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9 Sªo Paulo, 25 a 31 de maio de 2012 9 o Paul o, 25 a 31 de mai o de 2012 MATRIA DE CAPA MATRIA DE CAPA O casamento, quem diria, estÆ mudando A estrutura familiar vem se transformando e passa por um momento de transiªo entre o tradicional e as novas necessidades. Mariana Sales O homem trabalha fora, Ø o provedor do lar. A mulher Ø responsÆvel por cuidar da casa e dos filhos. PapØis definidos, funıes aceitas? Nªo mais. Este mode- lo herdado dos anos 50 estÆ acabando. Hoje, os papØis sªo variados e indefini- dos. Os modelos de famlias podem ser compostos por pai e mªe que trabalham fora, pais e mªes em seu segundo casa- mento, mªes solteiras que assumiram por opªo ou nªo a maternidade e pa- ternidade junto, casais sem filhos por opªo ou nªo. Alguns moram juntos sem oficializar suas uniıes, e hÆ tambØm casais homossexuais. Sendo assim, o papel de quem Ø quem nesta histria Ø uma disputa entre os modelos mais tradicionais aqueles ensinados pelos avs e avs e modelos mais recentes, em que todos sªo respon- sÆveis por tudo. Divisªo de tarefas Hoje, grande parte das mulheres casadas tambØm trabalha fora, para que, juntos, o casal possa nªo s pro- porcionar melhor condiªo de vida para a famlia, mas tambØm pela realizaªo pessoal e profissional explica a psic- loga Carla Rodrigues. E quando isso acontece quem fica responsÆvel pelas tarefas domØsti- cas? Marcelo Castro, 45, casado hÆ 20 anos, fala que sua participaªo nos servios domØsticos nªo Ø tªo grande. O nœmero de casamentos cresceu 4,5% de 2009 para 2010 Apesar de ainda nªo ser totalmente igualitÆria, a divisªo de tarefas jÆ acontece entre o casal FOTO: IMAGE SOURCE - NEIL GUEGAN Lavo a loua s vezes, mas a maioria das tarefas Ø minha esposa que faz, conta ele. JÆ no caso de Tatiane Silva, 32, que Ø casada hÆ cinco anos, as tarefas sªo di- vididas em casa. Ele tambØm faz faxina. Lava o banheiro, limpa o chªo. A comida sou eu que fao na maioria das vezes, mas Ø porque ele nªo sabe cozinhar, explica ela sobre a funªo do marido nos afazeres domØsticos. Tatiane diz que sua mªe, casada hÆ quase 30 anos, demorou a se acostumar com a ideia do genro fazer os servios domØsticos. Minha mªe chegava mi- nha casa e via meu marido fazendo faxi- na e dizia que ele nªo sabia fazer essas coisas. Na casa dos meus pais, ela sem- pre cuidou dos servios de casa, alØm de trabalhar fora, complementa. A psicloga Carla Rodrigues explica que essas mudanas no comportamento do casal sªo recentes, cerca de 30 a 40 anos. Geraıes diferentes ainda convi- vem em um ambiente familiar em que tudo mudou muito. No entanto, estudos ainda mostram que a maior parte das tarefas domØsticas ca com as mulheres, mesmo as que trabalham fora. Essa mentalidade ainda nªo mudou completamente. Ainda somos muito inuenciados por um modelo familiar que durou muito tempo. Crise A relaªo familiar se transformou nªo s no aspecto de divisªo de tarefas. Se- gundo dados do Censo 2010, divulgados no mŒs passado, nos œltimos dez anos o nœmero de divrcios dobrou. Em 2000, o nœmero era de 1,7%, uma dØcada de- pois, 3,1%. A partir de 2007, os divrcios jÆ podiam ser solicitados por vias administrativas, nos tabelionatos, quando houvesse con- senso e o casal nªo tivesse lhos meno- res de idade ou incapazes. Mas, em 2010, o processo cou ainda mais fÆcil. Desde entªo Ø possvel solicitar o divrcio a qual- quer tempo seja litigioso ou consensual, nªo precisando esperar mais dois anos para uma nova uniªo. De acordo com a anÆlise do IBGE (Ins- tituto Brasileiro de Geograa e Estatstica) a facilidade proporcionada pela lei colabo- rou para o aumento de divrcios. Vontade de casar Apesar disto, a vontade de se unir nªo diminuiu. As uniıes consensuais aquelas em que a pessoa vive em companhia do cnjuge sem ter casado no civil ou religio- so aumentaram. Dados de 2000 mos- tram que 28,6% das pessoas viviam nesta situaªo. No ano de 2010, o nœmero subiu para 36,4%. Bernardo Jablonski, doutor em Psico- logia Social, escreveu no seu trabalho O cotidiano do casamento contemporneo: a difcil e conitiva divisªo de tarefas e res- ponsabilidades entre homens e mulheres que, apesar da crise, a maioria das pesso- as espera se casar. A sociloga Paula Sandrini explica que apesar de atualmente o sucesso pros- sional ser considerado de extrema impor- tncia, o casamento ainda Ø um desejo. Mas devido a rapidez do nosso mundo, em que queremos soluıes instantneas para todos os problemas, Ø cada vez mais difcil manter um casamento. Para isso Ø neces- sÆrio muito empenho e paciŒncia. Cons- truir e manter uma relaªo requer tempo. Mas, nªo estamos mais acostumados a dispor de tanto tempo, nalizou Paula. FOTO: IMAGE SOURCE - SIMON POTTER

O casamento, quem diria, estÆ mudando · O casamento, quem diria, estÆ mudando A estrutura familiar vem se transformando e passa por um momento de transiçªo entre o tradicional

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Page 1: O casamento, quem diria, estÆ mudando · O casamento, quem diria, estÆ mudando A estrutura familiar vem se transformando e passa por um momento de transiçªo entre o tradicional

9São Paulo, 25 a 31 de maio de 2012 9São Paulo, 25 a 31 de maio de 2012

MATÉRIA DE CAPAMATÉRIA DE CAPA

O casamento, quem diria, está mudandoA estrutura familiar vem se

transformando e passa por um momento de transição entre o

tradicional e as novas necessidades.

Mariana Sales

O homem trabalha fora, é o provedor do lar. A mulher é responsável por cuidar da casa e dos filhos. Papéis definidos, funções aceitas? Não mais. Este mode-lo herdado dos anos 50 está acabando. Hoje, os papéis são variados e indefini-dos. Os modelos de famílias podem ser compostos por pai e mãe que trabalham fora, pais e mães em seu segundo casa-mento, mães solteiras que assumiram � por opção ou não � a maternidade e pa-ternidade junto, casais sem filhos � por opção ou não. Alguns moram juntos sem �oficializar� suas uniões, e há também casais homossexuais.

Sendo assim, o papel de quem é quem nesta história é uma disputa entre os modelos mais tradicionais � aqueles ensinados pelos avôs e avós � e modelos mais recentes, em que todos são respon-sáveis por tudo.

Divisão de tarefas�Hoje, grande parte das mulheres

casadas também trabalha fora, para que, juntos, o casal possa não só pro-porcionar melhor condição de vida para a família, mas também pela realização pessoal e profissional� explica a psicó-loga Carla Rodrigues.

E quando isso acontece quem fica responsável pelas tarefas domésti-cas? Marcelo Castro, 45, casado há 20 anos, fala que sua participação nos serviços domésticos não é tão grande.

O número de casamentos cresceu 4,5% de 2009 para 2010

Apesar de ainda não ser totalmente igualitária, a divisão de tarefas já acontece entre o casal

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�Lavo a louça às vezes, mas a maioria das tarefas é minha esposa que faz�, conta ele.

Já no caso de Tatiane Silva, 32, que é casada há cinco anos, as tarefas são di-vididas em casa. �Ele também faz faxina. Lava o banheiro, limpa o chão. A comida sou eu que faço na maioria das vezes, mas é porque ele não sabe cozinhar�, explica ela sobre a função do marido nos afazeres domésticos.

Tatiane diz que sua mãe, casada há quase 30 anos, demorou a se acostumar com a ideia do genro fazer os serviços domésticos. �Minha mãe chegava à mi-nha casa e via meu marido fazendo faxi-na e dizia que ele não sabia fazer essas coisas. Na casa dos meus pais, ela sem-

pre cuidou dos serviços de casa, além de trabalhar fora�, complementa.

A psicóloga Carla Rodrigues explica que essas mudanças no comportamento do casal são recentes, cerca de 30 a 40 anos. Gerações diferentes ainda convi-vem em um ambiente familiar em que tudo mudou muito. �No entanto, estudos ainda mostram que a maior parte das tarefas domésticas Þ ca com as mulheres, mesmo as que trabalham fora. Essa mentalidade ainda não mudou completamente. Ainda somos muito inß uenciados por um modelo familiar que durou muito tempo�.

Crise A relação familiar se transformou não

só no aspecto de divisão de tarefas. Se-gundo dados do Censo 2010, divulgados no mês passado, nos últimos dez anos o número de divórcios dobrou. Em 2000, o número era de 1,7%, uma década de-pois, 3,1%.

A partir de 2007, os divórcios já podiam ser solicitados por vias administrativas, nos tabelionatos, quando houvesse con-senso e o casal não tivesse Þ lhos meno-res de idade ou incapazes. Mas, em 2010, o processo Þ cou ainda mais fácil. Desde então é possível solicitar o divórcio a qual-

quer tempo seja litigioso ou consensual, não precisando esperar mais dois anos para uma nova união.

De acordo com a análise do IBGE (Ins-tituto Brasileiro de GeograÞ a e Estatística) a facilidade proporcionada pela lei colabo-rou para o aumento de divórcios.

Vontade de casarApesar disto, a vontade de se unir não

diminuiu. As uniões consensuais � aquelas em que a pessoa vive em companhia do cônjuge sem ter casado no civil ou religio-so � aumentaram. Dados de 2000 mos-tram que 28,6% das pessoas viviam nesta situação. No ano de 2010, o número subiu para 36,4%.

Bernardo Jablonski, doutor em Psico-logia Social, escreveu no seu trabalho �O cotidiano do casamento contemporâneo: a difícil e conß itiva divisão de tarefas e res-ponsabilidades entre homens e mulheres� que, apesar da crise, a maioria das pesso-as espera se casar.

A socióloga Paula Sandrini explica que �apesar de atualmente o sucesso proÞ s-sional ser considerado de extrema impor-tância, o casamento ainda é um desejo. Mas devido a rapidez do nosso mundo, em que queremos soluções instantâneas para todos os problemas, é cada vez mais difícil manter um casamento. Para isso é neces-sário muito empenho e paciência. Cons-truir e manter uma relação requer tempo. Mas, não estamos mais acostumados a dispor de tanto tempo�, Þ nalizou Paula.

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