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O CARÁTER FRAGMENTÁRIO DO ROMANCE MODERNO
CLÁUDIO JOSÉ DE ALMEIDA MELLO
Introdução
Após o final do feudalismo, o surgimento da burguesia e o advento da revolução
industrial, o mundo tem um crescimento vertiginoso numa velocidade assustadora para
o próprio homem que o transformou. A expansão da raça humana, o surgimento das
metrópoles, as grandes epidemias e a fome, devido ao desequilíbrio dessa sociedade
gigante, a fome capitalista por capital em detrimento da qualidade de vida da massa
anônima, as grandes guerras, enfim, os problemas da modernidade, tudo isso provou ao
homem sensível que ele nada tinha provado em termos de verdade. Num mundo onde os
valores se modificam tão rapidamente, a certeza é estilhaçada. Ao invés da verdade
absoluta, a dúvida.
Incapaz de explicar esse caos, de encontrar um veio conscientizador ordenado, só resta
ao escritor esboçar a negatividade de um mundo em ruínas: o desencantamento do
mundo reflete-se na literatura. No romance contemporâneo temos então a fragmentação
dos elementos da estrutura da narrativa: o foco narrativo muitas vezes de difícil ou
impossível precisão, o tempo não linear, o espaço impreciso, as personagens
indefinidas, a falta de ação, o enredo obscuro, a dissolução da sintaxe.
Por que isso acontece? Qual a função dessa fragmentação? Ou não existe função, isso
reflete uma alienação do autor, e trata-se de l`art-pour-l`art? Como se configuram os
elementos da estrutura da narrativa nessa nova literatura?
Na tentativa de compreensão dessas questões, a presente monografia propõe-se a fazer
uma reflexão sobre a finalidade da literatura, por meio da análise da fragmentação em
Perto do coração selvagem , de Clarice Lispector, a fim de tentar interpretar a sua
significação social, a partir da leitura de autores como Benjamin, Lukács e sobretudo
Adorno.
Para isso, em seu primeiro capítulo tentamos estabelecer um paralelo entre a evolução
do pensamento do homem e a evolução estética na literatura e promover um debate
teórico entre autores pró e contra a fragmentação no romance contemporâneo como
meio de conscientizar o leitor da sua alienação.
No segundo capítulo, apresentamos um rápido levantamento da biografia de Clarice
Lispector, do contexto histórico em que o romance a ser analisado foi escrito e,
finalmente, da crítica a esse romance.
Finalmente, no terceiro capítulo, pretendemos identificar em Perto do coração selvagem
qual a configuração dos elementos caracterizados como fragmentários. Mediante essa
análise e um diálogo com o referencial teórico estudado, queremos vislumbrar qual a
intenção da autora Clarice Lispector ao utilizar essas técnicas de construção.
Capítulo I - Significação da técnica fragmentária
1.1 - Técnicas compositivas na evolução do narrador
A arte foi sempre uma maneira de o homem sensível representar o seu mundo, entendê-
lo, explicá-lo. Em cada fase da história essa perspectiva do homem em relação ao
mundo vai mudando, em função da relação estabelecida entre ambos, o que o mundo
representa para ele, sua visão geral desse mundo, seu nível de consciência e suas
crenças - o que sou, de onde vim, para onde vou?
Conforme Benjamin, a origem da arte de narrar está no mundo arcaico, quando a
experiência era transmitida pela narrativa oral. O narrador que trazia experiência de
longe e aquele que acumulava as experiências da terra laboravam as histórias,
compartilhavam-nas, de forma descontraída, enquanto desenvolviam seu trabalho
manual. A essência das histórias ia se fixando em camadas lentas e finas na memória do
ouvinte, sendo que, a cada vez que era reproduzida, a história incorporava a experiência
e os pontos de vista dos narradores.
Ainda segundo Benjamin, com a burguesia temos o surgimento do romance moderno
(gênero em que nos deteremos neste estudo). Nessa nova forma épica, não há mais o
herói representante de valores coletivos, mas o (anti-) herói individualista. Conforme
Rosenfeld, o romancista cria as personagens, focalizando seu interior e seu exterior,
manipula suas ações; mostra o desejo do protagonista com clareza - tudo na obra
converge para o objetivo do herói; utiliza o espaço conforme suas necessidades, mesmo
quando este não tem um valor simbólico; o tempo é utilizado para desfilar uma sucessão
linear de acontecimentos, mostrando o passado com clareza. O narrador tradicional do
romance tem uma história bem organizada - distante da diegese, ele tem o domínio do
mundo -, sua perspectiva não é questionada; equiparando-se a um deus, ele quer passar
a impressão de que a ilusão da ficção é real. Para tanto, chega às vezes a apresentar
provas, testemunhos das ações que narra. O realismo burguês apresenta uma trama que
quer ser uma mímesis da realidade.
No romance contemporâneo nada disso acontece. O poder absoluto do narrador
tradicional é destruído, cedendo lugar para uma narrativa fragmentária: o narrador,
emaranhado nos conflitos das personagens, de modo a não ter clareza sobre o que
narrar, cede o foco narrativo para as personagens - mais de uma -, relativizando os
pontos de vista: temos uma narrativa não mimética; as personagens são um esboço:
faltam dados sobre elas que lhes dêem aparência real - não têm identidade, às vezes nem
nome; a diegese parece se passar numa dimensão sem espaço: este, quando referido, é
construído segundo o ponto de vista subjetivo das personagens - quase nada descritivo,
pouco lembra seu caráter físico; do tempo linear nem se comenta, sobressai o tempo
subjetivo - mais radical que isso, e análogo ao tratamento dado ao espaço, cria-se uma
dimensão atemporal, uma narrativa feita fora do tempo.
1.2 - Intenção política implícita na estética
Lukács nos diz que a estética é criada em função da concepção da sociedade e sua
evolução na história, e que a mediação das relações sociais para que um texto narrativo
tenha verdadeiro valor como poesia épica é uma condição: “Todo novo estilo surge
como uma necessidade histórico-social da vida e é um produto necessário da evolução
social”. O autor deve revelar na vida recriada - na diegese - a essência da práxis
humana; iluminando por seleção os pontos culminantes, possibilita ao leitor um
conhecimento além da superfície. “A narração distingue e ordena”. Assim, “a
onisciência do autor dá segurança ao leitor e permite que este se instale familiarmente
no mundo da poesia”.
O conceito de entrecho (intriga, para os formalistas russos) é caro para Lukács. Todos
os recursos utilizados no romance devem estar ligados a ele, que somente adquire valor
se as ações, as relações entre as coisas, os problemas e as personagens levarem ao
aprofundamento de um conhecimento que revele a essência. A recriação temporal
permite ao leitor reviver a verdadeira sucessão temporal, perceber a essência, a verdade
que de outro modo estaria encoberta pela linearidade do tempo. A simbologia do espaço
deve referir-se ao social, “na medida em que fornece a indispensável mediação concreta
para a manifestação de relações inter-humanas concretas”. Para tanto:
O grande escritor deve observar a vida com uma compreensão que não se limite à descrição da superfície exterior dela e nem se limite à colocação em relevo, feita abstratamente, dos fenômenos sociais (ainda que tal colocação seja justa): cumpre-lhe captar a relação íntima entre a necessidade social e os acontecimentos da superfície, construindo um entrecho que seja a síntese poética dessa relação.
É exatamente nessas considerações que percebemos a idéia de organicidade da narrativa
em Lukács. Para ele, só a estrutura clássica do gênero épico consegue levar ao leitor a
essência. “Se o conflito entre a necessidade e a liberdade é narrado segundo as
verdadeiras normas épicas, o esforço humano aparece em toda a sua grandeza”. A
abstração dos modernos, que paradoxalmente se aproxima do método descritivo
(caracterizado pelo objetivismo), criticado por Lukács, não consegue atingir o intento da
comunicação, mas “só na representação concreta podem se exprimir as vitórias do
homem sobre o mundo externo”.
Lukács defende o narrador épico tradicional, distante da diegese. A distância para ele é
necessária para que o narrador possa selecionar o que realmente foi importante para
passá-lo ao leitor. Diz que, quando a história é narrada do ponto de vista do personagem
que está agindo, “temos a imagem de uma situação de um complexo de coisas e de
homens vistos por um observador confuso que não é capaz de distinguir o que é
essencial”.
A prosa do capitalismo encobre a essência da práxis, e também a possibilidade de sua
transmissão, pela perda do poder da palavra, tendo em vista que esta é a matéria da arte
literária, e, segundo Benjamin, está em sua fase mais pobre, a da informação. Mas,
ainda segundo Lukács, “a arte do romance consiste no descobrimento dos traços atuais e
significativos da práxis social”.
Só o contato com a práxis, só a complexa concatenação das paixões e das variadas ações
dos homens pode mostrar quais tenham sido as coisas, as instituições, etc., que
influíram de modo determinante sobre os destinos humanos, mostrando quando e como
se exerceu tal influência. De tudo isso só se pode ter uma visão de conjunto quando se
chega ao final.
A distância aproxima-se da idéia do momento da morte para Benjamin: é um momento
de tensão, no qual o moribundo tem toda a autoridade para dizer, concluiu o ciclo da
vida. No momento de morte, o homem tem diante de si todos os momentos vividos.
Esse momento é rico em possibilidade de narrativas, pois ele chega ao ápice de sua
experiência, pode recordar todos os pontos de vista que teve na vida.
1.4 - A fragmentação
Certo, Lukács concebe a literatura como uma função tanto mais libertadora,
revolucionária, quanto mais ela leva o leitor a um conhecimento da realidade que
desperta nele o desejo de transformá-la. O problema que colocamos é: qual realidade?
Na Idade Moderna, com a tecnologia, o mundo evolui numa velocidade progressiva.
Conforme Rosenfeld, o processo produtivo em etapas, fragmentário, aliena o sujeito,
impossibilita sua visão sistêmica: sua consciência é fragmentada. Não existe uma
realidade em que acreditar, mas pontos de vista cada vez mais relativos.
Em Adorno vemos que, nesse mundo moderno caótico, o autor que tentasse lutar contra
a injustiça de modo engajado, como um militante, cairia no mercado e sumiria do meio
literário tão depressa quanto sua obra não pode mais levar o leitor ao questionamento,
ao conflito interno, à reflexão, reelaborando suas concepções e construindo novos
conhecimento e verdade.
O problema da representação se aprofunda quando já não se sabe sequer o que
representar. As vanguardas literárias optam pela fragmentação dos elementos estruturais
da narrativa por não acreditarem mais na capacidade do romance tradicional de,
segundo Leite, “representar uma realidade cada vez menos inteligível, fragmentada e
caótica, cujos caminhos de transformação ninguém acredita vislumbrar suficientemente
para apontá-los a leitor algum”.
A começar pela linguagem. Como diz Adorno: "Nenhuma palavra que é inserida numa
obra literária desvincula-se completamente das significações que possui no discurso
comunicativo, mas também em obra alguma, nem mesmo no romance tradicional, essa
significação conserva inalterada aquela mesma que a palavra tinha fora do texto". O
externo está na obra sem realmente estar; em contrapartida, a obra é o externo, sem
realmente ser: na dialética entre essas duas posições está a lei formal que rege a
literatura. A arte autônoma absorve essa lei em sua totalidade, porque não finge ser real,
descarta a objetividade e assume a relatividade de seu subjetivismo. Nela, "a linguagem
abala a significação e através de seu distanciamento semântico rebela-se inventiva e
bandeirante contra a categórica submissão do sentido".
O caráter fragmentário do romance contemporâneo, assim como qualquer aspecto,
qualquer intenção na literatura, tem uma função política, na medida em que o autor
quando escreve deseja influenciar outras pessoas. Nosso questionamento é se essa
fragmentação se configura em uma maneira de o autor levar o leitor à reflexão.
Lukács não acredita nisso, mas sim que a desilusão subjacente a essa técnica na
realidade revela uma apatia a problemas vitais, devido à recusa, à solidão, ao
individualismo, à alienação do homem: uma revolta fracassada. “O esquema de tais
composições é o reflexo imediato da experiência fundamental dos escritores modernos:
a desilusão”. Para criticar o subjetivismo inerente à literatura moderna, fruto da
desilusão, diz:
Descrevem-se psicologicamente esperanças subjetivas e acaba-se por mostrar como essas esperanças, através de várias etapas, vão se esboroar de encontro à rudeza e à brutalidade da vida capitalista. Ao nosso ver, o que a literatura contemporânea fragmentária quer é isso mesmo. A oposição existente entre sujeito e mundo externo é de tal modo rígida e dura que não enseja qualquer dinâmica de relações mútuas. O grau máximo alcançado pelo subjetivismo no romance moderno [...] coroa uma evolução que leva, de fato, a transformar toda a vida íntima do homem numa fixidez estática e material. E, deste modo, o subjetivismo extremado se aproxima, paradoxalmente, da materialidade inerte do objetivismo.
Então, para Lukács, o que valida a subjetividade é a práxis, a verossimilhança dos
conflitos:
As palavras dos homens, seus pensamentos e sentimentos puramente subjetivos, revelam-se verdadeiros ou não verdadeiros, sinceros ou insinceros, grandes ou limitados, quando se traduzem na prática, isto é, quando os atos e as forças dos homens confirmam-nos ou desmentem-nos na prova da realidade. Só a práxis humana pode exprimir concretamente a essência do homem.
Mas Walter Benjamin diz que “a arte de narrar tende para o fim”. Para ele, narrar é
"uma proposta que diz respeito à continuidade de uma história que se desenvolve
agora". Ela tem um interesse prático, continua viva mesmo depois de muito tempo. É o
contrário da palavra na era da informação, onde a arte de narrar está cada vez mais
distante; o homem não sabe trocar experiência, não consegue mais perceber a essência
da práxis almejada por Lukács, muito menos verbalizá-la. Porque, nessa ótica, ele já não
sabe em que acreditar, e mesmo que soubesse, não tem tempo para isso, e, mesmo que
tivesse, já não possui o veículo: a palavra.
Lukács e Adorno concordam com a necessidade da mediação social, mas divergem
quanto à representação das relações entre os homens; enquanto o primeiro defende uma
narrativa tradicional, o segundo situa-se menos na temática do que na forma. Adorno
diz que, se o homem quiser continuar a narrar, deve abdicar da mímesis, porque ela já
não representa a realidade. “Se o romance quer permanecer fiel à sua herança realista e
seguir dizendo como são realmente as coisas, tem que renunciar a um realismo que, ao
reproduzir a fachada, não faz senão pôr-se a serviço do engano criado por esta”. Assim,
a objetividade está descartada da literatura contemporânea.
A questão da fragmentação situa-se exatamente no modo pelo qual o homem vê o
mundo. Conforme Lígia Chiappini M. Leite, principalmente a partir do século XX, a
realidade apresenta-se cada vez menos inteligível, cada vez menos verossímil, e, numa
literatura tradicional, o homem já nem consegue representá-la; o próprio fato histórico é
questionável, ele nasce do sentido que lhe é atribuído. Se a objetivação na literatura está
descartada, pois o mundo empírico, as relações dos homens foram reificadas, “assumir a
subjetividade e a precariedade das perspectivas no enfoque do real seria talvez uma
forma menos ilusória e, portanto, mais eficaz, de conhecer”.
Em nosso entender, o que pode levar à conscientização pedida por Lukács, o que levaria
a um conhecimento mais profundo da realidade, está menos no tema, e como ele queria,
de maneira organizada pelo autor, do que na própria estética, perante a qual a atitude
contemplativa do leitor é impossível.
Por essa razão, Leite pode afirmar que o romance engajado socialmente de Lukács:
[...] está preso à idéia de coerência, da totalidade e da VEROSSIMILHANÇA, e é justamente o que impediu um grande crítico
como Lukács de entender o projeto das vanguardas que rompem com a PERSPECTIVA coesa do romance do século XIX.
A arte engajada, segundo Adorno, “esforça-se por uma atitude”, mas esta atitude é uma
alternativa oferecida ao leitor (no caso da literatura), como uma opção dentro do que
está oferecido. Isso não é liberdade.
Arte não significa aguçar alternativa, e sim, através simplesmente de sua configuração,
resistir à roda viva que sempre de novo está a mirar o peito dos homens. Tão logo,
entretanto, as obras de arte engajadas ocasionem decisões e as transformem em seu
critério de valoração, essas decisões tornam-se substituíveis.
A partir do pensamento adorniano deduzimos que a fragmentação na literatura é menos
o que nunca foi, mera elucubração estética, do que uma concepção de representação
cuja descrença na realidade permeia inclusive e principalmente a estrutura narrativa,
então criticada por Lukács no romance moderno, conforme já expusemos neste trabalho.
“A lógica de Hegel ensinou que a essência tem que aparecer”. Parafraseando Adorno, a
apresentação da essência não pode ignorar sua relação com a aparência. E qual é a
aparência do mundo? Um mundo em que as livres leis do mercado neoliberal garantem
a harmonia do mundo, e a existência de “alguns” excluídos se justifica como custo do
progresso? A arte será tão mais autônoma quanto menos respeitar a heteronomia que
rege os homens, sem deixar de apresentar em sua estrutura, em sua estética, a aparência
perversa de um mundo caótico, no qual os valores humanos dão lugar aos materiais, no
qual a reificação não respeita fronteiras, que é fragmentado, e no qual o homem é
apenas uma pequena peça dessa engrenagem. A literatura autônoma é tão fragmentária e
negativa quanto a sociedade. Pois, “não há um conteúdo objetivo, nem uma categoria
formal da poesia, por mais irreconhecivelmente transformado e às escondidas de si
mesmo, que não proceda da realidade empírica a que se furta”. A ficção extrapola a
realidade aparente porque pode subverter sua racionalidade, e, segundo Adorno, através
das obras de arte autônomas, provocar:
[...] uma reação frente à qual as obras oficialmente engajadas desbancam-se como brinquedos; provocam o medo que o existencialismo apenas persuade. Como desmontagem da aparência, fazem explodir a arte por dentro, que o engagement proclamado submete por fora, e por isso só aparentemente. Sua irrecorribilidade obriga àquela mudança de comportamento que as obras engajadas apenas anseiam.
O próprio objeto do romance entra em colapso. O que escrever? Se, conforme
Benjamin, com a Revolução Industrial, o aparecimento da imprensa, (e mais
recentemente com a “Revolução Tecnológica”), entramos na “era da informação”?
Segundo Adorno, a pintura perdeu seu objeto para a fotografia, o romance perdeu o seu
para a reportagem e para o filme - a própria ficção em si deixa de ser objeto exclusivo
do romance. Além disso, com o capitalismo, a padronização das massas, e atualmente
com o fenômeno da globalização, a própria relação entre as pessoas é ditada pelas
normas sociais, é reificada, tudo tem seu preço, os homens estão alienados de suas
vidas, perderam sua essência. Isso de algum modo sempre foi assim, mas, a partir da
Idade Moderna, acentua-se progressivamente. Por causa disso, Adorno diz que a arte de
narrar está cada vez mais em dizer algo "especial e particular". Só que, como o real e
apreensível foi requisitado pela informação, e o mundo capitalista reifica todas as
relações, resta ao artista representar o mundo caótico em que se acha na modernidade -
coisa que a informação não pode fazer.
Conforme Adorno, o verdadeiro impulso do romance é decifrar o enigma da vida
externa - o conflito entre o indivíduo e a coletividade, entre o homem vivo e suas
relações petrificadas. Quanto mais esses conflitos e a alienação universal se acentuam,
tanto mais o intento do romance se transforma no esforço para revelar a essência, que
aparece cada vez mais estranha e coberta de convenções. A realidade está cada vez mais
camuflada, e o realismo não consegue transpor a barreira que a encobre. “O momento
anti-realista do novo romance, sua dimensão metafísica, é em si mesma fruto de seu
objeto real, uma sociedade na qual os homens estão desgarrados uns dos outros e cada
qual de si mesmo. Na transcendência estética se reflete o desencanto do mundo”.
1.5 - A posição do narrador no romance contemporâneo
Além disso, no mundo arcaico o narrador oral estava inserido na história, não havia
distância entre o narrador e a diegese, porque esta era a sua própria história. Narrador e
ouvinte estavam integrados no mesmo locus, a experiência era unificante. Mas à medida
que o narrador tradicional se distancia da diegese, ele perde a identidade com ela, e só
lhe resta criar a ilusão de um mundo que quer ser real, só que a ilusão não convence
mais. A partir da burguesia, o valor possível é individualista. Conforme Benjamin
(baseado na Teoria do romance de Lukács), no romance o (anti-) herói não defende
valores coletivos, mas tem um objetivo individual; ele é solitário, e o leitor também. O
narrador organiza a história, que possui unidade formal, mas não tem unidade de valores
coletivos. Por isso não conquista. É por demais ilusória.
Rosenfeld diz que o questionamento da ilusão criada no romance tradicional começa na
idade moderna, marcadamente a partir de Proust. Quem narra? Sob que perspectiva? O
mundo totalizante criado pelo romancista tradicional não é convincente, pois coloca
tudo numa disposição linear. Análoga à da pintura, no romance do nosso século temos a
desrealização da visão totalizante e perspectiva, só que aqui ela não é espacial, mas
temporal: passado, presente e futuro aparecem diluídos. O tempo linear é irreal,
insuficiente para explicar suas impressões subjetivas. O artista não quer representar uma
diegese mimética; já não sabe mais em qual mundo acreditar, pois sua consciência
também é afetada pela transformação veloz da realidade, cada vez mais relativizada.
A organicidade cria ilusão, passa só um ponto de vista - o do narrador. Se na literatura
contemporânea não existe espaço para a distância, o narrador só pode narrar sendo
participante da história, ao contrário de como Lukács doutrinava. O principal dessa
participação do narrador na história é com relação à distância entre ele e a diegese (no
romance contemporâneo a distância deve ser abolida), independente do tipo de narrador
utilizado na construção da narrativa.
Conforme Rosenfeld, o romance contemporâneo, ao eliminar a distância, dá uma visão
microscópica do homem, que muito ampliada produz revelações não só dele, mas de um
mundo. Com a fragmentação do indivíduo, ele torna-se abstrato. O narrador não
consegue mais explicar a partir da sua consciência (eu), nem a partir da expressão do
mundo exterior: ele anula a distância eu x mundo, e mergulha no inconsciente da
personagem - ou de si mesmo? O fragmento da inconsciência de um indivíduo na
literatura contemporânea pode guardar conflitos de toda a humanidade.
Nesse mundo onde realmente o narrador não consegue ver claramente, Adorno diz que a
realidade transmitida no romance tradicional é irreal. O esforço estético para não iludir
deve abolir a mentira da ilusão, a imagem falsa do real. Segundo ele, o monólogo
interior é uma técnica privilegiada para tal intento: através dele, o mundo vai sendo
arrastado a esse espaço interior, e todo externo se reflete nele como um fragmento rico
em significações, mas fora da ordem objetiva espácio-temporal. Na extrema dissolução
subjetiva dessa técnica subjaz a relatividade, a perspectiva de um narrador que não
ilude. Absorvendo a distância, o narrador situa-se no centro da ação, e não tem pudor de
revelar sua perspectiva, que, mesmo camuflada, na realidade sempre existiu. A
produção de vanguarda “vê na reabsorção da distância um mandamento da forma
mesma, um dos procedimentos mais eficazes para destruir a conexão superficial e
expressar o que está por trás dela, a negatividade do positivo”. O indivíduo tem que se
liquidar para se reencontrar.
Para Adorno, o novo romance é contra a mentira da representação, contra o narrador
(tradicional) mesmo. Mas quando o sujeito poético se emancipa das convenções da
representação objetiva, cria então não uma linguagem pura, mas uma segunda, filtrada
da primeira, fragmentada e associativa, apresentando-se através do monólogo interior.
Uma narrativa objetiva é tão menos possível quanto mais é verdade que a palavra
perdeu seu poder mimético. A palavra não diz nada. Na era da informação, a palavra
não pode transmitir experiência, pois ela está gasta, transformada em mercadoria de
consumo. A dúvida de que a palavra é verdadeira é a única certeza que podemos ter.
As alterações de técnicas de construção na arte moderna são conseqüência da nova
concepção de mundo. A fragmentação e minuciosa observação do indivíduo revelam
não só seus conflitos e a essência de suas relações com a coletividade, mas de todos os
homens. Talvez o próprio homem, que desencadeou este mundo caótico, agora se veja
ameaçado por ele. De acordo com Rosenfeld, isso se reflete no artista, que não se sente
autorizado a esboçar o mundo a partir de sua consciência, numa época "com todos os
valores em transição e por isso incoerentes, uma realidade que deixou de ser `um mundo
explicado`, exigem adaptações estéticas capazes de incorporar o estado de fluxo e
insegurança dentro da própria estrutura da obra". Desapareceu a certeza, o mundo
criado pelo artista não aceita ordens da sua consciência.
1.6 - Aspecto positivo da negatividade
O caos total, a negatividade das relações entre os homens, sua alienação, a relatividade
dos fatos, na literatura contemporânea são representados subjetivamente na forma da
obra. O artista também sofreu um processo de alienação; como vítima do sistema
capitalista que sempre se renova, ele virou especialista, um técnico, cujo conhecimento
não pode abarcar a complexidade do mundo. Por outro lado, ele desenvolve um
processo antagônico de rejeição ao sistema que o desumanizou: o experimentalismo, a
busca da técnica pura, do Novo, é uma possibilidade de expressão desse mundo - de
outro modo, tradicional, organizado, seria submeter sua arte à hierarquização ditada
pelo sistema. A síntese dialética desses dois processos só pode ser expressa pela
negatividade que não se submete à heteronomia ditada pelo sistema.
Essa concepção adorniana de que a negatividade do experimentalismo é a única
alternativa para impedir a alienação do leitor, segundo Regina Zilberman, é criticada por
Hans Robert Jauss. Sua estética da recepção ressalta a função comunicativa da
literatura, na qual o leitor ocupa lugar de destaque: pela experiência estética, o leitor
recria a obra (poíesis), mas também amplia seus conhecimentos de mundo (aisthesis),
através da identificação com a obra (katharsis). A autora diz que Jauss "concorda em
que só criações altamente experimentais, como as do século XX, podem acordar o
sujeito de sua alienação numa sociedade reificada", mas o prazer estético para ele é
fundamental para a compreensão da obra, sem o que não haveria comunicação, e
conseqüentemente a obra não teria razão de existir. Mas Jauss discorda que a indústria
cultural reifica o prazer estético, transforma-o em bem de consumo. Conforme
Zilberman:
Para Jauss, o desprestígio do prazer estético determina a rejeição da arte por inteiro, conduta implícita em teorias que se recusam a aceitar a validade da experiência do leitor ou que a discriminam, encarando-a tão-somente como efeito da indústria cultural e dos produtos destinados ao consumo.
Ao nosso ver, Adorno não rejeita a função comunicativa da literatura, mas defende sim
que a indústria cultural sempre tirará proveito do prazer estético, alienando assim o
leitor, pois dessa maneira este estará incapacitado de viver a experiência estética no
nível da aisthesis.
Baseados nesse raciocínio, concordamos que o essencialmente político da arte
autônoma está em sua negatividade, em sua não aceitação do estado vigente das coisas -
a práxis. Conforme Adorno, ela “dissimula a felicidade: a felicidade estaria acima da
práxis. A força da negatividade na obra de arte mede o abismo entre a práxis e a
felicidade”. A sociedade burguesa queria a arte como o templo da felicidade (o prazer
não estaria na vida empírica, no trabalho, mas na arte). É certo que não se pode evitar
que “a face que a obra de arte volta ao observador provoque neste algum prazer, mesmo
que fosse apenas através da realidade formal da libertação temporária do domínio das
finalidades práticas”. Entretanto, não é o prazer estético que desperta o interesse na arte
autônoma: “o relacionamento de aceitação e efeito não é o princípio a que as obras
autônomas se submetem, e sim sua própria estrutura íntima”. A obra de arte mantém a
negatividade da realidade, e o comportamento contemplativo não é mais possível: esse
leitor nunca será mais o mesmo. Aí está a significação social das vanguardas. Esse
(novo) leitor é impelido à reflexão, a envolver-se.
1.7 - Aspecto negativo da Indústria Cultural
Como a arte autônoma já não serve para a conservação e legitimação da sociedade
burguesa, então esta a transforma em objeto de uso. A industria cultural transformou o
divertimento e a arte menor de outrora em mercadoria consumível, em substituição à
arte verdadeira. Na mercadoria cultural o consumidor encontra o momento mimético,
para consumi-lo, colocando nele suas emoções como bem entende, numa catarse
utilizável perante o objeto estético. Até a fase da administração total, o recebedor tinha
uma reação oposta: não era a obra que se assemelhava a ele, mas ele é que se
assemelhava a ela. Segundo Adorno, nisso consistia a sublimação estética.
A obra de arte não deve ser apenas um veículo para o escritor transmitir e defender suas
idéias. Segundo Adorno, ela mesma deve ser, na linguagem de Durkheim, o “fait
social”, e dizer por si mesma. O contrário disso, “o comunicado, por mais sublime que
seja, é quase nada mais que um assunto”: a indústria cultural agradece porque dessa
maneira pode tirar proveito da mesma arte que se propõe engajada contra ela. O
problema da arte engajada é lutar contra um sistema utilizando as regras dele, e desse
modo sucumbe, é absorvida e administrada por ele, porque outra não é sua lógica.
Quanto mais a arte contém adereços - necessários ao enredo - do mundo externo, mais
se assemelha a ele. “No momento em que, na literatura engajada, o assassínio
generalizado (do povo) torna-se bem cultural, fica mais fácil colaborar-se com a cultura
que fez nascer o assassínio”. A irrupção da desconstrução formal abala esses laços, que
não são frágeis, aumentando a autonomia da obra.
As obras de arte que com sua existência abraçam o partido das vítimas da racionalidade
que submete a natureza, estiveram no protesto - já por sua própria natureza - sempre
envolvidas no processo de racionalização. Se pretendessem renegá-lo, estariam estética
e socialmente incapacitadas: uma gleba mais elevada. O princípio organizador, o
princípio que promove a unidade de cada obra de arte, é justamente tomado da
racionalidade, a cuja pretensão totalitária ele quer pôr termo.
A arte reificada já não diz ao sujeito. A indústria cultural, ávida por lucros, então
capitaliza sobre o que o próprio consumidor elabora a partir dessa arte: quer fazer
transparecer que isso, o que lhes foi alienado, seja realmente deles, sua pertença. Claro
que o recebedor ainda encontra alguma satisfação, mas esta é falsa.
Mas a reificação como processo para consumo é uma constante do capitalismo. É por
isso que o conceito do Novo em Adorno é importante para a arte autônoma: se ela que
ser livre das leis de mercado contra as quais ela se opõe, ela não pode deixar de
experimentar, de configurar-se um ambiente estético essencialmente embrionário: ainda
não reificado. De maneira que essa arte nova já não terá este adjetivo quando cair nas
garras da indústria cultural. A arte nova tem que abdicar de todo o mercantilismo, toda
reificação, e, devido à imanência social de qualquer arte, ela só pode então conciliar-se
no irreconciliável, no sofrimento, no sentimento de negatividade da realidade. O
divertimento e o deleito imediato é um engodo para ela.
1.8 - Conclusão
A arte quer fazer algo mais que a satisfação das necessidades imediatas, como a
informação e o divertimento. O conhecimento discursivo é racional, e não mostra o
sofrimento, porque só pode banalizá-lo, conceituando-o; este é irracional, só a arte
autônoma pode sofrê-lo, porque ele está em sua essência mais íntima: em sua estrutura,
em sua própria forma. É assim que “o obscurecimento do mundo torna racional a
irracionalidade da arte”. A negatividade da arte é justo o que lhe foi tirado pela cultura
estabelecida. Ao invés de mostrar a infelicidade, protestar em vão, a arte autêntica
propõe sua experiência ao leitor, mediante sua identificação: é assim que ela a exprime -
o leitor vive-a. A estética dessa nova arte é a “linguagem do sofrimento” de que fala
Adorno. O fim da história tem uma significação social para a narrativa fragmentária. Se
o sofrimento e a negatividade não podem ser transmitidos de forma racional, a arte
autônoma o faz segundo a concepção da experiência em Benjamin: só pode ser
transmitida quando ela é unificadora, faz parte do mesmo mundo do narrador, da obra,
do leitor. É "uma proposta que diz respeito à continuidade para uma história que se
desenvolve agora".
A heteronomia da arte está subordinada ao estado da sociedade moderna, em que as leis
de mercado a tudo aliena: a mímesis disso deve ser a essência da arte, que só assim e
por isso mesmo torna-se moderna, autônoma. Para ela, ir contra sua heteronomia não é
protestar contra esta, mas transformar em experiência através da sua própria forma e da
abstração o que o sujeito perdeu quando foi registrado, ao ser protocolado na sociedade:
a liberdade.
A narrativa fragmentária registra na própria forma da obra de arte essa relativização da
aparência, essa negatividade, esse sofrimento, essa irracionalidade de que fala Adorno:
o narrador assume sua fragilidade, e passa não só a oferecer mais de um ponto de vista,
mas também às vezes mostrar-se contraditório, ou cedendo o foco narrativo às
personagens, como se existissem mais de um narrador; o espaço perde a sua
característica concreta, física, realista, para dar lugar à subjetividade; o tempo objetivo,
cronológico, é muito pouco utilizado: na narrativa fragmentária prevalece o tempo
subjetivo, chegando a uma interpretação radical em que pode ser suprimido o tempo da
narrativa (no romance a ser analisado neste trabalho temos exemplo disso); as
personagens aparecem desfiguradas, sem identidade - até mesmo sem nome ou traços
físicos; o enredo que deveria organizar esses elementos em torno da intriga, padece da
mesma fragmentação: não existe um clímax, desfecho, personagens em torno de
objetivos. Tudo isso é a expressão da desumanização a que chegou o homem, que o
artista revela por meio da própria forma da obra.
Nossa conclusão segue o pensamento adorniano: o homem está sem história para
contar; aparentemente, nada é possível; mas a essência sempre existirá - o curso da
humanidade continua, sempre - embora cada vez mais encoberta. A narrativa
fragmentária tenta dar um sentido para a literatura, ela é a expressão da desumanização
a que chegou o homem. Por isso ela não tem ação, nem harmonia, também na forma da
estrutura narrativa. A técnica incomoda, e seu objetivo é este mesmo. É possível
mudanças, o mundo nem sempre foi assim, mas se for inteligível, racional, o autor
estará utilizando as normas do sistema que ele rejeita. A alternativa utilizada no
romance contemporâneo é o uso do imaginário, da linguagem estética, às vezes ainda
não revelados, que ele nem sabe. A construção da narrativa fragmentária revela a
relação do homem com a sociedade.
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