos como universalistas, essencialistas e, consequentemente, imperialistas e etnocêntricos. Estes modelos de apreensão da alteridade são radicalmente combatidos e substituídos por modelos subjetivistas, compreensivos, interacionistas e simbólico-interacionistas de análise do jogo social e de seus processos, agora pensados como indeterminados, tensionais e criativos. Neste contexto, despontam conceitos de análise como prática, práxis, self, processo, ação, interação, subjetividade, cotidiano, experiência e outros, cuja síntese e aprofundamento teórico-metodológico caminharam para o desenvolvimento da categoria analítica emoções como momento central de estabelecimento de uma Antropologia e uma Sociologia das Emoções. Palavras-chaves: Crise e reinvenção nas Ciências Sociais, ruptura epistemológica dos anos 1970, Emoções, Emoções nos Clássicos das Ciências Sociais, Antropologia e Sociologia das Emoções Abstract: This essay approaches the theoretical-methodological path of theories of Self, Intersubjective Processes and Emotive Culture, passing through the Classics of Social Sciences and emphasizing the epistemological turn known in the World Academy as the Second Displacement of Anthropology. From the 1970s onwards there was a crisis of functionalist, structuralist and structural-functionalist models for explaining the individual, the culture and the society – these models were classified as universalist, essentialist and, consequently, imperialist and ethnocentric. These models of apprehension of the Alterity were radically countered and replaced by subjectivist, comprehensive, interactionist, and symbolic-interactionist models of social game analysis and its processes, now thought as being indeterminate, tense, and creative. In this context, concepts of analysis such as practice, praxis, self, process, action, interaction, subjectivity, daily life, experience and others emerged, whose synthesis and theoretical-methodological deepening lead towards the development of the analytical category emotions as a central moment of establishment of an Anthropology and a Sociology of Emotions. Keywords: Crisis and reinvention in the Social Sciences, epistemological rupture of the 1970s, Emotions, Emotions in the Classics of Social Sciences, Anthropology and Sociology of Emotions Este ensaio apresenta uma época de crise epistemológica nas ciências sociais que balizou novos quadros interpretativos e surgimento de novas áreas. Uma delas a 1 É antropólogo, professor Doutor do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal da Paraíba, Brasil. Coordenador do GREM – Grupo de Pesquisa em Antropologia e Sociologia das Emoções da mesma universidade. Editor da RBSE – Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, http://www.cchla.ufpb.br/rbse. [email protected]. 129

O caminho teórico-metodológico das teorias do Self, dos

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REIA- Revista de Estudos e Investigações Antropológicas, ano 3, volume 3(2):129-161, 2016

O caminho teórico-metodológico das teorias do Self, dos Processos Intersubjetivose da Cultura Emotiva: Crise e Reinvenção nas Ciências Sociais a partir da

categoria analítica emoções

Mauro Guilherme Pinheiro Koury1

Resumo: Este ensaio aborda o caminho teórico-metodológico das teorias do Self, dosProcessos Intersubjetivos e da Cultura Emotiva, passando pelos Clássicos das CiênciasSociais e enfatizando a virada epistemológica conhecida na Academia mundial comosegundo deslocamento da Antropologia. A partir dos anos de 1970 verifica-se uma crisedos modelos funcionalistas, estruturalistas e estrutural-funcionalistas para a explicaçãodo indivíduo, da cultura e da sociedade, - tidos como universalistas, essencialistas e,consequentemente, imperialistas e etnocêntricos. Estes modelos de apreensão daalteridade são radicalmente combatidos e substituídos por modelos subjetivistas,compreensivos, interacionistas e simbólico-interacionistas de análise do jogo social e deseus processos, agora pensados como indeterminados, tensionais e criativos. Nestecontexto, despontam conceitos de análise como prática, práxis, self, processo, ação,interação, subjetividade, cotidiano, experiência e outros, cuja síntese e aprofundamentoteórico-metodológico caminharam para o desenvolvimento da categoria analíticaemoções como momento central de estabelecimento de uma Antropologia e umaSociologia das Emoções. Palavras-chaves: Crise e reinvenção nas Ciências Sociais,ruptura epistemológica dos anos 1970, Emoções, Emoções nos Clássicos das CiênciasSociais, Antropologia e Sociologia das Emoções

Abstract: This essay approaches the theoretical-methodological path of theories of Self,Intersubjective Processes and Emotive Culture, passing through the Classics of SocialSciences and emphasizing the epistemological turn known in the World Academy as theSecond Displacement of Anthropology. From the 1970s onwards there was a crisis offunctionalist, structuralist and structural-functionalist models for explaining theindividual, the culture and the society – these models were classified as universalist,essentialist and, consequently, imperialist and ethnocentric. These models ofapprehension of the Alterity were radically countered and replaced by subjectivist,comprehensive, interactionist, and symbolic-interactionist models of social gameanalysis and its processes, now thought as being indeterminate, tense, and creative. Inthis context, concepts of analysis such as practice, praxis, self, process, action,interaction, subjectivity, daily life, experience and others emerged, whose synthesis andtheoretical-methodological deepening lead towards the development of the analyticalcategory emotions as a central moment of establishment of an Anthropology and aSociology of Emotions. Keywords: Crisis and reinvention in the Social Sciences,epistemological rupture of the 1970s, Emotions, Emotions in the Classics of SocialSciences, Anthropology and Sociology of Emotions

Este ensaio apresenta uma época de crise epistemológica nas ciências sociais que

balizou novos quadros interpretativos e surgimento de novas áreas. Uma delas a1É antropólogo, professor Doutor do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UniversidadeFederal da Paraíba, Brasil. Coordenador do GREM – Grupo de Pesquisa em Antropologia e Sociologiadas Emoções da mesma universidade. Editor da RBSE – Revista Brasileira de Sociologia da Emoção,http://www.cchla.ufpb.br/rbse. [email protected].

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antropologia e a sociologia das emoções, em que o conceito de emoções foi eleito como

uma categoria de entendimento capaz de apreender a noção de humano e de sociedade

como um todo, e com consequências metodológicas para a pesquisa nas interrelações

sempre tensas entre indivíduo, cultura e sociedade.

A antropologia e sociologia das emoções emergem e iniciam o seu processo de

consolidação como campos disciplinares específicos a partir da década de 1970.

Durante os finais dos anos de 1950 e os anos de 1960 foram sendo elaboradas críticas à

lógica linear das análises sociais de cunho mais estrutural que relegavam para o segundo

plano a ação social individual: os atores sociais e sua vida emocional (Milton & Svasek,

2006).

Estas críticas estabeleceram novas formas de olhar para o objeto. Revigoraram

também as perspectivas teóricas e metodológicas que enfatizam o processo analítico da

subjetividade como fonte e forma de expressão e construção social (Ortner, 2011).

Os processos analíticos novos, oriundos deste movimento de crítica, partem do

pressuposto da necessidade de uma atenção maior para as categorias do self com relação

à formação, consolidação e movimento das estruturas sociais (Koury & Barbosa, 2016).

Enfatizam o estabelecimento de canais entre as dimensões micro e macros sociais

(Olesen, 2006), e a necessidade de entender os fenômenos emocionais como centrais às

análises antropológicas e sociológicas no seio das ciências sociais.

Um novo campo analítico no interior das ciências sociais, nas áreas disciplinares

da sociologia e da antropologia é aberto. Este novo campo, deste então, amplia o debate

no interior das ciências sociais como um todo, e agenda contatos com Outros campos

analíticos no seu interior.

Até que ponto a cultura e a sociedade modulam a expressão e a experiência

emocional? Será que as emoções são inteiramente um constructo sociocultural? São

questões que perpassam o debate teórico-metodológico na procura de delimitar um

campo próprio no interior das ciências sociais e, aqui, particularmente, das disciplinas

antropologia e sociologia, para se pensar a antropologia e sociologia das emoções.

A preocupação teórico-metodológica que norteia os debates é conflitual, e

referencia os fatores sociais que influenciam a esfera emocional, e até onde vai esta

influência. Para alguns autores, as emoções são afirmadas como processos

eminentemente sociais, não cabendo sequer a questão teórica de que as emoções não

sejam socialmente construídas.

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Afirmam que as emoções não podem ser entendidas como um estado interno do

sujeito, nem tampouco que seja puramente um produto das suas próprias ações

individuais. Aduzem que faz parte da análise antropológica e da análise sociológica

considerar a definição da situação por parte do ator social imerso em uma cultura

emocional particular.

É na relação com os Outros que um ator constrói as suas narrativas, com o tom

de uma interpretação completamente pessoal. O conflito emocional não nasce de

estados interiores de ambivalência, mas, de contextos sociais, eles próprios,

ambivalentes e conflituais.

A compreensão de um processo cultural e social mais vasto permite demonstrar

os caminhos de formação de uma curva de vida particular e permite, também,

compreender os impasses e as conquistas vividas e sentidas como individual: como

fazendo parte do privado, particular e único. Um indivíduo, assim, pode pensar as

emoções de uma maneira própria, e essa maneira única ter sido construída e constituída

cultural e socialmente. O que a torna possuidora de significados no contexto cultural e

social em que foi por ela experimentada.

É em uma cultura emocional, em um tempo e de um espaço determinado, que os

indivíduos se provêem com conceitos simbólicos, linguísticos e comportamentais

(Koury, 2009; 2004). Conceitos estes com os quais dão sentido às próprias emoções. As

situações emocionais são inscritas dentro de modelos relativamente contínuos e

duradouros de relações sociais.

Para a antropologia e a sociologia das emoções, as emoções são sentimentos

dirigidos diretamente aos Outros e causados pela interação com os Outros, em um

contexto e situação social e cultural dados.

As relações entre pessoas, instituições, grupos e sociedades e os sentimentos

associados são, ao mesmo tempo, produtos e produtores dos processos de interação.

Processos compostos por um complexo de gestos, sinais, movimentos corporais e

simbólicos, integrantes de uma mesma ação comunicativa; Junto e concomitante a

relações, experiências e sentimentos culturais e sociais mais amplos, compartilhados.

A experiência emocional é constituída, deste modo, pelas redes de

compartilhamento e pela interligação às diversas interconexões de um mesmo ato

corporal e social sentidos como único e, ao mesmo tempo, cumulativo.

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A antropologia e sociologia das emoções partem do princípio de que as

experiências emocionais singulares, sentidas e vividas por um ator social específico, são

processos relacionais entre os indivíduos, a cultura e sociedade. Estas experiências

traduzem as alianças produzidas, levando em conta as normas sociais, os costumes, às

tradições e as crenças ou convicções em torno das próprias emoções.

Os conteúdos simbólicos e as práticas culturais de contextos sociais específicos

promovem determinadas emoções, ao mesmo tempo em que negam, restringem ou

impõem interditos a outras, a partir das interações contínuas e constantes entre os

sujeitos relacionais nas trocas sociais.

A antropologia e sociologia das emoções procuram ir além do que um ator social

sente em certas circunstâncias, ou com relação às histórias de vida estritamente pessoal.

Elas partem do subjetivo que movimenta o ator social à ação, mas, não se restringem ao

estritamente subjetivo, e sim, às formas relacionais que assumem as ações sociais

quando direcionadas objetivamente para Outro. Outro que as recebe e as reorganiza em

forma de uma nova ação e das alianças possíveis, como resultados da troca ou de

diferentes situações dispostas no movimento interacional.

Os atores da relação atuam, assim, no interior de processos subjetivos, e

projetam interesses, desejos e valores na interação. Tais interesses e valores são

emocionalmente avaliados pelas partes em troca, partes estas que já detêm, direta ou

indiretamente, dados sociais e culturais das projeções lançadas por cada um dos

parceiros da relação, como uma espécie de etiqueta ou moldura informacional de

códigos emocionais, cultural e socialmente satisfeitos.

O que influencia os projetos e vivências emocionais dos sujeitos sociais em

relação, através de um imaginário social fluido, de um dado contexto socio-histórico.

Imaginário que perpassa o conjunto do social e indica uma experiência social

acumulada, e vivenciada como experiência emocional única por cada um dos diversos

atores em interação.

As experiências emocionais envolvidas no jogo interacional, portanto, trazem

em si um padrão sociocomunicacional, como um tipo de escritura cultural e socialmente

correlacionada. As análises antropológicas e sociológicas das emoções se propõem a

compreender, de um lado:

1. Até que ponto sentir certas emoções e expressá-las de certo modo e não de

Outro estaria ligado às formas instituídas e instituintes de um social dado?

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E, de outro lado, e de forma concomitante:

2. Até que ponto e como as experiências emocionais de um sujeito singular

ampliam a rede imaginária e instituinte de uma realidade sociocultural qualquer,

impelindo o sujeito e a realidade sociocultural a uma revisão e recriação constante e

sempre singular do seu conteúdo e de suas formas?

O conflito entre as formas instituintes e instituídas culturalmente, que baseiam a

memória social das emoções, e as formas subjetivas e singulares da vivência e da

memória emocional dos parceiros em troca, em um contexto cultural e social dado,

produziriam juntas a problemática e o objeto da análise antropológica e sociológica das

emoções.

Os estudos das emoções fundamentam um campo de reflexão que procura

revigorar as análises antropológicas e sociológicas a partir da problemática da

intersubjetividade. Desde sua criação moderna a antropologia e a sociologia, têm se

voltado para as bases subjetivas da ação cultural e social.

Embora recentes, enquanto subáreas específicas, a sociologia e a antropologia

das emoções possuem uma longa história analítica e um diálogo profundo com as

tradições teórico-metodológicas do campo disciplinar mais amplo, de onde erigiram.

A antropologia e a sociologia das emoções por fim, estão em um diálogo

permanente entre si, e com outras disciplinas afins, como forma de aprimoramento

conceitual e melhor alcance analítico.

No próximo bloco se montará um breve cenário da crise paradigmática nas

ciências sociais nos Estados Unidos de onde emergiu, entre outras temáticas, a

antropologia e a sociologia das emoções, e, após, se fará um balanço dos autores

clássicos da análise das ciências sociais, em busca das emoções ou de sua sublimação

ou ausência em suas análises. Neste balanço se procurará compreender como estes

autores sentiram e trabalharam a questão das emoções em suas análises, ou porque não

o fizeram. Balanço necessário no processo de consolidação de uma antropologia e de

uma sociologia das emoções como área disciplinar no seio das ciências sociais

contemporâneas.

Cenário da crise nas Ciências Sociais dos anos de 1970

Como vimos anteriormente, a Antropologia e a sua congênere Sociologia das

Emoções se constituíram como subáreas de conhecimento das disciplinas antropologia e

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sociologia, no seio das ciências sociais, resultado de um longo processo iniciado na

academia (e nas ruas) dos Estados Unidos, nos anos de 1970 (Koury, 2014).

Processo que se convencionou chamar de Crise e Ruptura Epistemológica nas

ciências sociais, especificamente, na antropologia e na sociologia, de então. Processo

rico e de consequências para o bem e para o mal na edificação dos projetos e projeções

das duas áreas científicas nos Estados Unidos e no mundo.

As bases da crise e os cenários construídos e os seus resultados se constituíram

com base na discussão tensa sobre o enfoque da subjetividade versus da objetividade

nas ciências sociais, conforme pode ser visualizado no quadro abaixo:

Ciências Sociais

SubjetividadeSubjetividade > O Outro como diferença >Indivíduo/Sociedade/Cultura

ObjetividadeObjetividade > O Outro como universal > Indivíduo/Sociedade

Subjetividade

O Outro como diferença constitui a possibilidade do social e da cultura. É pelo e

através do Outro que se constitui a possibilidade de um social. Os sentidos e os

significados são constituídos e construídos no interior das relações entre indivíduos

diferentes.

As conformações societárias e culturais se formam através dos compromissos

que os indivíduos em relação tecem e moldam entre si, estabelecendo modos de vida,

sentidos, projetos.

A indeterminação social é o elemento chave para se pensar uma organização

social e cultural em processo. A compreensão, para a análise simmeliana e weberiana é

o modelo de apreensão do real. Real sempre visto como construção, e como

aproximação do objeto estudado.

Objetividade

O Outro como universal responde aos princípios de racionalidade societária

sobre os indivíduos. A sociedade e a cultura moldam os Indivíduos Sociais a partir de

uma racionalidade específica, sui-generis, como resposta às necessidades humanas.

Existem formas diferentes de estruturação do social a partir das respostas sociais

e sua adaptação ao meio, tais como: o Funcionalismo, o Estruturalismo, o Funcional-

Estruturalismo, o Marxismo, entre outras, mas todas trazem em si os significados

precisos de sua formação (especificidade) e do conjunto das sociedades em processo

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evolutivo e em determinadas etapas desta evolução. Nelas a determinação social é a

chave analítica, e a explicação o seu modelo de análise do real, real como verdade.

Indeterminação

A verdade científica é sempre relativa, produto de questões relevantes como

aproximação do real constituído e estudado. Nos Estados Unidos esta forma de

apreensão do real esta presente nas primeiras conformações científicas, entre os anos de

1880 a 1930, seja na Antropologia Cultural americana; seja nas análises da Escola de

Chicago (Interacionismo/Interacionismo Simbólico), seja, ainda, na

Alemanha/Inglaterra na síntese eliasiana dos anos de 1930, da sociedade como redes

instáveis e em constante conformação e reconfiguração (Elias, 1990, 1993 e 1994)2.

Determinação

A verdade científica encontra-se possível de ser estabelecida através das

instâncias da organização societária: costumes, rituais, valores, formas de classificação,

etc.

A Síntese Parsoniana comandou a análise das ciências sociais americanas na

Antropologia e na Sociologia, e mundial, dos anos de 1940 a 1970. Em sua busca de um

modelo integral para se pensar o social e a relação entre indivíduo e sociedade, a síntese

parsoniana buscou unir diversas disciplinas científicas, sob o comando da sociologia.

Essa união ou integração permitiria uma análise interdisciplinar, e integrada

entre a sociologia (a organização e a estrutura do social), a antropologia (processos

culturais), a psicologia (estrutura mental e psíquica dos indivíduos em sociedade), a

economia (as formas de consumo e disciplinamento das necessidades humanas), e a

política (as formas de organização política e do estabelecimento das relações entre

Estado e sociedade).

Esta integração permitiria a superação da dicotomia indivíduo e sociedade. A

síntese teórica parsoniana unia as análises de Durkheim, Weber e Pareto, fundando uma

forma de explicação denominada de estrutural-funcionalismo.

0s anos de 1970 nos estados unidos

Clifford Geertz, de formação parsoniana, parte da definição de cultura como

ethos e como expressão de modos de vida e das formas de organização do social. Sua

2Lembrar que Norbert Elias foi um autor esquecido do grande público e da academia mundial. O autor(Norbert Elias) e a sua obra começaram a sair desse anonimato involuntário e foram, por assim dizer,‘redescobertos’ a partir do final dos anos de 1970.

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convivência e aceitação da teoria parsoniana para a antropologia foi muito longa,

perdurando dos anos de 1950 até idos dos anos de 1970 (Geertz, 2012).

Em 1970, rompe com Parsons, e critica a teoria parsoniana. Faz opção pela linha

interpretativa. Cultura como bem simbólico e possível de compreensão pelos

significados expressos nos rituais e tramas erigidos pelas sociedades e culturas (valor

signo) (Kuper, 1978, 2002).

Critica a objetividade parsoniana e a razão social inerente à teoria parsoniana

de papéis sociais. Promove uma releitura de Weber e adota a análise compreensiva pela

interpretação. E se torna um dos gurus do movimento de ruptura epistemológica em

ação na academia americana dos anos de 1970 (Ortner, 2011).

Os Anos de 1970 a 1990

São anos de crítica severa ao objetivismo da análise funcional e estruturalista

predominante nas ciências sociais. Processo em que se denuncia o colonialismo das

ciências sociais, e, especificamente, o colonialismo antropológico (Ortner, 2011).

Junto a critica ao objetivismo e colonialismo das ciências sociais, se desenvolve

também a crítica à sociedade capitalista e ao capitalismo. E a crítica ao sistema

individualista gerado pelo capitalismo. E no interior desse ceticismo a denúncia ao

sistema de exclusão e inclusão social da sociedade capitalista.

Nesses anos, a idéia do Outro como manipulado pelas ciências sociais e,

sobretudo, pela antropologia, feita pelos antropólogos e demais cientistas sociais, é

radicalizada. O Outro é descoberto próximo do próprio analista, isto é, o Outro está ao

seu lado. Esse processo faz com que o olhar do pesquisador se volte para a própria

sociedade.

Essa descoberta faz aflorar um apoio aos Outros invisíveis na sociedade em que

se vive, bem como, um esforço de participação e apoio às diversas manifestações

sociais pela cidadania e direitos: como os movimentos étnicos; feministas,

homossexuais, ao movimento anticolonialista (dentro e fora da sociedade americana –

denúncia à exclusão social dos imigrantes e das bases de sujeição social das culturas não

capitalistas (Olesen, 2006; Ortner, 2011, Koury & Barbosa, 2016).

Vários caminhos teórico-metodológicos e críticos foram revistos e criticados ou

aceitos. Entre os novos caminhos revistos ou descobertos se encontravam, a análise

crítica do marxismo e uma busca pela recuperação da idéia de prática e de práxis

(Ortner, 2011), a Teoria da deconstrução de Derrida e Deleuze, (Clifford e Marcus,

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1984), a Teoria dos micropoderes, e uma leitura aprofundada de Foucault (Ortner, 2011;

Olesen, 2006), a redescoberta dos Interacionistas, principalmente George Mead, e das

análises de Georg Simmel e Gabriel Tarde. Abordagens que foram aplicadas,

principalmente, nos: estudos de gênero (movimento feminista; movimento

homossexual); nos estudos de etnicidade; e nos estudos anticoloniais. Mas, também, nos

estudos sobre emoções e sociabilidade.

Neste período de grande revolução epistemológica das ciências sociais e da

antropologia, houve uma ampliação do sentido da experiência e do sentido e valor

individual e coletivo da experiência como fundamento analítico, através da relação entre

pesquisador e pesquisado; da Pesquisa como troca de informação entre analista e

analisado; da análise da fragmentação do social e do cultural na modernidade das

sociedades ocidentais (Fabian, 2013); e nas discussões sobre os sentidos e significados

da análise antropológica na pós-modernidade.

A análise deconstrutivista

Cabe aqui um destaque para o movimento antiacadêmico na academia americana

conhecido pela nominação writing culture (Clifford & Marcus, 1984). Nesse

movimento se realiza uma crítica aguda à possibilidade de interpretação e da

possibilidade de entendimento dos sentidos do Outro cultural.

A discussão sobre a impossibilidade de apreensão e compreensão reflexiva da

alteridade radical foi bastante importante para o movimento Writing Culture, nos anos

1980, nos EUA. Este movimento, que contou com autores e intelectuais como Vicent

Capranzano, George Marcus, James Clifford, Renato Rosaldo, Michel Fisher, Paul

Rabinow e outros, entendia a antropologia como exercício autoral sobre o outro e sobre

as experiências de campo, de modo que seus experimentos conduziram o modo

processualista de fazer etnográfico ao extremo da criatividade e da literaridade. Neste

sentido, ver a discussão de Fabian (1983) sobre a crise epistemológica e hermenêutica

que marca o segundo deslocamento da Antropologia nos EUA.

Nele também se radicaliza de forma extremada a idéia de conhecimento do

Outro. O Outro é sentido e diagnosticado como impossível de ser identificado e

compreendido. O Outro é criticado, em sua visão capitalista, e na visão imperialista das

ciências sociais como um ser a-social.

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O writing culture, em seus ensaios de ruptura com a tradição antropológica e das

ciências sociais de então diagnostica o fim da antropologia enquanto ciência, e enquanto

ciência imperialista. Para este movimento o autor deverá passar a ser um ficcionista.

A análise antropológica nada mais é, assim, do que uma obra de ficção, onde

cada autor é único e fala sobre si mesmo e suas experiências.

Os diversos caminhos para o Outro nos movimentos da crise dos anos de 1970:

O Outro como experiência radical torna-se impossível de ser compreendido. Cada

indivíduo, nesta forma de compreensão, é uma mônada, em última instância. Cada

cultura, portanto, elabora um sentido compartilhado de homem, possível de ser

compreendido apenas pelos seus participantes; mesmo assim, via coações (onde o

desvio mostra a impossibilidade de atingir o Outro em sua plenitude).

Apenas se pode inferir sobre o Outro quando se experimenta um processo

semelhante ou a ele se assemelha. Por exemplo, a teoria e o método dos estudos

feministas radicais, afirmam que os estudos sobre o sexo feminino só pode ser feito por

mulheres, por quem vive/viveu a opressão e as condições de vida de uma mulher em

uma sociedade dada (Groux, 2010; Fine, 2006). Por fim, o Outro visto como diferença a

partir da interrelação entre cultura objetiva e cultura subjetiva (Simmel), formando

campos e redes de significados e construindo sociabilidades sempre tênues e tensas.

Campo teórico-metodológico assumido, entre outros, pela antropologia e pela

sociologia das emoções, e pela vertente interacionista da antropologia urbana.

A análise micropolítica e a análise interacional

Estas análises foram, principalmente, adotadas em uma das vertentes do

movimento que gerou a antropologia e a sociologia das emoções (Lutz & White, 1986;

Abu-Lughod & Lutz, 1990; Rezende & Coelho, 2010). Bem como por uma das

vertentes que se dedicou ao estudo das sociedades complexas e a antropologia urbana

(Ortner, 2011; Velho, 1981).

Revisão dos Clássicos

Após esse preâmbulo, onde se buscou situar o clima dos anos de 1970 e

seguintes nas Ciências Sociais e, sobretudo, na Antropologia dos Estados Unidos

passaremos a uma discussão sobre o momento seguinte da crise, o momento de retorno

as bases da tradição e uma releitura da tradição das ciências sociais – antropologia e

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sociologia, especificamente, - como busca de consolidação de novas áreas temáticas e

novos campos de saber situados.

Neste ensaio, a partir de agora, me situarei nos espaços da antropologia e da

sociologia das emoções. Retomarei os clássicos das ciências sociais, repassados pela

antropologia e sociologia das emoções, tentando discutir neles os impasses da relação

entre emoções, indivíduo e sociedade e estabelecer uma ponte para a categorização do

campo das ciências sociais das emoções e das emoções como categoria central de

análise. Por fim, se tentará verificar a expansão da antropologia e a sociologia das

emoções e a sua busca de consolidação

Neste item farei um balanço de alguns autores clássicos às ciências sociais. Entre

Outros serão referenciados autores como Malinowski (1927, 1924), Durkheim (1996,

1996a, 1970, 1967), Marcel Mauss (1980, 1974, 1974a, 1974b, 1974c), Marx (1982,

1986, 2004), Halbwachs (2009), Simmel (1959, 1959a) e Weber (2001, 1981, 1974,

1972), para verificar como eles lidaram com as emoções e os processos emotivos em

sua obra. Tem-se como questão a de que, apesar de uma visão objetivista e racionalista

que assumia as disciplinas antropologia e sociologia como ciências, mesmo que de um

modo de tangencial, estes autores nunca deixaram de conceder importância à esfera

emocional.

Este ponto, ou descoberta posterior a crise epistemológica dos anos de 1970, foi

o caminho encontrado para a costura das rupturas à tradição feita pelas novas gerações

que se rebelaram com as bases em que estavam assentadas as ciências sociais e,

principalmente, no interior das disciplinas cientificas antropologia e sociologia. Foi uma

forma de re-adentrar na tradição das ciências sociais e consolidar os novos caminhos

teóricos e metodológicos abertos na tradição das ciências sociais, aqui, particularmente,

da antropologia e da sociologia das emoções.

Para os clássicos, a categoria emoções sempre foi vista como uma espécie de

fundamento implícito da instituição societária e esteve sempre presente como pano de

fundo para a discussão sobre as relações entre os indivíduos, suas paixões e

sentimentos, e a sociedade. As emoções foram sentidas como o palco por onde se

expressariam os processos relacionais de uma sociabilidade específica, e de onde se

referenciavam os anseios, os projetos, as configurações, o arremedo simbólico, a rede de

intercâmbios, as formas de controle e as mudanças sociais.

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Durkheim, por exemplo, desde as Regras do Método Sociológico já informa que

um indivíduo em ação, seguindo regras, manejará de modo específico essas regras no

cumprimento de sua ação: nesse momento assegura a especificidade da conduta

individual na ação fundamentada nas regras sociais.

A perspectiva geral dos clássicos corresponde a um ambiente social influenciado

pelos efeitos das transformações ocorridas na modernidade ocidental do final do século

XIX, e das primeiras décadas do século XX, com a emergência do individualismo e do

indivíduo moderno, a consolidação e expansão do capitalismo e a chamada revolução

científica.

Satisfaz a uma concepção que considera a racionalidade e a emocionalidade não

apenas diferentes, mas, como formas opostas de se relacionar com o mundo na ordem

individual, e na esfera global e histórica. O encontrar as condições de produção da

identidade moderna em formação, foi o ponto de partida comum que norteou as

reflexões dos clássicos, apesar de diferenças de enfoques e perspectivas teóricas e

metodológicas.

Malinowski (1924, 1927) apesar do interesse pela noção de Complexo de Édipo

em Freud, e adotando a ideia de ambivalência emocional freudiana, descartou a imagem

de um universalismo psicológico e instaurou em seu lugar a ideia de um universalismo

da cultura, com respostas diferenciadas as necessidades locais. Transformou, assim, a

noção de cultura no conceito chave da análise antropológica.

A cultura funda os indivíduos, que são inconscientes de suas regras, embora que

ajam e se coloquem em interação de acordo com elas. Cabe ao analista descobrir os

fundamentos culturais que regem as práticas dos indivíduos dela participantes, e revelá-

los como verdade científica, torná-las conscientes em seu todo.

Durkheim (1970), por seu lado, partiu do pressuposto da fundação de uma

ciência sociológica, e estava interessado em diferenciar os campos científicos da

fisiologia, da psicologia e da sociologia, e criar e objetivar um campo analítico próprio

para esta última. O seu empenho para a construção de um modelo analítico para o social

partiu da consideração de que a identidade moderna constituiu-se pelo esgarçar-se dos

laços sociais. Laços que garantiam uma coletividade através da coerção dos indivíduos

ao social.

Na elaboração deste modelo, tomou por base a separação entre a natureza e a

sociedade, através de uma diferenciação dos estados fisiológicos e psicológicos do

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estado societal. Os dois primeiros estados ocupariam o campo disciplinar das ciências

fisiologia e psicologia e teria o indivíduo biológico e psíquico como objeto de análise,

na sua realidade interna de estímulos mentais ou fisiológicos. O último estado, por sua

vez, se ocuparia dos aspectos exteriores aos indivíduos e formadores dos indivíduos

sociais, e seria o objeto da sociologia.

A ciência sociológica se ocuparia, portanto, por esta realidade sui-generis, a

sociedade. O seu trabalho sobre As Representações Individuais e Representações

Coletivas (Durkheim, 1970), neste sentido, é clássico. Tanto quanto as discussões

preliminares constantes de As Regras do Método Sociológico (Durkheim, 1996a). Texto

em que institui os fatos sociais como exteriores e fundadores de sociabilidades, e de

onde discute o elemento sui-generis da sociabilidade e da criação pelo social dos

indivíduos.

Durkheim coloca as emoções como um produto da sociedade, submetida, mas

negociada por processos mentais e fisiológicos no processo de vivência de cada sujeito

particular socialmente formado. A sociabilidade neste autor não é produto da

experiência individual, porém, da experiência social. O agir e o refletir social se

realizam através da coerção que a sociedade suscita em seus membros, possibilitando

um sentido de força e unidade acumulativa que torna os sentidos possíveis.

Os procedimentos de classificação individual são sugeridos pelas classificações

sociais, as quais podem tomar formas muito variadas de uma sociedade para outra, mas

que caracterizam toda sociedade.

A tipologia solidariedade mecânica e solidariedade orgânica elaborada no livro

A Divisão do Trabalho Social (Durkheim, 1967) procura, por sua vez, refletir o impasse

vivido pela sua época, com a quebra dos laços comunitários e a emergência do

individualismo. A solidariedade orgânica implica, entre Outros significados, a perda da

importância dos laços comunitários na passagem de uma sociabilidade simples para a

complexa. O que provoca uma quebra da homogeneidade da população, e afeta o

mundo emocional do dos indivíduos nela relacionados

O agir e o refletir social se realizam através da coerção que a sociedade suscita

em seus membros, possibilitando um sentido de força e unidade acumulativa que torna

os sentidos possíveis. Os procedimentos de classificação individual são sugeridos pelas

classificações sociais, os quais podem tomar formas muito variadas de uma sociedade

para outra, mas que caracterizam toda sociedade.

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A tipologia solidariedade mecânica e solidariedade orgânica elaborada no livro

A Divisão do Trabalho Social (Durkheim, 1967) procura, por sua vez, refletir o impasse

vivido pela sua época, com a quebra dos laços comunitários e a emergência do

individualismo. A solidariedade orgânica implica, entre Outros significados, a perda da

importância dos laços comunitários na passagem de uma sociabilidade simples para a

complexa. O que provoca uma quebra da homogeneidade da população, e afeta o

mundo emocional do dos indivíduos nela relacionados

Marx trabalha com preocupações semelhantes sobre os processos identitários

que estavam a se constituir na sociedade moderna ocidental. Para ele, a unidade de

análise do social estaria centrada nas classes sociais. Seria através das ações de classe

que poderia haver uma ação compreensiva dos indivíduos e suas emoções, nela imersos.

Como uma parte no interior de um todo mais geral, as classes sociais possibilitariam a

explicação das emoções individuais através das relações de produção de um modo de

produção especifico, e suas formas de apropriação e dominação.

Na análise marxista, as classes sociais fundam e caracterizam o indivíduo e suas

emoções (1982, 1986). A emergência dos indivíduos e da individualidade psicológica

em Marx teria sua explicação através dos estágios da técnica em uma sociabilidade

específica, ou seja, através das relações de produção, do trabalho enquanto categoria

abstrata e genérica, e enquanto trabalho produtivo e criador (Marx, 1982, 1986, 2004).

Marx e Durkheim, tanto quanto Malinowski, embora partindo de pressupostos

analíticos diferenciados, possuem uma visão de exterioridade na fundação do indivíduo

social. Os indivíduos criam a partir de um pressuposto criador anterior. Quer dizer, o

indivíduo social só pode ser pensado enquanto coletivo, ou seja, a partir de uma

totalidade.

Não existe o Eu, o indivíduo, e sim, o Nós, a coletividade. O Eu individual se

define, apenas, através do Nós, do social.

Em Marx (1982) o indivíduo coletivo expresso no conceito de classe social é o

fundamento da ação social. Em Durkheim (1996a), discutindo a questão da moral como

fundamento da organização social, os homens são construídos por uma formação sui-

generis, a eles exterior. Em Durkheim, a moral social ou a sociedade são vistas como

instâncias fundadoras das relações.

Os fatos sociais sendo exteriores aos indivíduos, e, estes últimos, formados pelos

processos sociais de uma sociabilidade determinada. Em Marx (1982, 1986), os

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indivíduos, também, são formados por instâncias da troca societal, através das relações

de produção. São as bases econômicas, em última instância, que conformariam o estado

evolutivo de uma sociabilidade e o perfil dos indivíduos nela inserido.

O ponto de vista teórico da análise durkheimiana, exposto no livro As Formas

Elementares da Vida Religiosa (Durkheim, 1996), é sentido como um avanço ao modelo

teórico anterior. Nele, a categoria emoções aparece como um elemento fundamental do

constructo social: produzida socialmente e encarnada nas ações sociais gerais e

particulares.

As emoções são pensadas, enquanto categoria analítica, a partir de As Formas,

como um subproduto do social e de uma sociabilidade determinada. O que permite a

antropologia e a sociologia das emoções tomarem a análise de As Formas como uma

referência inicial analítica, para a realização de uma crítica aproximativa da obra

Durkheimiana, tendo a categoria emoções como pressuposto básico.

Em As Formas, Durkheim indica um novo movimento na sua construção teórica:

a descoberta do simbólico. O que o afasta do positivismo intrínseco das suas obras

anteriores e com possibilidades de um profícuo trabalho de constituição do social,

através da ação social dos homens que vivem uma sociabilidade específica.

Mesmo considerando na obra durkheimiana o aspecto central da descoberta do

simbólico, em uma análise mais acurada, Durkheim parece construir o seu objeto, a

sociedade, através da produção social de si própria e no interior de um universalismo

generalizante.

Encontra nos sentimentos religiosos uma força moral que oferece refúgio e

garantia aos sentimentos comunitários presentes em um social dado, reforçando a

constituição do social sobre os indivíduos. O que o parece impedir de seguir adiante

com as reflexões sobre o processo de constituição social do simbólico.

Alguns autores, como Louis Dumont (1978a) e Claude Lévi-Strauss (1974)

imputam o caminho para o simbólico assumido ainda com timidez em Durkheim de As

Formas como proveniente das discussões com o seu sobrinho Marcel Mauss. E ambos

indicam Marcel Mauss como o divisor de águas na pesquisa em ciências sociais

francesa.

Para Lévi-Strauss (1974) e Dumont (1978a) existiria uma ciência social na

França antes e depois de Mauss. Estes pesquisadores imputam a Marcel Mauss a

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constituição das modernas sociologia e antropologia francesa e enfatizam a importância

da noção de fato social total maussiana na análise social e cultural.

Esta ênfase se encontraria na articulação dos aspectos fisiológicos, psicológicos

e sociais no processo constitutivo e na ação do simbólico, da cultura e da sociedade. As

discussões categoriais sobre os objetos de investigação do social a partir da descoberta

do simbólico encontrariam amparo na definição e nos usos socialmente estabelecidos de

uma cultura, em um espaço e em um tempo específicos.

Lévi-Strauss aponta a noção de fato social total como uma das maiores

contribuições de Mauss às ciências sociais. Neste conceito se insere a inquietação de

analisar o humano de forma integral (fisio-psico-social) com a preocupação de

encontrar o lugar atribuído ao social, na ação e experiência individual.

A análise da experiência individual concreta apreenderia, enquanto campo de

possibilidades, o fato social total, já que este se realiza e necessita para se concretizar da

ação dos indivíduos através do tríplice ponto de vista: o do homem total. A análise do

homem total em Mauss caminha para uma aproximação entre a etnologia e a

psicanálise.

Em seu artigo As técnicas corporais (Mauss, 1974a), uma das questões

prementes na análise das ciências sociais se encontra no estudo da maneira como a

sociedade assegura ao indivíduo uma forma específica do uso do seu corpo. A procura

de projeção social sobre o individual se dá por intermédio da educação das atividades

corporais. É através delas que a sociedade imprime a sua marca.

O conceito de emoções varia segundo as expressões socialmente aceitas em um

tempo e em um lugar de uma sociabilidade dada. Faz parte de um conteúdo cultural

determinado e presente nos indivíduos sociais que compartilham uma mesma rede de

relações.

As suas fronteiras sendo distintas para cada cultura: os limites de resistência, a

dor intolerável, o prazer inaudito, o esforço irrealizável, as fantasias possíveis e

impossíveis, a ação desejável e a indesejável, são sempre modelos e disciplinas

corporais.

Disciplinas e modelos que moldam os indivíduos através das sanções de

aprovação e reprovação social. Mauss é enfático ao afirmar em As técnicas corporais

que, o ato impõe-se de fora, do alto, ainda que seja um ato exclusivamente biológico e

concernente ao corpo.

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REIA- Revista de Estudos e Investigações Antropológicas, ano 3, volume 3(2):129-161, 2016

É a noção de prestígio da pessoa o que torna o ato ordenado, autorizado,

aprovado, em relação ao indivíduo imitador, (nela) se encontra todo o elemento social.

No ato imitador que segue, encontram-se todo o elemento psicológico e o elemento

biológico. Mas o todo, o conjunto, é condicionado pelos três elementos

indissoluvelmente misturados.

Mauss estabelece um novo marco na pesquisa em ciências sociais ao aprofundar

a categoria do simbólico enquanto elemento de configuração do social. O que permite

ao pesquisador sair de conteúdos generalizantes de afirmação do social como

estruturador de si mesmo, e dentro de um mesmo padrão universal, para inserir o seu

olhar nos processos de constituição do social como resultado de sociabilidades que

erigem para si conteúdos explicativos, e que conformam uma razão e uma verdade

socialmente expressas.

As emoções, assim, fariam parte do emaranhado de configurações produzidas e

vividas por uma sociabilidade específica. A emergência do Outro se torna possível,

enquanto diferencial societário, e permite ao pesquisador diferenciá-lo, enquanto

entidade autônoma do Eu, e, ao mesmo tempo compará-lo a outras sociabilidades.

Outras sociabilidades estas organizadas simbólica e estruturalmente, e como um

tipo de revelação delas próprias, enquanto entidades de significação singulares e como

formas de expressão social de uma mesma categoria analítica. Marcel Mauss aprofunda

este caminho ao admitir para o social, além de uma consciência coletiva, uma instância

ainda enigmática chamada de inconsciente coletivo. Conceito mais tarde aprofundado

por Lévi-Strauss.

Em trabalhos como: A Expressão Obrigatória dos Sentimentos (1980), Efeito

Físico no Indivíduo da Idéia de Morte Sugerida pela Coletividade (1974) e As Técnicas

Corporais (1974a), Mauss dá primazia, de um lado, à sociedade: na configuração das

práticas sociais que conformam o indivíduo social, ao mesmo tempo em que supõe o

indivíduo social como uma realidade autônoma.

A roupagem social conflita na experiência individual, dando uma marca

específica a cada indivíduo. Essas marcas se manifestam, nas interrelações possíveis da

experiência social e individual, como tradição e como manutenção de uma prática

coletiva e societária. E, ao mesmo tempo, como composição nova e como movimento

das relações do indivíduo e da sociedade, e do indivíduo com a sociedade.

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Os indivíduos em relação entre si e com o social mais amplo mantêm sempre a

tradição, erigidos e conformados ao status de indivíduo social em seus diversos papéis.

Impregnados ao mesmo tempo pelo social, e o realimentando nas trocas possíveis e

constituintes de si próprios, enquanto indivíduos sociais, e dos Outros em relação, isto é,

vivenciando o mesmo inconsciente coletivo que os levam a compreender as práticas uns

dos Outros, os indivíduos agem não necessariamente conscientes desse uso e sentido.

Mas agem, sempre, como uma espécie de composição nova do mesmo sujeito.

As marcas da configuração de um indivíduo social específico refazem sempre um novo

indivíduo no indivíduo geral social, o que baliza o movimento societário e a constante

renovação da tradição social, através das práticas relacionais entre indivíduos que

compõem esse social.

O que supõe as categorias de tempo e de lugar, como o tempo e o lugar de

interrelações societárias entre indivíduos de uma mesma vivência, mas, ao mesmo

tempo, no interior de uma experiência social única.

A tradição sendo atemporal e universal para um povo, o tempo e o espaço

passam a ser distinguidos pelo tempo e pelo espaço das interrelações de uma

contemporaneidade sempre específica, mas, sempre, no interior de uma generalidade e

universalidade que a constituí e a explica.

Os modos de pensar em comum, tanto quanto modos de agir em comum são

montagens do social sobre os indivíduos, que nelas se colocam como entidades

interrelacionais. A categoria das emoções pode ser pensada assim como uma

representação coletiva que se impõe à consciência individual.

Os indivíduos sociais apreendem os significados culturais das emoções antes

mesmo de vivenciarem toda e qualquer emoção, de forma implícita e inconsciente em

um tempo e em um espaço específicos. Ao experimentar qualquer forma e conteúdo

emocional, o indivíduo social impregna o conceito com um significado novo sobre o

significado coletivo já expresso, o que permite ao mesmo atualizar o significado contido

no conceito cultural inconsciente das emoções em geral, sem deixar, contudo, de

imprimi-lo e dar a ele continuidade e presença.

Processos fundamentais para a comunicação e para a interioridade necessária à

experiência individual. O indivíduo social e a coletividade, nesse sentido, se

complementam: seja como impregnação de um olhar social comum e, ao mesmo tempo,

como sua renovação e continuidade; seja enquanto permanência revista e sempre

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atualizada para a categoria do conhecimento, significada na experiência individualizada

e sempre única, sem deixar de ser a mesma.

Os movimentos e os momentos de expressão organizativa, constitutiva, e ao

mesmo tempo experiencial das emoções, passam a representar e a indicar fronteiras.

Fronteiras tensas e densas da individuação, enquanto significado socialmente impresso,

revivificado e reatualizado na contiguidade individualizada e interiorizada do

sentimento. Limites possíveis de compreensão aos que vivenciam a cultura em uma

expressão temporal e localmente construída, enquanto bens comuns simbólicos.

Os indivíduos e a coletividade envolvidos e submetidos à catarse das emoções

expõem a si mesmos: 1. A um conjunto de práticas reintegrativas e reorganizativas pelos

rituais integradores, purificadores e de expurgação das ações que causaram o sofrimento

ou o excesso de prazer; 2. E são expostos aos limites de um embate.

A um limite agonístico, é verdade, encoberto nas experiências repetitivas do

cotidiano, onde a pessoa se coloca acima e além da coletividade, vendo nela e através

dela a configuração do seu próprio viver.

Indivíduo e coletividade, deste modo, enfrentam lugares comuns de expressão de

emoções, no sentido tanto de uma reintegração quanto de uma desintegração potencial.

E, através da valoração do sofrimento ou do prazer, coletivamente estruturados, em seu

aspecto de dom, e de troca simbólica, como afirma em seu Ensaio sobre a Dádiva

(Mauss, 1974b).

A subjetividade no modo como são expressas as ações e as funções do dom

correspondem a um pano de fundo comum que orientam as ações dos sujeitos, criando

uma espécie de cultura emotiva. No interior desta cultura emotiva, ou através dela, os

atores apreendem significados precisos sobre as noções de uma dada sociabilidade

vivenciada e podem senti-las ou expressá-las independentemente de tê-las ou não vivido

pessoalmente. Assim, por exemplo, uma pessoa pode sentir a dor ou o prazer de outra

sem ter vivenciado pessoalmente essa dor e prazer, mas pelo conhecimento implícito na

comunicabilidade expressa pela cultura emotiva comum da sociedade ou grupo a que

pertencem.

O mesmo caminho interpretativo de Marcel Mauss seguiu Maurice Halbwachs,

Outro aluno e seguidor da teoria durkheimiana. No texto intitulado A expressão das

emoções e a sociedade (2009), busca a compreensão genética da relação entre as

emoções e a sociedade. E reafirma a obrigação social do sentir, e a influência dos

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grupos sociais na expressão individual dos sentimentos. Para ele, o processo de

transmissão das emoções na sociedade acontece como um ato intergeracional, onde a

memória coletiva socialmente expressa é repassada pelo aprendizado formal e informal

de gerações.

Repassada de forma consciente e inconsciente, em uma temporalidade e em um

espaço simbólico que afeta a constituição e os destinos dos indivíduos sociais, e da

própria coletividade. A análise de Halbwachs insiste, por fim, na questão da formalidade

e da eficácia das práticas rituais para a compreensão da expressão das emoções, e indica

caminhos para a superação das oposições clássicas entre expressão e representação, e

entre ritos e emoções.

Junto com Marcel Mauss, Maurice Halbwachs é um digno sucessor da obra

durkheimiana. E, ousando ir um pouco além, também um leitor atinado e sutil do

filósofo social, como gostava de ser chamado, Georg Simmel. Um Simmel, como nós

veremos a seguir, sempre atento à problemática da subjetividade nas relações sociais.

Georg Simmel e um pouco depois Max Weber, foram influenciados por este

mesmo ambiente social do final do séc. XIX e início do XX. De forma dessemelhante,

porém, e seguindo caminhos metodológicos diferenciados ambos colocaram as emoções

como lugar central no quadro teórico e metodológico por eles elaborado.

Simmel foi o pioneiro de um modelo de análise do social conhecido como

formal. O conceito de forma pode ser considerado como o seu instrumento

metodológico fundamental.

A distinção entre forma e conteúdo é uma qualidade da obra simmeliana. No

texto O problema da Sociologia (Simmel, 1959), afirma que as formas podem ser

isoladas dos conteúdos da vida social, funcionando como uma espécie de gramática, que

isola as formas puras da linguagem de seus conteúdos, através dos quais essas formas

ganham vida.

O conteúdo se refere, por sua vez, a tudo o que se apresenta nos indivíduos –

impulsos, inclinações, interesses, propósitos, estados físicos, movimento, - tudo o que se

apresenta neles de modo a engendrar ou mediar efeitos sobre os Outros, ou receber tais

efeitos. O conteúdo tem base psicológica e biológica, não sociais em si, e a sociação

encontraria suas origens nos estados mentais e disposições corpóreas individuais no

encontro com o Outro, na intersubjetividade.

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A sociologia trataria, assim, das formas de sociação, isto é, a análise sociológica

residiria na abstração dos fatores de sociação.

A noção simmeliana de sociação parte do princípio de que a da sociedade

sobrevém essencialmente de indivíduos unidos através dos processos de interação. Em

trabalhos como O problema da sociologia (Simmel, 1959) e Como a sociedade torna-se

possível? (Simmel, 1959a), Simmel afirma que é através da abstração das formas de

sociação, que pode se desenvolver uma ciência social que parta do indivíduo como fonte

principal da ação social. O que gera uma teoria da ação que, embora fundamentada em

pressupostos psicológicos, propõe que o social é um atributo insurgente das atividades

dos indivíduos.

No texto Como a sociedade torna-se possível? (Simmel, 1959a) enfatiza o

processo social e a sociedade como uma consequência da interação entre os indivíduos,

a sociedade consiste dos atos de sociação. Os alicerces societários, deste modo, só

podem ser definidos nas e pelas existências individuais e disposições cognitivas dos

sujeitos de ação.

Os estados mentais e disposições corporais que impulsionam um indivíduo em

relação ao Outro, pelo Outro e contra o Outro abalizam a sociação e orientam os

princípios estruturantes, isto é, as formas, que dão o tom e o caráter especial aos rumos

e influências recíprocas nela e por ela conjeturadas.

Para Simmel, qualquer processo ou fenômeno social é composto por dois

elementos inseparáveis: 1º. Um interesse, um propósito, um motivo, e, 2º. Um modo de

interação ou uma forma em cujo contorno um conteúdo obtém realidade social.

Os conteúdos da sociação são realizados através das formas. As formas não

possuem existência destacada dos conteúdos.

As formas de sociação têm um caráter dual: ao mesmo tempo superior aos

indivíduos em interação, e sujeito a eles. Na análise simmeliana, assim, forma e vida são

noções opostas. A vida sempre supera a forma e nunca é completamente apreendida por

esta.

Para Simmel, as constelações de formas de sociação podem se cristalizar em

formações ou estruturas institucionalizadas (Estado, Igreja, sindicatos, organizações,

classes, castas, casamentos, e outras). Tais formações em sua institucionalização

parecem ganhar vida própria.

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As formas de sociação, porém, alimentam de modo contínuo estas formações

sociais, e assim qualquer estrutura objetiva tem sempre um caráter provisório e está

presa aos indivíduos em interação, isto é, nos significados dados às orientações e

influências recíprocas no processo interativo.

No conjunto de sua obra Simmel reconhece a importância dos processos e

estruturas sociais duradouras, e explora as consequências pessoais e sociais presentes no

ingresso das trocas monetárias na cultura e na organização social ocidental.

Em sua análise, oferece um mapa dos processos de racionalização que antecipa

vários dos temas centrais da discussão weberiana. Na análise simmeliana a ação social

tem origem nos indivíduos que, por sua vez, só podem realizar seus próprios interesses e

motivações submetendo-se às formas sociais. Formas que são sujeitas a modificações

pelos motivos e interesses dos indivíduos em interação.

Simmel fala, assim, da tensão e do conflito entre as demandas das estruturas

presentes na forma dual em que as formas sociais se apresentam: de um lado, estruturas

superiores ao fluxo da ação de um indivíduo ou grupo de indivíduos e que sobre eles

exercem pressão e, por outro lado, produtos e sujeitas a modificações através dos

processos interativos entre indivíduos ou grupos.

Em Weber e em Simmel a oposição conflitual e sempre tensa entre a

racionalidade e a subjetividade é o aspecto principal de seus enfoques. As sociedades

parecem viver processos de grande liberdade e desenvolvimento individual

concomitante a um sentimento de perda da importância do sentido afetivo, na

contemporaneidade por eles estudada, em torno do qual se articulava a ordem

convencional característica das sociedades tradicionais.

Em Weber, este processo ambivalente será denominado de desencantamento do

mundo, e de onde elaborará um conceito importante para o entendimento da sociedade

capitalista e o modo de vida nela produzido que é o de burocracia. A Objetividade do

Conhecimento nas Ciências e nas Políticas Sociais (Weber, 1974) é um dos textos mais

importantes de Weber, e onde são bem percebidas as influências de Simmel em sua

construção teórico-metodológica.

Neste artigo se encontra a sua teoria da ação social. Para Weber, as ações sociais

implicam um aspecto subjetivo de valor dos indivíduos em relação, possibilitando na

troca a criação social.

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A teoria da ação weberiana, baseada na análise de Simmel da intersubjetividade,

é uma das formas reflexivas importantes para a análise da antropologia e sociologia das

emoções. O indivíduo relacional é a unidade de análise desta construção teórica e a base

para se entender Weber metodologicamente.

Em Weber, como em Simmel, a unidade de análise é a ação dos indivíduos em

interação. Ambos constroem suas teorias nas relações entre indivíduos considerados

como únicos em cada processo relacional.

As relações por eles produzidas são as que fundam um social, com um caráter de

singularidade e unicidade. São as relações subjetivas entre sujeitos sociais, movidas por

valores, sentimentos e interesses que direcionam o olhar destes dois autores para o

entendimento das configurações de um social e seus processos de institucionalização,

sempre tensos e conflituais.

Simmel e Weber abordam o caráter social dos sentimentos, através da ênfase de

que as formações sociais surgem das interações entre os indivíduos. Os conteúdos

afetivos criam, configuram e sustentam as formas de sociabilidade emergentes das

interações individuais, através da troca entre as partes em relação. O que permite uma

espécie de jogo que ordena, provoca e, ao mesmo tempo, redireciona a unificação

proposta por um social, nas tensões entre a ambivalência dos estados afetivos internos e

a estabilidade das formas institucionalizadas em que se move uma relação.

A reciprocidade, deste modo, base da sociabilidade humana é sempre tensa e

cheia de conflitos. A tensão nos processos relacionais permite, portanto, as expressões

de emoções entre os sujeitos em interação, sempre no interior de bases conflitantes.

Os processos relacionais são vistos como ambivalentes nos seus propósitos, quer

no sentido da generosidade e positividade da troca, quer como um recurso de negação e

poder inerentes ao processo de reciprocidade. Estes processos foram estudados por

Simmel, nos textos Fidelidade (2003) e Gratidão (2010), e por Weber, no A ética

protestante e o espírito do capitalismo (2001).

Em Simmel, como em Weber, a relação homem versus homem é o fundamento

da sociabilidade. As ações de troca, presentes em um processo relacional, são criadoras

de um social qualquer.

Uma antropologia e sociologia das emoções que tenha por modelo estes autores

partem do princípio compreensivo de que as trocas entre os indivíduos são trocas

racionais, porque objetificadas em projetos e projeções para o Outro. A idéia de projeto,

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cara a estes dois autores, é estimulante para a análise de uma ciência social das

emoções, já que, em ambos os autores, a racionalidade apresentada pelos projetos

configurados através das ações sociais são sentimentos projetados do subjetivo para

uma objetividade encontrada na relação com o Outro da troca. Os homens, assim, ao

interrelacionarem subjetividades em um processo de troca, fundam cristalizações

racionais.

Para Simmel e Weber, em suas ações os homens constroem ou fundam

racionalidades. Na análise weberiana e na análise simmeliana (de forma mais ensaística

e menos metódica do que no tratado formal weberiano), toda a ação do indivíduo é uma

ação provida de sentido, e o sentido demonstra um elemento racional no ato do sujeito,

produzindo possibilidades emotivas e sendo produto das próprias emoções.

Ação e reação presentes em um processo de troca são movidas pelo aspecto

subjetivo e emocional de sujeitos em relação. São movimentadas, também, por todos os

dispositivos cristalizados de trocas sociais anteriores, que fundamentam uma tradição e

uma racionalidade social abstrata.

A tradição e a racionalidade abstrata de uma sociabilidade qualquer, para os dois

autores, deste modo, são construções. A tradição e a racionalidade abstrata são produtos

das relações entre os indivíduos e são constituídas através das remodelagens simbólicas

entre as diversas instâncias institucionais em jogo, em um social mais amplo.

São instâncias que influenciam a prática interacional entre as partes

individualizadas da relação, e possibilitam, assim, não só a institucionalização da rede

que configura uma tradição ou uma racionalidade singular, mas, compõem um pano de

fundo organizacional onde as identidades coletivas são efetivadas e tecidas no cotidiano

das relações.

As ações e as reações da relação são assim portadoras de sentido, e se encontram

sujeitas a um tipo de racionalidade social e a um movimento subjetivo dos sujeitos em

troca. O indivíduo se manifesta socialmente através de suas ações, mesmo quando se

pensa em uma possível recusa à ação.

A recusa, ou a negação, são sentidas como ações sociais. Mesmo a recusa de agir

é provida de sentido. Um ator ao se negar a agir, muda todo processo relacional

possível. E abre ou provoca possibilidades à emergência de Outros processos sociais

através desta negação.

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O gesto recusado se torna uma possibilidade não realizada, onde os atores

podem se ressentir ou jamais saber o que aconteceria se, por acaso, tivesse se defrontado

de maneira positiva. A ação negada é, também, uma forma de ação social. Representa

uma possibilidade social, através da recusa, por um motivo subjetivo qualquer, entre os

atores em relação. A recusa de um ator, que não se dispôs a agir, frustra uma construção

relacional possível.

Os atores em jogo se recolhem naquela negação de agir, e esta negativa passa a

ter uma significação profunda para as relações sociais novas constituídas pelos atores

em disputa. Este fato metodológico acontece não apenas nos atores que optaram pela

recusa à ação, mas, também, em relação às pessoas que estavam envolvidas com eles na

relação, como, também, para todos os segmentos sociais e lugares significados por seus

gestos de recusa à ação. Na análise compreensiva, as causas e as consequências da ação

permitirão um julgamento do conjunto individual e societário.

Para entender este conjunto, contudo, o pesquisador tem que compreender as

redes de ações que foram estimuladas ou frustradas, entre os diversos atores em jogo. É

neste intercruzamento possível que se compreenderá o sentido de cada ação social, no

jogo societário de um social dado.

A criação social parte dos homens enquanto indivíduos sociais. Não está sujeita

a um futuro determinado, nem a uma proposta evolutiva onde se une passado, presente e

futuro.

O processo de criação social é resultante das ações dos homens em relação,

tornando-se possibilidades que se fundam através dos jogos interativos entre indivíduos

ou grupos. Jogos onde as emoções permitem escolhas possíveis para a sua realização, e

para a estruturação de lógicas discursivas que fundamentam as relações de troca, que

nada mais são do que estratégias de poder entre relacionais.

A construção da história se permite acontecer, assim, a partir do arrolamento das

diversas possibilidades do que aconteceria no jogo relacional entre indivíduos sociais.

Na realidade, a questão que Simmel e Weber, colocam é a de que, quando atores se

movimentam, as possibilidades de ação são possíveis ou impossíveis de serem

realizadas.

As ações deste modo são dependentes das diversas escolhas dos atores em

relação, e das diversas e possíveis confrontações com Outros relacionais e com novas

ações emergentes, em consolidação ou frustradas ou, ainda, com as não ações.

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O que estabelece possibilidades presumíveis de vingar, ou não; ou de darem

continuidade, ou não, a um processo social qualquer. Se alguém se retira do jogo e a

conquista almejada não acontece, este alguém poderá ficar com um passado reflexivo

sobre a ação não realizada, que poderá, possivelmente, interferir em sua vida, por todo o

processo social de uma curva de individual.

O que afetará as trocas afetivas, profissionais, institucionais, ou o conjunto das

relações subsequentes deste sujeito. O mesmo acontecendo para os Outros relacionais

atingidos pela não ação.

As ações sociais constituem, assim, possibilidades de criação de uma história

individual e grupal; e de uma vida institucional, social, política e cultural mais geral.

Uma sociabilidade, portanto, nasce e se reformula, continuamente, a partir dos atos dos

indivíduos que se configuram e vão se modificando através do processo relacional.

Cabe às ciências sociais apreender as interpelações, o quem é quem na história

social, em seus diversos recortes e em um processo contínuo de elaboração, a partir das

singularidades individuais até as constituições sociais mais amplas. Compete ao

cientista social, que se dedica a relação entre emoções e sociabilidade, desta forma,

compreender os sentidos que atravessam a constituição de uma história social ou

individual específicas e as formas diferenciadas sobre o que poderia acontecer se as

opções ou os desejos satisfeitos tivessem ido por caminhos diferentes do que os

realizados.

Para Simmel e Weber, a história é compreendida sempre como um processo, ou

através de um conjunto de possibilidades, realizadas ou não. A análise social, portanto,

se realiza através dos projetos humanos (sociais ou individuais), com leituras e

configurações várias.

A análise social, portanto, se realiza através dos projetos humanos (sociais ou

individuais), com leituras e configurações várias. A interrelação entre os indivíduos e a

sociedade se dá em um autoajuste constante, onde planos subjetivos e objetivos se auto-

remetem a todo tempo e propõem formas sociais e jogos de possibilidades, constituindo

um societário específico. E configuram novas possibilidades emotivas e estados mentais

individuais nos sujeitos da troca.

Não existe então uma determinação do e no social. Existe uma história que se

faz a partir dos próprios indivíduos em ação: nela a subjetividade é o elemento que

movimenta a criação social.

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Cada presente, temporal e espacialmente disposto, assim, embora corresponda a

um passado, não se encontra umbilicalmente ligado a um passado em geral, abstrato. O

passado é uma consequência lógica da fundação, formação e consolidação dos atores

que o viveram e o constituíram. O presente, também, não prediz o futuro, apenas

demonstra as possibilidades de um momento determinado de projetos ou projeções

desenhados nas trocas entre os homens.

A história, assim, é prenhe das intenções dos atores envolvidos nas relações

entre subjetividades e projeções objetificadas, ou não, nas e pelas ações. Como um jogo

permanente de poder nas quais as alianças entre os sujeitos em relação vão constituindo

e armazenando possibilidades constitutivas do fazer social, sempre em um tempo e em

um espaço específico.

É a questão de sentido como o fundamento da criação social que Simmel e

Weber afirmam e conferem à categoria racionalidade. A consciência, então, não se

fabrica ou evolui, ela é estabelecida nas relações, e criam sentidos e racionalidades a

partir dos processos interativos, existe nas vontades dos sujeitos da ação durante o

processo relacional.

Esta constatação leva, teórica e metodologicamente, uma questão importante

para a antropologia e sociologia das emoções, e modifica profundamente a compreensão

da história.

As análises de Simmel e Weber colocam as relações entre os homens como

relações de sentido. Ao compreenderem o sentido subjetivo que orienta as ações, as

vêem como proposições, como processos que vão se delineando e sendo desenhados

objetivamente como projetos, isto é, como ações humanas que se expressam em

projetos.

Projetos estes que orientam, ordenam ou encaminham ações. Os dois autores

discutem a idéia de projeto no seu processo de configuração, e esta configuração é

analisada como uma possibilidade entre outras da ação de um sujeito em troca.

Os atores em interação formam projetos prenhes de significados (afetivos,

profissionais, de dominação, de conquista ou de recusa) para quem os move ou os adota.

Os projetos armados, por sua vez, funcionam como os porta-vozes por onde um sujeito

(individual ou em grupo) irá desenvolver ações para o e no Outro, no sentido da sua

realização.

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O sujeito ao detalhar para si, ou junto com Outros, um plano de ação, organiza

toda uma agenda para a sua execução. Agenda esta que dependerá não só das

artimanhas organizativas, ou da pauta nela organizada por um indivíduo ou grupo, mas,

também, dos projetos dos Outros, com quem irão buscar se relacionar para realizar os

projetos agendados.

Para Simmel e Weber as possibilidades de realização desta agenda são várias

nas e entre as relações humanas, e dependem das configurações das ações dos sujeitos, e

de como esses indivíduos se colocam nas diversas possibilidades causais da própria

ação.

Uma comparação entre as ações passadas e presentes, experimentadas

individualmente, ou parte da mentalidade de uma época, permite aos sujeitos da ação

uma previsibilidade das possibilidades de configurações positivas ou negativas de cada

ato em jogo, sem garantir, contudo, uma consequência específica e final para o seu agir.

O imponderável e a incerteza se estabelecem entre os sujeitos em cena, e

configuram as práticas cotidianas de cada um, ou o jogo social e estrutural mais amplo,

ou, mesmo, as perspectivas projetivas das novas possibilidades de caminhar, coletivo ou

individual. As ações, as possibilidades criativas, deste modo, na análise simmeliana e

weberiana, são livres.

Livres, não quer dizer, que elas sejam independentes per si: elas estão

submetidas aos processos formadores dos agentes da ação. As diversas possibilidades se

satisfazem nesse panorama de liberdade das ações sociais, em um processo formador

onde a individualidade e a sociedade se encontram, se interpenetram e se

intercondicionam.

A história, para Simmel e para Weber, então, é esse processo. Ela não tem um

sentido de origem e de destino. Um passado é feito de múltiplas posições e

possibilidades de interação, não só da troca econômica, mas, e, sobretudo, das trocas

políticas, ideológicas, simbólicas e culturais, e suas interseções.

Trocas múltiplas que conformam presentes e passados e, que, - na continuidade

relacional dos processos subjetivos e objetivos que movimentam uma ação social

qualquer, - irão armar o palco para cada cena, propiciando planos de ação e perspectivas

de novos jogos para a construção prospectiva de um futuro.

Nas proposições simmelianas e weberianas, assim, - recapitulando um pouco

este filão analítico para as ciências sociais e, principalmente, para a antropologia e a

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sociologia das emoções, - são os projetos movidos subjetivamente pelos interesses dos

sujeitos relacionados, que possibilitam as relações sociais e lhes dão objetividade.

Simmel chama esse processo de cristalização dos produtos subjetivamente expressos,

resultados de alianças no decorrer de uma troca social entre indivíduos, grupos,

instituições ou sociedades.

A ação entre homens significa então relações sociais entre projetos em jogo.

Uma ação portadora de sentido é uma ação criadora. Está envolvida por vontades que se

projetam e ganham objetividade e expressão no e através do Outro, vai depender sempre

do significado de um projeto, de sua aceitação e confiabilidade no e pelo Outro. Do

encantamento deste Outro, da negação deste Outro ou das possibilidades de alianças

com Outros. Sobre as possibilidades que se erigirão das relações com Outros.

O um e o Outro serão, neste caso, nas análises simmeliana e weberiana, sempre

um conjunto de possibilidades de criações de um social. A ação do homem é, portanto,

munida de valor. O valor é uma estima subjetiva do sujeito individualizado ou coletivo,

e sempre responde a um preceito moral, dado pela tradição ou pelo suporte mental de

uma sociabilidade, em um tempo e em um espaço específico.

A ação responde sempre a uma escolha subjetiva que envolve sentimentos,

emoções e vontades, isto é, remete continuamente para as escolhas de indivíduos, de

grupos, de instituições ou de sociedades.

O subjetivo que move um sujeito social à ação é o motivo que faz com que o

olhar deste sujeito se coloque como uma interrogação frente a critérios e classificações.

Critérios e classificações estes através dos quais entende o mundo. Ou, não o

entendendo, tenta apreendê-lo e garantir um espaço social objetivo para a sua ação se

desenvolver, se estabelecer e se institucionalizar.

A experiência de um indivíduo ou de um grupo faz com que estes se tornem, ou

se sintam seres específicos, únicos, no interior de um espaço e de uma temporalidade

dados. A busca de objetivação dos interesses ou dos valores subjetivos, através dos

projetos que movimentam a ação, cria ou estabelece novos critérios, ou releituras dos

anteriores, formalizando um lugar comum e específico entre os relacionais, dentre

vários Outros projetos em jogo.

A procura de objetivação estabelece alianças que permitem uma relação dada se

desenvolver, em um processo de tensão permanente entre os parceiros da troca. Este

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processo é estabelecido pela possibilidade de alianças entre os projetos, que procurará

objetivar as relações de troca a partir de então.

A partir do critério estabelecido pela hegemonia do novo projeto, - surgido

através da aliança entre parceiros, - se pode entender, ou procurar interpretar as demais

relações novas e especificas desse pacto. As subjetividades e os projetos envolvidos são

submetidos, assim, a nova ideação (afiançada em alianças com as práticas hegemônicas

fornecidas pela objetificação racional nela organizada, e em busca de consolidação),

como tradição e organização do presente e futuro, ao mesmo tempo em que funda e

fundamenta novos processos instituintes e conflituais com os já consolidados.

A forma hegemônica estabelecida pela aliança objetificada na troca estabelece,

assim, uma espécie de verdade social (Ideologia). Os parceiros agora unidos buscam

usar essa verdade a titulo de dar um significado universalizante a ela em relação ao

social mais geral.

Criam uma unidade de interesses e, através dela busca submeter o social em

geral, e os indivíduos neles presentes, aos critérios desta verdade afiançada em alianças

possíveis, os procurando configurar como produtos em processo desta verdade. O que

amplia o caráter conflitual das partes em relação e os processos sempre ambivalentes de

uma dominação que precisa sempre está reforçando o seu aparato de dominação, ou

mesmo abrindo espaços para inclusão de novas perspectivas ou projetos que se alinhem

à sua prática hegemônica, ou combatendo os projetos dissonantes em busca de

objetivação e ruptura à verdade estabelecida.

Notas finais

Este ensaio procurou situar os caminhos teórico-metodológicos organizados

através da crise epistemológica dos anos de 1970 nos Estados Unidos que deu origem a

antropologia e a sociologia das emoções e colocou as emoções como uma categoria

central nas análises do social. Tentou levantar pontos importantes da releitura da

tradição das ciências sociais, - e, aqui, especificamente, da antropologia e da sociologia,

- feita pelos críticos das antigas bases epistêmicas que organizaram as ciências sociais,

para, através dela, situar novas formas de pensar o social e a cultura e as relações entre

pesquisador e pesquisado que organizou os novos campos surgidos pela e através da

crise, e aqui, especificamente a antropologia e a sociologia das emoções como novas

áreas disciplinares.

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Este ensaio procurou, ainda, situar as emoções como inerentes à análise do

social e do cultural e a instauração da categoria emoções como a categoria central de

análise das ciências sociais. O que configurou a delimitação de um lugar de fala dos

estudiosos da relação emoções, cultura e sociedade no interior da tradição disciplinar

das ciências sociais.

Hoje, por fim, estes novos campos das ciências sociais: antropologia e a

sociologia das emoções conformam uma área e ocupam um espaço consolidado nas

ciências sociais mundiais e brasileiras.

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